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Aula 2 - Dificuldades que os cristãos

do 1º século enfrentaram para se


tornarem maduros
Módulo 1: Significado e significância bíblicos da maturidade cristã
(agosto-setembro)

Introdução
A fé cristã inicia-se de modo profético - com gente de todo tipo, já ecoando aquilo
que será vislumbrado na volta de Jesus (At 2:1-11, cf. Jl 2:28-32, Ap 5:9). Toda essa gente
vivenciava os mais variados problemas que desafiavam a maturidade de sua fé. Desafios tão
presentes em nosso cotidiano religioso eram facilmente encontrados na igreja primitiva.
Rebeldia, facções, egocentrismo, fama, senso de superioridade, leviandade com as coisas de
Deus e tantas outras práticas e comportamentos que refletem a imaturidade não são
próprios apenas de nossos dias. Até mesmo a igreja pujante a qual inaugurou promessa tão
importante dada por Jesus (Lc 24:49, At 1:4, cf. Jo 14:26) tinha empecilhos no desempenho e
crescimento de sua fé em Cristo.
Por isso, entender estes percalços para a maturidade cristã de nossos primeiros
irmãos será de grande auxílio para compreendermos os perigos e ameaças que podem se
levantar em nossa jornada à maturidade cristã, e daremos uma primeira olhada nos
recursos, comportamentos e medidas que podemos (ou devemos) aplicar em nossa prática
para crescermos na graça e no conhecimento do nosso Senhor Jesus.

1º desafio: ver para crer ou crer para vivenciar?


Regularmente presenciamos um amigo dizendo ou até mesmo nós algo do tipo:
“imagina como seria se víssemos Jesus pessoalmente assim como era com eles (os
discípulos)?”. E a resposta subentendida nessas imaginações é sempre positiva, como se a
nossa dificuldade para uma fé mais genuína e vívida em Jesus se desse pela falta de uma
vivência física-pessoal com o Senhor em nosso dia a dia. Um breve olhar no texto bíblico
demonstrará que isso não é verdade.
Três anos presenciando, e ainda um incrédulo
Tomé fazia parte dos 12 discípulos de Jesus mais próximos - aqueles designados
apóstolos. Ele acompanhou Jesus em toda a sua vida como homem até a crucificação,
ressurreição e assunção. AInda sim, à despeito do testemunho dado pelos seus
companheiros a respeito da veracidade da ressurreição de Jesus, Tomé permaneceu
incrédulo e disse: “Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu
dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei” (Jo 20:25).
Não estamos isolando a fala de Tomé, muito menos o descrevendo apenas por uma
afirmação. Esse discípulo de Jesus já havia dado outros indícios de sua imaturidade, sempre
requerendo alguma “prova concreta” a respeito da pessoa, atos e falas de Jesus (Jo 11:16, 14:5,
20:25).
A postura de Tomé é muito importante para percebermos um desafio que os
primeiros cristãos já enfrentavam, a despeito de sua vivência físico-pessoal com Jesus:
depositar a confiança em Deus independente das circunstâncias atuais e incertezas. Ainda
que ele tenha ouvido os ensinos de Jesus, inclusive suas revelações a respeito de sua morte
e ressurreição (Mc 10:34, Mt 17:23), e presenciado diversos milagres, a imaturidade de Tomé
residia no fato de que ele ainda precisava ver e entender para crer, de fato, em Jesus. O que
vemos nestes relatos desse discípulo é totalmente contrário àquilo que é prescrito aos
cristãos como sinal de maturidade. Estes devem ter como esperança aquilo que não se vê
(Rm 8:24-25, Hb 11:1); devem ter tudo como perda (inclusive a própria vida) se comparado
com Jesus - e a estar com Jesus (Fp 3:7-10), e devem se apropriar das palavras de Cristo
como fonte de vida. A diferença é estarrecedora!
Esse não era, no entanto, um problema encontrado apenas em Tomé. Todos os
discípulos demonstraram esse nível de incredulidade fruto de uma fé imatura algumas
vezes (Mt 16:6-12, 14:22-36, 24:13-31), sempre procurando a firmeza de sua espiritualidade
pela vista, e não pela própria pessoa de Jesus, e ainda encontramos esse mesmo desafio em
outras cartas pastorais.

