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UBERLÂNDIA
2023
ANA JÚLIA FERREIRA ALVES
UBERLÂNDIA
2023
“Uma vida feliz num mundo de horror é
refutada como algo de infame pela mera
existência desse mundo”
(Theodor W. Adorno)
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................5
4. CONCLUSÃO.......................................................................................................14
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................15
1. INTRODUÇÃO
Esta dissertação surge de um trabalho proposto pelo Prof. Dr. Túlio Rossi,
da disciplina de Sociologia da Arte, durante a graduação em Artes Visuais pela
Universidade Federal de Uberlândia. A partir de uma análise fílmica e sociológica
da obra cinematográfica “Halloween” (John Carpenter, 1978), reunimos
informações acerca do contexto e impacto do subgênero slasher do cinema de
horror estadunidense, bem como suas raízes socioculturais e conexões com a
violência contra a mulher e o conservadorismo reacionário da época.
1
BARROS, Patrícia Marcondes de. A revolução sexual nos anos 70 e o pensamento
contracultural de Rosie Marie Muraro. Revista Nupem, v. 9, n. 18, p. 101-103, 2017.
Disponível em: https://periodicos.unespar.edu.br/index.php/nupem/article/view/5533/3561.
Acesso em: 15 de agosto de 2023.
2
Movimento contracultural que surgiu na década de 1960, caracterizado por valores de paz,
amor, liberdade individual, rejeição de padrões sociais convencionais e busca por uma conexão
mais profunda com a natureza e a espiritualidade (MILLER, Timothy A. The hippies and
american values. Univ. of Tennessee Press, 2012.)
3A Nova Direita nos Estados Unidos refere-se a um movimento político que emergiu nas
décadas de 1960 e 1970. Ele é caracterizado por uma abordagem conservadora que enfatiza
políticas intervencionistas no cenário internacional, promovendo valores tradicionais, intensa
defesa militar e uma postura assertiva na promoção dos interesses americanos no exterior.
(MOLL, 2015)
4
ADELMAN, Miriam [et al] (Orgs). Introdução. In: Mulheres, Homens, Olhares e Cenas.
Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
Representações “adequadas” de sexo, ocultação da violência explícita, do uso
de substâncias e da nudez estavam entre os critérios utilizados para definir se
um filme era aceitável ou inaceitável. As restrições passaram a ser questionadas
e violadas, até culminarem em seu fim em 1968, sendo substituídas pela
classificação indicativa da Motion Picture Association of America (MPAA).
O fim do Código Hays provocou uma tréplica da indústria cinematográfica
que, livre das censuras impostas, promoveu uma onda de filmes com violência
gráfica, sexo explícito e nudez. Esse fenômeno fez com que o cinema de horror
americano ampliasse significativamente seu impacto e atingisse o mainstream.
Agora, o gênero já não era mais um mero plano secundário e atingia uma maior
parcela dos telespectadores da época.5 O conservadorismo estadunidense,
diante do advento dessas novas convenções, viu no cinema de horror uma nova
possibilidade de avançar contra a emancipação de valores progressistas
inevitável da década. A chegada de filmes como Carrie, a Estranha (Brian de
Palma, 1976), Massacre da Serra Elétrica (Tobe Hooper, 1974) e a obra de
referência desta dissertação, Halloween (John Carpenter, 1978), explicitam os
imperativos contra a libertação dos ideais da juventude da época.
Legenda: Judith Myers assassinada por se render a desejos sexuais e negligenciar cuidados
com o irmão.
Após a introdução do filme, o enredo avança para 15 anos depois, quando
dois médicos estão dentro de um carro, indo fazer uma visita ao hospital
psiquiátrico onde Michael Myers está internado. Os médicos são Dr. Samuel
Loomis (Donald Pleasence) e Marion (Nancy Stephens). Marion dirige o carro e
faz críticas aos tratamentos abusivos que Myers recebe. Discutindo brevemente
com o médico, ela sugere que o paciente deveria ser mais humanizado e tratado
com respeito. Samuel, em contraponto, mantém uma postura fria e rígida diante
da situação. Ele defende que Michael apresenta uma natureza maligna e não
deve ser subestimado. Nesta cena, podemos perceber uma insinuação
estruturalmente machista, que aponta que mulheres são mais sensíveis,
enquanto os homens são naturalmente mais racionais. Isto se concretiza
quando, minutos depois, já no hospital psiquiátrico, o paciente Myers ataca o
carro, agredindo a mulher e roubando o automóvel.
