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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

ANA JÚLIA FERREIRA ALVES

IAN IZAIAS XAVIER FERREIRA

LUIZ GUILHERME SILVA CRUZ

MARIA CLARA FERREIRA FORTUNATO

MÁRIO ANTÔNIO MARTINS JÚNIOR

TIAGO FERREIRA REIS

“MOSTRE SEUS SEIOS E MORRA”: A REPRESSÃO SEXUAL SETENTISTA


ESTADUNIDENSE NAS LENTES DO FILME HALLOWEEN.

UBERLÂNDIA

2023
ANA JÚLIA FERREIRA ALVES

IAN IZAIAS XAVIER FERREIRA

LUIZ GUILHERME SILVA CRUZ

MARIA CLARA FERREIRA FORTUNATO

MÁRIO ANTÔNIO MARTINS JÚNIOR

TIAGO FERREIRA REIS

“MOSTRE SEUS SEIOS E MORRA”: A REPRESSÃO SEXUAL SETENTISTA


ESTADUNIDENSE NAS LENTES DO FILME HALLOWEEN.

Trabalho proposto pelo Prof. Dr. Túlio Rossi, da


disciplina de Sociologia da Arte, ao setor de
graduação em Artes Visuais da Universidade Federal
de Uberlândia.

UBERLÂNDIA

2023
“Uma vida feliz num mundo de horror é
refutada como algo de infame pela mera
existência desse mundo”
(Theodor W. Adorno)
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................................5

2. A CONJUNTURA SETENTISTA AMERICANA.....................................................5

2.1 A INDÚSTRIA ENQUANTO MECANISMO DE OPRESSÃO......................6

3. HALLOWEEN ENQUANTO PRECURSOR DOS FILMES SLASHER...................7

3.1 O ENREDO DE HALLOWEEN...................................................................7

3.2 ESCOLHAS NA DIREÇÃO DE CARPENTER..........................................12

3.3 O LEGADO DE HALLOWEEN.................................................................13

4. CONCLUSÃO.......................................................................................................14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................15
1. INTRODUÇÃO
Esta dissertação surge de um trabalho proposto pelo Prof. Dr. Túlio Rossi,
da disciplina de Sociologia da Arte, durante a graduação em Artes Visuais pela
Universidade Federal de Uberlândia. A partir de uma análise fílmica e sociológica
da obra cinematográfica “Halloween” (John Carpenter, 1978), reunimos
informações acerca do contexto e impacto do subgênero slasher do cinema de
horror estadunidense, bem como suas raízes socioculturais e conexões com a
violência contra a mulher e o conservadorismo reacionário da época.

2. A CONJUNTURA SETENTISTA AMERICANA


Os anos 1960 e 1970 nos Estados Unidos da América foram marcados
por diversos movimentos sociais de contracultura, reinvindicação de direitos
humanos e emancipação. Como consequência, pudemos assistir ao advento da
Revolução Sexual, fenômeno que ocorreu em todo o mundo ocidental durante
essas décadas, marcado pela discussão acerca de temas como masturbação,
saúde sexual feminina, casamento homoafetivo, legalização do aborto, etc. 1 O
movimento Hippie2, também dessas décadas, difundiu o uso terapêutico e
recreativo de substâncias ilícitas como a cannabis e alucinógenos. Em suma, os
EUA testemunharam nessa década o avanço de pautas e políticas progressistas,
que provocou uma reação conservadora por parte da chamada Nova Direita3
estadunidense.4
A priori, a indústria cinematográfica dos Estados Unidos se via num
contexto opressivo, causado pelo Código Hays – conjunto de diretrizes e
regulamentos de autocensura, originalmente intitulado Motion Picture Production
Code (MPPC), implementado em 1930 pelas grandes produtoras de cinema. As
normas eram estabelecidas por Joseph Breen, administrador da Production
Code Administration (PCA), responsável pela implementação do código.

