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“DO SENSO COMUM PEDAGÓGICO À PEDAGOGIA CIENTÍFICA DE GASTON

BACHELARD” DE GREGÓRIO D’COSTUMES: um contributo para uma


transformação consciente da acção didáctica.

CHIRUTE, Osvaldo Simão1


1. Introdução

Na tentativa de responder a questão – é possível transformar o senso comum pedagógico? –


Gregório d’Costumes2 apresenta-nos a sua obra – Do senso comum pedagógico à pedagogia
científica de Gatson Bachelard – na qual também procura analisar como é que o senso comum
desempenha um papel, por vezes, nefasto na pedagogia escolar.

Para tal, num total de 3 (três) capítulo, o autor apresenta-nos um trabalho de carácter
hermenêutico bibliográfico, começando por fazer uma retrospectiva histórica da temática do
senso comum com recurso a argumentos de diversos filósofos que no decurso da história do
conhecimento fizeram aceno à temática em causa: Heráclito, Aristóteles e Platão.

Num segundo momento o autor examina o senso comum pedagógico que, segundo ele,
apresenta-se na cultura científica escolar de diferentes modos: no processo de ensino e
aprendizagem, no uso do material didáctico, na avaliação; levando a escola a observar
transformações conflituantes que, em algum momento, geram a ideia generalizada de que a
escola é incapaz de lidar com as mudanças culturais e sociais que estão ocorrendo.

Já no terceiro e último capítulo, o autor propõe uma pedagogia científica de Gaston Bachelard,
e conclui tratando de mostrar como a actualidade do pensamento de Gaston Bachelard pode
servir como fundamento para uma pedagogia da vigilância.

No contexto do módulo de Didáctica e Metodologias de Ensino ministrado no âmbito do


mestrado que decorre na UniSave, sentiu-se a necessidade de se estudar e analisar os
“gatafunhos” de D’Costumes com o intuito de aferir os possíveis contributos no decorrer das
actividades lectivas. Desta feita, produziu-se este trabalho de carácter essencialmente

1
Mestrando em Educação/Currículo pela Universidade Save – Massinga (Mz); Graduado em Ensino de Português
com habilitação em Ensino de Inglês pela Universidade Pedagógica – Maxixe (Mz); Professor na Escola
Secundária 04 de Outubro – Inhambane (Mz). e-mail: chirute.osvaldo@outlook.com Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3652745982383298
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Gregório Zacarias Costume Vilanculo é Mestre em Investigação Pedagógica e Consultoria Educacional (UniBG-
Itália); Doutor em Educação e Interculturalidade (Portugal). É autor de vários livros e manuais instrucionais; é
consultor pedagógico e educacional. Pesquisa nas áreas de Correntes Contemporâneas da Educação, Teoria da
Educação, Pedagogia da Família, Pedagogia Geral, Pedagogia da Infância, Etnopsicologia e Epistemologia. Seus
interesses de investigação estendem-se à Filosofia da Formação, Filosofia das Imagens, Educação e
Interculturalidade.
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bibliográfico que se apresenta estruturado em duas partes essenciais: (i) o resumo, onde estão
colocadas as principais ideias expostas nos três capítulos que constituem a obra objecto da nossa
análise; (ii) análise reflexiva, onde se tenta deduzir todas as possíveis formas de dinamizar e
aperfeiçoar cada vez mais a actividade docente através das ideias expostas na obra.

2. Resumo

CAPÍTULO I – O SENSO COMUM NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

Suportando as suas ideias, numa primeira fase, em Beniccá e Comte, D’Costumes inicia
o primeiro capítulo desvendando os usos to termo senso comum e este afirma que o
termo é muito presente na literatura escolar para designar questões pedagógicas
generalistas, mal formuladas ou mal compreendidas, sendo que em várias ocasiões se
fala sobre a necessidade de se superar o senso comum por este ser um núcleo de
conhecimentos ultrapassável.

A obra não explicita nenhum consenso sobre o significado deste termo, muito menos
sobre o conteúdo que este representa. Entretanto, D’Costumes chama atenção para o
facto de que também pertence ao senso comum a afirmação segundo a qual este senso
deve ser superado, uma vez que tal afirmação é geral.

Gamsci é mais um nome citado na obra que, contrariamente a Comte que defende a
superação do senso comum, afirma não existir um e único senso comum, mas muitos e,
em estado de permanente transformação e redefinição. Após se mencionar a doxa e
epistimé de Platão, bem como a empiria e sabedoria de Aristóteles, D’Costumes
socorre-se em Bachelard (a opinião pensa mal; traduz desejos em conhecimentos) para
sentenciar que o senso comum não deve ser superado, mas sim transformado numa
concepção crítica e reflexiva.

