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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS


FACULDADE DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Juliana Marques Pacheco

ATIVIDADE TEMÁTICA: A CULTURA NO PÓS-1964

Professor Marcus Ajuruam de Oliveira Dezemone


História do Brasil III

Niterói
2023
Juliana Marques Pacheco

ATIVIDADE TEMÁTICA: A CULTURA NO PÓS-1964

Trabalho apresentado no 2° período, do curso de


Relações Internacionais, da Universidade Federal
Fluminense, de Niterói, como requisito para nota
parcial na disciplina de História do Brasil III.

Professor: Marcus Ajuruam de Oliveira Dezemone

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo analisar a cultura no período do pós-1964, com
base no texto da Angelina Müller, “Não se nasce viril, torna-se: juventude e virilidade nos
anos ‘1968’”, e no documentário “Dzi Croquettes”. Sendo que, o texto base contribui com a
temática discursando sobre a virilidade e o comportamento dos jovens nessa época, além de
discutir novos paradigmas no contexto cultural brasileiro. Enquanto isso, o documentário
colabora com o texto a partir do momento em que ele demonstra uma tentativa da quebra
dessa virilidade esperada dos homens com o grupo Dzi Croquettes, além de discutir também
as mudanças culturais no Brasil.

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DESENVOLVIMENTO

O movimento de contracultura da década de 1960 foi uma mobilização social e


cultural que teve como respaldo a busca pela liberdade de expressão, desencadeando a quebra
de paradigmas e o questionamento das normas convencionais da época. Esse movimento teve
um vasto impacto por todo o mundo, e neste trabalho focaremos especificamente no caso do
Brasil, usando como fonte de comparação o texto da autora Angelina Müller e o
documentário "Dzi Croquettes".
O texto base a ser analisado é da autora Angelina Müller, “Não se nasce viril,
torna-se: juventude e virilidade nos anos “1968””, obra imprescindível no estudo da história
dos homens, em que a autora apresenta como a geração da época de 1968 lidava com a
virilidade, a sexualidade, e os papéis impostos pela sociedade, passando de uma análise
exclusiva dos homens, para também das mulheres e de como essa juventude se comportava.
Além do texto, o documentário examinado, Dzi Croquettes (2009) dirigido por
Tatiana Issa, conta a história desse grupo de dança e teatro através de entrevistas com os
membros antigos e de pessoas próximas ao grupo. O Dzi Croquettes, liderado pelo bailarino
norte-americano Lennie Dale e pelo humorista e músico brasileiro Wagner Ribeiro, foi um
símbolo essencial da contracultura no Brasil, propagando a inovação e liberdade do
movimento, com shows andrógenos que lotavam teatros e contrastavam com a masculinidade
conservadora esperada da época. Visto isso, o documentário e o texto se entrecruzam pelo
fato do primeiro ser responsável por contrariar a virilidade esperada dos homens na data
analisada por Müller, sendo assim, é importante analisar profundamente como eles estão
entrelaçados.
Antes de tudo, vale examinar o espaço temporal em que a sociedade está inserida na
época. Muller declara que falar de 1968 é falar de uma data ampla, que pode ser estendida até
meados da década de 70, onde se insere o Dzi Croquettes, criado em 1972. A sociedade nesse
contexto vivenciava o regime militar brasileiro, além de, um período de urbanização, a
ascensão de uma classe média jovem que estava envolvida em muitos movimentos de
resistência e o desenvolvimento de uma contracultura. Nesse panorama, o documentário
confere um foco especial no Ato Institucional 1, que suspendeu os direitos políticos e
concedeu mais poder ao presidente, e no Ato Institucional 5, que permitiu prisões ilegais e a
censura geral da população, quando o próprio grupo foi censurado.

