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Modelos de Gestão Orientados

ao Setor Público
Créditos
Centro Universitário Senac São Paulo – Educação Superior a Distância
Diretor Regional João Francisco Correia de Souza
Luiz Francisco de Assis Salgado Juliana Quitério Lopez Salvaia
Superintendente Universitário Jussara Cristina Cubbo
e de Desenvolvimento Kamila Harumi Sakurai Simões
Luiz Carlos Dourado Katya Martinez Almeida
Lilian Brito Santos
Reitor Luciana Marcheze Miguel
Sidney Zaganin Latorre Mariana Valeria Gulin Melcon
Diretor de Graduação Mônica Maria Penalber de Menezes
Eduardo Mazzaferro Ehlers Mônica Rodrigues dos Santos
Nathália Barros de Souza Santos
Diretor de Pós-Graduação e Extensão Rivia Lima Garcia
Daniel Garcia Correa Sueli Brianezi Carvalho
Gerentes de Desenvolvimento Thiago Martins Navarro
Claudio Luiz de Souza Silva Wallace Roberto Bernardo
Luciana Bon Duarte Equipe de Qualidade
Roland Anton Zottele Ana Paula Pigossi Papalia
Sandra Regina Mattos Abreu de Freitas Josivaldo Petronilo da Silva
Coordenadora de Desenvolvimento Katia Aparecida Nascimento Passos
Tecnologias Aplicadas à Educação Coordenador Multimídia e Audiovisual
Regina Helena Ribeiro Ricardo Regis Untem
Coordenador de Operação Equipe de Design Audiovisual
Educação a Distância Adriana Mitsue Matsuda
Alcir Vilela Junior Caio Souza Santos
Professor Autor Camila Lazaresko Madrid
Dênis Alves Rodrigues Carlos Eduardo Toshiaki Kokubo
Júlia Furlanetto Graeff Christian Ratajczyk Puig
Danilo Dos Santos Netto
Revisor Técnico Hugo Naoto Takizawa Ferreira
Ana Paula Massonetto Inácio de Assis Bento Nehme
Técnico de Desenvolvimento Karina de Morais Vaz Bonna
Elizabeth Ribeiro Marcela Burgarelli Corrente
Marcio Rodrigo dos Reis
Coordenadoras Pedagógicas Renan Ferreira Alves
Ariádiny Carolina Brasileiro Silva Renata Mendes Ribeiro
Izabella Saadi Cerutti Leal Reis Thalita de Cassia Mendasoli Gavetti
Nivia Pereira Maseri de Moraes Thamires Lopes de Castro
Otacília da Paz Pereira Vandré Luiz dos Santos
Equipe de Design Educacional Victor Giriotas Marçon
Alexsandra Cristiane Santos da Silva William Mordoch
Ana Claudia Neif Sanches Yasuraoka Equipe de Design Multimídia
Angélica Lúcia Kanô Alexandre Lemes da Silva
Anny Frida Silva Paula Cristiane Marinho de Souza
Cristina Yurie Takahashi Emília Correa Abreu
Diogo Maxwell Santos Felizardo
Fernando Eduardo Castro da Silva
Flaviana Neri
Francisco Shoiti Tanaka Mayra Aoki Aniya
Gizele Laranjeira de Oliveira Sepulvida Michel Iuiti Navarro Moreno
Hágara Rosa da Cunha Araújo Renan Carlos Nunes De Souza
Janandrea Nelci do Espirito Santo Rodrigo Benites Gonçalves da Silva
Jackeline Duarte Kodaira Wagner Ferri
Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 01
Modelos de Gestão e os Paradigmas da Administração Pública

Objetivos Específicos
• Conhecer a evolução histórica e as principais características dos diferentes
modelos de gestão pública, com ênfase na administração pública brasileira.

Temas

Introdução
1 História da ciência administração pública
2 Administração pública no Brasil
Considerações finais
Referências

Professora Autora
Júlia Furlanetto Graeff
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
A disciplina Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público tem como objetivo apresentar
a evolução e as características das reformas do Estado e da administração pública brasileira, a
partir dos principais modelos de gestão orientados ao setor público, com ênfase nos modelos
adotados e nos resultados alcançados no Brasil.

Para tanto, serão abordados temas relativos às transformações da administração pública


brasileira: o patrimonialismo, a burocracia e a Nova Gestão Pública (NGP), dentro de um
contexto de análise e avaliação da atuação contemporânea do Estado. Serão discutidos
aspectos como a governabilidade, a governança e a descentralização do poder, bem como as
normas e as regulamentações aplicáveis aos modelos de gestão. Por fim, serão apresentados
instrumentos que permitam a análise da eficiência, a eficácia e a efetividade na administração
pública.

A importância dessa visão ampla reside na necessidade de o gestor público possuir


conhecimentos suficientes para a análise e a intervenção em um cenário complexo, pois
“A perspectiva contemporânea sobre o estado da arte na Administração Pública revela não
só uma recorrência de temas, dilemas e paradoxos, mas também uma constante busca de
relevância e de novos conhecimentos para a solução de problemas práticos. ” (MOTTA, 2013,
p. 82).

Para tanto, recorrer a um olhar histórico permite a compreensão da evolução da gestão


pública no país, bem como uma perspectiva sistêmica e complexa das ações, dos atores e das
instituições, de suas deficiências e potencialidades.

Ao final desta disciplina, você conhecerá os modelos de gestão da administração pública


e os eventos representativos no desenvolvimento da gestão pública no Brasil, estando apto a
analisar e propor ações no setor público.

Nesta aula, apresentaremos a evolução e as características de três principais modelos de


gestão pública. Relacionaremos esses modelos com a evolução história do Brasil. Finalmente,
refletiremos sobre o modelo atual da gestão pública brasileira.

1 História da ciência administração pública


Historicamente, o desenvolvimento da sociedade efetivou-se simultaneamente com
o desenvolvimento dos sistemas políticos. De acordo com Motta (2013), com a Revolução
Industrial e o enfraquecimento dos poderes aristocratas e absolutistas, o ideal de uma
administração pública eficaz foi ganhando espaço nas discussões sobre a melhor forma de
gerenciar as organizações públicas. Isso ocorreu principalmente porque, entre os séculos
XVIII e XIX, em decorrência de uma administração pública ineficiente, diferentes problemas
sociais, políticos e econômicos se manifestavam pela Europa. As reformas administrativas
eram constantes como tentativas de mudar esse cenário.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Nesse período, nações novas, como os Estados Unidos, espelhavam-se nos modelos
europeus de constituições e em leis como fundamentos lógicos e necessários para garantir a
nova democracia, contudo os problemas administrativos demostravam que esse arcabouço de
leis e normas não era suficiente. Vale ressaltarmos que nessa época a administração pública
era vista unicamente como uma forma de ordenar o mundo democrático, pois o Estado ainda
não era visto como prestador de serviços (MOTTA, 2013).

Diante desse contexto histórico, a forma de desempenhar a administração pública foi


sendo modificada para atender às demandas decorrentes do desenvolvimento da sociedade.
Assim, de uma administração patrimonialista, característica do sistema feudal, passou para
uma administração burocrática, inspirada na busca por critérios de eficiência e eficácia, e por
fim a nova gestão pública, que ampliou a perspectiva do gerenciamento público para a visão
dos cidadãos como clientes, ou seja, a administração pública se tornou uma prestadora de
serviços para a população.

Conforme o exposto, você pode perceber o percurso das teorias da administração


pública, iniciando pela patrimonialista, seguida do modelo burocrático e do modelo gerencial
característico da nova gestão pública.

Figura 1 – Modelos da administração pública

Gerencial
Patrimonialista

Burocrático

Para que o Estado atinja sua finalidade (o “bem comum”, equivalente à segurança, à
justiça e ao bem-estar da sociedade) e para que o governo (entendido como “o Estado em
ação”) implemente suas estratégias, seus planos e suas metas e concretize os objetivos do
Estado, é necessário que a administração pública (o aparato do governo) tenha capacidade
operativa, de execução (MATIAS-PEREIRA, 2012).

Assim, como prática, a administração pública necessita reinventar-se constantemente;


por isso, novos modelos de gestão pública vão sendo implementados, via reformas do
Estado, reformas administrativas ou mudanças incrementais, buscando adequação às novas
demandas a fim de atingir os objetivos e as diretrizes que o Estado assume em cada momento
histórico.

Diante disso, serão apresentados três modelos de administração pública: patrimonialista,


burocrático e nova gestão pública.

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1.1 Modelo patrimonialista


O modelo patrimonialista predominou nas sociedades pré-capitalistas e pré-democráticas.
Foi o sistema predominante na sociedade feudal durante o período da Idade Média. Todavia,
com o surgimento das cidades, das feiras comerciais e da industrialização, a sociedade foi
modificando-se e exigiu uma mudança no sistema de gestão pública.

O modelo patrimonial era guiado pela autoridade tradicional que, de acordo com Motta
e Vasconcelos (2002), é baseada nos costumes e nas tradições de uma cultura. No caso do
modelo patrimonialista, a legitimidade da autoridade dos governantes, como patriarcas e
anciões das sociedades antigas ou senhores feudais, era fundamentada na tradição, tanto a
religiosa quanto a com base em crenças e em costumes sociais.

A confusão entre patrimônio público e privado era a característica que definia o governo
nas sociedades da Idade Média, pois os senhores tinham tradicionalmente o direito de
gerenciar suas posses conforme julgavam melhor. Logo, era comum que os cargos públicos
fossem ocupados por parentes ou amigos próximos ou mesmo que o território fosse
compreendido como posse do Rei.

O modelo patrimonialista predominou até a segunda metade do século XIX com o


surgimento das primeiras organizações de grande porte, do processo de industrialização e
em razão das demandas sociais emergentes que direcionaram a mudança da gestão pública
para responder aos anseios dos comerciantes e industriais.

Em 1881, nos Estados Unidos da América, foi criado o primeiro curso de administração com
o intuito de superar a gestão autocrática e patriarcal. Seis anos mais tarde, Woodrow Wilson,
jurista e estudioso da administração pública que se tornou presidente dos EUA, destacou a
dicotomia – política e administração – e a introdução do estilo privado na gestão pública.
Ao se contemplar a administração pública deslocada da política, incluindo a neutralidade do
servidor, buscava-se aproximar a gestão pública da gestão privada (MOTTA, 2013).

Esse período coincide com a evolução nas formas de organização do trabalho e da


administração em geral, especialmente pela separação de tarefas descritas e especializadas
com métodos padronizados e adoção do princípio hierárquico nas organizações, que são
princípios da administração burocrática, modelo que substituiu o patrimonialista.

No modelo do patrimonialismo, os cargos eram ocupados de acordo com interesses do


soberano, independentemente de os ocupantes terem habilidades coerentes com as atividades
desenvolvidas no cargo, uma prática que, geralmente, prejudicava o bom desempenho das
atividades.

Atualmente, acredita-se que a nomeação para cargos deva ser feita conforme critérios
previamente estabelecidos e adequados às necessidades do cargo em análise. Existem cargos
públicos por nomeação e por concurso público. E essa foi uma das grandes mudanças que o

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modelo burocrático trouxe, pois ele pressupõe que as atividades devem ser bem descritas para
que as habilidades necessárias para o desenvolvimento dos cargos possam ser identificadas
nos trabalhadores.

Os critérios de nomeação e as diferenças entre os cargos, os empregos e as funções


públicas são regulamentados pelo art. 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Para saber
mais, acesse o link disponível na Midiateca.

1.2 Modelo burocrático


A administração pública burocrática emergiu como uma alternativa para o ganho de
eficiência e eficácia do Estado e para combater as disfunções decorrentes da administração
patrimonialista, visto que a:

Burocracia é a instituição administrativa que usa como instrumento para combater


o nepotismo e a corrupção — dois traços inerentes à administração patrimonialista
—, os princípios de um serviço público profissional, e de um sistema administrativo
impessoal, formal, legal e racional. (PEREIRA, 2001, p. 8).

A burocracia tornou-se o modelo predominante na sociedade moderna, a partir da


segunda metade do século XIX. Esse modelo foi proposto por um sociólogo alemão chamado
Max Weber e fez parte de um movimento dentro do estudo da administração chamado
estruturalismo. Entre os objetivos desse modelo, destacou-se o estabelecimento de critérios
que permitissem a análise da eficiência e eficácia da gestão.

A base de autoridade desse modelo era a racional-legal, em oposição à tradicional


do modelo patrimonialista. Essa autoridade já não poderia ser legitimada por costumes
ou crenças, mas por regras e normas estabelecidas em regulamentos e que deveriam ser
seguidas por todos. Nesse modelo, o exercício da autoridade consolidou-se mediante regras
que foram amplamente discutidas, assim como as competências, os direitos e os deveres
atribuídos para cada função.

1.3 Nova Gestão Pública (NGP)


No século XX, emergiu uma nova forma de administração, a administração pública
gerencial. Esse novo modelo se apropriou de alguns avanços feitos no setor privado, no que
se refere a ferramentas de gestão, mas principalmente no que concerne à perspectiva de
atender e satisfazer à população, visando a modificar e atualizar a administração burocrática
em suas disfunções ou lacunas.

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Algumas características básicas definem a administração pública gerencial. É orientada


para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os
funcionários públicos sejam merecedores de um grau real, ainda que limitado, de
confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade
e à inovação; o instrumento mediante o qual se faz o controle sobre os órgãos
descentralizados é o contrato de gestão. (PEREIRA, 2001, p. 10).

No Portal da Transparência, há informações que a Controladoria Geral da União


(CGU) vem disponibilizando, desde 2004, para que os cidadãos possam acompanhar
onde o dinheiro público está sendo gasto e, assim, também ajudem a fiscalizar.

O portal com dados oficiais do governo, conforme a Nova Gestão Pública, é uma prática
cada vez mais comum, e esta é desenvolvida ou implementada com o intuito de ampliar
a transparência das ações públicas e de estimular a participação da sociedade mediante o
monitoramento das decisões tomadas pela esfera pública.

Figura 2 – Características dos modelos da administração pública

Burocrático

Autoridade Racional-
legal Resultados
tradicional
Normas e Atender a
Público = população
privado regulamentos

Patrimonialista Nova Gestão


Pública

2 Administração pública no Brasil


A evolução da administração pública brasileira pode ser identificada em três momentos
principais. O primeiro momento surgiu com o Brasil colônia e estendeu-se desde o Império
até a República Velha (1889-1930). Com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio
Vargas ao poder, teve início o segundo momento da administração pública brasileira,
marcado pela Reforma Burocrática. Esse período estendeu-se até a década de 1990, quando
foi implementada a Reforma Gerencial, em 1995. Inicia-se, a partir de então, um terceiro
momento da administração pública brasileira, caracterizado como gerencialista.

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2.1 Patrimonialismo no Brasil


O patrimonialismo no Brasil teve início com a vinda da corte portuguesa para povoar
o território brasileiro, por volta do início do século XVI. Nesse período, predominavam as
monarquias absolutistas, como era o caso da coroa Portuguesa.

Nesse sistema, a autoridade era baseada na tradição ou nos costumes. Para povoar o
território da colônia, o Brasil foi dividido em 15 capitanias hereditárias que foram cedidas a
súditos, comerciantes e pessoas próximas do rei. O objetivo era povoar a terra para que esta
não fosse roubada e para explorá-la comercialmente.

Esse sistema implantado pela corte portuguesa perdurou por muito tempo, e também
foi empregado nas fazendas onde existiam os senhores e os serviçais, e mais tarde os escravos
africanos.

A independência do Brasil no ano de 1822 fez surgir um conglomerado de estruturas


oligárquicas de poder espalhadas por todo o país. Duas grandes forças dominavam o sistema
político: de um lado, encontravam-se os grandes proprietários de terra, sob a força de famílias
patriarcais, relações clientelísticas e laços de sangue; e de outro lado, havia um Estado central,
que funcionava como mediador entre os interesses das diversas regiões e grupos sociais. E
essa situação perdurou até o fim da República Velha (1889-1930).

2.2 A reforma da burocracia brasileira


No Brasil, o velho padrão de vida rural, com sua visão de mundo patrimonialista e
eminentemente calcado em valores aristocráticos, começou a se transformar, gradual e
firmemente, a partir dos anos de 1920.

A partir de 1930, sobretudo após a instauração do Estado Novo, toda a estrutura imposta
“pelo alto” desde os tempos imperiais e no correr dos tempos dos barões do café sofreu
uma crise em suas velhas formas de organização política e social. Daí em diante, as decisões
relativas às políticas públicas passaram a depender de negociações com a burocracia central
do governo, especialmente no âmbito do Departamento Administrativo do Serviço Público, o
DASP, criado em 1937. O que era gestado no microcosmo local passou a ser objeto e resultado
de uma conjunção muito mais complexa de fatores e atores sociais.

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O DASP, Departamento Administrativo do Serviço Público, previsto na Constituição


Federal de 1937 e criado pelo Decreto-lei nº 579, de 30 de julho de 1938, representou
não apenas a primeira reforma administrativa do país, mas a implantação da
administração pública burocrática. Foi extinto em 1986, dando lugar à Secretaria
de Administração Pública da Presidência da República (SEDAP), que, em 1989, foi
incorporada pela Secretaria do Planejamento da Presidência da República. Em 1990, foi
criada a Secretaria da Administração Federal da Presidência da República (SAF), que foi
incorporada ao Ministério do Trabalho entre abril e dezembro de 1992. Em janeiro de
1995, com o início do governo Fernando Henrique Cardoso, a SAF transformou-se no
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) (PEREIRA, 1996, p. 6).

2.3 Crise do Estado e a reforma gerencial


Entre 1979 e 1994, o Brasil viveu um período de estagnação da renda per capita e de alta
inflação sem precedentes, um reflexo da crise do Estado, em várias frentes. Segundo Pereira
(1996), a crise que atingiu o Estado brasileiro a partir da década de 1970 era política, fiscal,
do modo de intervenção e também do modelo burocrático:

a. Crise política:

[...] a crise política teve três momentos: primeiro, a crise do regime militar – uma crise
de legitimidade; segundo a tentativa populista de voltar aos anos 50 – uma crise de
adaptação ao regime democrático; e finalmente, a crise que levou ao impeachment
de Fernando Collor de Mello – uma crise moral. (PEREIRA, 1996, p. 3).

b. Crise fiscal ou financeira: caracterizou-se pela perda do crédito público e por poupança
pública negativa;

c. Crise do modo de intervenção: foi acelerada pelo processo de globalização da


economia mundial, caracterizando-se pelo esgotamento do modelo protecionista de
substituição de importações, que foi bem-sucedido em promover a industrialização
nos anos de 1930 a 1950, mas que deixou de sê-lo a partir dos anos 1960;
transpareceu na falta de competitividade de uma parte ponderável das empresas
brasileiras; expressou-se no fracasso em se criar no Brasil um Estado do Bem-Estar
que se aproximasse dos moldes socialdemocratas europeus;

d. Crise da forma burocrática de administrar um Estado: emergiu com toda a força depois
de 1988, antes mesmo que a própria administração pública burocrática pudesse ser
plenamente instaurada no país.

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Segundo Pereira (1996), a resposta da sociedade brasileira aos quatro aspectos da crise
do Estado foi desequilibrada e ocorreu em momentos diferentes. A primeira resposta à
crise política foi em 1985, quando o país completou sua transição democrática; e, em 1988,
consolidou-a com a aprovação da nova Constituição. Já em relação aos outros três aspectos –
a crise fiscal, o esgotamento do modo de intervenção, e a crescente ineficiência do aparelho
estatal –, o processo foi lento e gradual. Somente em 1994, estabilizaram-se os preços
através do Plano Real e foi implementada uma agenda neoliberal, criando-se as condições
para a retomada do crescimento; ao mesmo tempo, empreendeu-se a reforma gerencial da
administração pública brasileira, capitaneada pelo MARE e pelo Ministro Bresser-Pereira.

Figura 3 – Administração pública no Brasil

Colônia Getúlio Vargas


1889 a 1930 à A partir Reforma
Império década Reforma
1930 de 1995 gerencial
de1990 burocrática
República Velha

Considerações finais
Nesta aula, vimos como se deu o surgimento da administração pública e as características
gerais dos principais modelos de gestão implementados desde então: patrimonialismo,
burocracia e gerencial.

A administração pública brasileira acompanhou as tendências mundiais, embora sempre


com algum atraso em relação aos países pioneiros. Assim, via de regra, a implementação se
deu de forma incremental, iniciando por um modelo patrimonialista, desde a sua colonização,
passando pela burocratização da administração pública, a partir da década de 1930, chegando
à administração gerencial na década de 1990.

É importante analisar a extensão do território brasileiro e as diferenças socioculturais,


visto que, ainda hoje, temos áreas da Amazônia brasileira com tribos indígenas desconhecidas
e regiões com trabalho análogo ao escravo (por exemplo, em minas de carvão ou na extração
de madeira). Devem ser consideradas, ainda, outras variáveis que impactam a gestão pública,
a fim de compreender por que os modelos de gestão pública são implementados de forma
fragmentada e por que persistem muitas das suas disfunções.

Vamos, então, a partir deste estudo, refletir sobre os principais problemas que afetam a
gestão pública evidenciados atualmente na mídia e sobre as soluções propostas nos planos
e programas de governo, verificando a viabilidade de implementação? Você conhece as
propostas que estão sendo feitas recentemente para aperfeiçoar a administração pública
brasileira?

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Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
14 abr. 2015.

_____. Portal da Transparência. Disponível em: <http://www.portaldatransparencia.gov.br/>.


Acesso em: 22 set. 2015.

MATIAS-PEREIRA, José. Curso de Administração Pública. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MOTTA, Fernando C. Prestes; VASCONCELOS, Isabella F. Gouveia de. Teoria geral da


administração. São Paulo: Thompson, 2002.

MOTTA, Paulo Roberto de Mendonça. O Estado da Arte da Gestão Pública. Revista de


Administração de Empresas, São Paulo, v. 53, n. 1, p. 82-90, jan./fev. 2013.

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A administração pública gerencial: estratégia e estrutura para
um novo Estado. Texto para Discussão. Brasília: MARE/ENAP, 2001. Disponível em: <http://
www.enap.gov.br/documents/586010/601535/9texto.pdf/6f1673a4-be8f-4a8b-9002-
df02f779993e>. Acesso em: 28 jul. 2015.

_____. Da administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, ano 47, v.
120, p. 7-40, jan./abr. 1996.

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Público
Aula 02
O Patrimonialismo

Objetivos Específicos
• Conhecer a trajetória e as características do modelo patrimonialista no
mundo e no Brasil.

Temas
Introdução
1 Patrimonialismo
2 Patrimonialismo no Brasil
Considerações finais
Referências

Professora Autora
Júlia Furlanetto Graeff
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Introdução
Nesta aula, estudaremos o patrimonialismo. O nosso objetivo é conhecer a trajetória e
as características do modelo patrimonialista no mundo e no Brasil.

No modelo patrimonialista, o poder político pessoal do príncipe era legitimado pela


tradição (WEBER, 2004), ou seja, o tempo e o costume legitimavam todas as ações do dirigente,
e este, via de regra, não seguia uma lógica de eficiência para tomar as suas decisões.

Nesse contexto, havia uma confusão entre o patrimônio público e o privado, pois tudo
era propriedade do rei e esse costume era aceito pela sociedade como verdade. Isso permitia
que as decisões muitas vezes fossem arbitrárias e que favorecessem algumas pessoas e que
o nepotismo e a corrupção fossem práticas inerentes à gestão.

Pereira e Spink (2001) apontam que, devido ao desenvolvimento da sociedade,


algumas modificações foram sendo propostas em resposta aos problemas decorrentes do
patrimonialismo.

Com o surgimento do capitalismo e da democracia, veio a se estabelecer uma


distinção clara entre res publica e bens privados. A democracia e a administração
pública burocrática emergiram como as principais instituições que visavam a proteger
o patrimônio público contra a privatização do Estado. (PEREIRA; SPINK, 2001, p. 7-8).

Dando sequência ao estudo do patrimonialismo, veremos primeiro as suas características,


o tipo de autoridade que legitima esse modelo, o patrimonialismo no Brasil e algumas
características culturais que persistem no Brasil, as quais são decorrentes desse modelo de
gestão.

1 Patrimonialismo
A administração patrimonialista, que caracterizou as monarquias absolutas, confundia
o patrimônio público e o privado. Isso está relacionado ao fato que o Estado era entendido
como propriedade do rei e, sendo assim, este tinha total poder sobre o território e tudo que
o compunha.

A importância dessa prática e a sua ligação com a administração pública consistem na


autoridade legítima concedida ao soberano sobre aspectos domésticos e não domésticos.
Sendo assim, o nepotismo, o empreguismo e a corrupção acabavam por predominar na
época, pois prevaleciam os interesses de uma minoria sobre toda a população.

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Figura 1 – Imagem dos súditos e o rei

Diversas são as práticas que caracterizam as disfunções institucionais no patrimonialismo,


dentre as quais se destacam o nepotismo, a patronagem, o clientelismo e o coronelismo.

O nepotismo consiste na escolha de pessoas pelo critério de relações pessoais, ou seja,


como os governantes tinham que tomar conta de extensas faixas territoriais e os meios de
controle eram muito frágeis, os governantes acabavam nomeando súditos de sua confiança,
e estes, investidos de autoridade sobre um determinado perímetro, serviam-se do cargo
patrimonial como um direito. Muitas vezes, os súditos eram parentes do rei ou de integrantes
da nobreza. Diante disso, os privilégios e a fusão entre as esferas pública e privada faziam do
livre arbítrio dos servidores a orientação fundamental de seus julgamentos.

O governo brasileiro publicou no Diário Oficial da União, no dia 7 de junho de 2010, um


decreto proibindo o nepotismo em todos os órgãos e em todas as entidades da administração
pública federal direta e indireta. E essa medida atinge Presidência da República, ministérios,
autarquias e fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista. O decreto veda a
contratação, nomeação ou designação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou
colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau, para as seguintes funções: cargo
em comissão ou função de confiança, atendimento à necessidade temporária de excepcional
interesse público e estágio.

Patronagem é a relação similar à de patrão e empregado; porém, existentes em


determinado contexto político que foge às regras estabelecidas para regularizar essas relações.
A patronagem se manifesta, principalmente, nas hierarquias de poder que surgem paralelas às

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reais hierarquias dentro do Estado. Citamos como exemplo os recursos de projetos e demais
apoios financeiros que deputados e senadores fornecem aos candidatos de suas coligações.
Os financiadores, nesse caso, assumem a característica de verdadeiros patrões.

Já o clientelismo é o uso do aparato estatal em benefício particular. Um exemplo é a ação


de vereadores que, ao invés de encaminharem projetos e fiscalizarem as ações do executivo
(prefeito), usam a “máquina pública” para distribuir favores aos eleitores e, assim, garantir
votos. Então, seus eleitores se transformam em clientes.

O coronelismo marcou a formação política do Brasil, caracterizado pelo “voto de cabresto”


e pela influência que um coronel tinha em nível local. Contudo, é importante salientarmos
que o poder dos coronéis estava, de certa forma, atrelado ao poder de nível nacional da elite
oligárquica e dos industriais.

Se você tem interesse em aprofundar seu conhecimento sobre o patrimonialismo brasileiro,


sugere-se a leitura da obra Coronelismo, Enxada e Voto, de Victor Nunes Leal, um dos marcos
inaugurais da moderna ciência política no Brasil.

Segundo Weber (2004), cada modelo de gestão pública é legitimado por algum tipo de
autoridade, predominante em uma dada sociedade em determinada época. O patrimonialismo
tinha como autoridade legitimadora a tradicional, que seguia os costumes e valores da
sociedade monárquica predominante na Idade Média até início do século XX. Weber (2004)
definiu três tipos de dominação: a tradicional, a racional-legal e a carismática.

A dominação tradicional tem sua base nos costumes e nas tradições das sociedades
antigas, como um cacique nas sociedades indígenas, por exemplo, ou o poder do senhor
feudal, nas monarquias. Seu poder é legítimo e reconhecido por todos em decorrência de
questões religiosas, crenças ou costumes. Esse tipo de autoridade era predominante nas
sociedades medievais, quando a monarquia era o sistema de governo padrão e concretizava-
se no modelo de gestão patrimonialista.

A segunda forma de dominação é a racional-legal, característica do estado moderno,


cuja autoridade legitimava-se por meio de normas e regulamentos estabelecidos, originando
o modelo de gestão burocrático.

O terceiro tipo de dominação é a carismática, presente em lideranças de todas as épocas,


como os heróis em revoluções, profetas ou guerreiros. É o tipo de autoridade legitimada pela
admiração que os outros têm pelas características pessoais do líder.

Na dominação tradicional, a reverência ao soberano garante a legitimidade da sua conduta


e das exigências que apresenta aos súditos. Além disso, segundo Weber (2004), entre os

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subjugados prevalece a noção de que tal autonomia não é limitada por forças concorrentes,
o que possibilita o exercício pessoal e arbitrário do poder. Essa configuração social particular
tende a despertar relações de reciprocidade, que não se baseiam na lei e, sim, no costume.

O patrimonialismo caracteriza-se, portanto, pelo poder político organizado através do


poder arbitrário e pessoal do príncipe, legitimado pela tradição.

As três formas de dominação definidas por Weber (2004) e os modelos de gestão delas
derivados, sintetizados na Figura 2, podem ser identificados nas organizações públicas ainda
hoje, de forma simultânea, embora haja a predominância de algum tipo sobre os demais.

Figura 2 – Tipos de dominação e modelos de gestão

Tradicional Patrimonialismo

Carismática Carisma

Racional-legal Burocracia

No dia 25 de outubro de 1917, Max Weber palestrou em Viena sobre os problemas da


sociologia do Estado, tema da sua obra clássica Economia e Sociedade. A definição dos três
tipos de dominação encontra-se no Capítulo XI, denominado “Sociologia da Dominação”. A
palestra e a obra de Weber foram veiculadas na imprensa no dia seguinte ao da palestra.

2 Patrimonialismo no Brasil
A administração pública brasileira conviveu com três grandes modelos de gestão, desde
que se iniciou o processo de colonização do país pelos portugueses até os dias atuais. Sua
evolução vai desde o sistema patrimonialista, em que os interesses pessoais confundiam-
se com os interesses públicos; passando pela reforma burocrática, iniciada na década de
1930, que buscou conferir maior impessoalidade, hierarquia e normas mais claras à atividade
estatal; e culminando na introdução de práticas gerenciais oriundas da iniciativa privada
na administração pública, buscando atingir maior agilidade e melhor direcionamento para
resultados do setor público.

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O patrimonialismo teve início com o Brasil colônia, passando pelo Império, predominando
até a República Velha (1889-1930).

No Brasil, o mais antigo registro de nepotismo data da ocasião do descobrimento, quando


Pero Vaz de Caminha, em sua carta ao rei de Portugal, pede a este uma colocação para seu
genro: “[...] por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu
genro”.

Na midiateca, está disponível o link com o referido trecho da carta de Pero Vaz de Caminha,
escrita ao rei de Portugal por ocasião da descoberta do Brasil em 1500.

Com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, tem início o segundo
modelo da administração pública brasileira, marcado pela Reforma Burocrática. Esse período
estendeu-se até a década de 1990, quando ocorreu a Reforma Gerencial, em 1995. Foram
inseridos na administração pública brasileira, nesse período, elementos gerenciais da Nova
Gestão Pública. Note que, embora seja preservada, em grande medida, a estrutura burocrática
weberiana, ainda ocorrem práticas patrimonialistas típicas das oligarquias.

Uma das possíveis causas para a permanência do patrimonialismo e do nepotismo na


administração pública reside nos traços culturais tipicamente brasileiros, como as relações
pessoais afetivas, a malandragem e o “jeitinho brasileiro” e o distanciamento entre as classes
sociais.

Esses traços culturais são tratados nas próximas seções desta aula, após um breve
relato histórico da colonização do Brasil, a fim de identificarmos os eventos que marcaram e
instituíram o modelo de gestão patrimonialista no Brasil.

2.1 Breve histórico


Na era colonial, o Brasil possuía sua estrutura política centrada na figura do rei e sua corte.
A legislação da colônia era fundamentada em interesses particulares, pois os costumes e as
tradições prevaleciam. O rei e a nobreza se valiam desse poder para estabelecer as regras, e a
esfera privada confundia-se com a pública. A ocupação das terras brasileiras foi realizada por
critérios de parentesco, amizade ou interesse político, não por critérios de meritocracia ou de
adequação técnica. Já na colônia, em 1534, o Rei D. João instituiu as capitanias hereditárias,
dividindo o território em 15 lotes, distribuídos aos capitães donatários. O objetivo era ocupar
e povoar o território brasileiro. Os capitães que ocuparam as terras brasileiras eram da
nobreza ou comerciantes ligados à coroa. Nas capitanias existia a relativa autonomia política-
administrativa, quadro que mudou em 1548, com o estabelecimento de um Governo Geral.
E esse governo geral era administrado por um governador que, por meio de um regimento,

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possuía plenos poderes. Entre 1572 e 1578, o Rei Sebastião instituiu dois governos, um ao
norte, com sede em Salvador, e outro no Rio de Janeiro. O objetivo era tornar a administração
mais eficiente; porém, diante de resultados insatisfatórios, foi retomado o regime anterior,
mantendo única sede em Salvador, e, assim, permaneceu até 1808 quando Dom João chegou
ao Brasil (HOLLANDA, 1995).

Figura 3 – Mapa das capitanias hereditárias


Capitania de João Barros e Aires da Cunha (MARANHÃO)

Capitania de Fernão Álvares de Andrade (MARANHÃO)

Capitania de Antonio Cardoso de Barros (CEARÁ)

Capitania de João de Barros e Aires da Cunha (RIO GRANDE)


Capitania de Pero Lopes de Sousa (ITAMARACÁ)


Linha de Tordesilhas

Capitania de Duarte Coelho (PERNAMBUCO) 10º

Capitania de Francisco Pereira Coutinho (BAHIA)

Capitania Jorge Figueiredo Correia (ILHÉUS)


15º

Capitania de Pero do Campo Tourinho (PORTO SEGURO)

Capitania de Vasco Fernandes Coutinho (ESPÍRITO SANTO)


20º
Trópico de Capricórnio
Capitania de Pero de Góis (SÃO TOMÉ)

Capitania Martim Afonso de Sousa (SÃO VICENTE)


Capitania de Pero Lopes de Sousa (SANTO AMARO)
Capitania Martim Afonso de Sousa (SÃO VICENTE) 25º
Capitania de Pero Lopes de Sousa (SANT’ANNA)

Oceano
Atlântico
30º

Fonte: História do Brasil Net (2015).

As capitanias hereditárias compunham o sistema de administração territorial criado pelo


rei de Portugal, D. João III, em 1534, que dividiu o território brasileiro em grandes faixas
entregues à administração de particulares (principalmente nobres com relações com a Coroa
Portuguesa). Esse sistema foi criado pelo rei de Portugal com o objetivo de colonizar o Brasil,

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evitando invasões estrangeiras. Ganharam o nome de capitanias hereditárias por serem


transmitidas de pai para filho (de forma hereditária).

De acordo com Sorj (2001 apud LESCURA; FREITAS JR; PEREIRA, 2010, p. 5):

A independência do Brasil no ano de 1822 fez surgir um conglomerado de estruturas


oligárquicas de poder espalhadas por todo o país. Duas grandes forças dominavam o
sistema político: de um lado, encontravam-se os grandes proprietários de terra, sob a
força de famílias patriarcais, relações clientelísticas e laços de sangue; e de outro lado,
um Estado central, que funcionava como mediador entre os interesses das diversas
regiões e grupos sociais. Tal situação perdurou até o fim da República Velha (1889-
1930).

Paula (2005 apud LESCURA; FREITAS JR; PEREIRA, 2010, p. 5-6), destaca que:

As primeiras tentativas de se burocratizar a administração pública ocorreram durante


o governo de Getúlio Vargas (1930-45), com a implementação da Reforma Burocrática,
visando profissionalizar o funcionalismo público. A criação do DASP – Departamento
de Administração do Serviço Público – foi um marco dessa reforma.

2.2 Traços culturais


Para compreender a colonização do Brasil e a evolução dos diferentes modelos de gestão
pública, faz-se necessário compreender, também, a multiplicidade de traços culturais que
compõem a nossa sociedade.

O processo de colonização deu-se por meio de uma miscigenação indígena, portuguesa e


africana. Essa pluralidade social deu origem a uma diversidade de traços culturais brasileiros,
dos quais três são característicos do sistema patrimonialista: relacionamentos pessoais
afetivos, malandragem e “jeitinho brasileiro” e distanciamento entre as classes sociais
(HOLLANDA, 1995).

A predominância de relacionamentos afetivos na administração pública (em detrimento


de impessoalidade ou da meritocracia, por exemplo) pode ser explicada por uma valorização
da família paternalista como norteadora de todas as relações sociais, sendo um traço herdado
dos colonizadores portugueses. Assim, beneficiar aqueles que se conhece melhor, que são da
família ou amigos, tornou-se uma prática recorrente em nossa sociedade.

A malandragem e o “jeitinho brasileiro” são comportamentos que estão relacionados e


que apresentam uma sutil diferença. Motta (2003) explica que o “jeitinho” é uma prática que
advém do formalismo e consiste no genuíno processo brasileiro de solucionar os problemas
sem passar pela burocracia, utilizando-se de relações informais. Seria uma forma de contornar,
burlar leis e certas formalidades do sistema burocrático, de forma humilde, não arrogante.
Já a malandragem apresenta uma pequena distinção com relação ao “jeitinho”, visto que,
enquanto este busca uma relação amistosa, a malandragem implica em “passar alguém para

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trás”. Contudo, o malandro brasileiro pode se apresentar como uma figura simpática (MOTTA,
2003).

Finalmente, o último traço cultural característico do patrimonialismo que perdura na


administração pública brasileira desde a colonização é a distância entre as camadas sociais, ou
seja, um distanciamento entre os “detentores do poder” e o povo. Motta (2003) estabelece
uma analogia interessante, apontando que no Brasil sempre existe algum tipo de colonizador,
ou seja, alguém para impor as regras e outro para obedecer. Esse autor utiliza uma metáfora
com as classes da história da humanidade e compara hoje o colonizador ao burguês e ao
tecnocrata, e o escravo ao operário (MOTTA, 2003).

Cukier (2015, s.p.) destaca que o patrimonialismo não é um problema exclusivo do Brasil
e muito menos um desafio contemporâneo:

O termo clássico foi inclusive substituído pela sua versão moderna. Nem mesmo
os ditadores mais corruptos acreditam – como reis e sultões acreditavam – que
são literalmente donos do estado, e podem fazer tudo o que desejam. Por isso, o
patrimonialismo evoluiu para neopatrimonialismo, um estado com uma aparência
estrutural externa convencional – com instituições, sistema legal, eleições e outros –
mas internamente governado por interesses privados.

O livro de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro


(1ª edição publicada em 1958 e 2ª edição em 1975) é uma excelente leitura para quem quiser
aprofundar o estudo do tema e ter uma perspectiva histórica do patrimonialismo no Brasil. O
autor faz uma análise desde a colonização do Brasil até o presidencialismo.

Considerações finais
Em resumo, o patrimonialismo caracteriza-se pelo caráter personalista do poder, pela
lógica subjetiva e casuística do sistema jurídico, pela irracionalidade fiscal e pela tendência à
corrupção do quadro administrativo (CAMPANTE, 2003).

No caso brasileiro, o conceito de patrimonialismo foi utilizado em muitos estudos para


explicar a gênese de suas instituições, a sedimentação de privilégios e a apropriação de
recursos públicos por burocratas, grupos políticos e segmentos privados.

Entretanto, as práticas patrimonialistas são antagônicas às bases da sociedade moderna,


na qual o Estado e o mercado são dissociados, as organizações são regidas por diretrizes
impessoais e o objetivo do Estado é prestar serviços à população.

O surgimento do capitalismo e a configuração da sociedade moderna é que vão estimular,


portanto, as tentativas de substituição desse modelo de administração pública patrimonialista

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pelo modelo burocrático; afinal, com a disseminação da democracia, a industrialização e a


produção em massa, os critérios de eficiência e de eficácia precisam ser modificados.

Por fim, sugerimos que você reflita sobre estas questões: quais práticas patrimonialistas
podem ser verificadas, ainda hoje, ocorrendo na gestão pública brasileira? E como essas
práticas poderiam ser combatidas?

Referências
CAMINHA, Pero Vaz. Carta escrita ao rei de Portugal por ocasião da descoberta do Brasil
em 1500. Disponível em: <http://www.zaz.com.br/voltaire/500br/carta_caminha.htm>. Acesso
em: 28 jul. 2015

CAMPANTE, Rubens Goyatá. O Patrimonialismo em Faoro e Weber e a Sociologia Brasileira.


DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 46, n. 1, p. 153-193, 2003.

CUKIER, Heni Ozi. Patrimonialismo: o desafio político. Revista Exame, 26 fev. 2015.
Disponível em: <http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/risco-politico-global/2015/02/26/
patrimonialismo-o-desafio-politico/>. Acesso em: 28 jul. 2015.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. Porto


Alegre: Globo, 1958.

HISTÓRIA DO BRASIL NET. Capitanias hereditárias: resumo. Disponível em: <http://www.


historiadobrasil.net/capitaniashereditarias/>. Acesso em: 28 jul. 2015.

HOLLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: O município e o regime representativo no


Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

MOTTA, Fernando Prestes. Organizações e sociedade: a cultura brasileira. Organizações &


Sociedade, v. 10, n. 26, p. 13-17, jan./abr. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
osoc/v10n26/01.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2015.

PAULA, Ana Paula Paes de. Por uma nova gestão pública: limites e potencialidades da experiência
contemporânea. Rio de Janeiro: FGV, 2005.

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; SPINK, Peter Kevin (Org.) A reforma do estado e a administração
pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 2001.

SORJ, Bernardo. A nova sociedade brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

LESCURA, Carolina; FREITAS JR, Dionysio Borges; PEREIRA, Roberto. Aspectos culturais
predominantes na Administração Pública Brasileira. In: ENCONTRO MINEIRO DE ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA, ECONOMIA SOLIDÁRIA E GESTÃO SOCIAL II EMAPEGS, 2., Viçosa. Anais eletrônicos...
Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2010. Disponível em: <http://www.emapegs.ufv.br/
docs/iiemapegsufv.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2015.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. São Paulo:


UnB/Imprensa oficial São Paulo, 2004. v. 2

______. O Economista. Palestra de Max Weber sobre os problemas da sociologia do Estado.


In: NEUE, Freie Presse, Viena, n. 19102, sexta-feira, 26 de outubro de 1917, Mo. Bl. [Folhas
Matinais], p. 10, col. 1-2.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 03
O Modelo Burocrático

Objetivos Específicos
• Conhecer as características do modelo burocrático weberiano, a trajetória de
sua implementação no mundo e no Brasil e compreender suas disfunções e
desafios e a convivência com os demais modelos de gestão.

Temas

Introdução
1 Modelo burocrático weberiano
2 Características do modelo burocrático
3 Trajetória do modelo burocrático
Considerações finais
Referências

Professora Autora
Júlia Furlanetto Graeff
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Nesta aula, serão apresentadas as características, as vantagens e disfunções e a trajetória
de implementação do modelo burocrático de gestão no mundo e no Brasil.

A implementação da burocracia weberiana nas administrações públicas acompanhou o


surgimento do Estado moderno, da democracia e da industrialização, em um período em que
houve a transição da autoridade tradicional (característica da monarquia) para a autoridade
racional-legal, e, assim, esta passou a prevalecer.

1 Modelo burocrático weberiano


O modelo burocrático weberiano surgiu em um período em que os estudiosos buscavam
consolidar os aspectos que estruturavam uma organização, método que ficou conhecido
como estruturalismo. O objetivo desse método era colocar as coisas em perspectiva e permitir
a comparação entre elas, por exemplo, comparar o número de níveis hierárquicos de duas
organizações ou seus processos produtivos. Sendo assim, era um método comparativo e que
via as organizações e os seus contextos como sistemas.

Existem diferentes correntes do estruturalismo, como o estruturalismo abstrato de Lévi-


Strauss, o estruturalismo concreto de Radcliffe-Brown, o estruturalismo dialético de Karl Marx
e o estruturalismo fenomenológico de Max Weber.

Para Weber, a burocracia é um sistema que estabelece uma ordem estável e duradoura
entre os aspectos de uma organização de forma a garantir a cooperação de um grande
número de sujeitos, sendo que cada um, conforme as suas habilidades, desempenha uma
função específica (MOTTA; VASCONCELOS, 2002).

A racionalidade predominante e necessária para a gestão dessas organizações com


esse método é a autoridade racional-legal, que parte de uma lógica instrumental para o
estabelecimento das ações.

1.1 As três formas de autoridade segundo Weber


No modelo teórico de Max Weber, a legitimidade está fundamentada em três tipos de
autoridade, a tradicional (característica do patrimonialismo), a racional-legal (característica
da burocracia) e a carismática (processos de grupos). Cada sociedade e período terão a
predominância de um tipo de autoridade e características que os tornam legítimos.

