Você está na página 1de 4

N ATAL

Luto animal: como lidar com a perda de um bicho de estimação


por Redação Tribuna do Norte

 6 de abril de 2024
Luciana Oliveira eternizou o seu companheiro de vários momentos na vida no corpo | Foto: Magnus Nascimento

Douglas Lopes
Repórter

O luto, sentimento de tristeza profunda pela morte de alguém, é um dos sentimentos mais difíceis com os quais
o ser humano precisa lidar ao longo do tempo. Parantes e amigos se vão, e a perda é inevitável. Porém, esta
dor emocional não é restrita ao sentimentos por outras pessoas, mas também pode ser gerado na morte de
pets, animais que assumiram um lugar especial, transformando famílias comuns em famílias multiespécies
através do carinho transmitido nestas relações. Após serem atingidos pela dor, existem tutores que buscam
ajuda psicológica para seguir em frente.

Envelhecimento e morte dos animais também é sentido pelos seus tutores como luto | Foto: Cedida

Este é o caso da jornalista Luciana Oliveira, que adotou o cão Tonico (da raça Shihtzu) quando ele tinha quatro
anos de idade. Ela relatou que o animal havia passado por outros três lares diferentes antes da adoção. “Ele foi
da minha irmã por um tempo. Antes mesmo leva-lo, eu dizia que ele já seria meu, porque era bem apegado a
ele. Acho que a gente se encontrou. Ele mudou a minha vida”, disse. Tonico foi adotado durante uma transição
profissional realizada por Luciana, que saiu do seu emprego fixo para abrir um próprio negócio.

A companhia do animal se tornou ainda mais importante para ela. “Eu estava junto com ele 24 horas por dia.
Eu encontrei nele um amor desinteressado. Passei a participar de eventos voltados para pets por causa dele e
entrei nesse universo”, disse.

Os momentos difíceis para Luciana e seu pet surgiram durante a pandemia, quando o isolamento social
aumentou o tempo da jornalista em casa e fortaleceu o carinho pelo pet. Em julho de 2020, Tonico passou a
apresentar cegueira. Ele foi levado para um oftalmologista e foi constatado que apenas 10% da visão ainda
estava funcionando. “Eu só percebi quando ele estava batendo nas coisas. Quando retornamos ao
oftalmologista, ele não exergava mais nada e tivemos que fazer adaptações em casa, para ele conseguir se
locomover. A gente passeava todos os dias, mas tivemos que parar”, descreveu.
Aos poucos, a saúde de Tonico piorou. Ele passou a apresentar uma baixa quantidade de glóbulos vermelhos, e
assim Luciana passou a realizar uma série de exames a fim de dignosticar qual era a doença do animal. Vários
exames foram realizados, mas nenhuma doença específica foi constatada. “O sangue dele virou “água”. Os
exames que fazíamos nele só mostravam piora na saúde. Durante um mês, ele chegou a fazer tratamento todos
os dias”, contou. Entre as idas e vindas ao veterinário e compra de medicamentos durante cinco meses, Luciana
afirmou que gastou muito dos seus recursos. Valores que seriam usados para itens básicos foram usados para o
tratamento do pet.

Foto: Cedida

Em janeiro de 2021, a situação ficou crítica. Tonico adquiriu problemas respiratórios e nos rins. Nesse período,
foi Luciana quem aplicou nele os medicamentos e soro necessários. Ele voltou a estar perto dela, mas com a
saúde debilitada. “Eu conversei com a veterinária e ela me disse para mantê-lo em casa e dar a ele uma
qualidade de vida, pelo máximo de tempo que ele conseguisse. Em uma outra conversa, ela me disse “Lu, pode
ser que ele esteja esperando o momento de você dizer que ele pode ir. Esse foi o dia mais difícil para mim”,
afirmou.

Em um dos últimos dias vividos juntos pela família, Luciana relatou que decidiu levar o pet até a frente de uma
igreja e, ali, realizar uma prece de resignação quanto à condição de um ser ela amou como um filho. “Na porta,
eu disse que se ele quissesse ir, ele poderia porque eu iria suportar. Pedi também a Deus que a vontade Dele
fosse feita, e não a minha. Dois dias depois, a médica resolveu suspender a medicação dele. Ele se despediu de
todos no petshop que nós frequentávamos e no mesmo dia, ele morreu. Acordei minha mãe e comecei a
chorar”, afirmou.

