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Hebe Maria Mattos

Escravidão e Cidadania
no Brasil Monárquico

segunda edição

Jorge Zahar Editor


Rio de Janeiro
Copyright O 2000, Hebe Maria Mattos

Copyright desta edição O 2004: Sumário


Jorge Zahar Editor Leda.
rua México 31 sobreloja
20031-144 Rio de Janeiro, RJ
tel.: (21) 2240-0226 / fax: (21) 2262-5123
e-mail: jzePzahar.com.br
site: www.zabar.com.br Introdução 7
Todos os direitos reservados. Escravidão e cidadania 14
A reprodução não-autorizada desta publicação,
no todo ou em parte, constitui violação
de direitos autorais. (Lei 9.6/0/98) Um certo Conselheiro Rebouças 35
Capa: Carol Sá e Sérgio Canipante
Ilustração da capa: Pano de boca pari representação Conselhos mais radicais 54
no Teatro da Corte por ocasião da coroação
de D. Pedro |. Desenho de Debret. Nas rrilhas do esquecimento 58
Vinheta da coleção: ilustração de Debret

Composição eletrônica: Top Textos Edições Gráficas Ltda. Cronologia 62


Impressão; Cromosete Gráfica e Editora

Edição anterior: 1999


Referências e fontes 66

CIP-Brasil. Catalopação-na-fonte Sugestões de leitura 71


Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Sobre a autora 74
Mattos, Hebe Maria
M39e Escravidão e cidadania no Brasil Monárquico / Hebe
2.ed. Maria Matos. — 2.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2004
Ilustrações (entre p.48-49)
:il.. — (Descobrindo o Brasil)
Inclui bibliografia
ISBN 85-7110-533-2
1. Brasil - História — Império, 1822-1889. 2. Escra-
vidão - Brasil. 3. Brasil - Questão racial - História. 4,
Cidadania - Brasil. 1. Título. II. Série.
CDD 981.04
04-2309 CDU 94(81) “1822/1889"
Créditos das ilustrações

1. Antônio Pereira Rebouças. Fotografia extraída de Líves


in Between, de Leo Spitzer.
2. Luiz Gama. Fotografia de Militão Augusto de Azevedo.
3. José do Patrocínio. Arquivo do Museu Imperial, Perró- Introdução
polis.
4. André Rebouças. Arquivo do Museu Imperial, Petrópolis. Este livro se propõe a discutir as relações entre identi-
5. Soldados. Desenho de Debret. dade racial, escravidão e cidadania no Brasil oitocen-
6. Barismo de escravas. Desenho de Debrer. tista. Pode parecer estranho, aos olhos de hoje, relacio-
7. Escravo. Fotografia de Christiano Jr. Extraída de Escravos nar termos aparentemente tão antagônicos quanto ci-
brasileiros do século XIX na fotografia de Christiano Júnior, de dadania e escravidão, mas, de fato, quando pela pri-
PC. de Azevedo e M. Lissovsky. meira vez se definiu uma “cidadania brasileira” e os
8. Casal de negros livres ou libertos. Fotografia de Militão direitos a ela vinculados, quando da emancipação po-
Augusto de Azevedo. Extraída de O olhar europeu — o negro lírica do país em 1822, o Brasil comportava uma das
na iconografia brasileira do século x1x, de Boris Kossoy e M. maiores populações escravas das Américas, juntamente
Tucci Carnetro.
com a maior população livre afro-descendente do con-
finente,
Naquela ocasião, quando o Brasil surgia como nação
moderna no mundo ocidental, a opção por uma mo-
narquia constitucional de base liberal teoricamente
considerava todos os homens cidadãos livres e iguais.
Apesar disso, a instituição da escravidão permaneceu
inalterada, garantida que era pelo direito de proprieda-
de reconhecido na nova Constituição. Frequentemente
esta tem sido apontada como uma distorção
rípica do
processo de emancipação política do Brasil, que teria

«7.
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ci « se feito sob a égide
am do Príncipe Eportuguês e sob dente em uma plantation com mais de 300 escravos,
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anycontrole de proprietários de escravos. Nesse contexto,
trnzanto

um de seus principais representantes. Para além disso,


+ a manutenção da escravidão se tornaria O principal as colônias mais ao norte, se não se configuravam em
ant limite do pensamento liberal no Brasil, na chamada finais do século XVIII como sociedades baseadas no
f
que *a gera da Independência. Em algumasinter retações trabalho escravo, podiam ser caracterizadas como so-
o liberalismo no Brasil monárquico seria ciedades “com escravos”, mesmo que não tão depen-
considerado até mesmo como uma simples importação dentes dos trabalhos destes, e assim permaneceram por
artificial de idéias européias que, para além da defesa algumas décadas após a independência.
do livre comércio, pouco se adequavam à realidade Apesar disso, a Declaração de Independência dos
brasileira. Estados Unidos da América, de forma pioneira, decla- btus
Antes da experiência brasileira, entretanto, no pro- raria que todos os homens nasciam livres e iguais e ves EVA
cesso de Independência dos Estados Unidos, quando tinham direito à vida, à liberdade e à busca da felicida-
pela primeira vez a noção de cidadania foi definida em de. Nesse contexto, mesmo sem realizar uma abolição
Pro 4

termos práticos, na esteira das revoluções liberais, tam- imediata da escravidão, nos anos que se seguiram à Meg
bém ali ela se fez estreitamente relacionada com a guerra de independência, alargaram-se como nunca as du do o
temática da escravidão, na medida em que eram pro- possibilidades de alforria nas antigas treze colônias; sis
hd.
prietários escravistas todos os principais líderes da Re- surgi é IÇÕ embasa- ce olfia “
volução Americana, de George Washington a Thomas dos na Declaração de Independência, argumentavam
Jefferson. Com muita freqiiência, a questão da escravi- diretamente por suas liberdades. Processos muito se- OL vm |

ente
dão na Revolução Americana tende a ser apresentada melhantes aos que ocorreram no Brasil nas década
a , mm de > po 14
s que
como uma questão menor, de caráter regional, anteci- se seguiram ao “grito do Ipiranga”, como veremos à de estruvod

pando-se para o século XVIII a divisão entre sul e norte seguir. pMbad
— que só se consolidaria nas primeiras décadas do É preciso, portanto, deixar claro que o conhecido
século XIX. Na verdade, na Virgínia, onde se reuniam dilema entre a assertiva de que os homens nasciam “º5ethns
as principais lideranças do processo, concentrava-se livres c iguais reconhecida pelo liberalismo e à manu- "e—->
também o principal núcleo dos interesses escravistas tenção da escravidão, sob a égide de Constituições, ST
das treze colônias, dedicado à produção de tabaco, e liberais, não foi específico do Brasil de 1822, mas sebios i
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que tinha em George Washington, proprietário e resi- desenrolou em toda à Afro=América, inclusive nas co-
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HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

lônias escravistas inglesas e francesas, no contexto das ria, entretanto, que os libertos deixassem o seu territó-
chamadas Revoluções Atlânticas. rio, tendo em vista o “preconceito do homem branco”,
Apesar da multiplicidade de processos específicos e e “as ofensas que haviam sofrido”, mas também a
da complexidade dos conflitos em jogo, pode-se deli- diferença de raça”, ou seja, as “distinções reais que a
LE ” . Cl: - ,

near uma tendência geral de equacionamento do dile- própria natureza havia criado” e que fariam os negros
ma nos novos países que se formavam sob a égide da “menos afeitos ao pensamento criativo e à inovação”.
ideologia liberal) a partir de três encaminhamentos Até cio, as diversas sociedades do chamado Antigo
básicos: 1) a manutenção da escravidão com base no
direi tedade: 2) a ibiçã áfico afri- tante, de uma maneira geral, com exceção de alguns
cano; 3) a emancipação progressiva através de leis que grupos protests
libertavam os nascituros (ventre-livre), ou de experiên- não tinham maiores problemas teóricos ou morais com
E E a e e,

cias de transição regulada, sempre com indenização aos a escravidão afric permiaos
tiria
bárbaros
proprietários. De um modo ou de outro, por tortuosos oriundos deste continente conhecerem. a-verdadeira
e diferentes caminhos, após 1848 a escravidão havia religião. Acreditavam, entretanto, na igualdade de to-
sido abolida em praticamente toda a América. Manti- dos perante o Criador, As sociedades do Antigo Regime
nha-se, ainda, apenas naquelas áreas que permaneciam naturalizavam, como construções divinas, as desigual-
sob o jugo colonial espanhol (Cuba, Porto Rico), por- dades sociais, e assim a montagem de sociedades escra- Emi Re:
tanto fora da influência das teorias liberais, e em dois vistas nas Américas não chegava a desroar deste quadro.
heluda
Mesma ca
países independentes: Brasil e Estados Unidos (apenas dus paga [na Nesse contexto, apesar de as diferenças de cor e carac- A sad
nos estados do Sul). Assim, são o vigor e o dinamismo ix E corto
terísticas físicas reforçarem as marcas hierárquicas nas See.
da economia escravista no Brasile no sul dos Estados gaita
fis
as sociedades escravocratas, elas não eram necessárias para
Unidos durante a primeira merade do século XIX que ua “d justificar a existência da escravidão.
emprestam um caráter específico ao dilema liberal ecoentet É out À (fioção de raçãoe a da (desigualdade
entre elas>
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neste dois países requerendo soluções mais específicas. au q são construções do pensamento científico europeu
Ainda no século XVIII, como governador da Virgi- VÃO Stº” e norte-a idas apenas no sécul ,
nia, Thomas Jefferson anteciparia a solução norte-ame- mesmo que já aparecessem, de forma RR
ricana para o problema. Propondo a abolição do cati- em alguns escritos do século XVIII, como as consi-
veiro na Virgínia (o que não se realizaria), ele defende- ty He derações de Thomas Jefferson. É a partir da primeira

