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Introdução

Envelhecimento populacional no Brasil: O Brasil está passando por um processo de


envelhecimento populacional, com a população idosa representando cerca de 11,3%
do total em 2010, um aumento de 1,32% em relação às projeções do IBGE. Isso
destaca a necessidade de mais estudos sobre a velhice, especialmente considerando
que a população brasileira está envelhecendo.

Visão naturalizante do desenvolvimento humano: A pesquisa bibliográfica realizada


por Reis (2011) revelou que a visão biologizante do desenvolvimento humano é
predominante nas pesquisas sobre a velhice no Brasil. Isso significa que a velhice é
frequentemente retratada como uma fase natural, sem considerar o contexto social e
histórico em que ela ocorre.

Desvalorização do desenvolvimento humano: A imagem social da velhice é


influenciada por um modelo econômico e produtivo que desvaloriza o desenvolvimento
humano como um processo dinâmico e evolutivo. Isso sugere que a velhice é
frequentemente vista como uma fase de declínio, em vez de uma fase de
desenvolvimento com suas próprias características e potenciais.

Contribuição da Psicologia Histórico-Cultural: A Psicologia Histórico-Cultural,


baseada nos trabalhos de Vigotski, Leontiev e Elkonin, oferece uma abordagem
alternativa ao estudo da velhice, considerando-a como um período de desenvolvimento
com características próprias e influenciado pelo contexto social e histórico. Essa
abordagem pode ajudar a superar a visão naturalizante e biologizante do
envelhecimento humano.

1. A periodização do desenvolvimento humano

Momentos de crise no desenvolvimento humano: Vigotski (1996) identifica vários


momentos de crise no desenvolvimento humano, incluindo a crise pós-natal, a crise do
primeiro ano, a crise dos três anos, a crise dos sete anos e a crise da adolescência.
Esses momentos são caracterizados por mudanças significativas na personalidade do
indivíduo e são fundamentais para o avanço do desenvolvimento.

Aspectos positivos das crises: Vigotski (1996) destaca que, apesar de serem
frequentemente associadas a aspectos negativos, as crises no desenvolvimento
humano também têm aspectos positivos. Por exemplo, na crise dos três anos, a
obstinação da criança pode ser vista como uma manifestação de traços da
personalidade que estão se firmando.

Processos construtivos durante as crises: Vigotski (1996) enfatiza que, mesmo


durante os momentos de crise, o desenvolvimento humano não interrompe sua obra
criadora. Pelo contrário, é durante esses períodos que ocorrem processos construtivos
que contribuem para a formação da personalidade do indivíduo.

Potencialidades das crises: Cada crise no desenvolvimento humano traz consigo


potencialidades que podem ser exploradas de maneira positiva. Por exemplo, a crise
dos sete anos, marcada pelo início da escolarização, traz consigo a possibilidade de
autonomia da criança e uma mudança de atitude em relação aos outros.

Compreendendo a velhice a partir do olhar dos idosos:


Entrevistas

Primeira entrevista
Foi uma senhora nascida e criada em Minas Gerais, mas há 12 anos ela trocou de ares e
se mudou para Jataí. Antes disso, passou um tempo numa fazenda, onde trabalhava
como empregada, sem oportunidade de estudo. Ela teve 10 filhos, dos quais 8 ainda
estão vivos, mas só mantém contato regular com um deles.
Casou aos 16 anos e desde então, enfrenta dificuldades de mobilidade, atribuindo isso às
pernas. Apesar disso, já é vovó e até bisavó!
Ela gosta da comida, não deixa passar uma refeição, mas usa alguns medicamentos,
especialmente para tratar depressão e colesterol. Ultimamente, anda com problemas de
sono, dizendo que anda "sonhando ruim".
Apesar de se considerar calma, quando perguntada, sua resposta é "mais ou menos". Já
está aposentada, mas não tem ideia de quantos anos tinha quando se aposentou. E
quando questionada sobre a melhor parte de sua vida, não consegue lembrar.
Tem nove irmãos, mas não tem mais contato com nenhum deles.

Segunda entrevista
Luzi Estevam Alvez, 67 anos. Ela vive na casa de repouso há 12 anos, nascida e criada
em Jatái. Viúva há 18 anos, mas quando perguntaram se ela gosta de morar lá, falou um
"Não, não gosto não." bem direto.
Não é muito de sair nem de praticar atividade física, prefere mesmo ficar deitada. Ela
cresceu na fazenda do pai, mas veio pra cidade pra estudar, chegou até a sexta série.
Ela tem quatro filhos, incluindo duas gêmeas, e só uma neta, fruto de uma das filhas
gêmeas. Só uma das filhas mora em Jataí, e a relação delas é boa, a filha a visita toda
quinta-feira.
Quanto à alimentação, ela diz que se alimenta bem, mas não faz todas as refeições
completas, só café da manhã e um repete no almoço. Lida com diabetes e toda noite
toma três remédios, um deles pra diabetes, mas os outros dois ela não sabe o porquê.
No trabalho, ela vivia como doméstica, já que disse que não tinha aparência para
trabalhar em lojas, mas ela sentia que era valorizada no que fazia, e ainda conseguia
ajudar em casa.
Ela se casou aos 17 anos e teve seu primeiro filho aos 19. Ela mencionou que seu marido
tinha uma inclinação forte para a bebida, mas nunca agiu de forma prejudicial em relação
a ela. Ela se aposentou prematuramente devido a dores nos nervos. Após a morte do
marido, seus filhos tomaram a decisão de levá-la para uma casa de repouso. Apesar das
dificuldades, ela encontra grande satisfação quando recebe ligações de seus filhos.