1
BARROS, Patrícia Marcondes de. A revolução sexual nos anos 70 e o pensamento
contracultural de Rosie Marie Muraro. Revista Nupem, v. 9, n. 18, p. 101-103, 2017.
Disponível em: https://periodicos.unespar.edu.br/index.php/nupem/article/view/5533/3561.
Acesso em: 15 de agosto de 2023.

2
Movimento contracultural que surgiu na década de 1960, caracterizado por valores de paz,
amor, liberdade individual, rejeição de padrões sociais convencionais e busca por uma conexão
mais profunda com a natureza e a espiritualidade (MILLER, Timothy A. The hippies and
american values. Univ. of Tennessee Press, 2012.)

3A Nova Direita nos Estados Unidos refere-se a um movimento político que emergiu nas
décadas de 1960 e 1970. Ele é caracterizado por uma abordagem conservadora que enfatiza
políticas intervencionistas no cenário internacional, promovendo valores tradicionais, intensa
defesa militar e uma postura assertiva na promoção dos interesses americanos no exterior.
(MOLL, 2015)

4
ADELMAN, Miriam [et al] (Orgs). Introdução. In: Mulheres, Homens, Olhares e Cenas.
Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
Representações “adequadas” de sexo, ocultação da violência explícita, do uso
de substâncias e da nudez estavam entre os critérios utilizados para definir se
um filme era aceitável ou inaceitável. As restrições passaram a ser questionadas
e violadas, até culminarem em seu fim em 1968, sendo substituídas pela
classificação indicativa da Motion Picture Association of America (MPAA).
O fim do Código Hays provocou uma tréplica da indústria cinematográfica
que, livre das censuras impostas, promoveu uma onda de filmes com violência
gráfica, sexo explícito e nudez. Esse fenômeno fez com que o cinema de horror
americano ampliasse significativamente seu impacto e atingisse o mainstream.
Agora, o gênero já não era mais um mero plano secundário e atingia uma maior
parcela dos telespectadores da época.5 O conservadorismo estadunidense,
diante do advento dessas novas convenções, viu no cinema de horror uma nova
possibilidade de avançar contra a emancipação de valores progressistas
inevitável da década. A chegada de filmes como Carrie, a Estranha (Brian de
Palma, 1976), Massacre da Serra Elétrica (Tobe Hooper, 1974) e a obra de
referência desta dissertação, Halloween (John Carpenter, 1978), explicitam os
imperativos contra a libertação dos ideais da juventude da época.

2.1 A indústria enquanto mecanismo de opressão


O subgênero slasher emerge no fim da década de 1970, alcançando
popularidade nos anos 1980, sobretudo nos Estados Unidos. Uma de suas
características mais notáveis é que suas tramas frequentemente narram a
mesma história: um assassino em série, que persegue e elimina suas vítimas e
permanece no anonimato até o clímax, até que é capturado ou temporariamente
derrotado por uma única sobrevivente, geralmente feminina, do grupo. Os filmes
desse subgênero do horror também trazem personagens características: em sua
maioria, adolescentes e “transgressores sexuais”. A construção delas visa a
estabelecer conexões com comportamentos considerados “libertinos” pelo
conservadorismo da época, o que leva o assassino – personificando o moralismo
conservador – a punir cruelmente cada um dos “transgressores”, com mortes
dotadas de violência gráfica.
Fica evidente, portanto, que as noções tradicionais de gênero, juventude,
família e sexualidade foram pautas marcantes das décadas de 1970 e 1980, em
que os diversos movimentos de contracultura afloraram e culminaram no
afrouxamento de códigos morais. O conflito entre as evoluções progressistas e
o conservadorismo reacionário da época evidenciou uma característica moldável
e moldadora da indústria cinematográfica, ao assumir o papel de veículo
repressor da Nova Direita estadunidense, revoltada com os avanços da
5LAROCCA, Gabriela Müller. O corpo feminino no cinema de horror: gênero e sexualidade
nos filmes Carrie, Halloween e Sexta-feira 13 (1970-1980). Orientador: Prof. Dra. Ana Paula
Vosne Martins. 2016. Dissertação (Pós-Graduação em História, Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2016. Disponível em:
https://www.academia.edu/27959027/O_Corpo_Feminino_no_Cinema_de_Horror_G%C3%AAn
ero_e_Sexualidade_nos_filmes_Carrie_Halloween_e_Sexta-Feira_13_1970_-_1980. Acesso
em: 16 nov. 2023.
juventude revolucionária setentista. Analisaremos, no próximo capítulo, a
evolução dos filmes de horror enquanto recurso de repressão sexual e moral nos
Estados Unidos da América, tal como seus impactos na sociedade e na cultura.