.10. -n.
HEBE MARIA/MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

metade do século XIX, especialmente nos Estados


condições políticas efetivas para realizá-la permitindo,
Unidos, que até mesmo a origem comum da espécie
em diversos contextos, o estabelecimento de restrições
humana passa a ser questionada (poligenismo), num
aos direitos civis de determinados grupos consider
dilema que só seria superado ados
com a adoção da racialmente inferiores, bem
perspectiva como a legitimação da
da seleção natural (a partir da teoria própria manutenção da escravidão no sul dos
darwinista, capaz de conciliar a idéia de uma origem Estados
Unidos, associada a um progressivo fechamento
comum com uma extrema e seletiva diferenciação das
possibilidades de alforria. A noção de raça é assim
natural). Desde então, durante todo o século XIX, | uma
construção social do século XIX, estreitamente
a partir de uma argumentação ligada,
biologizante, as teo- no continente americano, às contradições enrre os
rias raciais permitiriam novamente naturalizar al- OS
direitos civis e políticos inerentes à cidadania
gumas das desigualdades sociais — aquelas que in- estabele-
cida pelos novos estados liberais e o longo processo
cidiam sobre grupos considerados racialmente in- de
abolição do cativeiro.
feriores —, justificando a restrição dos direitos civis
Posso agora, portanto, complicar nossa questão
inerentes às novas concepções de cidadania reque- ini-
cial. Como já dissemos, quando pela primeira vez
ridas pelo bberalisma, hem coma anova expansão
se
definiu uma “cidadania brasileira” — na ocasi
colonialista européia sobre a África e a Ásia. Q ão da
emancipação política do país, em 1822 —. o Brasil
sucesso da noção de raça e das teorias raciais nos
comportava não apenas uma das maiores populaçõ
Estados Unidos do segundo quartel do século XIX es
escravas das Américas, mas também a maior populaçã
é absoluto, permitindo a imposição de progressivas o
' peso e “dade descendentes livres de africanos do
limitações aos direitos civis dos descendentes de continente. Raça
mmsmucis eme cidadania são duas noções cons
africanos livres, assim como restrições legais. ao aces- truidas de forma
ton dos de (o inre rli
so à alforria nos estados escravistas.
deção culo XIX, em estreita relação com cldilema te
O que estou buscando demonstrar é que não apenas [UR E .
por perl o liberalismo e escravidão.“1. a
Diante deste fato, como
| 9. conceito de raça é uma construção do século XIX, mas as
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noções de raça e de cidadania foram articulada
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«| também a “racialização”da justificariva da escravidão à oe- Império brasileiro para
SE Wrmop dar conta daquelas duas reali-
americana. Ela se tornou a contrapartida possível à
“dades demográficas essenciais da realidade do jove
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gencralização de uma concepção universalizante de ad país? E o que vamos tenta m
direitos do cidadão em sociedades que não reuniam Ad r acom panhar nas páginas
, Acme Pi“que se seguem.
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HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

Escravidão e cidadania livres. O Império Português, como sociedade do Ânti-


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go Regime, entendia como(desígnios divinogas hierar-
Afirmar que a legitimação da escravidão moderna não quias sociais, do direito divino do rei à pureza de cm

a,
se fez em bases raciais não implica considerar que sangue da nobreza farmada por cristãos velhos. Assim,
estigmas € distinções apoiados na ascendência deixas- todos os súditos do rei tinham seu lugar social, e, nele,
sem de estar presentes nas sociedades do Antigo Regi- eram pelo rei protegidos. Fazer parte do Império signi-
me, em especial no Império Português. O estatuto da ficava tornar-se católico através do batismo; nesse sen-
pureza de sangue em Portugal — limitando o acesso a tido, a escravização dos bárbaros era bem vinda, se fosse
cargos públicos, eclesiásticos e a títulos honoríficos aos oúnico caminho para servir ao rei c à verdadeira Fé.
chamados cristãos velhos (famílias que já seriam cató- Isto era válido para a escravidão africana ou para a
licas há pelo menos quatro gerações) — remonta às indígena legalizada através da guerra justa.
Ordenações Afonsinas (1446-47), que excluíam os Tentemos exemplificar melhor este ponto. Por
descendentes de mouros e judeus. As Ordenações Ma- exemplo, o comércio de escravos na África implicava
nuelinas (1514-21) estenderiam as restrições também negociações com uma elite de comerciantes africanos,
aos descendentes de ciganos e indígenas, e as Ordena- que, muitas vezes, especialmente no caso de Angola,
ções Filipinas (1603) acrescentariam à lista de exclusão eram convertidos ao catolicismo, e súditos do Império
os negros e mulatos. Em 1776, Pombal revogaria as Português. Seguindo a mesma lógica, apenas o indíge-
restrições aos descendentes de judeus, mouros e indií- na que se negasse a abraçar a verdadeira Fé e a se tornar
genas, mas, no tocante aos descendentes de africanos, súdiro de Sua Majestade podia ser escravizado através
as restrições só seriam rompidas no Brasil pela Consti- da guerra justa, e assim incorporado à Fé e ao Império.
tuição de 1824, que pela primeira vez definiu os direi- Portanto, o fato de ser índio ou africano porsi só não
tos inerentes à cidadania brasileira. os fazia passíveis de serem escravizados, mas sim o fato
ed Sedulo & O estatuto da pureza de sangue, apesar de sua base de serem bárbaros e ateus. Na lógica do Antigo Regime
Pp! Y “toa AU religiosa, construía u igmatizaçã S- português, uma vez incorporados ao Império e à Fé —
demsue = cendência, de (caráter proto-racial )— que, entretanto, através da escravidão —, deviam obedecer a seus se-
Cavalos
A
era usada(não)para justificar a escravidão, mas antes nhores; servindo-os bem, podiam também aspirar à
ps privilégios e a honra da nobreza,
]
alforria. Forros, ainda assim se manteriam ligados à
den formada por cristãos velhos, no mundo dos homens
seus ex-senhores, que poderiam revogar a alforria con-

«14. 15.
HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

cedida, alegando ingratidão, Seus descendentes seriam muito mais abrangente do que a nocão de “mulato”
súditos livres de Sua Majestade e també ela
porm. (este, sim, um termo de época diretamente ligado à
protegidos em seus direitos, porém a eles estaria vedado mestiçagem) ou mestiço que muitas vezes lhe é cESea rd
o acesso aos altos cargos públicos e eclesiásticos, bem ciada. Na verdade, durante todo o período colonial, e, 4
como às honrarias reservadas aos cristãos velhos. mesmo até bem avançado o século XIX, os termos da ente
A força da associação que atualmente se faz entre a “negro” e “preto” foram usados exclusivamente para ss.
pa
diáspora africana e a escravidão americana é de ral designar escravos e forros. Em muitas áreas é períodos, desen
monta que obscureceu quase que totalmente o caráter “preto” foi sinônimo de africano, e os índios escraviza- “<>
«
não racialyda orige instituição, a importância da dos eram chamados de “negros da terra”. “Pardo” foi "”
escravidão indígena na América Portuguesa até o sécu- inicialmente utilizado para designar a cor mais clara de
lo XVIII, e o contínuo crescimento, no mesmo período, alguns escravos, especialmente sinalizando para a as-
de uma população livre de ascendência africana — cendência européia de alguns deles, mas ampliou sua
sobre à qual se manteve a mancha de sangue, mesmo significação quando se teve que dar conta de uma
após as chamadas reformas pombalinas. Segundo esti- crescente população para a qual não mais era cabível à
mativas da época, no final do período colonial, o Brasil classificação de “preto” ou de “crioulo”, na medida em
contava com cerca de 3.500.000 habitantes, dos quais que estas tendiam a congelar socialmente a condição
40% eram escravos. Dos restantes, 6% eram índios de escravo ou ex-escravo. A emergência de uma popu-
aldeados e os demais equanimemente classificados me- lação livre de ascendência africana — não necessaria-
tade como “brancos”, metade como “pardos”. Já na mente mestiça, mas necessaria
tam,

Í ! já por
década de 1780, os homens livres classificados como algumas gerações, da experiência mais direta do cati-
pardos eram estimados em cerca de 1/3 da população, veiro — consolidou a categoria “pardo livre” como.
grande parte deles sendo possuidores de escravos. Para condição lingiiística necessária para expressar a nova
se ter uma medida de comparação, por volta da mesma realidade, sem que recaísse sobre ela o estigma da
época, os descendentes de africanos livres não soma- escravidão, mas também sem que se perdesse a memo- Pt
ho
vam mais de 5% da população, seja nos Estados Uni- a Co Ti
ria dela e das restrições civis que implicava. Ou seja, a
dos, seja no Caribe. expressão “pardo livre” sinalizará para a ascendência tn «al ES]