Heráclito é convocado por D’Costumes nesta primeira secção para falar-nos do logos
como sendo o princípio inteligente e vital de tudo e todos, que precisa ser seguido para
evitar que vivamos como se estivéssemos dormindo. Este pensador afirma ainda que
todos os homens são ignorantes porque mesmo depois de iniciarem com a reflexão,
contentam-se com o simples início à escuta do logos, apresentando o falso como
verdadeiro; a parte como um todo; o início como o fim; o particular como universal; etc.
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Na medida em que o homem tem sempre a possibilidade de estar entre a vigília e o sono,
Heráclito clarifica que a fase a ser superada é a da ignorância da multidão dos
irreflectidos, e a nova fase a ser conquistada é aquela da convivência com o logos.

De seguida, Aristóteles é solicitado para, através da sua metafísica, sentenciar que o


desejo de aprender e conhecer é universal. Questiona-se no debate aristotélico se o senso
comum é um estado ingénuo da capacidade humana ou uma forma de conhecer e agir
com inteligência, sendo que Aristóteles tem mais inclinação para a segunda definição
do senso comum ao afirmar que através dos sentidos o homem acumula experiências
que se assemelham à ciência, ainda que a riqueza da sabedoria que origina a experiência
não possa ser universalizada, mantendo-se, assim, como senso comum.

Platão é convocado neste debate para expor a sua comparação das dicotomias doxa vs
epistemé e a opinião vs. Intelecto. Para Platão, a opinião só tem acesso às aparências,
enquanto o intelecto procura ver as coisas para além das aparências e as modifica.

Por sua vez, Kant e o sensus communis desassocia o senso comum das experiências e
nega que este seja a fonte e raiz do saber prático e do conhecimento primeiro,
vinculando, portanto, este conceito à faculdade do juízo. Kant evidência a posição de
oposição entre o conhecimento dos sentidos e aquele que resulta de um esclarecimento.

Por último, D’Costumes convoca Gramsci para nos entregar um outro ângulo de análise
do senso comum, e este começa alertando para necessidade de nos libertarmos dos
preconceitos que pertencem a este senso. Para este autor, todos os homens são filósofos.
Trata-se de uma filosofia espontânea peculiar a todo o mundo que, para D’Costumes,
podemos chamar a esta filosofia universal de senso comum (a filosofia dos não filósofos;
o senso comum vulgar).

CAPÍTULO II – O SENSO COMUM NA PEDAGÓGICO

Nascido a partir de um processo de “habituar-se”, o senso comum pedagógico é definido


por D’Costumes como um conjunto de práticas pedagógicas que ocorrem de forma
espontânea e acrítica no ambiente escolar e que contribuem para a formação de uma
cultura científica esclerotizada e dogmática, manifestando-se através de opiniões
absolutistas. Neste capítulo, o autor apresenta algumas práticas pedagógicas observáveis
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no quotidiano escolar e a forma como estas contribuem para a consolidação do senso


comum pedagógico.

Em primeira instância é-nos apresentado o professor transmissor prepotente dos


conteúdos e disciplinador dos estudantes como um obstáculo epistemológico, sendo que
o senso comum pedagógico evidencia-se na forma como este (professor) se relaciona
com o conteúdo e o estudante. Para suportar a sua abordagem, D’Costumes evoca Freire
e a Pedagogia do Oprimido para nos falar da educação bancária e depositária que coloca
o professor como sujeito que faz comunicados, e um aluno passivo, dócil, ingénuo, que
se adapta e não transforma; uma “tábula-rasa”. O senso comum pedagógico também se
funda neste aluno “depósito”, dependente do professor, que não cria, que faz as coisas
como o professor quer.

No concernente ao processo de aquisição de conhecimentos, o senso comum pedagógico


reside na ideia de que a memorização pode ser um modo válido de aquisição de
conhecimentos científicos, o que representa uma compreensão fragmentada do
conhecimento, já que mais do que registar mecanicamente algo na memória, memorizar
é também encontrar activamente os mecanismos através dos quais é possível reter
qualquer dado na memória.

O material didáctico também não escapa a esta discussão, e o seu contributo na


construção do senso comum pedagógico reside no facto de os manuais escolares, por
exemplo, serem tomados como textos sagrados aos quais o professor e alunos devem se
submeter, tomando, assim, por verdade aquilo que é um modo particular de interpretar
a realidade. Como complemento, encontramos também uma planificação que se limita
numa descrição mórbida das possibilidades de conduzir uma lição, desconsiderando a
dinâmica de cada turma e a cultura de reflexão e o carácter individual de cada estudante.

