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A percepção de que a democracia não goza de boa saúde não é nova. Ainda
assim, é notável a quantidade de análises com títulos chamativos sobre o
assunto nos últimos anos. Como as democracias morrem (de Steven Levitsky e
Daniel Ziblatt, 2018), Como a democracia chega ao fim (de David Runciman,
2018), O crepúsculo da democracia (de Anne Applebaum, 2020), Crises da
democracia (de Adam Przeworski, 2019), O povo contra a democracia (de Yascha
Mounk, 2018) e Nacional-populismo: a revolta contra a democracia liberal (de
Roger Eatwell e Matthew Goodwin, 2018) são apenas alguns exemplos daquilo
que foi recentemente chamado de “a grande regressão” da civilidade.
Daí não ser mera coincidência que a terceira promessa não cumprida seja aquela
da persistência das oligarquias. Intimamente relacionada à captura da política
pelo particularismo dos interesses, o poder oligárquico não só sobreviveu como
tem se fortalecido. Sua persistência e robustez são diametralmente opostas à
liberdade entendida como autonomia, força motora do pensamento
democrático.
Por fim, a sexta promessa não cumprida remete à educação para a cidadania.
Esperava-se que a prática democrática decorrente da soberania dos indivíduos
autônomos fosse ela mesma um ensinamento das virtudes e necessidades da
cidadania. Longe disso. Ao invés da esperada cultura política, reina a apatia
política.
Logo após essa última frase, Bobbio faz uma ressalva particularmente
importante para os propósitos do presente texto. Alguns parágrafos atrás
perguntamos: se o futuro da democracia, hoje, repõe o tom sombrio com o qual
a democracia de ontem foi avaliada, quais os motivos que alimentam esse
espectro que volta a nos assombrar? Pois Bobbio dizia: “Todas, menos uma: a
sobrevivência (e a robusta consistência) de um poder invisível ao lado ou sob
(ou mesmo sobre) o poder visível”.
Diante das atuais teses, tão difundidas quanto aceitas, acerca do “capitalismo
de vigilância”, da estrita vinculação entre novas tecnologias e ascensão de
líderes populistas, é tentador compreender a retomada do “fim” da democracia
como algo vinculado à digitalização da organização política, um processo que
faz da exacerbação do poder invisível o ponto de inversão da adaptação em
degeneração.
Próximos passos
As promessas da democracia são importantes não apenas para a descrição da
realidade política de todo e qualquer Estado nacional. Diante da retomada do
“fim” da democracia, a compreensão do nexo que sistematicamente as nega
também pode servir como critério em tempos em que as dúvidas acerca da
vitalidade da democracia alimentam os mais variados anseios. Mais democracia
e mais participação são, inegavelmente, expectativas desejáveis. Por isso elas
costumam ser apresentadas como uma solução – tecnicamente possível diante
dos avanços tecnológicos, ouvimos dizer – para os desafios atuais. No entanto,
até aqui já foi possível perceber que a compreensão dessas questões está longe
de ser tão simples assim. Não por acaso, nosso próximo texto abordará o tema
da democracia representativa e democracia direta.