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GÁLATAS CAPÍTULO 1

PRIMEIRA PARTE: A SINGULARIDADE DO EVANGELHO (1.1-10)

O DESVIO DA IGREJA DE GÁLATAS

Surpreendentemente, o tom de Paulo nesta carta difere


significativamente de seu estilo habitual, revelando uma
mistura de surpresa e indignação. A pergunta que
naturalmente surge é: o que despertou esses sentimentos
intensos nele?

A resposta reside no desvio perigoso que a comunidade


recém-convertida estava experimentando. Paulo, ao longo da
carta, expressa sua ira em relação àqueles que pervertem o
evangelho. Sua fúria não é direcionada aos novos cristãos, mas
sim aos falsos mestres que, de maneira insidiosa, infiltraram-se
na igreja, proclamando uma mensagem deturpada.

A raiz do problema reside na pregação desses impostores, que


insistem que os cristãos devem aderir a práticas judaicas, como
circuncisão e observância de leis cerimoniais, para serem
reconhecidos como Deus. Embora isso possa parecer uma
questão trivial, a verdadeira gravidade reside na distorção da
crença fundamental subjacente: a salvação pela fé em Cristo é
insuficiente.

PAULO E O DIREITO DE SE MANIFESTAR

Paulo, como apóstolo, tem o direito de se manifestar de


maneira autoritária. O termo "apóstolo" destaca sua autoridade
divina imediata, sendo enviado diretamente por Deus. Ao
afirmar que não recebeu sua comissão apostólica de nenhum
outro apóstolo, mas sim diretamente de Jesus ressurreto, Paulo
enfatiza a singularidade e autoridade de sua chamada (At
9.1-19).

Nos versículos 8 e 9, Paulo declara que foi enviado com uma


mensagem divina específica, o evangelho, tornando seu
ensinamento o padrão para distinguir ortodoxia e heresia. Ele
ressalta que mesmo um apóstolo não pode alterar a
mensagem de Cristo; o que ele ensina é intocável e imutável,
sendo dado por Deus.

Quanto à existência de apóstolos hoje, Paulo destaca a


diferença entre os apóstolos originais, como ele mesmo e os
Doze, e outros considerados apóstolos das igrejas primitivas,
como Barnabé. Estes últimos eram enviados como
missionários, mas eram comissionados por outros apóstolos ou
pelas igrejas, não tendo encontrado o Cristo ressurreto nem
sido ensinados por Ele como Paulo e os Doze. Assim, enquanto
algumas pessoas podem ser chamadas de apóstolos com "a"
minúsculo, Paulo é um Apóstolo com "A" maiúsculo,
comissionado diretamente por Jesus, possuindo autoridade
absoluta, e o que ele escreve é considerado Escritura.

O QUE É O EVANGELHO?

Assim, o Apóstolo Paulo, designado divinamente, reitera a


mensagem divina aos cristãos da Galácia, apresentando um
esboço conciso, porém abrangente, do evangelho:

● Quem somos: O evangelho inicia destacando a condição


humana de impotência e perdição. A ênfase recai sobre a
ação de "livrar da presente era perversa" no versículo 4,
ressaltando que Jesus não apenas ensinou, mas,
essencialmente, nos salvou.1 Paulo enfatiza a necessidade
1
Craig Keener enfatiza que a perspectiva histórica dos judeus tradicionalmente dividia a história em
duas eras principais: a era presente, caracterizada pelo domínio de nações malignas, e a era futura,
quando Deus reinará. Com a vinda do Messias na primeira vez, Paulo argumenta que os seguidores
de um Salvador em situações desesperadoras,
contrastando com a ideia de apenas um mestre.

● O que Jesus fez: Jesus, como Salvador, nos liberta ao se


entregar por nossos pecados, realizando um sacrifício
substitutivo. A morte de Cristo não foi apenas um ato
geral, mas substitutivo, fazendo por nós o que não
poderíamos fazer por nós mesmos. Isso assegura nossa
libertação da penalidade e condenação.

● O que o Pai fez: Deus aceita a obra de Cristo,


ressuscitando-o dos mortos e concedendo-nos a graça e
paz conquistadas por Cristo. Toda essa ação é um ato de
pura graça, não baseada em nossos méritos, mas de
acordo com a vontade de Deus.