A própria construção da categoria “pardo” é rípica “escrava africana, assim


Cuca E AV4

mta
ma | como a designação “cristão “ht sceano
do final do período colonial e tem uma significação
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novo” antes sinalizara para a ascendência judaica. Era, *2“= com
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pen torção escrava e liberta, e também de discriminação em delinear, primeiro, o complexo jogo classificatório/
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à “a pre“ relação à população branca; era à proópria(expressão da identitário que se abriria nas terras da antiga América
«ce 28
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irancha de sangue) Portuguesa com à decisão da emancipação política.
Ds Por outro lado, grande parte dessa população livre Especialmente, desse processo surgiria o “brasileiro”,
era ou pretendia ser possuidora de escravos. No Recôn- contrastado desde o início com a produção concomi-
cavo Baiano, principal área exportadora do final do tante de dois estrangeiros condianos:/6 portuguê Je o
So Cu

período colonial, a maior parte dos escravos morava african


em propriedades de menos de 20 cativos e cerca de onstituição de 1824 naturalizou todos os nasci-
80% dos senhores possuíím menos de 10 escravos. dos em Portugal que aqui permaneceram após a inde-
Entre esses pequenos proprietários, a presença de des- pendência e que tivessem aderido à “causa do Brasil”,
cendentes de africanos era comum, incluindo muitos de modo que, durante pelo menos a primeira década
libertos, eles próprios vindos da África. após a declaração de independência, brasileiros e por-
Voltando, então, ao nosso problema central. Se, tugueses foram identidades intercambiáveis e profun-
conforme desenvolvido na introdução, a noção de raça damente carregadas de conteúdos políticos. Por outro
foi uma construção social do século XIX — estreita- lado, desde a chamada Conjuração dos Alfaiates, em
mente ligada, no continente americano, às contradi- 1/98, a igualdade entre pardos e brancos, juntamente.
ções entre os direitos civis e políticos inerentes à cida- com o aumento do soldo das tropas, era apresentada
dania estabelecida pelos novos estados liberais e o longo como principal reivindicação de caráter popular no
processo de abolição do cativeiro —, esta construção, bojo das agitações políticas de cunho liberal do perío-
no Brasil, se fará especialmente problemática. Apesar do, Nesse contexto, a causa do Brasil apareceria nas
de todo o preconceito “proto-racial” das elites sociais |
ruas-de- Rio de Janeiro ou de Salvador fortemente Maua

e políticas do novo país — herança da colonização marcada por uma linguagem racial, na qual a origem Arm Teu

portuguesa —, do ponto de vista dos interesses escra- africana era esgrimida como marca de discriminação vim tudu
vistas existentes no Brasil (em seu sentido mais amplo), peld “partido português e absolutista” À como signo da 03 dy pole
em grande parte compartilhados por Boa parte da identidade brasileira pelo povo na ruas, jogando “ca- tda didy
população de pardos livres, a noção de raça não se bras” contra “caiados”, "Brasileiros pardos” contra enji BR)
apresentava como solução, mas antes como problema. “branquinhos do reino”. * Pon

“18.
19.
HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

Nos primeiros anos do período regencial, (que teve eleitores), e o cidadão ativo eleitor e elegível. Neste
início em 1831, indo até 1840), proliferavam os pas-
tt terceiro nível, uma importante distinção não propria-
quins exaltados, todos lutando pela igualdade de direi- mente censirária se fazia, pois, além das exigências de
tos entre os cidadãos brasileiros independenremente da renda, impunha-se ao eleitor que tivesse nascido “in-
cor, garantida na Constituição. Com títulos sugestivos gênuo”, isto é, não tivesse nascido escravo. Em outras
— O Homem de Cor, O Brasileiro Pardo, O Mulato, O palavras, se os descendentes dos escravos libertos pode-
Cabrito—, afirmavam que, no Brasil, “não há mais que riam (se renda tivessem) exercer plenamente todos os|
escravos ou cidadãos”, e, portanto, “todo cidadão pode
direitos políticos da jovem monarquia, os escravos mel!
ser admitido aos cargos publicos civis é militares, sem nascidos no Brasil que fossem alforriados não entra-
mes

outra diferença que não seja a de seus talentos e virtu riam em pleno gozo dos direitos reconhecidos aos
des”.
E) ta
cidadãos e súditos do Império do Brasil.
Com certeza, o enorme avanço da pesquisa histórica A manutenção da escravidão € a restrição legal do
sobre padrões de alforria, de posse de escravos e de gozo pleno dos direitos civis e políticos aos libertos
mobilidade social no Brasil do final do período colonial tornavam o que hoje identificamos como
levou os pesquisadores a prestarem mais atenção a esses ão racial) uma questão crucial na vida de amplas
indícios (há muito conhecidos mas pouco valorizados)
camadas das populações urbanas e rurais do período.
como
indicadoresde um real conflito em torno dos
Apesar da igualdade de direitos civis entre os cidadãos
direitos recém-adquiridos pelos novos cidadãos bras
brasileiros reconhecida pela Constituição,os brasilei-
leiros de ascendência africana.
ros não-brancos continuavam a ter até mesmo o seu
À Constituição Imperial de 1824, revogando final- direito de ir e vir dramaticamente dependente do
mente o dispositivo colonial da “mancha de sangue”,
reconhecimento costumeiro de sua condição de liber-
reconheceu os direitos civis de todos os cidadãos bra-
dade. Se confundidos com cativos ou libertos, estariam
sileiros, diferenciando-os, apenas, do ponto de vista
automaticamente sob suspeita de serem escravos fugi-
dos
direitos políticosyem função de suas posses. Para dos — sujeitos, então, a todo tipo de arbitrariedade,sé
tanto, adotou O (Yoto censitário) em três diferentes não pudessem apresentar sua carta de alforria.
mama,

gradações: o cidadão passivo (sem renda suficiente para


Muitos, entre estes, desenvolveram expectativas de
ter direito a voto), o cidadão ativo votante (com renda
que a situação se modificasse a partir das lutas de
suficiente para escolher, através do voto, o colégio de
-

independência, baseados, principalmente, nas próprias


+. nro

- 20.
21.
REBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

posições sociais há muito efetivamente conquistadas. quer justificativa “racializada” da permanência da ins-
Nesse contexto, a igualdade de direitos entre.os cida- tituição da escravidão mostrava-se simplesmente ex-
dãos brasileiros livres, para além das diferenças de plos iva, À simples introdução da caregoria “cor” nas
cores, esteve em foco em todas as ocasiões em que a primeiras experiências de recenseamento da população
participação popular se fez presente no processo de imperial gerou protestos generalizados. Um primeiro
independência política, empolgando expressivas lide- regulamento para instituição do registro civil de nasci-
ranças das elites políticas liberais, em especial entre os mento e óbito gerou revoltas armadas em vários mu-
exaltados Soma-se a esse caráter polêmico o fato de nicípios do Nordeste, em especial em Pernambuco,
a proposta de apagamento das diferenças entre os baseadas na crença de que o regulamento, apelidado de
homens livres ter estado em questão durante os primei- “€
Lei do Cativeiro”, teria por objetivo “escravizar a
* . , ” - “ . « “

ros anos da monarquia e por todo o período regencial, gente de cor”.


o que aponta, também, para as dificuldades práticas de Não é, portanto, por acaso, que as questões dos
efetivá-lo. direitos dos homens livres e da igualdade entre “todas
No Rio de Janeiro, em 4 de novembro de 1833, um as cores de cidadãos” ro de todas
pasquim liberal exaltado, denominado O Mrlato ou O as mobilizações populares doperíodo. Já nos anos
Homem de Cor, afirmou: “Não sabemos o motivo por iniciais do Primeiro Reinado, a questão da dessegrega-
que os brancos moderados nos hão declarado guerra. ção das tropas de linha do Exército estaria na ordem
Há pouco lemos uma circular em que se declara que as do dia. Após as lutas da independência, não mais se
listas dos Cidadãos Brasileiros devem conter a diferen- toleraria a tradição portuguesa dos regimentos separa-
——

ça de cor —— e isto entre homens livres!” dos por “cores”: o dos Henriques , formado por
Esta igualdade entre os cidadãos livres reivindicada forros; o dos “pardos”, formado por homens livres “de
Pp elas Pp populações livres “de cor” implicava. !portanto e cor"; eo dos “brancos”.
an q Ile: LO Ôpria cor, Contudo, só podemos entender todas as implica-
que permanecia como marca de discrimj nação herdada ções desse processo de luta antidiscriminatória se per-
do Império Português. Uma reivindicação de silencia- cebermos que a igualdade que se reivindicava para os
mento que se fazia, entretanto, de forma politizada e cidadãos livres”) não implicava — seja do ponto de
muitas vezes ameaçadora. Dessa maneira, do ponto de vista das reivindicações populares, seja como corolário
vista dos interesses escravistas, a construção de qual- lógico de sua formulação com base no pensamento