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Figura 1 – As formas de autoridade

Tradicional:
mitos, costumes
e tradições

Processo de
modernização
Carismática:
processos Racional-Legal:
identificatórios regras, normas e
grupais, líder, direitos e deveres.
qualidades pessoais

Fonte: Adaptada de Motta e Vasconcelos (2002, p. 12).

• Autoridade tradicional: é baseada nos costumes e nas tradições de uma cultura.


A autoridade dos patriarcas e anciãos nas sociedades antigas e o poder do senhor
feudal são exemplos desse tipo de autoridade, legitimada pelas tradições religiosas,
pelas crenças e pelos costumes sociais.

• Autoridade carismática: esse tipo de autoridade se baseia nas características


pessoais. Assim, sua legitimidade tem origem no reconhecimento daquilo que é feito
por essa pessoa e pelas suas habilidades, suas competências e seus comportamentos
pessoais. São exemplos dessa autoridade: profetas, heróis de guerra e líderes
reconhecidos pelos demais.

• Autoridade racional-legal: baseia-se em regras e normas estabelecidas em


regulamentos que são reconhecidos e aceitos por todos. Dessa forma, a interação,
o desempenho das funções, os objetivos a serem alcançados estão definidos nesses
princípios e devem ser obedecidos. Os limites dessa autoridade também são definidos
por regras (MOTTA; VASCONCELOS, 2002).

A autoridade tradicional era predominante nas monarquias, sistema de governo no qual


o rei tinha poder sobre todas as decisões e imperava o patrimonialismo. No patrimonialismo, o
patrimônio público era confundido com o privado e aspectos como o nepotismo e a ineficiência
na gestão eram comuns. Em oposição a esse sistema e acompanhando o desenvolvimento
da sociedade de massa, formada a partir da industrialização, o Estado moderno se baseia na
autoridade racional-legal.

Na sociedade industrial, a legitimidade do exercício da autoridade já não tinha mais o


caráter sagrado, costumeiro e religioso da sociedade tradicional, mas passou a ser regida por
regras e normas estabelecidas e pertinentes a todos e reconhecidas por todos. Nesse caso,

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a lei é válida e reconhecida como obrigatória pelos cidadãos dessa comunidade. Esse tipo de
autoridade é impessoal, ou seja, o indivíduo deve obedecer às regras e normas estabelecidas
pela autoridade competente, independentemente de quem seja. Nesse modelo, de acordo
com Motta e Vasconcelos (2002, p. 15), “[...] o clientelismo, os benefícios e favores com base
em relações pessoais passam a ser mal vistos dentro da lógica burocrática”. Cada sujeito deve
assumir e desempenhar as suas funções conforme sua habilidade e o conjunto de regras e
normas que compõe seu cargo.

Na figura a seguir, são apresentados os três níveis organizacionais propostos na estrutura


burocrática weberiana. No primeiro, mais alto, está a Diretoria, onde são desenvolvidas
as atividades de Planejamento Estratégico; no segundo, Gerência Média, na qual são
implementadas as decisões; e no terceiro, nível operacional, são rotinizadas as funções.

Figura 2 – Representação da estrutura burocrática weberiana

Diretoria

Gerência Gerência Diretoria

Gerência média

Subgerência Subgerência Nível operacional

Operacional

A proposição do modelo ou tipo ideal weberiano deve ser analisada dentro de um


paradigma que considera além do tipo ideal da burocracia, o conhecimento, a ação humana
e a realidade, conforme sintetizado a seguir.

Quadro 1 – O paradigma weberiano

Tipo ideal de
Conhecimento Ação Humana Realidade
Burocracia
sistema racional,
instrumento que busca
pré-estruturada, mas
aprender objetivamente construção de organizar, de forma
não determinada.
a significação das significados estável e duradoura, a
Crenças e valores do
intenções do outro a compartilhados pelos cooperação humana
indivíduo influenciam
partir de suas condutas. atores oficiais. para o atingimento de
suas condutas.
objetivos explícitos e
formalizados.

Fonte: Motta e Vasconcelos (2002, p. 139).

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O tipo ideal de burocracia é um modelo de comparação, no qual são apontados os


elementos que compõem uma estrutura burocrática, permitindo que esses sejam analisados
e comparados ou, ainda, que sirvam como um ponto de partida para a estruturação de uma
organização. Por essa razão que se fala em predominância de algumas características sobre
as outras, pois a realidade pode apresentar diferenças da prática (MOTTA; VASCONCELOS,
2002).

Já o conhecimento está relacionado com a aprendizagem das intenções dos outros


atores utilizando observação das condutas, ou seja, a prática ou as ações que vão explicar o
que o ator intenciona. Nesse ponto, considera-se a ação humana, já que ela que vai exprimir
a intenção de um ator; contudo, ela pode ter um desfecho diferente da intenção inicial. Além
disso, na análise da conduta humana, é fundamental acrescentar as crenças e os valores de
um ator, que são diferentes de um ator para outro, conforme sua história de vida e profissão.

Por fim, a realidade, dentro do paradigma weberiano, é socialmente construída e


compartilhada, ou seja, na medida em que os atores sociais compartilham alguns significados,
estes vão compondo a realidade (MOTTA; VASCONCELOS, 2002).

2 Características do modelo burocrático


De acordo com Motta e Vasconcelos (2002), a burocracia proposta por Weber busca
organizar, de forma estável e duradoura, a cooperação entre um grande número de pessoas
com funções específicas. Nesse modelo, a vida pessoal deve ser separada da vida no trabalho,
acompanhando o padrão proposto pela sociedade industrial.

Os princípios norteadores dessa estrutura burocrática, de acordo com Motta e


Vasconcelos (2002), são:

• Funções definidas e competências rigorosamente determinadas por leis e


regulamentos. A divisão do trabalho é feita de forma racional visando à eficiência e
ao alcance dos objetivos organizacionais.

• Existe um sistema de regras que rege os direitos e os deveres dos membros do sistema.

• A hierarquia é definida por regras explícitas (escritas), assim como as atribuições e a


autoridade de cada cargo.

• O recrutamento e a seleção são feitos mediante regras previamente estabelecidas.

• A remuneração deve ser igual para o exercício de cargos e funções semelhantes.

• A promoção e o avanço na carreira devem ser regulados com base em critérios


objetivos e não em favoritismo ou em relações pessoais.

• Há uma separação completa entre a função e a pessoa que ocupa o cargo.


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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Esses sete princípios mencionados são aspectos norteadores para o desenvolvimento


do modelo burocrático, que surgiu para se contrapor ao modelo patrimonialista. A ideia
era estruturar a gestão e estabelecer padrões para o desenvolvimento das atividades e,
principalmente, para definir quem deveria desenvolvê-las e de que maneira.

2.1 Vantagens da estrutura burocrática


Entre as vantagens da estrutura burocrática, especialmente quando comparada ao
patrimonialismo, Motta e Vasconcelos (2002) destacam:

• Predomínio da lógica científica sobre a lógica intuitiva, mágica ou mística predominante


na estrutura patrimonialista;

• A consolidação de metodologias de análise “racionais”, visando ao aprimoramento do


processo de produção;

• A profissionalização das relações de trabalho e a consolidação de uma lógica visando a


garantir a igualdade de todos diante das regras, reduzindo o favoritismo e clientelismo
típicos das corporações de ofício;

• A formalização das competências técnicas, permitindo evitar as perdas e os


desperdícios próprios da tradição oral das comunidades artesanais e sociedades
baseadas no costume e na tradição;

• Isomorfismo: a estrutura burocrática impessoal, dado o seu alto grau de formalização.

Figura 3 – Vantagens da burocracia

Análise de
processos

Evita-se o Lógica
clientelismo cientíifica

Burocracia

Isomorfismo,
Ética
expansão e
profissional
comércio

Formalização,
competências

Fonte: Adaptada de Motta e Vasconcelos (2002, p. 141).

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A burocracia propõe uma nova forma de relacionamento entre as organizações públicas


e privadas e as relações de trabalho. Ela possibilita relações impessoais e profissionais com o
intuito de alcançar os objetivos das organizações e garantir a longevidade destas.

A teoria da burocracia – e, portanto, o modelo burocrático – faz parte de um conjunto


de escolas que permitem a compreensão da evolução gradual dos conceitos básicos que
embasam a análise organizacional. Nesse contexto, a escola clássica ou científica e o
estruturalismo estavam preocupados com aspectos internos e estruturais das organizações e
surgiram conjuntamente com as necessidades da sociedade moderna ou industrial.

A análise de processos teve como objetivo organizar a atividade humana. A


rotinização das atividades foi utilizada para garantir a padronização das atividades
desenvolvidas.

Assim, o modelo burocrático propôs uma nova forma de conhecer, de delinear a


realidade, de considerar a ação humana e estruturar as atividades organizacionais na
sociedade. Contudo, por ser um tipo ideal e ser extremamente difícil a sua implementação
nas organizações, exatamente como proposto teoricamente, algumas disfunções foram
identificadas ao longo de sua experimentação.

2.2 Disfunções do modelo burocrático


Disfunções ou consequências imprevistas da burocracia são efeitos secundários ou não
previstos. Cientistas como Merton, Peter Blau, Gouldner e Selznick apontaram, em diversos
estudos, uma série de disfunções, as quais são listadas a seguir:

1. Transformações na personalidade de seus participantes.

2. Rigidez nos processos.

3. Dificuldade no atendimento aos clientes.

4. Ineficiência nos processos.

5. Contradições produzem tensões e conflitos nas organizações.

6. Apego excessivo às regras burocráticas produz disfunções.

7. Regras burocráticas representam os interesses da coalizão dominante.

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De acordo com Pereira (1996), a administração pública burocrática clássica foi adotada
porque era uma alternativa muito superior à administração patrimonialista do Estado. Contudo,
seu ideal de excelência não se concretizou de forma satisfatória, pois não assegurava rapidez,
qualidade ou custo baixo para o serviço público. Sendo assim, na mudança do Estado Liberal
para o Estado Social entre os séculos XIX e XX, houve a necessidade de novas mudanças no
modelo de gestão pública, concretizadas com a reforma gerencial, tema de outra aula.

3 Trajetória do modelo burocrático


A administração burocrática clássica, baseada nos princípios da administração do
exército prussiano, foi implantada nos principais países europeus no final do século
XIX; nos Estados Unidos, no começo do século XX; no Brasil, em 1936, com a reforma
administrativa promovida por Maurício Nabuco e Luís Simões Lopes. É a burocracia
que Max Weber descreveu, baseada no princípio do mérito profissional. (PEREIRA,
1996, p. 4).

De acordo com Motta (1991), três fatores principais influenciaram a disseminação


da burocracia no mundo. O primeiro fator foi que ela nasceu na produção em massa e na
necessidade de articulação com a sociedade; o segundo fator ampara-se no Estado Moderno,
com a ampliação das suas atribuições e atividades e do controle em setores da vida social em
todos os países; e o terceiro, no crescimento das instituições políticas e sindicais.

Motta (1991) assevera que a sociedade moderna foi formada por sociedades burocráticas
submetidas à ordem do Estado, o qual, por sua vez, também é uma organização burocrática;
sendo assim, transformou a vida em sociedade em muitos aspectos, tais como: a maior parte
da população ser assalariada, a formação de hierarquias dos cargos dentro das organizações
e o poder de compra associado ao trabalho.

3.1 Modelo burocrático no Brasil


No Brasil, o modelo da administração pública burocrática surgiu na década de 1930,
após o Período Oligárquico, também conhecido como República Velha ou dos Coronéis, com
o início do governo de Getúlio Vagas. O velho padrão de vida rural, com sua visão de mundo
patrimonialista, eminentemente calcado em valores aristocráticos, começou a se transformar,
embora ainda tenha mantido sua influência na gestão.

A influência dos princípios burocráticos na administração pública brasileira concretizou-


se na criação do Departamento Administrativo de Serviço Público (DASP) em 1936, marcando
o início da modernização do Estado brasileiro. A partir desse momento, o Estado passou
a intervir na administração, buscando a racionalização dos processos e a implantação das
carreiras burocráticas.

No período de 1930-1956 (Era Vargas), o objetivo do governo era instalar um Estado


de Bem-Estar social, criando bases institucionais de uma democracia nos moldes da

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

administração científica, estabelecendo direitos trabalhistas, criando um sistema de ensino


público além das organizações mediadoras do Estado e da sociedade, tais como SESI, SENAI e
outras entidades e federações representativas de classes.

Como indicação sobre o assunto, escolhemos o filme: Brazil – O Filme: aquarela burocrática,
de Terry Gilliam. A história se desenvolve a partir de uma falha de digitação (quando se trocou
a letra T pela B), fazendo com que o departamento de repressão do governo aprisionasse um
simples sapateiro, acusado de terrorismo contra o sistema.

Ao contrário do que possa parecer, “Brazil” leva esse nome, porque é embalado pela
música “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, mas a trama não tem ligação direta com imagens
brasileiras, a não ser pela burocracia, que é universal. Acesse o link na midiateca para saber
mais sobre o filme.

Considerações finais
Nesta aula, compreendemos que a burocracia faz parte do estruturalismo e seu principal
objetivo foi estabelecer uma lógica de eficiência e eficácia dentro das organizações, bem
como permitir a comparação entre as organizações.

Nesse sentido, a autoridade tradicional foi substituída pela racional-legal, privilegiando


a característica dos cargos e as habilidades necessárias para ocupá-los, bem como o
estabelecimento de uma ordem de ações que garantissem a eficiência e eficácia das ações
tomadas dentro de uma organização. Com esse método, o patrimônio público foi separado
do privado e todas as ações deveriam seguir critérios racionais-legais. Assim, não bastava
haver a vontade do líder, visto que também era necessário atender a um conjunto de normas
e regras.

Entre as disfunções da burocracia, mencionamos a demora nos processos, o excessivo


rigor e o alto grau de formalização nas ações, o grande número de níveis hierárquicos e a
lentidão na tomada de decisões, entre outras. Em razão de suas disfunções, a expressão
“burocracia” assumiu um tom pejorativo.

Uma questão para reflexão: em sua opinião, por que a expressão “processo burocrático”
é tão comumente utilizada para descrever serviços prestados por órgãos públicos?

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Referências
MOTTA, Fernando. O que é burocracia. 13. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.

MOTTA, Fernando C. Prestes; VASCONCELOS, Isabella F. Gouveia de. Teoria geral da


administração. São Paulo: Thompson, 2002.

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da Administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço
Público, ano 47, v. 120, p. 7-40, jan./abr. 1996. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.
br/papers/1996/95.AdmPublicaBurocraticaAGerencial.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2015.

WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da sociologia compreensiva. São Paulo:


UnB/Imprensa Oficial, 2004. v. 2

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 04
Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial

Objetivos Específicos
• Compreender os fatores que condicionaram a crise do Estado e a necessidade
de reforma, conhecer os conceitos e as diretrizes do gerencialismo, as
características específicas da administração pública gerencial e do governo
empreendedor e a trajetória da reforma gerencial no Brasil.

Temas
Introdução
1 A reforma do Estado como questão central
2 A administração pública gerencial
3 Reformando a estrutura do Estado brasileiro
Considerações finais
Referências

Professora Autora
Júlia Furlanetto Graeff
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Nesta aula, analisaremos os fatores que condicionaram a crise do Estado e suscitaram a
necessidade de reforma, além de compreender como se deu a reforma gerencial no Brasil,
modelo que vem sendo incrementado e aperfeiçoado até os dias de hoje.

Embora a primeira reforma administrativa burocrática no Brasil tenha ocorrido na


década de 1930, somente a partir de 1980, logo depois da eclosão da crise de endividamento
internacional, e mais intensamente depois de 1990 que a atenção dos políticos e economistas
se voltou para um ajuste estrutural do Estado, conhecido como reforma gerencial (PEREIRA,
2001).

A reforma gerencial foi implementada a partir de 1995 no Brasil. A proposta básica


era transformar a administração pública brasileira de burocrática em administração pública
gerencial. Nesse novo modelo, o objetivo era a reforma do aparelho do Estado, com vistas
a torná-lo menor, mais eficiente e voltado para o atendimento das demandas dos cidadãos
(PEREIRA, 2001).

Compreenderemos, também, o que é a administração pública gerencial ou a nova


gestão pública, as razões que levaram à reforma gerencial no Brasil e os desdobramentos das
medidas adotadas.

1 A reforma do Estado como questão central


À medida que a proteção aos direitos públicos foi ampliada em todo o mundo, foi se
tornando cada vez mais evidente que a administração pública burocrática não era capaz
de atender às demandas que a sociedade apresentava aos governos por ela eleitos, no
capitalismo democrático contemporâneo.

De acordo com Pereira (1996), as demandas da população podem ser superiores aos
recursos disponíveis dos Estados. Essa era a situação a partir da década de 1970, que deu
origem às propostas da nova gestão pública, impondo mudanças estruturais no modelo de
administração burocrática e na própria democracia.

De fato, a grande crise do Estado nos anos 1980 (composta pela crise fiscal, pela crise do
modo ou das estratégias de intervenção estatal e pela crise da forma burocrática pela qual o
Estado era administrado) tornou-se um evento crítico que abriu uma “janela de oportunidade”
para a implementação de reformas do Estado no mundo e, em particular, no Brasil.

A reforma do Estado envolveu aspectos políticos (os que se relacionam à promoção da


governabilidade), econômicos e administrativos (aqueles que visam a aumentar a governança).
Assim, as primeiras reformas iniciadas ainda na década de 1980, foram aquelas que visavam
a devolver saúde e autonomia financeira para o Estado: particularmente o ajuste fiscal e a

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

privatização. Essas medidas tinham como objetivo aproximar a forma de gestão do serviço
público à gestão do capitalismo contemporâneo, possibilitando a intervenção dos governos
para correção de falhas no mercado.

As mudanças sugeridas pela administração pública gerencial estavam relacionadas à nova


perspectiva de atuação do Estado, justificada para atender às necessidades da população
e criar uma estrutura nacional que tornasse o país competitivo diante de um cenário de
competitividade global.

Figura 1 – Prioridades da reforma do Estado

Reduzir o tamanho
Ajuste Mudança
do Estado e
estrutural promover o ajuste
fiscal

Administração Corrigir disfunções do


modelo burocrático
Pública Mudança com ferramentas
Gerencial gerenciais

Democracia
participativa com
Democracia Mudança canais de
participação direta

Se no século XVIII, historicamente, compreendeu-se a importância de proteger


o indivíduo contra um Estado oligárquico, e se no século XIX compreendeu-se a
importância de garantir-se aos cidadãos a participação no processo político e de
proteger os pobres e os fracos contra os ricos e poderosos, a importância de proteger
o patrimônio público só passou a ser dominante na segunda metade do século XX.
(PEREIRA, 2001, p. 8).

Essa citação remete à gradual e recente participação da população nas decisões do


Estado e ao processo de aprendizagem da população dentro de um sistema participativo e
democrático, no qual a eficiência e eficácia da gestão pública serão mensuradas conforme a
sua capacidade de atender às demandas da população eleitora.

A seguir, apresentamos as características da administração pública gerencial, seus


elementos e objetivos.

2 A administração pública gerencial


A administração pública gerencial ou Nova Gestão Pública (NGP) recorreu a ideias e
práticas da iniciativa privada adaptadas para a administração pública, consolidando-se como
uma alternativa à crise do Estado, ou seja, à crise fiscal, como uma estratégia para reduzir
custos e tornar mais eficiente a administração dos imensos serviços que cabem ao Estado, e
como um instrumento para proteger o patrimônio público contra os interesses particulares
ou da corrupção aberta (PEREIRA, 2001).

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Algumas características centrais ou princípios da administração pública gerencial são


(OSBORNE; GAEBLER, 1994):

1. O foco do governo é dirigir as políticas públicas por meio da estrutura do Estado e


delegar a execução para a iniciativa privada;

2. Fortalecer o cidadão e as comunidades para que eles tenham capacidade de se


organizar e propor soluções para os seus problemas;

3. O governo deve ter foco nos seus objetivos e flexibilizar a estrutura burocrática que
dificulta o seu desempenho;

4. O governo deve focar no financiamento e no controle do retorno esperado;

5. O governo deve orientar-se para o cliente, ou seja, o cidadão, focando nas necessidades
deste;

6. O governo deve ser empreendedor, encontrando maneiras inovadoras de atingir


resultados, sem que precise aumentar impostos ou cortar programas governamentais;

7. O governo deve tomar medidas preventivas, de forma a se tornar mais efetivo no


futuro;

8. O governo deve ser descentralizado, permitindo o trabalho em equipe;

9. O governo deve intervir no mercado para estimular a criação de um contexto que


garanta a qualidade de vida e, também, alavancar mudanças positivas para próprio
governo.

Na nova gestão pública, a descentralização, a delegação de autoridade e de


responsabilidade ao gestor público, o controle sobre o desempenho aferido mediante
indicadores acordados e definidos por contrato foram as formas encontradas de mitigar os
efeitos indesejados da burocracia, tais como a demora nos processos, as práticas e os padrões
dos funcionários públicos, bem como as questões relacionadas à corrupção, ao nepotismo e
a outros efeitos herdados dos modelos anteriores.

Assim, a administração pública gerencial surgiu para tornar a administração pública mais
eficiente e, também, ser um instrumento de controle contra a corrupção.

A reforma gerencial foi iniciada no governo Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha em


1979, e no governo republicano de Ronald Reagan, nos Estados Unidos em 1980, conforme
descrito a seguir.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

2.1 Nova administração pública no mundo


A partir de 1979, a Grã-Bretanha, no governo conservador de Margareth Thatcher,
implementou uma série de programas — o programa das “Unidades de Eficiência” (Efficiency
Units), que envolviam a avaliação dos custos de cada órgão do Estado; o programa “Próximos
Passos” (Next Steps), que introduziu as agências executivas; e o programa “Garantia do
Cidadão” (Citizens Chart) — que contribuíram para tornar o serviço público mais flexível,
descentralizado, eficiente e orientado para o cidadão. Nos EUA, a partir de 1980, o governo
de Ronald Reagan implementou mudanças no mesmo sentido, envolvendo privatização,
comercialização dos órgãos públicos, descentralização para governos subnacionais,
desconcentração no governo central, uso de mecanismos típicos de mercado, novas
atribuições aos órgãos da administração central e outras medidas de reestruturação ou
racionalização (MATIAS-PEREIRA, 2008).

Reformas semelhantes ocorreram na Nova Zelândia, na Austrália e na Suécia sob


governos, durante a maior parte do tempo, socialdemocratas (PEREIRA, 2001). Na França,
reformas na mesma direção começaram em 1989, durante o Governo do Primeiro-ministro
Michel Roçar, socialdemocrata, mas foram em seguida abandonadas.

O compromisso com a avaliação dos resultados foi a base essencial do movimento global
de reforma gerencial do setor público. As avaliações de desempenho procuram determinar
a eficiência com que uma agência de serviços públicos consegue alcançar seus objetivos e as
metas dos programas. Nesse contexto, torna-se clara a importância do cidadão-consumidor
que anseia por Estados melhores, menos onerosos e mais responsáveis.

3 Reformando a estrutura do Estado brasileiro


No Brasil, a primeira experiência com elementos da reforma gerencial ocorreu em
1967, com a publicação do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que preconizava
a descentralização funcional, a transferência de atividades econômicas do Estado para
autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, com o objetivo
de romper a rigidez burocrática, especialmente na gestão de pessoas e de compras e de
aumentar o dinamismo operacional na prestação dos serviços públicos.

Contudo, ao promover mudanças restritas à administração indireta, deixou de provocar


as transformações significativas na administração central, mantendo práticas burocráticas
disfuncionais ou patrimonialistas, tais como a contratação de empregados sem necessidade
de aprovação em concurso público.

A partir de 1985, a redemocratização do país foi, ao mesmo tempo, inovadora e com


aspectos de retrocesso. A Constituição de 1988 municipalizou a gestão pública e ampliou
o rol de direitos, consolidando o Estado de Bem-Estar Social no Brasil, além de assegurar e
ampliar a participação da sociedade na resolução de assuntos comunitários; porém, os novos
acordos políticos resultaram de um novo populismo patrimonialista, por meio de rateio dos
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

cargos públicos para os dirigentes dos partidos vitoriosos, além de ocorrer em um período de
enorme crise fiscal do Estado.

3.1 Crise no Estado e necessidade de reforma


Pereira (1996) observa que, entre 1979 e 1994, o Brasil viveu um período de estagnação
da renda per capita e de alta inflação sem precedentes. A causa fundamental dessa crise
econômica foi a crise do Estado, desencadeada em 1979, com o segundo choque do petróleo,
e caracterizada pela perda da capacidade de o Estado coordenar o sistema econômico de
forma complementar ao mercado.

Segundo Pereira (1996), essa crise definiu-se como uma crise fiscal, uma crise do modo
de intervenção do Estado, uma crise da forma burocrática pela qual o Estado é administrado,
e, em um primeiro momento, também como uma crise política:

a. Crise política:
[...] a crise política teve três momentos: primeiro, a crise do regime militar – uma crise
de legitimidade; segundo a tentativa populista de voltar aos anos 50 – uma crise de
adaptação ao regime democrático; e finalmente, a crise que levou ao impeachment
de Fernando Collor de Mello – uma crise moral. (PEREIRA, 1996, p. 3).

b. A crise fiscal ou financeira: caracterizou-se pela perda do crédito público e por


poupança pública negativa.

c. A crise do modo de intervenção, acelerada pelo processo de globalização da economia


mundial, caracterizou-se pelo esgotamento do modelo protecionista de substituição
de importações, que foi bem-sucedido em promover a industrialização nos anos de
1930 a 1950, mas que deixou de sê-lo a partir dos anos 1960; transpareceu na falta
de competitividade de uma parte ponderável das empresas brasileiras; expressou-se
no fracasso em se criar no Brasil um Estado do Bem-Estar que se aproximasse dos
moldes socialdemocratas europeus.

d. A crise da forma burocrática de administrar um Estado: emergiu com toda a força


depois de 1988, antes mesmo que a própria administração pública burocrática
pudesse ser plenamente instaurada no país.

Ainda de acordo com o autor, a resposta da sociedade brasileira aos quatro aspectos
da crise do Estado foi desequilibrada e ocorreu em momentos diferentes. A resposta à crise
política foi a primeira: em 1985, o país completou sua transição democrática; em 1988,
consolidou-a com a aprovação da nova Constituição Federal.

Já em relação aos outros três aspectos – a crise fiscal, o esgotamento do modo de


intervenção e a crescente ineficiência do aparelho estatal – o novo regime instalado no país
em 1985 pouco ajudou. Pelo contrário, em um primeiro momento, agravou os problemas,
constituindo-se em um caso clássico de resposta voltada para trás. Em relação à crise fiscal
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

e ao modo de intervenção do Estado, as forças políticas vitoriosas tinham como parâmetro


o desenvolvimentismo populista dos anos 1950; em relação à administração pública, a visão
burocrática dos anos 1930 (PEREIRA, 1996).

3.2 A reforma gerencial no Brasil: MARE, 1995


Buscando melhorar o desempenho do setor público, o Governo Collor (1990-1992)
implantou estratégias para diminuir o tamanho e o número de servidores da máquina
governamental; porém, sem alcançar resultados significativos.

A reforma gerencial só seria implementada, de fato, no governo Fernando Henrique


Cardoso (1995-2002), por meio do Ministério Administrativo da Reforma do Estado (MARE),
e a reforma social, no governo Lula (2003-2010), com as políticas de transferências de renda
e de promoção do desenvolvimento.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, foi proposto o Plano Diretor da Reforma


do Aparelho do Estado, um esforço de sistematização da estratégia de enfrentamento dos
principais problemas da administração pública brasileira, os quais eram a forte cultura
burocrática acrescida de práticas patrimonialistas.

Para saber mais sobre esse assunto, sugerimos a leitura do Plano Diretor da Reforma do
Estado através do link disponível na Midiateca.

A reforma do Estado empreendida por FHC abrangeu quatro áreas: a delimitação da


área de atuação do Estado, a desregulamentação, a governança (aumento da capacidade do
governo) e a governabilidade (aumento da democracia e accountability). Especificamente em
relação à reforma administrativa, liderada pelo Ministro Bresser Pereira à frente do Ministério
da Administração e Reforma do Estado (MARE) a partir de 1995, delimitaram-se as áreas
de atuação do Estado, propondo distinções fundamentais para a transformação do aparato
estatal, no que se refere a atividades e competências.

Para Bresser Pereira, autor das reformas, a administração pública gerencial demandava
uma estrutura reformada, por meio da descentralização e da delegação da autoridade,
definindo claramente os setores em que o Estado opera, as competências e a modalidade
de administração mais adequadas a cada setor. Diante disso, ele distinguiu quatro setores
existentes nos Estados Modernos: o núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os serviços
não exclusivos e a produção de bens e serviços para o mercado.

No núcleo estratégico e nas atividades exclusivas do Estado, a propriedade deveria ser


estatal. Ao contrário, na produção de bens e serviços, a propriedade deveria ser privada. Já

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

no domínio dos serviços não exclusivos, o regime seria de propriedade pública não estatal;
nesses casos, o interesse era público, mas o aparelhamento não seria do Estado, mas sim da
iniciativa privada.

O quadro a seguir sintetiza as áreas de atuação do Estado, seus respectivos operadores


e o tipo de estrutura administrativa adequada.

Quadro 1 – Estratégias de transição para reforma do Estado

Pública
Estatal Privada Burocrática Gerencial
(Não estatal)
Núcleo estratégico
Legislativo, Judiciário,
Presidência, Cúpula dos
Ministérios, Ministérios
Públicos.
Atividades Exclusivas
Regulamentação,
Fiscalização, Fomento,
Segurança Pública,
Seguridade Social Básica
Serviços Não Exclusivos
Universidades, Hospitais, Publicização
Centros de Pesquisa,
Museus
Produção para o
Mercado Privatização
Empresas Estatais

Fonte: Adaptado de Pereira (1995, p. 48).

O governo FHC formulou suas ações a partir de cinco medidas orientadoras, de acordo
com Matias-Pereira (2008). A primeira medida considerava o problema da crise no Estado e
da administração burocrática. A segunda foi a construção do Estado regulador. A terceira foi o
descolamento entre planejamento e gestão, por meio de um plano de adequação do Estado
(Plano Diretor – PD) não atrelado a metas de desenvolvimento (Plano Plurianual – PPA 2000-
2003). A quarta foi o ajuste fiscal. E a quinta representa os princípios de desestatização.

Para Matias-Pereira (2008), a reforma não foi mais efetiva pelo baixo envolvimento
dos atores, PD e PPA, e também porque houve uma fragmentação na sua política de gestão
prevalecendo o ajuste fiscal.

Para refletir, identifique, em notícias da imprensa, ações recentes em direção à reforma


gerencial realizadas pelo governo federal ou subnacionais (estados e municípios), nas três
esferas de poder (Executivo, Legislativo e Judiciário).

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Considerações finais
Nesta aula, analisamos os fatores que condicionaram a crise do Estado e provocaram
a necessidade de reforma, além de entendermos como aconteceu a reforma gerencial no
Brasil, a qual continua atualmente.

Entendemos, também, o que é a administração pública gerencial ou a nova gestão pública


e as razões que levaram à reforma gerencial no Brasil e os desdobramentos das medidas
adotadas.

Referências
BRASIL. Decreto Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da
Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 fev. 1967. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0200.htm>. Acesso em: 28 jul. 2015.

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A administração pública gerencial: estratégia e estrutura para um
novo Estado. Texto para discussão 9. Brasília: ENAP, 2001. p. 1-22.

______. A Reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Lua Nova, n.
45. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997. Disponível em:
<http://www.bresserpereira.org.br/papers/1998/A_reforma_do_Estado_dos_anos_90.pdf>.
Acesso em: 28 jul. 2015.

______. Da Administração pública burocrática à gerencial. Revista do Serviço Público, v. 47,


1996.

______. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Ministério da Administração


Federal e Reforma, 1995. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/
planodiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2015.

MATIAS-PEREIRA, José. Administração pública comparada: uma avaliação das reformas


administrativas do Brasil, EUA e União Europeia. Revista de Administração Pública, v. 42, n. 1,
p. 61-82, jan./fev. 2008.

OSBORNE, David; GAEBLER, Ted. Reinventando o Governo. 4. ed. Brasília: MH Comunicação,


1994.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 05
A Nova Gestão Pública

Objetivos Específicos
• Aprofundar o conhecimento acerca das características da Nova Gestão
Pública e compreender os desafios da sua implementação.

Temas
Introdução
1 Nova Gestão Pública (NGP)
2 Foco no cidadão
3 Nova estrutura da gestão pública para o século XXI
Considerações finais
Referências

Professora Autora
Júlia Furlanetto Graeff
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Nesta aula, analisaremos algumas características e alguns aspectos que norteiam a
nova gestão pública, bem como os desafios que a gestão pública brasileira enfrenta para
implementar as diretrizes dessa reforma.

Aprofundaremos os conhecimentos sobre a nova gestão pública e instigar um olhar


crítico sobre o momento de Reforma que estamos vivendo nos últimos 30 anos. Além disso,
teremos a possibilidade de analisar o cenário político, comparando o que foi proposto e o
que já foi implementado em relação às reformas da nova gestão pública, até o momento, na
administração pública brasileira.

1 Nova Gestão Pública (NGP)


A Nova Gestão Pública (NGP), também conhecida como administração pública gerencial,
teve o início da sua utilização na década de 1980, e seu foco principal era desenvolver e
implementar um novo sistema de gestão pública que se baseasse em experiências da iniciativa
privada e que objetivasse o atendimento ao cidadão e o aumento da eficiência do Estado.

No Brasil, a nova gestão pública foi iniciada com a criação do Ministério Administrativo
da Reforma do Estado (MARE) e abrangeu diferentes aspectos da gestão, por exemplo,
aspectos estruturais do governo, como a implantação de mecanismos de governança, criação
das agências executivas e reguladoras com objetivo de descentralização e a proposição de
parcerias público e privadas, por meio da criação das organizações sociais, entre outros.

Para saber mais e conhecer os Cadernos MARE, os quais apresentavam as propostas de


reforma, acesse o link disponível na Midiateca.

A NGP buscava mitigar os efeitos indesejados do modelo burocrático e dos traços culturais
herdados do patrimonialismo. Sendo assim, essa gestão visava a ampliar a flexibilidade, dar
ênfase em resultados, atender o cidadão e desenvolver mecanismos de controle social. Assim,
também procurou se apropriar de práticas da economia privada com um aspecto de grande
diferenciação, que é a defesa dos interesses do cidadão.

Nesse modelo, o centro deixou de ser a própria estrutura do governo para passar a olhar
as necessidades dos cidadãos e a moldar a sua estrutura de forma que passasse a atender
às necessidades do público. Diante disso, teóricos da área passaram a afirmar que ela possui
um caráter mais democrático, ou nas palavras de Coutinho (2000, p. 41): “Vale notar que o
caráter mais democrático da nova gestão pública faz referência exatamente à sua orientação
ao público, além da participação dos cidadãos e controle social da gestão”.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Essa mudança do foco de atenção para o cidadão teve origem na crescente insatisfação
da população e da conscientização desta sobre a ineficiência do governo, bem como no
processo de democracia que foi educando a população para se tornar mais participativa e
exigir os seus direitos.

Para tantas novas formas de relações organizacionais que foram sendo desenvolvidas,
a Tecnologia da Informação desempenhou um papel muito importante em áreas como
transparência, prestação de contas e governança.

Pereira (2002, p. 19) traz uma afirmação que resume as ações da NGP no Brasil:

O objetivo é que o Estado — e mais amplamente a sociedade — use os limitados


recursos disponíveis de uma maneira melhor e mais eficiente, e também de uma
maneira mais democrática. Assim, além de dar importância às formas clássicas de
accountability política (regras processuais, auditorias e revisão parlamentar) a reforma
propõe três formas de accountability gerencial: controle por resultados contratados,
pela competição controlada e pelo controle social.

Além da falta de agilidade dos processos da administração pública, a nova administração


pública tinha o objetivo de melhorar a eficiência dos funcionários públicos, atuando na
remuneração, nos processos de recrutamento e de seleção e na eliminação dos privilégios de
alguns servidores (PEREIRA, 2002).

Outro ponto importante implantado a partir da NGP foi a criação de três instituições, as
quais foram as agências executivas, regulativas e as organizações sociais, com o objetivo de
descentralizar as ações do governo de forma que ele pudesse focar nas atividades estratégicas,
do Núcleo Estratégico, e que pudesse compartilhar as atividades concernentes ao setor de
atividades exclusivas e intransferíveis do governo (BRASIL, 1997).

Na figura a seguir, distinguem-se as duas áreas:

Figura 1 – Núcleo Estratégico e Setor de atividades Exclusivas

Setor de Atividades
Núcleo Estratégico Exclusivas

Presidência,
Ministérios, Poder No qual são
Executivo e implementadas as
Legislativo e políticas públicas
Ministério Público

Fonte: Brasil (1997, p. 9).

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Entretanto, as dificuldades em relação ao modelo burocrático não eram uma exclusividade


do Brasil, visto que, na época, todos os países estavam enfrentando dificuldades, as quais
vieram a culminar no desenvolvimento do gerencialismo e em seus desdobramentos,
conforme verifica-se nessa citação de Abrucio (1997, p. 11):

Foi neste contexto de escassez de recursos públicos, enfraquecimento do poder estatal


e de avanço de uma ideologia privatizante que o modelo gerencial se implantou no
setor público. Coube aos conservadores ingleses e aos republicanos americanos a
iniciativa nesse sentido, introduzindo, num primeiro momento, um modelo gerencial
puro, em que prevalecia o ângulo meramente economicista (“cortar custos” como
fim último) e o desconhecimento da especificidade do setor público. Ao longo dos
últimos quinze anos, entretanto, o managerialism sofreu um contínuo processo de
transformação, como veremos a seguir. Da inicial perspectiva conservadora, o debate
referente ao modelo gerencial tem avançado por terrenos cada vez mais dominados
pelas temáticas republicana e democrática.

No próximo tópico, serão abordados o gerencialismo puro, o consumerism e a orientação


ao serviço público, conforme ilustra o quadro a seguir, proposto por Abrucio (1997, p. 12).

Quadro 1 – Modelos em resposta à crise do modelo burocrático

Resposta à crise do modelo burocrático inglês (Whitehall)


Modelo gerencial puro Consumerism Public Service Orientation
Economia/ Eficiência
Efetividade/Qualidade Accountability/Equidade
(Produtividade)
Taxpayers (contribuintes) Clientes/Consumidores Cidadãos

Fonte: Abrucio (1997, p. 12).

1.1 Gerencialismo puro


De acordo com Abrucio (1997), o managerialism está associado a conceitos como a busca
contínua da qualidade, descentralização e avaliação dos serviços públicos pelos consumidores/
cidadãos. Esses conceitos surgem com o intuito de resolver as crises decorrentes da
administração burocrática e em defesa da criação de um novo paradigma organizacional.

Nesse sentido, o ponto central era a busca por eficiência, com relação aos funcionários
e a suas responsabilidades, à definição dos objetivos organizacionais, e, por fim, a uma maior
consciência sobre os gastos públicos e as formas de controlar e avaliar a eficácia desses
investimentos.

Para que isso pudesse ser implementado, alguns instrumentos gerenciais foram
desenvolvidos, com vistas a atender aos objetivos do novo sistema. O primeiro instrumento
foi a racionalização orçamentária, que pretendia ampliar o conhecimento e o monitoramento

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

dos gastos do governo. Em seguida, foram propostos mecanismos de avaliação de


desempenho organizacional, por meio de duas estratégias: a administração por objetivos e a
descentralização administrativa.

A primeira estratégia tinha como objetivo traçar metas para as ações das agências e
criar critérios que permitissem a avaliação dos resultados alcançados. Já a descentralização
visava à ampliação da autonomia das agências e de seus departamentos, tudo isso com o
acompanhamento do poder central. Por fim, a delegação de autoridade era uma resposta
aos processos altamente formalizados e centralizados e que pretendia transformar a cultura
da burocracia.

Abrucio (1997) aponta, ainda, como disfunções desse modelo aspectos como os critérios
de medição de eficiência tão rígidos quanto controles de processos burocráticos, que retiram
a flexibilidade dos gestores para decidir e inovar; enfatizar demasiadamente a eficiência em
detrimento da efetividade dos serviços públicos; a insuficiente separação entre política e
administração (herança do patrimonialismo); e, por fim, as dificuldades de criar indicadores
capazes de mensurar a eficiência e avaliar o desempenho da gestão pública.

Por fim, Abrucio (1997, p. 19) comenta que:

Esta “despolitização” da administração pública, aliada à ênfase no conceito de eficiência


governamental, fez com que Christopher Pollitt (1990), um dos maiores críticos do
modelo gerencial inglês, classificasse o managerialism como um “neotaylorismo”, isto
é, uma proposta calcada na busca da produtividade e na implantação do modelo de
gestão da empresa privada no setor público.

Como esse modelo buscava a eficiência, levou a uma preocupação com o atendimento
dos anseios dos consumidores ou da população, elemento que estimulou o desenvolvimento
do próximo modelo, este que, entre outros aspectos, buscava a flexibilização.

1.2 Consumerism
Em um ambiente em que a população desconfiava muito dos governantes e das ações
políticas, surgiu uma estratégia que se propunha a conhecer a reação das pessoas às ações do
governo, juntamente com a introdução da perspectiva da qualidade total na gestão pública.
Em suma, seria uma perspectiva voltada à satisfação do público, intitulada paradigma do
consumidor (ABRUCIO, 1997). O autor exemplifica essa estratégia por meio do programa
Citizen´s Charter:

[...] o programa do governo inglês mais importante no sentido de priorizar o consumidor


é, sem dúvida, o Citizen’s Charter. Baseado no princípio de que os serviços públicos
devem estar mais direcionados às necessidades definidas pelo público diretamente
afetado (BUTLER, 1993: 402), o Citizen’s Charter consiste na implantação de programas
de avaliação de desempenho organizacional de acordo com dados recolhidos juntos
aos consumidores. (ABRUCIO, 1997, p. 22).

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Diante desse cenário que buscava minimizar os efeitos do modelo burocrático, por meio
de medidas para ampliar a eficiência e a satisfação dos consumidores, foram tomadas três
medidas para tornar o poder público mais leve, ágil e competitivo.

A primeira medida foi a descentralização, a fim de aproximar o serviço público do


cidadão para que este pudesse fiscalizar a prestação dos serviços; a segunda, foi a delegação
de autoridade, por meio da classificação desses serviços e da ampliação da lógica de
competitividade e melhoria; por fim, terceira, foi a adoção de um modelo contratual.

Esse modelo contratual, conforme Abrucio (1997), tinha como dimensões: a extensão
das relações contratuais no fornecimento de serviços públicos entre o setor público, o setor
privado e o voluntário/não lucrativo, visando à competição e ao controle, à ampliação das
relações contratuais para dentro do setor público, envolvendo descentralização, delegação e
mecanismos de Quasi Market, evitando o monopólio, e a adoção de contratos de qualidade
entre os prestadores de serviços e os usuários, o que permitia a fiscalização por parte dos
consumidores.

Esse modelo recebeu diversas críticas, a primeira em relação à competição e ao poder


de escolha dos consumidores, que é inexistente ou compulsória em alguns serviços da
administração pública, como a escolha de um hospital ou o uso de um serviço de polícia.
Além disso, questionava-se como considerar esse cenário em um momento de crise?

Outro ponto foi a discussão de quem eram os consumidores. Seriam estes representados
pela população em geral ou por um grupo de interesses que pode se modificar ao longo do
tempo? Diante disso, o critério de equidade seria perdido.

Para tentar minimizar essas fraquezas introduzindo os conceitos de accountability


e equidade na prestação de serviços públicos, surgiu o próximo modelo a ser analisado, o
Public Service Orientation (PSO).

1.3 Public service orientation (PSO): a construção da esfera pública


De acordo com Abrucio (1997), o modelo PSO pretendia preencher as lacunas deixadas
pelo modelo gerencial e explorar as suas potencialidades. Para tanto, buscou conceitos como:
accountability, transparência, participação política, equidade e justiça.

Nesse sentido, possui quatro objetivos, os quais são: a substituição do conceito de


consumidor pelo de cidadão, a redefinição da relevância e dos objetivos da descentralização,
a substituição da competição pela cooperação nas agências, e o resgate sobre a reflexão dos
objetivos da administração pública.

O primeiro objetivo, que substitui o conceito de consumidor pelo de cidadão, leva a um


entendimento mais coletivo, por meio do qual se amplia a questão da escolha dos serviços
para a existência de direitos e deveres. Assim, a accountability somente poderá existir através

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do exercício dessa cidadania, e esta requer, por sua vez uma participação ativa na escolha de
dirigentes, na formulação de políticas e na avaliação dos serviços públicos, e, por fim, resgata
um espaço para o diálogo dessas questões, que é o conceito de esfera pública (domain public)
e a participação como mecanismo de transparência e proteção dos direitos coletivos. Isso,
evidentemente, é o contrário do clientelismo e do corporativismo. Nesse novo cenário, o
debate público acerca do planejamento estratégico e da formulação das políticas públicas se
torna uma condição.

