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ESTUDO DE CASO – ENTREVISTA – PSICOLOGA

O luto é uma experiência universal que, em algum momento, invariavelmente atravessa nossas
vidas. Seja pela perda de um familiar, o término de um relacionamento, um diagnóstico de
doença ou perdas financeiras, uma série de emoções intensas emerge não apenas para o
indivíduo em luto, mas também para toda a família, principalmente em condições hospitalares.
Neste contexto, a psicoterapia familiar do luto surge como um recurso importante para auxiliar
famílias a enfrentar esse processo complexo, repleto de perdas e adaptações.

Nosso estudo de caso envolve "Rosário", uma profissional de psicologia de 61 anos, casada,
mãe de 3 filhas, atualmente residente em Recife, Pernambuco. Para preservar sua identidade e
a dos demais envolvidos, manteremos em sigilo seu nome real e gênero, concentrando-nos
apenas em sua narrativa.

Rosário trabalha na área da psicologia há mais de sete anos, com a abordagem da TCC (Terapia
Cognitiva Comportamental), sendo também autora de cursos sobre luto. Seu trabalho é dedicado
a auxiliar famílias que enfrentam esse tipo de situação. Entretanto, ela também está passando
por um processo de luto devido ao adoecimento físico e psicológico de seu esposo, o que
resultou em várias internações hospitalares ao longo dos anos e, consequentemente, afetou as
relações familiares.

O objetivo deste estudo de caso é oferecer uma visão humanizada de um profissional de


psicologia que, assim como seus clientes, não é imune ao sofrimento. Observaremos as
estratégias utilizadas como auxílio em sua vivência e destacaremos a importância da
psicoterapia na reorganização do indivíduo e de sua família, levando em consideração seu
contexto social, cultural e crenças religiosas.

Seu relato de vida lança luz sobre um aspecto pouco abordado: o psicólogo que enfrenta o
processo de luto e a precariedade dos profissionais de psicologia em ambientes hospitalares,
oferecendo suporte às famílias e pacientes enlutados, com destaque para os pacientes
geriátricos que, por sua vez, moram em lares geriátricos.

Ao longo dos anos, o marido de Rosário, chamado Alberto, apresentou uma série de
comportamentos problemáticos e diagnósticos médicos de forma tardia, incluindo transtornos
mentais como transtorno de personalidade histriônica, transtorno de personalidade obsessiva-
compulsiva, bipolaridade, transtorno de personalidade narcisista, sociopatia e esquizofrenia. Ele
era obsessivo, manipulador e controlador, afetando profundamente a vida familiar.

Esses problemas se agravaram e levaram ao distanciamento entre eles, ao ponto de dormirem


em quartos separados. Com um histórico de alcoolismo, Alberto não respeitava os limites de
privacidade de sua família. Dominador e opositor, ele invadia os quartos de suas filhas e esposa,
ao ponto de as mesmas trancarem as portas para garantir privacidade e paz.

Alberto era advogado, militar e administrador, vivia rodeado de amigos políticos, médicos e
pessoas influentes. Gostava de festas e mantinha um padrão alto de gastos que tinham um custo
elevado, de forma impulsiva. Costumava desviar dinheiro das escolas de suas filhas e outros
compromissos financeiros, colocando Rosário na difícil posição de lidar com as consequências
financeiras e legais, chegando a perder o apartamento que foi a leilão.

As ações de Alberto refletiram de forma negativa em sua mulher e filhas. A mais velha, aos 8
anos, manifestou os primeiros sintomas de traumas relacionados ao convívio com o pai. Com
sintomas de ansiedade, Júlia tinha medo de que o pai se matasse, pois sempre que se sentia
pressionado, ela ouvia o pai dizer que se jogaria da ponte ou debaixo de um carro. Isso a levou,
aos 16 anos, a desenvolver ansiedade e crises de pânico, fazendo 10 anos de psicanálise e
acompanhamento pela AMPARE (ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS PACIENTES DE PÂNICO EM
RECIFE). Suas demais irmãs receberam o apoio de sua mãe, que as levou para serem
acompanhadas por psicólogos e psiquiatras.

Os problemas de saúde se agravaram até que Alberto precisou fazer uma cirurgia de HPN
(Hidrocefalia de Pressão Normal). No pós-operatório, na UTI, ele teve uma crise de pânico, pois
se sentiu desamparado e abandonado, tentando se jogar da janela da UTI. Nesse momento, não
havia nenhum profissional de psicologia para fazer o acolhimento, e Rosário, a própria psicóloga,
teve que fazer a intervenção em seu marido por falta de profissional naquele dia.

Atualmente, Alberto vive em um lar geriátrico de alto padrão, recebendo cuidados de uma equipe
multidisciplinar de saúde. Uma excelente estrutura, na qual os moradores têm acompanhamento
de cuidadores, fisioterapeutas, médicos, geriatras e nutricionistas, que buscam o bem-estar
desses moradores.

Fomos convidados a fazer uma ação de escuta neste lar geriátrico, onde a diretora do local nos
recebeu e nos permitiu fazer a escuta dos idosos que lá moravam. Embora haja todo empenho
e carinho dedicados ao acolhimento dos moradores e funcionários, o estabelecimento ainda não
possui um profissional de psicologia; apenas alguns idosos têm acesso a psicólogos por meio
do plano de saúde.

Uma experiência única que nos permitiu ver a necessidade que essas pessoas têm de serem
ouvidas. Fizemos mais de 8 escutas supervisionadas por uma psicóloga, atendemos por 30
minutos moradores e funcionários e podemos sentir que por mais acolhimento que sejam dados
aos moradores e funcionários do local, suas histórias precisam ser ouvidas por um uma
perspectiva que só o profissional de psicologia pode oferecer.

Lidar com questões como solidão, alterações de humor, o ócio, a tristeza por estar longe da
família, questões de ansiedade, depressão e outros. Seus anos de vida, anseios, desejos e
medos ficam para si, por falta de alguém que os escute de maneira que possam enxergar a vida
para além do pensamento que quase todos expressam, de que estão apenas esperando a morte.

Este estudo de caso oferece uma visão íntima de um profissional de psicologia que vivencia o
luto em sua vida pessoal, destacando a importância da psicoterapia familiar nesse processo de
reorganização. Sua narrativa nos impacta sobre a complexidade das relações familiares em meio
a desafios médicos e emocionais, a busca por um sentido de viver com qualidade, ressaltando a
resiliência e a busca por uma compreensão mais profunda do sofrimento humano na terceira
idade.

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