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Até Que Cristo Seja Formado em Vós

Elmer Mendes Barbosa 1

Resumo:

Artigo que analisa a carta (epistola) paulina aos gálatas. Objeto de pesquisa é a
formação do caráter cristão pelo sofrer do apostolo. A relação pastoral/fraternal que
Paulo tinha com os gálatas e sua preocupação com as influências que eles vinham
sofrendo de falsos mestres também fará parte deste artigo.

Palavras chave: Paulo; Apostolo; Formação; Cristã; Sofrer.

Abstract:

Until Christ Be Formed in You

Article analyzes the letter (epistle) to the Galatians Paul's. Research object is the
formation of Christian character by suffering the apostle. The fraternal pastoral
relationship that Paul had with the Galatians and his concern with the influences that
they have been the victims of false teachers will also be part of this article.

Keywords: Paul; Training; Christian; suffer.

1
Nascido em Montes Claros / MG. Formado em Teologia (SEAB), graduado em 2007 (UMESP), pós-
graduado em psicopedagogia (UNICID) . Mestrado em Ciências da Religião (UMESP). Diretor Acadêmico
do Seminário Evangélico Avivamento Bíblico, professor de Teologia Bíblica, escritor dos livros: Bíblia,
Deus e Trindade (publicações Avivamento) e A Igreja No Amor de Cristo (Fonte Editorial).
prelmer@hotmail.com.
Introdução

“Paulo, apostolo enviado, não da parte de homens nem por meio de pessoa alguma, mas
por Jesus e por Deus Pai, que ressuscitou dos mortos, e todos irmãos que estão comigo, às
igrejas da Galácia” (1.1-2)

É provável que o apóstolo escreveu por volta do ano 48 d. C. sendo assim, Gálatas
é a primeira carta a ser escrita por ele.
Nesta carta tem-se um grande numero de figuras de linguagens, como veremos no
capitulo 4.19 a metáfora das “dores de parto”. Também se devem ressaltar as
perguntas retóricas e a maneira cordial do apostolo ao tratar com os gálatas que
reflete uma identificação com seus leitores.
Existe ampla discussão sobre quais cidades formariam a região da galácia, apesar
de não ser intenção deste artigo podemos listar algumas: Icônio, Listra e Derbe.
Os textos bíblicos usados neste artigo foram da Nova Versão Internacional (NVI).

I. Preocupação Com os Gálatas

A galácia era uma região da Ásia menor, formada por um conjunto de cidades das
quais o apostolo Paulo evangelizou e desenvolveu laços de fraternidade e pastorais.
As igrejas por ele ali organizadas estavam sofrendo tentativas de perversão através
de falsos mestres que tentavam anular o evangelho e a nova vida oferecida por Cristo.
Apesar de muitos pesquisadores ressaltarem o fato de que nesta carta Paulo
combate os Judaizantes, prefiro pensar na possibilidade dele apenas está exaltando a
vida cristã e advertindo o fato de que a fé em Cristo exerce radical mudança na vida do
crente, e que o evangelho não são apenas palavras ditas num sermão, ou estudadas a
nível de conhecimento, mais antes uma evidente mudança de conduta.
No capítulo um têm-se fortes admoestações sobre a verdade do evangelho, e a
convicção que aquelas igrejas deveriam ter na jornada de fé:
Admiro-me de que vocês estejam abandonando tão rapidamente aquele que os chamou
pela graça de Cristo, para seguirem outro evangelho que, na realidade, não é evangelho. O
que ocorre é que algumas pessoas os estão perturbando, querendo perverter o evangelho
de Cristo. Mas ainda que nos ou um anjo dos céus pregue um evangelho diferente daquele
que lhes pregamos, que seja amaldiçoado! Como já dissemos, agora repito: Se alguém
lhes anuncia um evangelho diferente daquele que já receberam, que seja amaldiçoado!
Acaso busco eu agora a aprovação dos homens ou a de Deus? Ou estou tentando agradar
a homens? Se eu ainda estivesse procurando agradar a homens, não seria servo de Cristo.
Gálatas 1. 6-10.

O apostolo ficou assustado (admiro-me) com a rapidez que os gálatas estavam


aceitando outros ensinos e identificando-se a eles. Era em alguns casos até uma
apostasia, deslealdade a Deus.
Quando se lê “para seguirem outro evangelho” (v.6) parece até que o apostolo
está comparando ou pondo em “pé de igualdade” os ensinos de Cristo ou “boas
novas”, mas em seguida tem-se a preocupação de dizer: “que, na realidade, não é
outro evangelho”
Os perversos também tinham seus ensinos que se apresentava em muitas ocasiões
como “evangelho”, em outros casos não se tratava apenas de distorções do evangelho,
eram aplicações e desvios do modus operandi da salvação através de Cristo.