22. 23.
|
Iula ATA tn
go VÁ A emma he- HEBE MARIA MATTOS
Uma ESCRAVIDÃO E CIDADANIA
na este Minde + O WA
» do d o
o iberal — qualquer proposição efetiva a favor da abo- Para explorarmos melhor as implicações deste
| a os lição imediata da escravidão. Na verdade, esses direitos
patio . Do TI ponto, vale a pena acompanhar mais de perto algu
dev" “eram reivindicados e entendidos não de maneir ns
a gené- casos concretos. Podemos começar com a já
“rica, mas referidos diretamente a situações concretas, citada
Conjuração dos Alfaiates, de 1798. Apesar da
decada (em contraste com a condição da escravidão par-
NÉ assim ticipação de alguns escravos “crioulos” (nascidos no
A iva bene, em 1838, durante a Balaiada, no Maranhão, os
Brasil), a abolição imediata da escravidão não estav
dos + “nc Tíderes balaios podiam denunciar que cidadãos livres a
Fm
A do entre as reivindicações presentes nos cartazes
estavam sendo tratados
então
como escravos:
afixados pelas ruas de Salvador A aliança com
Qim Lorà CA Ç al-
guns membros da elite proprietária da cidade e
efa Condição p
gora pergunto eu (a quem não sei) como é que em à
defesa, em bases liberais, do direito de propried
do estoy dl.
um país livre e constitucional se atreve um João Paulo ade
têm sido apontadas como explicação para a omissão.
a dar bofetadas e chibatadas em cidadãos livres; à
Entretanto, não apenas as elites da cidade e
castigar os cornetas de um Batalhão já extinto, por do
Recôncavo estavam associadas à propriedade escra
faltas no serviço do seu quintal; a fazer moço de va
— 9 que, obviamente, também é fundamental.
cavalhariça um companheiro d'armas em menoscabo Boa
parte dos pardos e libertos de Salvador eram
das leis militares; e finalmente a meter em tronco pro-
prietários de escravos. O fato de os cativos envo
homens livres. l-
vidos serem todos escravos crioulos também
me
parece significativo e vou tentar demonstrá-lo.
Subjacente à denúncia estava a constatação de que
Como no caso da Revolução Americana, durante as
era permitido e legítimo dar “bofetadas, chibatadas e
lutas da independência, ao calor das palavras
meter em tronco” aqueles que, enquanto escravos e de ordem
a favor da “liberdade” e contra a “escravidão” do
propriedade privada, não se constituíam em “cidadãos Brasil
em relação a Portugal, não faltaram os cativos
livres”. De todo modo, é preciso lembrar, para não que,
argumentando serem brasileiros, lutaram organiza
correr o risco do anacronismo, que, não apenas no da e
te ASaAD constitucionalmente por suas liberdades. Pelo meno
Brasil, o combate ao tráfico negreiro e o respeito ao s
este foi o caso de alguns escravos de Cachoeira,
direito de p j am as balizas domi- na
Bahia, segundo carta de D. Maria Bárbara Chav
nantes da luta antiescravista na primeira metade do es
Garcez Pinto, senhora de engenho baiana citada
século XIX.
SCeulo ALA.
por
oão Reis e Stuart Schwartz. Ela nos informa, inclu
sive,
e Par
.25.
HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

da aliança desses escravos com pessoas livres com algu- vador francês formularia com clareza o dilema
em que
ma influência, fazendo suas petições chegarem até as se encontravam os brasileiros, recém-inventados:
Cortes de Lisboa; mas também deixa inferir que os
escravos africanos estavam fora do pleito. Episódios Finalmente: todos os brasileiros, e sobretudo os bran-
como este permitem elucidar a possibilidade de reivin- cos, não percebem suficientemente que é tempo de se
dicar a liberdade de escravos crioulos, em nome dos fechar a porta dos debates políticos, às discussões
seus direitos de brasileiros natos, sem postular conjun- constitucionais? Se se continuar a falar de direitos dos
tamente a abolição definitiva da escravidão. Segundo homens, de igualdade, terminar-se-á por pronunciar a
s—
João Reis, “os crioulos ansiavam por coroar seus peque-
palavra fatal: liberdade, palavra terrível e que tem
nos privilégios na escravidão [em relação aos cativos
muito mais força num país de escravos do que em
africanos] com a conquista final da liberdade e, opor-
qualquer outra parte. Então toda a revolução acabará
tunamente, da cidadania no Brasil independente”.
no Brasil com o levante dos escravos, que, quebrando
Durante as lutas da independência, no Rio de Janei-
suas algemas, incendiarão as cidades, os campos,
ro ou em Salvador, por mais de uma vez a autoridade as
plantações, massacrando os brancos e fazendo deste
monárquica pediria aos maiores senhores de escravos
magnífico império do Brasil uma deplorável réplica da
que alforriassem alguns cativos para somarem esforços
brilhante colônia de São Domingos [Haiti].
junto às tropas brasileiras. Face à atitude titubeante
(quando não francamente contrária à proposição) dos
A formulação aponta, mesmo que de forma ambí-
proprietários, muitos escravos se anteciparam e fugi-
gua, para as duas variáveis do problema, especialmente
ram para se alinhar com as tropas brasileiras. Após as
quando o autor se dirige aos brasileiros, sobretudo
lutas, o governo Imperial determinaria que fosse asse- aos
brancos, mas não só a eles. Ou seja, há o reconheci-
gurada a alforria a esses cativos (mesmo que mediante
mento implícito de que a extensão das discussões sobre
indenização aos proprietários), em nome dos serviços
liberdade às senzalas podia se mostrar inconveniente
prestados à “causa do Brasil”.
para a maioria dos brasileiros livres, e não apenas para
Não eram poucos aqueles que, entre as elites pro-
spro os brancos, e que é a este consenso que é preciso
pretárias ou entre os observadores re-
estrangeiros do correr para interromper O perigoso processo em curso.
processo, apontavam para os riscos de tantas lutas em
Por ourro lado, ela reflete o medo de que as discussões
nome da liberdade em um país escravista. Um obser- sobre liberdade e igualdade (especialmente entre as

- 26 -
«27 +
Í HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

cores) fossem apropriadas pelas senzalas num contexto aproximação crescente dos rebeldes
de possível aliança entre as gentes de cor, propondo a do sul do Ma-
ranhão com as tropas de Cosme, ex-escra
abolição da escravidão.e massacrando os brancos, como
vo natural
do Ceará. Cosme liderava um exército
de até 3.000
no Haiu. no escravos rebelados, obrigando os senhores
De faro, ao longo de rodo o Primeiro Reinado e do à assinar-
lhes cartas de alforria, quando não as
período regencial, as novas elites políticas não conse- firmava por
conta própria. Portanto, mesmo no seu
guiriam evitar “os debates políticos e as discussões momento
mais radical, nem a atuação do Balaio (pe
constitucionais”. Não conseguiriam evitar, também, dindo a
igualdade de direitos entre os cidadãos
que esses debates chegassem, de um jeito ou de outro, de todas as
cores), nem a de Cosme (exigindo alforria
para os
“ “
. O —

ao conjunto dos cidadãos brasileiros das cidades e do escravos que decidissem lutar ao lado dos
campo, que a chamada “boa sociedade” gostaria de ver rebeldes)
fugiram dos quadros mais gerais de part
fora do jogo político. Especialmente, icipação
tornar-se-iam popular traçados ao longo das lutas de
explosiva indepen-
menção das hierarquias dência e do liberalismo radical do período.
proto-raciais herdadas do Império Português. Apesar Era o
não cumprimento) da Constituição que
disso, esses debates apenas limitadamente incendia- se denun- Boy,
ciava ao se lurar pela igualdade entre “os
riam as senzalas.
mma
homens |t. popu
livres de todas as cores ; €, do mesmo
Em relaçãoà questão escravista, as balizas mais modo, era à | tt
adesão à causa rebelde que trazia o direito que Hut
gerais do liberalismo radical do período aparecem à alforria Mo
aos escravos das tropas de Cosme, e não uma (1
de modo especialmente claro em alguns dos movi- (gitimidade genérici)da propriedade escrava.
dnde Ah
ày
mentos regenci
mama
ais com maior participação popular Pora
dm E Na verdade, este é um entgma poucas veze Mós 4 q
e de escravos, como na Balaiada, que mereceu opor-
edee s EN-Lo ) o
frentado pela historiografia: por todo o cont &
tuna e importante releitura em
urbado ti... A
tese de Mathias período do Primeiro Reinado e das regência
Assunção. Em sey momento de maior radicalização, s, em HS
an; N ”
f yav UM ,
país pesadamente escravista
E
os balaios vão. priorizar a reivindicação de direitos MoTATA PERA , a metáfora
,
da es-
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ad)
va q CrAv
* —— .
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ssão ou
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iguais para o “povo de cor”, (tanto “cabras” quanto extrato? =, situa-


Nite dn ÇÃO Iniq ua à ser supe rada foi cons
“caboclos”), a qual estará explicitamente colocada mn de —. tant emen
«
te acio-
. [.a

qué! vie
am.

nada= seja pelo discurso


.

“patriota”

da época rias,
da
4

nas cartas e proclamações de Gomes, o líder “ba-. eee independência (o Brasil escravo de Port
lato”. Do mesmo modo, acontecerá nessa fasc uma ugal), seja
onto *º pelo liberal exaltado que clamava
por igualdade de
ealut!
[7 pal , £.
28. (ue NA (o.
CEE u 29.
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nú ves NE LU ESCRAVIDÃO E CIDADANIA
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yis AUdireitos entre os brasileiros livres —, mas isso não tendo nas(pressões dos escravos crioulos)pelo acesso
||
[u t
. 5 Dr à
34 qc implicou colocar em xeque duerra de propriedade
que alforria — e, a partir dela, à cidadania brasileira — sua
|
|
EN sobre seres humanos escravizados. contrapartida mais radical 3O seu distanciamento
| go do.

a
ça Muitas vozes conservadoras, a exemplo do observa- escravo africano, esse outro estrangeiro cotidiano,
|
> 28 dor francês citado anteriormente, denunciariam o pe- evi-
| tou que ambas as pontas se encontrassem, incendiando
Bon rigo de que essas palavras se espalhassem como rastilho
|PRI: de
pólvora pelas senzalas. (Contudo, isso não se der,
as senzalas.
As últimas décadas do período colonial brasileiro
[o eme Elas continuaram a ser usadas, espalharanise comó foram marcadas por um novo boom da produção agrí-
todos a rastilh o de pólvora entre camponeses e livres pobres das
xy oO - cola de exportação, responsável por um recrudesci-
| NKY cidades, empolgaram mesmo escravos crioulo :
s, que
>
[
Lu
NR cd dm mento sem precedentes do tráfico africano. Nas áreas
|| tomaram a participação az nas lutas liberais como passa-
|