O segundo objetivo, a redefinição dos objetivos da descentralização, pode ser entendido


analisando as diferentes compreensões dos outros modelos. Para o gerencialismo puro, a
descentralização era um meio de tornar mais eficazes as políticas públicas; no consumerism
era um meio de conferir aos consumidores o direito de escolher os equipamentos sociais
que lhes oferecessem a melhor qualidade; já no PSO o governo local, além de ser um bom
meio de prover os serviços públicos por estar mais próximo à população, capacita o cidadão
a participar das decisões que afetam sua vida e comunidade.

O terceiro objetivo, que substitui a competição pela cooperação nas agências, está
associado à garantia da equidade e ao alcance de um melhor resultado global, voltado à
cooperação e não individualizado por unidades.

E, por fim, resgatou a ênfase em o que o setor público “deve ser além de como deve ser”.

2 Foco no cidadão
De acordo com Coutinho (2000), a partir de 1990, a nova gestão pública destacou que
os cidadãos devem ser vistos como clientes; logo, o Estado passou a ser um prestador de
serviços. Nesse sentido, os cidadãos deveriam poder participar da administração pública,
além de ter informações sobre o funcionamento, quais as limitações, como são realizados
seus controles, quem são os responsáveis pela gestão.

No seu texto, Coutinho (2000, p. 42) traz uma explicação interessante sobre por que os
cidadãos devem ser vistos como clientes:

Uma das principais razões alegadas para tratar as pessoas com a mesma atenção que
as empresas privadas dispensam à sua clientela se deve, exatamente, ao sucesso que
algumas dessas empresas obtiveram implantando um programa que valorizava as
necessidades dos clientes.

Fica evidente, nessa citação, que a lógica das empresas foi apropriada ao serviço público
e que as transformações decorrentes dessa prática fizeram com que o governo tivesse que,
em um primeiro momento, identificar quem eram os seus clientes. A partir disso, o governo
começou o atendimento conforme as suas necessidades dos cidadãos e a respeitá-los, no
sentido de permitir que participassem da tomada de decisão.

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Nesse novo cenário, os governos passaram a se preocupar com a qualidade dos serviços
prestados, iniciando uma competição entre os governos; contudo, sem perder a lógica da
democracia. Nesse caso, o Estado deve ser eficiente e democrático, pois “[...] a importação
de práticas e conceitos organizacionais do setor privado não deve suplantar o objetivo maior
do Estado que é o interesse público” (COUTINHO, 2000, p. 43).

Três críticas foram feitas a esse modelo: a primeira seria o fato de que marginaliza a
cidadania, “[...] transformando os cidadãos de proprietários da coisa pública em clientes do
Governo” (COUTINHO, 2000, p. 43); a segunda por transformar o Governo em um instrumento
de consumo; a terceira por tratar a relação entre governo e cidadão de uma forma muito
simplista e ignorar as suas diferentes facetas.

Para contornar essas críticas, o autor aponta que deve ser feita uma distinção entre os
tipos de clientes, para que aqueles que devem seguir as leis do Estado, por exemplo, não
queiram se eximir por se tratarem de clientes. Ele aponta os clientes primários como indivíduo
ou grupo cujo trabalho da administração pública é desenhado exclusivamente para ajudar;
os clientes secundários, cujo trabalho da administração pública é desenhado para beneficiar
indiretamente; os terceiros grupos dos clientes, que devem se submeter à lei; e quarto tipo
de clientes são os stakeholders, aquelas pessoas que têm interesse no bom desempenho das
organizações públicas.

Figura 2 – Fundamentos da administração pública voltada para o cidadão

Qualidade
como satisfação
dos cidadãos-
usuários

Atendimento
Recursos e
ao cidadão
ações inovadoras
como diferencial
gerando soluções
de qualidade

Fonte: Coutinho (2000, p. 49).

Os cidadãos podem ser ou não usuários de serviços públicos específicos, mas


também são portadores de direitos e deveres. Contudo, ao contrário dos clientes do
setor privado, muitas vezes não possuem serviços alternativos para escolher em caso
de insatisfação com o serviço público (COUTINHO, 2000).

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Há algumas regras para implementar uma administração com foco no cidadão:

1. Envolvimento pessoal das autoridades públicas (presidentes, governadores,


ministro, prefeitos, entre outros);

2. Estabelecimento de um comitê central responsável por incentivar a implementação


dos projetos de mudança;

3. Responsabilização das unidades diretamente ligadas à implementação de cada


projeto;

4. Concessão de autonomia para essas unidades escolherem os instrumentos a serem


utilizados, o tempo e as demais características do processo de implementação;

5. Criação de um clima favorável, por meio de motivação e encorajamento dos


agentes públicos, e da divulgação periódica dos resultados obtidos;

6. Distribuição de responsabilidade por equipes de trabalho nas unidades;

7. Implementação gradual das mudanças, com o devido tempo de adaptação para


os cidadãos-usuários;

8. Participação nas decisões e consulta sobre soluções de obstáculos ou problemas;

9. Aprendizado e aperfeiçoamento pela experiência adquirida ao longo da


implementação;

10. Controle e pressão externa, inclusive da sociedade, de forma a estimular


servidores e organizações públicas a manterem forças constantes em favor da
mudança. (OCDE, 1996 apud COUTINHO, 2000, p. 63).

2.1 Qualidade na nova gestão pública


Com o diálogo sobre a prestação de serviços, da perspectiva do cliente como cidadão e
a necessidade de uma qualidade subjacente ao serviço prestado, os teóricos iniciaram uma
análise do que seria a qualidade aplicada à gestão pública. Podemos considerar que seria
uma equação entre o conceito mercadológico, que busca a satisfação do cliente e o conceito
da produção que se orienta para a busca da excelência no desenvolvimento de produtos.

No caso da administração pública, Coutinho (2000, p. 48) propõe uma reflexão:

Esta ideia de qualidade tem sido incorporada à esfera pública, na qual o cidadão
pode ser considerado como usuário, na medida em que é receptor da ação
das organizações públicas. Assim, qualidade passa a significar a satisfação das
necessidades e expectativas dos cidadãos, supondo ainda a redução dos custos e a
melhora permanente dos processos de acordo com as exigências da sociedade.

Nessa afirmação do autor, podem ser destacados os aspectos de eficiência e eficácia


buscados pela gestão da qualidade, uma vez que se procura a redução de custos e a melhoria
contínua dos processos. Sendo assim, além de buscar a satisfação dos usuários, o Estado
deve, também, ouvi-los para poder realizar ações de melhoria contínua.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Nessa perspectiva, o cidadão não atua somente como um cliente que usufrui dos
serviços, mas também como cidadão no momento em que possui um canal de comunicação
com o Estado para que possa apontar as necessidades de mudança e as possibilidades de
aprimoramento.

Para que isso ocorra de forma efetiva, é necessária uma inovação, tanto cultural como
estrutural. Isso quer dizer que é necessário que os cidadãos se apropriem do seu papel de
colaboradores para a melhoria dos serviços prestados pelo governo, nesse contexto, havendo
uma mudança cultural. Já a mudança estrutural está relacionada aos arranjos estruturais e
espaços de diálogo entre o cidadão e o Estado, como o apoio crescente das tecnologias e
mídias sociais, que aproximam esses dois atores cada vez mais.

2.2 Desenvolvimento de uma cultura de prestação de serviços


A cultura é um elemento central para a mudança em qualquer sistema de gestão.
Como foi mencionado, a administração pública brasileira ainda possui heranças culturais do
patrimonialismo e do modelo burocrático, aspectos culturais que precisam ser modificados.

Coutinho (2000, p. 56) apresenta um quadro em que traz as características culturais


necessárias para o desenvolvimento da prestação de serviços ao cidadão. São elas: parceria,
compromisso, busca de qualidade e resultados efetivos. Para o autor, a observância desses
quatro aspectos contribuirá para o desenvolvimento de um sistema com mais transparência,
maior circulação de informações e descentralização nas tomadas de decisões.

As marcas de uma cultura de prestação de serviços são:

1. Parceria: significa assumir que o prestador de serviços trabalha em conjunto.


Servidor e usuário são pessoas interdependentes, posto que estão envolvidos em
um mesmo processo e interagem constantemente um com o outro.

2. Compromisso: aponta para o fato de o atendimento estar sempre a serviço de


alguém. O servidor trabalha principalmente para atender às necessidades de
outros, e não apenas em função de seus próprios interesses.

3. Busca de qualidade: traduz a procura incessante pela excelência, baseada em


um conceito de qualidade mais amplo, que inclui primordialmente a satisfação
do usuário.

4. Resultados efetivos: significa que a prestação de serviços deve procurar sempre


produzir resultados com efeitos visíveis para os usuários, resolvendo seus
problemas e satisfazendo realmente suas expectativas. (CARDOSO; CUNHA, 1994
apud COUTINHO, 2000, p. 56).

Visto isso, considera-se que foram analisados os elementos necessários para a


implementação e o funcionamento da gestão orientada ao cidadão, uma vez que se busca a
satisfação desse cidadão, utilizando tecnologias e interfaces inovadoras para fomentar novos
comportamentos que alcançarão a qualidade nos serviços prestados.

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3 Nova estrutura da gestão pública para o século XXI


Em 2010, o professor-pesquisador belga Cristopher Pollit (RSP, 2010) fez uma conferência
no Brasil discorrendo sobre tendências da nova estrutura da gestão pública para esse século.
Na abertura da sua palestra, ressaltou a importância da educação, tanto em escolas públicas
como em escolas de administração pública. Além disso, destacou que não existe um modelo
fixo e pronto com as melhores teorias e técnicas para gerir o Estado, mas sim uma estrutura
que pode nortear e se adaptar conforme as mudanças forem acontecendo. Por fim, antes
de apresentar os novos desafios, Pollit relembrou os ouvintes acerca dos antigos problemas,
salientando que eles não desapareceram, mas ainda persistem, como as estruturas rígidas
e corrupção. Como tendências, o palestrante apresentou cinco temas, que vão de assuntos
mais amplos como mudanças climáticas à motivação para o serviço público.

Na sequência, apresentamos os cinco temas objetos de reflexão sobre os novos caminhos


da gestão pública (RSP, 2010):

• Profundidade e duração da crise econômica fiscal: os desafios na Europa e nos


Estados Unidos da América irão repercutir em toda a sociedade, e, em especial, na
Europa, visto que o modelo de bem-estar social será ameaçado, causando crises
de legitimidade dos governos. Isso resultará em uma mudança na relação entre a
população e o Estado.

• Cidadania mais ativa, educada e menos partidária: fala das mudanças na


constituição da sociedade, uma vez que as pessoas têm maior poder aquisitivo, mais
conhecimento, são mais exigentes e menos pacientes. Isso muda todo o cenário para
a gestão pública, que passa a ter um público muito mais exigente e participativo.
O palestrante também mencionou as mudanças decorrentes da tecnologia e,
principalmente, as mídias sociais que permitem que um grande número de pessoas
se reúna em locais públicos de forma muito rápida para defesa dos seus interesses.
Um exemplo foi o movimento que ocorreu no Brasil em decorrência do aumento dos
valores do transporte urbano.

• Mídia mais rápida e agressiva: outro ponto destacado e relacionado com o anterior é
a influência da mídia, visto que ela se tornou enorme e com uma abrangência global,
mais rápida e ousada. E outro ponto está relacionado à qualificação dos jornalistas que
exigem que os funcionários do Estado sejam mais bem preparados para responder
às questões.

• Escala internacional de desafios (mudanças climáticas, crime organizado e acordos


comerciais): o palestrante destacou a importância da aproximação dos governos para
políticas de escala internacionais, pois os desafios extrapolam as fronteiras e exigem
uma forma de interação mais articulada e com atuação global.

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• Maior reconhecimento da motivação para o serviço público: foi abordada a


questão valorização do serviço público, tema recorrente na agenda da administração
pública brasileira. No pensamento do palestrante, essa tendência envolve não
somente motivações extrínsecas, como salário e benefícios, mas também motivações
intrínsecas, em que o servidor se sente motivado por estar trabalhando para melhorar
a situação do seu país, dando especial atenção àqueles que atuam na saúde e na
educação. Diante disso, as políticas públicas devem buscar atender às motivações
mais elevadas dos servidores públicos.

Em sua opinião, as tendências descritas por Cristopher Pollit são aplicáveis no Brasil? Qual
chamou mais a sua atenção? E por quê?

Considerações finais
Nesta aula, foram analisados os conceitos da nova gestão pública, com ênfase na
orientação para o cidadão consumidor, bem como no processo de construção desse sistema
e de mudança cultural para que isso seja alcançado.

São inúmeras as teorias e variados modelos que propõem vias alternativas para que
se implante com sucesso essa modelagem; contudo, é preciso perceber que, além de
ferramentas, são necessárias mudanças culturais em todos os níveis e no comportamento de
todos os atores envolvidos nesse cenário.

Relembrando Abrucio (1997, p. 26):

No modelo gerencial puro, a descentralização era valorizada como meio de tornar


mais eficazes as políticas públicas. Já no consumerism, o processo de descentralização
era saudável na medida em que ele aproximava o centro de decisões dos serviços
públicos dos consumidores, pensados como indivíduos que têm o direito de escolher
os equipamentos sociais que lhes oferecer melhor qualidade. O ponto que aqui
distingue o PSO das outras correntes é o conceito de cidadão. Pois, enquanto o
cidadão é um conceito com conotação coletiva — pensar na cidadania como um
conjunto de cidadãos com direitos e deveres —, o termo consumidor (ou cliente) tem
um referencial individual, vinculado à tradição liberal, a mesma que dá, na maioria das
vezes, maior importância à proteção dos direitos do indivíduo do que à participação
política, ou então maior valor ao mercado do que à esfera pública.

Por fim foram apontadas tendências para essa área com o intuito de permitir que seja
vislumbrado o futuro e os desafios que os administradores públicos enfrentam e enfrentarão
nos próximos anos.

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Referências
ABRUCIO, Fernando Luiz. O impacto do modelo gerencial na Administração Pública: um breve
estudo sobre a experiência internacional recente. Cadernos ENAP, n. 10, 1997.

BRASIL. Reforma da Gestão Pública: documentos e trabalhos sobre a reforma gerencial do Estado
brasileiro. Cadernos MARE. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/recipient3.
asp?cat=100>. Acesso em: 10 jul. 2015.

______. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Agências executivas/


Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Cadernos MARE da reforma do
Estado 09. Brasília: MARE, 1997.

COUTINHO, Marcelo James Vasconcelos. Administração pública voltada para o cidadão: quadro
teórico-conceitual. Revista do Serviço Público, ano 51, n. 3, p. 40-73, jul./set. 2000.

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma da nova gestão pública: agora na agenda da América
Latina, no entanto... Revista do Serviço Público, ano 53, n. 1, p. 5-27, 2002.

RSP. Cristopher Pollit analisa a nova estrutura da gestão pública para o século XXI. Revista Do
Serviço Público, n. 61, p. 117-124, jan./mar. 2010.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 06
Governança Pública, Redes e os Mecanismos de Cooperação

Objetivos Específicos
• Compreender o conceito de governança aplicado à gestão pública e conhecer
o mecanismo de governança na gestão pública brasileira. Identificar boas
práticas de governança pública em outros países e compreender o papel
dos órgãos de fiscalização e controle para garantir a governança na gestão
pública.

Temas

Introdução
1 Conceito de governança aplicado à gestão pública
2 Mecanismos de governança na gestão pública brasileira
Considerações finais
Referências

Professora Autora
Júlia Furlanetto Graeff
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Nesta aula, estudaremos o conceito de governança e mais especificamente a governança
pública.

Discorreremos sobre o conceito de governança aplicado à gestão pública, os mecanismos


e agentes de governança e, por fim, analisaremos exemplos de práticas internacionais de
governança pública.

1 Conceito de governança aplicado à gestão pública


O conceito de governança vem sendo desenvolvido ao longo das últimas décadas, mais
especificamente o conceito de governança pública, após a década de 1980. Com o advento
das crises nos Estados e a globalização dos mercados, tornou-se necessária a criação de
um sistema que permitisse a participação de todos os envolvidos nos temas públicos nas
diferentes esferas da gestão pública, dando destaque a aspectos como transparência,
integridade e prestação de contas.

A globalização dos mercados, apontada como uma das razões para a implementação
das práticas de governança corporativa e pública, propiciou a interação entre diferentes
Estados e economias internacionais, demandando a criação de um sistema que minimizasse
as diferenças e garantisse o cumprimento dos direitos e deveres entre esses múltiplos atores.

Dentre os múltiplos atores que devem ser envolvidos na governança, destacam-se:


cidadãos, representantes eleitos (governantes), alta administração, gestores e colaboradores.
A interação desses atores por meio de um sistema de governança pública visa a garantir a
observância dos interesses que representem a maioria dos cidadãos, fazendo com que o
Estado cumpra o seu papel de garantir o bem comum.

Organizações como o Independent Commission for Good Governance in Public Services


(ICGGPS), o Banco Mundial e o Institute of Internal Auditors (IIA) defendem que a governança
pública deve buscar:

[...] o comportamento ético, íntegro, responsável, comprometido e transparente da


liderança; controlar a corrupção; implementar efetivamente um código de conduta e
de valores éticos; observar e garantir a aderência das organizações a regulamentações,
códigos, normas e padrões; garantir a transparência e a efetividade das comunicações;
balancear interesses e envolver efetivamente os stakeholders (cidadãos, usuários de
serviços, acionistas, iniciativa privada). (TCU, 2014, p. 45).

1.1 Boas práticas de governança internacional


Diferentes organismos internacionais se debruçaram sobre o tema da governança pública
e foram construindo um arcabouço teórico e de sistemas que embasaram essa temática. De
acordo com o guia sobre governança desenvolvido pelo Tribunal de Contas da União (TCU,
2014), a partir da década de 1990 alguns estudos relevantes foram publicados, os quais devem
ser analisados pelo seu conteúdo e pela legitimidade das organizações que os propuseram.
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Dentre os trabalhos mais conhecidos e relevantes, o guia do Tribunal de Contas destaca:


Boa governança no setor público, da International Federation of Accountants (IFAC), publicado
em 2001, que apresenta os princípios de transparência, integridade e prestação de serviços;
o Guia de melhores práticas para a governança no setor público, da Australian National
Audit Office (ANAO), publicado em 2003, que amplia o rol de princípios orientadores da boa
governança pública acrescentando liderança, compromisso e integração; e o Guia de padrões
de boa governança para serviços públicos, publicado, em 2014, pelo The Chartered Institute
of Public Finance and Accountancy (CIPFA) e pelo Office for Public Management Ltd (OPM),
que enfatizou a eficiência e a eficácia.

No documento que analisa o estado da arte e propõe princípios para a boa governança,
a IFAC (2013) recomenda:

1. Forte comprometimento com integridade, valores éticos, regras e normas;

2. Engajamento aberto e compreensivo dos diferentes stakeholders;

3. Definir os resultados em termos de benefícios econômicos, ambientais e sociais;

4. Determinar as intervenções necessárias para alcançar os resultados esperados;

5. Desenvolver a capacidade da instituição, incluindo a capacidade de liderança e dos


indivíduos que compõem as instituições;

6. Gerenciar os riscos e o desempenho por meios de uma ferramenta consistente de


análise de riscos e gestão financeira;

7. Implementar boas práticas de transparência e prestação de contas.

O IFAC destaca, ainda, quatro dimensões da boa governança pública: padrões de


comportamento, estrutura e processos organizacionais, controle e relatórios externos. A
primeira dimensão discorre sobre “[...] como a administração da entidade exercita a liderança
e determina os valores e padrões da instituição, como define a cultura da organização e o
comportamento de todos os envolvidos” (IFAC, 2013 apud MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 5). A
segunda dimensão trata da forma como a cúpula da organização é composta e como seus
papéis são estabelecidos e assegurados. Segundo Matias-Pereira (2010), a terceira dimensão
aborda todas as formas de controle, ou verificação, como será apresentado e quem garantirá
a veracidade do que foi proposto. A quarta dimensão, finalmente, orienta como deve ser feita
a prestação de contas dessas ações aos cidadãos.

O Banco Mundial, a partir de 1992, traçou quatro dimensões para a boa governança:

a. Administração do setor público, que concerne a capacidade de administração


econômica e atendimento aos serviços sociais;

b. Marco legal, que se preocupa com as questões relacionadas à ilegalidade e à corrupção


observada em muitos governos;

c. Quadro legal, conjunto de regras e um ator capaz de fazê-las serem cumpridas e,


também, de modificá-las em caso de obsolescência;

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

d. Participação, accountability, informação e transparência, referem-se à disponibilidade


das informações e de acessos para que os cidadãos possam participar e monitorar as
políticas públicas (MATIAS-PEREIRA, 2010).

Finalmente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)


desenvolveu um estudo sobre as práticas mais eficazes de governança, por meio da análise
de seis aspectos: ações que garantam uma estrutura jurídica e regulatória que funcione para
as empresas estatais; iniciativas que ancorem o papel do Estado como proprietário; equidade
de acionistas, políticas de relacionamento com os stakeholders; transparência e divulgação
de informações; definição das responsabilidades dos Conselhos (MATIAS-PEREIRA, 2010).

1.2 Sistema de governança no setor público


A governança pública está relacionada à capacidade de diferentes atores interagirem com
vistas a desenvolver ações que representem e beneficiem o bem comum dos cidadãos de um
Estado. Devido à complexidade desse cenário e para facilitar a compreensão do mecanismo,
o TCU (2014) propôs uma estrutura que segmenta em quatro perspectivas de observação
da governança e de abrangência de ação: sociedade e Estado, entes federativos, esferas de
poder e políticas públicas, órgãos e entidades e atividades intraorganizacionais, conforme
apresenta a figura a seguir.

Figura 1 – Perspectiva de observação da governança no setor público

Entes federativos, esferas Órgãos e


de poder e políticas públicas entidades

Sociedade Atividades
e Estado intraorganizacionais

Fonte: Tribunal de Contas da União (2014, p. 22).

Para o TCU (2014, p. 22), a Sociedade e o Estado devem definir “[...] as regras e os
princípios que orientam a atuação dos agentes públicos e privados regidos pela Constituição
e cria as condições estruturais de administração e controle do Estado”. Já os entes federativos,
esferas de poder e políticas públicas têm suas ações relacionadas às “[...] políticas públicas
e com as relações entre estruturas e setores, incluindo diferentes esferas, poderes, níveis
de governo e representantes da sociedade civil organizada”. Os órgãos e as entidades, como
o TCU, devem garantir o cumprimento dos papéis de cada ator envolvido, e as atividades
intraorganizacionais devem buscar reduzir os riscos, otimizar os resultados e agregar valor
aos órgãos ou às entidades.
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Para que a governança se concretize de forma satisfatória, é imprescindível que haja


clareza nos propósitos, alinhamento entre essas diferentes esperas e engajamento dos
indivíduos que as compõem.

Resta saber como funciona esse sistema de governança no setor público e quais são as
esferas que compõem essa complexa ferramenta. De acordo com a análise feita pelo TCU
(2014), esse sistema é composto pelas estruturas administrativas (instâncias), os processos
de trabalho, os instrumentos (ferramentas, documentos etc.), o fluxo de informações
e o comportamento de pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, na avaliação, no
direcionamento e no monitoramento da organização.

A Figura 2 apresenta uma diferenciação entre a gestão e a governança. Nesse novo


modelo, o Estado passa a ser o “[...] gestor de um Estado cooperativo, que produz o bem
público em cooperação com outros atores” (KISSLER; HEIDEMANN, 2006, p. 483).

Figura 2 – Sistema de Governança em órgãos e entidades da administração pública

Sociedade

GOVERNANÇA Outras partes


Cidadãos interessadas

Instâncias externas
Organizações
de governança (Responsáveis
superiores
pelo controle e regulamentação)

Instâncias internas
de governança

Instâncias externas de Conselho de administração


apoio à governança ou equivalente
Auditoria Instâncias internas de
independente Alta administração apoio à governança
Controle social
Administração executiva Auditoria interna
organizado
(autoridade máxima e Comissões e comitês
dirigentes superiores) Ouvidoria

Gestão tática
(dirigentes)

Gestão operacional
(gerentes)

GESTÃO

Fonte: Tribunal de Contas da União (2014, p. 44).

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

O Quadro 1 destaca quatro instâncias que são especificadas no quadro a seguir:

Quadro 1 – Instâncias, responsabilidades e exemplos no sistema de governança

Instância Responsabilidade Exemplo


Congresso Nacional e o Tribunal
Externa Fiscalização, controle e regulação
de Contas da União
Avaliação, auditoria,
Auditorias independentes e o
Externa de Apoio monitoramento independente e
controle social organizado
comunicação
Definição, monitoramento e
Conselhos de administração ou
Interna avaliação das estratégias e das
equivalentes
políticas
Comunicação entre partes Ouvidoria, auditoria interna,
Interna de Apoio interessadas internas e externas à o conselho fiscal, comissões e
administração comitês

Fonte: Adaptado de Tribunal de Ccontas da União (2014, p. 44).

Kissler e Heidemann (2006), em seu estudo sobre governança, ao considerarem os


papéis do Estado e dos demais atores envolvidos para alcançar o bem comum e garantir o
atendimento aos interesses do público, apontam para a existência de um mix de arranjos
institucionais, em que diferentes atores com diferentes funções se combinam para
desempenhar as funções de governança. Os autores destacam que essa é uma tendência
cada vez maior; afinal, dependendo da temática e dos grupos envolvidos, serão necessários
diferentes agrupamentos de atores com diferentes interações.

Embora os arranjos institucionais possam ser alterados conforme o objeto de interesse,


algumas funções seguem essenciais e devem sempre ser observadas de forma que os atores
possam se ocupar delas. Essas funções, de acordo com a Norma da Organização Internacional
de Padronização, ISO, mais especificamente a ISO/IEC 38500:2015 – que discorre sobre o uso
da Tecnologia da Informação para governança pública e considera que avaliar o ambiente,
os cenários, o desempenho e os resultados atuais e futuros representa a primeira função
essencial; a segunda função essencial é direcionar e orientar a preparação, a articulação e
a coordenação de políticas e planos, alinhando as funções organizacionais às necessidades
das partes interessadas (usuários dos serviços, cidadãos e sociedade em geral) e assegurar
o alcance dos objetivos estabelecidos; por fim, a terceira função é o monitoramento dos
resultados, o desempenho e cumprimento de políticas e planos, confrontando-os com as
metas estabelecidas e as expectativas das partes interessadas.

Essas funções precisam ser complementadas por outras três, as quais têm como
princípio subjacente a necessidade de coordenar a diversidade dos atores, bem como alinhar
o direcionamento do trabalho. Para tanto, os teóricos apresentaram três mecanismos de
governança: liderança, estratégia e controle.

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Figura 3 – Mecanismos de liderança

A liderança compreende o arcabouço de práticas relacionadas à gestão de pessoas,


visando à composição e a um quadro em que haja pessoas íntegras, capacitadas, competentes,
responsáveis e motivadas ocupando os principais cargos das organizações e liderando os
processos de trabalho.

A partir da composição desse quadro de pessoas, analisaremos o próximo mecanismo,


que é o processo de proposição estratégico. Sendo que este deve compreender: escuta ativa
de demandas, necessidades e expectativas das partes interessadas, avaliação do ambiente
interno e externo da organização, avaliação e prospecção de cenários, definição e alcance
da estratégia, definição e monitoramento de objetivos de curto, médio e longo prazo,
alinhamento de estratégias e operações das unidades de negócio e organizações envolvidas
ou afetadas.

Por fim, fechando o ciclo que deverá estar permanentemente em análise e revisão, são
fundamentais a criação e a implantação de controles que têm por finalidade a prestação de
contas das ações e a responsabilização das ações. Esses mecanismos devem ocorrer dentro
do sistema de governança, mas também internamente dentro das instituições que compõem
o arranjo institucional e que atendem à governança.

2 Mecanismos de governança na gestão pública brasileira


No Brasil, há um aparato legal que fundamenta e estrutura a governança pública no
país. A Constituição Federal de 1988 estipula que “[...] a República Federativa do Brasil
[...] constitui-se em Estado Democrático de Direito” (caput do art. 1º), assegura direitos e
garantias fundamentais dos cidadãos; organiza política e administrativamente o Estado e os
Poderes; define e distribui papéis e responsabilidades; institui sistema de freios e contrapeso
e estruturas de controle interno e externo (BRASIL, 1988).

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O Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal


(BRASIL, 1994) dispõe sobre aspectos éticos e morais e o comportamento da liderança. E
a Lei nº 101, de 4 de maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelece normas de
finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal (BRASIL, 2000).

O Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (GesPública), instituído em


2005 com a finalidade de modernizar a gestão pública e torná-la eficaz, eficiente e efetiva,
norteia-se pelos princípios constitucionais da administração pública e pelos fundamentos da
excelência gerencial contemporânea.

Finalmente, instrumentos de transparência inovadores, como a Lei nº 12.527, de 18


de novembro de 2011, a Lei de Acesso à Informação (BRASIL, 2011), asseguram o direito
fundamental de acesso à informação e facilitam o monitoramento e o controle de atos
administrativos e da conduta de agentes públicos.

2.1 Relação entre governança pública e Nova Gestão Pública (NGP)


No estudo desenvolvido por Pieranti, Rodrigues e Peci (2007), são analisadas as diferenças
e as semelhanças entre os conceitos da nova gestão pública e de governança pública. Essa
necessidade surgiu pela ampliação do uso desses conceitos e pela confusão existente entre
eles.

Diante disso, os autores apresentam o quadro a seguir, no qual são comparados os


entendimentos sobre o desenvolvimento de novos instrumentos de controle e accountability,
a redução da dicotomia público-privado, a ênfase crescente na competição, a ênfase no
controle dos resultados ao invés de controle dos insumos; a ênfase no papel articulador do
Estado, e o desenho das estruturas organizacionais.

Quadro 2 – New Public Management X governança

Conceito New Public Management Governança


Enfatiza a capacidade de liderança
Ignora ou reduz o papel dos dos políticos eleitos, responsáveis
políticos eleitos, recomendando a pelo desenvolvimento e gestão de
Desenvolvimento de novos independência dos burocratas; redes público-privadas;
instrumentos para controle e accountability é uma questão accountability continua uma
accountability pouco resolvida; o foco está na questão pouco resolvida; o
introdução dos mecanismos de foco está na participação de
mercado. stakeholders, especialmente no
cliente cidadão.
A dicotomia é considerada
A dicotomia é considerada obsoleta por causa da maior
obsoleta, por causa da ineficiência participação de outros atores.
Redução da dicotomia público-
do Estado. Solução proposta: Solução proposta: o setor público
privada.
importação de técnicas gerenciais deve assumir um papel de
do setor privado. liderança na mobilização de redes
público-privadas.

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A competição não é vista como


A competição é a estratégia
estratégia central; o foco está na
central para o aumento da
Ênfase crescente na competição mistura de recursos públicos e
eficiência da gestão pública e para
privados, com maior competição,
responder melhor ao cliente.
quando for o caso.
Existe dificuldade em
Foco nos resultados e crítica ao especificar os objetivos
controle de insumos. Mecanismos e, consequentemente, os
Ênfase no controle dos resultados
como contratos de gestão e resultados das políticas públicas.
ao invés do controle de insumos
acordos de resultados são Mecanismos como contratos de
incentivados. gestão ou acordos de resultados
são incentivados.
O Estado deve ser capaz de
O Estado dever ser capaz de
aumentar as coalizões com outros
cortar gastos, ao mesmo tempo
Ênfase no papel articulado do atores, definindo prioridades e
em que responde às expectativas
Estado objetivos. A comunicação entre os
crescentes e diversificadas da
diversos atores é estimulada pela
clientela.
ação do Estado.
Estruturas interorganizacionais,
Estruturas governamentais
acompanhadas por modificações
mínimas. Diferença entre
Desenho das estruturas na estrutura de pessoas,
formulação e execução de
organizacionais procedimentos, instrumentos
políticas, a partir da lógica agente-
de gestão, planejamento e
principal.
orçamento e transparência.

Fonte: Pieranti, Rodrigues e Peci (2007, p. 2-3).

No primeiro ponto, é preciso considerar que o conceito trazido pela governança é


mais apropriado para a realidade brasileira e que a responsabilidade dos políticos eleitos
e a conscientização acerca da necessidade da participação dos cidadãos nesse processo se
constituem como nossos principais desafios.

No caso da ênfase na competição, no Brasil se verifica uma crescente adesão aos


sistemas de cooperação, principalmente por meio dos mecanismos intergovernamentais.
Essa tem se revelado uma estratégia mais interessante para o desenvolvimento dos Estados.
As experiências de competição desencadeadas pelos incentivos fiscais mostraram-se
ineficientes, pois só agravaram as diferenças entre os Estados.

Já na ênfase aos controles dos resultados, esse segue sendo um assunto delicado de
mensurar, tanto os insumos necessários, como os resultados a serem alcançados, por mais
que estes estejam estabelecidos em contratos. Essa é uma questão cultural muito forte no
Brasil, visto que não se espera que os políticos cumpram aquilo que foi acordado.

Há a estratégia que vai ao encontro dos dois últimos itens que são muito necessários para
o desempenho do país. A questão da articulação entre atores e da centralidade do Estado é
muito importante no sentido de envolver e conscientizar os atores sobre seus papéis e sua
importância.

A observação desses aspectos pode contribuir muito para o desempenho administrativo


do país; entretanto, como todas as mudanças devem ser sistêmicas e bem fundamentadas, é
essencial que haja um grande esforço das cúpulas diretivas.

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Considerações finais
Nesta aula, entendemos que a governança é um tema que será discutido, cada vez
mais, pelos teóricos, empresários, administradores públicos e cidadãos, pois é um tema que
impacta diretamente na vida de todos.

As práticas de governança extrapolam os limites da administração pública e conclamam


a participação de todos os cidadãos, principalmente para que estes se tornem ativos na
sociedade, tanto na proposição das políticas públicas, como na fiscalização, avaliando se estas
estão sendo adequadamente implementadas ou não.

Nesse sentido, os mecanismos de governança promovem mudanças significativas em


todos os níveis, pois exigem uma grande mudança cultural em relação à responsabilidade de
todas as esferas da sociedade sobre o desempenho do Estado.

Referências
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Framework, processes and practices. Australia, 2014. Disponível em: <http://www.anao.gov.
au/~/media/Files/Better%20Practice%20Guides/2013%202014/ANAO%20-%20BPG%20
Public%20Sector%20Governance.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado Federal, 1988.

______. Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994. Aprova o Código de Ética Profissional do


Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 jun.
1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1171.htm>. Acesso em:
10 jun. 2015.

______. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças


públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 4 maio 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
LCP/Lcp101.htm>. Acesso em: 10 jun. 2015.

______. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto


no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição
Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de
maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 nov. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 10 jun. 2015.

IFAC. Good Governance in the Public Setor: consultation draft for na internal framework.
CIPFA, IFAC, jun. 2013. Disponível em: <http://www.ifac.org/system/files/publications/files/
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION (ISO). ISO/IEC 38500:2015. Disponível


em: <http://www.iso.org/iso/catalogue_detail?csnumber=51639>. Acesso em: 10 jun. 2015.

KISSLER, Leo; HEIDEMANN, Francisco G. Governança pública: novo modelo regulatório para
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MATIAS-PEREIRA. J. A governança Corporativa aplicada ao setor público brasileiro. Revista de


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<http://www.apgs.ufv.br/index.php/apgs/article/viewFile/21/22>. Acesso em: 10 jun. 2015.

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Disponível em: <http://www.oecd.org/brazil/>. Acesso em: 10 jun. 2015.

PIERANTI, Octávio Penna; RODRIGUES, Silvia; PECI, Alketa. Governança e New Public
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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Governança Pública: referencial básico de governança


aplicável a órgãos e entidades da administração pública e ações indutoras de melhoria/Tribunal
de Contas da União. Brasília: TCU, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, 2014.

THE WORLD BANK. Countries: Brazil. Disponível em: <http://www.worldbank.org/pt/country/


brazil>. Acesso em: 10 jun. 2015.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 07
Afinal, o que muda de um modelo de gestão para outro?

Objetivos Específicos
• Analisar comparativamente os modelos de gestão, compreender quais as
principais vantagens e desvantagens de um modelo de gestão em relação ao
outro e entender quais fatores históricos influenciaram para a emergência e
queda de cada modelo de gestão.

Temas
Introdução
1 Os modelos de gestão pública
2 Análise comparativa dos modelos
Considerações finais
Referências

Professor Autor
Dênis Alves Rodrigues
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Nesta aula, vamos conhecer os modelos de administração utilizados pelas organizações
públicas, com foco no caso brasileiro. Para tal, utilizaremos a contextualização e a diferenciação
entre eles, ou seja, é importante fazermos uma análise comparada, procurando compreender
quais os motivos que levaram determinado modelo a ser utilizado (e em que contexto) ou
que o levou a ser substituído.

No Brasil, a administração pública passou por algumas reformas importantes, ou melhor,


por formatos e lógicas diferentes de organização que respondiam, cada um em sua época,
a determinados interesses e a necessidades do Estado. Assim, podemos ressaltar como
importantes, nesse processo, o modelo burocrático que procurou organizar a estrutura
administrativa e colocar fim aos traços patrimonialistas (modelo patrimonialista), visto que,
de maneira geral, interesses e patrimônios da administração pública se confundiam com o do
administrador (interesses particulares).

Posteriormente, na década de 1990 tivemos a chegada do modelo gerencialista, como


ficou conhecido no Brasil, o qual era um formato que propunha novas formas de administrar
“a coisa pública”, focando em conceitos oriundos da administração de empresas, tais como:
eficiência, eficácia e flexibilidade. Esse modelo procurou melhorar o desempenho dos
governos.

Por último, temos o modelo de Governança Pública (GP), que procurou estabelecer
novos parâmetros que não eram objeto de análise nos modelos anteriores. Nesse quadro,
a administração pública é chamada a promover maior transparência e trabalhar de forma
articulada e responsável junto com a sociedade civil para melhorar o desempenho dos
governos e responsabilizá-los mais pelas suas ações e pelos seus resultados.

Na análise que faremos, procuraremos refletir sobre os motivos que fundamentaram


a utilização e a renúncia de determinado modelo, e, mais profundamente, verificar se
realmente houve um completo rompimento com cada um quando da chegada de um novo,
ou se, diferentemente, temos uma adequação incremental e contínua de novos valores e
novas ferramentas.

1 Os modelos de gestão pública


Dentro do histórico de reformas do Estado, encontramos vários modelos, que, inclusive,
não se formam como unanimidade perante os estudiosos. Esses modelos foram concebidos
dentro de um contexto que os legitimou, embora possamos não concordar com eles e
fazermos críticas às suas definições, às suas características e a seus objetivos.

Assim, um passo importante para o início da análise dos modelos de gestão é entendermos
o que é possível aproveitar e utilizar, ou analisarmos uma dada realidade e verificar se a teoria

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

está encontrando respaldo na prática, ou, ainda, se encontramos dentro das organizações
públicas traços desses modelos.

Os modelos que iremos estudar são: patrimonialista, burocrático, gerencialista e


governança pública. Esses referenciais nos remetem a momentos da história da administração
pública de cada país, pois um ponto importante é que os países não passam, ou passaram,
por esses modelos ao mesmo tempo, além disto, o modelo de governo que é adotado em
cada Estado também pode interferir no processo de modernização da administração pública.

Portanto, para que possamos fazer uma comparação entre os modelos, iremos explicitá-
los e contextualizá-los nos próximos tópicos.

1.1 O modelo patrimonialista


Quando estudamos os modelos de administração pública, o primeiro referencial que
encontramos é o modelo patrimonialista, que foi concebido nas sociedades pré-democráticas
e é caracterizado pela não dissociação entre os bens do Estado (ou públicos) e os privados,
ou seja, os mandantes do Estado não diferenciavam entre os dois tipos de bens, e usam os
bens públicos como se seus fossem. Assim, esse modelo “[...] significa a incapacidade ou
a relutância de o príncipe distinguir entre o patrimônio público e os seus bens privados”
(PEREIRA, 2001b, p. 26).

Será que é possível encontrar o modelo patrimonialista ou suas práticas em governos


democráticos hoje?

É mais fácil compreender a lógica desse modelo dentro de um contexto com forte hierarquia
e baixa democracia, como as monarquias, até porque ele foi utilizado, principalmente, nas
situações onde temos a possibilidade de o Rei tomar para si “a coisa pública” e não ter (ou ter
baixa) possibilidade de ser repreendido.

Todavia, o modelo patrimonialista pode ser encontrado em governos ditos democráticos,


pois os seus representantes quer sejam ministros (parlamentarismo) ou presidentes
(presidencialismo) podem utilizar esse modelo para obter vantagens indevidas e que venham
a ferir a própria lei do país. Muito provavelmente essa situação deva ocorrer “escondida”
dentro de outro modelo, como o burocrático. Reforçando esse posicionamento, Faoro (1993,
p. 16) esclarece que o “Patrimonialismo, em certas situações, permanece atuante debaixo de
uma ordem nominalmente racional-burocrática”.

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Nessa não distinção entre bens públicos e particulares apareciam algumas práticas que
não se coadunam com as democracias. E entre essas práticas, temos o clientelismo, ou seja,
a utilização de seu cargo e de sua função (públicos) para favorecer determinadas empresas
ou pessoas em troca de vantagens pessoais.

É importante reforçarmos que, nas democracias, existe o pressuposto de que precisa


haver uma diferenciação muito clara entre os bens do Estado (ou público) e os bens privados,
principalmente no que tange aos governantes. Isso acabou por gerar o nascimento de outra
forma de administrar a res publica (coisa pública), o modelo burocrático que iremos estudar
na sequência.

1.2 O modelo burocrático


O modelo que veio suplantar o patrimonialista é o burocrático weberiano, que assim
ficou conhecido devido aos estudos do sociólogo alemão Max Weber, que se debruçou sobre
a burocracia alemã e procurou entendê-la (SECCHI, 2009), além disto, desenvolveu teorias e
pesquisas sobre o assunto.

O modelo burocrático aparece em um contexto diferente, já que os Estados liberais se


preocupavam com os direitos da propriedade (PEREIRA, 2001a) e precisavam mudar a forma
de gerir a coisa pública. Naquele momento, existia a intenção de se efetuar a clara distinção
entre a coisa pública e a coisa privada por outro lado, o Estado precisava organizar melhor a
sua estrutura e os seus procedimentos.

A burocracia está fundamenta, basicamente, em três características principais, são elas:


a formalidade, a impessoalidade e o profissionalismo (SECCHI, 2009). A formalidade procura
evitar desvios na administração pública que poderiam ocorrer devido à discricionariedade
do agente público, ou seja, para que ele não agisse de maneira diversa da que deveria. A fim
de evitar esse problema, pensou-se no desenvolvimento de regras e na uniformidade dos
procedimentos, os quais deveriam ser documentados. Dessa maneira, poderia se garantir
uma equidade no tratamento dos procedimentos e a continuidade dos processos, uma vez
que, por meio da documentação, novos funcionários poderiam ter fácil acesso a processos,
podendo executá-los sem maiores dificuldades.

Uma excelente forma de representar isso é a figura de um fluxograma1. De certa maneira,


essa representação gráfica auxilia na formalização de um determinado procedimento, ao
mesmo tempo em que procura padronizá-los.

1 Fluxograma é a abstração de um processo, ou seja, é o desenho (por meio de um diagrama) representado por figuras que significam os seus
passos, incluindo pontos de decisão, trâmite de documentos, entre outros.

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Figura 1 – Fluxograma

Por outro lado, a impessoalidade impõe que a hierarquia dentro das organizações
públicas esteja vinculada aos cargos, como os de chefia e direção, e não à pessoa que ocupa
o cargo. Essa distinção é fundamental para que se entenda que a pessoa, em si, não possui
poderes dentro da organização pública e que seus objetivos e suas ações precisam estar
vinculados estritamente aos interesses públicos e especificamente com os da organização
pública na qual trabalha, e não aos seus interesses particulares.

Uma das maneiras mais fáceis de visualizarmos a hierarquia dentro de uma organização
é pelo seu organograma. Na Figura 2, podemos depreender a ligação hierárquica entre as
“caixinhas”, que são exemplos dos departamentos (Diretorias, gerências etc.) dentro de uma
organização. Para cada um desses departamentos, existe um cargo que é o seu responsável
(chefe ou diretor, por exemplo).

Figura 2 – Organograma & Hierarquia

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O profissionalismo é uma característica que destaca a importância do conhecimento


técnico e da meritocracia para assumir cargos dentro da administração pública. Um dos
efeitos decorrentes desse princípio é a forma de entrada nas carreiras públicas que ocorrem
mediante aprovação em concurso público, quando, por meio de provas, são avaliados os
conhecimentos e a aptidão de uma pessoa para exercer determinada atividade, e todos os
candidatos a determinado cargo concorrem em igual condição. Podemos depreender, então,
que esse princípio “[...] ataca os efeitos negativos do nepotismo que dominava o modelo pré-
burocrático patrimonialista” (MARCH, 1961; BRESSER-PEREIRA, 1996 apud SECCHI, 2009, p.
351).