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O Dzi Croquettes, assim, era um grupo composto por cidadãos brasileiros
que assimilavam as concepções de libertação do corpo advindas das discussões
europeias e norte- -americanas da contracultura, transmutando-as e adaptando-as para
a realidade brasileira, mas que, ao mesmo tempo, era censurado pelo regime
ditatorial local. Como resultado, os Croquettes passaram a fazer parte do que foi
chamado de o desbunde, terceira via para aqueles que não se identificavam nem com
as ideologias de direita e nem com as de esquerda, que estavam em conflito com o
cenário político nacional, mas que, por outro lado, pretendiam trazer à tona e discutir
questões identitárias, sobre os direitos individuais e a busca por liberdades que vão
além da política. (Silva, 2017, p. 11)

Essa comunidade em meados da década de 1970 já começava a problematizar os


papéis impostos pela sociedade de antigamente, principalmente na questão da virilidade, e foi
ela a responsável também pelo início de movimentos feministas e LGBT no país.
Visto isso, convém tratar do que é a virilidade, o foco do texto de Müller, e a
desconstrução desse comportamento no documentário. Para a autora, a virilidade é algo que
não é herdado, e sim construído através de definições pré estabelecidas desde a infância e
reproduzidas em comportamentos conhecidos até hoje, como por exemplo: homem não
chora, menina não diz palavrão, menino não brinca com boneca e sim de carrinho, mulheres
são frágeis e dóceis, homens são fortes e duros. Parafraseando uma das ideias diretrizes do
seu livro Deuxième Sexe, Simone de Beauvoir, anos mais tarde, concluiu que a virilidade
também é uma construção cultural e não um “dom” natural: não se nasce homem, torna-se.
(Müller, 2013, p. 302). Esse comportamento é fortalecido por hábitos enraizados na cultura e
na linguagem, como os homens dominando o futebol, o consumo de fumo e álcool e a
associação da figura masculina aos automóveis, entre outros.
Além do mais, Müller destaca que as próprias mulheres passaram a adotar essa
virilidade que estava reservada aos homens naquela época. Parte das atitudes viris e dos
valores tradicionalmente atribuídos aos homens passaram a ser compartilhados também por
jovens mulheres, mesmo que ainda houvesse muitas restrições ao comportamento demasiado
“independente” das jovens moças. (Müller, 2013, p. 302)
No documentário, é possível perceber que o grupo Dzi Croquettes exercia uma crítica
a esses valores e papéis tradicionais atribuídos aos homens e mulheres da época. Isto é
perceptível desde o início do filme, quando logo a primeira cena exibe um homem vestido
com roupas consideradas femininas dançando numa casa de show, consequentemente
quebrando com os estereótipos e a virilidade esperada dos homens naquele momento.

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Praticamente todos os Dzi rompem e/ou ressignificam práticas de uma educação
conservadora, sexista e heterocentrada, que ambicionava forjar homens másculos, viris, aptos
para atuarem no espaço público - lugar historicamente atribuído aos homens brancos e
heterossexuais -, ao invés de atuarem no campo das artes como a dança, considerada, até
então, uma atividade predominantemente feminina e/ou de homossexuais. (Silva, 2017, p.19)

Além do mais, o aspecto citado por Müller da adoção da virilidade por parte das
mulheres também pode encontrar respaldo no documentário, quando é mencionada a Elke
Maravilha como um símbolo dos valores viris de independência e autoconfiança, e casual
frequentadora das apresentações do Dzi Croquettes.

Elke Maravilha despontou, ainda nos anos 60, como um símbolo de transgressão e
liberação. Protagonizou oito casamentos e fez três abortos, anarquista, foi presa e
torturada durante a ditadura por questionar a arbitrariedade da repressão. Vestida com
roupas, chapéus e adereços considerados exagerados, era irreverente para os padrões
de feminilidade da época, se constituindo ao longo da sua trajetória em rainha dos
gays, dos presidiários e das putas. (Silva, 2017, p.8)

Vale mencionar também a Nega Vilma, citada no documentário como a governanta do grupo,
que de acordo com um dos membros, era uma mulher independente e forte, que sempre sendo
necessário demonstrava um forte comando e autoridade, valores esses tradicionalmente
atribuídos ao homem.
Outro aspecto relevante no movimento da cultura pós-1964 no Brasil foi a forma
como a sociedade passou a se vestir, e as mudanças no âmbito da moda nesse período.
Müller, em seu texto, discorre sobre a maior atenção dada às vestimentas, que deixava de ser
uma preocupação exclusivamente das mulheres para virar também uma preocupação dos
homens. Nesse período, as roupas da época propunham uma quebra da barreira entre o que é
roupa feminina e o que é masculina, surgindo assim, a moda unisex e andrógena.