Ar os = açucareiras do Recôncavo Baiano, nas duas últimas


E porte para sua própria liberdade. Mas, apesar da vio- décadas do século XviII e nas primeiras décadas do
| tis 2” d
lenta repressão
-
que se desencadeou sobre as rebeliõ EEra
es
Des po século XIX, a razão de africanidade das populações dos
(aa
regenciais, especialmente as que se caracterizaram .
por engenhos era de 2 para 1, raramente somando
to. ane
maior participação popular, os significados atribuídos menos
E de 60% do conjunto da escravaria. O mesmo é verdade
a at Net !
ig
à liberdade
ua e à ldad
pelasequais se lutava tiveram, para a zona açucareira que pela mesma época se expan-
RR a
an tlé não c limite, mas como contraponto não dia ao norte da capitania do Rio de Janeiro. No caso
a legitimidade da propriedade escraviJA igual- do Recôncavo Baiano, então a principal área agroex-
“dade de direitos entre a população livre estava contra-
portadora do país, essa nova população escrava de
ditoriamente informada pela distinção concreta e coti-
origem africana se superpunha a uma outra, crioula.
x + 43 diana entre cidadãos livres e escravos.
Além disso, o tráfico baiano com à região do Golfo
Às imagens da escravidão podiam ser usadas com de
Benin se intensificara no período. Especialmente em
N êxito nas lutas do liberalismo de elite ou popular, pois
princípios do século XIX, aquela região da costa ociden-
AY traziam em si uma efetividade coridi
MA! Í “m sm? tal da África se viu sacudida por revoluções políticase
E
5
EE
E
in
engrenar -

O
RE
Combate político
E E
do liberal
pot arécia ( combate político do libera Ismo R NA religiosas. O já antigo mas relativamente pouco
brasileiro)das primeiras décadas da monarquia àQnst intenso
No i-) (14 tráfico de escravos entre a Bahia e o Golfo de Benin
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(tuição da escravidEs
ão)se concentraria: na luta contra o
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ad sc
4 À vi Dow viu repentinamente multiplicado pelos interesses dos
oNV (comércio negreiroje na denúncia do tráfico africano,
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| Estados e facções africanos em guerra, que jogar
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«31.
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VOU
HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

sobre Salvador e seu Recôncavo levas de escravos afri- prática do “brasileiro”, sob a égide dos
interesses escra-
canos — haussás, jejes e nagôs ——, em sua maioria vistas dominantes e profundamente impregnados
no
homens jovens pertencentes a exércitos derrotados. conjunto da sociedade brasileira, não poderia
recorrer Tel!
Stuart Schwartz atribui a esta conjuntura específica o à moderna noção de “raça”, que então toma
va forma
ciclo de insurreições escravas que tomará o Recôncavo no mundo ocidental, como solução política para
a
do final do século XviII até o Levante dos Malês, em contimudade da escravidão. Na verdade, as lutas entre
1835. Ciclo capaz de produzir, na luta contra a socie- (iberaiye Onservadoreadas primeiras décadas da mo-
dade que os escravizava, uma surpreendente aliança narquia estiveram ligadas, entre outros pontos, tam-
entre “africanos” inimigos em África, com a participa- bém a esse dilema político. Diziam respeito a
duas
ção inclusive de africanos forros, mas incapaz de incor- opções opostas para a legitimação da questão da
con-
porar os escravos crioulos às renrarivas insurrecionais.
as
tinuidade da escravidão, ambas contidas na Constitui-
Essas insurreições seguiram mesmo um certo padrão, ção outorgada de 1824, que entretanto recafam basta
n-
buscando atacar de surpresa a sociedade colonial — em te diferentemente sobre as possibilidades de alforria
dos
seus momentos de descanso e festa, em geral associados cativos e sobre a organização das hierarquias
sociais
ao calendário cristão, do qual os escravos crioulos entre a população livre. Todavia, nenhuma das
duas
ativamente participavam. acionava o moderno conceito de “raça”.
Esse africano que ameaçava na Bahia ressurgirá no Uma primeira opção, conservadora, relacionava
a
Rio de Jancito da expansão cafeeira. Aqui, com o permanência da escravidão a certos traços do Anti
go
tráfico já j as vésperas de sua extinção Regime remanescentes na nova ordem monárquica
(o
definitiva (em 1850), falantes de línguas banto da poder moderador, a união entre Igreja e Estado,
0 Q q tt o
região Congo-An ão até 90% ; regime de padroado). Apesar de não haver qual
quer
das fazendas de café, As lições da Bahia reforcariam o Cormtacto referência às relações escravistas no texto constituci
o-
medo provocado pelo surgimento desta protonação [re Mpder nal, o discurso conservador tinha como premissa,
para
ba pert Slenes), reforçando além do direito de propriedade, as hierarquias socia
is
também os argumentos dos que advogavam pela re- tradicionais do antigo Império Português. Luís
dos
pressão eferiva do tráfico atlântico. Santos Vilhena, por exemplo, nas suas “Notícias
sote-
Enrre dois estrangeiros necessários — o “português” ropolitanas e brasílicas”, de 1798, formulava clar
. amen-
te como no âmbito do Império Português, a soci
“ . 3,
colonizado
Zi r co
E africano
africi escra
SCravovo — à const
JE rução
iio
=

edade

.32. “33.
HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

brasileira se organizava “baseada nos critérios de direi- as contradições que efetivamente informavam os con-
tos e privilégios, orientando sua divisão social entre os flitos, destacando-se entre elas as tensões “raciais” en tre
ue possuíam os dois (os nobres), os que só possuíam a população livre.
direitos (os livres em geral) e os que não possuíam nem Para o encaminhamento dessas tensões, recorreu-se
um nem escravos)”. Às disposições censitárias politicamente a alguns dos postulados do liberalismo
da Constituição de 1824 no que se refere aos(direitos que, apropriados por parte das elites políticas e também
(políticos) bem como a (manutenção da escravidão) por algumas das lideranças populares envolvidas nos
podiam ser lidas, portanto, como reconhecimentoe levantes e rebeliões do período, foram capazes de cana-
legitimação de privilégios senhoriais e de hierarquias lizar os ganhos políticos de determinados setores da
| sociais herdadas do Império Português. o população com o fim da “mancha de sangue”. Tende-
Por outro lado, num registro liberal, o voto censitá- ram também a organizar de forma bastante gencraliza-
rio (comum a países como Estados Unidos ou Ingla- da roda uma agenda de reivindicações contra esse tipo
terra) legitima as relações entre acesso à propriedade e de discriminação (ainda não percebida como “racia
direitos políticos. Da mesma maneira, tendo em vista l”,
na medida em que se recusava a categoria “raça”), com.
a ausência do tema na Constituição de 1824, a manu- base num radical e original processo de “desracializa-
tenção da escravidão estava legalmente ancorada neste ção” e “des-senhorialização” da legitimaç
mesmo princípio, típico do liberalismo: a absolutiza-
da conto
ão
nuid da ad
insrituiçã
e o escravista. Processo oposto, de
ção do direito de propriedade, que só poderia ser fato, à tendde ên “raci
ci alizaa
ção” do problema pre-
confiscada pelo Estado mediante indenização. ponderante nos Estados Unidos e de predomínio do
Podem parecer puramente retóricas estas distinções, ponto de vista senhorial sobre o tema — que tenderia
na medida em que ao fim e ao cabo ambas se propu- a se tornar hegemônico a partir do Segundo Reinado.
nham a legitimar a continuidade da escravidão. Na
verdade, a historiografia, ao ressaltar apenas este ponto,
deixa de dar o devido destaque ao fato de que nenh uma
Um certo Conselheiro Rebouças
das muitas lutas e rebeliões sociais e políticas das pri-
meiras conturbadas décadas da monarquia colocava Para melhor demonstrar esse ponto, proponho que
efetivamente em xeque esse princípio — de modo que tomemos contato com um pouco da vida e das idéias
a ênfase na quesrão acaba por impedir que sc percebam
do Conselheiro Antônio Pereira Rebouças, que teve

.34.
35.
HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

sua história de vida organizada, do ponto de vista na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional,
pessoal e político, pelas possibilidades abertas por esse entre muitos outros. Para efeitos deste texto, vou
liberalismo, em sua vertente mais moderada. O elitis- me deter apenas nos dados mais gerais e conhecidos
mo essencial que marcou toda a trajetória de vida do de sua trajetória de vida, para depois me concentrar
Conselheiro, torna a sua biografia especialmente ilus- em dois dos discursos que proferiu na Câmara dos
trativa da forma como um campo de luta contra a Deputados, quando da discussão da exigência da
discriminação racial pôde se organizar no Brasil oito- cláusula de “ingenuidade” (proibição da nomeação
centista, mesmo que baseado num tipo específico de de libertos) para os oficiais da guarda nacional.
legirimaçã ntinuida instituição escravista. Não apenas Antônio, mas (pelo menos) três dos
Filho de uma liberta e de um alfaiate português, filhos homens do casal Gaspar Pereira Rebouças e Rita
nascido na Bahia em 1798, autodidata no estudo Basília dos Santos foram diretamente beneficiados pela
das leis, Antônio Pereira Rebouças tornou-se rábula, supressão da “mancha de sangue” sobre os descenden-
sendo depois provisionado advogado, tornando-se tes de africanos, efetivada com a promulgação da Cons-
um dos maiores especialistas em direito civil no tituição de 1824. Antônio, provisionado para advogar
Brasil monárquico. Além disto, foi várias vezes de- na Bahia em 1821, envolveu-se diretamente nas lutas
putado pela província da Bahia, Conselheiro do de independência, recebendo o título de cavaleiro da
Imperador e advogado do Conselho de Estado. Não Ordem do Cruzeiro, em 1823, e sendo nomeado se-
há muita coisa publicada sobre o Conselheiro Re- cretário da província do Sergipe, no ano seguinte.
bouças. Apesar disso, são abundantes as fontes sobre Depois disso, tornar-se-ia político e advogado de reno-
sua vida: escreveu mais de uma autobiografia; pro- me, recebendo outros títulos e comendas, entre eles o
feriu vários discursos como deputado na Assembléia de Oficial da Ordem do Cruzeiro, em 1842, e o de
Legislativa da Bahia e na Câmara dos Deputados, Conselheiro do Imperador, em 1861. José Pereira, seu
bem como publicou inúmeros artigos como jorna- irmão, estudou música em Paris e Bolonha, tornando-
lista e membro da direção do Partido Constitucional se maestro da Orquestra do Teatro em Salvador. Ainda
da Bahia, além de pareceres e comentários jurídicos um terceiro Rebouças, Manoel Maurício, formou-se
sobre direito civil. Boa parte de seus documentos na Europa, neste caso como doutor em medicina,
pessoais — incluindo sua correspondência — está ocupando posteriormente a cadeira de botânica e z00-
arquivada na Coleção Antônio Pereira Rebouças, logia da Escola de Medicina de Salvador.