Terceira entrevista
Jesus Crescentes Soares, tem 83 anos, nascido e criado em Jatái. Vive na casa de
repouso a seis anos. Tem três filhos e dez netos que o visitam ocasionalmente, trazendo
um pouco de alegria à sua rotina. Estudou apenas até o ginásio, mas sua vida profissional
foi marcada pelo trabalho com caminhões e temporadas em fazendas, se aposentou aos
65 anos. Lembrando com gratidão de seus patrões como pessoas bondosas. Apesar das
dificuldades, ele faz todas as refeições. A fisioterapia tornou-se parte de sua rotina, já que
seus pés tendem a inchar constantemente, e um deles está machucado. Apesar de se
alimentar bem e cuidar de sua saúde, ele não gosta de morar na casa de repouso.
Quarta entrevista
 Essa instituição é subsidiada por quem?
É uma instituição filantrópica, sobrevive por doações e uma verba ofertada pela prefeitura.
Essa verba da prefeitura ela acredita que ainda está recebendo, mas não sabe ao certo,
ela informa que essas informações são mais restritas ao setor financeiro.
 Qual o principal motivo dos idosos irem para essa instituição?
A maioria vem porque a família não consegue cuidar. Ela dá o exemplo de idosos com
alzheimer que precisam de atenção 24 horas por dia, e muitas famílias com idosos com
essa doença ou outras que necessitem dessa demanda de atenção não conseguem
suprir esses cuidados. Principalmente famílias de baixa renda, onde todos trabalham e
não conseguem pagar cuidadores particulares, enfermeiros para este trabalho, e nem
seus remédios. Por isso são enviados para essa instituição que entrega assistência 24
horas.
 Como é a rotina dos idosos nessa instituição?
Eles acordam às sete horas da manhã, às oito é o lanche, oito e meia dão banho e trocam
de roupa, as dez e meia até às onze e meia da manhã é a hora do almoço, depois podem
dormir, ou fazer outra atividade da preferência deles, a maioria gosta de assistir televisão.
Nesse horário também está disponível a fisioterapeuta para atendê-los, além de rodas de
conversa, oficinas de pintura e acesso a diversas músicas. As quatro tem outro horário de
higiene, que se baseia na troca de fraldas, roupas e banho. Às cinco já começa o horário
da janta. Os medicamentos são dados no café da manhã, almoço, quatro da tarde, e no
horário da janta; cada um com sua rotina de remédios e medicamentos determinados.
 Qual a frequência de visita dos familiares?
Alguns recebem visitas, mas ela destaca que a maioria não tem nenhuma visita, que a
família muitas vezes não tem um bom contato, ela ainda diz que para algumas famílias a
instituição é um “depósito de idosos”. Ela explica que seus responsáveis têm sua tutela, e
que em casos de emergências, hospitalar ou que é necessário algum suporte familiar eles
têm que arcar com suas responsabilidades, porém no dia a dia são raras as famílias que
visitam semanalmente e realmente dão um suporte rotineiro para seu idoso. Muitas
famílias de vez em quando levam um lanche, depois de alguns meses fazem uma visita,
mas não tem uma rotina de atenção, visitas com aquele idoso. A entrevistada ainda conta
que muitos idosos imploram para ela ligar para algum familiar para poderem conversar,
pois estão com saudade; ela diz que tenta entrar em contato com familiares e muitos
idosos assim conseguem conversar por ligação com seus familiares. Muitos familiares
explicam que só conversam por ligação porque se fizerem a visita presencial o idoso irá
querer ir embora com o familiar.
 Quais as principais atividades que os idosos gostam de fazer na instituição?
Eles gostam muito de assistir televisão, escutar rádio. Gostam muito de ver jogos de
futebol, tanto pela televisão, tanto pelo rádio, conversam muito sobre os jogos. Alguns
gostam de ter o atendimento com a fisioterapeuta, assistir filmes, muitos também gostam
de ouvir música, ela relata como a atividade que eles mais gostam. As vezes ligam som
nas sextas e dançam, jogam baralho, domino. Ela relata que leva atividade de desenho e
pintura, mas percebe que eles preferem os jogos de baralho, domino.
 Como foi na época da pandemia ?
A entrevistada relata que não estava presente, mas colegas de trabalho já relataram que
em determinado momento a instituição esteve com todos os idosos com covid e apenas
dois cuidadores, pois todos os outros havia testado positivo para o covid. Foi muito
trabalhoso, mas não houve tantas mortes, logo começaram a tomar vacina. Ela conta que
no começo ainda estava permitindo visitas, mas depois foram proibidas e ficaram
proibidas pelo intervalo de dois anos.
 Quais são suas maiores dificuldades e reclamações de estarem ali na instituição?
Ela relata que muitos ficam deprimidos e tristes principalmente pela falta de autonomia, e
também por uma certa saudade de casa, pois eles não conseguem ver a instituição como
seu lar, além disso a saudade dos familiares que muitas vezes não os visitam intensifica a
tristeza e dificuldade para se adaptarem.