● Por que Deus fez: A motivação por trás de tudo isso é a


graça divina. Deus, em Sua graça, interveio para nos salvar,
mesmo quando não clamamos por socorro. A salvação é
totalmente obra de Deus, merecendo toda a glória para
sempre.

Paulo destaca que a mensagem do evangelho desafia a


mentalidade humana de auto-suficiência, enfatizando que
nossa salvação é um presente gracioso de Deus. A
singularidade do Evangelho reside não apenas em sua
revelação divina, mas na capacidade de confrontar as falsas
noções de autojustificação, atribuindo toda a glória a Deus, o
único digno dela.

OS CONTRA ARGUMENTOS DE PAULO

de Jesus já se tornaram cidadãos da era futura do reinado de Deus. Para uma análise mais
aprofundada, recomenda-se a leitura do Comentário-Histórico-Cultural da Edições Vida Nova, página
627.
Paulo inicia compartilhando seu testemunho não apenas como
um exercício autobiográfico, mas como uma defesa robusta
contra as insinuações que buscam enfraquecer a mensagem
que ele proclama.

Os falsos mestres estavam acusando Paulo de forjar uma


mensagem que seria agradável aos ouvidos das pessoas, que
lhe trará apoiadores, porque se trata do tipo de coisa que as
pessoas querem ouvir. Sugeriram que ele tinha falado de Jesus
aos gálatas, mas omitido as exigências da lei judaica. Naquele
momento, ele estava sendo acusado exatamente daquilo que
ele, como fariseu zeloso, acusava anteriormente muitos outros.

Confrontado com três argumentos hostis, Paulo demonstra,


em primeiro lugar, que seu evangelho não é resultado de
reflexão humana, mas de uma conversão radical. Sua própria
experiência serve como testemunho vívido de uma mudança
de direção, onde o que antes era perseguição tornou-se
proclamação do Evangelho.

Em seguida, ele desmantela a alegação de que sua mensagem


é derivada de influências externas, especialmente líderes
cristãos de Jerusalém. Ao enfatizar o espaço de três anos entre
sua conversão e sua primeira visita a Jerusalém, Paulo destaca
a independência e a autenticidade divina de sua revelação.

Finalmente, ele estabelece que o evangelho que prega é


congruente com o dos outros apóstolos. Isso não apenas refuta
acusações de incoerência, mas solidifica a universalidade e
unidade do Evangelho, independentemente dos mensageiros.

SEGUNDA PARTE: A CONVERSÃO DE PAULO (1.11-24)

QUEM ERA PAULO?


Ao explorar quem era Paulo, surge a imagem de um homem
que, antes de sua conversão, era marcado por ações terríveis.
Sua vivência como fariseu zeloso da tribo de Benjamim o
conduziu ao desafio de tentar ser reconhecido como povo
eleito de Deus mediante sua prática de guardar a Torá, um
dilema que ecoa no coração da igreja de Gálatas2. Paulo
emerge como o paradigma claro de que a salvação e o
reconhecimento como povo de Deus é exclusivamente pela
graça, transcendendo qualquer desempenho moral humano
ou símbolos judaicos.

Essa verdade revela que o evangelho não se limita a uma mera


religião; ele chama para fora tanto da religiosidade quanto da
irreligião. Nenhum ser humano é tão moralmente virtuoso que
não precise desesperadamente da graça do evangelho, nem
tão depravado que esteja além do alcance dessa mesma graça.

SURPREENDENTE GRAÇA

O olhar retrospectivo de Paulo revela a ação soberana da graça


de Deus em sua vida, mesmo antes de sua conversão. Cada
experiência prévia foi habilmente moldada como preparação
para sua missão de pregar aos gentios. Deus ama não por
nossa utilidade, mas porque Ele é o amor. Esse tipo de amor é
inabalável, pois não depende de nossa performance.

Portanto, a surpreendente graça de Deus, como testemunhada


por Paulo, não apenas desafia acusações contra sua autoridade
apostólica, mas também ressoa como um lembrete tangível de
que a graça é um presente divino que transforma vidas e
transcende qualquer mérito humano.