3. HALLOWEEN ENQUANTO PRECURSOR DOS FILMES SLASHER


Halloween (John Carpenter, 1978) é um filme de horror que,
indiscutivelmente, marcou a história do cinema e da cultura popular. A figura do
emblemático assassino da película, Michael Myers, tornou-se um ícone do terror,
reverberando em fantasias de Halloween, referências em diversas mídias e
permanecendo viva na consciência coletiva. A obra consolidou o subgênero do
horror slasher (ou stalker) e estabeleceu convenções, como a presença da final
girl, termo cunhado por Carol J. Clover (1993) para descrever uma personagem
feminina – dotada de traços característicos – que enfrenta o antagonista. No
presente capítulo, analisaremos como a construção estratégica das
personagens e do enredo, os recursos estilísticos, detalhes técnicos e escolhas
poéticas trazem complexidade à trama dirigida por John Carpenter.
3.1 O enredo de Halloween
Na cena de abertura da obra, assistimos já à primeira morte de uma
personagem. Judith (interpretada por Sandy Johnson), tem sua vida interrompida
a facadas desferidas por seu irmão, Michael Myers – aqui, ainda criança,
interpretado por Will Sandin. Visto pela perspectiva do jovem Michael, em
primeira pessoa, o ato ocorre após a garota ser flagrada pelo irmão praticando
atos sexuais com o namorado. É importante ressaltar que, durante toda a cena,
Judith está seminua, com os seios à mostra, o que já nos leva a perceber como
o corpo feminino é representado de forma sexualizada. Ao fim do primeiro ato,
podemos conjecturar que a adolescente foi brutalmente punida por se render aos
“desejos carnais”, negligenciando os cuidados com seu irmão mais novo
(FIGURA 1).