Voltamos então Haddonfield, cidade fictícia do estado de Illinois, EUA, em
que Michael nasceu. O enredo então introduz a primeira protagonista, a jovem
Laurie Strode (interpretada por Jamie Lee Curtis). A personagem apresenta um
visual sóbrio e reservado, usando roupas longas e de cores suaves. Já no início,
podemos vê-la carregando livros, interagindo positivamente com crianças e
demonstrando desinteresse por assuntos sexuais. Laurie é, desde o princípio,
construída com uma imagem maternal e “comportada”, características atribuídas
ao conceito de final girl (ou “garota final”, em tradução livre). O termo foi
originalmente proposto por Carol J. Clover, em seu livro “Men, Women and
Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film” (1992), e se trata da única
personagem, geralmente feminina, que sobrevive após encarar o assassino.
Segundo Clover, as final girls se encaixam no clássico ideal conservador
estadunidense: performam feminilidade, ingenuidade e demonstram
desinteresse por assuntos como relações sexuais, roupas, cabelos e unhas,
geralmente associados ao interesse feminino, ao passo que se dedicam aos
estudos, ao amor romântico e às atividades domésticas. Laurie reifica
estereótipos ao apresentar, em contraponto às demais protagonistas, um forte
“instinto maternal”, durante suas interações com as personagens infantis. Para
discutir a idealização da mulher segundo os conservadores, é válido mencionar
o que argumenta o sociólogo Túlio Rossi:
Em relação ao amor e à feminilidade, há a questão já mencionada da
suposta conexão direta não apenas com uma identidade bem-sucedida,
mas com a expressão da própria “natureza feminina” que, nos
estereótipos, é caracterizada pela inclinação à afetividade e ao cuidado
emocional. Isso é tonificado pela questão da maternidade, configurando,
para muitas, a expressão máxima do amor que supera a forma romântica
na condição efetiva de gerar vida, aparecendo sob o signo altruísta de
entrega incondicional a outro ser humano. Contudo, trata-se de
construções históricas, o que significa que implicam mudanças, para
além de qualquer suposto condicionamento “natural” ou “biológico” em
virtude do sexo. (Rossi, 2016, p. 13)
Logo começamos a notar então que Michael está à espreita de Annie. A jovem
decide buscar o namorado, Paul, no que parece ser um pretexto sexual, e deixa
a criança de quem deveria cuidar com Laurie. É neste momento em que seu
assassinato brutal acontece: Myers a enforca e corta sua garganta do banco de
trás do automóvel (FIGURA 4).
Laurie desconfia que algo está errado quando suas amigas não atendem
mais ao telefone e decide ir ao encontro delas para investigar. Ao chegar na casa
em que elas estavam, a personagem de Lee Curtis se depara com uma sádica
cena do corpo nu e sem vida de Annie, deitado na cama, com a lápide de Judith
Myers posta acima de sua cabeça, o corpo de Bob pendurado na porta do quarto
e o corpo de Lynda dentro de um armário. Michael Myers surge em cena,
desferindo uma facada no braço da garota. Laurie, assustada, volta à casa em
que estava, visando à proteção das crianças. Ela as esconde em um dos quartos,
enquanto tenta buscar ajuda. O assassino encontra com facilidade a
protagonista, que, em um ato de coragem, o ataca com uma agulha de tricô e
consegue tomar a faca de sua mão. Michael se levanta e continua a perseguir
Laurie, que desesperadamente o ataca e pede para que as crianças saiam
correndo da casa. O médico Samuel, à procura do fugitivo, percebe as crianças
agitadas e consegue entrar no local, encarando mais uma vez seu paciente. Sem
receio, Samuel saca o revólver e atira contra Michael Myers, que cai da janela e
desaparece logo depois. O mistério do sumiço de Michael Myers é o que encerra
Halloween, possibilitando hipóteses sobre uma possível imortalidade do
antagonista.