2º desafio: a ostentação espiritual


O tema da vanglória é tratado por Paulo extensivamente do capítulo 10 ao 12 de 2ª
Coríntios. Isso não deve causar espanto. Afinal, Paulo estava confrontando intrusos a
assembleia de Corinto, líderes que promoviam o próprio prestígio e exaltavam suas
reputações pessoais adotando posturas mundanas sobre uma ampla gama de assuntos.
Para ser mais específico, eles não somente adotavam posturas mundanas, mas também as
tratavam como se fossem virtudes cristãs, tornando difícil os coríntios, espiritualmente
imaturos, resistirem à sedução.
O vocábulo “Olhem para os fatos óbvios”1 de 2ª Corintios 10:7a é crucial para
entendermos como Paulo lida com esse problema, e interpretar o vocábulo grego dessa
forma parece se ajustar ao contexto com exatidão. Paulo estivera apelando aos coríntios
para purificarem a igreja, para injetarem obediência à fé deles. Essa obediência deveria ser
demonstrada pela medida disciplinar que são exortados a adotar contra os intrusos. Porém,
para tomar tal medida, eles terão de fazer alguns juízos quanto a quem seguirão e em quem
crerão, se em Paulo ou nos intrusos.
Tais intrusos tentavam rebaixar Paulo, colocando-se como pertencentes a Cristo em
um sentido especial (2Co 10:7b) e alegando que Paulo era inconsistente quanto ao contraste
entre suas caras e sua presença pessoal inexpressiva (2Co 10:10). Era fácil tornar a acusação
digna de crédito entre aqueles que achavam que a verdadeira liderança cristã deveria
causar impressão, ser arrojada, visionária, triunfalista e caracterizada por sinais e retórica.
Para que pudessem estigmatizar sua pregação simples e sem floreios como indigna da
atenção de gregos cultos, tudo o que os opositores de Paulo tinham de fazer era confundir
mansidão com fraqueza e, assim, aderir aos padrões temporários da retórico polida (e não à
verdade, à integridade ou à retidão!). Ao chamar a atenção dos coríntios para os fatos
óbvios, Paulo quer que esses crentes imaturos julguem pela verdade na prática, e faz a sua
defesa com três considerações:

1. Em primeiro lugar, ele insiste que pertence a Cristo tanto quanto seus opositores:
“Se alguém está convencido de que pertence a Cristo, deveria considerar novamente
consigo mesmo que, assim como ele, nós também pertencemos a Cristo” (2Co 10:7b).
2. Em segundo lugar, Paulo mostra que toda e qualquer autoridade que lhe tenha sido
confiada foi concedida para edificar os crentes, não para destruí-los. Ou seja, Paulo
enfatiza não tanto a origem da autoridade, mas o propósito; um propósito altruísta.
Ele exerce autoridade não para proveito próprio nem para promover a si mesmo,
menos ainda para destruir os outros, mas, sim, para edificar a igreja.
3. Em terceiro lugar, Paulo insiste no fato de ser coerente, apesar das aparências
contrárias. Seu opositor o acusou de usar uma fachada literária: suas cartas podem
ser severas e enérgicas, mas o Paulo real, o Paulo de carne e osso, era (segundo eles
diziam) inexpressivo, e sua oratória era digna de desdém. Paulo responde dizendo
que, se os intrusos continuassem a fazer acusações, elas trariam tamanha ira sobre
suas cabeças quando Paulo finalmente chegasse, que todos veriam que o apóstolo
era perfeitamente capaz de enfrentá-los pessoalmente, e não apenas por meio de
cartas: “Saibam tais pessoas que aquilo que somos em cartas, quando estamos
ausentes, seremos em atos, quanto estivermos presentes” (2Co 10:11).

A igreja de Corinto deu muito espaço para falsos apóstolos adentrarem sua
comunidade, em grande medida por terem sucumbido aos padrões mundanos de avaliação
decorrentes de uma fé imatura. A mansidão e cuidado de Jesus encontrados em Paulo, por
exemplo, eram tidos por alguns como sinal de fraqueza, e os falsos líderes não tinham
qualquer preocupação com o trato pastoral do apóstolo, e deliberadamente o acusavam de
inconsistência e covardia. Uma igreja imatura como a de Corinto está suscetível a ser
enganada dessa forma por não fazer o juízo devido sobre os fatores envolvidos.

3º desafio: diversidade étnica, econômica e de


maturidade

Judes e Gentios como um só povo?