Figura 1: captura de tela do filme

Legenda: Judith Myers assassinada por se render a desejos sexuais e negligenciar cuidados
com o irmão.
Após a introdução do filme, o enredo avança para 15 anos depois, quando
dois médicos estão dentro de um carro, indo fazer uma visita ao hospital
psiquiátrico onde Michael Myers está internado. Os médicos são Dr. Samuel
Loomis (Donald Pleasence) e Marion (Nancy Stephens). Marion dirige o carro e
faz críticas aos tratamentos abusivos que Myers recebe. Discutindo brevemente
com o médico, ela sugere que o paciente deveria ser mais humanizado e tratado
com respeito. Samuel, em contraponto, mantém uma postura fria e rígida diante
da situação. Ele defende que Michael apresenta uma natureza maligna e não
deve ser subestimado. Nesta cena, podemos perceber uma insinuação
estruturalmente machista, que aponta que mulheres são mais sensíveis,
enquanto os homens são naturalmente mais racionais. Isto se concretiza
quando, minutos depois, já no hospital psiquiátrico, o paciente Myers ataca o
carro, agredindo a mulher e roubando o automóvel.
Voltamos então Haddonfield, cidade fictícia do estado de Illinois, EUA, em
que Michael nasceu. O enredo então introduz a primeira protagonista, a jovem
Laurie Strode (interpretada por Jamie Lee Curtis). A personagem apresenta um
visual sóbrio e reservado, usando roupas longas e de cores suaves. Já no início,
podemos vê-la carregando livros, interagindo positivamente com crianças e
demonstrando desinteresse por assuntos sexuais. Laurie é, desde o princípio,
construída com uma imagem maternal e “comportada”, características atribuídas
ao conceito de final girl (ou “garota final”, em tradução livre). O termo foi
originalmente proposto por Carol J. Clover, em seu livro “Men, Women and
Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film” (1992), e se trata da única
personagem, geralmente feminina, que sobrevive após encarar o assassino.
Segundo Clover, as final girls se encaixam no clássico ideal conservador
estadunidense: performam feminilidade, ingenuidade e demonstram
desinteresse por assuntos como relações sexuais, roupas, cabelos e unhas,
geralmente associados ao interesse feminino, ao passo que se dedicam aos
estudos, ao amor romântico e às atividades domésticas. Laurie reifica
estereótipos ao apresentar, em contraponto às demais protagonistas, um forte
“instinto maternal”, durante suas interações com as personagens infantis. Para
discutir a idealização da mulher segundo os conservadores, é válido mencionar
o que argumenta o sociólogo Túlio Rossi:
Em relação ao amor e à feminilidade, há a questão já mencionada da
suposta conexão direta não apenas com uma identidade bem-sucedida,
mas com a expressão da própria “natureza feminina” que, nos
estereótipos, é caracterizada pela inclinação à afetividade e ao cuidado
emocional. Isso é tonificado pela questão da maternidade, configurando,
para muitas, a expressão máxima do amor que supera a forma romântica
na condição efetiva de gerar vida, aparecendo sob o signo altruísta de
entrega incondicional a outro ser humano. Contudo, trata-se de
construções históricas, o que significa que implicam mudanças, para
além de qualquer suposto condicionamento “natural” ou “biológico” em
virtude do sexo. (Rossi, 2016, p. 13)

Estas características fazem da personagem a “mulher ideal”, sendo a


única capaz de sobreviver dentre os jovens que, tendo comportamentos
“transgressores” e “desvios de conduta”, são punidos de forma violenta. Como
Clover defende, a final girl, que deveria símbolo de empoderamento feminino ao
desenvolver coragem para enfrentar seu perseguidor, é reduzida a um mero
instrumento conservador, reafirmando discursos misóginos. Laurie Strode foi a
percussora das garotas finais, dando origem ao estereótipo que seria usado na
maioria dos filmes de terror slasher que viriam depois de Halloween.

Figura 2: captura de tela do filme

Legenda: Conhecemos Laurie Strode e o estereótipo da final girl.

Minutos depois de sermos introduzidos à personagem de Laurie, a jovem


tem um breve contato com Michael Myers (que já se encontra em Haddonfield),
ao passar pela antiga casa do assassino, junto ao menino de quem ela trabalha
como babá. Neste momento, Myers, que havia invadido a residência, parece ter
escolhido sua vítima – também responsável por crianças, como sua irmã. A
personagem então passa a perceber que está sendo perseguida. O enredo então
nos apresenta as amigas de Laurie, Annie (Nancy Loomis) e Lynda (P. J. Soles).
As garotas já então desenvolvem longos diálogos acerca de suas vidas sexuais,
aparências, roupas e sobre o baile que aconteceria no dia seguinte, enquanto
Laurie, recatada, demonstra profundo desinteresse por estes assuntos. Quando
a jovem comportada expõe sua preocupação quanto à misteriosa figura
mascarada que a persegue, Annie logo a descredibiliza, ironizando que
provavelmente seria apenas um rapaz com intenção de levar a garota ao baile.
O filme então prossegue com cenas em que Laurie nota a estranha
presença sempre perto de si, até a noite de Halloween, quando ela e Annie
assumem seus turnos como babás em casas vizinhas no típico subúrbio
americano. Enquanto Laurie propõe atividades lúdicas e passa vários momentos
interagindo com o pequeno Tommy (Brian Andrews), Annie fica grande parte dos
momentos falando no telefone com seu namorado Paul, enquanto a criança,
Lindsey, assiste televisão sozinha. Há então uma cena emblemática em que
Annie, distraída em assuntos picantes com o namorado, acaba sujando sua
roupa de manteiga e fica completamente nua na cozinha. O ato chega a ter certa
comicidade devido à irrelevância da cena senão por sexualizar a garota, que
agora veste apenas uma camisa larga e roupa íntima (FIGURA 3).
Figura 3: captura de tela do filme

Legenda: Annie seminua sendo observada por Michael Myers.