Comum para qualquer familiar, o processo para que Luciana se despedisse do seu cachorrinho envolveu um
sepultamento. Ela também cremou o corpo de pet e lançou as cinzas no mar, em uma cerimônia para ela na
praia de Tabatinga, lugar onde eles realizaram o seu último passeio. “A perda dele foi a maior que eu tive na
minha vida. Já perdi alguns parentes, e claro que a gente sofre. Mas nenhum deles era tão próximo de mim
como ele era. Perder um pet é como perder uma pessoa muito próxima. Eu tenho muita fé em Deus e acredito
que se há um lugar para a gente lá em cima, há um lugar para eles (os animais) também”, afirmou.

Terapia
Segundo Luciana, os primeiros dois meses sem a presença do pet foram aqueles em que o sentimento de luto
mais a atingiu. Ao andar pelos cômodos da casa, a lembrança de Tonico era intensa, o que gerava o choro e a
tristeza todos os dias. Diante disso, ela percebeu que precisava de ajuda e restabelecer a sua saúde mental. “A
ansiedade bateu forte nesse período, porque juntou a pandemia, a saudade dele, e o fato de que eu só podia
ficar em casa. Não podia receber visitas, então foi muito difícil. No segundo mês depois que ele partiu, decidi
iniciar a terapia”, disse.

As sessões de terapia ajudaram a jornalista com todo o processo de perda, resgatando para uma vida de
qualidade. Luciana lembrou que voltar a ser ouvida em espaço destinado para se expressar, sem julgamentos,
foi fundamental. Conhecidos e parentes dela reclamavam por causa da tristeza que ela demonstrava.

“Minha psicóloga entendeu que eu havia perdido um ser muito especial, uma pessoa da família. Não é todo
mundo que entende a percepção desse amor. Havia pessoas que me diziam “vai parar de chorar quando?”. Eu
precisa curar aquela ferida e transformar a saudade”. Luciana também citou que receber pets de outros amigos
na casa dela contribuiu com a sua cura emocional. Seis meses após a morte de Tonico, ela conseguiu superar o
luto e adotou um novo pet, o qual recebeu o nome de Sol.

Processo de luto não deve ser ignorado, diz psicóloga

Incompreendido por alguns, o luto por pets está relacionado à ligação emocional construída entre dois seres. A
psicóloga Candice Galvão ressaltou que não há diferença entre o luto sentido pela perda de vidas humanas ou
vidas de animais. “ Não há sentido dizer que eu devo amar o homem de uma forma e o animal de outra. Eu
apenas tenho que reconhecer se cuidar de um pet é para mim ou não”, aponta.

O luto não deve ser ignorado, deve ser sentido. Na análise da psicóloga, é necessário validar e passar por este
período, com o objetivo de reorganizar a vida emocional do enlutado. “A pessoa que possui um pet tem sua
rotina afetada e deposita seu amor nele. Ao perdê-lo, é preciso reconhecer essa falta. Ações como guardar fotos
ou realizar uma tatuagem e outros gestos são ações da elaboração de um luto. Se eu nego, não vou caminhar”,
aponta.

Candice explicou que não existe um padrão para a superação do luto, mas, citando Luciana como exemplo,
ressaltou que a adoção de um novo pet pode ser positivo caso a pessoa esteja pronta para tal. “Não existe uma
regra obrigatória. Ela percebe a identificação dela. Se a pessoa entender que quer sentir esse amor novamente,
então ela deve adotar um novo pet. Mas eu não vou substituir um cão pelo outro, e sim amar de novo”,
afirmou.

Há tutores que estão dispostos a realizar sacrifícios e renunciar as próprias necessidades para manter a vida de
seus pets, ainda que a perda seja iminente. A técnica de radiologia Patrícia Oliveira tem lutado para manter a
vida de seu cão, um beagle chamado Bolt, que possui 9 anos de idade e foi diagnosticado com Síndrome de
Cushing. A doença contribui com o crescimento de vários órgãos do animal, bem como problemas na vesícula e
a perda total da visão de um dos olhos.

Ela revelou ainda que chegou a deixar de tirar recurso do próprio tratamento contra a depressão para comprar
comida destinada ao pet. A ajuda para cobrir gastos referentes ao tratamento do animal são recebidas por meio
de uma vaquinha virtual aberta na internet e também por meio de um grupo formado por tutores de outros
pets.

O esforço realizado por Patrícia e por seu companheiro é motivado pelo amor construído ao longo dos anos.
Patrícia relembrou os melhores anos de Bolt, em que ele corria pelo lar da família. Patrícia defendeu que, apesar
dos problemas enfrentados pelo pet, ela não está disposta a realizar uma eutanásia no animal, pois acredita
que ele demonstra condições de viver por mais tempo. “Ele ainda come, ainda dorme e ainda se locomove. Ele
é o meu filho de pelo, e se partir, vai levar uma parte do meu coração. Quando eu fiz uma cirurgia para remover
um tumor na coluna, o Bolt foi o meu porto seguro”, disse.

Você também pode gostar