Para encerrar o capítulo, D’Costumes “balbucia” numa tentativa de busca das razões de
prevalência do senso comum pedagógico, e o seu discurso desagua na possibilidade de
existência de uma classe dominante da sociedade que está interessada em manter um
status quo em muitos aspectos da vida social e cultural. No caso específico da educação,
o já referido status quo seria o senso comum pedagógico que, para o autor, é usado como
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meio fundamental de manipulação e controlo da informação, ou seja, a educação está ao


serviço da classe social dominante.

CAPÍTULO III – A PEDAGOGIA CIENTÍFICA DE GASTON BACHELARD

Com o objectivo de evidenciar as principais ideias propostas pelo filósofo francês


Gaston Bachelard, D’Costumes introduz este último capítulo apresentando os
fundamentos epistemológicos da pedagogia bachelardiana. Trata-se de uma reflexão
pedagógica que se funda num projecto de racionalidade, do qual emergem traços de uma
“pedagogia científica” baseada na reflexão e na crítica que devem orientar as práticas
pedagógicas escolares.

Das diversas facetas da pedagogia bachelardiana abordadas por D’Costumes,


encontramos a pedagogia de formação e transformação, na qual Bachelard introduz o
conceito de “obstáculo epistemológico” para designar preconceitos e primeiras intuições
que se podem opor ao acto de pensar e que são a causa da estagnação e regressão das
ciências. Neste sentido, o obstáculo epistemológico precisa ser superado com uma
incessante rectificação dos conhecimentos já adquiridos, porque o Homem “sofre
quando não muda”.

O obstáculo epistemológico apresenta-se em forma de generalizações, absolutismos,


cessação da problematização, e está associado ao senso comum, conhecimento vulgar,
experiência quotidiana, etc. É neste contexto que Bachelard introduz uma pedagogia de
ruptura que possa romper com o conhecimento usual; com o pragmatismo ingénuo.
Nesta nova pedagogia, o professor deve promover a catarse intelectual no estudante,
porque este passa a ser um sujeito activo, consciente da sua aprendizagem e susceptível
a cometer erros. Por isso, Bachelard tranquiliza-nos sobre o erro porque a própria ciência
é resultado de sucessivos erros e correcções.

Sendo o erro um elemento constitutivo do processo de construção de conhecimento, já


que a verdade científica não se encontra num estado de repouso definitivo, é pertinente
que o professor se contraponha ao quotidiano repetitivo e habitual que não admite o erro,
porque o erro não é obstáculo ao conhecimento, e não precisa ser dolorido, mas sim
educativo.
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Ainda no contexto de abordagem das facetas da pedagogia bachelardiana, D’Costumes


discute a pedagogia da polémica e da problematização. Para Bachelard, todo o
conhecimento é resposta a uma questão, por isso, não é possível construir
conhecimentos partindo de uma simples exposição, pelo que o estudante precisa ser
colocado num estado permanente de irrequietude e insatisfação pelo conhecimento.
Contudo, chama-se atenção para que no quotidiano escolar não se confunda a resolução
de exercícios com a resolução de problemas.

A problematização aludida acima abre espaço para uma outra faceta da pedagogia
bachelardiana – a pedagogia do diálogo e da interação. Nesta pedagogia sugere-se que
os professores estimulem a interação com os estudantes e, especialmente, entre os
estudantes, na medida em que o ambiente jovem é mais formador que o velho e os
colegas mais importantes que os professores. Acrescenta-se ainda nesta abordagem que
a discussão torna a turma um laboratório de reflexão e descobertas e permite a
compreensão de como funciona o processo de produção do conhecimento, o que nos
leva à pedagogia científica ou da investigação.

A pedagogia científica de Bachelard é essencialmente crítica e capitaliza a cultura


científica; encoraja os professores e estudantes a exercitar o pensamento aberto na
investigação dos problemas por forma a desenvolver a autonomia intelectual. Nesta
pedagogia, o desejo é que o estudante possa superar o seu mestre, desde que este ensine
menos e comece a despertar, estimular, provocar, interrogar e deixar-se interrogar.

Para terminar, e numa espécie de consolidação das facetas da pedagogia bachelardiana,


D’Costumes apresenta a pedagogia para a vida, que é uma espécie de apelo para que o
Homem não pare de perturbar a razão. Nesta perspectiva, a escola deve ser contínua por
toda a vida, a educação deve ser permanente, e a pedagogia deve ser de descontinuidade
e de incertezas.