2
Craig Keener, em sua análise histórico-cultural, destaca que, no contexto do judaísmo palestino, a
ideia de zelo estava profundamente arraigada nas narrativas que ilustram o fervor exemplificado por
figuras como Fineias (Números 25:11) e pelos macabeus. Estes últimos, evidenciando uma
disposição até mesmo para a violência em nome de Deus. Esse tipo de zelo, muito provavelmente, é
o que Paulo estava se referindo em sua abordagem. Para uma compreensão mais aprofundada,
recomenda-se a leitura do Comentário Histórico-Cultural da Edições Vida Nova, página 628.
Deus salva pecadores, como Paulo, revelando seu Filho
ressurreto tanto aos orgulhosos quanto aos maus. A graça
opera não apenas na conversão, mas também no contínuo
serviço do indivíduo. Paulo testemunha não apenas sua
conversão, mas também a vida vivida sob a graça.

A revelação de Jesus a Paulo não é apenas intelectual, mas


estabelece um relacionamento pessoal que implica na
responsabilidade de revelar Cristo aos outros. O crescimento e
discipulado de Paulo incluem períodos de reflexão e estudo,
destacando a importância da contemplação na vida cristã.

O tempo de Paulo na Arábia, embora único no Novo


Testamento, enfatiza sua busca por reflexão e preparação. A
vida cristã, embora baseada em um relacionamento íntimo
com Deus, não é solitária; Paulo valoriza a união com outros
apóstolos e destaca a necessidade de pertencer a
comunidades eclesiásticas coesas.

A comunhão e o serviço a outros crentes levam à adoração a


Deus, como evidenciado pela glorificação a Deus pelos cristãos
em Jerusalém devido à mudança na vida de Paulo. Isso ressalta
a importância de uma vida cristã arraigada no relacionamento
com Deus, na comunhão e no serviço aos outros, resultando
em adoração a Deus.

COMO A GRAÇA NOS TRANSFORMA?

A seção do testemunho de Paulo destaca uma questão crucial:


buscar o favor de Deus ou o favor dos homens? Essa escolha
evidencia a transformação que a graça proporciona. O
evangelho, ao afastar o desejo de agradar aos homens,
substitui esse impulso por uma confiança destemida em seguir
a vontade de Deus, sem buscar aprovação humana. Paulo
enfatiza que não poderia ser verdadeiramente um "servo de
Cristo" se vivesse para agradar as pessoas.

A Bíblia aborda a armadilha de buscar a aprovação humana em


várias passagens. Provérbios 29.25 destaca que temer os
homens cria armadilhas. Esse temor contrasta com o "temor a
Deus", que implica respeito, admiração e fascínio pela grandeza
divina. O "temor ao homem" refere-se a elevar a importância
das opiniões humanas, ansiar pela aprovação e temer a
desaprovação, atribuindo poder indevido a essa forma de
aprovação.

O evangelho desafia a necessidade de agradar aos homens ao


liberar e motivar a busca de agradar a Deus como resposta ao
que Cristo fez na cruz. Confiantes em Cristo, os cristãos
experimentam o favor total de Deus, vivendo de maneira
agradável a Ele. Paulo destaca que a aprovação divina liberta
para a obediência sacrificial, pois é "agradável a Deus". Ao olhar
para o cristão, Deus vê Jesus, garantindo Sua aprovação. Assim,
o cristão busca obedecer não para conquistar a salvação, mas
por gratidão, reconhecendo que já foi salvo.

Podemos ilustrar isso com a relação de pai e filho. Um pai que


ama seu filho independentemente de seu desempenho
destaca a garantia do amor de Deus para o cristão. Este age
não para conquistar o amor de Deus, mas por gratidão pelo
amor já recebido. O evangelho é, portanto, uma certeza e uma
poderosa motivação para viver em obediência radical, não
como meio de se tornar filho de Deus, mas como expressão de
gratidão por já ser.

O TESTEMUNHO DE PAULO E O NOSSO

Paulo não relata seu testemunho por hábito ou simples


vaidade pessoal. Seu propósito é direcionado e específico:
compartilhar sua experiência para conduzir os ouvintes a um
encontro significativo com Cristo e incentivá-los a
permanecerem nele (v. 6). Sua motivação é altruísta, voltada
completamente para o bem dos ouvintes, e não para sua
própria glorificação.