Logo começamos a notar então que Michael está à espreita de Annie. A jovem
decide buscar o namorado, Paul, no que parece ser um pretexto sexual, e deixa
a criança de quem deveria cuidar com Laurie. É neste momento em que seu
assassinato brutal acontece: Myers a enforca e corta sua garganta do banco de
trás do automóvel (FIGURA 4).

Figura 4: captura de tela do filme

Legenda: Annie é punida por não se encaixar no padrão de garotas conservadoras.

Diante de tais acontecimentos, o Dr. Samuel tenta, junto à polícia local,


prever os passos de Michael. Enquanto isso, Lynda e Bob (John Michael
Graham), amigos de Annie, invadem a casa em que ela estava, também com
aparentes intenções sexuais. Após ter relações com Lynda, Bob, que teria ido à
cozinha buscar cerveja para os dois, é morto pelo assassino com apenas uma
facada, completamente vestido, em uma cena quase épica (FIGURA 5).
Enquanto isso, Lynda é enforcada até a morte minutos depois, completamente
nua, enquanto grita de maneira ambígua – análoga a gemidos eróticos (FIGURA
6).
Figura 5: captura de tela do filme

Legenda: assassinato de Bob

Figura 6: captura de tela do filme

Legenda: assassinato de Lynda

Laurie desconfia que algo está errado quando suas amigas não atendem
mais ao telefone e decide ir ao encontro delas para investigar. Ao chegar na casa
em que elas estavam, a personagem de Lee Curtis se depara com uma sádica
cena do corpo nu e sem vida de Annie, deitado na cama, com a lápide de Judith
Myers posta acima de sua cabeça, o corpo de Bob pendurado na porta do quarto
e o corpo de Lynda dentro de um armário. Michael Myers surge em cena,
desferindo uma facada no braço da garota. Laurie, assustada, volta à casa em
que estava, visando à proteção das crianças. Ela as esconde em um dos quartos,
enquanto tenta buscar ajuda. O assassino encontra com facilidade a
protagonista, que, em um ato de coragem, o ataca com uma agulha de tricô e
consegue tomar a faca de sua mão. Michael se levanta e continua a perseguir
Laurie, que desesperadamente o ataca e pede para que as crianças saiam
correndo da casa. O médico Samuel, à procura do fugitivo, percebe as crianças
agitadas e consegue entrar no local, encarando mais uma vez seu paciente. Sem
receio, Samuel saca o revólver e atira contra Michael Myers, que cai da janela e
desaparece logo depois. O mistério do sumiço de Michael Myers é o que encerra
Halloween, possibilitando hipóteses sobre uma possível imortalidade do
antagonista.
3.2 Escolhas na edição de Carpenter
A película dirigida por John Carpenter consolidou recursos estilísticos
que vieram a ser comuns nos filmes do subgênero slasher. A introdução do
filme se dá em primeira pessoa, mostrando a perspectiva de Michael. Isto
proporciona ao espectador uma sensação imersiva, especialmente nas cenas
em plano-sequência, que mostram o assassinato das vítimas. O uso de longos
planos, segundo Orsini (2017), faz com que a direção de Carpenter produza
uma maior conexão com a passagem de tempo do filme, ao passo que
aumenta a angústia proporcionada pelas cenas mais tensas, como no
momento pré-morte das personagens ou no olhar vazio da máscara do
assassino. A escolha de cortes reduzidos faz com que o breve enredo – que se
passa em pouco mais de um dia – flua de forma mais natural ao telespectador.
Ademais, nota-se que ocorre durante boa parte do filme uma longa preparação
do antagonista para o massacre, que se dá apenas no terceiro ato do filme.
Acompanhamos, ao mesmo tempo, o recorte da rotina das vítimas e da visão
de Michael, que passa a perseguir Laurie Strode logo no início. É válido
ressaltar que a demonstração do ponto de vista do assassino não pretende, na
narrativa, humanizá-lo ou desenvolver no espectador algum senso de empatia.
Tal fato pode ser observado pela escolha dos focos da câmera (FIGURAS 7,
8), que captam apenas detalhes subjetivos como o carro de Michael, suas
roupas e sua máscara – intencionalmente apática.