Em forma de conclusão, que ao nosso ver tende a uma consolidação das múltiplas
facetas da pedagogia bachelardiana, D’Costumes socorre-se da metáfora do homem
diurno para introduzir o conceito de pedagogia de vigilância. Na sua dissertação, o autor
desperta-nos para uma urgência de uma vigilância crítica no confronto do senso comum
(pedagógico). Trata-se de um racionalismo aberto que protege o Homem da filosofia
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somatória e absolutista, conduzindo-o para um terreno fértil da mente que se vê


constantemente em dever de corrigir o próprio modo de pensar, passando de uma razão
estática para uma em evolução. Nesta senda de ideias, um professor vigilante prestaria
atenção ao inesperado ou imprevisto; prestaria atenção na aplicação do método, e, em
terceira instância, vigiaria o próprio método. Esta pedagogia propõe o ensino através da
descoberta e da problematização como processo dinâmico de investigação que prepara
o espírito irrequieto e criativo do estudante. Para terminar, D’Costumes sentencia que a
escola precisa de uma reforma não programática, mas paradigmática.

3. Um diálogo entre a pedagogia científica de Bachelard e a didáctica de ensino


de português

Até nos estudos mais superficiais da linguística é perfeitamente normal ter de lidar com
terminologias como: norma padrão; nível culto da linguagem; “erro linguístico”;
desvio à norma culta, entre outras. Estas terminologias aqui arroladas traduzem a ideia
da existência de uma verdade absoluta sobre a forma como uma determinada língua deve
ser falada, e esta ideia é ainda reforçada pela existência de gramáticas que são uma
espécie de “leis ou textos normativos” que regulam a “única” forma correcta de se
realizar uma língua, e que a sua produção é geralmente controlada por uma elite
minoritária pertencente a uma região minúscula que se considera detentora do poder de
determinar os padrões de realização linguística a nível mundial.

Ora, já lemos em D’Costumes que o Homem é filósofo por natureza e este sofre quando
não muda. Deste modo, sendo a língua uma forma de materialização da linguagem
humana, é perfeitamente natural que esta esteja sujeita à mudança com o passar do
tempo, apesar da nossa tentativa, condenada ao fracasso, de normatizar e padronizar a
forma como a língua é falada. De forma concreta, as variações diacrónicas e sincrónicas
da língua (dialetos, socioletos, idioletos, acordos ortográficos, etc) são a prova
inequívoca de que a língua vai sempre sucumbir à natureza filosófica ininterrupta e
insaciável do Homem.

A concepção da gramática como sendo a forma culta e padronizada de se realizar uma


determinada língua remete-nos à questão da sacralização dos manuais de ensino que está
associada ao senso comum pedagógico, uma vez que a gramática não pode ser
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questionada, e porque estabelece regras, o professor de línguas vê-se num senário de ter
que ensinar de forma expositiva as normas de realização linguística que deverão ser
memorizadas cumulativamente pelo aluno, já que as regras são, por predefinição do
próprio senso comum, inegociáveis.

Desta feita, tomando como exemplo o contexto específico de ensino da língua


portuguesa, o professor vê-se “forçado” a copiar da gramática e colar nas mentes dos
seus alunos as conjugações de verbos como ser, estar, fazer, pedir, etc., que pela sua
natureza são irregulares, o que implica que, contrariamente aos regulares, sofrem
profundas transformações nos seus radicais durante a conjugação, e na maioria das suas
formas não obedecem os paradigmas de conjugação.

Este mesmo senário verifica-se em todas as outras categorias gramaticais (preposições,


advérbios, pronomes, etc.). Os substantivos, por exemplo, têm variações rigidamente
estabelecidas para o género (masculino e feminino); número (singular e plural); grau
(aumentativo, normal e diminutivo), e cada substantivo tem uma e única forma
particular para o masculino, outra para o feminino, e por sua vez estas formas são
influenciadas pelo número, o que significa que o mesmo substantivo terá 4 formas,
sendo cada uma pertencente ou ao masculino singular, ou ao masculino plural, ou ao
feminino singular, ou ao feminino plural; e a estas formas também se pode acrescentar
uma terceira variável – o grau – o que origina uma infinidade de formas para designar
essencialmente o mesmo referente.