3.2 Escolhas na edição de Carpenter
A película dirigida por John Carpenter consolidou recursos estilísticos
que vieram a ser comuns nos filmes do subgênero slasher. A introdução do
filme se dá em primeira pessoa, mostrando a perspectiva de Michael. Isto
proporciona ao espectador uma sensação imersiva, especialmente nas cenas
em plano-sequência, que mostram o assassinato das vítimas. O uso de longos
planos, segundo Orsini (2017), faz com que a direção de Carpenter produza
uma maior conexão com a passagem de tempo do filme, ao passo que
aumenta a angústia proporcionada pelas cenas mais tensas, como no
momento pré-morte das personagens ou no olhar vazio da máscara do
assassino. A escolha de cortes reduzidos faz com que o breve enredo – que se
passa em pouco mais de um dia – flua de forma mais natural ao telespectador.
Ademais, nota-se que ocorre durante boa parte do filme uma longa preparação
do antagonista para o massacre, que se dá apenas no terceiro ato do filme.
Acompanhamos, ao mesmo tempo, o recorte da rotina das vítimas e da visão
de Michael, que passa a perseguir Laurie Strode logo no início. É válido
ressaltar que a demonstração do ponto de vista do assassino não pretende, na
narrativa, humanizá-lo ou desenvolver no espectador algum senso de empatia.
Tal fato pode ser observado pela escolha dos focos da câmera (FIGURAS 7,
8), que captam apenas detalhes subjetivos como o carro de Michael, suas
roupas e sua máscara – intencionalmente apática.
6“Um mundo artístico será constituído do conjunto de pessoas e organizações que produzem
os acontecimentos e objetos definidos por esse mesmo mundo como arte.” (BECKER, Howard.
Mundos Artísticos e Tipos Sociais. In: VELHO, Gilberto (org.). Arte e Sociedade: Ensaios em
Sociologia da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.)
narrativa. Myers foi saudado como um vilão memorável, enquanto a trilha sonora
recebeu elogios por sua contribuição para a experiência aterrorizante. Ao
retomar elementos do terror clássico, o filme revitalizou o gênero de terror,
estabelecendo padrões que continuam a influenciar cineastas e agradar a
audiência aficionada. Críticos da revista Newsweek argumentaram que se
tratava de “um exercício soberbo no ato do suspense (...) o filme mais assustador
em anos” (2012).
4. CONCLUSÃO
O longa de Carpenter se relaciona de maneira direta com as ideias do
sociólogo Theodor Adorno (1944), que defende que o cinema seria usado
como mecanismo de manipulação e alienação de massas. As mortes que
ocorrem no enredo não são simplesmente momentos de horror, mas sim
ferramentas de repressão sexual nos jovens, destacando a natureza
intrinsecamente repressiva da sociedade conservadora das décadas de 70 e
80. Cada assassinato é um ato metafórico de controle sobre a liberdade sexual
dos jovens, e principalmente das mulheres. "Halloween" não é apenas um filme
de terror, pois o longa explora de forma perturbadora as relações de poder e a
violência de gênero vigentes da época.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADELMAN, Miriam [et al] (Orgs). Introdução. In: Mulheres, Homens, Olhares e
Cenas. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
BECKER, Howard. Mundos Artísticos e Tipos Sociais. In: VELHO, Gilberto (org.). Arte
e Sociedade: Ensaios em Sociologia da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
CARRIE, a Estranha. Direção Brian de Palma. Produção: Paul Monash. Califórnia:
United Artists, 1976. 1 filme (98 minutos), sonoro, legenda, color., 35mm.
CLOVER, Carol J. Men, Women, and Chain Saws: Gender in the Modern Horror
Film-Updated Edition. Princeton University Press, 2015.
color., 35mm.
HALLOWEEN. Direção de John Carpenter. Produção: Debra Hill e John Carpenter.
EUA: Compass International Pictures. 1 filme (91 minutos), sonoro, legenda,
MILLER, Timothy A. The hippies and american values. Univ. of Tennessee Press,
2012.