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que teve como respaldo a busca pela liberdade de expressão, desencadeando a quebra de
paradigmas e o questionamento das normas convencionais da época. Esse movimento teve
um vasto impacto por todo o mundo, e neste trabalho focaremos especificamente no caso do
Brasil, usando como fonte de comparação o texto da autora Angelina Müller e o
documentário "Dzi Croquettes".
O texto base a ser analisado é da autoria de Angelina Müller, “Não se nasce viril,
torna-se: juventude e virilidade nos anos “1968””, obra imprescindível no estudo da história
dos homens, em que a autora apresenta como a geração da “época de 1968” lidava com a
virilidade, a sexualidade, e os papéis impostos pela sociedade, passando de uma análise
exclusiva dos homens, para também das mulheres e de como essa juventude se comportava.
Além do texto, o documentário examinado, Dzi Croquettes (2009) dirigido por
Tatiana Issa, conta a história desse grupo de dança e teatro através de entrevistas com os
membros antigos e de pessoas próximas ao grupo. O Dzi Croquettes, liderado pelo bailarino
norte-americano Lennie Dale e pelo humorista e músico brasileiro Wagner Ribeiro, foi um
símbolo essencial da contracultura no Brasil, propagando a inovação e liberdade do
movimento, com shows andrógenos que lotavam teatros e contrastavam com a masculinidade
conservadora esperada da época. Visto isso, o documentário e o texto se entrecruzam pelo
fato do primeiro ser responsável por contrariar a virilidade esperada dos homens na data
analisada por Müller, sendo assim, é importante analisar profundamente como eles estão
entrelaçados.
Antes de tudo, vale examinar o espaço temporal em que a sociedade está inserida na
época. Muller declara que falar de 1968 é falar de uma data ampla, que pode ser estendida até
meados da década de 70, onde se insere o Dzi Croquettes, criado em 1972. A sociedade nesse
contexto vivenciava o regime militar brasileiro, além de, um período de urbanização, a
ascensão de uma classe média jovem que estava envolvida em muitos movimentos de
resistência e o desenvolvimento de uma contracultura. Nesse panorama, o documentário
confere um foco especial no Ato Institucional 1, que suspendeu os direitos políticos e
concedeu mais poder ao presidente, e no Ato Institucional 5, que permitiu prisões ilegais e a
censura geral da população, quando o próprio grupo foi censurado.
O Dzi Croquettes, assim, era um grupo composto por cidadãos brasileiros que
assimilavam as concepções de libertação do corpo advindas das discussões
europeias e norte- -americanas da contracultura, transmutando-as e adaptando-as
para a realidade brasileira, mas que, ao mesmo tempo, era censurado pelo regime
ditatorial local. Como resultado, os Croquettes passaram a fazer parte do que foi
chamado de o desbunde, terceira via para aqueles que não se identificavam nem
com as ideologias de direita e nem com as de esquerda, que estavam em conflito
com o cenário político nacional, mas que, por outro lado, pretendiam trazer à tona e
discutir questões identitárias, sobre os direitos individuais e a busca por liberdades
que vão além da política. (Silva, 2017, p. 11)
Além do mais, o aspecto citado por Müller da adoção da virilidade por parte das
mulheres também pode encontrar respaldo no documentário, quando é mencionada a Elke
Maravilha como um símbolo dos valores viris de independência e autoconfiança, e casual
frequentadora das apresentações do Dzi Croquettes.
Elke Maravilha despontou, ainda nos anos 60, como um símbolo de transgressão e
liberação. Protagonizou oito casamentos e fez três abortos25, anarquista, foi presa e
torturada durante a ditadura por questionar a arbitrariedade da repressão. Vestida
com roupas, chapéus e adereços considerados exagerados, era irreverente para os
padrões de feminilidade da época, se constituindo ao longo da sua trajetória em
rainha dos gays, dos presidiários e das putas. (Silva, 2017, p.8)
Vale mencionar também a Nega Vilma, citada no documentário como a governanta do grupo,
que de acordo com um dos membros, era uma mulher independente e forte, que sempre sendo
necessário demonstrava um forte comando e autoridade, valores esses tradicionalmente
atribuídos ao homem.
Outro aspecto relevante no movimento da cultura pós-1964 no Brasil foi a forma
como a sociedade passou a se vestir, e as mudanças no âmbito da moda nesse período.
Müller, em seu texto, discorre sobre a maior atenção dada às vestimentas, que deixava de ser
uma preocupação exclusivamente das mulheres para virar também uma preocupação dos
homens. Nesse período, as roupas da época propunham uma quebra da barreira entre o que é
roupa feminina e o que é masculina, surgindo assim, a moda unisex e andrógena.
Embora as peças pudessem parecer uma bagunça aleatória, eram na verdade pensadas para
transmitir ao público a ideia principal da peça: a mistura dos gêneros masculino e feminino e
o rompimento com a binaridade de gênero. Para os artistas andróginos do Dzi Croquettes não
importava ser homem ou mulher, mas gente, gente que pensava em meio a um regime
repressivo. (Rodrigues, 2017, p. 238). Apesar disso, nenhum deles se consideravam mulheres,
como comenta um dos membros no documentário: “a gente não é homem, e nem mulher, a
gente é pessoa”. A ideia do entrelaçamento de determinada roupa com um gênero foi
contestada.
Além desse fator, destaca-se o papel da música nesse cenário, que era usada como
referencial para os padrões de comportamento da juventude na época, permitindo que eles
pudessem se identificar com um estilo que representasse o seu próprio estilo de vida (Müller,
2013, p. 311). Foi nesse período em que surgiu uma nova onda artística, com o surgimento da
Bossa Nova, Jovem Guarda, MPB e outros estilos que colaboraram com o desenvolvimento
da indústria cultural brasileira. Nesse contexto, o referenciado documentário comenta sobre o
papel de Lennie na contribuição com essa nova onda artística, já que ele era o principal
responsável por compor músicas para as apresentações do grupo Dzi Croquettes.
Essencialmente as canções eram baseadas no estilo do carnaval carioca, evidenciando o
surgimento de uma cultura brasileira alicerçada na Bossa Nova.
Outro aspecto crucial é o surgimento da Revolução sexual no contexto da
contracultura, principalmente com a invenção da pílula anticoncepcional, trazendo novos
significados aos corpos e ao prazer.