Você está na página 1de 24

TRANSTORNOS ESPECÍFICOS

DE PERSONALIDADE E AS
ESTRUTURAS PERVERSAS

Manoel Mendonça Souza


Médico-psiquiatra (UF JF -1979) e mestre em Filosofia (1998) e Ciência da Religião (2014);
especialista em Psiquiatria (ABP). professor Faculdade de Psicologia da Uniacademia,
psicodramatista pela Sobrap -JF e Febrap. Atua em Psicoterapia Psicodramática
individual e Psicoterapia de grupo.
E-mail: drmaonoel.mendonca@gmail.com
Telefone: (32) 32152817
(32) 999049004
“O MENINO É O PAI DO HOMEM”
MACHADO DE ASSIS
Conceito de Personalidade:
Constituição corporal + Temperamento + Caráter = Personalidade
•Temperamento inato;
•Interação com o meio ambiente psicossocial;
•Ativação de limiares e ritmos característicos das percepções, comportamentos, cognições e
intensidades afetivas;
•Desenvolvimento de vínculos de apego com cuidadores: introjeção da representação destas
relações precoces;
•Desenvolvimento de traços de caráter (constelação de relações de objeto, defesas
específicas, estilos cognitivos, sistemas de valores);
•Inteligência (potencial cognitivo e adaptativo do indivíduo);
•Vulnerabilidades e resiliências;
•Fatores biológicos, experienciais e ambientais: personalidade da pessoa
Traços de personalidade:

Configurações estáveis de modos de percepção, cognição e emoção, especialmente ativadas em contextos


interpessoais:
•Desconfiança
•Timidez;
•Sedução;
•Manipulação;
•Dependência;
•Controle;
•Outros...
Quando tais traços se intensificam a ponto de provocar
sofrimento emocional ou prejuízo social, profissional ou
familiar

Transtorno de personalidade (DSM-IV, CID-10)


Definição e sintomas do transtorno de personalidade

Definição Os traços de personalidade são padrões constantes de relacionamento com


as outras pessoas, pensamento e percepção, mostrados em amplo
espectro de contextos. Quando o agrupamento de tais traços é inflexível,
desadaptativo e causa sofrimento significativo nas esferas social,
interpessoal e ocupacional. São abordados no eixo 2 do DSM-IV.

Sintomas Iniciam-se na adolescência e continuam por toda vida adulta, podendo ser
atenuados na velhice. Em graus variados, o distúrbio influencia todas as
facetas da personalidade, incluindo cognição, humor, comportamento e
relacionamento interpessoal.
Distúrbio de personalidade

Primário Secundário

Decorrente de
condição médica ou
Inicia-se na doença cerebral
adolescência, detectável.
propagando-se para Também pode ser
a vida adulta, com secundário a doença
comprometimento psiquiátrica grave ou
global da a experiência
personalidade catastrófica e
impactante na vida
do paciente
Transtorno de personalidade (DSM-IV, CID-10)

Padrão estável e duradouro e inflexível de vivências internas e de comportamentos que se


desviam acentuadamente da cultura da pessoa e se manifestam em 2 ou mais destas áreas:

•Cognição (modos de perceber a si mesmo, aos outros e aos fatos)


•Afetividade (amplitude, intensidade, labilidade e adequação das respostas)
•Controle dos impulsos
•Relacionamento interpessoal

Provoca sofrimento ou incapacitação clinicamente significativas.


CLASSIFICAÇÃO

DSM-IV(2002)- Sistema Categórico:


10 transtornos de personalidade
3 grupos, baseados apenas em semelhanças descritivas:
 Grupo A: estranhos, excêntricos e esquisitos:
Paranóide, Esquizóide e Esquizotípico.
 Grupo B: dramáticos, emotivos e imprevisíveis:
Anti-social, Borderline, Histriônico e Narcisista.
 Grupo C: ansiosos e assustados
Dependente, Evitativo e Obsessivo-Compulsivo
GRUPO A
GRUPO B
GRUPO C
A ESTRUTURA PERVERSA:
PERVERSÃO
O caso Francisco.
Francisco, tem 49 anos, divorciado, pai de três filhos, curso superior completo, mestrado e doutorado - advogado e
funcionário público. Desde muito criança, em torno de 5 anos para frente, descreve ter momentos que sentia uma
espécie de "impulso" para fazer "coisas proibidas". Até hoje sente esses impulsos. Esses impulsos ocorrem
geralmente quando está sozinho ou de alguma forma se sente sozinho. Os impulsos são ligados ao sexo. Começou
a se masturbar com 8 anos e até os 11 anos a fonte de excitação era o que considero normal, ou seja, mulheres.
Após 11 anos começou a sentir atração por mulheres fumando e desde então essa é foi a fonte de excitação. Ele
fumava e se masturbava escondido, isso sempre foi muito escondido. Nunca fumou na rua ou em qualquer outro
lugar, a não ser escondido e ai sempre acompanhado pela masturbação. Não conseguia fumar se não estiver
excitado e se masturbando. Por isso até se considera uma pessoa não fumante. Já teve namoradas que fumavam
mais estas ele não gostava e não sentia atração em vê-las fumando, pelo contrário, não gostava que elas
fumassem. Foi casado e sempre fumou e se masturbava escondido da esposa. Fazendo uma analogia, esse como
se fosse uma "amante", que sempre teve. Esse hábito de se masturbar fumando e como fonte de excitação as
imagens de mulheres fumando sempre foram mais intensos e mais prazerosos que o "sexo normal" que tinha com
a esposa ou com as namoradas. Já tentou ter relação com mulheres fumando (pouquíssimas vezes) mas não
gostou, achava ridículo e não conseguia criar a fantasia que é criada quando está sozinho se masturbando. Essas
fantasias são muito intensas e se "transformam": - parece que sou outra pessoa quando estou sob o "efeito desse
impulso". Já se envolveu com outras drogas (maconha e posteriormente cocaína), mas nunca chegou a ser um
usuário propriamente dito. Porém, uma vez que tinha usado cocaína teve após uma forte depressão e então uma
força maior para dar um fim em toda essa fantasia e então parei de fumar escondido, de usar qualquer droga, parou
de beber (nunca foi alcoólatra mas bebia socialmente), parou de comer carboidratos, doces, etc.
Começou a se dedicar a ter uma vida saudável, fazia muita atividade física e então sentiu
que a vida estava tomando o caminho que sempre quis que ela tivesse. Porém, a atração
por mulheres fumando ainda continuou e durante o sexo com sua esposa sempre teve que
recorrer a essa fantasia para ter excitação.Apesar de não fumar mais escondido, ainda
continuou se masturbando diariamente umas 2 vezes por dia. Mas durante essa fase o seu
interesse por outras mulheres foram aumentando e então arrumou uma amante com a qual
ficou 9 meses, até que sua esposa descobriu e abandonou a amante e sua esposa o
perdoou. A amante não fumava e nesta fase, o gosto por mulheres fumantes tinha
diminuído bastante. A amante então arrumou um namorado e quando ele a viu com o
namorado teve uma forte crise de ciúmes e fui atrás da amante, mesmo sendo casado. A
amante não sabia se voltava para ele ou se ficava com o namorado e tiveram um período
de muito "descontrole", até que a amante decidiu ficar com o namorado e ele nunca mais
teve contato com a amante. Ficou com a esposa, e depois de uns meses esqueceu por
completo a amante. Ficou casado por mais um ano e meio e então se separou após 24
anos de relacionamento. Logo após a separação arrumou várias namoradas que fumavam
ou não, mas voltou a fumar escondido e se masturbar. As namoradas que fumavam ele não
gostava que elas fumassem, apesar de que ele fumava escondido e se masturbava como
fonte de excitação mulheres fumando (como sempre foi). Apesar de ser um pessoal muito
racional, e quando não está sobre o “efeito do impulso” tem consciência completa e perfeita
que esta fantasia não passa apenas de uma fantasia que a considera ridícula. Porém,
quando o "impulso" ocorre, se transforma e recai à fantasia. Saia fora do controle, acredita
que da mesma forma que um psicopata sai de seu controle e comete um crime guiado
apenas por seu lado irracional. A sensação que tenho é que estou preso numa fonte de
atração muito prazerosa, porém que não quero ter isso para mim, porque sei que isso não
faz sentido, não é real. Não quero recorrer a essa fantasia ou ter essa fantasia, porém, até
hoje não consegui superá-la.
A ESTRUTURA PERVERSA: PERVERSÃO
Uma forma de conduta sexual passível de aparecer em quadros diagnósticos variados ou
uma estrutura psíquica independente?

O termo perversão, que tem origem no latim perversione, designa o ato ou efeito de perverter-
se, isto é, tornar-se perverso ou mau, corromper, depravar, desmoralizar. Pode designar ainda
a alteração ou transtorno de uma função.

Na tradição da medicina, esse termo foi reservado para designar o desvio ou a perturbação
de uma função normal, sobretudo no terreno psíquico e, mais propriamente, no terreno da
sexualidade.
Perversão: substantivo, adjetivo, advérbio ou verbo.
Como substantivo: transforma uma prática ou uma pessoa em objeto de conhecimento,
enquanto o conhecimento do sujeito é a condição da liberdade.
Classificar um individuo de “pervertido” é reproduzir a objetificação e a desumanização
características da própria perversão.

O verbo, “perverter”: associado coloquialmente a algo que altera o “curso normal das
coisas” e é um crime previsto em lei;
No terreno terapêutico, “perverter” é mais comumente sinônimo de violentar”, “abusar” –
donde “abuso de drogas”, “abuso infantil”, “abuso sexual de crianças”, “violência sexual”,
etc.

O adjetivo “pervertido” não contém tanto a reprovação, mas qualifica o objeto, e pode
qualificar uma forma de pensamento, uma crença, uma resposta emocional à vida, um
ato sexual, um ato violento ou um assassinato.
Em razão do peso que o termo perversão traz consigo, muitas vezes mais associado
a uma forma de julgamento moral do que a uma estrutura psíquica especifica, muito
já se discutiu sobre a convivência de mantê-lo no vocabulário psicanalítico.