Quinta Entrevista

 Qual seu nome?


Vivaldo Macedo da Silva.
 Qual sua idade?
84 anos (12-02-1940)
 Você nasceu, mora em Jataí há quanto tempo?
Ele relata que veio para Jataí “há pouco tempo”, relata que chegou em Jataí 1962, depois
ele se contradiz dizendo que já morava em Jataí, e que também morou em Serranópolis,
não responde a cidade em que nasceu.
 Está na instituição há quanto tempo?
Um ano e dois meses.
 Tem filhos?
Nove filhos. Oito vivos e um falecido.
 Tem netos?
Doze netos e oito bisnetos.
 Foi casado?
Não, “só namorava, amava e ia embora”. Teve filhos com seis mulheres.
 O senhor estudou?
Não. Diz que não sabe assinar nem seu nome, mas é muito bom em fazer contas
matemáticas de cabeça.
 O senhor gosta de praticar exercícios físicos ?
Ele brinca que gosta da fisioterapia por causa das fisioterapeutas.
 O senhor se alimenta bem?
Diz que se alimenta bem, brinca que inclusive já está com fome.
 O senhor tem diabetes?
Não, diz que já teve uma perna quebrada, quebrou o fêmur e tem seis platinas, conta que
quebrou a perna com uma queda que teve após ingerir bebidas alcoólicas. Tem problema
de coluna.
 O senhor toma medicamentos?
Sim, todos os dias.
 O senhor já trabalhou com o que?
Ele relata que já trabalhou de tudo, menos pedreiro. Começou a trabalhar desde cedo,
pois cresceu sem pai e sem mãe.
 O senhor se aposentou?
Sim, aposentou com 59 anos, quando trabalhava em uma chácara, plantando roça. Relata
que já teve patrões bons, outros “não prestavam”.
 O senhor gosta de morar aqui?
Gosto, “gosto das mulher bonita”
 Seus filhos vem visitar?
Ele relata que sim, que todos vão. Dois moram em Uberlândia, os outros moram em Caçu
e o mais velho mora em Jataí, ele relata que é só ligar que seu filho mais velho vai lá
visitá-lo. Ele diz que tem uma boa relação com seus filhos e que foi morar lá porque quis.
 Qual fase você foi mais feliz, alguma memória boa?
Fala que quando era jovem era melhor.

Quinta Entrevista

Ana Flávia Magalhães , fisioterapeuta há dois anos na instituição.

 Como é a rotina deles?


Realizamos atendimentos de fisioterapia de segunda a sexta, conto com a colaboração de
alunos estagiários da UFJ, que junto comigo realizamos atendimentos no período da
tarde, até as 17:00hrs. Conseguimos atender por volta de 30-35 pacientes. A cada mês a
gente muda um pouco a escala de atendimento procurando atender a maior quantidade
de pacientes possível, levando em conta a aceitação destes a fisioterapia, pois muitos
não gostam e não aceitam o tratamento. Realizamos atendimentos grupais e individuais.
 A maioria dos idosos aderem, aceitam a fisioterapia?
A maioria sim, alguns têm receio devido a falta de conhecimento sobre como funciona a
fisioterapia e também por esta às vezes os tirarem de sua zona de conforto, pois alguns
exercícios exigem mais atenção e esforço do idoso. De começo o contato com uma
psicóloga que os instruem de como funciona a fisioterapia e os incentivam a ir é de
grande ajuda, e depois deste contato muitos iniciam o tratamento.
 Há quanto tempo você trabalha na instituição?
Faz dois anos em abril.
 Você percebe o impacto da fisioterapia na saúde mental?
Eles não interagem muito entre si, então se sentem muito sozinhos. Logo na fisioterapia
além dos exercícios temos momentos de conversação, com contato dos alunos comigo e
entre si. A maioria que vão gostam, e melhoram muito o humor.
 O que mudou em você, no seu pessoal depois que veio trabalhar aqui ?
Eu sempre me interessei pela área de geriatria, todo dia tenho um aprendizado diferente
com eles, é uma alegria vim aqui conversar com eles, ver um outro lado da vida, é muito
gratificante poder trazer mais saúde, mais alegria.

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