O modelo burocrático weberiano não foi implantado somente na administração


pública. Ele está inserido nas escolas da teoria geral da administração, sendo utilizado
pelas empresas privadas. Sua implantação pretendia organizar as atividades dentro
das indústrias, principalmente, para criar o organograma (hierarquia) e documentar
os procedimentos (formalidade), e o foco e o controle visavam à eficiência dos
procedimentos.

Especificamente no Brasil, o modelo burocrático começou a ser implantado a partir de


1930, na presidência de Getúlio Vargas, quando visava a algumas ações para profissionalizar
a administração pública e auxiliar no desenvolvimento do país. Uma ação importante nesse
período foi a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), cujo modelo
representou um marco inicial para a implantação de conceitos da gestão pública burocrática
(weberiana) no Brasil.

O DASP não foi apenas a primeira reforma administrativa do Estado brasileiro, mas
também foi a primeira vez que se procurou implantar o modelo weberiano com o reforço dos
princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica (PEREIRA, 2001a). A questão
da centralização procura demonstrar a necessidade de um controle maior das ações, a partir
do momento em que não mais se permitiu a descentralização decisória.

O modelo burocrático atendeu muito bem às necessidades do Estado no início, até


por se mostrar uma evolução em relação ao modelo patrimonialista, conseguindo romper,
em alguma medida, com as práticas clientelistas e fisiológicas que também caracterizavam
o modelo anterior. Todavia, esse modelo começou a apresentar problemas quando o
contexto passou a mudar; afinal, em determinado momento, o Estado começou a ter mais
responsabilidades sociais, como nas áreas de saúde, educação, entre outras. Logo, devido
a outras mudanças, o modelo weberiano, burocrático, passou a não mais atender de forma
adequada às necessidades do Estado.

Outra questão foi levantada no período: o excesso de controle procedimental. Ele tornava
moroso e ineficiente os processos, tornando-se um problema para Estado, que começava a

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ser cobrado pela sociedade por melhores prestações de serviços e por respostas melhores e
mais rápidas.

Outra crítica é que o modelo burocrático era autorreferido, dentro de uma ideia de
sistema fechado, ou seja, seu foco estava na própria burocracia, em seus procedimentos, e
não no cidadão que recebia os serviços. Isso acabou permitindo um deslocamento (inclusive
de interesses) entre a administração pública e a sociedade, o que não é bom para as
democracias.

A caricatura que a população possui do modelo burocrático (e de suas disfunções)


é estampada em várias formas de arte, como músicas, vídeos etc. Um exemplo é a música
dos Originais do Samba intitulada Samba contra a burocracia (1979), com a participação de
Mussum. É possível acessar a letra dessa música através do link disponível na Midiateca.

É importante pontuarmos que alguns estudiosos entendem que os problemas que surgem
no modelo burocrático (disfunções burocráticas) são causados pela não implementação
correta do modelo clássico, ou seja, sua implementação sofreu mudanças e adaptações e
essas teriam gerado alguns problemas.

Como podemos verificar, o modelo burocrático não resolveu todos os problemas que
propôs, havendo, ainda, práticas patrimonialistas. Assim,
[...] nos países em desenvolvimento – nos quais emergiu, neste século, um Estado
desenvolvimentista em substituição ao Estado de Bem-Estar Social – a situação era
muito pior: os direitos civis e sociais continuavam quase sempre sem proteção;
o nepotismo e a corrupção conviviam com a burocracia, que era beneficiária de
privilégios e convivia com excessos de quadros. (PEREIRA, 2001a, p. 27).

Nesse cenário, havia a necessidade de promover mudanças no modelo burocrático para


que ele atendesse às novas expectativas e aos novos dilemas.

1.3 O modelo gerencialista


Como já tivemos a oportunidade de debater, o modelo burocrático, até em razão de
suas disfunções, começou a se tornar um problema ao Estado, por não responder mais às
suas demandas, pois o contexto mundial havia mudado. Como exemplo, podemos citar a
globalização e as inovações tecnológicas, que acabaram criando novos desafios para os
administradores públicos. E estes precisaram dar respostas às demandas sociais, econômicas
e políticas de forma mais rápida e eficiente. Além disso, a Constituição Federal Brasileira
(BRASIL, 1988) trouxe muitas responsabilidades sociais ao Estado, cabendo à administração
pública a organização e a prestação desses novos serviços e dessas novas políticas. Então, os
países procuraram se adaptar.
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Para Pollitt e Bouckaert (2000 apud SALOOJEE; MOLEKETI, 2010, p. 493), após analisarem
12 países, os principais motivos para iniciar reformas foram: reduzir os gastos públicos,
melhorar a qualidade dos serviços, tornar as operações do governo mais eficientes e melhorar
a efetividade da seleção e da implementação de políticas.

É importante salientar que, dependendo do autor lido ou do país estudado, o nome


do modelo de administração pública ou reforma pode mudar. No Brasil, esse processo ficou
conhecido como gerencialista. já Secchi (2009, p. 354) denomina de administração pública
gerencial ou nova gestão pública (new public management), reforçando, ainda, que se trata
de um modelo pós-burocrático.

Abrucio (2001) cita os modelos ingleses que seriam respostas ao respectivo modelo
burocrático. No seguinte quadro, é possível identificá-los e entender seu foco e a visão que
esses modelos tinham do cidadão.

Quadro 1 – Respostas à crise do modelo burocrático inglês (Whitehall)

Modelos
Análise
Public service
Gerencialismo puro Consumerism
orientation
Economia/eficiência
Foco Efetividade/qualidade Accountability/equidade
(produtividade)
Tax payers
População como: Clientes/consumidores Cidadãos
(contribuintes)

Fonte: Abrucio (2001, p. 181).

Todavia, é preciso esclarecer que o modelo gerencialista que foi implantado no Brasil
procurou a descentralização política (transferência de recursos e atribuições) para os
níveis locais e regionais (característica do federalismo); a descentralização administrativa
(procurando agilizar a resolução de problemas); a diminuição dos níveis hierárquicos das
organizações públicas; o pressuposto da confiança limitada; o controle dos resultados; e o
foco nas necessidades do cidadão (prestação de serviços eficientes) (PEREIRA, 2001b).

Dentro dessa nova perspectiva, podemos perceber que existe uma grande mudança de
foco em relação ao modelo burocrático, com ideais de eficiência, controle dos resultados
e flexibilidade que passam a ser orientadores da administração pública, contrapondo-se à
centralização, ao controle procedimental e à visão Estadocêntrica do modelo burocrático.
Nesse momento começa a existir uma maior permeabilidade da administração pública, em
relação à sociedade.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

1.4 O modelo Governança Pública (GP)


O modelo Governança Pública surgiu em um momento em que a sociedade exigia maior
participação na administração pública, mediante maior transparência e accountability dos
governantes, ou seja, a sociedade exigia maior governança (controle pela população) pela
utilização dos recursos públicos e pelas políticas públicas.

Secchi (2009, p. 358) reforça que as teorias do desenvolvimento “[...] tratam a governança
como um conjunto adequado de práticas democráticas e de gestão que ajudam os países a
melhorar suas condições de desenvolvimento econômico e social”.

Mas, quais foram os fatores que incitaram essa nova forma de gerir a coisa pública?

As novas relações entre os entes federados (União, estados e municípios), oriundas,


inclusive, da descentralização política, somadas a uma maior necessidade de participação da
sociedade civil nas decisões e nos processos ( por meio de associações e/ou sindicatos ou,
ainda, de empresas privada) exigiram novos arranjos institucionais que funcionassem como
catalisadores nesse processo. O que o torna também mais complexo por precisar compor as
decisões e ações de um número maior de atores, e estes, logicamente, possuem interesses e
visões distintas da realidade e do que precisa ser feito.

Outro ponto que está por trás desse modelo são os valores neoliberais que assumiriam o
pressuposto de que os Governos são incapazes de lidar com todos os problemas, precisando
da participação de outros atores, como empresas e organizações mundiais (FMI – Fundo
Monetário Internacional, por exemplo), conforme Secchi (2009).

A figura a seguir representa o novo arranjo institucional necessário. O governo aparece


no centro e é responsável por ser catalisador no processo de interligar os demais atores
envolvidos em determinado assunto ou em uma política pública.

Figura 3 – Rede – Novo formato organizacional

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

A GP precisa, portanto, que o Estado trabalhe em rede com a sociedade civil para ter
desempenho e resultados melhores. Como exemplo dessa prática, de acordo com Secchi
(2009), temos as parcerias público-privada (PPP).

2 Análise comparativa dos modelos


Até o momento fizemos uma revisão dos modelos preponderantes da administração
pública, focando na compreensão dos pontos que diferenciavam cada modelo de seu
antecessor e a respectiva contextualização. Agora, nós faremos uma análise crítica das
mudanças que ocorreram (ou não?!) durante as reformas da administração pública, sempre
com o foco no Brasil.

Encontramos uma total separação e distinção entre os modelos de gestão existentes?

O ponto inicial dessa análise são as monarquias que confundiam os bens públicos e
particulares, e o poder era centralizado no rei, que escolhia, segundo seu interesse, as pessoas
(ocorrendo muitas vezes o nepotismo) que ocupariam cargos em suas administrações. Além
disso, as decisões tomadas em nome do Estado poderiam ser mais do interesse particular do
rei do que da população.

A partir do momento em que surgiu uma nova forma de governo, de caráter democrático,
houve a necessidade de separar, de forma clara, a “coisa pública” da “coisa privada”. E o Estado
precisava de uma nova forma de organização para cuidar de suas atividades. Então, ocorreu
uma centralização, uma hierarquização e um controle procedimental, procurando criar um
tratamento equânime entre os administrados. Assim, o modelo burocrático weberiano foi
implantado, a partir de 1930, no Brasil. Todavia, isso não significou que todas as práticas
patrimonialistas deixaram de existir, nem que, em nosso país, o novo modelo foi implantado
totalmente em todas as suas áreas.

Figura 4 – 1ª Transição: Patrimonialismo – Burocracia

Regimes monárquicos
Centralização do poder no rei
Patrimonialismo Nepotismo
Não distinção da “coisa pública” e da “coisa privada”

Regimes democráticos
Centralização
Burocrático Formalidade
Impessoalidade (hierarquia)
Profissionalismo
Distinção clara entre “a coisa pública” e a “coisa privada”

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Continuando a análise da evolução, destacamos que, mais para o final do século XX,
os valores do gerencialismo começam a ser colocados em prática na administração pública
brasileira. Um marco importante foi o Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado,
lançado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) em 1995.

Embora tenha ocorrido mais um processo de mudança de modelo, não necessariamente


o modelo anterior foi suplantado totalmente, pois “[...] se o formalismo e a rigidez burocrática
devem ser atacados como males, alguns alicerces do modelo weberiano podem, porém,
constituir uma alavanca para a modernização, principalmente em prol da meritocracia e da
clara separação entre público e o privado” (ABRUCIO, 2010, p. 543).

Assim, podemos perceber que existe uma distinção em relação à transição anterior
(modelo patrimonialista para o burocrático), uma vez que, naquele momento, pretendeu-se
um rompimento quase que total com o modelo anterior. Todavia, na atualidade, notamos
que alguns valores do modelo burocrático precisam ser mantidos, por serem necessários e
contribuírem para a eficiência e o controle do Estado; assim, paralelamente, realiza-se um
upgrade com novas orientações e técnicas do modelo gerencialista.

Posteriormente, uma nova realidade se impõe para a administração pública, emergindo


a necessidade de estabelecer um melhor relacionamento com a sociedade, procurando
a maximização dos resultados. Tornou-se importante, assim, que os gestores públicos
trabalhassem em rede com empresas, associações, sindicatos, entre outros, para atingir os
seus objetivos, ou seja, os gestores precisaram considerar os novos atores nesses processos,
surgindo o modelo de Governança Pública. Devemos perceber que, novamente, não houve
um total rompimento com o modelo anterior, mas, sim, realinhamentos (novas orientações)
a serem implantados de forma incremental.

A Figura 5 faz uma síntese desses dois últimos modelos.

Figura 5 – Comparativo: Gerencialismo x Governança Pública

Descentralização política;
Descentralização administrativa;
Gerencialismo Controle nos resultados;
Foco no cidadão;
Foco na eficiência;

Trabalhar em rede;
Governança
Participação de atores não estatais;
Pública
Estado como coordenador.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Considerações finais
Após as análises efetuadas, temos dois pontos que precisamos reforçar nesta aula: o
primeiro ponto a reforçar são as características principais de cada modelo e sua relação com
os problemas que queriam combater ou aprimorar do modelo anterior, considerando um novo
contexto. Então, quando se trazia o formalismo e a impessoalidade do modelo burocrático,
por exemplo, objetivava-se combater o clientelismo e a falta de distinção entre o público e
privado do modelo patrimonialista, mas em um novo contexto histórico.

O outro ponto importante é percebemos que nas transições entre os modelos (no Brasil)
não há um completo rompimento com o modelo anterior, com exceção da transição entre
o modelo patrimonialista e o burocrático, visto que é mais nítida a intenção de rompimento
total. Entretanto, para as demais transições, fica evidenciada uma tentativa de melhorar o
desempenho do modelo anterior e adequá-lo a uma nova realidade ou a novos valores ou
orientações, inclusive não há uma forma etapista, ou seja, uma completa implementação de
um modelo para que, a partir de então, seja efetivado o novo modelo; assim, as transições
vão seguindo uma lógica de melhorias incrementais, dentro das necessidades de cada época.

Referências
ABRUCIO, Fernando Luiz. Desafios contemporâneos para a reforma da administração pública
brasileira. In: PETER, Guy B.; PIERRE, Jon (Org.). Administração pública: coletânea. São Paulo:
UNESP; Brasília: ENAP, 2010. p. 537-548.

______. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração


pública à luz da experiência internacional recente. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; SPINK, Peter
Kevin (Org.). A reforma do estado e a administração pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV,
2001. p. 174-199.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
14 abr. 2015.

FAORO, Raymundo. A aventura liberal numa ordem patrimonialista. Revista Usp, n. 17, p. 14-
29, 1993. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/25950>. Acesso em:
22 set. 2015.

MARE. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasil. 1995. Disponível em: <http://
www.bresserpereira.org.br/documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em: 22
set. 2015.

PEREIRA. Luis Carlos B. Da administração pública à gerencial. In: PEREIRA, L. C B.; SPINK, P. K.
(Org.). A reforma do estado e a administração pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 2001a.
p. 237-270.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

______. Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado. In: PEREIRA, L. C
B.; SPINK, P. K. (Org.). A reforma do estado e a administração pública gerencial. Rio de Janeiro:
FGV, 2001b. p. 21-38.

PEREIRA, Luis Carlos B.; SPINK, P. K. (Org.). A reforma do estado e a administração pública
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PETER, Guy B.; PIERRE, Jon (Org.). Administração pública: coletânea. São Paulo: UNESP; Brasília:
ENAP, 2010.

POLLIT, Christopher; BOUCKAERT Geert. Public Management Reform: A Comparative analysis.


Oxford: Oxford University Press, 2000.

SALOOJEE, Anver; MOLEKETI, Geraldine Fraser. Desafios comuns a reformas administrativas


em países em desenvolvimento. In: PETER, Guy B.; PIERRE, Jon (Org.). Administração pública:
coletânea. São Paulo: UNESP; Brasília: ENAP, 2010. p. 491-512.

SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de


Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 43, p. 347-369, mar./abr. 2009. Disponível em: <http://
bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/6691>. Acesso em: 22 set. 2015.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 08
Gestão Intergovernamental

Objetivos Específicos
• Conhecer os instrumentos de gestão intergovernamental.

Temas

Introdução
1 Gestão Intergovernamental: contextualização
2 Os instrumentos das relações intergovernamentais
3 Os exemplos de intergovernabilidade e os seus instrumentos
Considerações finais
Referências

Professor Autor
Dênis Alves Rodrigues
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Nesta aula, conheceremos os instrumentos de gestão intergovernamental. A intenção é
compreender o que é, como surgiu e como funciona essa relação entre governos (inclusive
subnacionais) e entre países.

Os modelos recentes de gestão pública, como o gerencialismo e a governança pública,


já davam conta de que os Estados não podiam, sozinhos, conduzir as políticas públicas ou
os projetos e atingirem, dessa forma, bons resultados. Ficou evidenciada a necessidade de
cooperação entre os diversos atores (públicos e privados) para auferirem melhores resultados.

Além disso, percebemos que a globalização e as novas tecnologias, principalmente da


área da informatização, estão conectando os países cada vez mais, e os seus problemas têm
ultrapassado as suas fronteiras, tanto na área econômica quanto na social e política. Isso fez
com que países se juntassem para atingirem objetivos comuns, procurando a sinergia entre
suas decisões e ações.

Dentro desse novo cenário, temos as ferramentas de gestão intergovernamentais que


são utilizadas para coordenação e cooperação dos relacionamentos entre níveis federativos
de um mesmo país ou entre países.

1 Gestão Intergovernamental: contextualização


O desenvolvimento da administração pública, no mundo, mostra o movimento de um ideal
de sistema fechado, autorreferido (modelo burocrático) para modelos mais abertos, flexíveis
(gerencialismo) e participativos (governança pública). Ou seja, tem-se procurado permitir
a participação do cidadão e dos demais atores da sociedade civil, tais como associações,
sindicatos e empresas, na gestão nas definições sobre a “coisa pública”.

Evidentemente, essa mudança de paradigma traz novos desafios para os gestores públicos,
que precisarão de mais competências e habilidades para conseguir conduzir os processos ou
as políticas públicas dentro desse novo cenário. Nessa circunstância, os gestores públicos
precisarão funcionar como catalisadores dentro de um processo de constante mudança e
transformação. E, ainda, dentro de um grupo com atores com interesses e visões de mundo
diferentes, precisarão procurar a sinergia e levar adiante os seus projetos, o que não é fácil.

Neste século encontramos a

[...] emergência turbulenta de uma sociedade cada vez mais global, plural e complexa,
interdependente e dinâmica, cujos desafios e oportunidades em nada se parecem
aos que visavam a responder às ideologias e instituições geradas pela Revolução
Industrial. (CATALÁ, 2006, p. 271).

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Quais foram as causas dessas mudanças na forma de trabalhar e organizar a administração


pública?

A necessidade de revitalizar a forma de conduzir as políticas públicas e realizar uma


reforma da administração pública ocorreu inicialmente em outros países, tais como: França,
Suécia, Estados Unidos, Nova Zelândia, Inglaterra e Austrália, motivada por cinco grandes
fatores, quais sejam:

1. A crise fiscal do Estado.

2. As mudanças causadas pela internacionalização (globalização).

3. A adoção de novos padrões de organização e as inovações tecnológicas, que geraram


desemprego e informalização dos empregos.

4. As transformações da Terceira Revolução Industrial, criando a chamada Era da


Informação.

5. Ampliação da noção de esfera pública: o Estado torna-se cada vez menos monopolista
na definição de políticas e provisão de serviços públicos (ABRUCIO et al., 2009).

Dessa forma, esse novo contexto exigiu maior flexibilidade e interação com a sociedade,
o que fez os governos procurarem novas formas de relacionamento e de conduzir seus
programas.

Embora muitas das causas levantadas anteriormente sejam comuns a muitos países, o
desenvolvimento das ferramentas de gestão intergovernamental não se moldou de forma
igualitária, pois até o grau de desenvolvimento da democracia e da economia de um país irá
influenciar as formas de sua organização.

Cabe destacarmos que outros fatores também influenciam a utilização e o sucesso das
ferramentas de gestão intergovernamental, como a forma de Estado, ou seja, se utiliza o
Unitarismo ou o Federalismo (SILVA, 2010), pois essas formas alteram principalmente o
relacionamento dentro de cada Estado.

Um fator que tem contribuído para esses novos formatos organizacionais tem sido o
debate sobre a forma como a população e o próprio governo percebem suas responsabilidades,
ou seja, o seu papel. Estudos mostram que as estruturas burocráticas têm recebido críticas e
não estão respondendo de forma adequada a essas novas demandas; logo, surge um debate
sobre o tamanho do Estado e sobre quais são as atividades que devem ser mantidas por ele.
Nessa linha, vários movimentos integram esse debate; afinal, como apresenta Radin (2010,
p. 599), a

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

[...] privatização e terceirização de papéis do governo tornaram-se cada vez mais


comuns, utilizando fundos públicos, mas contando com entidades com fins lucrativos
ou sem fins lucrativos para fornecer serviços. “Esvaziar” (o governo) envolve várias
mudanças, inclusive transferências de funções, perda de expertise e ruptura de
relações tradicionais.

Após desenharmos esse mapa, com as origens, o contexto e algumas questões sobre
o movimento intergovernamental, passaremos a detalhá-lo, conhecendo os instrumentos
utilizados para esse objetivo e analisando o contexto internacional. Por fim, dedicaremos
uma parte à análise específica do Brasil.

2 Os instrumentos das relações intergovernamentais


Cada vez mais os governos estão sendo empurrados a trabalhar de forma cooperativa para
atingirem seus objetivos. Os modelos de administração que, em suas análises, consideravam
apenas os respectivos governos de forma isolada estão perdendo espaço para uma nova
forma de trabalhar. Hoje em dia, os governos precisam trabalhar em cooperação ou parceria
com outros níveis de governo e com a sociedade civil.

A cooperação entre diversos atores de diferentes níveis da federação é possível? Supondo


que seja, é fácil efetuar esse alinhamento?

Isto também tem ocorrido pelo fato da complexidade dos problemas enfrentados, visto
que acontecem geralmente de forma transversal em termos de matéria e em termos de nível
federativo ou, ainda, dentro de um mesmo nível de governo. Esse debate, mais atual para o
“campo das políticas públicas” significa que os problemas, como os das áreas sociais, estão
ultrapassando a fronteira da competência de um único ente federativo (União, estados e
municípios), entre os problemas que assim são, por exemplo, referentes a drogas, a crimes e
à assistência social (RADIN, 2010).

Dessa forma, para um governo trabalhar a questão criminal, por exemplo, ele não poderá
analisar a situação tão somente sob o viés da segurança pública. Será necessário considerar
questões como as econômicas, que a influenciam sobremaneira. E, em muitos casos, para
enfrentar um problema como esse, precisará alinhar o trabalho da União, do estado e dos
municípios envolvidos. Essa questão transversal é um dos pontos que tem funcionado como
um impulsionador para o relacionamento intergovernamental.

Para compreender essas transformações e as novas relações, três pontos são importantes,
conforme Radin (2010, p. 598):

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

1. Aumento das atividades que atravessam fronteiras;

2. Novas habilidades de gestão requeridas como resultados das mudanças que


atravessam fronteiras;

3. A expressão internacional destas mudanças.

Isso significa refletir acerca das cooperações internacionais, ou melhor, que nos
relacionamentos entre países, em determinados casos, encontraremos instrumentos de
gestão intergovernamental, inclusive a formação de blocos como a União Europeia ou o
MERCOSUL. Embora cada um tenha sua forma, relação e grau de sucesso, ilustram esse novo
paradigma de instrumentos utilizados para gerir programas que ultrapassam as fronteiras de
países e procuram a sinergia entre eles.

É importante reforçarmos que alguns autores têm denominado de “governança de


múltiplos níveis” esse novo modelo de organizar dos governos, com o fito de reforçar a
transposição dessas delimitações jurisdicionais tradicionais (SMITH, 2010). Por outro lado,
conforme Rhodes (1997 apud SMITH, 2010, p. 620), a governança foi definida como “redes
intergovernamentais auto-organizadas” com as seguintes características:

• Interdependência entre organizações;

• Interação continuada entre membros da rede;

• Interações do tipo jogos (negociação e acordado pelos participantes);

• Grau significativo de autonomia em relação ao Estado.

Podemos depreender, desta última análise, que as características das redes de


relacionamento intergovernamentais criam uma dependência entre os seus participantes,
quer sejam países, estados, ou municípios, ou ainda, atores da sociedade civil. Verificamos,
também, que os membros terão interações enquanto a rede existir, quer seja negociando os
conflitos, quer seja fazendo novos planejamentos. Assim, é muito importante a reflexão sobre
a flexibilidade que esses atores possuem. Por último, a rede precisa gozar de um significativo
grau de autonomia em relação aos seus membros, principalmente quando falamos de redes
internacionais.

Pela complexidade da organização intergovernamental, Radin (2010, p. 603) divide em


quatro categorias os seus instrumentos, os quais iremos aprofundar:

1. Estrutural;

2. Programáticos;

3. Pesquisa e construção de capacidades;

4. Comportamental.
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O componente estrutural está relacionado a questões formais (como regulamentação),


aos papéis das organizações e à liderança. Assim, ele procura contribuir com as mudanças e
reorganizações com o advindo das relações intergovernamentais. Muitas vezes são criadas
novas estruturas (como departamentos ou comissões) para se responsabilizarem por uma
área ou projeto.

Desdobrando esse componente, temos as Comissões como ferramentas que possuem


certa flexibilidade de criação e podem ser estabelecidas para coordenar uma infinidade
de áreas, trazendo eficiência ao trabalho das redes criadas. Encontramos, ainda, a
Desregulamentação, que procura diminuir a quantidade de regras existentes em um setor,
pois elas podem causar dificuldades em seu desenvolvimento ou atrapalhar relações
comerciais. E, por fim, mencionamos a Delegação de poderes e descentralização. Esse último
componente é muito importante nesses processos, principalmente em redes nacionais, nas
quais é necessário o relacionamento com entidades subnacionais; afinal, com a delegação
de poder, é transferida maior autonomia para os municípios (por exemplo), e estes podem
conseguir entregar melhores serviços à população por possuírem mais informações sobre as
necessidades locais.

Temos, ainda, a Regulação e Supervisão. E, dependendo da forma como estiver sendo


construída ou funcionando a rede, pode ser necessário regular suas atividades e as atividades
que coordena. Além disto, a avaliação do que está sendo “construído” é extremamente
importante para o monitoramento das atividades e para verificar se o caminho trilhado está
de acordo com o que foi planejado.

Os instrumentos programáticos buscam “[...] lidar como o dilema intergovernamental


envolve a aplicação de recursos e o redesenho de programas e de tipos de subsídios” (RADIN,
2010, p. 607). Nesse contexto, são utilizados incentivos, como as isenções fiscais ou tributárias,
procurando delinear os programas e agregar parceiros que contribuam ou colaborem nesse
sentido.

A outra categoria, instrumentos de pesquisa e construção de capacidade, reforça


a necessidade de desenvolver capacidades dentro dos governos e para os demais
atores participantes das redes atingirem seus objetivos, o que deve vir com o respectivo
empoderamento. Essa categoria se preocupa com a obtenção de informação para que seja
feito um retrato da realidade na qual se pretende agir e, mais do que isso, pensar nas ações
que serão executadas, as quais, muitas vezes, podem ser feitas por pesquisadores ou técnicos
especializados.

Nesse momento, é importante fazermos algumas reflexões, até em razão da utilização


de um termo específico que nos traz a necessidade de explicar melhor o que é “capacidade
estatal” e em que situação nós a encontramos. As capacidades que um Estado possui para
levar adiante determinados projetos têm sido estudadas por vários autores. Analisando o
tema, Hanson e Sigman (2013) dividem a análise da capacidade estatal em três: extractive
capacity (capacidade fiscal), coercive capacity (capacidade de coerção, uso da força), e
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administrative capacity (capacidade administrativa). Esses conceitos colaboram para que


possamos entender quais as capacidades que estão sendo esperadas dos governos, em suas
relações intergovernamentais.

Nesse contexto, de muitas informações e constantes mudanças tecnológicas, o Estado


precisa de:

[...] mais que as capacidades técnicas e administrativas exigidas de uma burocracia


weberiana clássica. No contexto de democracia caracterizado pela existência de
instituições representativas, participativas e deliberativas, como no caso brasileiro,
são necessárias, também: a existência de capacidades políticas para a inclusão de
múltiplos atores, a negociação de interesses, a construção de consensos em torno dos
objetivos de desenvolvimento e a formação de coalizões políticas de suporte para as
estratégias a serem adotadas. (GOMIDE; PIRES, 2012, p. 27).

Quanto ao último tipo de instrumento, os comportamentais (que englobam a gestão de


conflitos), por existir diversos atores trabalhando em rede, é possível que ocorram conflitos
de interesse ou de posicionamentos. Logo, será importante que os gestores saibam lidar
com essa situação. Considerando a importância de fornecer informações para a população
e que esta cobra participação e acompanhamento nas ações dos governos, são importantes,
também, a comunicação individual, ou seja, são necessários “[...] funcionários nacionais que
possam escutar, delegar, administrar conflitos e construir consenso [...]” (RADIN, 2010, p.
611) e que possam lidar com os problemas entre os níveis de governo.

Por último, temos que a compactuação do desempenho é benéfica, podendo se utilizar


de incentivos para o atingimento dos resultados, reforçando que, por se tratar de vários
órgãos, essa medida precisa ser negociada, o que a torna complexa.

A complexidade desses arranjos intergovernamentais indica que os gestores já sabem quais


as dificuldades irão encontrar. Além disso, temos várias ferramentas que podem ser utilizadas
nesse processo. Assim, em quais níveis federais ou entre federações que encontramos, na
prática, os instrumentos intergovernamentais?

3 Os exemplos de intergovernabilidade e os seus


instrumentos
Após uma explanação e revisão de teoria sobre os instrumentos utilizados nos modelos
intergovernamentais, caracterizando o contexto e principais ações, é importante analisarmos
como eles se materializaram em contextos internacionais e nacionais. Dessa forma,
passaremos a dialogar sobre exemplos, começando pelos internacionais.

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3.1 O exemplo da União Europeia


Um dos exemplos mais evidentes da nova forma de organização que ultrapassa as
fronteiras dos países é o da União Europeia. Iniciaremos por ele por entendermos ser um
bom exemplo, pois serão explicitados alguns dos instrumentos de gestão intergovernamental
utilizados.

O processo da criação da União Europeia teve um marco importante em 1991, quando


foi assinado o Tratado da União Europeia, quando os Estados experimentaram o “[...]
aprofundamento das políticas comuns existentes (agricultura, concorrência, cooperação
monetária etc.) e o surgimento de verdadeiras políticas no nível de comunidade [...]” (SMITH,
2010, p. 624).

Inicialmente, podemos perceber que os países da União Europeia possuíam muitos


interesses em comum e perceberam que uma cooperação, formalizada e institucionalizada,
poderia ser muito útil e vantajosa para seus membros e, além disso, colocaria, ainda mais, a
Europa como uma potência mundial.

Os países participantes da União Europeia são (seguidos do ano de sua entrada


no bloco), em ordem alfabética: Alemanha (1958); Áustria (1995); Bélgica (1958);
Bulgária (2007); Chipre (2004); Croácia (2013); Dinamarca (1973); Eslováquia (2004);
Eslovênia (2004); Espanha (1986); Estônia (2004); Finlândia (1995); França (1958);
Grécia (1981); Hungria (2004); Irlanda (1973); Itália (1958); Letônia (2004); Lituânia
(2004); Luxemburgo (1958); Malta (2004); Países Baixos (1958); Polônia (2004); Portugal
(1986); Reino Unido (1973); República Checa (2004); Romênia (2007); Suécia (1995).

Neste sentido, o Tratado citado “[...] definiu diretrizes para a introdução da união
monetária europeia, concedeu maiores poderes ao parlamento europeu, criou uma comissão
europeia das regiões e introduziu a noção de cidadania europeia” (SMTH, 2010, p. 624).
O êxito desse modelo pode ser verificado, por exemplo, pela continuidade do bloco e pela
criação de uma moeda comum, o Euro.

Assim, podemos verificar os instrumentos utilizados para levar adiante um projeto de


criação de um bloco internacional, porque, inclusive, houve pressão de líderes empresariais
para a criação de um mercado único (SMITH, 2010). Portanto, nesse processo, percebemos
a participação de diversos atores como governantes, funcionários públicos e empresários.

Um dos questionamentos que aparecem para esse modelo é o fato de os governos


subnacionais estarem um pouco alijados desse processo, não sendo fácil levar problemas e
questionamentos diretamente aos comitês. Outro ponto relevante se evidencia quando uma
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

instituição com poderes sobre alguns países, possuindo regras, autonomia e parlamento,
fazendo com que esses Estados, evidentemente, percam um pouco de sua autonomia. Isso
se configura um trade-off, ou seja, não é possível dar poder e autonomia para um bloco
internacional e, ao mesmo tempo, manter os mesmos poderes e autonomia de cada Estado
participante do bloco. É um beco sem saída (BORZEL, 1997 apud SMITH, 2010, p. 627).

3.2 A realidade das nações Latino-americanas


Os países da América Latina, com algum atraso em relação aos países europeus,
têm procurado desenvolver os novos modelos e instrumentos de gestão em seus países.
Encontramos uma tentativa de criar um bloco coeso, mas que, por diversos motivos, não
obteve o mesmo sucesso que a União Europeia até o presente momento. Estamos falando do
MERCOSUL (Mercado Comum do Sul), que inicialmente objetivava a:

Integração dos Estados Partes por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores
produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), da adoção de
uma política comercial comum, da coordenação de políticas macroeconômicas e
setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes. (MERCOSUL, s.d.).

Todavia, os países latino-americanos ainda não possuem as mesmas características e o


desenvolvimento dos países europeus, o que se tem colocado como um dificultador nesse
processo de criação de um bloco. O quadro a seguir mostra a composição do MERCOSUL.

Quadro 1 – Composição do MERCOSUL

Situação País
Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai (desde 26 de
Estados Partes março de 1991) e Venezuela (desde 12 de agosto de
2012).
Estado Parte em Processo de Adesão Bolívia (desde 7 de dezembro de 2012).
Chile (desde 1996), Peru (desde 2003), Colômbia,
Estados Associados Equador (desde 2004), Guiana e Suriname (ambos
desde 2013).

Fonte: Adaptado de MERCOSUL (s.d.).

Para que os países latino-americanos consigam melhorar seu desempenho, inclusive


como grupo, precisam melhorar e desenvolver seus modelos de gestão, os quais só podem
resultar de “[...] verdadeiras reformas estruturais, entendendo-se por essa expressão a reforma
da institucionalidade ou das regras subjacentes ao jogo dos atores políticos, econômicos e
sociais” (CATALÁ, 2006, p. 275). Ou seja, esses países têm um grande percurso à sua frente,
embora não tenhamos dúvida de que as características da região sugerem a necessidade de
fortalecimento de um bloco.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

3.3 O caso brasileiro


Após alguns exemplos que permeiam questões internacionais, é interessante
estudarmos a realidade nacional. Dessa forma, poderemos entender o relacionamento entre
os entes federados e avaliar os formatos e instrumentos utilizados nesse tipo de relação
intergovernamental.
O Brasil viveu uma experiência de democracia recente e a sua atual Constituição Federal
(BRASIL, 1988) ficou conhecida como Constituição Cidadã; pois, além de eleições diretas,
foram criados e protegidos diversos direitos sociais, como saúde e educação.
Por outro lado, houve mudanças em sua configuração, reconhecendo os municípios
como entes da federação, dando autonomia e poderes para exercer suas atividades. Com
isso, ficou evidente seu caráter de federalismo que “[...] configurou a descentralização de
competências em um federalismo de tipo cooperativo, caracterizado pela existência de
funções compartilhadas entre as diferentes esferas de governo”, conforme Schmidt (2013).
Dentro deste contexto, tem-se percebido que, embora tenha ocorrido a descentralização,
há uma forte centralização normativa do governo federal em várias áreas, como na área de
saúde, educação e trânsito, cabendo aos órgãos subnacionais a implantação dos projetos,
após aderirem aos programas, quando for o caso.
Nesse sentido, Arretche (2012, p. 170) destaca a “[...] distinção conceitual entre execução
(policy-making) e autoridade decisória (policy decision-making) ”, pois, “[...] é mais útil do
que a clássica distinção entre estados federativos e unitários para dizer os efeitos centrífugos
das relações central-local [...]”.
Um dos exemplos dessa relação é o Sistema Único de Saúde (SUS), em que há forte
regulamentação através do respectivo ministério, cabendo aos municípios aderirem ao
programa, receberem verbas e levarem adiante os respectivos projetos, com a construção de
hospitais ou com a manutenção desses. O quadro a seguir procura exemplificar as formas e
os instrumentos das relações intergovernamentais de forma setorial.

Quadro 2 – Relações intergovernamentais e setoriais no Brasil

Área Normatização Financiamento Execução


Estados e municípios e Vinculação
Educação Federal Estados e municípios
de gastos

Transferência federal e Vinculação


Saúde Federal Estados e municípios
constitucional de gasto

Transferências federais e Receitas


Habitação Popular Federal Estados e municípios
próprias

Transferências federais e Receitas


Saneamento Federal Estados e municípios
próprias

Transferência de Renda Federal Federal Estados e municípios

Federal, subsidiariamente
Trânsito Estados e municípios (1) Estados e municípios
Estados e municípios

Nota: (1) No caso da política de trânsito, também é importante ressaltar a participação do setor privado.

Fonte: Adaptação e complementação com base no desenvolvido por Rodrigues e Santos (2015), que foi efetuado com
base no Quadro 1. Distribuição intergovernamental de funções em políticas selecionadas - Brasil, elaborado por Arretche
(2012, p. 169).

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Alinhado às informações encontradas no Quadro 2, destacamos que “[...] o êxito de uma


coordenação federativa é a linha que separa um federalismo cooperativo de um federalismo
competitivo ou predatório” (SILVA, 2010, p. 554). Dessa forma, percebemos que a coordenação
e/ou cooperação que se dará em determinada política entre os entes federados poderá
contribuir ou não para o seu sucesso, outro ponto é o repasse ou não de verba federal para
a concretização de ações setoriais. Quanto a este último ponto, para o seu sucesso, será
necessário desenvolver habilidades de negociação para que os entes subnacionais, mesmo
sem repasse de verbas, aceitem todas as determinações e regulamentações federais, pois,
em setores onde não há esse repasse, as políticas podem ter maiores dificuldades para serem
implantadas ou não obterem o sucesso esperado, como nas políticas de Trânsito (RODRIGUES;
SANTOS, 2015).

Considerações finais
Nesta aula, entendemos como ocorreram as relações intergovernamentais, e que elas
surgiram em um contexto de globalização e inovações tecnológicas muito fortes, o que
impulsionou para que, cada vez mais, haja uma interação entre países, estados e municípios.

Também constatamos, com base na teoria, que existem alguns instrumentos que são
utilizados nesses processos, ora se preocupando com sua institucionalização e em outros
momentos mais relacionados com o seu desempenho e suas atividades.

Outro ponto importante foi verificar as realidades diversas entre algumas relações
intergovernamentais, com exemplos mais institucionalizados, como o da União Europeia e
outros menos, como o caso do MERCOSUL.

Para esta última análise, verificamos que a realidade dos países latino-americanos se coloca
como um empecilho para que consigam maior coesão em trabalhos intergovernamentais.
Aprofundando o tema, chegamos ao caso brasileiro, cuja realidade, baseada no federalismo,
possui alguns exemplos exitosos e outros com maiores dificuldades de implantação e
funcionamento, compreendendo que os resultados estão vinculados aos instrumentos de
relação intergovernamental utilizados e que se encontram à disposição.

Referências
ABRUCIO, Fernando Luiz et al. Nova Gestão Pública. In: OLIVEIRA, Laís Macedo de; GALVÃO,
Maria Cristina Costa Pinto (org.). Desenvolvimento gerencial na administração pública do
Estado de São Paulo. São Paulo: Fundap, 2009. p. 13-38.

ARRETCHE, Marta Teresa da Silva. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. 1. ed. Rio
de Janeiro: FGV; Fio Cruz, 2012.

BORZEL, Tanja. Does European Integration Really Strengthen the State? The Case of the Federal
Republico f Germany. Regional and Federal Studies, v. 7, n. 3, p. 87-114, 1997.
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
20 set. 2015.

CATALÁ, Joan, P. Governabilidade democrática na América Latina no final do século XX. In:
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; SPINK, Peter Kevin (Org.). Reforma do estado e a administração
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GOMIDE, Alexandre de Ávila; PIRES, Roberto Rocha Coelho. Capacidades estatais para o
desenvolvimento no século XXI. In: Boletim de Análise Político-Institucional. Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada, n. 2 (2012) Brasília: Ipea, 2012. p. 25-30. Disponível em: <http://
www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/boletim_analise_politico/120906_boletim_
analisepolitico_02.pdf>. Acesso em: 20 set. 2015.

HANSON, Jonathan; SIGMAN, Rachel. Leviathan’s Latent Dimensions: Measuring State


Capacity for Comparative Political Research. May 1, 2013. APSA 2011 Annual Meeting Paper,
2013. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1899933>. Acesso
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MERCOSUL. Dados Gerais. Disponível em: <http://www.mercosul.gov.br/index.php/saiba-mais-


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RADIN, Beryl A. Os instrumentos de gestão intergovernamental. In: PETER, Guy B.; PIERRE, Jon
(Org.). Administração pública: coletânea. São Paulo: UNESP; Brasília: ENAP, 2010. p. 597-618.

RODRIGUES, Dênis Alves; SANTOS, Tarcila Peres. O Caso dos Simuladores de Direção Veicular –
dificuldades do arranjo federativo na política de trânsito. In: CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO
PÚBLICA, 8., Brasília, 2015. Anais eletrônicos... Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.
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SCHMIDT, Vera Viviane. Descentralização Federativa e Coordenação Intergovernamental: um


estudo de caso sobre a integração dos municípios brasileiros ao Sistema Nacional de Trânsito.
2013. 290 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Programa de Pós-Graduação em Ciência
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countries/index_pt.htm>. Acesso em: 10 jul. 2015.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 09
Reformas nos governos subnacionais brasileiros

Objetivos Específicos
• Conhecer reformas promovidas ou modelos alternativos de gestão pública
implementados pelos governos subnacionais brasileiros (estados e municípios).

Temas
Introdução
1 A realidade da administração pública
2 O impacto das reformas na esfera subnacional: princípios e ferramentas
Considerações finais
Referências

Professor Autor
Dênis Alves Rodrigues
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Os Estados têm passado por várias mudanças de modelos de administrações públicas.
Em determinado momento, tínhamos o modelo Patrimonialista, depois o Burocrático,
passamos em meados da década de 1990 pelo modelo Gerencialista e, por último, o de
Governança Pública. Dentro desse contexto, os governos precisaram se adaptar para atender
às novas demandas da sociedade e responder de forma mais rápida aos problemas que se
apresentaram.

Especificamente quanto ao Estado brasileiro, é possível detectar que ele passou (e


ainda passa) por reformas administrativas e que essas reformas impactam sobremaneira
os trabalhos dos órgãos públicos. Além disso, características específicas do Brasil também
precisam ser consideradas nesse processo.

Há um ponto que merece maior atenção e precisa ser aprofundado: como essas
mudanças impactam o cotidiano dos governos subnacionais? Não é adequado supor que os
novos valores, objetivos e ferramentas sejam transplantados automaticamente para os demais
entes federativos, pois cada estado e município tem uma realidade e a relação federativa e
interorganizacional é mais um dos desafios na implementação das mudanças derivadas do
aperfeiçoamento dos modelos de gestão nas esferas subnacionais.

É importante compreender, portanto, como as reformas da administração pública estão


impactando as organizações públicas nos estados e municípios brasileiros.

Boa leitura!

1 A realidade da administração pública


A administração pública está em constante mudança buscando atender às novas
necessidades da população. Essas mudanças ocorrem por vários motivos, entre eles as novas
demandas sociais, a globalização, problemas orçamentários, questões políticas, entre outros.

Com isto, vários modelos se apresentaram para atender, cada um a seu tempo, às
necessidades que se fizeram presentes. Assim, tivemos modelos como o Patrimonialista, o
Burocrático, o Gerencialista (Nova Administração Pública) e o de Governança Pública. Esses
modelos fizeram-se sentir em todos os níveis da administração pública, mas não de forma
equânime, pois fatores regionais ou locais interferiram nesse processo.

Mais recentemente, tivemos a introdução do modelo Gerencialista, que procurou tornar


a administração pública mais eficiente e voltada ao cidadão, mudando, portanto, o foco de
seu antecessor, o modelo Burocrático, pois:

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

[...] a administração pública burocrática tornou-se obsoleta e as burocracias públicas


estão sendo levadas cada vez mais a adotar uma abordagem gerencial, baseada na
descentralização, no controle de resultados e não no controle de procedimentos, na
competição administrada, e no controle social direto. (PEREIRA; SPINK, 2006, p. 11).

Ações reformistas como estas não ocorreram apenas no Brasil. Um exemplo internacional
que podemos citar é o caso do governo britânico cujas ações visavam à satisfação dos
consumidores (cidadãos), tendo por base a descentralização, por entender que, quanto
mais perto o serviço público estiver da sociedade, mais fiscalizado ele será pelos cidadãos
(ABRUCIO, 2006, p. 187).

Como esses modelos e mudanças impactaram os entes federados na esfera subnacional?