- 36 -
«37.
HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

A vida política de Rebouças foi narrada por ele em ersistiu a escravidão, foi alizaros ganhos
dois livros de memórias: Recordações da vida parlamen- políticos de determin a população com o
tar do advogado Antônio Pereira Rebouças. Moral, juris- fim da “mancha de sangue”, ao mesmo tempo em que
prudência, política e liberdade constitucional e Recorda- lutava, em níveis de radicalização diferenciados, por
ções da vida patriótica do advogado Rebouças. Embora sua ampliação. o
Em 1832 discuria-se uma primeira reforma da lei
política do Conselheiro Rebouças, considerar a sua das guardas nacionais, milícias criadas em 1831 e
atuação na guerra da Independência e na direção do constituídas exclusivamente pelos cidadãos ativos do
Pardo Constitucional contra o Partido Absolutista na Império. Em especial, sobressafa a emenda do sr. Cal-
Bahia (no contexto da crise do Primeiro Reinado, da mon, deputado pela Bahia, firmando que somente o
abdicação e o erio cidadão com condições de ser eleitor poderia ser no-
nos dereremos sobre sua “vida patriótica” ou sobre a meado oficial das guardas. A emenda tinha profundas
recuperação que-faz dela. É importante notar também implicações do ponto de vista da polêmica questão dos
o desta elo Conselheiro à sua identidade direitos de cidadania dos libertos, ou seja, daqueles
E
profissional de advogado. Em artigo sobre o tema indivíduos que, nascendo escravos no Brasil, eram
recentemente publicado, a pesquisadora Keila Grin- alforriados ao longo de suas vidas. A melhor maneira
berg sustenta que a defesa do “direito de propriedade” de acompanhar estas implicações é seguir o fio da
é a pedra de toque da leitura do jurista Rebouças sobre argumentação do veemente discurso de oposição à
as relações entre direito civil e escravidão no Brasil emenda que o deputado Antônio Pereira Rebouças
monárquico. Quanto à sua vida parlamentar, o subti- proferiu em 25 de agosto daquele ano.
tulo da primeira de suas Recordações define a linha de Rebouças começava seu discurso lamentando que
sua atuação. Esta — que associava moral, política e justamente um deputado pela província da Bahia apre-
liberdade constitucional, e que aparece exemplificada sentasse tal proposição, ainda mais depois que um
na discussão sobre os direitos de cidadania dos libertos deputado por Minas Gerais — onde a seu ver os
que passo agora a analisar — ilustra magistralmente “sentimentos de igualdade e justiça, de união e de
aquela vertente de pensamento de base liberal a que me liberdade” estavam bem menos arraigados — havia
referi acima e que, no Império do Brasil, enquanto retirado proposta de igual conteúdo, convencido da

- 38 « “39.
rm

HEBE MARIA MATTOS


ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

argumentação de que se tratava de medida “injusta”,


Opunha-se, primeiramente, considerando tal pro-
“incendiária”, “impolítica” e “inconstitucional”. pósito inconstitucional/ Alegava que “a Constituição
Por que a emenda causava tanta indignação a Re- somente excetuou os cidadãos brasileiros que não nas-
bouças? Não era por conta da renda de 200$000 ceram ingênuos de serem eleitor de paróquia, conse-
(duzentos mil réis) anuais que se exigia para a condição
lheiro de província, deputado, senador, conselheiro de
de eleitor, pois, nesse sentido, Rebouças propunha que
Estado ... logo, excetuando [os casos acimal, os cida-
esta fosse a renda mínima para o recrutamento dos
dãos não-ingênuos podem servir todos os empregos
soldados das guardas, e que se exigisse uma renda ainda
para os quais se achem habilitados por seus talentos e
mais alta para os oficiais. Nessa, como em inúmeras
virtudes”. Este era o ponto básico do elitismo liberal
outras ocasiões, Rebouças mostrar-se-ta um entusiasta
de Rebouças. Para ele, renda e propriedades podiam
de restrições censitárias elevadas para o exercício da
ser adquiridas com “talentos e virtudes”, consistindo,
cidadania política, no melhor estilo do liberalismo
porranto, na única medida legítima dos mesmos, ne-
possessivo e do que então se praticava em termos cessários ao exercício das responsabilidades mais eleva-
eleitorais nos Estados Unidos e na Inglaterra Rebouças
das da cidadania política]
se indignava porque “uma das condições negativas da
Seria então puramente retórico o protesto de nosso
votação para eleitor é o não ter nascido ingênuo”,
deputado? Quais as chances de um liberto atingir o
optando por uma frase com uma dupla negativa para
nível de renda necessário para o exercício dos cargos
evitar o uso da palavra “escravo” ou “cativo”. Ou seja,
constitucionais que lhe eram vedados, ou os valores
como já foi antes assinalado, quem não tivesse, segun-
ainda mais elevados defendidos por Rebouças para os
do a Constituição Imperial, “nascido ingênuo”, (ou
oficiais da guarda nacional? Segundo Rebouças, em seu
seja, quem tivesse nascido escravo e depois obtido a
discurso, maiores do que pareceria provável à luz da
alforria), não poderia se qualificar como eleitor, mesmo
atual historiografia sobre o tema. Pois é exatamente
que tivesse renda suficiente para tanto)Rebouças, sem-
sobre esse ponto que constrói seu segundo argumento.
pre cioso das liberdades individuais, considerava tal
Tentemos segui-lo.
“exceção odiosa, contraditória e impraticável” e se
Seu segundo ponto de argumentação alicerça-se
(opunha com veemência a que se tentasse estendê-la
sobre o seguinte postulado: “não se cumprem as dispo-
para além dos termos constitucionais.|
sições legislativas contrárias aos costumes.” Afirmado

- 40.
- 41 "
HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

o princípio, desafiadoramente perguntava a seu oposi- um cidadão liberto ser ministro do tribunal
supremo
tor baiano: “Crê o ilustre orador que a exclusão dos de justiça, não poderá ser oficial das guardas nacionai
s?
não-ingênuos para eleitores tenha sido jamais cumpri- Pode um cidadão liberto ser general, e não
poderá ser
da?” Pelo menos para Rebouças, a resposta era que alferes, tenente e daí por diante nas guardas
nacionais
sabidamente não, pois em geral a ninguém ocorria comandadas por este general?
impugnar o fato — e quando a alguém ocorria, sobre
ele recaía “a animadversão geral”, pois “quando é, meus No discurso de. Rebouças portanto, uma. vez liber
-
senhores, que um liberto merece os sufrágios de seus to, O ex-escravo nascido no Brasil automaticame
nte
concidadãos a não ser que pela melhor índole e com- tornava-se cidadão brasileiro,.com .todas.as.suas
prer-
portamento cívico tenha totalmente desfeito as desa- rogativas civis e políticas. E assim afirmava porq
ue
gradáveis impressões de sua infeliz origem?” considerava que apenas o direito de propriedade
legi-
Libertos eleitores? A afirmação do nosso persona- timava a escravidão. Deixando de ser propriedade,
o
gem está a merecer maior atenção da pesquisa histórica, escravo (através da alforria) tornava-se também
lena-
mas pode-se pensar, pelo menos, nos muitos filhos mente cidadão.
ilegítimos de senhores importantes, nascidos escravos No esforço de “desracializar” a continuidade
da
c depois alforriados em escritura pública ou testamen- instituição do cativeiro, Rebouças vai segui
r desenvol-
to. [De todo modo, o essencial de seu raciocínio é que, vendo um terceiro argumento, o dos muitos
serviços
constitucionalmente, no Império do Brasil, ou se era já prestados por cidadãos libertos à jovem nação e
o dos
escravo ou se era cidadão e, com base nesse princípio, muitos feitos de bravura de “cidadãos libertos”
em
quaisquer exceções abertas, aberrações. outras sociedades! Começa por citar a Bahia e o papel
dos “cidadãos libertos” nas lutas da independênci
Pode, pois, ser membro da regência um cidadão liber- a.
Quanto a este ponto conclui novamente reivindi
to, segundo a Constituição? E não poderá ser alferes cando
o reconhecimento da plaréia para um fato que seria
de companhia nas guardas nacionais? Pode um cida- do
amplo conhecimento de todos:
dão liberto ser ministro ou secretário de Estado? Não
poderá ser oficial da guarda nacional? Pode um cida- Assim, estando nossa província, e à proporção
as de-
dão liberto ser arcebispo e bispo, segundo a Constitui- mais, com tantos oficiais beneméritos, clérigos e con-
ção, não poderá ser oficial das guardas nacionais? Pode decorados no gozo da mais ajustada estima de
todos