Figura 7: captura de tela do filme

Legenda: Myers observa Laurie e o menino

Figura 8: captura de tela do filme

Legenda: Visão do carro do assasssino


Sob a direção de fotografia de Dean Coundey, o filme conta com
bastantes cenas em plano aberto. A escolha deste enquadramento pretende
causar tensão e suspense, ao sugerir certa onisciência do assassino. A
sensação de instabilidade, proporcionada pelas rápidas mudanças entre o
plano geral e plano conjunto, faz com que o espectador se veja no papel da
vítima, já que a posição do antagonista é imprevisível.
Em síntese, a construção técnica de Halloween evidencia como a
direção e a escolha dos recursos estilísticos podem influenciar na evolução do
enredo. A emblemática trilha sonora imprime, com notas agudas, um ritmo
angustiante durante a perseguição à protagonista, sendo usada também para
denunciar a presença do assassino. Ao acelerar gradativamente o ritmo das
cenas, a narrativa constrói um clímax trágico, que sofre uma catarse de
violência quase incompatível com a época.

3.3 O legado de Halloween

O sociólogo Howard S. Becker, em seu artigo “Mundos Artísticos e Tipos


Sociais” (1977), nos apresenta o conceito de convenções, que podemos
traduzir como entendimentos compartilhados ou um senso comum daquele
mundo artístico6. O termo presume acordos com entendimentos prévios,
costumes com regras explícitas, que integram o mundo da arte. De forma
análoga, podemos observar na indústria cinematográfica, especialmente no
cinema de horror, diversas recorrências – ou “clichês”. Tais recorrências podem
ser observadas na construção dos personagens, como argumentado no
exemplo das garotas finais e dos transgressores; na caracterização dos
assassinos, geralmente misteriosos e portadores de algum desvio intelectual; e
também nos detalhes técnicos da direção supracitados.
Os filmes slasher, como de quaisquer outros subgêneros, possuem uma
série de reincidências. Dentre elas, podemos citar: um vilão mascarado, que
normalmente possui um rosto deformado; um grupo de jovens; um cenário em
que os jovens se encontram totalmente desamparados; uma protagonista
feminina de personalidade recatada e responsável, sendo a única sobrevivente;
e personagens, geralmente femininas, que contrastam com a personalidade da
protagonista, sendo sexualizadas desde o início e apresentando
comportamentos considerados “libertinos”. Contudo, podemos observar estas
recorrências, presentes no filme Halloween, como convenções que se
formaram a partir do momento em que a obra consolidou o subgênero.
A crítica da época elogiou a habilidade de Carpenter em criar uma
atmosfera de suspense única, destacando a simplicidade e a eficácia da

6“Um mundo artístico será constituído do conjunto de pessoas e organizações que produzem
os acontecimentos e objetos definidos por esse mesmo mundo como arte.” (BECKER, Howard.
Mundos Artísticos e Tipos Sociais. In: VELHO, Gilberto (org.). Arte e Sociedade: Ensaios em
Sociologia da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.)
narrativa. Myers foi saudado como um vilão memorável, enquanto a trilha sonora
recebeu elogios por sua contribuição para a experiência aterrorizante. Ao
retomar elementos do terror clássico, o filme revitalizou o gênero de terror,
estabelecendo padrões que continuam a influenciar cineastas e agradar a
audiência aficionada. Críticos da revista Newsweek argumentaram que se
tratava de “um exercício soberbo no ato do suspense (...) o filme mais assustador
em anos” (2012).