O cristianismo, enfatiza Paulo, não é apenas uma crença


intelectual, mas um apelo para entregar toda a nossa vida,
incluindo mente e coração, a Cristo. Ele destaca a importância
de compartilhar testemunhos pessoais, pois omitir nossos
pensamentos e sentimentos cria uma imagem distorcida do
compromisso cristão.

Ao mesmo tempo, Paulo nos adverte a compartilhar nossos


testemunhos de maneira útil e não egocêntrica. Ele destaca
que é fácil cair na armadilha de usar detalhes dramáticos,
sangrentos ou sexuais para chamar atenção para si mesmo em
vez de para o evangelho. O testemunho pessoal, enfatiza Paulo,
deve ser apresentado de forma a evidenciar claramente o
evangelho, não para destacar o indivíduo.

Portanto, compartilhamos nossas histórias não para nosso


próprio benefício, mas para orientar outros em direção ao
maravilhoso evangelho da graça que transformou nossas vidas
e que sabemos ser capaz de transformar as deles também.
Assim como Paulo, buscamos iluminar o caminho para Cristo,
usando nossos testemunhos como ferramentas para que
outros compreendam e abracem a mensagem transformadora
da graça.

CONCLUSÃO

A carta de Paulo aos gálatas é muito atual. A igreja evangélica


hoje padece do mesmo problema. Os evangélicos não
abandonaram a graça do Senhor para serem salvos, mas
acrescentaram o esforço próprio da lei para se santificarem.
Vivemos a geração da barganha com Deus. Estamos
constantemente tentando trocar nossa obediência por
bênçãos. Pensamos que, por nossos méritos próprios e nosso
esforço pessoal, iremos agradar a Deus. Isso nada mais é que
acrescentar a lei ao Evangelho.

Os judaizantes não negavam que era preciso crer em Jesus


para ser reconhecido como povo de Deus e consequentemente
obter salvação, mas enfatizavam que também era necessário
circuncidar-se e guardar a lei. Em nossos dias não há ninguém
que ensine que precisamos nos circuncidar para sermos salvos
por Deus, mas a maioria ensina que precisamos confiar em
nossas próprias obras para sustentar a nossa salvação, não
apenas como fruto da salvação. O Evangelho de Cristo é o
evangelho da graça sem mistura. Precisamos sustentar a
verdade de que a salvação é só pela graça, só pela fé, sem
mistura alguma de obras ou méritos humanos. O cristianismo
não é a religião do esforço próprio, recebemos todas as coisas
de graça, das mãos de Deus.

Precisamos ter muito cuidado com aquilo em que cremos, pois


teologia sempre resulta em comportamento. Na verdade as
nossas ações são fruto de nossa fé, daquilo em que cremos. Se
cremos de maneira errada, o resultado será um
comportamento errado. Não adianta tentar mudar nossa
conduta sem primeiro mudar o que cremos em nosso coração.
Nunca se esqueça de que teologia e experiência cristã andam
juntas e não podem ser separadas. Por isso Paulo ficou tão
indignado. Não era por causa do comportamento dos gálatas,
mas por causa da fé. Afastar-se do Evangelho da graça é
afastar-se do Deus da graça. Voltar para as obras da lei é
desligar-se de Cristo como um galho se desliga no tronco da
árvore. É por isso que Paulo diz que os gálatas estavam traindo
Cristo, e não apenas traindo um ensino.
Os ensinos dos falsos mestres de hoje em dia afirmam em
primeiro lugar, que de fato Deus amou o mundo enviando o
seu Filho, mas Ele enviou seu Filho principalmente para as
pessoas religiosas e bondosas, ou seja, Deus ama o mundo,
mas Ele ama “mais” as pessoas boazinhas. Isso contradiz
completamente a verdade do evangelho de que onde abundou
o pecado superabundou a graça de Deus (Rm 5:20).

Essa falsa doutrina legalista está pervertendo o Evangelho. O


raciocínio é bem simples: acrescentar lei à graça é uma
completa contradição. Não podem conviver. Se
acrescentarmos lei ao evangelho, a graça imediatamente é
anulada. A lei são minhas obras tentando agradar a Deus, mas
a graça é a fé de que Deus já está feliz conosco por causa da
obra de Cristo. Se é pelas minhas obras, já não é pela obra de
Cristo.

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