- 42 +
.43.
HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

os seus concidadãos, quem tão mesquinho que intente como ameaça que se devia esconjurar;
adotar e fazer efetiva uma distinção a todos os respeitos e o segundo,
como exemplo que se devia repelir.
reprovada?
Citando Chateaubriand, “aristocrata con
sumado”,
considera que Toussaint Louverture, o lider
Rebouças insiste, portanto, que não se trata de uma negro e
ex-escravo da independência haitiana, era “mai
questão meramente teórica ou de princípios; trata-se s cida-
dão e francês que o próprio Napoleão que
de uma exceção capaz de atingir diretamente inúmeros o fizera
perecer”. Para ele, caso se tivesse feito cump
cidadãos brasileiros — “oficiais beneméritos clérigos e rir antigos
éditos da monarquia francesa que consideravam
condecorados”. E para provar que a distinção é mes-
quinha e reprovável não apenas no Brasil (e não apenas
em relação a libertos descendentes de africanos), apres- franceses e capazes de todos os empregos e ocup
ações
sa-se a citar servos ou escravos emancipados em dife- os libertos da colônia ..., certamente os colonos refra
-
rentes partes da Europa, na Rússia, na Prússia, na tários e obstinados não sofreriam tanto, nem
teriam
Áustria, além da Espanha e de Portugal, que teriam lugar as cenas de horror e de atrocidade que faze
m
desempenhado funções de prestígio e destaque em arrepiar as carnes apenas se nos afiguram à imag
inação.
diferentes épocas em suas sociedades. - Mas, enfim, todos os meios reconciliatórios fora
m
Assim, tendo bem estabelecido que a escravidão não perdidos, e os colonos na rainha das Antilhas, como
o
se assentava sobre quaisquer diferenças naturais, mas clero e a nobreza na França, por nada quererem
ceder,
apenas históricas e legais — o que, portanto, tornava sem tudo ficaram ...
odiosa qualquer rentativa de continuar a restringir
legalmente os direitos dos ex-escravos uma vez eman- Temos aí o moderado Antônio Rebouças —
extre-
cipados —, o discurso de Rebouças tende a assumir, de mado defensor do direito de propriedade entre
outros
forma mais clara, o seu sentido principal: um embate direitos individuais, bem como da ordem
e das hierar-
veemente contra o que hoje chamaríamos de discrimi- quias neles fundadas — a esgrimir o fantasma
nação racial) sem que isso implicasse um combate do Haiti
€ os perigos que adviriam para o Império do
equivalente à instituição da escravidão. Brasil se
os libertos e seus descendentes não se sentisse
É só nesse momento que ele irá citar em sua fala os m brasi-
leiros e, irmanados com a população escrava, contr
casos do Haiti e dos Estados Unidos — o primeiro, a ele
se voltassem.

«44.
-45.
HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

Sem temor, não se acanha mesmo de enfrentar o individuais dos libertos e de seus descendentes
caso dos Estados Unidos, onde a legitimação da conti- e as
práticas efetivamente em vigor no pais. No parágrafo
nuidade da escravidão tendia rapidamente a adotar seguinte, ele não deixa de ressaltar que essa discrepâ
uma perspectiva marcadamente racial, ncia
não se verifica apenas nos ganhos conseguidos pelos
afrodescendentes livres desde as lutas da independên-
Só, como já disse, se dá uma exceção em país civilizado, cia, pois, apesar do dispositivo da mancha de sangue até
e na América. Mas estaremos nós em Illinois, Indiana, tardiamente em vigor, adiferença radical assinalada na
Georgia, Carolina meridional, Kentuhy (sic), e outros
estados, cujas constituições, a par de um pomposo
o entreas tradições da colo-
manifesto de princípios e direitos do homem, trazem nização ibérica e anglo-saxã em relação ao assunto.
exclusões as mais merecedoras, como o têm sido, da Recusando a racialização do tema da escravidão e
continua censura dos escritores europeus? Estaremos também sua concepção a partir da lógica do Antigo
mesmo nos livres estados da Pensilvânia, Massachus- Regime, em seu discurso Rebouças vai enfatizar à
sets e New York, onde os filhos de Deus e da mesma primazia do direito de propriedade, inclusive no que
religião não podem concorrer em comum nos tem- se refere ao estabelecimento de pré-condições para o
plos, nas escolas, nas oficinas, nas salas, nos teatros etc.?
acesso pleno à cidadania política, para justificar a role-
rância para com a continuidade da escravidão em umã
Escusa-se, assim, de enfrentar o encaminhamento monarquia constitucional. Simultaneamente, em
cientificista da questão.da raça,-o qual,-então, apenas preende decisivo combate contra a discriminação racial
começava à se estruturar. Opta por uma árgumentação) entre os brasileiros livres. (Às hierarquias sociais deve-
jurídica; no campo das liberdades civis defendidas pelo riam ser formadas(a partir de “virtudes e talentos” Je
liberalismo, destacando a incoerência daquelas práticas a
capacidade para adquirir propriedades era o principal
segregacionistas em relação aos “pomposos manifestos índice das realizações de que essas “virtudes e talentos”
de princípios e direitos do homem” adotados na Amé- eram capazes. Por outro lado, a proposta que combatia,
rica do Norte, e buscando, para tanto, a solidariedade já implicitamente contida no dispositivo constitucio-
“dos escritores europeus”. Por outro lado, o recurso à
nal que exigia que tivessem nascidos ingênuos (não-ca-
pergunta “estaremos nós” remete novamente à discre- tivos) aqueles que poderiam se qualificar como eleito-
pância entre qualquer tentativa de restringir os direitos res, inspirava-se claramente em concepções políticas
e

.47.
- 46 +
À
HEBE MARIA MATTOS

do Império Português.
Ainda que por poucos votos, Rebouças foi derrota-
do. Depois disso, o tumultuado período regencial in-
cendiaria as províncias do Império; os liberais modera-
dos ou radicais perderiam força e prestígio e a centrali-
zação monárquica se imporia como alternativa vitorio-
sa. Apesar disso, quase quinze anos depois, em junho de
1846, em pleno processo de consolidação definitiva do
Segundo Reinado, quando mais uma reformulação das
guardas nacionais veio a ser discutida na Câmara dos
Deputados, Rebouças, novamente deputado, voltariaa
discursar defendendo os mesmos pilares básicos de sua 1. Antônio Pereira Rebouças
2. Luiz Gama
posição de 1832. No novo discurso, diante de uma
nova tentativa de impor aos oficiais da guarda nacional,
explicitamente, a condição de ingenuidade, Rebouças
voltaria a considerar a proposição “inconstitucional,
injusta, impolítica e absurda”.
Inconstitucional porque “ofensiva à Constituição,
que no título dos direitos civis e políticos dos cidadãos
brasileiros estabelece que todos são aptos para todos os
cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra
diferença que seja a dos seus talentos e virtudes”. Dessa
vez, Rebouças exime-se de discutir a exceção aberta na
própria Constituição para o reconhecimento dos elei-
tores, bem como de deputados e senadores.
Injusta, do seu ponto de vista, “porquanto, logo que
algum cidadão, por seu mérito, sobe ao grau de consi-
3. José do Patrocinio
4. André Rebouças

. 48.
5. Homens negros trajando uniformes das tropas de linha e um homem
branco vestindo uniforme da Guarda Nacional. (Desenho de Debret)

CHRISTIANO JH PROT
E çe & WE aç|
7. Apesar dos trajes elegantes, os pés descalços evidenciam
a condição
de escravo do retratado.

6. Batismo de escravas africanas por um padre negro. (Desenho de Debret)


ESCRAVIDAO E CIDADANIA

deração que o habilita a ser escolhido para oficial da


guarda nacional ou outro qualquer emprego de impor-
tância, ninguém há que civil e politicamente se lembre
se nasceu ingênuo ou não, e se alguém se lembra c o
murmura adrede é repelido como excitando uma odio-
sidade anti-social”.
Inconstitucional, injusta e impolítica, repete, por-
que “se se entrasse na exegética da guarda nacional das
diferentes províncias, certo achar-se-iam muitos of.
ciais que não fossem ingênuos; e se me não faço cargo
de individuar fatos, bem se ve queé porque seria odioso
e inteiramente repugnante e contrário ao meu intuito”.
É ainda “absurda, porque muitas vezes dar-se-á que
oficiais de primeira linha que não renham nascido
ingênuos, e que todavia sejam de maior paten
te, con-
correndo com oficiais da guarda nacional, os
coman-
dem”.
Desse modo, Rebouças repete quase um a um
seus
argumentos de 1832, novamente afirmando a existên-
cia de fato de ex-escravos em situação de destaque
social, e novamente sem associar tal combate à uma
deslegitimação da propriedade escrava ou a uma visão
igualitarista das hierarquias sociais. Ao contrário, esfor-
ça-se especialmente para dissociar seus argumentos,
que hoje chamaríamos anti-racistas, de qual uer ponto
de vista mais radical no tocante à igualdade social.)
Assim, da mesma forma que em 1832 propunha
que a
8. Casal de negros livres ou libertados em 1879. exigência de renda para oficial da guarda nacional fosse