Judeus e gentios agora se tornam um só povo em Jesus (Ef 2:11-16, 3:5-6), mas a
reconciliação feita por Cristo e em Cristo ainda conheceria vários dilemas na igreja
primitiva. Ainda que o assunto da continuidade e descontinuidade de Israel como povo de
Deus seja complexo (ainda mais em termos teológicos), o enredo bíblico é tradicionalmente
interpretado demonstrando frequentes dificuldades de comunhão entre judeus e gentios.
A descida do Espírito Santo em Pentecoste (At 2:1-13) é determinante para a criação
do novo povo de Deus. E. H. Trenchard argumenta que os elementos presentes nesse
Pentecoste “tinham aberto uma nova época que culminaria em bênção espiritual
universal”2 predita pelo profeta Joel (. Ainda sim, a universalidade dessa benção não era
bem entendida na prática por muitos cristãos do primeiro século, fossem eles judeus ou
gentios. É célebre a repreensão de Paulo a Pedro em grande medida por conta dessa
incoerência que havia ainda entre estes grupos (Gl 2:11-14) quanto ao Evangelho. É marcante
também o “Concílio de Jerusalém” relato em Atos 15, quando Paulo e Barnabé discutem a
respeito do alvoroço gerado por judeus a respeito da salvação depender da circuncisão (At
15:1-2), e são então convocados a se reunirem em Jerusalém com os apóstolos e presbíteros.
A tensão judia-gentílica leva, por exemplo, Paulo a circuncidar Timóteo por conta dos
judeus que viviam na região próxima de Listra e Icônio (At 16:2-3).
As diferenças étnicas representaram um grande desafio para a maturidade cristã
destes irmãos do primeiro século, mas infelizmente não se restringiram apenas àquela
época. Tempos sombrios como o Apartheid a partir de 1948 na África do Sul, a segregação
racial nos Estados Unidos na década de 40 e tantos outros marcos históricos recentes
demonstram que encontrar preferência diante de Deus por padrões étnicos não é um
problema tão distante.

Tratamento desigual
Os cristão raramente são vislumbrados como ricos e poderosos. Menos
frequentemente eram assim classificados no primeiro século. Muito pelo contrário. Quando
fora se dirigir - provavelmente pela segunda vez - em carta aos coríntios, Paulo chama-os à
reflexão da seguinte forma: “Irmãos, pensem no que vocês eram quando foram chamados.
Poucos eram sábios segundo os padrões humanos; poucos eram poderosos; poucos eram
de nobre nascimento” (1Co 1:26). A riqueza nunca nos foi proibida, mas nesta terra
geralmente o nosso povo foi caracterizado por ter muito pouco segundo os padrões
terrenos. Mas a vaidade já encontrava adeptos dentre os cristãos - não é à toa que Tiago
dedica um capítulo inteiro de sua carta a este assunto (Ti 2).

A falta de maturidade como um desafio a maturidade


Esse era o frequente contexto das igrejas do primeiro século - gente madura (forte)
com gente imatura (fraca). Este é, na verdade, o contexto da igreja de Jesus até o seu
retorno. O apóstolo Paulo lutava duramente contra esse desafio, e seus conselhos são: 1)
aceite aquele que é fraco (Rm 14:1), 2) evite assuntos controversos que a nada levam (v. 1), 3)
para de rejeitar aquele que Deus aceitou, 4) estejam convictos na mente daquilo que
aceitam para que não firam a consciência (v. 5), 5) lembre-se de que você estará no mesmo
tribunal para prestar contas, então não condene o seu irmão por conta de sua maturidade
ou imaturidade (v. 10-12), 6) não atrapalhe o imaturo a crescer na fé em Jesus (v. 13).
Sim, mesmo numa igreja repleta de dons, o pastor-mestre Paulo teve de ser muito
paciente para ensinar maduros (fortes) e imaturos (fracos) na fé não somente a crescer em
Jesus, mas a conviverem como um só corpo no Senhor Jesus.

Conclusão
Esses foram apenas alguns desafios que a igreja primitiva vivenciou em sua jornada
à maturidade em Cristo. Muitos outros poderiam ser destacados, mas estes já nos ajudam a
entender quão difícil foi para a igreja do primeiro século crescer em nosso Senhor. Estes três
desafios podem ser vistos facilmente ainda hoje na igreja de Cristo, e devemos zelar para
que, em nossa empreitada ao crescimento, empreguemos os recursos necessários para
amadurecer em Jesus como igreja tendo em vista o que os nossos primeiros irmãos viveram
e venceram.

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