Se até então o guarda-roupa masculino estava estagnado em cores escuras


ou neutras (preto, cinza, azul-marinho, sendo permitido o branco para camisas e
roupas de baixo), na década de 1960, houve a incorporação de cores e estampas
anteriormente associadas ao vestuário da mulher. A insubmissão do gênero na moda
aprofundou-se na camada jovem durante os anos 1970. (Bortolon, 2021, p. 165)

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No documentário, é evidente esta quebra de paradigmas entre as roupas designadas
para um determinado gênero, já que, em suas apresentações, era padrão dos Dzi Croquettes
usarem roupas consideradas femininas. Os membros do grupo usavam maquiagens
extravagantes, glitter, lantejoulas, vestidos, minissaias, e cuecas cavadas.

O contraste provocado pelo uso de maquiagem e roupas cheias de plumas e paetês por homens
que mantinham as características dos seus corpos questionava quem era considerado gente pelas
normas sociais, morais e políticas no período da ditadura cívico-militar brasileira. (Bortolon, 2021, p.
151)

Embora as peças pudessem parecer uma bagunça aleatória, eram na verdade pensadas para
transmitir ao público a ideia principal da peça: a mistura dos gêneros masculino e feminino e
o rompimento com a binaridade de gênero. Para os artistas andróginos do Dzi Croquettes não
importava ser homem ou mulher, mas gente, gente que pensava em meio a um regime
repressivo. (Rodrigues, 2017, p. 238). Apesar disso, nenhum deles se consideravam mulheres,
como comenta um dos membros no documentário: “a gente não é homem, e nem mulher, a
gente é pessoa”. A ideia do entrelaçamento de determinada roupa com um gênero foi
contestada.
Além desse fator, destaca-se o papel da música nesse cenário, que era usada como
referencial para os padrões de comportamento da juventude na época, permitindo que eles
pudessem se identificar com um estilo que representasse o seu próprio estilo de vida (Müller,
2013, p. 311). Foi nesse período em que surgiu uma nova onda artística, com o surgimento da
Bossa Nova, Jovem Guarda, MPB e outros estilos que colaboraram com o desenvolvimento
da indústria cultural brasileira. Nesse contexto, o referenciado documentário comenta sobre o
papel de Lennie na contribuição com essa nova onda artística, já que ele era o principal
responsável por compor músicas para as apresentações do grupo Dzi Croquettes.
Essencialmente as canções eram baseadas no estilo do carnaval carioca, evidenciando o
surgimento de uma cultura brasileira alicerçada na Bossa Nova.
Outro aspecto crucial é o surgimento da Revolução sexual no contexto da
contracultura, principalmente com a invenção da pílula anticoncepcional, trazendo novos
significados aos corpos e ao prazer.

Conceitua-se revolução sexual como alterações vigentes no campo da


sexualidade, vinculadas à diversidade presente na atividade sexual, – entendida como
uma “liberdade” que rompe com as visões tradicionais e desperta uma nova

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perspectiva social frente à essa questão – bem como nas variadas destinações que os
sujeitos empregam o seu desejo. (Sant Ana, 2016, p. 23).