Diante de um leque de conteúdos rigidamente regrados, torna-se um desafio para o


professor linguista aplicar nas suas aulas uma pedagogia científica que leve o aluno a
alcançar as suas próprias descobertas. Com isto, reconhecendo a urgência de uma
pedagogia da vigilância nas nossas escolas, nos desafiamos a propor nos próximos
parágrafos algumas estratégias de lecionação da língua portuguesa que levariam o aluno
a questionar os seus próprios conhecimentos linguísticos e a restruturar as suas
estruturas cognitivas com base numa pedagogia de problematização  interação 
descoberta.

As aulas de línguas privilegiam o diálogo, uma propriedade que o professor pode


explorar perfeitamente para incitar a descoberta por parte dos alunos, problematizando
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as suas próprias construções frásicas, ou mesmo sugerindo a análise de falas já escutadas


em outros contextos.

Por exemplo, mais do que o professor explicar de forma expositiva o campo semântico
do verbo “dormir”, seria produtivo partir da problematização da seguinte construção
frásica:

⎯ A minha roupa dormiu fora.

Com um exercício deste género, o aluno e os respectivos colegas são perfeitamente


capazes de estabelecer os parâmetros semânticos de utilização do verbo “dormir”, e
desta forma a aprendizagem teria mais chance de ser significativa, podendo ser aplicada
também em outros contextos similares, envolvendo outros verbos.

Em outras ocasiões, o professor é desafiado a ensinar os verbos defectivos, que são


aqueles que não podem assumir determinadas formas flexionadas. Nesta missão, ao
invés de ditar toda a lista de verbos defectivos que existam na língua portuguesa, o
professor pode pedir para o aluno conjugar os verbos ladrar, zumbir, chover, trovejar.
Diante deste exercício, poder-se-á acender um debate que levará a turma a problematizar
a conjugação destes verbos na primeira pessoa. Desta forma, o aluno perceberá que de
forma geral, todos os verbos que designam fenómenos naturais ou ruídos emitidos por
animais são defectivos porque não podem ser conjugados especialmente na primeira
pessoa gramatical, e, às vezes, em algumas outras formas. Assim, o aluno estará em
condições de listar todos os verbos defectivos sem precisar da ajuda do professor, e em
qualquer circunstância.

4. Considerações finais

Lida e analisada a obra objecto de estudo deste trabalho, pode-se concluir que o senso
comum é uma forma de conhecimento essencialmente resultante da experiência e que é
útil para a ciência, na medida em que o espírito científico encontra no conhecimento do
senso comum um terreno (in)fértil para se enraizar. Na maioria das vezes é graças ao
conhecimento do senso comum que deixamos de julgar os aprendizes como tábulas
rasas, e a ciência encontra nos conhecimentos do senso comum as estruturas cognitivas
que irá restruturar. Na verdade, o limite entre o senso comum e a ciência está em
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propriedades como o absolutismo e conformismo, por isso que mais do que acabar com
o senso comum, D’Costumes propõe a sua transformação, porque o conhecimento do
senso comum não é ao todo inútil e descartável.

No contexto pedagógico, o senso comum consiste essencialmente em práticas e


comportamentos, pelo que a mudança não programática, mas paradigmática que é
sugerida por D’Costumes parece ser uma abordagem certeira. Os professores precisam
questionar o método que usam, criticar os manuais escolares, reduzir a distância
transacional entre eles e o aluno, intrigar o aluno e incitá-lo à problematização constante.
A escola precisa dissociar-se de conceitos como ensino, transmissão, para associar-se a
outros como aprendizagem e descoberta.

No que tange especificamente ao ensino de língua portuguesa, o professor depara-se


com um leque de conteúdos rigidamente regrados, cujas possibilidades de abordagem
mais tendem para técnicas expositivas do que de descoberta. Deste modo, este professor
é chamado a extrair o máximo possível da sua capacidade criativa, tentando levar o
aluno a descobrir por conta própria regras já preestabelecidas.

Mais do que a gramática, a disciplina de língua portuguesa é repleta de textos utilitários


que também apresentam estruturas preestabelecidas, como é o caso do requerimento, a
acta, a notícia, entre outros. Além da estrutura, os textos utilitários também têm um tipo
de linguagem baseado na objectividade, o que aniquila completamente a criatividade do
aluno na construção da mensagem. No entanto, tal como se demonstrou na secção
anterior, com alguma criatividade acrescida o professor linguista é capaz de abordar os
seus conteúdos com alguma percentagem significativa de problematização, discussão e
descoberta.

5. Referência bibliográfica

D’Costumes, G. (2022). Do Senso Comum Pedagógico à Pedagogia Científica de


Gaston Bachelard. 3ª Ed. Inhambane, Imperius Livreiros.

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