É preciso mais do que pregar o evangelho, ele precisa ser recebido. O processo de
transmissão é completo somente quando os homens reconhecem que a mensagem
pregada é o evangelho de Deus, e uma vez que isto tenha sido feito, não tem desculpa pra
desviar dele. GUTHRIE, Donald. 1984, p.76.

O evangelho anátema da qual Paulo fala, trata-se de um evangelho amaldiçoado,


maldito, entregue a destruição.

No uso neotestamentário é uma expressão forte, indicando separação de Deus. Ela


subentende a desaprovação de Deus. Realmente, anátema é o contraste máximo com a
graça de Deus. Seu uso aqui como uma asseveração contra os que pervertem o evangelho,
reflete a avaliação de Paulo quanto à gravidade do ponto de vista deles. Não se trata de
uma explosão irada pelo fato de estarem abandonando aquilo que Paulo pregava. Não era
uma questão de prestigio pessoal, mas a própria essência do evangelho estava em jogo. Se
os falsos mestres estavam diretamente contradizendo o evangelho da graça de Cristo, não
haveria qualquer possibilidade de evitarem incorrer no forte desagrado de Cristo. É de
certo modo estranho que Paulo se expressasse tão violentamente antes mesmo de
delinear a natureza da perversão, mas isso demonstra a intensidade das apreensões do
apóstolo a cerca do problema. Na igreja primitiva o caráter sagrado do evangelho era mais
plenamente apreciado do que se tem sido frequentemente o caso na história subsequente
da igreja. Nos tempos modernos tem havido uma forte tendência no sentido de confundir
as personalidades com o conteúdo do evangelho, mas a inclusão do próprio Paulo ou
mesmo de um anjo na possibilidade de um anátema torna indisputavelmente clara a
superioridade da mensagem sobre o mensageiro. GUTHRIE, Donald. 1984, p.75.

É evidente que a preocupação com os judaizantes é uma realidade desta carta,


como já dito antes, mesmo que a exaltação da vida cristã seja a intenção da carta, faz-
se isso contrapondo a antiga vida nas tradições judaicas.
A vida instruída por Cristo e praticada na igreja é a antítese da vida e das tradições
judaicas. A prova disso são os contrapontos que o apostolo faz no capítulo três: “Fé ou
obediência à lei”? “A lei e a promessa”.

Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou? Não foi diante de seus olhos que Jesus Cristo foi
exposto como crucificado? Gostaria de saber apenas uma coisa: foi pela prática da lei que
vocês receberam o Espírito, ou pela fé naquilo que ouviram? (3.1,2)

A insensatez se da pelo fato de voltarem a “roupagem” antiga, ou as tradições e a


falsa religiosidade que antes viviam. Esta atitude descreve a ação de alguém sem
sabedoria (tolo).
O capítulo quatro é o auge da preocupação do apostolo com seus discípulos, o fato
de voltar-se a escravidão parece causar em Paulo uma sensação de derrota do seu
trabalho.
Antes, quando vocês não conheciam a Deus, eram escravos daqueles que, por natureza,
não são deuses. Mas agora, conhecendo a Deus, ou melhor, sendo por ele conhecidos,
como é que estão voltando àqueles princípios elementares, fracos e sem poder? Querem
ser escravizados por eles outra vez? Vocês estão observando dias especiais, meses,
ocasiões específicas e anos! Temo que meus esforços por vocês tenham sido inúteis. (4. 8-
11)

A possibilidade de apostasia causa um sentimento de “trabalho inútil” no apostolo,


apesar de que em outra carta ele resalta que o trabalho dos crentes em Corinto não
era inútil (em vão) para Deus (1 Co 15.58).
A antiga servidão da idolatria e o legalismo que os prendia com suas regras anti
bíblicas representam a escravidão da qual não se deve voltar depois de experimentar o
poder salvador do evangelho de Cristo.

As ordenanças judaicas mencionadas, dias: isto é, sábados, jejuns, festividades. Meses:isto


é, luas novas (cf 2 Rs 4.23); tempos ou estações, isto é, festas anuais, tais como a páscoa, o
pentecoste, etc; anos: isto é, os anos sabáticos. [...] O que Paulo condena neste passo é a
observância escrupulosa do sábado judaico, com todas as suas estreitezas farisaicas, bem
como a escrupulosa observância de outros dias judaicos sagrados, como meios de
salvação. DAVIDSON, F. (editor), 1963, p.1242.