4. CONCLUSÃO
O longa de Carpenter se relaciona de maneira direta com as ideias do
sociólogo Theodor Adorno (1944), que defende que o cinema seria usado
como mecanismo de manipulação e alienação de massas. As mortes que
ocorrem no enredo não são simplesmente momentos de horror, mas sim
ferramentas de repressão sexual nos jovens, destacando a natureza
intrinsecamente repressiva da sociedade conservadora das décadas de 70 e
80. Cada assassinato é um ato metafórico de controle sobre a liberdade sexual
dos jovens, e principalmente das mulheres. "Halloween" não é apenas um filme
de terror, pois o longa explora de forma perturbadora as relações de poder e a
violência de gênero vigentes da época.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADELMAN, Miriam [et al] (Orgs). Introdução. In: Mulheres, Homens, Olhares e
Cenas. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.

ADORNO, Theodor. A indústria cultural. In: ADORNO, Theodor & HORKHEIMER,


Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1944.

BARROS, Patrícia Marcondes de. A revolução sexual nos anos 70 e o pensamento


contracultural de Rosie Marie Muraro. Revista Nupem, v. 9, n. 18, 2017.

BECKER, Howard. Mundos Artísticos e Tipos Sociais. In: VELHO, Gilberto (org.). Arte
e Sociedade: Ensaios em Sociologia da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
CARRIE, a Estranha. Direção Brian de Palma. Produção: Paul Monash. Califórnia:
United Artists, 1976. 1 filme (98 minutos), sonoro, legenda, color., 35mm.
CLOVER, Carol J. Men, Women, and Chain Saws: Gender in the Modern Horror
Film-Updated Edition. Princeton University Press, 2015.
color., 35mm.
HALLOWEEN. Direção de John Carpenter. Produção: Debra Hill e John Carpenter.
EUA: Compass International Pictures. 1 filme (91 minutos), sonoro, legenda,

KONOW, David. Real Terror: The Scary,Bloody, Gory, Hundred-Year History of


Classic Horror Films. Londres: St. Martin’s Griffin, 2012.

LAROCCA, Gabriela Müller. O corpo feminino no cinema de horror: gênero e


sexualidade nos filmes Carrie, Halloween e Sexta-feira 13 (1970-1980). Orientador:
Prof. Dra. Ana Paula Vosne Martins. 2016. Dissertação (Pós-Graduação em História,
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes) - Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, 2016.

MACIEL, Filipe Tavares Falcão. O slasher do século XXI: aceleração do fluxo


narrativo e suas consequências para remakes de filmes de terror. 2019. 42º
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Belém. 2019.
MENEZES, Paulo. Sociologia e Cinema: aproximações teórico-metodológicas.
Teoria e Cultura - Programa de pós-graduação em Ciências Sociais - UFJF, v. 12, n.
2, 2017.

MILLER, Timothy A. The hippies and american values. Univ. of Tennessee Press,
2012.

MOLL, Roberto. Diferenças entre neoliberalismo e neoconservadorismo: duas


faces da mesma moeda. Sem diplomacia, v. 23, 2015.

O MASSACRE da Serra Elétrica. Direção: Tobe Hooper. Produção: Tobe Hooper e


Kim Henkel. EUA: Bryanston Pictures, 1974. 1 filme (83 minutos), sonoro, legenda,
color., 16 mm.

ORSINI, Gian. Do plano-sequência ao fluxo: aspectos temporais, narrativos e


estilísticos no plano de longa duração no cinema contemporâneo. 2017. Tese de
Mestrado. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade Federal Fluminense.

ROSSI, Túlio. Amor Romântico e Cinema Hollywoodiano: Considerações Sociológicas


Sobre Imagens, Gênero e Emoções. In: IX Congresso Português de Sociologia.
Portugal, território de territórios. 2016.

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