A autora Müller comenta que esse início da revolução sexual estava inserido numa época em
que qualquer assunto envolvendo sexo ou sexualidade ainda era tabu, o que foi corroborado
por uma pesquisa em 1966, em que 50% da população jovem admitia que seus principais
conhecimentos sobre o assunto vinham de livros ou revistas. (Müller, 2013, p. 316).
Enquanto isso, o documentário destaca que o grupo Dzi foi um dos responsáveis por
encaminhar essa revolução em curso, não porque estavam necessariamente engajados com a
política, mas porque havia uma revolução de comportamento e liberação sexual de valores
morais em relação à masculinidade e feminilidade, e eles foram um grande grito nesse
sentido, adquirindo uma posição de abertura e liberdade no meio de uma sociedade
extremamente conservadora.
A revolução em curso também suscitou o debate sobre a questão da sexualidade, o
que era um tópico ainda menos discutido na época. segundo Müller, a caracterização do
homossexual atingia direto o estereótipo do “macho” e o preconceito era o preço mais alto a
ser pago. Ou seja, por conta do papel tradicional esperado dos homens no quesito virilidade,
uma quebra nesse padrão de comportamento já causava um estranhamento. Foi com Dzi
Croquettes, como discutido no documentário, que esse padrão masculino esperado foi
quebrado por um momento, já que,

praticamente todos os Dzi rompem e/ou ressignificam práticas de uma educação


conservadora, sexista e heterocentrada, que ambicionava forjar homens másculos,
viris, aptos para atuarem no espaço público - lugar historicamente atribuído aos
homens brancos e heterossexuais -, ao invés de atuarem no campo das artes como a
dança, considerada, até então, uma atividade predominantemente feminina e/ou de
homossexuais (Silva, 2017, p. 35)

Além disso, devido a violência e ao preconceito, existiam casas noturnas e bares


específicos para a comunidade LGBT, especialmente no Rio de Janeiro, como o Cabaret Casa
Nova, onde os Dzi Croquettes se apresentavam.

O Cabaret Casa Nova pode ser considerado um lugar de resistência, um


“território bem delimitado” onde todos aqueles e aquelas percebidos como
“anormais”, prostitutas, homossexuais, lésbicas, boêmios etc “podem se reunir e
viver com uma certa liberdade” as suas relações afetivas, sexuais e amizades. (Silva,
2017, p.16)

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Assim, os Dzi Croquettes vivenciaram e protagonizaram a chamada revolução sexual.
Alguns, rompendo com uma educação ortodoxa, ousaram se vestir como mulheres, como
Benedicto Lacerda. Outros, namorando homens e mulheres, além de alguns namoros dentro
do próprio grupo. (Silva, 2017, p. 47).

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CONCLUSÃO

Em última análise, neste trabalho tivemos a oportunidade de observar as


mudanças na cultura brasileira pós-1964, com base no texto da Müller e no documentário
“Dzi Croquettes” (2010) num período em que a sociedade ainda estava marcada pela
virilidade, embora com grupos como Dzi Croquettes tentando quebrar com esse paradigma.
Foi destacado também a influência que essa época teve na moda, na mulher, na música e na
revolução sexual que estava em curso no momento.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MULLER, Angélica. Não se nasce viril, torna-se: juventude e virilidade nos "anos 1968". In:
DEL PRIORE, Mary ; AMANTINO, Márcia. (Org.). História dos Homens no Brasil.
1ed.São Paulo: Unesp, 2013, v. 1, p. 299-333.

RODRIGUES, Wallace. A cultura andrógina no Brasil do final do século XX: Dzi


Croquettes, Ney Matogrosso e Laura de Vison. Disponível em:
https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/31269/18358

SANT ANA, Anderson Luís. As consequências da revolução sexual: uma reflexão sobre as
transformações da vida intima em tempos de modernidade liquída. Juiz de Fora, Universidade
Estadual de Juiz de Fora, 2016

SILVA, Natanael de Freitas. Dzi croquettes: invenções, experiências e práticas de si -


masculinidades e feminilidades vigiadas. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,
2017.

BORTOLON, F. J. A. Dzi Croquettes: trajes em cena roupas da moda. – revista da


Associação Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, [S. l.], n. 35, p. 149–169, 2022.

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