Dentro desse contexto, podemos perceber que um dos pontos principais é a participação
dos governos subnacionais nesse processo (reforma administrativa). Encontrando-se mais
próximos da população, os governos subnacionais são capazes de diagnosticar, melhorar
e identificar os problemas e anseios, além de possuir melhores condições de desenhar
as políticas públicas capazes de resolver as questões que são colocadas e, assim, levar
adiante os projetos de reforma do Estado. Este é um dos mecanismos utilizados, chamado
descentralização de poder para governos subnacionais (KETLL, 2006, p. 78; GLADE, 2006, p.
125; ABRUCIO, 2006, p. 175-174; ARRETCHE, 1996).

É importante salientar que, embora tenhamos várias ações sob a etiqueta de reforma
da administração pública, as reformas não possuem uma única forma adotada por todos
os países (ABRUCIO, 2006, p. 174). Além disto, há peculiaridades da administração pública,
que a difere da administração empresarial, como valores de equidade e justiça, os quais não
podem ser avaliados por intermédio dos conceitos de gerencialismo puro (MAYORDOMO,
1990, p. 278-80 apud ABRUCIO, 2006, p. 185).

Dessa forma, o contexto de mudanças impactou sobremaneira os entes subnacionais,


que foram chamados a participar mais da vida política do Estado e se transformam, então, em
agentes mais ativos, principalmente pelo entendimento de que, pelo o fato de estarem mais
próximos da sociedade, teriam mais condições de atender aos seus anseios, expectativas e
necessidades.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

2 O impacto das reformas na esfera subnacional: princípios e


ferramentas
O Brasil é organizado de forma federativa, ou seja, subdivide-se em estados, Distrito
Federal e municípios, o que significa que estes são considerados entes federativos e, portanto,
possuem certa autonomia administrativa e financeira, além de possuírem a divisão clássica
de poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Quanto aos poderes Executivo e Legislativo,
estes se organizam dentro das estruturas federais, estaduais e municipais, todavia, o Poder
Judiciário apenas se organiza nas estruturas federais e estaduais.

Figura 1 – Administração pública estadual

Administração Chefe do Executivo Administração


pública estadual = Governador direta

No caso da administração pública estadual, o chefe do Executivo é o governador,


que junto com as suas secretarias (administração direta) levam adiante suas respectivas
administrações. Além das secretarias, os estados possuem outros órgãos dotados de
autonomia, tais como Fundações Públicas, Autarquias, Empresas Públicas e Sociedades de
Economia Mista. Os estados também possuem os Poderes Legislativo (Assembleia Legislativa,
Deputados Estaduais) e Judiciário organizados.

Figura 2 – Municípios

Chefe do Executivo Administração


Municípios
= Prefeito Direta e Indireta

Os municípios têm como chefe do Executivo o Prefeito, que também conta com secretários
(administração direta) e outros órgãos (administração indireta), para levarem adiante seus
projetos e programas, além de administrar a “coisa pública”. Por outro lado, o seu Legislativo
é composto pela Câmara dos Vereadores e não possui Judiciário.

Considerando as respectivas estruturas e os processos de mudanças de modelos de


administração pública colocados para a realidade brasileira, quais são os papéis dos estados e
dos municípios?

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Figura 3 – Mapa do Brasil

Para melhor compreender o impacto das reformas adminsitrativas nos entes subnacionais,
destacaremos os princípios, ou seja, os valores que permeiam os programas, projetos e ações,
assim como os Instrumentos1 , que referem-se às ferramentas utilizadas para se atender aos
princípios ou aos objetivos pretendidos pelas reformas da gestão pública.

2.1 Princípios
O Brasil possui extensões continentais, além disso, possui grandes diferenças culturais,
econômicas, políticas e sociais entre as suas regiões, o que torna a sua administração mais
complexa. Por outro lado, as novas teorias sobre as reformas da administração pública têm
colocado os demais entes federados (estados e municípios) como centrais nesse processo
de melhoria de desempenho do Estado frente ao constante aumento da complexidade de
demandas da sociedade. Assim, historicamente, temos que a “[...] discussão da eficácia da
gestão das políticas sociais tem privilegiado, a partir da década de 80, a descentralização
como a possibilidade de tomar o poder mais transparente e suscetível ao controle social”
(JUNQUEIRA, 1998, p. 12).

1 Embora essa divisão tenha sido proposta por Rodrigues (2015), algumas categorias aqui descritas se diferem da proposta pelo referido autor.

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A descentralização de poder e de serviços para os níveis regionais (estados) e locais


(municípios) tende a favorecer a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados à
sociedade, pois, por estarem mais próximos do cidadão e da realidade, presume-se que terão
melhores condições de desenhar a política pública mais adequada para determinada situação,
bem como acompanhar os respectivos projetos “in loco”. Um ponto que também contribui
para difundir a ideia de que a descentralização colaboraria para uma maior proximidade com
a democracia direta são algumas experiências positivas, como o orçamento participativo
(ARRETCHE, 1996), que tem como característica a colaboração da sociedade nas formas e em
quais projetos, programas etc. que os municípios vão utilizar parte dos seus recursos e, assim,
ajudar a definir a utilização do orçamento municipal.

Outro ponto reforçado pelos defensores da descentralização é o de que esse processo


pode melhorar a transparência e responsabilização (accountability) dos órgãos públicos, pois,
uma vez que as administrações municipais e estaduais estão mais próximas da população,
em relação à administração federal, a população teria mais condições de se apropriar
dos conhecimentos e informações para monitorar e cobrar as respectivas administrações
(municipal e estadual).

Figura 4 – Selo de qualidade e confiança

Contudo, nem todas as consequências da descentralização promovida a partir da


Constituição Federal de 1988 foram positivas e muitos problemas surgiram, especificamente
no Brasil. Como exemplo, podemos citar a ocorrência de “[...] uma multiplicação exagerada
de municípios, poucos incentivos à cooperação intergovernamental foram estabelecidos,
a questão metropolitana foi ignorada pela Constituição, além da sobrevivência do
patrimonialismo local em boa parte do país” (ABRUCIO, 2010, p. 539). São desafios que
requerem análise e aperfeiçoamento para que a descentralização atinja melhores resultados.

Outro ponto relevante, que não foi devidamente resolvido, é a forma como o governo
federal delega responsabilidades para os demais entes federados e ainda é capaz de manter
a responsabilização pelos resultados (FAIRBROTHER, 1994, p. 36-7 apud KETTL, 2006, p. 109).

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Ainda subsistem como desafios à descentralização as práticas patrimonialistas


que persistem bastante no nível regional e local e as capacidades dos mesmos governos
(subnacionais) em analisar, planejar e implantar de forma adequada e efetiva as políticas
públicas (SPINK et al., 1999, p. 61).

Como exemplo de sucesso desse processo de decentralização, temos o caso do Sistema


Único de Saúde (SUS) em que “[...] as políticas implementadas pelos governos locais são
fortemente dependentes das transferências federais e das regras definidas pelo Ministério
da Saúde” (ARRETCHE, 2004, p. 22 apud SILVA, 2010, p. 566). É possível perceber que houve
uma adequação do modelo federativo para que os órgãos subnacionais, no caso brasileiro,
gerenciassem e implantassem projetos e programas. Contudo, o poder federal ainda centraliza
o controle dessas ações, principalmente através da regulamentação e da utilização do repasse
de verbas para negociar e barganhar, pois, assim, consegue “incentivar” os entes federados,
principalmente os municípios, a aderirem aos seus programas. O governo federal possui esse
poder pelo fato de boa parte da arrecadação de impostos ainda se concentrar nos cofres da
União.

Quanto aos demais serviços prestados pelos entes federativos, temos, de acordo com
Queiroz (2009, apud BRUDEKI; BERNARDI, 2013, p. 75), que os de interesses gerais são:
abastecimento de água; esgotamento sanitário; transporte coletivo, aéreo e aquaviário;
distribuição de gás; telecomunicações e energia elétrica.

Os serviços públicos também podem ser divididos de acordo com a forma que serão
prestados. A figura a seguir pretende demonstrar tal categorização.

Figura 5 – Tipos de prestação de serviço público

régie direta
Centralizada
régie indireta
Direta
autarquia
Descentralizada (outorga) empresa pública
soc. econ. mista
fundação

Prestação Indireta
licitação contrato de concessão
de Serviço (delegação)
Público

Gestão consórcio público contrato de programa


associada convênio de cooperação

Fonte: Brudeki e Bernardi (2013, p. 106).

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A figura apresentada revela que os entes subnacionais possuem vários modelos e formas
de prestarem os serviços para a população, não necessitando centralizar sua execução na
administração direta ou nos demais órgãos da administração pública (administração indireta),
sendo certo e possível que efetue contratações (licitações), parcerias (como as parcerias
público-privada), entre outros, para atender às necessidades da população, escolhendo em
cada caso concreto a melhor forma de prestar os serviços.

Essas formas de prestação de serviço, mediante descentralização de serviços para


organizações privadas, precisam ser devidamente acompanhadas, monitoradas e gerenciadas
pelo poder público. Como exemplo, temos os contratos com as Organizações Sociais (OS), os
quais prevêem multas, resultados, prestação de contas, processo de fiscalização, modelo de
estrutura, formas de pagamentos, entre outros (IBAÑEZ; NETO, 2007, p. 1834).

Como desmembramento das práticas gerencialistas, o foco nos resultados tem sido,
também, um dos balizadores das ações dos governos, inclusive na esfera subnacional
(POLLITT; BOUCKAERT 2011, p. 106 apud RODRIGUES, 2015, p. 43). Esse preceito faz com
que a administração pública deixe de enfatizar os processos (modelo burocrático), focando
a eficiência e efetividade das ações. Todavia, eles têm apresentado problemas, pois podem
priorizar o curto prazo em detrimento do longo prazo; desta forma, políticas imediatistas
podem ser levadas adiante sob o prejuízo de políticas estruturantes cujos resultados seriam
melhor sentidos no médio ou longo prazo (BOUCKAERT, 1993, p. 403 apud HEINRICH, 2010,
p. 62).

2.2 Instrumentos
Uma questão relevante é a utilização de ferramentas no processo de melhoria e
desenvolvimento de programas e projetos, como as de Tecnologia da Informação e
Comunicação (TIC). Quanto a isto Cunha e Miranda (2013) fazem uma divisão do termo
e-governo, que sugere as formas de aplicação de TIC na administração pública da seguinte
forma: e-administração pública, e-serviços públicos e a e-democracia.

Figura 6 – Os modelos de aplicação TIC

e-administração e-serviços e-democracia

Otimizar os Melhorar a Melhorar o


procedimentos prestação de governo em
dentro da serviços para a termos
administração população democráticos

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A e-administração pública é caracterizada quando utilizadas as ferramentas de TIC para


otimização dos procedimentos dentro da administração pública; já o e-serviços públicos,
quando as ferramentas de TIC são utilizadas para melhorar a prestação de serviços para a
população; finalmente, a e-democracia, quando a TIC é utilizada para melhorar o governo em
termos democráticos, como participação social nas decisões e transparência (acesso a dados
relativos a gastos públicos ou prestação de serviço, por exemplo).

Essa divisão é importante por auxiliar no entendimento da realidade, analisando-se


os diversos objetivos de se implantar as ferramentas de TIC, embora as fronteiras entre as
três subdivisões não sejam tão claras, pois é possível desenvolver ações que, ao mesmo
tempo, procurem melhorar e racionalizar processos (e-administração pública) e ainda sejam
prestação de serviços através da internet (e-serviços públicos). Por fim, ainda podem permitir
uma melhora na relação democrática entre cidadão e Estado (e-democracia).

Dentro desse escopo, percebe-se que a TIC, através de sistemas informatizados ou novos
equipamentos, tem permitido melhoras significativas no desempenho das administrações
públicas

[...] em relação à ‘capacidade organizacional’ mais geral do governo, os sistemas de


informação têm desempenhado um papel importante na substituição de partes da
burocracia governamental; as organizações governamentais no início do século XXI
podem processar mais transações com maior rapidez e menos pessoal que antes da
introdução dos computadores. (MARGETTS, 2010, p. 357).

Estados pioneiros investiram fortemente na informatização e no governo eletrônico


para automatizar a folha de pagamento e diminuir os gastos com os processos de compras
governamentais, o que possibilitou a diminuição do desperdício por toda a administração
pública. Assim, as novidades na área de compras eletrônicas colocaram os governos estaduais
na dianteira desse processo em relação à União (ABRUCIO; GAETANI, 2006, p. 6).

Como exemplo da aplicação das ferramentas de TIC na área de compras públicas, temos
a Bolsa Eletrônica de Compras (BEC) do estado de São Paulo. Para conhecer melhor esta
ferramenta, acesse o link disponível na Midiateca da disciplina.

Outro ponto que merece observação é a estrutura de cada organização pública cujo
funcionamento é afetado pela Nova Administração Pública em diferentes dimensões, quais
sejam: Especialização, Coordenação, Centralização/Descentralização (quais funções devem
ser centralizadas e quais devem ser descentralizadas) e Escala (qual é o melhor tamanho para
as organizações públicas?) (POLLITT; BOUCKAERT, 2011, p. 97 apud RODRIGUES, 2015, p. 42).

Nesse sentido, as organizações precisam considerar o limite da especialização de cada

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órgão, pois, dependendo da situação, temos que múltiplas funções podem dificultar a boa
execução delas. Por outro lado, a especialização pode gerar a criação de muitos órgãos
públicos, o que dificultará a coordenação. A forma de coordenação, pensando nos níveis
e quantidades de órgãos, deve ser analisada visando compor quais atividades devem ser
descentralizadas (para órgãos da administração indireta ou para o setor privado) e quais
devem ficar centralizadas na administração direta.

Por último temos a escala, que traduz a reflexão sobre qual deve ser o tamanho ideal
para as organizações, pensando em departamentos, possibilidade de divisão em regionais,
funcionários, entre outros. Assim, podemos ter organogramas mais achatados (poucos níveis)
ou alongados (muito níveis hierárquicos).

Outro fator que tem tomado a atenção das administrações públicas é a forma como
se relacionam com os funcionários, ou seja, a gestão dos recursos humanos. Em algumas
situações, até por conta de restrições orçamentárias e financeiras do Estado, os governos
têm procurado diminuir os gastos com pessoal através de downsizing (diminuição do quadro
de funcionários), de corte de benefícios ou aumento da idade para aposentadoria (POLLITT;
BOUCKAERT, 2011 apud RODRIGUES, 2015, p. 40).

Todavia, as organizações empreendedoras procuram, a partir do adequado treinamento,


capacitação e devida retribuição financeira aos funcionários, atingir os objetivos a que se
propõem. Osborne e Gaebler (1998, p. 300) ressaltam que essas empresas “[...] pagam bem
a seus funcionários e se esforçam no sentido de melhorar a qualidade de seus ambientes de
trabalho, além de investir alto em treinamento”.

Assim, remunerar de forma adequada os funcionários e investir em capacitação são


importantes para que os objetivos das organizações públicas sejam atingidos, pois, caso
contrário, podem ter grandes dificuldades com a otimização dos seus serviços. Nessa linha,
de acordo com Amaral e Pinto (2009, p. 270 apud RODRIGUES, 2015, p. 41), “[...] se as
pessoas não estão conscientes de seu papel profissional, satisfeitas, motivadas, competentes,
cooperativas, alinhadas e comprometidas com o objetivo e as metas, o investimento financeiro
e tecnológico poderá ser comprometido”.

Um dos pontos que mais se sobressaíram durante a reforma gerencialista é o foco


na eficiência dentro de uma visão de melhoria dos processos, procurando diminuir fases
desnecessárias (desburocratização), como repensar os processos com foco na respectiva
da diminuição dos custos, em que a “[...] máxima ‘fazer mais com menos’ parece, muitas
vezes, a palavra de ordem para os novos administradores públicos” (RODRIGUES, 2015, p.
29). Todavia, uma preocupação que deve permear as análises dos gestores públicos é que a
incessante busca por eficiência pode trazer divergências quanto aos objetivos maiores dos
governos, que é o interesse público. Este é um dos pontos críticos que diferem as empresas
privadas das organizações públicas.

Dentro desse contexto, nós temos que as experiências procuram “[...] aproximar o governo

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

do cidadão na região onde ele vive; reconhecer o cidadão como sujeito de direitos - não
como objeto de atuação; identificar os problemas e dar soluções integradas a necessidades e
expectativas do cidadão” (JUNQUEIRA, 1998, p. 15).

Para facilitar a compreensão dos principais pontos que foram debatidos nesta aula,
formulamos o quadro-síntese abaixo.

Quadro 1 – Princípios e instrumentos das reformas da gestão pública para os níveis subnacionais

PRINCÍPIOS:
• DESCENTRALIZAÇÃO (para os níveis subnacionais);
• EFICIÊNCIA;
• PARTICIPAÇÃO SOCIAL;
• QUALIDADE DOS SERVIÇOS (FOCO NO CIDADÃO);
• FOCO NO RESULTADO;
• TRANSPARÊNCIA E RESPONSABILIZAÇÃO.

INSTRUMENTOS
• TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO;
• GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS;
• ESTRUTURA ORGANIZACIONAL.

Considerações finais
Nesta aula procuramos compreender as novas orientações para a administração pública
brasileira, com foco nos níveis subnacionais decorrentes das reformas que ocorreram
ao longo das últimas décadas, principalmente relacionadas às práticas gerencialistas e de
governança. Assim, foi possível verificar que, primeiramente, houve uma descentralização,
com o empoderamento dos níveis subnacionais, e, a partir de então, novos valores foram
colocados como importantes nesse processo de reforma.

Novos princípios foram propostos, o que obrigou os respectivos governos a trabalharem


no sentido de atender de forma mais efetiva às necessidades da sociedade e, para tal,
também foram utilizados alguns instrumentos para se atingir esses novos objetivos, como
a utilização de ferramentas de TIC, uma maior preocupação com os funcionários e com a
estrutura organizacional, tudo isto focando no atendimento dos novos preceitos.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Referências
ABRUCIO, Luiz Fernando. Desafios contemporâneos para a reforma da administração pública
brasileira. In: PETERS, Guy B.; PIERRE, Jon (Orgs.). Administração pública: coletânea. São Paulo:
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______. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração


pública à luz da experiência internacional recente. In: PEREIRA, L. C. B.; SPINK, P. K. (Orgs.).
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públicas? Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 11 n. 31. São Paulo, 1996. Disponível em:
<http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_31/rbcs31_03.htm>. Acesso em: 29
out. 2015.

BRUDEKI, N. M.; BERNARDI, J. Gestão de serviços públicos municipais. Curitiba: Editora


Intersaberes, 2013.

CUNHA, Maria Alexandra; MIRANDA, P. R. M. O Uso de TIC pelos Governos: uma proposta de
agenda de pesquisa a partir da produção acadêmica e da prática nacional. Organizações &
Sociedade (Impresso), v. 66, p. 543-566, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S1984-92302013000300010&lng=pt&nrm=iso&tlng=en>. Acesso
em: 5 jul. 2015.

GLADE, William. A complementaridade entre a reestruturação econômica e a reconstrução do


Estado na América Latina. In: PEREIRA, L. C. B.; SPINK, P. K. (Orgs.). Reforma do estado e a
administração pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 123-140.

HEINRICH, Carolyn J. Como avaliar o desempenho e a efetividade do setor público. In: PETERS, B.
Guy; PIERRE, Jon (Orgs.). Administração Pública: Coletânea. São Paulo: Editora UNESP; Brasília,
DF: ENAP, 2010. p. 53-75.

IBAÑEZ, Nelson; NETO, Gonzalo V. Modelos de gestão e o SUS. Ciênc. Saúde Coletiva, vol. 12.
Rio de Janeiro, 2007: 1831-1840. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
81232007000700006&script=sci_arttext>. Acesso em: 29 out. 2015.

JUNQUEIRA, Luciano Antonio Prates. Descentralização e Intersetorialidade: a construção de um


modelo municipal. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro (2); 11-22. mar./abr. 1998.

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PEREIRA. Luis Carlos B. Da administração pública à gerencial. In: PEREIRA, L. C. B.; SPINK, P. K.
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

PEREIRA, Luis Carlos Bresser; SPINK, Peter (Orgs.). Reforma do estado e a administração
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RODRIGUES, Dênis Alves. A nova agenda da gestão pública brasileira: estudo de caso do
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de Pós-Graduação de Gestão de Políticas Públicas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
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SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de


Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 43, 2009. p. 347-369.

SILVA, Virgílio. Federalismo e articulação de competências no Brasil. In: PETERS, Guy B.; PIERRE,
Jon (Orgs.). Administração pública: coletânea. São Paulo: UNESP; Brasília, DF: ENAP, 2010. p.
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SPINK, Peter Kevin et al. Governo local: o mito da descentralização e as novas práticas de
governança.

Revista de Administração Pública, São Paulo, v. 34, n. 1, p.61-69, janeiro/março, 1999.

VERONESE, Alexandre. Estudo de caso (gov. federal): A busca de um novo modelo de gestão
para a ciência, tecnologia e inovação na política do MCT (1995-2002). Revista de Administração
Pública, Rio de Janeiro 40(1): 107-25, jan./fev., 2006.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 10
GESPÚBLICA e SIORG

Objetivos Específicos
• Conhecer o programa GESPÚBLICA, avaliando os limites, desafios e
potencialidades do Modelo de Excelência em Gestão Pública.
• Conhecer a estrutura do Sistema de Organização e Inovação Institucional do
Governo Federal e as funcionalidades do sistema.

Temas
Introdução
1 Contexto
2 O GESPÚBLICA
3 SIORG
Considerações finais
Referências

Professor Autor
Dênis Alves Rodrigues
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Conhecendo as teorias que envolveram a administração pública nos níveis federais,
estaduais e municipais, focaremos, nesta a aula, o processo de implementação e as
características do Programa GESPÚBLICA, destacando as principais práticas inovadoras e seu
impacto na melhoria da gestão das organizações públicas.

O citado programa está vinculado ao Governo Federal, especificamente à Secretaria de


Gestão Pública (SEGEP), do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e tem procurado
divulgar as referências em termos de qualidade e bons resultados para a administração,
reforçando valores democráticos ao focar nas pessoas para melhorarem o seu desempenho.

Também falaremos sobre o Sistema de Informações Organizacionais (SIORG) cujo objetivo


é organizar e dar publicidade às informações sobre a administração pública federal.

A importância de conhecer Benchmarking, por parte dos gestores públicos, é poder


analisar cada realidade e pensar nas ferramentas administrativas que poderão utilizar para
obter os melhores resultados possíveis. Boa leitura!

1 Contexto
Nas últimas décadas, a administração pública tem recebido uma atenção muito grande
pelo mundo. Apareceram modelos, e suas variações nacionais, procurando contribuir para
que os governos tenham melhores desempenhos. Essas correntes ficaram conhecidas como
Nova Administração Pública e Governança Pública (SECCHI, 2009) e, embora não sejam
unanimidades, várias de suas práticas e metodologias são utilizadas pelos governos em todo
o mundo.

Especificamente no Brasil, estamos vivendo uma reforma que teve início em meados
da década de 1990, cujo escopo era a transformação dos modelos de administração pública
dos governos, passando do modelo burocrático para o gerencial (BRESSER-PEREIRA, 2006).
Dentro disto, pensou-se em várias ações que pudessem fazer com que os órgãos públicos
apresentassem melhor desempenho, por meio da desburocratização, maior eficiência,
planejamento e foco no cidadão, que foram e são estratégicas nesse processo.

Essas mudanças trouxeram vários impactos para os governos, pois muitos conceitos e
ferramentas das empresas privadas foram trazidos para o seio da organização pública, como
o foco em eficiência, reengenharia de processos, programas de qualidade e monitoramento
de resultados, que também foram uma das novas diretrizes e ferramentas utilizadas.

Para que essas mudanças fossem adequadamente absorvidas, e também procurando


colaborar para a assimilação das novas práticas e ferramentas do modelo Gerencialista, como
ficou conhecido no Brasil, os níveis de governo criaram órgãos ou programas que pudessem
ser facilitadores nesse processo. Assim, como exemplo, foi criado o programa GESPÚBLICA do
governo federal, no qual, dentre suas diretrizes, está o apoio à melhoria do desempenho dos
governos no Brasil, principalmente no nível federal.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

2 O GESPÚBLICA
Dentro desse contexto de efervescência da administração pública, temos a criação
do Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (GESPÚBLICA), que é um
programa do governo federal vinculado à Secretaria de Gestão Pública (SEGEP), do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão, o qual procura ser referência em sua área e apoiar os
demais órgãos públicos da esfera federal e dos governos subnacionais a serem inovadores e
auxiliarem na implantação de boas práticas de gestão pública e, por conseguinte, atingirem
melhores resultados.

Temos como início do programa GESPÚBLICA o:

Programa Nacional de Desburocratização, criado em 1979 por Helio Beltrão, e


retomado em 2000, explicitou a necessidade de o Estado combater os excessos
das exigências formais, muitas vezes, desnecessárias que atrasam ou muitas vezes
impedem os cidadãos de receberem serviços e terem seus direitos garantidos.
(GESPÚBLICA, 2015).

Qual a importância de programas como o GESPÚBLICA para a administração pública?

Podemos inferir que o programa em questão está vinculadoàs práticas da Administração


Pública Gerencial em que, entre outros casos, procurou-se trazer muitas ferramentas e valores
da administração de empresas, com as devidas adaptações às realidades dos governos,
considerando, principalmente, que a administração pública visa o bem comum, e não o lucro.

O GESPÚBLICA tem uma preocupação com alguns valores, entre eles a qualidade. No
âmbito da administração, ou administração pública, podemos definir a qualidade como a
procura pelo modo certo, o que está vinculado ao processo (como fazer a coisa certa) e ao
resultado (LIMA, 2007).

2.1 Análise de processos


Um dos focos de ação do programa é a qualidade, e a forma de melhor colaborar com
o seu desenvolvimento é trabalhando o processo, ou melhor, contribuir para que os órgãos
dos níveis da federação (União, estados e municípios) tenham a capacidade de analisar sua
própria situação, fazendo um diagnóstico e utilizando alguma metodologia para desenhar
um novo processo, por exemplo, através de um fluxograma que seja mais simples, eficaz,
efetivo e focado no cidadão, contribuindo com essa questão e dando um passo grande para
a qualidade.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Figura 1 – Modelo de fluxograma

Essas ações de racionalização de processos estão alinhadas com o modelo Gerencialista,


que prevê o “[...] redesenho radical dos procedimentos de trabalho com vistas a assegurar
que os usuários ou consumidores encontrem o que procuram” (KETTL, 2006, p. 84).

Considerando, portanto, a importância de auxiliar os demais órgãos da administração


pública a modelarem processos de forma mais simples, o:

Guia ‘D’ Simplificação Administrativa foi elaborado para auxiliar qualquer organização
pública interessada em simplificar seus processos e normas, eliminando exigências
de rotinas que geram fluxos desconexos na tramitação de documentos que não
agregam valor ao serviço prestado pela organização e, por consequência, pelo Estado.
(GESPÚBLICA, 2015).

Uma das formas, oferecidas pelo programa GESPÚBLICA, de contribuir para a


desburocratização é a implementação por cada órgão governamental de seu Guia “D”
Simplificação, com ferramentas que ajudam os gestores públicos a simplificarem os processos
e as estruturas de cada órgão público. Para ter acesso ao guia, acesse a Midiateca da disciplina.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

A metodologia desenvolvida pelo GESPÚBLICA, focada em simplificação e otimização de


processos, está dividida em quatro fases que permitem o sucesso de sua utilização, quando
devidamente observadas:

1. Planejamento da Simplificação;

2. Mapeamento do Processo;

3. Análise e Melhoria dos Processos;

4. Implementação das Melhorias.

Figura 2 – Simplificação administrativa

Simplificação Administrativa
da simplificação
Planejamento

Pré-requisitos da
Elaboração do Mapeamento
simplificação
plano de trabalho do Processo
administrativa
Mapeamento
do processo

Levantamento Identificação dos Desenho dos Análise e


das etapas e elementos do fluxogramas melhoria
normas processo atuais do processo
dos processos

Sistema de
Análise e
melhoria

Árvore de Modelagem do Implementação


medição de
soluções processo das melhorias
desempenho
Implementação
das melhorias

Proposta de Implementação
Fim
simplificação no novo processo

Painel de Bordo
- Resultados: Equipe “d” formada e capacitada para a implementação do Guia e Órgão mobilizado

Fonte: GESPÚBLICA (2015).

A primeira etapa “Planejamento da Simplificação” é subdividida em três partes, conforme


proposta do GESPÚBLICA (2015). Na primeira (Composição da Equipe “d”), deve-se montar
a equipe de colaboradores (funcionários) que trabalharão no projeto de simplificação. Na
segunda parte (Capacitação da Equipe “d”), deve-se realizar o treinamento ou capacitação dos
membros da equipe “d” para que possam realizar as atividades no manual de simplificação. E,
por último, a parte três (Mobilização da Organização), que está relacionada à necessidade de

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

dar publicidade ao programa e, ao mesmo tempo, mobilizar os funcionários (colaboradores)


para que participem do projeto.

A segunda etapa (Mapeamento do Processo) sugere a necessidade de se mapear os


processos que serão simplificados e, ao final, verificar os pontos que podem ser melhorados.

Na terceira etapa, com a ajuda da “Árvore de Soluções”, são desenvolvidas propostas


de novos fluxos e desenhos para os processos complexos e com gargalos identificados pela
organização pública. A “Árvore de Soluções” consiste na identificação dos principais problemas
que afetam um determinado processo de trabalho, com o respectivo encaminhamento para
sua solução (GESPÚBLICA, 2015).

Na quarta fase (Implementação das Melhorias), é importante a validação dos processos


simplificados, com seus novos fluxos e a realização de um novo manual com o desenho e
as principais informações, construindo-se um planejamento para a implementação do novo
fluxo, no qual serão considerados os funcionários que serão atingidos pela nova medida e
eventuais impactos para os cidadãos. Dessa forma, é possível minimizar os impactos negativos
no período de transição entre as formas de execução dos processos, considerando os novos
procedimentos.

Como uma das formas de contribuir para a melhoria dos desempenhos das organizações
públicas, o programa GESPÚBLICA oferece cursos, alguns deles disponíveis na modalidade
EAD e que podem ser acessados por qualquer cidadão. Para acompanhar os vídeos, acesse a
Midiateca da disciplina.

A metodologia desenvolvida pelo GESPÚBLICA permite que se tenha um “retrato” da


atual forma de executar o procedimento até chegar ao novo modelo, que trará benefícios
como a diminuição de tempo para executá-lo e economia; com isto, o “como fazer” será
melhorado.

2.2 Indicadores e resultados


Continuando com as práticas que procuram colaborar para a melhoria do desempenho
das organizações públicas, há o Guia Referencial para Medição de Desempenho e o Manual
para Construção de Indicadores, ambos desenvolvidos pelo Programa GESPÚBLICA.

Embora a revisão de processos seja muito importante, os órgãos públicos precisam fazer
o monitoramento de suas atividades e, para tal, é relevante a criação de uma metodologia
de mensuração a partir da constituição de indicadores, para que ela realmente permita que
surtam os efeitos desejados.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

O GESPÚBLICA contribui, através da criação de um guia, para auxiliar no desenvolvimento


de indicadores e da criação de uma organização com foco nos resultados. Para acompanhar as
informações do guia, acesse a Midiateca da disciplina.

Nesse sentido, o GESPÚBLICA (2015) criou o Guia referencial para medição de


desempenho e manual para construção de indicadores, pois:

Avaliar a gestão de uma organização pública significa verificar o grau de aderência


de seus processos gerenciais em relação ao Modelo de Excelência em Gestão
Pública, referencial do Programa Nacional da Gestão Pública e Desburocratização -
GESPÚBLICA. (GESPÚBLICA, 2015).

Nesse sentido, o Programa apoia as organizações dentro do escopo que concebe como
adequado e inovador, que vai, portanto, auxiliar as demais organizações públicas a melhorarem
seus resultados, acompanhando o respectivo desempenho. Veja a figura a seguir.

Figura 3 – Os dez passos

1 2 3 4 5

Identificação do nível, Validação preliminar Construção de fórmulas,


Estabelecimento de Definição de
dimensão, subdimensão dos indicadores com estabelecimento de
indicadores responsáveis
e objetos de mensuração as partes interessadas metas e notas

6 7 8 9 10

Ponderação e validação
Geração de sistema Mensuração do Análise e interpretação Comunicação do
final dos indicadores
de coleta de dados desempenho dos indicadores desempenho
com as partes

De maneira geral, essa metodologia prevê a definição sobre o que deve ser mensurado
dentro da organização, após isto, devem ser estabelecidos os indicadores e sua validação com
as áreas e setores interessados. Depois, é necessário esclarecer melhor o indicador, definindo
forma de cálculo e as metas que serão buscadas pela organização. Também é necessário
estabelecer os gestores responsáveis pelos indicadores e a forma que será efetuada a coleta
de dados (sistemas, datas, períodos, regras, entre outros).

Será possível, então, ao gestor, estabelecer metas factíveis e reconhecidas por toda a
organização, o que facilita sua implantação e reconhecimento pelos colaboradores, que irão
contribuir para o atingimento das metas.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

2.3 Outras ferramentas do GESPÚLICA


Dentre as diversas ferramentas de gestão disponibilizadas pelo GESPÚBLICA, destaca-se a
carta de serviços ao cidadão, que procura trazê-lo ao centro do processo, dando informações
importantes sobre os serviços prestados pelos órgãos, que é uma ação de transparência e
accountability (SPINK, 2006), ao se preocupar em definir padrões de metas que podem ser
cobrados pela população.

Outra ação importante que foi realizada pelo GESPÚBLICA é o apoio para que os estados
possam elaborar o respectivo orçamento e que este esteja vinculado a um planejamento,
com base no diagnóstico de cada realidade e cujo material encontra-se disponível no site
eletrônico do GESPÚBLICA.

O GESPÚBLICA disponibiliza cursos nos formatos presencial, semipresencial e no formato a


distância. A consulta dos cursos disponíveis pode ser feita por meio da Midiateca da disciplina.

Por último, destacamos o desenvolvimento de uma das ferramentas do GESPÚBLICA:


o Sistema Eletrônico de Autoavaliação da Gestão. Ele é importante por permitir que as
organizações públicas verifiquem em quais áreas estão bem desenvolvidas, sendo seu ponto
forte. Por outro lado, também permitirá que a organização pública identifique os pontos nos
quais precisa melhorar. Importante frisar a necessidade de o órgão cuidar de seu processo de
avaliação e fazer disto uma fonte interessante de aprendizado sobre a própria organização.

Para o programa esse processo é fundamental, pois

Avaliar a gestão de uma organização pública significa verificar o grau de aderência


de seus processos gerenciais em relação ao Modelo de Excelência em Gestão
Pública, referencial do Programa Nacional da Gestão Pública e Desburocratização –
GESPÚBLICA. (GESPÚBLICA, 2015).

3 SIORG
O SIORG é o Sistema de Informações Organizacionais do governo federal e está vinculado
ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Seus principais objetivos são (SIORG,
2015):

1. modernizar os Sistemas de Informações Organizacionais da APF (Administração


Pública Federal);

2. majorar a transparência da estrutura organizacional da APF para a sociedade;

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

3. agilizar e tornar mais confiáveis as informações, proporcionando ao administrar


melhor acompanhamento das políticas e diretrizes definidas pelo governo federal,
contribuindo para o processo de reforma do Estado;

4. recuperar, em tempo real, o histórico das estruturas organizacionais do Estado.

Para atingir esses objetivos, o SIORG disponibiliza informações do Governo federal, como
o organograma dos órgãos públicos, a lista de órgãos e estruturas, bem como a tabela de
remuneração de cargos comissionados.

É importante perceber que a preocupação desse programa é dar transparência à estrutura


organizacional do governo federal, o que permite aos cidadãos conhecer e entender como é
a estrutura federal.

Figura 4 – Dados abertos

Embora seja um modelo incipiente de dados abertos, mostra uma pré-disposição nesse
sentido.

Considerações finais
Nesta aula verificamos como, na prática, os governos têm procurado se adaptar aos
novos modelos de administração pública, como o modelo Gerencialista.

É importante perceber a importância do Programa GESPÚBLICA, que, por um lado,


propõe-se a definir metodologias e ferramentas que possam contribuir para que os órgãos
públicos federais, estaduais e municipais atinjam melhores resultados, não só em termos de
eficiência e efetividade, mas em termos democráticos também, ao priorizar o cidadão em
suas atividades.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Para além da definição de metodologias, percebe-se que o GESPÚBLICA se preocupa em


auxiliar os órgãos oferecendo guias, manuais, treinamentos e capacitações que permitam
que os órgãos criem dentro de si as capacidades necessárias para desenvolverem os
projetos, como o de simplificação de processos ou o desenvolvimento de indicadores e o
acompanhamento dos resultados.

Por outro lado, o sistema SIORG tem uma proposta mais focada, e nem por isso menos
importante, de facilitar o acesso dos cidadãos às suas estruturas, organogramas e tabelas de
remuneração, que visam melhorar a transparência do governo federal e também permitir
maior controle pela população.

Referências
ABRUCIO, Luiz Fernando. Desafios contemporâneos para a reforma da administração pública
brasileira. In: PETERS, Guy B.; PIERRE, Jon (Orgs.). Administração pública: coletânea. São Paulo:
UNESP; Brasília, DF: ENAP, 2010. p. 537-548.

______. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração


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ARRETCHE, Marta T. S. Mitos da descentralização: mais democracia e eficiência nas políticas


públicas? Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 11, n. 31. São Paulo, 1996. Disponível em:
<http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_31/rbcs31_03.htm>. Acesso em: 29
out. 2015.

BRASIL. Ministério do Planejamento. Gespública. Documentos Referenciais. 2015. Disponível


em: <http://www.gespublica.gov.br/>. Acesso em: 12 ago. 2015.

______. Sistema de Informações Organizacionais (SIORG). Apresentação. 2015. Disponível em:


<https://siorg.planejamento.gov.br/siorg-cidadao-webapp/apresentacao.jsf>. Acesso em: 13
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BRESSER-PEREIRA. Luis Carlos. Da administração pública à gerencial. In: PEREIRA, L. C. B.; SPINK,
P. K. (Orgs.). Reforma do estado e a administração pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
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BRESSER-PEREIRA, L. C. B.; SPINK, P. K. (Orgs.). Reforma do estado e a administração pública


gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

BRUDEKI, N. M.; BERNARDI, J. Gestão de serviços públicos municipais. Curitiba: Editora


Intersaberes, 2013.

KETTL, Donald F. A revolução global: reforma da administração do setor público. In: PEREIRA,
L. C. B.; SPINK, P. K. (Orgs.). Reforma do estado e a administração pública gerencial. Rio de
Janeiro: FGV, 2006. p. 75-121.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

LIMA, P. D. B. Excelência em gestão pública: a trajetória e a estratégia do gespública. Rio de


Janeiro: Qualitymark, 2007.

PETERS, Guy B.; PIERRE, Jon (Orgs.). Administração pública: coletânea. São Paulo: UNESP;
Brasília, DF: ENAP,2010.

RODRIGUES, Dênis Alves. A nova agenda da gestão pública brasileira: estudo de caso do
Detran-SP. 2015. 121 f. Dissertação (Mestrado em Gestão de Políticas Públicas) – Programa de
Pós-Graduação de Gestão de Políticas Públicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/100/100138/tde-31032015-
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SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de


Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 43, 2009, p. 347-369.

SPINK, Peter. Possibilidades técnicas e imperativos políticos em 70 anos de reforma


administrativa. In: PEREIRA, L. C. B.; SPINK, P. K. (Orgs.). Reforma do estado e a administração
pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 141-172.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 11
As Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP)

Objetivos Específicos
• Conhecer o formato organizacional e normas que regem as Organizações
Sociais e as OSCIPs; e principalmente, suas potencialidades e limites para a
gestão pública brasileira, por meio da análise de casos concretos.

Temas

Introdução
1 A reforma gerencial e a criação das OSs e OSCIPs
2 Descentralizando as atividades estatais: OS e OSCIP
3 Utilização dos modelos de OS e OSCIP pelos estados brasileiros
Considerações finais
Referências

Professor Autor
Dênis Alves Rodrigues
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Nesta aula, vamos conversar sobre as Organizações Sociais (OS) e as Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Estas estruturas estão alinhadas com as
mudanças que foram propostas a partir de 1995, cujo marco foi o Plano Diretor da Reforma
do Estado do MARE, proposto pelo, então ministro, Bresser-Pereira.

O contexto desta implantação nos remete ao momento em que o Estado estava focado
em diminuir os gastos públicos e, assim, tentando equilibrar as contas fiscais para que, em um
segundo momento, pudesse voltar a aumentar seus investimentos.

Além disto, estas ações estavam amparadas pelo modelo que então se tornava
preponderante, pelo menos enquanto foco de mudanças e ação, que era a Nova Administração
Pública ou modelo Gerencialista, como ficou mais conhecido no Brasil.

Dentro deste contexto, as OSs e OSCIPs aparecem como uma forma de descentralizar
alguns serviços, repassando sua execução para organizações da sociedade civil, procurando,
por um lado, dar maior agilidade na resposta às demandas públicas, pelo fato de tais
organizações não estarem vinculadas totalmente à burocracia e, por outro, um ajuste de
contas por não precisar contratar (concurso público) funcionários para efetivar estes serviços,
inclusive com uma visão de futuro pensando na economia em termos de previdência do
funcionalismo público.

Estas propostas ainda são utilizadas e trazem impactos interessantes e, ainda hoje, são
objeto de pesquisa procurando melhorar o controle e entender seu funcionamento de forma
setorial. Boa leitura!

1 A reforma gerencial e a criação das OSs e OSCIPs


Em meados da década de 1990, o Brasil viveu mudanças profundas em termos de
reformas administrativas. O modelo até então vigente, o burocrático, não conseguia atender
aos anseios da sociedade e nem conseguia propor respostas rápidas aos problemas que
surgiam (relativos aos setores sociais e empresariais, cada vez mais complexos), passando a
ser duramente criticado (SECCHI, 2009).

Assim, um modelo que já estava em discussão em outros países (New Public Management),
como nos EUA (OSBORE; GAEBLER, 1998 apud RODRIGUES, 2015), passa a ser pensado
também no Brasil, abrindo espaço para um novo modelo que ficou conhecido como modelo
Gerencialista.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Dentro deste contexto, no âmbito do Programa do Ministério da Administração Federal


e Reforma do Estado (MARE), tem-se o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, que
foi importante e se tornou um marco neste processo de reforma do Estado brasileiro. Para
conhecê-lo em detalhe, acesse o link disponível na Midiateca da disciplina.

O novo modelo propunha, em linhas gerais, tornar o Estado mais gerenciável, trazendo
práticas da administração de empresas, que deveriam ser adaptadas, e procurando
descentralizar e terceirizar (para o mercado privado ou para organizações da sociedade civil)
parte de suas atividades. Estas ideias, que recebem muitas críticas dado à sua ideologia
neoliberal, procuravam “desinchar” o Estado (SCHMIDT, 2007). Ou seja, procuravam, entre
outras práticas, repassar parte de suas atividades para o mercado privado e, a partir de
então, caberia ao Estado monitorar as empresas ou instituições privadas que recebessem a
incumbência de executar determinado serviço público.

Dentro deste contexto nascem as formas jurídicas das Organizações Sociais (OS) e as
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), integrantes do terceiro setor,
entre outros motivos, por não visarem ao lucro e por terem como objetivo o interesse público,
passando a receber do Estado a responsabilidade pela prestação de determinado serviço à
população dentro de um contexto de descentralização de serviços e diminuição do tamanho
do Estado, evidentemente mediante pagamento pelos contratantes (os governos).

As Organizações Sociais foram regulamentadas pela Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Já


as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) foram criadas e regulamentadas
pela Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999. Para consultá-las, acesse os links disponíveis na
Midiateca da disciplina.

Figura 1 – Lógica da descentralização dos serviços via OS e OSCIP

Sociedade

Organização Social OSCIP


(Mais Flexível) (Mais Flexível)

Estado
(Burocrático)

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Considerando todo o contexto de reforma, como será que esta ideia de descentralização
via OS e OSCIP foi recebida? A sua utilização se deu da mesma forma por todos os estados, por
exemplo?

É importante mencionarmos, para compreender o processo de implantação deste novo


arranjo institucional, que a lei que criou e regulamentou as OSs foi questionada (Ação Direta
de Inconstitucionalidade – ADIN) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), pelos partidos do
PT e do PDT, partidos políticos de esquerda contrários à agenda neoliberal que compunham a
oposição ao governo à época (PSDB). A referida ADIN foi julgada em abril/2015.