II. A tarefa da formação Cristã

“Meus filhos, novamente estou sofrendo dores de parto por sua causa, até que Cristo
seja formado em vocês.” 4.19

A palavra grega, teknia – “criancinhas”, “filhinhos”, é um termo bastante usado


por João em sua primeira epistola. Paulo não usou muito esta palavra, mas na carta
aos gálatas disse: “filhinhos, novamente estou sofrendo dores de parto por sua
causa...” Os filhos que causam fortes dores.
Uma dos maiores medos associados ao parto é a dor. Em outras ocasiões a dor
é um sinal de que algo no corpo está errado, uma dor de cabeça, na barriga, alguma
fratura no corpo, a dor é uma indicação necessária ao ser humano.
A dor de parto é diferente. É uma dor intermitente, começa fraquinha, algumas
contrações e vai aumentando até chegar ao auge da dor, e depois começa a diminuir e
desaparece. Nestes intervalos a mulher não sente dor ou incomodo algum, até da pra
descansar, quando resurge a dor e recomeça o sofrimento.
Paulo compara este momento do parto com a tarefa árdua que ele tem com os
gálatas. Como se não bastasse sofrer uma vez, ele estava sofrendo novamente estas
dores. A metáfora usada aqui demonstra ao mesmo tempo a intensidade do ministério
de Paulo, e seu carinho, cuidado com aqueles aos quais ele sofreu no processo da
regeneração. Este zelo não se refere a ação de Paulo que regenera, mas o fato de
Cristo está sendo formado nos gálatas, através do apostolado de Paulo. É um processo
educacional, é a formação cristã através do discipulado, do aprendizado.

O apostolo pretende dizer que foi como uma mãe em trabalho de parto, para dar à luz
filhos que seriam portadores da semelhança de Cristo. O verbo grego (morphoo) é
ligado com substantivo (morphe), que significa forma essencial mais do que formato
externo. A ideia, portanto, é de um caráter realmente como o de Cristo. A implicação é
que os gálatas seguirem a política dos judaizantes isso não resultará em Cristo ser
formado neles. Trata-se, realmente, de uma pedra de toque sábia e eficaz. Qualquer
sistema religioso que não produza o caráter de Cristo na vida de seus adeptos não é
totalmente cristão. GUTHRIE, Donald. 1984, p.155.

A ideia desta formação cristã significa: caráter. “Sinto dores de parto, até que o
caráter de Cristo seja formado em vós”. A formação é individual, apesar de ser um
texto para algumas comunidades.
Para Cristo estar no individuo é necessário que seja transferido de alguma
forma. A pregação do evangelho, o ensino como instrução é esta forma. A partir da
aceitação da mensagem é que o individuo se arrepende e muda (renasce).
Apesar de que, no uso desta metáfora, subentende-se que Paulo podia ou
estava conferindo esta nova vida aos gálatas, pelo seu sofrer (como no parto), mas,
não significa de fato isso. Deus é a fonte originaria da vida, da salvação e a formação
do caráter também passa pelo fator sobrenatural da conversão e obediência a Deus.
O apostolo mantinha uma relação pastoral e fraternal com os gálatas, a ponto
de se colocar como “progenitor espiritual” , algo que os falsos mestres e perversores
não podiam superar com suas argumentações. É como se fosse um apelo de Paulo aos
seus “filhos na fé” para que eles se atentassem tanto ao fato dos falsos ensinos,
quando ao esforço dele ao cuidar e ensiná-los com tanto sofrer.
Temos em Paulo um agente de Deus na formação do caráter cristão dos
gálatas. Aquele o qual os trouxe a Cristo, sofreu com eles e por eles, desejou estar com
eles mais uma vez (4.20), mesmo com muitas controvérsias, incentivou-os a seguir o
evangelho de Cristo.

Conclusão

Até que Cristo seja formado em vocês (em nós) leva-se o tempo do sofrer, e da
perseverança de alguém ao instruir no discipulado. Os gálatas tiveram Paulo, que
mesmo com as oposições não desistiu.
Nos dias atuais os judaizantes continuam na ativa, mas se juntou a eles os
relativistas, hedonistas, racionalistas, e ressalta-se ainda o pragmatismo, o capitalismo
e o empirismo religioso com seu misticismo que acumula contaminações ao
evangelho, quando não cria-se uma espécie de “novo evangelho”.
Contra tudo isso o Evangelho precisa ser exposto, levando as marcas de Cristo,
produzindo o caráter cristão (fruto do Espírito, 5. 22-23), se opondo as obras da carne.
A formação (o gerar) cristã é uma urgência para a atualidade, no mundo
globalizado que vivemos, o sistema do imediatismo torna-se perigoso ao cristianismo
que deve esforçar e sofrer para gerar “filhos na fé”, na perseverança dos discípulos
que discipulam.

Bibliografia:
RIENECKER, Fritz & ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego, Vida Nova, 1985,
639p.
GUTHRIE, Donald. Gálatas – Introdução e Comentário. Vida Nova, 1984, 2008p.
WUEST, Kenneth S. Joias do Novo Testamento Grego, Imprensa Batista Regular, 1979, 118p.
BRUCE, F.F. (org.) Comentário Bíblico NVI, Editora Vida, 2008, 2271p.
BROWN, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento, Paulinas, 2012, 1135p.
DAVIDSON, F. (editor). O Novo Comentário da Bíblia, Vida Nova, 1963, 1487p.

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