O D.S.M. não se fala em perversão, mas em parafilia, palavra que designa algo
como o “gosto pelo acessório” ou por aquilo que não é o principal, o que vem a ser,
na prática, o não genital.

No campo da moralidade para definir o que é “normal”, portanto “certo” e “desejável”,


e o que é “anormal” ou “perverso”, portanto ‘errado” e “indesejável”.

Não se pode menosprezar o fato de que, da mesma raiz de perversão, deriva o


termo perversidade, que dizer “índole ferina ou ruim”.
O sentido da palavra perversão: designação de uma estrutura psíquica particular não
necessariamente ligada à perversidade manifesta;
caracterizada por uma relação com os objetos na qual estes são manipulados de
modo a serem usados, na pior das acepções do termo.

A perversão decorreria, justamente, da impossibilidade de a corrente genital da


sexualidade impor-se perante as demais, em função de uma fixação, ocorrida na
infância, que elevaria uma corrente pré-genital à condição de eixo organizador da vida
sexual.

As fantasias de tipo pré-genital, que vêm, na prática, a ser as fantasias perversas,


coexistem tanto no neurótico como no perverso.

A perversão seria, em uma palavra, a manutenção da sexualidade infantil perverso-


polimorfa na vida adulta.
A sexualidade normal significa, portanto, a primazia da genitalidade.
O perverso deverá compor um cenário para sua vida sexual em que a castração seja
constantemente negada.
A clivagem do ego é um mecanismo geral e corrente, presente em um grau normal
mesmo na organização neurótica da personalidade.
O perverso: ego clivado ou cindido, que funciona em dois registros não só diferentes,
mas contraditórios.

A diferença entre o psicótico e o perverso no que toca ao mecanismo da clivagem?


Na psicose, a maior parte do ego se desliga da realidade.
No perverso, a coexistência de duas atitudes opostas em relação à castração,
durante toda a sua existência, seria a característica marcante.
A montagem perversa: é o significado que ela assume para a pessoa que a pratica
reproduz a situação traumática efetivamente vivenciada na infância.

A perversão, assim, é a revivescência de um trauma sexual


É como se a história fosse relembrada em ato, mas contada com um desfecho oposto
ao que teve na cena traumática real, agora de modo favorável à vitima.
A passividade transforma-se em atividade e a vingança se efetua sobre um objeto
escolhido para representar a criança vitimada.
A necessidade que o perverso tem de repetir sempre (compulsivamente) e da
mesma forma (estereotipadamente) sua cena sexual atesta a impossibilidade de tal
ato pôr o sujeito, efetivamente, a salvo do perigo.
A memória do trauma é inconsciente e não cessa de manifestar-se e de exigir uma
defesa.
A perversão é um transtorno construído sobre uma tríade da hostilidade: raiva,
medo e vingança.

O ato sexual, ritualizado, não passa de uma montagem estereotipada em que o


parceiro atua como um protetor contra a depressão e a perda da identidade.
Sua fantasia atuada é altamente especializada: diz respeito a seu complexo
particular ligado ao terror da cena primária, dificilmente passível de elaboração.
Assim seu universo fantasmático e onírico é extremamente pobre.

“EU sei que... mas assim mesmo...”


ESTRUTURAS TRIANGULADAS E NÃO
TRIANGULADAS
As estruturas trianguladas ou ocluídas a capacidade de lidar simbolicamente com as separações; são fechadas;
correspondem às que realizaram a “brecha” entre a fantasia (imaginário) e o real.
Na normose/neurose: a válvula funciona na distinção entre o imaginário e o real.
Na atuação/atuação patológica a válvula é frágil (representada no desenho por uma linha sinuosa),

As estruturas trianguladas têm uma referência central: o registro da interdição e da permissão, elas inscreveram no
inconsciente a lei do terceiro (a metáfora paterna).

As estruturas não trianguladas ou foracluídas não instituíram a ordem simbólica, incapazes de lidar simbolicamente
com as separações. permanecem abertas
As foracluídas/psicose estruturas que não realizaram a “brecha” entre a fantasia (imaginário) e o real, não possuem a
válvula, e a comunicação entre o imaginário e o real permanece aberta.
Diferença funcional entre elas que não é necessariamente patológica..
ESTRUTURAS PSÍQUICAS
Como se dá a brecha entre a fantasia e a realidade

1 2 Criança 3 Criança
Fantasia F
Dentro
Função FM
Materna Furo
Realidad R
Fora
e
Criança Criança
FORACLUIDA
4 Criança 5 Criança

F F

FM
Função
Paterna
FM < FP

R R <
Criança Criança Válvulas de abertura-
NEURÓTICA fechamento entre a fantasia-
ATUADORA realidade
NORMÓTICA
FONSECA, J. Essência e personalidade: elementos de psicologia relacional, São Paulo: Ágora, 2018.
ESTRUTURAS: SAÚDE E PATOLOGIA

<
Foraclusão Atuação Normose
Psicose Psicopatia Neurose

FONSECA, J. Essência e personalidade: elementos de psicologia relacional, São Paulo: Ágora, 2018.

Você também pode gostar