Entre os principais questionamentos feitos na ADIN, estavam:

• Ofensa aos deveres de prestação de serviços públicos diretamente pelo Estado,


para o qual o STF entendeu que não havia problemas, como tantos outros serviços
terceirizados e supervisionados pelo poder público;

• Descumprimento do dever de licitação, para o qual o STF entendeu que o afastamento


da licitação não exime da observância dos princípios constitucionais, de modo que a
contratação direta deve observar critérios objetivos e impessoais, com publicidade
de forma a permitir o acesso a todos os interessados;

• Ofensa aos princípios da legalidade e do concurso público na gestão de pessoal, para


o qual o STF entendeu que a seleção de pessoal pelas Organizações Sociais deve ser
conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do
caput do art. 37 da Constituição Federal, e nos termos do regulamento próprio a ser
editado por cada entidade;

• Insubmissão a controles externos, para qual o STF afastou qualquer interpretação


que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo respectivo Tribunal de Contas,
da aplicação de verbas públicas.

Enquanto a ADIN nº 1.923 tramitava, a legislação foi sendo recepcionada de diferentes


formas por cada estado brasileiro, pois cada
[...] unidade da federação que adotou modelo de parceria com o terceiro setor
construiu seu próprio modelo, a partir da legislação federal inicial e com as adaptações
e os aperfeiçoamentos que melhor se adequavam às suas respectivas realidades.
(ALCOFORADO, 2010, p. 48).

É possível supor que o julgamento do STF tenha sido influenciado pela disseminação
e resultados positivos das OSs nos estados brasileiros, havendo relativo sucesso, desde sua
criação em 1995 até a decisão proferida em abril de 2015.

Assim, compreendendo os motivos que levaram a criação destas novas formas jurídicas
e os principais questionamentos que apareceram, é importante destacar que as OSs
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

possibilitaram novas formas de relacionamento com a sociedade civil e com o setor privado
(FARAH, 2001, p. 9 apud FERRAREZI, 2007, p. 63), não se tratando de mera terceirização dos
serviços públicos deslocados para entes privados. Desta forma, passaremos a debater mais
detalhadamente esta nova relação.

2 Descentralizando as atividades estatais: OS e OSCIP


Primeiramente, faz-se necessário identificar as principais características destas novas
formas de organizações da sociedade civil, integrantes do terceiro setor, pois elas: são
estruturadas (possuem alguma organização institucional); são autoadministradas; privadas
(não pertencem à estrutura do Estado); não realizam distribuição de lucros entre sócios ou
membros; e há adesão voluntária dos indivíduos nas atividades (SALAMON; ANHEIER apud
FERRAREZI, 2007, p. 108).

Desta forma, as organizações em questão possuem um organograma, dividindo seus


setores e departamentos, bem como as respectivas responsabilidades; são autogeridas, não
sendo vinculadas a outra empresa privada, por exemplo, e estão no âmbito privado, portanto,
não estão vinculadas hierarquicamente às estruturas do Estado; não visam ao lucro, razão
pela qual não há distribuição de lucro entre os sócios.

Estas organizações são chamadas a ocupar um espaço, uma lacuna, que o Estado não
estava mais conseguindo ocupar de forma adequada. A sobrecarga de demandas e funções
atribuídas ao Estado pode ser explicada, em parte, pela promulgação da Constituição Federal
de 1988, que expandiu o rol de direitos e garantias sociais, especialmente nas áreas da cultura,
saúde, educação, assistência social, dentre outras.

Tais demandas necessitavam ser asseguradas, porém, em um contexto de contenção


de despesas e de controle do crescimento do quadro de funcionários públicos, motivo pelo
qual foram criados no Brasil, inspirados em modelos utilizados em outros países, tais como
Estados Unidos e Inglaterra (SCHMIDT, 2007), os novos formatos institucionais, quais sejam:
OS e OSCIP.

Estas novas organizações são habilitadas, após comprovação de requisitos predeterminados,


a firmar parcerias com a administração pública para realização de atividades públicas não
estatais específicas, pois, presumidamente, o fariam com maior eficiência (SCHMIDT, 2007),
especialmente por não estarem vinculadas diretamente aos controles oriundos do modelo
burocrático, podendo simplificar os regimes de contratações de funcionários, que o Estado
o faz mediante concurso público, e compras, onde precisa seguir a lei de licitações (Lei nº
8.666, de 21 de junho de 1993).

Desta forma, o Estado poderia repassar verbas para instituições privadas, sem fins
lucrativos, e estas, que são mais flexíveis em termos administrativos e gerenciais, deveriam
dar respostas mais rápidas e efetivas às demandas sociais da população.
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

2.1 Organização Social (OS)


Ao criar as OSs, a proposta era repassar do Estado para entidades da sociedade civil a
provisão de serviços não exclusivos, a gestão de equipamentos sociais (como os equipamentos
de hospitais). Desta forma, caberia à máquina estatal a regulação e o financiamento básico
desse processo (e setor) e as OSs perseguiriam objetivos como: maior flexibilidade, autonomia
e aumento do controle social, inclusive através de clara definição dos termos das parcerias e
de indicadores para acompanhar o desempenho.

Dentro deste contexto, em 1997, o governo federal criou nove OSs, através da Medida
Provisória nº 1.591, de 9 de outubro de 1997, que posteriormente foi regulamentada na Lei
nº 9.637/1998.

Em seu artigo primeiro, a referida lei delimita o escopo de atuação e explicita que as
referidas OSs não podem ter fins lucrativos.

Art. 1º O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas
de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à
pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do
meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.
(BRASIL, 1998, grifo do autor).

A lei em questão pretendeu limitar a área de atuação das OSs, por um lado, evitando
um total esvaziamento do Estado, com um possível excesso da utilização desta modalidade e,
por outro, privilegiando as áreas que não precisam, necessariamente, serem executadas pelo
Estado, mas que, ao mesmo tempo, têm uma relevância social.

A lei traz consigo a necessidade de regulamentação pelos entes federados que se utilizam
desta modalidade de parceria, ao informar que precisarão qualificar determinada instituição
como OS, a partir do cumprimento de determinados requisitos.

Outro ponto importante que a legislação traz é a necessidade de um “contrato de gestão”


onde sejam discriminadas as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público
e da Organização Social, permitindo, desta forma, um controle pelo poder público e pela
sociedade de uma forma geral, a partir do estabelecimento de metas sobre o que deve ser
realizado pela OS e qual a contrapartida do poder público. Este documento estabelece metas,
formas de remuneração dos funcionários e corpo diretivo, além de estarem submetidas
aos princípios constitucionais da administração pública, como: legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e economicidade, o que procura delimitar e orientar os interesses
e formas de agir do parceiro do Estado. Como contrapartida, é previsto que os governos
repassem verbas e/ou bens, para que as instituições (OS, neste caso) executem suas atividades
previstas no contrato de gestão.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

2.2 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)


Tal como as OSs, as OSCIPs também possuem previsão legal, que neste caso se dá através
da lei nº 9.790, de 1999. Alguns preceitos são semelhantes, como não ter fins lucrativos, o
que significa que toda vantagem financeira que se obtém deve ser investida na realização das
suas atividades, conforme estatuto que a fundou.

Um ponto importante descrito na lei é a necessidade de universalização dos serviços,


ou seja, é fundamental que a prestação de serviços no âmbito de atuação da OSCIP seja
dirigida a todas as pessoas que deles possam se interessar ou que deles necessitem, sem
discriminação de qualquer natureza.

Entre as áreas de atuação temos (conforme respectiva lei):

Figura 2 – Áreas de atuação

Promoção da assistência Promoção da cultura, Promoção gratuita Promoção gratuita da


social. defesa e conservação do da educação. saúde.
patrimônio histórico e
artístico.

Promoção da segurança Defesa, preservação e Promoção do Promoção do


alimentar e nutricional. conservação do meio voluntariado. desenvolvimento
ambiente e promoção do econômico e social e
desenvolvimento combate à pobreza.
sustentável.

Experimentação, não Promoção de direitos Promoção da ética, da Estudos e pesquisas,


lucrativa, de novos estabelecidos, construção paz, da cidadania, dos desenvolvimento de
modelos sócio-produtivos de novos direitos e direitos humanos, da tecnologias alternativas
e de sistemas alternativos assessoria jurídica democracia e de outros
de produção, comércio, gratuita de interesse valores universais.
emprego e crédito. suplementar.

Como podemos perceber, o escopo de atuação das OSCIPs é maior do que as inicialmente
previstas para as OSs, o que pode mostrar uma necessidade do Estado de utilizar este tipo de
parceria em outras áreas.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Observam-se preocupações semelhantes com as do caso das OSs, quanto à legitimidade


das ações, prevalecendo os mesmos princípios constitucionais, boas práticas administrativas,
procurando evitar o desvio da utilização de seus recursos, além do controle e publicidade de
suas prestações de contas.

Outra distinção é que no caso das OSCIPs o instrumento utilizado para que sejam
firmadas parcerias com o poder público é o “termo de parceria”, o qual deverá delimitar os
direitos, as responsabilidades e as obrigações das partes que estejam firmando a parceria.
Neste caso, também deverá ser ouvido um órgão técnico (Conselho de Políticas Públicas)
da área, procurando alinhar os objetivos e ações da OSCIP com os do órgão público ou da
respectiva área de política pública.

A lei também prevê a criação de uma comissão que deve analisar e avaliar o desempenho
das OSCIPs, com base nos termos de parcerias firmados, verificando o cumprimento dos
itens acordados entre as partes, bem como a observância dos princípios que regem o acordo
durante a execução das ações, projetos ou programas.

É desejável que o Estado procure novas formas de prestar os serviços públicos que sejam
mais eficientes, efetivas e eficazes, podendo, quando for o caso, se utilizar de parcerias com
órgãos não estatais. Porém, como os governos podem garantir que os recursos colocados à
disposição sejam bem empregados e realmente contribuam para a solução das demandas ou
melhoria da realidade social que deve ser promovida?

Uma questão muito importante é a forma como se dá o controle das OSs e OSCIPs, pois,
embora o Estado repasse a atribuição de determinado serviço ou atividade para o terceiro
setor, ainda é responsável pela correta e adequada aplicação dos recursos públicos, tais como
os financeiros, imobiliários e equipamentos.

Como mecanimos de accountability, isto é, de controle e responsabilização, possibilitando


o acompanhamento das atribuições, responsabilidades e obrigações das OSs, a legislação
federal estabeleceu os seguintes instrumentos: programa de trabalho da OS; metas e prazos
de execução; critérios objetivos de avaliação de desempenho que utilizem indicadores
de qualidade e produtividade e limites para despesas com remuneração dos dirigentes e
empregados.

Tal controle é viabilizado pelo contrato firmado entre Estado e organização social
respectiva (Contrato de Gestão, no caso das OSs, e Termo de Parceria, no caso das OSCIPs),
no qual são estabelecidas as responsabilidades de cada parte.

Os contratos devem prever a forma de remuneração da contratada, inclusive


condicionando os repasses aos critérios de produtividade e efetividade (percentual variável

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

conforme desempenho); bem como, a forma como monitorará as suas atividades (a


exemplo de atividades abrangidas, metas e indicadores, relatórios de atividades e relatórios
financeiros), evitando práticas patrimonialistas ou que se distanciem dos objetivos acordados
e/ou do interesse público.

Acompanhe os termos dos contratos de gestão firmados entre o governo do Estado de


São Paulo e OSs nas áreas da saúde e cultura. Para consultá-los, acesse o link disponível na
Midiateca da disciplina.

As OSs e OSCIPs também estão sujeitas ao controle social, realizado por meio de
Comissões de Avaliações compostas por representantes da sociedade civil (a exemplo de
membros do Conselho Estadual da Saúde, no caso do governo do Estado de São Paulo).

O controle das OSs e OSCIPs é fundamental por uma série de razões, dentre as quais
destacam-se: diagnosticar equívocos da entidade ou do próprio desenho da política;
responsabilização e punição dos atores responsáveis; aprendizado sobre a gestão e políticas
públicas pela própria sociedade e pelos policymakers (gestores públicos, sejam políticos
ou burocratas); desconcentrar o poder e gerar alarmes de incêndios, para que os gestores
revejam posições e redirecionem as políticas públicas.

Figura 3 – A importância do monitoramento das OSs e Oscips

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

3 Utilização dos modelos de OS e OSCIP pelos estados


brasileiros

Após conhecermos melhor as formas de parcerias ou de contrato de gestão que envolvem


a relação entre Estado, OSs e as OSCIPs, quais são, na prática, as áreas nas quais elas estão
sendo utilizadas? Seus resultados já podem ser analisados?

Há uma multiplicidade de visões sobre a utilização e os resultados alcançados pelas OSs


e OSCIPs Brasil afora, variando de acordo com o ente federado que a utiliza (ALCOFORADO,
2010, p. 48). A seguir, são destacados os modelos adotados e resultados alcançados pelas
OSs, no estado de São Paulo, e pelas OSCIPs, em Minas Gerais.

3.1 O modelo de OS em São Paulo


As Organizações Sociais, no âmbito do estado de São Paulo, foram regulamentadas pela
Lei Complementar nº 1.095, de 18 de setembro de 2009, e sua atuação é limitada às áreas
da saúde e cultura. Os pesquisadores consideram o estado de São Paulo um dos casos de
maior sucesso na disseminação das OSs, tanto em números quanto pelos resultados exitosos
alcançados, principalmente em relação à melhoria no desempenho das políticas de saúde,
aumentando o número de atendimentos, com menores custos (SANO; ABRUCIO, 2008).
Desde a criação da primeira OS no estado, houve um aumento da quantidade de serviços
oferecidos, inclusive a área da cultura que começou em 2004 e já possui 17 OSs que prestam
e gerem mais de 42 serviços e equipamentos públicos (ALCOFORADO, 2010, p. 53)

Para consultar a lei das OSs paulistas, acesse o link disponível na Midiateca da disciplina.

3.2 Modelo de OSCIP de Minas Gerais


O caso de Minas Gerais torna-se interessante pelo fato de ter agrupado na regulamentação
características importantes dos modelos de OS e de OSCIP, frise-se que este estado se
aproveitou de experiências ocorridas em outros estados para melhor delinear e regulamentar
estas parcerias em seu âmbito.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Este modelo de Minas Gerais inova e difere-se dos demais, principalmente, por unificar
OS e OSCIP em um único modelo de parceria, facilitando o controle de cada contrato.
Todavia, o modelo tem limites, pois acaba não dando conta das diferentes especificidades
e demandas de cada área-fim objeto de parceria. Em 2010, contabilizavam-se 16 Termos de
Parceria vigentes, firmados entre OSCIPS e órgãos do estado de Minas Gerais (ALCOFORADO,
2010, p. 55).

Considerações finais
Nesta aula conversamos sobre novas formas de relacionamento do Estado com a
sociedade civil, qual seja, o Contrato de Gestão firmados com Organizações Sociais (OSs) e
os Termos de Parceria com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).

Aparecendo no cenário brasileiro a partir de meados da década de 1990, durante o


enfrentamento da crise fiscal que atingia o país, quando o Estado debatia a sua forma de
gerir a coisa pública, criticando e refletindo sobre novas formas (ou modelos) e tecnologias
administrativas que poderiam ser utilizadas para que o Estado atingisse seus objetivos, que,
por conta de vários movimentos (como a globalização, a evolução tecnológica e a crise fiscal,
entre outros), exigia melhores e mais rápidas repostas às demandas públicas, além disto, o
aumento de direitos sociais incluídos pela Constituição Federal de 1988, fez, também, com
que o Estado tivesse mais serviços a prestar e a gerenciar.

Este processo ficou conhecido como New Public Management, no mundo, e como
Reforma Gerencial, no Brasil. Um marco importante deste movimento no Brasil foi o Plano
Diretor da Reforma do Estado desenvolvido pelo MARE.

Um dos recursos gerenciais adotados foi a regulamentação de parcerias com as OSs e com
as OSCIPs, por meio das quais o Estado passou a delegar a responsabilidade pela prestação
de determinados serviços públicos (de áreas específicas), transferindo o gerenciamento
de equipamentos para organizações da sociedade civil, através de termos de parcerias ou
contratos de gestão, em cada caso, conforme regulamentações federal e estaduais.

Em virtude de conflitos políticos e disputas internas no governo FHC à época, em especial


o receio de parte da equipe econômica de que a flexibilização da gestão pública e a delegação
de funções, que continuariam a ser financiadas pelo Estado, poderiam prejudicar as metas
fiscais buscadas naquele momento, a adoção do novo modelo deu-se de forma incremental,
tendo sido implementada em uma ínfima parcela do governo federal e não se expandiu como
regra na administração pública (SANO; ABRUCIO, 2008).

O novo modelo foi mais bem-sucedido no plano subnacional com crescente utilização
deste novo formato em algumas áreas, tais como: saúde, cultura, esporte e educação. Dentre
os resultados positivos da adoção das OSs e OSCIPs, destacam-se a melhora do desempenho
administrativo (eficiência: mais atendimentos, com menores custos); da gestão de pessoas
(CLT x regime jurídico único), da abrangência dos serviços oferecidos e da transparência.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Se de um lado, OSs e OSCIPs são mais eficientes por não estarem atreladas a todas as
legislações sobre compras e contratações (inclusive de funcionários) que o Estado está e,
para além desta questão, temos o fato de que pode ocorrer uma economia a longo prazo pelo
fato de os governos não ficarem com o ônus das previdências dos funcionários que executam
as atividades pelas OSs e OSCIPs, por exemplo, de outra parte é necessário atentar-se às
formas de monitoramento, controle social e garantia do atingimento das metas previamente
estabelecidas.

Os limites enfrentados nesse novo modelo remetem exatamente ao controle e à


responsabilização destas organizações parceiras. Houve avanços na accountability (regras e
maior transparência), porém não foram suficientes para evitar ou reduzir o insulamento do
Poder Executivo na elaboração e implementação da política pública, bem como, continua
baixa a capacidade de controle institucional e social sobre as OSs e OSCIPs (SANO; ABRUCIO,
2008), pontos a serem aperfeiçoados.

Referências
ALCOFORADO, Flávio Carneiro Guedes. OS e OSCIP: uma análise da abrangência dos serviços
públicos e do perfil das entidades parceiras em Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Revista
ADM. MADE, ano 10, v. 14, n. 3, p. 47-65, out./dez. 2010.

BRASIL. Lei nº 1.095, de 18 de setembro de 2009. Dispõe sobre a qualificação como organizações
sociais das fundações e das entidades que especifica, e dá outras providências. Presidência da
República [Casa Civil]. Brasília, DF.

_______. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da
Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá
outras providências. Presidência da República [Casa Civil]. Brasília, DF.

______. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como
organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e
entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras
providências. Presidência da República [Casa Civil]. Brasília, DF.

_______. Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas


jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. Presidência
da República [Casa Civil]. Brasília, DF.

FERRAREZI, E. R. A reforma do marco legal do terceiro setor no Brasil: a criação da lei das OSCIP
(9.790/99). 2007. Tese (Doutorado em Sociologia), Departamento de Sociologia, Universidade
de Brasília, mar. 2007.

RODRIGUES, Dênis Alves. A nova agenda da gestão pública brasileira: estudo de caso do
Detran-SP. 2015. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, 2015. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/100/100138/tde-31032015-131712/pt-br.php>.
Acesso em: 30 ago. 2015.
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

SANO, Hiroburo; ABRUCIO, Fernando L. Promessas e resultados da Nova Gestão Pública no


Brasil: o caso das organizações sociais de saúde em São Paulo. RAP, São Paulo, v. 48, n. 3,
jul./set. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rae/v48n3/a07v48n3>. Acesso em: 27
ago. 2015.

SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de


Administração Pública, Rio de Janeiro, n. 43, p. 347-369, 2009.

SCHMIDT. Vera Viviane. Coerência programática e disciplina parlamentar: partidos políticos


frente à proposta das organizações sociais. 2007. Dissertação de Mestrado, Universidade de
São Paulo, 2007. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/>. Acesso em: 29 ago. 2015.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 12
Modelos de gestão e formatos organizacionais: agências
executivas e reguladoras

Objetivos Específicos
• Conhecer o formato organizacional e normas que regem as agências
executivas e reguladoras; e principalmente, suas potencialidades e limites
para a gestão pública brasileira; por meio da análise de casos concretos.

Temas

Introdução
1 As agências e o contexto brasileiro
2 Estudos de caso: ANEEL e Ancine
Considerações finais
Referências

Professor Autor
Dênis Alves Rodrigues
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
A proposta desta aula é entender mais um processo desencadeado a partir das reformas
propostas no Brasil em meados de 1995, conhecido como Gerencialista. Entre outros pontos,
a citada reforma procurou deixar o Estado mais ágil e, também, diminuir o seu tamanho.
Palavras como eficiência ecoavam dentro da administração pública como um novo objetivo
a ser buscado nas várias dimensões, assim, tantos os processos precisaram ser revistos e
“desburocratizados” como as políticas públicas também precisavam ser mais efetivas.

Nesse processo de procura pela melhoria do desempenho das organizações públicas,


muitas tecnologias administrativas (ferramentas) foram importadas das empresas privadas,
por sua presumida eficiência e melhor desempenho em relação aos órgãos públicos.

Neste contexto, foram criadas as agências reguladoras, implementadas na esfera federal,


visando a regulamentar determinadas áreas (infraestrutura ou social), determinando a forma
de agir das empresas privadas e mesmo dos entes públicos, trabalhando em cada setor
regulado, a fim de que eles estivessem alinhados com os objetivos do interesse público.

Essas agências tiveram, ao longo dos anos, várias experiências, recebendo elogios e
críticas pelos respectivos sucessos e fracassos que auferiram na prática.

Desta forma, torna-se importante a análise destas agências, procurando entender o que
são, como funcionam e os resultados que conquistaram em suas áreas de atuação.

Antecipando, como exemplo das agências reguladoras temos a Agência Nacional de


Energia Elétrica (ANEEL) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), esta última,
dentre outras atividades, regula e fiscaliza as atividades dos planos de saúde e seguros de
saúde (convênios médicos).

1 As agências e o contexto brasileiro


O Brasil, assim como outros países, passou por reformas no aparelho do Estado. Estas
mudanças tiveram várias motivações, uma das principais, e diretamente relacionada ao
tema desta aula, foi a descentralização de serviços para os níveis subnacionais, mantendo
a coordenação no nível federal. Neste processo de diminuição do tamanho do Estado
(downsizing), muitos serviços foram repassados para instituições privadas, de várias formas,
seja através de licitações, concessões ou parcerias público-privadas.

Estas ações reformistas, no Brasil, foram levadas adiante pelo Ministério da Administração
Federal e Reforma do Estado (MARE), o qual desenvolveu o Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado (PDRAE), que dentre outras inovações previa a criação de agências mais
autônomas que pudessem atingir melhor os seus resultados, mantendo a coordenação no
governo federal (PACHECO, 2006).

Neste contexto de mudanças, o principal objetivo, a partir do aumento da eficiência


estatal, era o de “[...] buscar a um só tempo fortalecer a administração pública direta ou

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

o ‘núcleo do estratégico do Estado’, e descentralizar a administração pública, através de


‘agências autônomas’ e de ‘organizações sociais’ controladas por contrato de gestão”
(PEREIRA, 2006, p. 258).

Assim, podemos depreender que uma das formas de melhorar o desempenho e os


resultados dos governos foi a criação de entes da administração pública com maior autonomia
para levar adiante suas funções de forma mais ágil, procurando maior eficiência e efetividade.

Dentro deste contexto, no âmbito do Programa do Ministério da Administração Federal e


Reforma do Estado (MARE), tem-se o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, que foi
importante e se tornou um marco neste processo de reforma do Estado brasileiro, durante a
década de 1990, no qual, inclusive, percebe-se a gênese da criação das agências reguladoras.
Para conhecê-lo, acesse o link disponível na Midiateca da disciplina.

É importante salientar que o Brasil tem um histórico de tendências e práticas muito


vinculadas ao modelo burocrático de administração, que entre outras coisas enfatiza a
centralização e o controle de procedimentos. A referida reforma, que ocorreu a partir de
1995, pretendia se desvincular desta tradição. Assim, as “[...] agências reguladoras federais
foram criadas a partir de 1996, inspiradas pela experiência internacional, como entes públicos
dotados de independência em relação ao Poder Executivo” (PACHECO, 2006, p. 525).

É importante salientar que este processo de reforma não rompeu totalmente com as
práticas burocráticas, portanto, elas continuam fazendo parte da administração pública
brasileira e pode ser percebido em várias áreas e órgãos públicos, como nas descrições dos
procedimentos licitatórios.

Portanto, esta tentativa de emancipação do modelo vigente, burocrático, não foi total,
mas houve uma tentativa de maior flexibilidade e de focar os resultados. Para tal, muitas
atividades foram descentralizadas e, a fim de que o governo central (federal) não perdesse o
controle das atividades, inclusive considerando as dimensões continentais do país, uma das
formas de controle foi a criação das citadas agências (reguladoras e executivas), que no Brasil
“[...] teve outros fundamentos além da necessidade de delegação do Executivo para criar
credibilidade regulatória; as razões para criação de algumas agências parecem envolver a
tentativa de escapar à rigidez do modelo burocrático consagrado pela Constituição de 1988”
(PACHECO, 2006, p. 525).

Para conhecer as agências e áreas para as quais foram criadas as agências reguladoras,
acesse o link disponível na Midiateca da disciplina.

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O caso do setor de telecomunicações possui especificidades. Uma delas nos remete à


sua criação, na qual, diferentemente de outras áreas, o marco regulatório e a respectiva
agência reguladora ocorreram antes da privatização do setor.

Dentro do contexto brasileiro de mudanças e reformas, quais são as diferenças entre


agência reguladora e executiva, e em que situação cabe cada uma delas?

Neste contexto, são criadas as agências reguladoras e as agências executivas, que


procuraram desempenhar papéis diferentes, mas relevantes, dentro da estrutura da
administração pública brasileira, interagindo de forma intensa (principalmente através de
regulação e fiscalização) com setores importantes do mercado brasileiro.

1.1 As agências executivas


De acordo com o documento do MARE, a “[...] denominação Agência Executiva é uma
qualificação a ser concedida, por decreto presidencial específico, a autarquias e fundações
públicas, responsáveis por atividades e serviços exclusivos do Estado” (BRASIL, 1997, p. 7).

Nesta esteira, as autarquias e fundações públicas que tivessem o interesse de serem


denominadas de agência executiva deveriam atender a alguns critérios definidos em um
contrato de gestão, o qual estaria vinculado à melhoria de serviços aos seus usuários finais,
por exemplo.

Este processo procurava dar maior autonomia para os entes da administração pública
que conseguissem tal designação, para que pudessem atender de forma melhor e mais ágil
às necessidades da área-fim à qual estavam vinculados, e promovendo melhores resultados.

Como foi possível identificar na explicação acima, esta nova designação não é extensível
a todos os setores ou áreas de atuação do Estado, pois focam atividades exclusivas do
Estado: “[...] em nível estratégico, que é a de formular e avaliar diretrizes e políticas públicas,
garantindo que sua implementação se dê em benefício de todos os cidadãos; a segunda,
em nível executivo, que é a de implementar as políticas formuladas, com observância das
diretrizes definidas” (BRASIL, 1997, p. 8).

Esta definição e determinação expressa no documento do MARE evidenciava um foco de


atuação destes novos formatos institucionais, com maior autonomia. Dentro dele, percebe-se
que atividades de prestação de serviços diretamente ao cidadão, por exemplo, não estariam
dentro do escopo dos entes que poderiam solicitar tal designação.

Isto mostra uma tendência de manter dentro do Estado apenas atividades ditas como
exclusivas, repassando para outros entes ou terceirizando para o setor privado (como nos

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famosos casos das privatizações) atividades que não atendam a esta peculiaridade. Estas
ações estavam vinculadas a uma necessidade de fortalecer o núcleo estratégico do Estado,
para que ele pudesse atender melhor às suas demandas.

A preocupação era melhorar os resultados destes órgãos, reduzindo o controle dos


procedimentos. Esta autonomia pretendia dar condições melhores de desempenho de suas
atividades, mas não apenas isto, havia um novo entendimento dentro do governo federal
que o foco no controle procedimental, oriundo do modelo burocrático, não atendia mais às
necessidades da sociedade. Ou seja, a administração pública já não conseguia atender de
forma adequada aos problemas que lhe eram apresentados. Desta forma, muda-se o foco para
o monitoramento, ou controle dos resultados, concepção oriunda do modelo Gerencialista.

Em consequência, procurou-se dar maior autonomia para que os gestores comandassem


as agências, tomassem as decisões e promovessem ações em tempos adequados e, a partir
de então, monitoravam a agência pelos resultados que ela apresentava. Todas estas questões
eram colocadas em um contrato de gestão, com o qual ambos os signatários (Ministérios e
agências) propunham os limites, metas e o que cabia a cada ente.

A maior autonomia de gestão concedida às agências executivas enfatizava as seguintes


áreas “[...] (1) orçamento e finanças; (2) gestão de recursos humanos; e (3) serviços gerais e
contratação de bens e serviços” (BRASIL, 1997, p. 26).

Figura 1 – Monitoramento dos resultados

Eficiência Qualidade Velocidade Custo

1.2 As agências reguladoras


No âmbito de reformas administrativas do Estado brasileiro, foram idealizadas, também,
as agências reguladoras federais, cuja criação, a partir de 1996, deu-se com base em
experiências internacionais.

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As agências reguladoras, com exceção do caso da área de telecomunicações, foram


criadas após a respectiva privatização do setor. Estas agências surgiram com o objetivo de
permitir a regulamentação da atividade de empresas entrantes no setor; portanto, há a
intervenção econômica nestas áreas por parte do Estado. Nesta esteira, “[...] as agências
reguladoras devam ser mais autônomas em relação ao governo, pois sua autonomia deriva
do fato de executarem políticas permanentes de Estado — regular preços de serviços públicos
monopolistas, determinando o preço que seria o de mercado, se mercado houvesse (PEREIRA,
1998, p. 225-227 apud PACHECO, 2006, p. 526-527).

Estas responsabilidades diferem as atividades das agências reguladoras daquelas


desenvolvidas pelas agências executivas, pois, as primeiras regulam o mercado em sua área
de atuação, necessitando de certa autonomia política, inclusive preservada por mandato de
seu dirigente.

Quanto ao processo de criação das agências reguladoras, o local do debate e


encaminhamento do processo foi na Casa Civil e não no MARE, de acordo com Costa (2002
apud PACHECO, 2006, p. 528).

Desta forma, após muito debate no Poder Legislativo, surge a primeira agência, no final
de 1996, com autonomia decisória e financeira, mandatos fixos para seus dirigentes e não
coincidentes com os do chefe do Executivo (PACHECO, 2006, p. 529).

Isto mostra uma evolução neste processo de descentralização com aporte de autonomia
para que as agências pudessem encaminhar seus projetos com foco técnico e com diminuída
pressão política, uma vez que seus mandatos passam a ser fixos.

O Quadro 1 apresenta a utilização desta ferramenta, trazendo a criação das agências


reguladoras no contexto federal:

Quadro 1 – Agências reguladoras federais

Criação das agências reguladoras na esfera federal


Agência Lei Ministério supervisor
Agência Nacional de Energia Lei nº 9.427, de 26 de dezembro Ministério das Minas e Energia
Elétrica (Aneel) de 1996 (MME)
Agência Nacional de Lei nº 9.472, de 16 de julho de Ministério das Comunicações
Telecomunicações (Anatel) 1997 (MC)
Agência Nacional de Petróleo Lei nº 9.478, de 6 de agosto de Ministério das Minas e Energia
(ANP) 1997 (MME)
Agência Nacional de Vigilância Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de
Ministério da Saúde (MS)
Sanitária (Anvisa) 1999
Agência Nacional de Saúde Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de
Ministério da Saúde (MS)
Suplementar (ANS) 2000
Lei nº 9.984, de 17 de julho de Ministério do Meio Ambiente
Agência Nacional das Águas (ANA)
2000 (MMA)

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Agência Nacional dos Transportes Lei nº 10.233, de 5 de junho de


Ministério dos Transportes (MT)
(Antaq) 2001
Agência Nacional de Transporte Lei nº 10.233, de 5 de junho de
Ministério dos Transportes (MT)
Terrestre (ANTT) 2001
Agência Nacional do Cinema Estabelecida pela MP nº 2.228, de
Casa Civil
(Ancine) 6 de setembro de 2001
Agência Nacional de Aviação Civil Lei nº 11.182, de 27 de setembro
Ministério da Defesa
(Anac) de 2005

2 Estudos de caso: ANEEL e Ancine


Depois de compreendermos o contexto no qual foram criadas as agências reguladoras e
o que as diferenciam das agências executivas, é importante a análise de alguns casos acerca
da forma de sua utilização, criação e seus objetivos.

2.1 A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)


A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) foi criada em 1996, está vinculada ao
Ministério de Minas e Energia e tem como missão “[...] proporcionar condições favoráveis
para que o mercado de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio entre os agentes e em
benefício da sociedade” (BRASIL, 2015).

Estas informações nos permitem entender que esta agência reguladora foi criada com o
objetivo de regulamentar o mercado privado da área de energia elétrica e tentar compatibilizar
os interesses dos atores envolvidos, tais como empresas distribuidoras dos serviços e
consumidores finais (cidadãos e demais empresas e comércios, por exemplo). É importante
destacar que estes atores podem estar de lados opostos, uma vez que as distribuidoras
trabalham em função do lucro, sendo responsáveis pelo adequado fornecimento de energia
elétrica, enquanto os cidadãos, por exemplo, têm o interesse de ter os mesmos serviços (com
a maior qualidade possível), porém, pagando o menor preço possível. Além disto, o preço da
energia elétrica afeta a economia, tal como a inflação.

De acordo com a lei que a criou (Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996), a ANEEL
é uma autarquia (administração indireta) sob o regime especial (maior autonomia) e tem
por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de
energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal.

Podemos depreender que outra atividade que cabe à ANEEL é a fiscalização deste
processo, principalmente quanto à atividade das empresas distribuidoras.

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Figura 2 – O setor de energia elétrica

Para dar maior voz aos consumidores destes serviços, a ANEEL possui um conselho de
consumidores, o qual é regulamentado pela Resolução ANEEL nº 451/2011, que participam
no estabelecimento de diretrizes de trabalho.

Para conhecer melhor a resolução que trata da criação e do funcionamento do conselho


de consumidores da Agência Reguladora ANEEL, acesse o link disponível na Midiateca da
disciplina.

A ANEEL também promove audiências públicas para debater alguns temas. Nestas
ocasiões, a sociedade civil pode participar e contribuir para o desenvolvimento de
regulamentações, por exemplo, isto é importante dentro de uma linha de aproximação do
Estado para com a sociedade civil (Governança Púbica), que é quem receberá o serviço e terá
que se adequar às suas demandas.

Ainda, dentro do escopo de suas atribuições, cabe à ANEEL cuidar dos processos de
concessão dos serviços vinculados à área de energia elétrica, conversar com os estados e
Distrito Federal para melhor adequação das normas e trabalhar em conjunto com outras
áreas para pensar na adequada utilização dos recursos hídricos para fins de geração de
energia elétrica, entre outros.

Em termos organizacionais, dentro da linha de autonomia da instituição, a lei previu


que os cargos de diretores (geral e demais) serão preenchidos através de nomeação do
Presidente da República, após aprovação dos nomes pelo Senado Federal, para cumprimento
de mandatos de quatro anos, não coincidentes com os mandatos do Presidente da República.

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Estas regras dão maior legitimidade aos diretores, por terem sido aprovados por parte
do legislativo (Senado Federal) e dão maior autonomia, inclusive política, por garantir o
mandato, fazendo com que não coincida com os mandatos dos presidentes, o que poderia
fazer com que estes diretores fossem capturados por interesses ilegítimos (patrimonialistas).

Em termos de gestão, a lei prevê a utilização do instrumento de contrato de gestão,


firmado entre a ANEEL e o respectivo órgão gestor, da administração pública Federal
(Ministério), e que este contrato deve ser enviado ao Tribunal de Contas da União para que
seja auditado.

Isto nos remete a um ciclo onde se verifica, na prática, que a maior autonomia em
termos orçamentários e de gestão está vinculada a instrumentos políticos e técnicos para
o devido acompanhamento do atingimento dos resultados que os órgãos envolvidos se
comprometeram.

2.2 Agência Nacional do Cinema (Ancine)


O caso da Agência Nacional do Cinema (Ancine) é peculiar e, portanto, mostra-se um
bom objeto de análise. Ela diferencia-se das demais agências, inicialmente, por ter sido criada
através de uma medida provisória (MP nº 2.228, de 6 de setembro de 2001) e por não estar
relacionada a uma área de infraestrutura, tal como a de energia elétrica e telecomunicações.

Para conhecer a citada Medida provisória que cria a agência reguladora Ancine, acesse o
link disponível na Midiateca da disciplina.

Outro ponto interessante é que o instrumento jurídico utilizado (medida provisória)


criou, também, o Conselho Superior do Cinema, vinculado à Casa Civil da Presidência da
República e, dentre outras atribuições, define a política nacional do cinema.

Referente à constituição da Ancine, conforme medida provisória supramencionada, tem-


se o formato organizacional de uma autarquia (administração indireta) especial, vinculada ao
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, cabendo o fomento, regulação
e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica, dotada de autonomia
administrativa e financeira.

Importante perceber a diferença de vinculação, uma vez que o Conselho Superior de


Cinema está vinculado à Casa Civil e a Agência Reguladora (Ancine), que por sua vez está
vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, cabendo o
fomento, regulação e fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica. Demonstra-

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se, no limite, com isto que há maior controle político, por parte do Executivo Federal, quanto
a estas políticas, diminuindo a autonomia de atuação da agência reguladora Ancine.

Figura 3 – O setor cinematográfico

Da mesma forma que o caso anterior, os diretores da Ancine deverão ser aprovados pelo
Senado Federal, após indicação do Presidente e por ele nomeado, além disto, também terão
mandato de quatro anos não coincidentes.

Entre as atividades previstas para a agência reguladora (Ancine), conforme instrumento


legal, destacam-se as de executar a política nacional de fomento ao cinema; fiscalizar o
cumprimento da legislação referente à atividade cinematográfica e videofonográfica nacional
e estrangeira nos diversos segmentos de mercados, na forma do regulamento e promover o
combate à pirataria de obras audiovisuais.

Considerações finais
Nesta aula conhecemos novas estruturas criadas no seio das reformas gerenciais
promovidas pelo MARE da década de 1990, que visavam a tornar o Estado mais ágil, flexível e
efetivo, dentro das concepções do modelo gerencialista de administração pública.

Neste contexto e considerando o ideal que permeava as reformas, principalmente no nível


federal sobre descentralização, são criadas as agências reguladoras e as agências executivas,
que são autarquias (administração indireta) com regime especial, possuindo, portanto, maior
autonomia sua gestão e em termos orçamentários.

Os pressupostos desta mudança eram os de tornar o Estado capaz de gerir melhor suas
atribuições estratégicas, delegando a prestação de serviços para entes privados ou para

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outros níveis da federação, como estados e municípios.

Assim, uma diferença entre os dois tipos de agências é que as reguladoras, por
interferirem diretamente no mercado privado, podem se chocar com interesses empresariais
e de políticos, precisando, portanto, de autonomia política para exercer de forma adequada
suas atividades e, desta forma, foram concebidas com mandatos fixos de quatro anos, não
coincidentes com o mandato do Presidente da República, para seus diretores e, por outro
lado, os nomes sugeridos pelo executivo são avaliados pelo Senado Federal, o que dá maior
legitimidade ao nomeado.

Além disto, procurando vincular a autonomia dada com os resultados, foi criado o
contrato de gestão, pelo qual as agências reguladoras e executivas se comprometem com
o atingimento de determinados resultados que eram acompanhados, por exemplo, pelo
Tribunal de Contas da União e pelo ministério ao qual está vinculado.

Por último, analisamos dois casos: um deles mais se aproxima da área de infraestrutura
(Aneel) e outro da área social (Ancine), onde foi possível constatar muitas semelhanças e
algumas diferenças entre os modelos implantados, o que contribuiu para a compreensão
para além da teoria, de como na prática estes instrumentos estão sendo utilizados, com base
no governo federal. Espero que tenha compreendido bem o tema e bons estudos!

Referências
BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Página inicial. Disponível em: <http://
www.aneel.gov.br/>. Acesso em: 28 jul. 2015.

______. Agência Nacional do Cinema (Ancine). Página inicial. Disponível em: <http://www.
ancine.gov.br/>. Acesso em: 28 jul. 2015.

______. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Agências Executivas.


Cadernos MARE da Reforma do Estado, Brasília: MARE, 1997. v. 9. Disponível em: <http://www.
bresserpereira.org.br/documents/mare/agencias/caderno9.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2015.

PACHECO, Regina Silvia. Regulação no Brasil: desenho das agências e formas de controle.
Revista de Administração Pública, v. 40, n. 4, p. 523-543, 2006.

PEREIRA. Luis Carlos B. Da administração pública à gerencial. In: PEREIRA, L. C. B.; SPINK, P. K.
(Org.) Reforma do estado e a administração pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p.
237-270.

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Público
Aula 13
As parcerias público-privadas – PPPs

Objetivos Específicos
• Conhecer o formato organizacional e normas que regem as PPPs; e
principalmente, suas potencialidades e limites para a gestão pública brasileira,
por meio da análise de casos concretos.

Temas

Introdução
1 Contextualização
2 As parcerias público-privadas (PPP)
3 As parcerias público-privadas no Brasil
Considerações finais
Referências

Professor Autor
Dênis Alves Rodrigues
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Introdução
Nesta aula, vamos conversar sobre uma modalidade de relacionamento entre o Estado e
a sociedade civil chamada de Parceria Público-Privada (PPP). Este instrumento, que está sendo
utilizado internacionalmente, prevê uma nova forma de contratação de serviços públicos por
parte dos governos.

Mas, não podemos confundir esta modalidade com outras já existentes, como as
licitações. Esta nova modalidade está relacionada a grandes e complexos empreendimentos,
os quais o Estado, sozinho, teria grandes dificuldades de executar.

Para o bom aproveitamento deste instrumento, várias regras, obrigações e garantias


foram criadas, procurando proteger ambos os lados desta parceria, principalmente, por
envolver muitos riscos e precisar de muito financiamento.

Esta nova modalidade encontra-se inserida entre os novos instrumentos de gestão e


contratação utilizados pelos governos. Oriunda das reformas gerenciais, parte de uma
orientação que tem sido cada vez mais utilizada e que requer um melhor e mais estreito
relacionamento com entes privados para que os objetivos dos governos sejam atingidos.
Este maior relacionamento com as empresas está alinhado, principalmente, ao modelo de
Governança Pública.

Este modelo parte do pressuposto de que o Estado não consegue gerir todas as suas
demandas, pelo menos não de forma adequada e eficiente, e que as empresas do setor privado
podem contribuir bastante neste processo, até pelo conhecimento em áreas específicas.

Dentro deste contexto, temos então as PPPs (parcerias público-privadas), que se tornam
um novo instrumento à disposição dos governos em busca de melhores formas para atingir
seus resultados. Boa leitura!

1 Contextualização
O Estado brasileiro tem passado por reformas no modelo de gestão pública, as mais
recentes ocorreram a partir da década de 1990, principalmente no âmbito administrativo
(PEREIRA, 2006, p. 21). Estas mudanças têm permitido que a gestão pública brasileira consiga
melhores resultados, inclusive nas áreas setoriais, quer seja quanto à infraestrutura ou em
áreas sociais e econômicas.

Particularmente no Brasil, estas mudanças do final do século passado, demonstravam


um foco Gerencialista, onde as ações eram voltadas para trazer maior eficiência para
a administração pública, procurando mudar a orientação de suas ações, começando a se
preocupar mais com os resultados do que com o controle dos processos e procedimentos, tal
qual o modelo burocrático predeterminava.

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Evidentemente, a reforma Gerencialista não se limitou a estas questões já citadas,


bem como também não procurou romper totalmente com as práticas do modelo que até
então encontrava-se em vigência, pois, “[...] se o formalismo e a rigidez burocrática devem
ser atacados como males, alguns alicerces do modelo weberiano podem, porém, constituir-
se numa alavanca para modernização, principalmente em prol da meritocracia e da clara
separação entre público e privado” (ABRUCIO, 2010, p. 543).

Este contexto nos traz algumas informações importantes para entendermos


os motivos que levaram a criar determinados arranjos institucionais e jurídicos
procurando melhorar o desempenho da administração pública. Embora seja
importante a diferenciação entre público e privado, distanciando-se dos modelos
patrimonialistas que foram tão utilizados durante as monarquias, a aproximação com
a iniciativa privada pode ser salutar por meio de parcerias em benefício do interesse
público. Restando consenso atualmente a relevância da participação da sociedade
civil nas decisões e práticas da administração, na medida em que podem contribuir
para melhores resultados.

Esta linha de pensamento que se desenvolve mundo afora, chamada de Governança


Pública (SECCHI, 2009), propõe, entre outras coisas, que os governos façam parcerias com
a sociedade civil e com empresas em busca de melhoria nos resultados das respectivas
administrações públicas.

Figura 1 – Parceria governo-empresas

Estas relações não prejudicam o modelo burocrático vigente, uma vez que não há (e
não deve haver) uma apropriação da “res publica” por interesses pessoais (particulares),
quer seja dos governantes ou das empresas, e sim uma relação saudável onde prevalece o
interesse público, os princípios constitucionais da administração pública, principalmente os
da moralidade, eficiência e impessoalidade.

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Este pensamento parte dos pressupostos de que os governos não conseguem atender
às demandas da população de forma ágil e com a devida qualidade, quer seja pelo aumento
de suas atribuições, quer seja por conta de inovações tecnológicas e da globalização ou
interconexão entre países e, especificamente, entre economias.

Nesta esteira, são desenvolvidas as parcerias público-privadas, as quais procuram criar


um ambiente de trabalho no qual, a partir de análise de problemas públicos, o Estado não
teria condições de suprir as necessidades, seja por questão financeira ou por não ter quadro
de funcionários ou expertise, ele, o Estado, poderia firmar parcerias com empresas privadas
para que elas ajudassem na execução destes projetos.

Como veremos adiante, este tipo de parceria difere-se de outros modelos, como os
contratos previstos na lei de licitações.

Este novo complexo formato de relacionamento entre Estado e empresas privadas foi
criado no Brasil?

2 As parcerias público-privadas (PPP)


Esta nova relação entre Estado e sociedade civil foi chamada de parceria público-privada
(PPP), e não nasceu no Brasil. Na verdade, assim como boa parte das ações propostas e
utilizadas no Brasil pelas administrações públicas a partir de 1995, as PPPs são adaptações de
ações que estavam ocorrendo pelo mundo. Assim, “[...] nos últimos anos, as PPP tornaram-
se um mecanismo de uso bastante corrente em muitos países europeus” (OECD, 2008, p. 28
apud FIRMINO, 2011, p. 390).

Este novo arranjo institucional e jurídico se define pela necessidade de uma grande
negociação entre governos e empresas para atenderem aos requisitos para a construção de
uma PPP. Assim,

A definição mais simples de parceria público-privada é a de uma forma de cooperação


entre pelo menos um ator público e um ou mais privados. Esta colaboração traduz-
se numa relação duradoura para a obtenção de determinados bens ou serviços,
caracterizada numa partilha de recursos, benefícios e riscos entre os parceiros. (KLIJN;
TEISMAN; HUGHES, 2000, p. 85; TEISMAN, 2003, p. 137 apud FIRMINO, 2011, p. 397).

Esta definição já nos permite fazer algumas análises. Primeiro, a relação dever ser do tipo
cooperação, na qual exista pelo menos um ator público e um ator, ou mais, privado, sugerindo
que os projetos a serem construídos por este novo tipo de parceria devam ser complexos,
pois, permitem a união de níveis de governo (União, estados e municípios), bem como por

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entes de um mesmo nível e ainda que permitam um conjunto de empresas se organizando


para firmar a parceria.

Outro ponto que demonstra que as PPPs devam ser usadas em situações complexas
pode ser depreendido do fato de sugerirem relações duradouras, ou seja, não devem ser
desenvolvidas PPPs para projetos que precisem de pouco tempo para serem desenvolvidos
ou finalizados.

Outra dimensão que aparece nesta definição, que é importante para compreender as
diferenças de outras formas de contratação por parte da administração pública de serviços,
é que, no caso da PPP, pode haver partilha de recursos, benefícios e riscos. Isto traz uma
inovação, também, para este tipo de relacionamento, pois a complexidade dos projetos
sugere riscos e responsabilidades que deverão ser compartilhados tanto pelo ente público
quanto pela empresa privada.

As PPPs podem ser utilizadas em várias áreas, não existindo, inicialmente, uma limitação
setorial para sua aplicação, embora elas venham sendo mais utilizadas em “[...] prestação de
um bem ou de um serviço aos cidadãos, ou o desenho, a construção, a gestão ou a exploração
de uma infraestrutura” (FIRMINO, 2011, p. 399).

Ainda, quanto ao momento e à situação de aplicação das PPPs, temos que elas costumam
ser precedidas de estudos financeiros quanto à sua aplicação e retorno aos empresários, pois,
como existe a possibilidade de compartilhamento de riscos, o Estado pode precisar repassar
verbas para suprir eventuais déficits ou prejuízos que as empresas parceiras nas PPPs venham
a ter com determinado projeto, implantação ou prestação de serviço.

Todavia, a literatura também reforça que não se pode utilizar tão somente análises
econômicas e financeiras para escolher ou optar por projetos, ou ainda, por projetos que
serão alvos de PPPs, devendo os gestores públicos se preocuparem com a finalidade e o
interesse público, pois, embora o princípio da eficiência seja importante, não se pode deixar
que o Estado se desvie do interesse público na aplicação de seus recursos.

O contexto no qual estão sendo aplicadas as parcerias público-privadas parecem


extremamente complexos, exigindo arranjos institucionais igualmente complexos. Assim, quais
são as vantagens e desvantagens de se utilizar este modelo?

Neste contexto, podemos perceber que o modelo traz tanto vantagens como desvantagens
em sua aplicação. Como vantagem podemos citar o fato de a parceria gerar sinergia entre
diversos atores, otimizando a aplicação de recursos e permitindo que o Estado consiga levar
adiante muitos e importantes projetos de forma paralela, pois como parte do financiamento
do projeto ocorrerá pela iniciativa privada, isto significa que os recursos públicos poderão ser
investidos ou utilizados em outros programas.
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Outro ponto importante levantado por Firmino (2011) é que a parceria, quando bem
gerida, pode levar a trocas de experiências e expertise, além da gestão do conhecimento, o
que pode ajudar a inovar os projetos, trazendo melhores resultados, aumentando a eficiência,
eficácia e efetividade das ações. Isso é extremamente importante, uma vez que os governos
são cada vez mais chamados a dar respostas em diferentes áreas que podem, inclusive,
apresentar intersecções com outras, dando maior complexidade ao projeto, dificultando
sua administração, problema este que pode ser minimizado com a parceria com empresas
privadas que já atuam na referida área.

Quanto às dificuldades deste processo, podemos elencar que a complexidade técnica


pode ser um impeditivo, assim como, gerir os diferentes interesses e responsabilidades pela
execução do projeto, o que é ampliado dependendo da quantidade de atores envolvidos.
Caso os contratos não definam bem as responsabilidades e deveres de cada parte, o projeto
pode apresentar vários problemas na sua execução. Dessa maneira, também é necessário
que os gestores envolvidos tenham grande capacidade de trabalhar em equipe, consigam
conjugar os diferentes (e às vezes divergentes) interesses de cada partícipe, além de terem
bom conhecimento técnico da área da qual está sendo criada a PPP e saber trabalhar em
momentos de crise.

E, pela complexidade destes trabalhos em vários países, “[...] a abertura da licitação


está condicionada à autorização dos órgãos competentes, fundamentada em estudos que
comprovem a conveniência do fornecimento dos serviços mediante PPP” (GRILO; ALVES,
2011, p. 6). Em vista disto, deve-se buscar uma adequada análise do momento e condições
para implantação de uma PPP, evitando, desta forma, má utilização deste instrumento.

3 As parcerias público-privadas no Brasil


Especificamente para o Brasil, temos a Lei nº 11.079/04, que regulamentou a utilização
das PPPs, diferenciando-se e relacionando-se com outras leis, como a Lei nº 8.987/95 (Lei de
Concessões) e a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Públicos). A Lei da PPP trouxe
inovações ao direito administrativo brasileiro ao permitir a alocação contratual dos riscos e
a complementação das receitas, quando o investimento privado não puder ser recuperado
exclusivamente por meio de tarifas ou receitas de usuário (GRILO; ALVES, 2011).

Para conhecer as outras formas de contratação e de compra de prestação de serviços ou


de bens, pela administração pública, acesse a Midiateca da disciplina.

Desta forma o caso brasileiro está alinhado à orientação internacional, havendo previsão
de que, caso os projetos objetos de PPP tragam prejuízos aos parceiros da área privada, ou

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

seja, que as formas de remunerações previstas em contrato não sejam suficientes para que
as empresas lucrem com o projeto, o Governo pode intervir e compensar financeiramente os
parceiros privados.

Em relação à regulamentação, as PPPs são definidas como “[...] um contrato de prestação


de serviços e veda a celebração de parcerias para a provisão exclusiva de mão de obra,
equipamentos ou a execução de obra pública” (GRILO; ALVES, 2011, p. 11).

Esta disposição da norma regulamentadora é importante por delimitar a utilização deste


instrumento, reforçando o caráter de prestação de serviços e inibindo que o objetivo da
parceria que se estabelece seja o repasse de equipamentos e a execução de obra pública,
visando a evitar conflitos com as formas de contratação preconizadas na lei de licitações. A
lei também procura evitar que as PPPs sejam utilizadas tão somente para provisionar mão de
obra, uma vez que, assim como no caso acima, existem outras formas adequadas terceirização
da mão de obra.

Outra atenção que a lei exige é que foi definido como valor contratual mínimo o montante
de R$ 20 milhões, o que demonstra que este tipo de parceria deve ser utilizado para grandes
(e complexos) projetos e, por outro lado, que a norma também procurou se utilizar dos
princípios da eficiência, ao fazer com que o pagamento pelas execuções dos projetos ocorra
por conta da respectiva disponibilidade dos serviços.

Figura 2 – Exemplo de grandes projetos para PPP

A Figura 2 nos remete a um caso típico para utilização das PPPs, que é a construção de
grandes complexos viários como rodovias, em que pelo menos parte da remuneração virá dos
pedágios. Até por conta da complexidade destes projetos e parcerias, bem como pela grande
incerteza (riscos) a elas vinculadas, foi estabelecido que
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

A fim de evitar que as obrigações assumidas pelo governo coloquem em risco a


disciplina fiscal e comprometam uma parcela substancial do orçamento, a Lei de
PPP estabeleceu um limite agregado de 1% da receita corrente líquida (RCL), do ente
federativo, para as despesas anuais decorrentes desses contratos (contraprestações
públicas). Posteriormente, o art. 10 da Lei nº 12.024/09 alterou esse limite para 3%
da RCL. Portanto, a concessão de garantias e transferências voluntárias do Governo
Federal para os governos estaduais ou municipais é condicionada à demonstração do
cumprimento desse limite. (GRILO; ALVES, 2011, p. 12).

Portanto, também foram estabelecidos controles, procurando evitar um


superendividamento dos entes federados com tais projetos, bem como uma utilização
patrimonialista e descontrolada. Assim, o próprio governo federal, que muitas vezes pode
participar destes projetos em parcerias com outros órgãos públicos, de entes federados
subnacionais, procura delimitar regras financeiras para que participe destes processos. Isso
se mostra muito importante por conta de problemas orçamentários e financeiros que o
Governo Brasileiro (incluindo os governos dos estados e municípios) passou, e ainda, passa.
Como exemplo podemos citar a própria reforma Gerencialista e os esforços, principalmente,
durante a década de 1990, que foram feitos para adequar as contas governamentais.

Para conhecer um pouco mais sobre das medidas adotadas para controle fiscal e
orçamentários dos entes governamentais, acesse o link disponível na Midiateca da disciplina.

Outros pontos importantes, de acordo com a Lei das PPPs (GRILO; ALVES, 2011, p. 12-
13), são:

• Divisão com o governo dos ganhos eventuais de refinanciamento da dívida;

• Possibilidade de emissão de empenho, em nome dos financiadores, referente às


obrigações assumidas pelo governo;

• Criação de garantias para as obrigações assumidas pelo governo;

• Obrigatoriedade de autorização legislativa para as concessões patrocinadas em que


a contraprestação devida pelo governo superarem 70% da remuneração do parceiro
privado;

• Autorização para que o governo e as empresas públicas participem do Fundo


Garantidor das Parcerias (FGP), a fim de prover garantias ao pagamento das obrigações
assumidas;

• Limitação das operações de crédito efetuadas por empresas públicas ou sociedades


de economia mista a 70% dos recursos de terceiros captados pela Sociedade de
Propósito Específico (SPE);

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

• Limitação das operações de crédito e das contribuições de capital das entidades


fechadas de previdência complementar e empresas públicas a 80% dos recursos
captados pela futura SPE;

• Adoção da arbitragem como mecanismo de resolução de controvérsias.

Assim, percebemos que foram estipulados garantias e deveres para os dois lados da
parceria, ou seja, para o ente público e para o ente privado, principalmente em projetos
com possibilidades de riscos financeiros. Além disto, procurando maior transparência e
legitimidade dos projetos, em alguns casos, os poderes legislativos dos níveis de governo
envolvidos deverão se pronunciar e autorizar estes projetos. Isto é, haverá uma forma de
regramento, buscando um sistema de freios e contrapesos (controles), criados entre os
poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), que evitam desvios e reforçam preocupações
democráticas.

Um último ponto que é importante neste processo, até por conta da sua inovação, é
a utilização de arbitragem como forma de solucionar controvérsias entre os parceiros. A
opção de solução de conflitos por meio da cláusula de arbitragem é a forma de resolução de
controvérsias através do Tribunal de Arbitragem, que busca meios de conciliação, ajudando a
solução das desavenças entre as próprias partes, a fim de evitar que demandas cheguem ao
poder judiciário e demorem anos para serem resolvidas. Isto também pode ser uma forma de
incentivar que empresas privadas fiquem mais estimuladas a participar deste tipo de parceria
por ver nesta forma de resolução de conflito como mais ágil e segura.

Analisando os resultados deste tipo de parceria, de uma forma geral temos que a

[...] experiência internacional indica que as parcerias podem contribuir para a redução
de alguns aspectos negativos associados à execução de obras e ao fornecimento
de serviços no âmbito governamental, como atrasos, sobrecustos, deterioração
prematura, superdimensionamento, subutilização de infraestruturas, carência de
manutenção, custos de operação elevados, carência de flexibilidade operacional,
ausência de estruturas de incentivos, baixa qualidade e descontinuidade dos serviços.
(GRILO; ALVES, 2011, p. 17).

Estes contextos podem permitir que, especificamente o Brasil, possa ter uma melhora
no desempenho de suas atividades a partir da utilização destes novos mecanismos, embora
isto não signifique que ocorra necessariamente. Mas a utilização do conhecimento de outras
empresas participantes no processo pode agregar valor ao que está sendo construído ou ao
serviço que será prestado, até por conta do conhecimento que estas empresas possuem em
suas áreas de atuação e, além disto, a parceria com empresas privadas traz maior flexibilidade
para o projeto, principalmente quanto à contratação de mão de obra e quanto às compras de
uma forma geral, o que pode influir muito no cronograma do projeto, contribuindo para uma
maior agilidade na execução das decisões.

Também, por outro lado, os instrumentos de controle são muito importantes para evitar

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

desvios e captação da “coisa pública” por interesses privados ou particularistas (práticas


patrimonialistas). Assim, o Estado brasileiro parece estar alinhado a formas de executar estas
parcerias. No mundo foram, também, criadas várias formas de controle a fim de contribuir
para uma boa gestão das PPP.

Este novo formato de trabalho da administração púbica é muito complexo e envolve


grandes somas de dinheiro, criando inovações no relacionamento entre Estado e sociedade.
Será que este novo instrumento está realmente sendo utilizado?

No nível federal existe uma estrutura para analisar, monitorar e controlar as PPPs (por
determinação legal), com um Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal, que é
organizado da seguinte forma:

Figura 3 – Organização Comitê Gestor de PPP – Federal

Comitê
Gestor
Lei 11.079/04, art. 14

Comissão Grupo Secretaria


Técnica Executivo Executiva
Decreto 5.385/2005, art 10 Decreto 5.385/2005, art 11 Decreto 5.385/2005, art 12

Fonte: Adaptada de Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (BRASIL, 2015).

Entre os projetos que estão em andamento no governo federal, cujo instrumento de


realização são as PPPs, temos (BRASIL, 2015):

• Complexo Datacenter;

• Colégio Militar de Manaus. Construção e manutenção de novo Colégio Militar em


Manaus – AM;

• Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (CEFAN);

• Parques Nacionais de Jericoacoara, Serra das Confusões, Sete Cidades e Ubajara;

• Vila Naval de Itaguaí – Módulo I;

• Abastecimento e Gerenciamento de Frota (AGEFROT);

• Parques Nacionais de Brasília, da Chapada dos Veadeiros e das Emas;

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

• Arsenal da Marinha;

• Fuzil-Imbel;

• Pontal de Irrigação;

• Esplanada Sustentável;

• Satélite Geoestacionário Brasileiro;

• Rede de TV Pública Digital (RTVDB);

• BR 116-324;

• Ferrovia Norte-Sul.

Esta relação nos mostra que, pelo menos no nível federal, as PPPs estão sendo utilizadas
de forma intensiva e em várias áreas, indo de áreas como infraestrutura de transportes à
criação de datacenters (área da Tecnologia da Informação e Comunicação –TIC), entre outras.
O que nos leva a crer em um aparente sucesso desta nova forma de gerir, embora seja muito
complexa e envolva muito dinheiro para sua consecução.

Considerações finais
Nesta aula tivemos a oportunidade de conversar sobre uma nova forma de relacionamento
entre Estado e sociedade civil. Esta nova modalidade chamada de Parceria Público-Privada
(PPP) procura auxiliar o Estado no encaminhamento de projetos complexos, viabilizando que
os governos consigam gerir e dar prosseguimento a vários projetos de forma paralela. Ela está
alinhada às novas orientações para a administração pública, tanto do modelo Gerencialista,
como mais especificamente o modelo de Governança Pública.

Esta nova modalidade está regulamentada por lei e prevê vários controles, não só
financeiros, mas também administrativos e jurídicos, explicitando obrigações e proteções
para ambas as partes da parceria, ainda, prevendo que as PPP pudessem ser feitas por mais
de um órgão público e por mais de uma empresa privada ao mesmo tempo, uma vez que os
projetos que se enquadram como PPP são complexos e precisam de muitos investimentos e
de conhecimento técnico específico.

Para a opção por esta modalidade, vários estudos financeiros de viabilidade do projeto
precisam ser realizados, mas, por outro lado, questões como interesse público não podem
deixar de ser analisadas, também.

Assim, percebe-se que o modelo implantado no Brasil está alinhado com o que vem
sendo desenvolvido internacionalmente e, como pode ser visto, está sendo utilizado de forma
intensa, pelo menos pelo governo federal.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Referências
ABRUCIO, Luiz Fernando. Desafios contemporâneos para a reforma da administração pública
brasileira. In: PETER, Guy B.; PIERRE, Jon (Org.). Administração pública: coletânea. São Paulo:
UNESP, 2010. p. 537-548.

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição
Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras
providências. Presidência da República [Casa Civil]. Brasília, DF, 1993.

_____. Lei nº 8.987/95, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e


permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá
outras providências. Presidência da República [Casa Civil]. Brasília, DF, 1995.

_____. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e
contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Presidência da
República [Casa Civil]. Brasília, DF, 2004.

______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Organograma. Disponível em:


<http://antigo.planejamento.gov.br/ministerio.asp?index=114&ler=s1090>. Acesso em: 3 nov.
2015.

FIRMINO, Sandra. Os novos arranjos institucionais na governança pública: o caso das parcerias
público-privadas. Estudo comparativo entre o Sul e o Norte da Europa. Revista da associação
Portuguesa de Sociologia, online, p. 389-422, 2011.

GRILO, L. M.; ALVES, R. T. Guia prático de análise do value for money em projetos de PPP. São
Paulo, 2011.

KLIJN, Erik-Hans; EDELENBOS, Jurian; HUGHES, Michael. Public-Private Partnership: a Two-


Headed Reform: A comparison of PPP in England and the Netherlands. In: POLLITT, Christopher;
VAN THIEL, Sandra; HOMBURG, Vincent (Ed.). New Public Management in Europe: Adaptation
and alternatives. London: Houndmills, Palgrave, McMillan, 2007.

PEREIRA, Luis Carlos B. Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado. In:
PEREIRA, L. C B.; SPINK, P. K. (Org.). Reforma do estado e a administração pública gerencial.
Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 21-38.

SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de


Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 43, p. 347-369, 2009.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 14
A rede de apoio do Terceiro Setor

Objetivos Específicos
• Compreender o papel, limites e potencialidades da gestão social e da
regulação entre público e privado, bem como a intersecção entre o terceiro
setor e a gestão pública.

Temas

Introdução
1 A administração pública
2 O modelo societal
3 O terceiro setor
Considerações finais
Referências

Professor Autor
Dênis Alves Rodrigues
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Nesta aula, vamos analisar a administração pública, com foco no caso brasileiro, sobre a
perspectiva do terceiro setor.

A administração pública tem passado por reformas que procuraram melhorar seu
desempenho, nesse contexto, aparece o modelo Gerencialista que se difere do modelo
Burocrata até então vigente.

Esta passagem, no Brasil, não foi total, mas trouxe novas perspectivas procurando tornar
o Estado mais flexível e eficiente. Com isto, várias práticas e ferramentas foram implantadas
a partir do setor privado, presumidas como melhores e mais eficientes.

Novos formatos organizacionais foram propostos procurando desonerar o Estado


de algumas de suas atribuições e procurando descentralizar atividades. Neste momento,
aparecem as agências reguladoras e muitas atribuições são passadas aos entes federativos
subnacionais, como os munícipios que passam a ter responsabilidade sobre muitos serviços.

Por outro lado, críticas aparecem ao modelo Gerencialista, muitas vinculadas à sua
preocupação com eficiência, sem atentar às questões sociais importantes, como transparência
e participação social. Para suprir tais lacunas, aparecem modelos como a gestão social e uma
tendência dos governos trabalharem em colaboração com o terceiro setor.

É nesta área que a aula de hoje se desenvolverá, procurando entender melhor este
debate, com seus limites, propostas e desafios. Boa leitura!

1 A administração pública
A administração pública teve vários modelos de gestão implantados, com orientações
ao seu funcionamento, prescrevendo, muitas vezes, a forma de agir, planejar e gerir a coisa
pública, sendo que cada um dos modelos pretendeu responder aos interesses dos políticos
ou da classe dominante à sua época de implementação.

Podemos, como ponto inicial, falar do modelo Patrimonialista, no qual o público e privado
eram misturados, principalmente na imagem do rei, que geria a coisa pública como sua, onde
práticas como o nepotismo eram comuns, além disto, a sociedade tinha pouca participação
nas decisões, assim, seu papel, quando não inexistente, era marginal.

Visando ao combate destas práticas, normalmente em regimes democráticos, aparece


o modelo burocrático, que teve em Weber um dos seus ícones, por ser um estudioso das
burocracias. Como forma de combate às práticas patrimonialistas foram desenvolvidos
princípios como a formalidade, que, entre suas prescrições, temos que as “[...] tarefas dos
empregados são formalmente estabelecidas de maneira a garantir a continuidade do trabalho
e a estandardização dos serviços prestados, para evitar ao máximo a discricionariedade
individual na execução das rotinas” (SECCHI, 2009, p. 351).
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Embora o novo modelo tenha chegado ao Brasil, onde suas práticas iniciais remontam
à década de 1930, ele nunca foi implantado totalmente, como a teoria o descrevia. Por
outro lado, embora não seja possível negar as melhorias conseguidas com o novo modelo,
problemas aparecem relacionados às suas práticas, por ser cara, autorreferida e pouco
voltada às demandas da sociedade (PEREIRA, 2006, p. 241).

Mais uma vez, o novo modelo, independentemente do seu grau de implantação no Brasil,
não atendia completamente às necessidades dos governos e da sociedade, aparecendo um
novo modelo, que no Brasil ficou conhecido como Gerencialista. Este novo modelo procurava
mudar a concepção da gestão pública para torná-la mais flexível e eficiente, procurando
manter sob o controle direto do Estado apenas as atividades estratégicas.

Críticas surgem a este modelo, pois havia o entendimento de “[...] que colocariam em
prática ideias e ferramentas de gestão utilizadas no setor privado, ‘criticamente’ adaptadas ao
setor público, tais como os programas de qualidade e a reengenharia organizacional” (PAULA,
2005, p. 38).

Embora o modelo Gerencialista tenha vindo para tornar o Estado menos autorreferido, ou
seja, deslocar-se do modelo weberiano que presumidamente fecha os governos em si mesmo e,
portanto, não abertos à sociedade, ele recebe algumas críticas por, também presumidamente,
não incentivar a participação social. Considerando neste contexto as críticas ao modelo
Gerencialista, quais seriam as orientações e práticas indutoras mais adequadas para atender a
essas novas demandas ou a essas necessidades?

As críticas ao modelo gerencial sugerem que o Estado ainda estaria pouco permeável à
sociedade civil, e assim, esta ainda teria pouca participação nos governos. Neste processo,
apresentam-se modelos como o da administração pública societal (PAULA, 2005), o qual
iremos conhecer mais detalhadamente a seguir.

2 O modelo societal
Especificamente no Brasil, as ações que lutavam contra a ditadura e o apoio da igreja
católica em questões sociais estimularam “[...] a articulação de alguns grupos em torno de
questões que afetavam substancialmente a qualidade de vida individual e coletiva, originando
reivindicações populares junto ao poder público” (PAULA, 2006, p. 39). Com isto, iniciava-se
uma cultura de luta por direitos sociais e cobrança sobre os governos para resolverem estas
questões que se apresentavam.

Entre os setores que receberam atenção da população, neste ambiente de protestos e


cobranças, temos: “[...] transporte, habitação, abastecimento de água, saneamento básico,
saúde, creche, e cidadania (direitos políticos, principalmente” (PAULA, 2006, p. 39).
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Figura 1 – Manifestações

Neste processo, vários atores se manifestam quando da elaboração da nova Constituição


Federal (1988), na qual foi possível perceber os indícios de aumento da permeabilidade do
Estado perante a sociedade, além da criação e garantia de diversos direitos sociais.

Assim, paralelamente ao desenvolvimento das reformas gerencialistas, também havia


propostas que visavam a uma maior participação democrática da sociedade, a qual deveria
estar articulada com a democracia representativa, vigente.

Este novo modelo (embora estejamos chamando-o assim por uma questão didática),
embora muitas vezes não pareça um corpo único de modelo que possa atender a todas as
demandas do Estado atual, trabalhando de forma mais pontual a questão da participação
social, formando uma crítica a outros modelos, como o Gerencialista, onde procura apresentar
novas propostas ou uma outra orientação para a administração pública, fugindo um pouco
de uma vertente “puramente Gerencialista”, pois esta “[...] visão alternativa tenta ir além dos
problemas administrativos e gerenciais, por considerar a reforma um projeto político e de
desenvolvimento nacional” (PAULA, 2005, p. 39).

As palavras acima demonstram que o foco real não é um rompimento com o processo
Gerencialista, ou com outro modelo de administração pública, e sim uma crítica para que
outras perspectivas, que não aparecem tão delineadas ou de forma objetiva nestes modelos,
sejam tratadas como prioridades.

Nesta linha, críticas são direcionadas, por exemplo, ao setor público não estatal, onde
novos formatos organizacionais ou institucionais precisariam ser criados para que houvesse
maior participação da sociedade civil, e que esta não ocorresse apenas nas decisões pontuais
e sim durante o processo de escolha de alternativas para os problemas públicos, inclusive
quais deveriam ser as prioridades dos governos.

Para Paula (2005, p. 40), três dimensões são importantes para compreender e comparar
os modelos de Administração Societal e o Gerencialista, sendo elas:

1. A dimensão econômico-financeira;

2. A dimensão institucional-administrativa;

3. A dimensão sociopolítica.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Esta divisão proposta resume a atividade do Estado. A primeira dimensão se apropria


de questões relacionadas ao orçamento dos governos, tanto quanto às suas receitas, quanto
aos gastos, ou melhor, a aplicação dos recursos públicos, que em última análise também
reporta uma escolha (políticas) de opções de investimento, considerando que os recursos à
disposição são escassos.

A segunda dimensão está vinculada às questões mais atreladas à gestão, definindo


a forma da organização, a criação de modelos institucionais e sua utilização, como os da
administração direta, administração indireta, parcerias público-privadas (PPP) ou as
Organizações Sociais (OS), que também são formas de gerir a coisa pública. Além disto,
questões como planejamento, operacionalização e gestão dos recursos humanos também
são problemas vinculados a esta dimensão.

Por último, temos a dimensão sociopolítica, que pela divisão efetuada pela autora citada,
está relacionada às questões políticas como direitos sociais e cidadania, além disto, temos a
análise da participação da sociedade civil nas decisões e nos processos dos governos, visando
a maior transparência e responsabilidade.

O quadro a seguir nos permitirá compreender melhor as diferenças entre os dois modelos
que estamos debatendo, suas propostas e diferenças.

Quadro 1 – Variáveis observadas na comparação dos modelos

Administração Pública Gerencial Administração Pública Societal


Movimento internacional pela Movimentos sociais brasileiros,
reforma do Estado, que se iniciou nos que tiveram início nos anos 1960
Origem
anos 1980 e se baseia principalmente desdobramentos nas três décadas
nos modelos inglês e estadunidense seguintes
Enfatiza a eficiência administrativa Enfatiza a participação social e procura
e se baseia no ajuste estrutural, nas estruturar um projeto político que
Projeto político recomendações dos organismos repense o modelo de desenvolvimento
multilaterais internacionais e no brasileiro, a estrutura do aparelho de
movimento gerencialista Estado e o paradigma de gestão
Dimensões estruturais Dimensões econômico-financeira e
Dimensão sociopolítica
enfatizadas na gestão institucional-administrativa
Não há uma proposta para a organização
Organização Separação entre as atividades
do aparelho do Estado e enfatiza
administrativa do exclusivas e não exclusivas do Estado
iniciativas locais de organização e gestão
aparelho do Estado nos três níveis governamentais
pública
Participativo no nível do discurso,
Participativo no nível das instituições,
Abertura das mas centralizador no que se refere ao
enfatizando a elaboração de estruturas
instituições políticas à processo decisório, à organização das
e canais que viabilizem a participação
participação social instituições políticas e à construção
popular
de canais de participação popular
Gestão social: enfatiza a elaboração de
Gerencialismo: enfatiza a adaptação
experiências de gestão focalizadas nas
Abordagem de gestão das recomendações gerencialistas
demandas do público-alvo, incluindo
para o setor público
questões culturais e participativas

Fonte: Paula (2005, p. 41).

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

O primeiro ponto a debater é que o quadro simplifica o debate que gira em torno das
duas visões de modelos para a administração pública e, com certeza, ele também traz consigo
uma carga ideológica de quem o construiu.

A partir disto, focando nas dimensões elencadas acima, percebe-se que o modelo societal
não apresenta orientações ou ferramentas que sejam utilizadas em todas elas ou em cada uma
delas. Este é um dos motivos que dificulta a denominação do modelo como administração
societal, pois, de forma resumida, ela procura enfatizar a necessidade de maior participação
popular na administração da coisa pública.

Os comentários acima não buscam desvalorizar as propostas do modelo societal, muito


pelo contrário, eles estão totalmente alinhados com as necessidades da sociedade civil atual,
e as manifestações populares mostram que este rumo precisa ser perseguido e é importante.

Por outro lado, esse modelo não traz repostas para outras questões, como na área
financeira, ficando evidente que a preocupação na participação social deva ocorrer em todas
as esferas governamentais (inclusive em todos os níveis dos entes federados) e em todas as
dimensões da administração pública.

Assim, o debate parece estar mais focado na necessidade dos governos,


independentemente do modelo de administração pública escolhido ou vigente, de aprimorar
suas formas e ferramentas de debates e discussões para que a sociedade civil, quer seja
de maneira organizada (como os sindicatos ou associações) ou de maneira individual (cada
cidadão), possa participar deste processo, não limitando-se portanto, ao momento do voto,
onde se escolhem os representantes nas esferas do Poder Executivo (como nas eleições para
prefeitos, governadores e presidente) ou no âmbito do Poder Legislativo (como nas eleições
para vereadores, deputados estaduais ou senadores).

Assim, duas questões iniciais aparecem: uma primeira vinculada à vontade política
dos governantes em lidar com este problema como primordial dentro de uma sociedade
democrática e o segundo, que está relacionado à forma de criar sinergia entre as diferentes
opiniões (dentro da sociedade) e conduzir um processo para que haja de fato a participação
social. Para esta situação temos o advento da Lei de Transparência que procura deixar a
administração pública mais acessível à população, o que fornece elementos inclusive para
qualificar os debates que aparecem. Uma das formas possíveis se dá através das redes
sociais e da internet como um todo, utilizando-se, portanto, de ferramentas de Tecnologia da
Informação e Comunicação (TIC), podendo ser um importante aporte neste processo.

Portanto, para além do debate de escolhas entre modelos de aplicação, ou mesmo sobre
problemas encontrados em cada uma ou mesmo críticas que existam para cada um deles,
percebe-se a necessidade de participação maior da sociedade civil no debate, e uma das
formas para que isso ocorra é através das organizações do terceiro setor, ou seja, não estão
definidas dentro do conceito de pertencentes ao Estado, todavia, também não possuem fins
lucrativos, o que demonstra uma maior preocupação social em suas ações.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Assim, procuraremos entender melhor como funciona este tipo de organização e sua
decorrente relação com o poder público.

Para conhecer melhor as diretrizes sobre a transparência e acesso à informação, acesse o


link disponível na Midiateca da disciplina.

3 O terceiro setor
Inicialmente, temos o Estado como autoridade responsável, no Brasil, por várias áreas
sociais, sendo responsável por gerir a coisa pública, o que lhe transfere a denominação de
primeiro setor. Na sequência, temos os entes que possuem como finalidade o lucro e são
orientados e regulados pelo Estado através de leis e regulamentações, são formados pelas
empresas privadas, bancos, comércios, prestadores de serviços, entre outras instituições que
visam ao lucro.

Por fim, temos as organizações classificadas como terceiro setor, que são constituídas
pelas instituições sem fins lucrativos, com objetivo de melhorias sociais e trabalham, portanto,
no interesse coletivo. É importante ressaltar que estas estruturas não estão diretamente
vinculadas ao Estado (primeiro setor), muitas vezes estas organizações são formadas como
fundações (privada), associações, entre outras.

Perante o Estado, muitas destas organizações foram reconhecidas através das


Organizações Sociais (OS) ou das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP). Quanto a isto temos que ambas “[...] iniciaram-se na esfera federal do governo e que
foram construídas no mesmo período (de 1995 a 1998), sendo que a lei federal de OS teve
sua vigência iniciada em 1998 (BRASIL, 1998) e a lei federal de OSCIP em 1999 (BRASIL, 1999)
” (ALCOFORADO, 2010, p. 49).

Evidentemente, este processo chegou a outros entes federados, como os estados, e


estudos foram realizados, como o de Alcoforado (2010), onde se pretendeu analisar estes
casos e seus desdobramentos e, embora tenham encontrado problemas no processo, há uma
compreensão de que o apoio do terceiro setor pode contribuir com os governos para que
estes ofereçam melhores prestações de serviços (BOCCHI, 2013, p. 15), principalmente em
áreas sensíveis, como as sociais, procurando compreender melhor os problemas “na ponta”
e prestando um serviço, pelo menos teoricamente, mais customizado.

Desta forma, as organizações do terceiros setor se mostram como um importante


apoio para a gestão pública, podendo ser, por um lado, através do seu reconhecimento e
financiamento pelo Estado através de OS ou de OSCIP, como encontramos exemplos de caso
na área da saúde, gerindo hospitais, como, por outro lado, trabalhando sem esta vinculação

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direta com o Estado, mas prestando serviços de alta relevância social e podendo contar com
pessoas trabalhando como voluntárias e com financiamento de empresas privadas, as quais
muitas vezes colaboram com estes tipos de instituições.

Portanto, a participação das organizações do terceiro setor tem se mostrado muito


importante neste processo de melhoria da gestão pública, evidenciando uma nova forma de
mudar a realidade social através de um tipo específico de parcerias ou através de ações sem
apoio direto dos governos.

Isto também mostra que, independentemente do modelo teórico de administração


pública em vigor no Brasil, na prática, encontramos parcerias que visam a descentralizar
atividades do Estado para o âmbito civil e contribuir para a melhoria do desempenho estatal.

3.1 Modalidade institucional e de atuação do terceiro setor


Após conhecermos as formas como este novo relacionamento se apresenta e figurando
como um importante parceiro social para o Estado, é importante conhecermos as formas
institucionais (ou jurídicas) que estas organizações do terceiro setor podem apresentar, bem
como a forma de atuação que elas podem ter.

Começando pelos formatos institucionais, podemos dividir em fundações e associações.


As fundações possuem identificação própria (cadastro de pessoa jurídica) em que bens são
colocados para atingir um mesmo interesse e para tal são organizados, dispondo de bens em
comum (da fundação) para exercerem as atividades para a qual foram concebidas.

É importante neste ponto que seja feita uma consideração: dentro do âmbito da
administração pública (administração indireta) existe a figura das fundações públicas,
que possuem personalidade jurídica própria e existem para fins específicos, possuem
orçamento, bens e pessoal públicos. No entanto, elas não se confundem com as
fundações privadas que estamos tratando neste capítulo. Como exemplo de fundações
públicas temos a Fundação Nacional de Artes-FUNARTE (Governo Federal) e a Fundação
Procon-SP (Governo do Estado de São Paulo).

Assim, as fundações do terceiro setor estão vinculadas às legislações civis e trabalhistas


(Consolidação das Leis Trabalhistas-CLT) como qualquer empresa, diferenciando-se destas
por sua finalidade social e não o lucro. Como exemplo, temos a Fundação Itaú e a Fundação
Gol de Letra.

Quanto às associações e sociedade civis, embora elas sejam parecidas, temos que as
primeiras não têm finalidade lucrativa (BOCCI, 2013, p. 38).

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As associações diferem das fundações, pois:

[...] nas primeiras há uma reunião de bens direcionados a um fim. Nessas últimas,
não há associados nem assembleia de associados, há, sim, curadores e conselhos de
curadores, sendo a ingerência da lei muito maior. Por essa razão, a maioria das ONGs
resolve assumir a configuração de uma associação, devido à necessidade de maior
liberdade de atuação. (BOCCI, 2013, p. 39).

Assim, percebemos que as duas formas jurídicas (fundações e associações) se encaixam


enquanto terceiro setor, mas possuem especificidades que precisam ser bem analisadas
quando de sua criação, inclusive quanto à sua área de atuação e se pretende, em algum
momento, tentar se cadastrar como uma OS ou OSCIP junto ao poder público.

Agora iremos mostrar os principais modelos (ou formas) que os entes do terceiro setor
usam, com foco em suas atividades.

Os primeiros modelos a serem verificados são os das Organizações Sociais (OS) e


das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), que são formas que a
administração pública utiliza para cadastrar (registrar) entes do terceiro setor com o fim de
realizarem determinadas atividades sociais, de interesse público, mediante repasse de verbas
pelo Estado. Nesta situação as OSs e OSCIPs possuem obrigações que são detalhadas em
contratos, os quais inclusive vão explicitar a forma de remuneração e controle pelo ente
estatal que está repassando atividades e orçamento para consecução de suas atividades. Os
dois formatos possuem diferenciações que a lei que regulamentou isto definiu, por exemplo,
a área de atuação.

As Organizações Sociais foram regulamentadas pela Lei nº 9.637/98 e as Organizações


da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) foram criadas e regulamentadas pela Lei nº
9.790/99. Para acessá-las, acesse o link disponível na Midiateca da disciplina.

Outro formato incluído como de terceiro setor são os Serviços Sociais Autônomos. São
entes paraestatais que cooperam com o poder público, criados por lei, com personalidade de
direito privado, sem finalidade lucrativa, podendo ser mantidos por dotação orçamentária ou
por contribuições parafiscais (BOCCHI, 2013).

Como exemplos destes serviços, há os vinculados ao Sistema “S”, entre os quais temos o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Social do Comércio (SESC).
Nesta modalidade, os entes possuem autonomia na destinação de seus orçamentos, na
delimitação de seus quadros de funcionários e na contratação de funcionários, por exemplo.
Estas características permitem que eles ajam com maior flexibilidade e agilidade, frente às
suas necessidades.

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Considerações finais
Hoje analisamos um novo modelo, ou melhor, novas orientações ao setor público.
Estas orientações que se configuram como modelo societal aparecem dentro de críticas que
são feitas ao modelo Gerencialista de administração pública, por entender que este último
não preconizava, de forma afirmativa, ações em busca de uma melhor condição social ou
participação da sociedade nas decisões e nos processos da administração pública.

Neste contexto, o modelo societal mostrou uma grande preocupação com o fortalecimento
do Estado com instrumentos que sejam utilizados para uma maior aproximação da sociedade,
e, com isto, que esta possa participar ativamente das decisões e definições, sugerindo que os
governos criem fóruns de debates e desenvolvam formas de majorar a voz dos cidadãos, para
que estes definam os rumos da administração pública.

Embora este novo modelo tenha uma percepção importante de caminhos que precisam
ser trilhados para a melhoria do desempenho dos governos, ele não preenche as lacunas
(dimensões) necessárias para se firmar como um modelo capaz de substituir os anteriores,
e sim, figura como novos preceitos e orientações que precisam permear todo o Estado,
quer seja quanto a questões financeiras, administrativas (gestão) ou no âmbito das decisões
políticas.

Após esta importante análise, aprofundamo-nos um pouco mais em relação às


organizações do terceiro setor, definindo como elas se formam (institucionalmente),
organizam-se e quais são seus objetivos (que não incluem o lucro), que são essencialmente
sociais, e algumas formas de relacionamento com o Estado. Foi possível, com isto, verificar
que estas organizações não estão vinculadas, obrigatoriamente, ao Estado, embora este
tenha criado formas de parcerias, para que a partir de repasse financeiro, estabelecimento de
metas e monitoramento das ações, estas organizações possam receber e executar atividades
públicas, contribuindo para a melhoria do desempenho dos governos e melhorando a vida
da sociedade.

Referências
ALCOFORADO, Flávio Carneiro Guedes. OS e OSCIP: uma Análise da Abrangência dos Serviços
Públicos e do Perfil das Entidades Parceiras em Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Revista
ADM. MADE, ano 10, v. 14, n. 3, p. 47-65, out. /dez. 2010.

BOCCHI, Olsen H. O terceiro setor: uma visão estratégica para projetos de interesse público.
Curitiba: Intersaberes, 2013.

PAULA, Ana Paula Paes de. Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão
social. RAE, v. 45, n. 1, jan. /mar. 2005.

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PEREIRA, Luis Carlos Bresser. Da administração pública à gerencial. In: PEREIRA, L. C. B.; SPINK,
P. K. (Org.). Reforma do estado e a administração pública gerencial. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
p. 237-270.

SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de


Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 43, p. 347-369, 2009.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 15
Avanços, desafios e potencialidades na gestão pública
brasileira

Objetivos Específicos
• Analisar criticamente as vantagens e os limites das inovações recentes, bem
como refletir sobre caminhos alternativos para aperfeiçoamento da gestão
pública brasileira.

Temas

Introdução
1 O processo de redemocratização
2 O projeto gerencialista
3 Novos desafios e oportunidades
Considerações finais
Referências

Professor Autor
Dênis Alves Rodrigues
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Nesta aula, teremos uma abordagem diferente sobre os caminhos trilhados pela
administração pública, pois é comum estudarmos de forma separada as reformas
administrativas que ocorreram ao longo dos anos na administração pública brasileira.

Estas reformas foram precedidas de modelos de administração pública internacionais


que, a cada momento, respondiam a determinados interesses e tinham objetivos orientadores
do trabalho ou das ações que propunham.

Assim, no Brasil, a partir da década de 1990, houve uma tentativa de mudança de


paradigma do atual modelo burocrático para um modelo que fosse mais eficiente e focado
para os resultados e para o cidadão, que ficou conhecido como Reforma Gerencial. O novo
modelo não se sobrepôs totalmente ao modelo até então vigente, o burocrático, mas sim, foi
reconhecido por diversas ações, nem sempre coordenadas, de melhoria do desempenho da
administração pública brasileira.

Neste contexto, dentro das propostas gerencialistas, várias ações e arranjos institucionais
foram criados, tais como: as organizações sociais, as parcerias público-privadas, as agências
reguladoras e as agências executivas.

Agora, o importante é conhecermos, a partir de uma avaliação crítica, quais foram os


ganhos auferidos com as novas propostas, bem como quais são seus limites. Esta análise é
fundamental para compreendermos para além dos discursos a favor de determinado modelo,
o que realmente mudou e como estas mudanças ocorrem. Com isto, poderemos vislumbrar
outras mudanças necessárias e como viabilizá-las. Também precisamos conhecer os limites
dos modelos propostos e se realmente houve uma sobreposição total dos modelos.

É importante lembrar que nestes mais recentes processos de mudanças, muitas ações já
eram propostas por outros modelos, que reforçavam a importância do trabalho em rede entre
Estado e sociedade civil (Governança Pública) ou a necessidade de melhorar a participação
do cidadão dentro dos governos (modelo societal). Boa leitura!

1 O processo de redemocratização
Para compreendermos de forma adequada como evoluiu a administração pública brasileira,
é necessária a análise da evolução dos modelos implementados e, a partir daí, entender quais
foram de fato as conquistas, os desafios e os equívocos neste processo. É importante o estudo
dentro de um contexto político-social estabelecido, inclusive compreendo-o historicamente.
Começaremos a nossa análise focando no processo de redemocratização, que foi um dos
norteadores de muitas mudanças para as reformas de Estado que ocorreram posteriormente,
principalmente a partir de 1995.

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O Brasil passou por um processo de redemocratização, no final da década de 1980, com


o advento da nova Constituição Federal (1988), onde “[...] a principal preocupação dos atores
políticos na redemocratização foi tentar corrigir os erros cometidos pelos militares [...]”
(ABRUCIO, 2007, p. 68).

Esta contextualização é importante, pois as reformas anteriores foram “[...] ambas em


períodos autoritários: o modelo daspiano e o Decreto-Lei nº 200. De tal forma que não
tínhamos uma experiência democrática de reformismo, baseado no debate, na negociação
e num processo decisório menos concentrador” (ABRUCIO, 2007, p. 72). Esta diferenciação
é importante, pois há o entendimento de que, em condições de ditadura, os processos de
reformas são mais fáceis, pois funcionam em um modelo “top down”, onde as diretrizes
tendem a ser prontamente atendidas, inclusive pelo fato de que nestas circunstâncias não há
debate entre os poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) e nem com a sociedade
civil como um todo.

Para conhecer melhor os direitos e garantias estipulados pela nova Constituição


Federal, bem como as novas orientações e obrigações estipuladas para a administração
pública, acesse o link disponível na Midiateca da disciplina.

Assim, podemos verificar que o processo resultante na atual Constituição Federal,


conhecida como “Constituição Cidadã”, principalmente pela grande quantidade de direitos e
garantias sociais que foram previstas, culminou em importantes desafios para administração
pública brasileira, que precisou se adequar a uma nova realidade e, com isto, ser repensada
e atualizada.

Por outro lado, a realidade da administração pública (quando da promulgação da atual


Constituição Federal) era bem diferente da que fora idealizada pela nova Carta Magna.
Podemos reforçar isto, pois:

De fato, o regime autoritário foi pródigo em potencializar problemas históricos


da administração pública brasileira, como o descontrole financeiro, a falta de
responsabilização dos governantes e burocratas perante a sociedade, a politização
indevida da burocracia nos estados e municípios, além da fragmentação excessiva das
empresas públicas, com a perda de foco de atuação governamental. (ABRUCIO, 2007,
p. 68).

Podemos somar a estes problemas, as práticas patrimonialistas sobreviventes em boa


parte do país, em todos os níveis da federação (ABRUCIO, 2007).

Portanto, analisando as informações acima, percebemos que o modelo vigente no Brasil,


o burocrático, independentemente do seu grau de implantação, não conseguiu responder

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– ou melhor, resolver – as demandas que eram propostas, pois podemos observar que
grandes problemas por ele combatidos continuavam presentes no país, como a não completa
diferenciação entre patrimônio público e patrimônio privado. Além disto, para atender
às novas propostas trazidas pela nova Constituição Federal, seria importante desenvolver
novas formas de gerir a coisa pública, para que pudessem atender melhor aos interesses da
população, sendo, inclusive, mais efetivos em suas políticas, por um lado, e evitando desvios
e práticas patrimonialistas de forma geral, por outro.

Outra questão importante que devemos entender neste processo de mudança é que
restou uma forma de federalismo no Brasil, com maior autonomia para os municípios (SILVA,
2010). Este novo arranjo impactou no desenho das políticas públicas e, evidentemente, no
relacionamento entre os entes federados (União, estados e municípios), pois incentivou a
cooperação entre eles, e mais que isto, gerou uma interdependência entre planejamento e
implantação das políticas públicas.

As mudanças trazidas pela nova Constituição Federal realmente criaram novas


situações, que eram bem diferentes das condições até então estabelecidas. Assim,
como foram os primeiros anos após sua promulgação, para a administração pública
brasileira?

Com a eleição do primeiro Presidente da República, após a democratização, a


administração pública teve dias difíceis, pois na era Collor a pauta foi direcionada por dois
pontos que contaminaram e direcionaram o seu debate, quais sejam, o de Estado mínimo e
o conceito de marajás (ABRUCIO, 2007, p. 70).

Figura 1 – Palácio da Alvorada

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Estes dois pontos estavam intimamente interligados, pois o conceito de marajás levou a
uma percepção equivocada de que todos os funcionários públicos não exerciam suas funções
de forma adequada e que representariam mais problemas para a administração pública do
que soluções, e que o Estado deveria ter o menor tamanho possível. Por este entendimento,
o foco deveria ser a diminuição da quantidade de funcionários para que o Estado tivesse o
tamanho ideal, e limitadas condições de agir, tornando-se pouco interventor, principalmente
no que se refere ao mercado privado.

Neste contexto temos que a

[...] resposta neoliberal parte do pressuposto do Estado minimalista e submete


a racionalidade burocrática à lógica de mercado, ficando a existência e a utilidade
das organizações públicas determinadas pelas finalidades do mercado. As principais
características do modelo liberal de gestão pública assentam-se em: a) redução
do tamanho do Estado, principalmente via privatização; b) descentralização; c)
desregulamentação radical; d) análise apurada de custo-benefício a orientar o
processo decisório; e) desestímulo à administração participativa; precariedade de
relacionamento políticos-burocratas dada a assimetria de informações etc. (ARAGÃO,
1997, p. 115).

Concepções equivocadas das reformas levam a reações também equivocadas, como a


revolta indiscriminada contra a burocracia (funcionalismo público), trazendo dificuldades ao
debate em torno da necessidade de sua melhor capacitação e desenvolvimento, bem como
práticas meritocráticas como forma de assumir cargos dentro da administração pública.

Por outra mão, as privatizações e análises decisórias embasadas em conceitos


puramente econômicos criam dificuldades para que o Estado assuma todas as suas funções,
como regulador do mercado e garantia de diversos direitos sociais preconizados na própria
Constituição Federal (1988).

2 O projeto gerencialista
No governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso é desenvolvido pelo Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) o Plano Diretor da Reforma do Aparelho
do Estado (Pdrae), que foi o alicerce das ações reformistas conhecidas como Gerencialistas,
que, entre outras coisas, propuseram a descentralização política (transferência de recursos e
atribuições) para os níveis locais e regionais (característica do federalismo); a descentralização
administrativa (procurando agilizar a resolução de problemas); diminuição dos níveis
hierárquicos das organizações públicas; pressuposto da confiança limitada; controle dos
resultados e foco nas necessidades do cidadão (prestação de serviços eficientes) (PEREIRA,
2006).

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Uma tentativa de melhoria do desempenho da administração pública, procurando torná-


la mais eficiente e permeável ao cidadão foram as ações gerencialistas. Até que ponto elas
foram exitosas e conseguiram realmente trazer melhores condições de trabalho, agilizando e
desburocratizando os processos e as políticas públicas?

Estas propostas, em muito, procuravam redefinir orientações e propostas para os


governos, de maneira a trazer mais eficiência e agilidade para a administração pública que,
por conta do modelo burocrático e de suas disfunções, dificultava a melhora do desempenho
dos governos, estes que se caracterizavam pelo excesso de controle em processos e
procedimentos, o que interferia, prejudicialmente, na relação entre Estado e cidadão.

Estes ideais e ferramentas administrativas utilizadas, em parte, eram oriundas da


administração de empresas, que por sua presumida maior eficiência poderia trazer tecnologias
que contribuíssem para o desenvolvimento das organizações públicas.

Mas, a proposta feita pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Pdrae–MARE)
tinha alguns pressupostos equivocados, pois o plano se baseava em uma visão etapista, onde
a reforma gerencialista viria depois da burocrática (ABRUCIO, 2007).

Esta enunciação postulava que teríamos que ter o modelo burocrático estabelecido e que
ele seria suplantado pelo modelo Gerencialista, com suas novas orientações e paradigmas.

Figura 2 – Visão etapista

Na prática, entretanto, o que ocorreu foi que o modelo gerencialista se acomodou sobre
o modelo burocrático existente. Um exemplo desta afirmação de apropriação de práticas
burocráticas é que “[...] o ideal meritocrático contido no chamado modelo weberiano não foi
abandonado pelo Mare; ao contrário, foi aperfeiçoado” (ABRUCIO, 2007, p. 71).

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Com as propostas do Mare, houve uma efervescência da administração pública


brasileira, voltando-se para o debate, com o qual foram obtidas grandes melhorias, entre
elas (dentro dos ideais do projeto Gerencialista) podemos citar a criação dos novos arranjos
institucionais, como as Organizações Sociais (OS). Com essas organizações tornou-se possível,
a partir de parcerias firmadas com o terceiro setor, a prestação serviços públicos não estatais,
descentralizando o serviço sem a necessidade do aumento no tamanho do Estado, com mais
funcionários, pois as OSs fariam toda esta parte de contratação e prestação de serviço. Todavia,
estas atividades não poderiam ser utilizadas em todas as áreas, ficando mais limitadas a áreas
sociais, como saúde e cultura.

Outras inovações que procuraram aumentar a autonomia de organizações públicas e, ao


mesmo tempo, descentralizar atividades foram as agências reguladoras que, mediante termo
firmado entre as partes, recebiam mais autonomia administrativa, orçamentária e política,
para executar as suas atividades, comprometendo-se com o atingimento de metas definidas
entre o órgão e o ministério ao qual estariam vinculadas.

Podemos ver este último exemplo como uma possibilidade de distanciamento do


modelo burocrático, através da descentralização de autonomia, o que, presumidamente,
daria melhores condições para que as agências executassem suas atividades e atingissem
melhores resultados, mas, por outro lado, com a autonomia política, o que deveria distanciá-
la de interesses patrimonialistas e poderia desviar os objetivos das organizações públicas.

Este processo se mostra como uma “[...] fuga da situação de ineficiência (que) é a que se
apresenta com o chamado insulamento burocrático, tentativa de isolar os laços que o aparelho
burocrático mantém com o ambiente externo, de forma resistir às pressões clientelísticas e
construir um “núcleo duro”, capaz de garantir a governança” (ARAGÃO, 1997, p. 113).

Dentro deste contexto, nós temos um deslocamento de foco para o resultado, mas é
importante reforçar que não houve um rompimento com o modelo burocrático e o controle
procedimental ainda é muito presente na administração pública brasileira.

Além disto, muitas propostas não se concretizaram dada a:

[...] visão economicista estreita da equipe econômica (que) barrou várias inovações
institucionais, como a maior autonomia às agências, dado que havia o medo de perder
o controle sobre as despesas dos órgãos. Mas havia outras resistências políticas,
vindas primordialmente do Congresso. Os parlamentares temiam a implantação de
um modelo administrativo mais transparente e voltado ao desempenho, pois isso
diminuiria a capacidade de a classe política influenciar a gestão dos órgãos públicos,
pela via da manipulação de cargos e verbas. (ABRUCIO, 2007, p. 73).

Estas considerações são importantes por mostrarem que havia uma pressão dentro do
próprio Poder Executivo federal, que se preocupava mais com a questão orçamentária, e por
outro lado, que parece menos legítimo, que é a preocupação dos políticos (Poder Legislativo)
que vinham no andamento das reformas, reforçando a necessidade da manutenção de

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práticas patrimonialistas nos governos.

Estes problemas, somados às questões de visão etapista e de que uma etapa (modelo)
substitui totalmente a outra (Burocrático x Gerencialista), criaram dificuldades, inclusive com
a burocracia dos governos (funcionários públicos), pois trouxeram mais um problema a ser
enfrentando que não era o foco no momento, pois havia questões mais importantes a serem
desenvolvidas e mais cruciais para a melhoria do desempenho dos governos.

Em nível local e regional, temos que os respectivos governos “[...] introduziram diversas
novidades no campo das políticas públicas: maior participação social, ações mais ágeis, e,
no caso específico dos estados, a expansão dos centros de atendimento integrado, uma das
maiores revoluções na administração pública brasileira contemporânea” (ABRUCIO, 2007,
p. 76).

Com estas considerações feitas, é possível identificar alguns pontos importantes sobre
a análise da reforma administrativa que ocorreu em 1995. O modelo Gerencialista procurou,
através de seus idealizadores, romper com o modelo burocrático, suplantando-o totalmente.
Assim, a intenção era a de que houvesse maior eficiência para a administração pública, já
em um novo contexto de globalização e rápidas evoluções de tecnologias, o que fazia com
que os preceitos burocráticos de controle procedimental e hierarquização se tornassem
ultrapassados. Isto, por si, já tornava necessário um novo modelo que fosse capaz de responder
de forma rápida às novas demandas que apareciam. Para tal, eram necessárias burocracias
mais ágeis, voltadas para o resultado. Estas mudanças não eram simples, a legislação brasileira
foi construída dentro de uma lógica burocrática de desconfiança sobre os gestores públicos, o
que levava a reforçar os controles sobre processos e procedimentos. Além disto, os problemas
econômicos e de financiamento do Estado que se vivia (principalmente durante as décadas
de 1980 e 1990) acabaram fazendo com que muitos esforços fossem voltados para esta área,
em detrimento de tantas outras importantes áreas.

Mas não se ficou na inércia, mudanças até na Constituição Federal foram promovidas
para tentar articular novos arranjos e formas de administrar a coisa pública. E logo foi visto
que a mudança total de paradigma não seria possível, até por conta de interesses políticos
diversos. Desta forma, os próprios governos foram adequando as mudanças às suas realidades
e às regras burocráticas existentes, o que limitou o seu alcance e a tornou mais morosa.

Outro ponto que é importante considerarmos é que as reformas não atingiram igualmente
todas as esferas federais, pois elas ocorreram “[...] fundamentalmente no âmbito federal, e
pouca influência exerceu [exerceram] na administração pública de nível subnacional (estados
e municípios) ” (RODRIGUES, 2015, p. 14).

Esta relativização é importante, pois, mesmo dentro do governo federal, não há


homogeneidade quanto às condições dos ministérios em termos de gestão e de quadro de
funcionários. Do outro lado, os municípios parecem ser o local onde menos houve evolução
das suas gestões, embora existam casos interessantes, como o do orçamento participativo.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Assim, embora não se tenha dúvida acerca das mudanças ocorridas, muito ainda precisa
ser feito para a melhoria da capacidade dos governos em termos de gestão e de democracia.

3 Novos desafios e oportunidades


Somados às necessidades de aprimoramento da administração pública, sendo que em
alguns casos essa melhora ainda foi muito sutil, aparecem novos desafios para os governos.
Dentre eles, podemos citar a constante cobrança por maior participação da população
nos processos decisórios dos governos e o combate à pobreza (CATALÁ, 2006, p. 274), por
exemplo. Assim, mesmo sem responder de forma definitiva aos problemas da eficiência e
efetividade da administração pública, outros problemas complexos se apresentam.

Embora tenha ocorrido um esforço muito grande para melhorar a eficiência do Estado,
não foi possível atingir todos os objetivos esperados. Os sucessos auferidos de forma isolada
são suficientes para termos um Estado mais justo e democrático? Por mais que as ações
reformistas em termos gerenciais tivessem sido inseridas na administração pública com alto
grau de sucesso, os problemas sociais e políticos do Brasil teriam sido resolvidos?

Reflexos destes debates foram expressados, também, por Paula (2005), no desenho do
modelo societal, que foca muito na necessidade dos governos de criarem mais espaços para
que a população possa participar das decisões do governo. Além disto, reforçam a necessidade
dos governos abrirem seus dados e suas informações para a população, aproximando o
Estado da população, dando-lhe maiores condições de participar dos debates de forma mais
qualificada.

Novamente, não se pretende falar em visão etapista ou uma visão totalmente antagônica
do modelo Gerencialista, mas sim, novas formas e ideais que sejam buscadas pelos políticos e
gestores públicos procurando aumentar a governabilidade democrática. Para Catalá (2006, p.
272) a “governabilidade democrática” é “[...] a capacidade de um sistema democrático para se
autogovernar e enfrentar positivamente os desafios e as oportunidades [...]”, evidentemente
as ações precisam estar, sempre, permeadas de democracia.

Quanto à questão da pobreza, cabe aos governos desenvolver projetos que ao mesmo
tempo façam com que haja crescimento econômico, além de fazer com que ocorra a
distribuição das melhorias auferidas por toda a população, culminando no sentimento de
melhoria de vida mesmo entre as pessoas em situações de maior pobreza.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Figura 3 – Contradições sociais

Por outro lado, modelos aparecem com outro foco, consideram que o Estado, sozinho,
não será capaz de realizar as mudanças necessárias e com a rapidez desejada, tornando
fundamental a participação da sociedade civil em parceria com os governos, procurando
otimizar a utilização dos recursos e prover melhores serviços, estas ideias foram unidas
dentro do modelo de governança pública. Dentre as ações vinculadas a este modelo, temos
as parcerias público-privadas (PPP) para projetos de grande vulto em quais são necessárias
grandes somas de dinheiro para financiá-los. Os governos podem fazer parcerias com
empresas privadas, dividindo riscos e garantindo retorno para o setor privado, realizando
conjuntamente estes projetos. Espera-se que muitos projetos importantes, muitas vezes da
área de infraestrutura e que ficariam engavetados, sejam levados adiante.

Apesar destas intervenções e mudanças procurando melhorar o desempenho das


administrações públicas, temos, para Catalá (2006, p. 276), quando analisamos a América
Latina, uma grande gama de reformas pendentes, entre elas:

• A adequação e a limpeza dos sistemas eleitorais correm paralelas à necessidade de


melhorar a imagem, a organização, a representatividade e o sistema de financiamento
de partidos;

• Os grandes consensos que as reformas institucionais exigem não podem ser obtidos
a partir da lideração exclusiva do presidente; passa a ser indispensável fortalecer a
instituição e o aparelho organizacional dos legislativos nacionais;

• A superação do corporativismo exigirá um sistema jurídico que assegure efetivamente


as liberdades econômicas e sociais em um Estado de direito garantido por um Poder
Judiciário independente, eficaz e responsável;

• Estabelecimento de programas e fundos dirigidos à redução da pobreza; garantia


pública de acesso universal a certos serviços essenciais, sobretudo aos serviços

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de saúde e educação; desburocratização dos serviços essenciais e progressivo


envolvimento do setor privado na oferta desses serviços; desenvolvimento das
capacidades de gerenciamento social.

Portanto, para além das questões de eficiência do Estado e parcerias para melhores
resultados, temos grandes preocupações em torno de objetivos sociais importantes a serem
perseguidos, independentemente de modelo de gestão pública que esteja prevalecendo em
determinado momento. Para além de problemas quanto à “otimização” de processo, foco
no resultado, utilização de ferramentas administrativas importadas das empresas privadas, é
necessário que problemas sociais complexos sejam combatidos, como a pobreza e o acesso a
serviços essenciais, como saúde, que precisam ser universalizados.

Para conhecer um pouco mais das críticas sobre as dificuldades de se lidar com a burocracia
e a necessidade de melhorias sociais, sugerimos o filme: Saneamento básico, o filme (comédia).
O pano de fundo é uma demanda social, na área de saneamento, mas questões burocráticas
vão sendo colocadas como empecilhos, sendo necessária a criatividade para superá-los.

Outra crítica importante ao foco Gerencialista é que já deveríamos ter aprendido

[...] que não há progresso administrativo significativo sustentável sem mudanças no


sistema político; que as tecnologias de gestão não são politicamente neutras; que
já não há one best way e que cada contexto nacional ou local exige estratégias e
soluções específicas; que a finalidade das reformas não é só melhorar a eficiência
atribucional, mas também, a eficiência adaptacional ; que para tanto deve-se contar
com análises e estratégias integrais, mesmo que traduzidas em medidas de reformas
seletivas, em sequências bem ordenadas [...]. (CATALÁ, 2006, p. 296-297).

Assim, algumas lições são importantes, pois não podemos destituir dos debates sobre a
administração pública a visão política, o que nos remete a uma necessidade de composição
e participação da sociedade em favor da melhoria da gestão pública, pois, muitas vezes, os
interessem dos políticos e dos burocratas podem não ser o interesse público e sim interesses
particularistas ou corporativistas.

Quanto a este embate, temos que:

A administração pública, enquanto disciplina, pode ser definida como um campo


de estudos interdisciplinar que captura as tensões entre uma orientação racional
instrumental (voltada para a ampliação da eficácia e da eficiência), de um lado, e uma
orientação política (que considera as questões dos valores e visa promover interesse
público), de outro. (GARSON; OVERMAN, 1983; MARSHALL, 1998 apud ANDION,
2012, p. 3).

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Além disto, as propostas que são levadas ao debate costumam estar permeadas por
ideias, e é preciso compreendê-las para saber quais são realmente as possibilidades de
sucesso e quais os benefícios realmente serão trazidos para a população ou em qual medida
as ações atendem a interesses particularistas ou de uma minoria.

Por outro ângulo, é importante ressaltar a necessidade de se analisar as propostas


dos modelos e absorver o melhor ou o ideal de cada um, dado um determinado contexto,
visando a uma melhor e mais democrática administração. Isso porque o “[...] predomínio do
paradigma funcionalista estaria aprisionando e limitando o desenvolvimento do campo que
cresceria em reflexividade e riqueza, se os distintos paradigmas pudessem se reconhecer e
dialogar” (CALDAS, 2007 apud ANDION, 2012, p. 2).

Considerações finais
Nesta aula analisamos, de forma crítica, o processo mais recente de reformas
administrativas pelas quais o Estado brasileiro passou. Identificamos os modelos que se
apresentaram como o gerencialista, o societal e o de governança pública.

Também foi possível verificar que todos eles possuem melhorias significativas, ao mesmo
tempo em que há lacunas e disfunções ou até premissas equivocadas.

De outra parte, a gestão pública, sendo permeada por diversos interesses, implica
dificuldades e desafios extras na implementação das propostas de cada modelo, situação que
muitas vezes vai de encontro aos interesses já estabelecidos. O que ressalta a importância da
participação social para que este quadro possa mudar e fazer com que importantes mudanças
sejam feitas e que estas estejam alinhadas ao interesse público.

Por último, podemos comparar as reformas em democracias, que podem ser mais lentas
por haver maior debate entre os poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) e
com a sociedade civil, organizada ou não, como um todo. Este arranjo mais complexo acaba
por deixar mais morosa, além de complexa, a implantação de mudanças drásticas, assim,
normalmente são feitas alterações de forma incremental.

Referências
ABRUCIO, Fernando Luiz. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a
renovação da agenda de reformas. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 41, n. especial, p. 67-
86, 2007.

ANDION, C. Por uma nova interpretação das mudanças de paradigmas na administração pública.
Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, mar. 2012.

ARAGÃO, C. Burocracia, eficiência e modelos de gestão pública: um ensaio. Revista do Serviço


Público, ano 48, n. 3, set-dez 1997.
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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

CATALÁ, Joan, P. Governabiliade democrática na América Latina no final do século XX. In:
PEREIRA, L. C B.; SPINK, P. K. (Org.). Reforma do estado e a administração pública gerencial.
Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 271-314.

PAULA, Ana Paula Paes de. Administração pública brasileira entre o gerencialismo e a gestão
social. RAE, v. 45, n. 1, 2005.

PEREIRA. Luis Carlos B. Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado. In:
PEREIRA, L. C B.; SPINK, P. K. (Org.). Reforma do Estado e a administração pública gerencial.
Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 21-38.

RODRIGUES, Dênis Alves. A nova agenda da gestão pública brasileira: estudo de caso do Detran-
SP. 2015. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/100/100138/tde-31032015-131712/pt-br.php>.
Acesso em: 10 ago. 2015.

SILVA, Virgílio A. Federalismo e articulação de competências no Brasil. In: PETER, Guy B.; PIERRE,
Jon (Org.). Administração pública: coletânea. São Paulo: UNESP, 2010. p. 549-570.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor
Público
Aula 16
Desempenho e efetividade do setor público

Objetivos Específicos
• Conhecer os instrumentos de avaliação de desempenho e efetividade do
setor público

Temas

Introdução
1 Contextualização
2 Avaliação de desempenho e de efetividade
3 Desafios para avaliar e mensurar resultados no setor público
4 Indicadores para as áreas sociais
Considerações finais
Referências

Professor Autor
Dênis Alves Rodrigues
Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Introdução
Nesta aula, vamos entender sobre a administração pública e seu grande desenvolvimento
nas questões gerenciais da última década. A busca pela mudança de mentalidade, passando
por uma visão burocrática e compartimentalizada das políticas públicas para uma forma mais
gerencial, democrática e colaborativa de se administrar a coisa pública.

Neste contexto, são desenvolvidos novos modelos de gestão pública, como o New Public
Management (NPM), como ficou conhecido no mundo, e teve expoentes como Osborne
e Gaebler (1998) nos Estados Unidos da América ou o modelo Gerencialista, como ficou
conhecida a reforma no Brasil, ocorrida a partir da década de 1995.

Um dos marcos desta nova visão da administração pública era o foco no resultado, que se
contrapunha ao modelo burocrático, cujo foco se fixava no controle dos processos. Com estas
novas orientações, um dos pontos a serem trabalhados era a mensuração do desempenho e
da efetividade da administração pública.

Embora a prática fosse muito mais disseminada na área empresarial há mais tempo,
isto se mostrou um novo desafio para os gestores públicos, pela complexidade das ações
colocadas em prática e a dificuldade de vincular alguns resultados às ações executadas.

Procuraremos, portanto, desenvolver este tema e compreender como esta questão se


colocou para a administração pública. Boa leitura!

1 Contextualização
As orientações para a administração pública sofreram mudanças durante o final do
século passado. Havia uma preocupação generalizada com a melhoria de desempenho das
organizações públicas. O novo contexto mundial de globalização, as inovações tecnológicas
e uma interdependência entre países obrigaram as administrações públicas pelo mundo a
serem mais ágeis e efetivas na execução de suas atividades, pois era necessário dar respostas
às demandas sociais que se apresentavam.

Este foco que passava para os resultados possuía um dos pontos que o diferenciava
do modelo burocrático, que tinha uma grande preocupação com o controle dos processos,
passando, em decorrência disto, a precisar de um monitoramento das ações e da avaliação
do desempenho do setor público.

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As práticas voltadas para a avaliação do desempenho no setor privado empresarial são


muito disseminadas e, de certa forma, desenvolvidas. Será que a transposição destas práticas
para o setor público é fácil? É simplesmente a transposição automática das práticas? Ou será
necessário pensar em adaptações por conta das peculiaridades do setor público?

Radin expõe o clamor pelo controle por desempenho que marcou as reformas gerenciais
(2000, p. 168 apud HEINRICH, 2010, p. 53): “[...] se há um único tema que caracterize o
setor público na década de 1990, é a demanda por desempenho. Um mantra, que demanda
o registro do desempenho e dos resultados explícitos da ação governamental surgiu nessa
década, ouvido em todos os níveis de governo”.

Dentro deste contexto as administrações públicas são compelidas, muitas vezes através
de regulamentações legais, a prestarem mais informações sobre seu desempenho para a
sociedade (transparência e accountability). Por outro lado, são efetuados contratos de gestão,
pelos quais os órgãos públicos ou entes por eles contratados se responsabilizam por atingir
determinados objetivos.

Inicialmente, percebeu-se uma tendência de monitorar os resultados dos órgãos


públicos de altos cargos executivos, principalmente por questões ligadas ao adequado uso
dos recursos financeiros do Estado, mas tão somente esta dimensão não é capaz de garantir
boas administrações ou mesmo garantir bons resultados.

No Brasil, boa parte deste controle financeiro está previsto em lei e, mesmo assim, não
podemos dizer que isto garante a efetividade das políticas públicas. Outros aspectos ligados
ao foco de cada área setorial, programa ou projeto implantado precisam ser considerados
neste processo de monitoramento das ações dos órgãos públicos ou da avaliação de sua
efetividade, garantindo melhores resultados. Uma nova cultura de gestão foi estabelecida.

2 Avaliação de desempenho e de efetividade


O monitoramento ou o controle dos processos não é suficiente para garantir bons
resultados. A orientação para o resultado é uma nova realidade, mas precisa ser estabelecida
com clareza para quem serão realizados os relatórios ou, ainda, para qual objetivo? Outra
questão é: quem terá acesso a estas informações e o que fará com elas?

Um ponto importante é que os relatórios formulados precisam conter informações


relevantes, por exemplo, uma das aplicações é para o próprio controle interno da administração
pública, ou seja, para que ela mesma conheça e acompanhe o desempenho de suas atividades.

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Modelos de Gestão Orientados ao Setor Público

Outro ponto importante é o controle externo, feito por órgãos não vinculados ao mesmo
poder, por exemplo. Este tipo de controle se configura quando o Poder Executivo presta
informações ao Poder Legislativo.

Além destas formas, as demandas por maior democracia e maior participação da


sociedade civil nas decisões da administração pública têm exigido que, cada vez mais, o Estado
preste informações sobre seus desempenhos a eles. Estas demandas estão alinhadas com os
princípios de transparência e accountability (responsabilização da administração pública).

Quanto aos tipos de dados que podem ser coletados e colocados à disposição, temos,
conforme Kamenski (1993 apud HEINRICH, 2010, p. 54) e Hatry (1999 apud HEINRICH, 2010,
p. 54):

• Dados de entrada (ex: recursos materiais e humanos);

• Dados de processo (tais como carga de trabalho e nível de complexidade da atividade);

• Dados de eficiência (como índice de produtividade e custo unitário);

• Dados de saída (bens e serviços entregues);

• Dados de resultados (em relação às metas intermediárias ou finais);

• Dados de impacto.

Figura 1 – Monitorar em várias perspectivas

Estes tipos de dados, referentes às diferentes informações e decisões que podem


ser tomadas com elas, procuram abarcar todas as áreas ou dimensões dentro das
organizações públicas.

Os primeiros dois tipos de dados (entrada e processo) já eram muito utilizados e


sugerem uma coleta de dados mais fácil e simples. Como exemplo do primeiro (entrada),
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temos a quantidade de funcionários necessária para executar determinado serviço, ou ainda,


a quantidade de insumos (e seus preços) que são utilizados em determinados processos. Os
dados de saída são relacionados à quantidade de produtos ou serviços prestados, que de
forma bruta não permite extrair muitas informações ou conhecimento sobre as organizações
as quais estão relacionadas.

Quando começamos a correlacionar os dados de entrada e processos, temos dados de


eficiência, que normalmente são índices relacionados à quantidade produzida e os custos
envolvidos na produção. Desta forma, tem-se um indicador capaz de ajudar a tornar a
organização pública mais eficiente. É sempre importante reforçar a necessidade de se analisar
quais processos (ou produção) carecem de maior atenção com relação ao monitoramento.

Quanto aos resultados, procura-se mensurar o atingimento de metas setoriais ou gerais


da organização pública. E, por último, os indicadores de impacto, responsáveis por aferir as
mudanças na sociedade que determinada ação, projeto ou política pública pretendia mudar.

Mas, a tipificação dos dados não significa que a sua utilização seja garantida ou mesmo
fácil de ser aplicada, pois os gestores públicos ainda têm dificuldades em fazer este quadro
funcionar bem (HEINRICH, 2010, p. 61).

O quadro atual da avaliação de desempenho e de mensuração de resultados no setor


público envolve (HEINRICH, 2010, p. 61):

• Desenvolvimento de indicadores focados na qualidade e nos resultados;

• Desenvolvimento de requisitos para elaboração de relatórios formais que contenham


comparações entre o desempenho real e as metas ou padrões preestabelecidos;

• Níveis múltiplos de accountability por desempenho em programas descentralizados;

• Dispositivos orientados ao mercado, por exemplo, incentivos financeiros/


orçamentários ao desempenho, como programas de bonificação por resultados (BR),
e planos de utilização de dados de desempenho para promover melhorias contínuas
e maior satisfação do cidadão (“cliente”).

Reforçando a situação do caso das organizações públicas brasileiras, em seu estudo,


Rodrigues (2015) identificou que quando da análise do caso do Detran do Estado de São
Paulo, que passou por uma reforma administrativa, cujo foco, em termos de resultados, foi
a mensuração de indicadores relacionados à quantidade e qualidade do atendimento ao
cidadão, e, ainda, reforçou que as outras áreas setoriais dentro da organização não tinham
este acompanhamento, o que dificultou o desenvolvimento do projeto.

Por outro lado, ainda reforçou que a falta de informações gerenciais e a ausência de
sistemas informatizados responsáveis pelo levantamento destas informações impediam o
acompanhamento dos resultados, como nas áreas de habilitação de condutores, fiscalização
e educação do trânsito.
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Esta análise é importante para que se tenha um quadro da realidade das organizações
públicas em contraste com a teoria.

3 Desafios para avaliar e mensurar resultados no setor


público
O exemplo acima evidencia que a realidade das organizações públicas, principalmente no
Brasil, se mostra distante de um ideal de monitoramento e avaliação de políticas ou projetos,
com identificação clara de objetivos a serem traduzidos em indicadores mensuráveis de forma
simples e objetiva e, também, de fácil entendimento pela sociedade.

Portanto, um dos problemas enfrentados é conseguir um consenso em todos os níveis


da organização (e em todos os setores) sobre os objetivos que precisam ser definidos e
acompanhados (HEINRICH, 2010, p. 61).

O primeiro desafio para as organizações públicas é, portanto, definir, dentro de sua


realidade, quais são os principais objetivos e o que precisa ser mensurado, monitorado. Em
alguma medida, esta questão se tornará um debate entre os gestores de cada área, até que
se encontrem definições de como será mensurado e como serão divulgadas as informações,
o que permitirá o accountablity.

Uma das saídas nestes casos que empobrecem e dificultam a evolução desta área é a
criação de metas vagas, irrelevantes ou que são atingidas facilmente (HEINRICH, 2010, p.
61). A adoção destas medidas permite diminuir o grau de conflitos e de comprometimento
entre as áreas dentro da organização, pois, como os indicadores são vagos e pouco claros ou
objetivos, os gestores dificilmente serão responsabilizados ou cobrados pelos resultados, pois,
provavelmente, atingirão as metas. Esta opção não colabora para melhorar o desempenho ou
para desenvolver o monitoramento dos resultados nas organizações públicas.

Outro problema em termos de avaliar os desempenhos das organizações públicas é


que muitas vezes são escolhidos indicadores que focam os resultados de curto prazo, em
detrimento dos indicadores longo prazo. Ou seja, são pensadas ações que, no curto prazo,
trazem resultados positivos para as instituições em detrimento do longo prazo, quando os
problemas não são equacionados de forma efetiva, gerando impactos insuficientes.

Assim, “[...] se as metas de desempenho de mais curto prazo e seus indicadores forem
correlacionados com firmeza aos objetivos e impactos dos programas de longo prazo os
gestores públicos poderão evitar este dilema” (HEINRICH, 2010, p. 62).

Desta forma, além de criar indicadores, estes precisam estar alinhados com os
objetivos estratégicos da organização e do governo, para que não haja distorções, podendo
o monitoramento das ações contribuir para uma análise mais complexa entre as ações
efetuadas e os resultados obtidos.
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Um ponto importante que diferencia o desenvolvimento de indicadores para o setor


público quando comparado com o setor privado é quanto à governabilidade dos gestores
públicos sobre os resultados, principalmente quanto estamos falando sobre indicadores de
impacto para a administração pública, pois, é comum que diversos fatores externos e não
controláveis impactem, também, os resultados, dificultando a análise da vinculação das ações
da administração pública aos resultados obtidos.

Quanto às questões sociais, muitas são as variáveis que podem influenciar os resultados,
o que tem orientado os governos a trabalharem de forma intersetorial.

Por outro lado, temos que as ações dos governos podem depender de ações de
entidades que não fazem parte da estrutura direta do Estado, como as Organizações Sociais
ou as empresas com as quais foram feitas parcerias público-privadas (PPP). E se para a
população esta divisão não é tão clara ou importante, para os gestores públicos que podem
não ter como influenciar nestas organizações que comprometem diretamente os seus
resultados é importante, pois ele será cobrado pelos resultados sobre os quais não tem total
governabilidade, cujos instrumentos ligados à execução da política ou do projeto, ou mesmo
sobre os recursos financeiros e sua utilização.

Assim, é importante que os gestores públicos não utilizem a avaliação de desempenho


ou o acompanhamento de resultados como forma de documentação dentro de uma visão
legalista, mas, que se utilizem destas ferramentas para compreender o impacto das decisões
que tiveram, dentro da escolha de projetos ou ações para enfrentar determinado problema.
Desta forma, conhecendo e relacionando as ações aos resultados, poderão adequá-los melhor
à realidade e contribuir para desenvolver melhores políticas públicas.

Os gestores públicos precisam correlacionar os diversos tipos de indicadores para que


gerem informações importantes para o andamento dos programas públicos. A simples opção
por apenas um dos tipos de indicadores debatidos pode levar a distorções nos programas e
fazer com que os resultados auferidos sejam pífios ou que se distanciem do objetivo maior
do programa.

Por exemplo, caso os gestores públicos foquem em indicadores de entrada ou de gastos


com os insumos para a implantação de um hospital. Neste caso, ele pode fazer opções por
condições que não atendam de forma adequada às necessidades dos pacientes que se
utilizarão daquele hospital. Assim, é importante o controle dos gastos públicos, mas também é
importante mensurar o impacto da criação de um hospital em determinada região, onde o custo
do aluguel ou do terreno pode ser mais caro, mas ali será possível atender melhor à população
e ela precisará se deslocar menos para usá-lo, o que agrega valor ao serviço prestado.

Também, ainda no exemplo acima, podemos citar o controle da qualidade dos materiais
utilizados, os sucessos na recuperação dos pacientes. Enfim, cabe aos gestores públicos
pensar sobre várias dimensões para monitoramento dos programas, procurando otimizar os
recursos disponíveis e trazendo mais benefícios para a população.

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Assim, de acordo com Jannuzzi (2005, p. 144), temos que:

A distinção entre essas dimensões operacionais – insumo, processo, resultado,


impacto – pode não ser muito clara em algumas situações, especialmente quando
os programas são muito específicos ou no caso contrário, quando os objetivos dos
programas são muito gerais. Mas é sempre possível identificar indicadores mais
vinculados aos esforços de políticas e programas e aqueles referentes aos efeitos (ou
não efeitos) desses programas.

Para ajudar na compreensão das diferenças entre os tipos de indicadores que podem ser
utilizados pelos gestores públicos para acompanhamento de projetos ou programas, na área
social, temos a figura a seguir:

Figura 2 – Indicadores

Insumo Processo Resultado Impacto

% de famílias Taxa de evasão


Gasto público em
cadastradas Proporção de escolar
programas de
transferência de % de famílias indigentes Redução da
renda atendidas desnutrição infantil

Fonte: Jannuzzi (2005, p. 145).

4 Indicadores para as áreas sociais


Uma das áreas que possui maior dificuldade para desenvolver bons indicadores é a área
social, portanto, é interessante tratar deste assunto para compreendermos como eles têm se
desenvolvido no Brasil.

Por conta da descentralização de muitas políticas para os governos municipais, estes têm
procurado cada vez mais definir indicadores a serem utilizados em vários casos. Dentre eles,
Jannuzzi (2002, p. 52) ressalta:

• Subsidiar a elaboração de planos diretores de desenvolvimento urbano e planos


plurianuais de investimentos;

• Avaliar os impactos ambientais decorrentes da implantação de grandes projetos;

• Justificar o repasse de verbas federais para a implementação de programas sociais;

• Atender à necessidade de disponibilizar equipamentos ou serviços sociais para


públicos específicos, por exigência legal (para portadores de deficiência, por exemplo)
ou por pressão política da sociedade local (melhoria dos serviços de transporte
urbano, por exemplo).

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Assim, podemos verificar que os municípios, por diversos motivos, precisam desenvolver
indicadores que traduzam as necessidades de melhorias necessárias à implantação ou para a
obtenção da liberação de verba federal para implantação de determinados projetos.

Além disto, nos casos em que a lei prevê alguma obrigatoriedade de prestação de serviço
ou de melhoria, os municípios precisam justificar que eles foram feitos, e isto pode ocorrer a
partir da comprovação através de indicadores.

Agora, vamos procurar definir melhor o conceito de indicador social, que, de acordo com
Jannuzzi (2002, p. 55), é:

[...] uma medida em geral quantitativa, dotada de significado social substantivo, usado
para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse
teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para a formulação de políticas).
É um recurso metodológico, empiricamente referido, que informa algo sobre um
aspecto da realidade social ou sobre mudanças que estão ocorrendo na mesma.

Assim, temos que os indicadores sociais podem ser utilizados por gestores públicos para
acompanhar o desenvolvimento de um programa ou para monitorar uma realidade, podendo
ser utilizado como instrumento de transparência e accountability para com a sociedade. Estes
indicadores procuram “simplificar” a realidade e permitir, até, a comparação de desempenho
ou de situação entre órgãos públicos ou entre municípios, por exemplo.

Por outro lado, indicadores sociais também são utilizados pela academia (pesquisadores)
para avaliar os programas, ações ou a realidade social, de forma não vinculada à prefeitura,
com maior autonomia, realizando pesquisas que analisem os diversos problemas sociais.
Acompanhe a figura a seguir.

Figura 3 – Características dos indicadores

Ter um grau de cobertura


populacional adequado aos Ser sensível a políticas Ser específico a efeitos de
propósitos a que se presta públicas implementadas programas setoriais

Ser amplamente desagregável


Ser inteligível para os agentes Ser atualizável periodicamente em termos geográficos,
e público-alvo das políticas a custos razoáveis sociodemográficos e
socioeconômicos

Gozar de certa historicidade


para possibilitar comparações
no tempo

Fonte: Jannuzzi (2002. p. 56).

Embora o próprio autor reconheça a dificuldade em atender a todos os requisitos,


inclusive afirmando que é difícil encontrar tais indicadores sociais, é possível perceber sua
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relevância para validar os dados e dar confiabilidade às informações geradas e utilizadas pela
administração pública.

De outra forma, os dados poderiam ser utilizados de forma a ludibriar a população ou


outras esferas públicas para justificar trabalhos não realizados ou atividades não feitas, ou,
ainda, para esconder uma realidade social ruim.

Jannuzzi (2005, p. 148) ainda reforça, quando da criação de indicadores para o


acompanhamento do ciclo da política pública, que precisam ser escolhidos indicadores que
atendam às especificidades de cada fase, quais sejam: elaboração de diagnóstico; formulação
de programas; implementação/execução; e avaliação.

Considerações finais
Nesta aula, debatemos uma importante ferramenta que compõe as ações propostas
pelo modelo de nova administração pública ou modelo Gerencialista. Dentro deste escopo,
a mudança de foco dos processos para os resultados é uma das questões mais importantes
a se considerar.

Para o atendimento deste preceito, a administração pública precisa, então, monitorar


os seus projetos e programas, bem como avaliá-los, mensurando os seus resultados.
Estas ferramentas administrativas, tão utilizadas pela área empresarial, encontram muitas
dificuldades para sua implantação na administração pública, principalmente por conta das
especificidades desta, como a área social.

Mas, mesmo com as dificuldades que podem ser encontradas, é importante que os
gestores públicos definam indicadores e metas para que seja possível o monitoramento de
suas ações, bem como aumentar a transparência e accountability dos governos.

Também compreendemos que é preciso pensar qual tipo de indicador é mais adequado
para cada situação, pois é possível mensurar as organizações públicas por várias dimensões
(como os insumos, processo, resultados e impactos) e como cada um dos tipos de indicadores
pode contribuir para a completa análise dos programas, inclusive permitindo aos gestores, e
à população, melhor avaliar o seu desempenho e as suas escolhas.

Por último, atentamo-nos para duas importantes questões relacionadas intimamente


com a utilização destas ferramentas de monitoramento e avaliação pela administração
pública: I) a necessidade de os indicadores apresentarem algumas características (qualidades)
que lhes confiram validade e confiabilidade, para evitar distorções em sua utilização; II) as
especificidades e dificuldades de se criar indicadores que atendam a estas características,
principalmente na área social, embora eles sejam muito importantes para os governos,
precisam ser capazes de trazer efetivo monitoramento e avaliação dos programas que estão
sendo executados e para a Academia (pesquisadores), trazendo maior isenção às políticas
públicas sociais, bem como à realidade social.
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Referências
HEINRICH, Carolyn. Como avaliar o desempenho e a efetividade do setor público. In: PETERS,
Guy; PIERRE, Jon (Org.). Administração pública: coletânea. São Paulo: Unesp, 2010.

JANNUZZI, Paulo de Martino. Considerações sobre o uso, mau uso e abuso dos indicadores
sociais na formulação e avaliação de políticas públicas municipais. RAP, Rio de Janeiro, v. 36,
n. 1, p. 51-72, jan./fev. 2002. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/
article/view/6427>. Acesso em: 3 nov. 2015.

______. Indicadores para diagnóstico, monitoramento e avaliação de programas sociais no


Brasil. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 56, n. 2, p. 137-160, abr./jun. 2005. Disponível em:
<http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/docs/Referencia-ind-sociais-revista-serv-
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OSBORNE, David; GAEBLER, Ted. Reinventando o Governo: como o espírito empreendedor


está transformando o setor público. 10. ed. Brasília: MH Comunicação, 1998.

RODRIGUES, Dênis Alves. A nova agenda da gestão pública brasileira: estudo de caso do Detran-
SP. 2015. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/100/100138/tde-31032015-131712/pt-br.php>.
Acesso em: 3 nov. 2015.

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