- 49.
HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

clevada de 200 para 300 mil réis, em 1846 proporia estratégia clara de “desracializar” a legitimidade
igualmente que esta renda, então em 400 mil réis, fosse da
escravidão, para combater a discriminação racial
elevada para 600, com base em uma argumentação que presente ma proposta e, obviamente, também na
a e ça

diretamente corroborava a legitimidade da proprieda- socie dade


PAÇO PA ad ni mm
brasileira do período. Ao fazê-lo, não o
de escrava: cf rr q e pi

fazia como representante de si mesmo, mas antes


como a expressão talvez mais elaborada e elitista de
Eu julgo que ou se deve estabelecer em regra geral que
uma leitura liberal da sociedade escravista.
todo o cidadão é apto para ser oficial da guarda nacio-
Nessa leitura, de ampla penetração popular, o com-
nal, uma vez que tenha habilidade para comandar e
bate antiescravista concentrou-se, até 1850, contr
prestar todo o serviço militar que lhe competir; ou que, a a
manutenção do tráfico de escravos. Este foi o tema
estabelecendo uma renda como critério de qualifica-
preponderante nos pasquins radicais da década de
ção, ela o deva ser eficazmente. A de 400$000 não
1830. Se a entrada de escravos africanos não foi efeti-
indica o que dela se pretende: isto obviamente se
vamente reprimida com a primeira lei de proibição do
demonstra. É impossível que se considere idôneo para
tráfico, em 1831, tendo mesmo se intensificado, não
oficial da guarda nacional, em razão de seus haveres,
foi uma vitória menor do liberalismo radical o simples
quem não tiver empregado em sei! serviço pelo menos
fato de que o comércio negreiro, tornado ilegal, tenha
dois escravos, um em casa, outro de casa para a rua.
passado a ser chamado “tráfico”, bem como o respon-
sável por ele, “traficante” — deslegitimando rapida-
À partir daí continua desenvolvendo um cálculo mente um dos mais rentáveis ramos das atividades
do custo mínimo para sustentar o estilo de vida de- mercantis da jovem monarquia.
sejável a um oficial da guarda nacional, para con-
Em 1846, no mesmo mês de junho, Rebouças se
cluir que a renda mínima proposta de 400$000 era
manifestaria na Câmara dos Deputados, também con-
insuficiente e devia ser elevada. Obviamente, a ci-
tra a hipocrisia generalizada que informava o descum-
tação da propriedade escrava no discurso de 1846, primento da lei de 1831. A solução que propunha para
bem como a associação, em ambos os discursos, o problema era curiosamente original. Se o tráfico não
entre o combate à restrição aos libertos e uma defesa arrefecia era porque não se podia dispensar o braço
de clevação da renda mínima para os oficiais das africano; ora, então Rebouças propunha que a lei de
guardas, não se fazia por acaso; tratava-se de uma 1831 fosse revogada e que os homens trazidos da África

+ 50
«51.
HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

fossem novamente admitidos, desde que mediante pa- liberal, pudesse ser lentamente deixada a cargo das
gamento de impostos pelos comerciantes e como “co- “virtudes e talentos” dos próprios escravos.
lonos livres”. Se, por um lado, sua proposição mostra- Os que conhecem as contribuições mais recentes da
va-se totalmente despreocupada da forma como esses pesquisa sobre a história social da abolição no Brasil
“colonos livres” seriam recrutados na África, por outro, sabem que, de certo modo, as “virtudes e talentos” dos
incentivava uma colonização com mão-de-obra africa- próprios escravos — ou, em outras palavras, a politiza-
na livre em substituição ao trabalho escravo, perenizan- ção cotidiana de suas ações — desempenhou papel
do a entrada do elemento africano na população do preponderante, seja para a abolição do tráfico, seja para
país. a aprovação da Lei do Ventre Livre, seja para a abolição
final do cativeiro, sem indenização, em 1888. É verda-
de também que, desse ponto de vista, as ações de
bouças era, de fato, impressionante. Segundo o já Rebouças foram quase sempre no sentido de conter e
citado artigo de Grinberg, Rebouças defenderia, em retardar essas pressões, especialmente no que se refere
suas Observações à consolidação das leis civis de Augusto às suas opções políticas, sempre elitistas e moderadas,
Teixeira de Freitas, publicadas em 1859, que o costume e à sua atuação jurídica, tendente a defender as garan-
da autocompra fosse transformado em lei, de modo tias do direito de propriedade enquanto especialista em
que o escravo que tivesse como indenizar o senhor visse direito civil. Naquilo que Sidney Chalhoub chamou
garantido seu direito à liberdade. Isto só viria a ser de “dilema da peteca” do direito civil brasileiro no”
reconhecido oficialmente com a Lei do Ventre Livre, período monárquico, entre o direito de propriedade e
em 1871. o direito à liberdade, Rebouças decididamente optava
Se a luta anti-racista em uma ordem escravocrata pelo primeiro. Por outro lado, não se pode esquecer
consiste em verdadeira.chave de leitura para o enten- que o Conselheiro Rebouças foi um homem formado
dimento histórico da trajetória de vida de Antônio na primeira metade do século XIX, quando — apesar
Pereira Rebouças, isto não.o tornava propriamente um de todo o conjunto de rebeliões e levantes populares e
ideólogo de um escravismo desracializado. Do seu de escravos que marcou o período — a questão da
ponto de vista, era como se, terminado o tráfico, que abolição definitiva da escravidão não esteve politica-
produzia novos escravos, e garantido o direito à auto- mente colocada. Exatamente por causa disso, sua tra-
compra, a obra da emancipação, no melhor estilo jetória nos permite iluminar como, no Brasil monár-

.52.
-53.
HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

quico, as lutas contra a escravidão e a discriminação | do próprio Luís Gama, sua mãe teria sido
presa várias
acial imbric
racial se imbricaram mas não se confundiram. vezes por se envolver em planos de insurreições
de
escravos, enquanto seu pai o teria vendido ilegalme
nte
como cativo para o Rio de Janeiro, em 1840,
quando
Conselhos mais radicais tinha dez anos de idade. Do Rio de Janeiro, havia
sido
vendido para São Paulo, onde viveu como escravo
Ão elitismo e à moderação de Antônio Pereira Rebou- doméstico até os 17 anos. Alfaberizou-se ainda
no
ças podemos opor um “duplo” democrático e radical, cativeiro, com hóspedes da casa de seu senhor. Aind
a
figura de transição entre a geração do Conselheiro ea segundo seu próprio depoimento, aos 17 anos fugiu
e
daqueles que viveram a abolição e a República: a do “ardilosamente” conseguiu “provas inconcussas”
de
advogado abolicionista Luís Gama. Como Rebouças, sua liberdade. Nenhum de seus biógrafos esclarece que
Luís Gama foi um homem negro de origem humilde provas foram estas, nem se sabe se houve um processo
que se tornou advogado provisionado e político de de ação de liberdade que o tivesse estabelecido. Cabe
prestígio no Brasil monárquico. Sua biografia foi alvo, lembrar que se mostrava fundamental, tendo
em vista
recentemente, de um importante trabalho de pesquisa a projeção política que alcançou, tanto no Partido
de Elciene Azevedo, Orfeu de carapinha. À trajetória de Liberal como no Partido Republicano Paulista, que
Luis Gama na imperial cidade de São Paulo; parto dele tivesse nascido ingênuo) e não cativo. Sem dúvid
a, o
para levantar alguns pontos de contato e de contraste caso de Luís Gama foi um daqueles, referidos por
entre as trajetórias dos dois homens. Rebouças nos dois discursos aqui analisados, no qual a
Filho de uma quitandeira africana liberta (de nome tentativa de impor restrições aos direitos políticos em
Luiza Mahin) e de um fidalgo português, Luís Gama nome da cláusula de ingenuidade provocaria oposição
era bem mais jovem que Rebouças, sendo em verdade e contrariedade geral.
companheiro de geração dos filhos do Conselheiro, Em 1848 já estava livre e ganhava a vida como praça
como o engenheiro abolicionista André Rebouças. da força pública de São Paulo, de onde seis anos depois
Nascido na Bahia no ano de 1830, tinha, portanto, recebeu baixa; empregou-se então como escrivão, para
apenas dois anos quando Rebouças, já deputado, dis- logo depois ser oficialmente nomeado amanuense da
cursava contra a cláusula de ingenuidade para os ofi- Secretaria de Polícia de São Paulo. Publicou um livro
ciais da guarda nacional. Segundo texto autobiográfico de poesias satíricas, em 1859, As primeiras trovas bur-

54. 55.
HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

lescas de Getulino, decididamente voltado para a crítica = a Sociedade dos Amantes da Instrução, no caso do
e o combate à discriminação racial existente na socie- Conselheiro, e a maçonaria, através da Loia América,
dade brasileira. Na década de 1860, tornou-se jorna- no caso de Luís Gama, Ambos discursaram e escreve-
lista de renome ligado aos círculos do Partido Liberal. ram contra afdiscriminação dita “racial”Dnunca deixa-
Participou da criação do Club Radical e, depois, do ram de se assumir como não-Brancos e viveram episó-
Partido Republicano Paulista, ao qual se manteve liga- dios de constrangimento por conta dessa situação.
do até a sua morte, em 1882. Advogado provisionado, Apesar disso, não privilegiaram esses episódios em suas
ganharia a vida como rábula a partir de sua demissão autobiografias, mas antes as suas conquistas e sucessos
do emprego de amanuense por motivos políticos, liga- pessoais.
dos à veemência de sua atuação jurídica a favor da Em apenas uma ocasião, Rebouças registra em suas
Hiberdade dos escravos. Com apoio (inclusive financei- Recordações que, no início de sua vida política, foi
ro) da Loja Maçônica abolicionista à qual pertencia, preterido em um jantar, no Rio de Janeiro, por conta
desde então dispenderia a maior parte de suas energias de sua cor. As fontes de época, entretanto, dão conta
em levar aos tribunais causas cíveis de liberdade. Ao de que seus inimigos políticos em Sergipe o chamavam
contrário de Rebouças, a essas causas dedicaria a maior de “miserável neto da rainha Jinga”, numa alusão à
parte de sua atuação profissional, politizando ao máxi- rainha africana que se destacou no processo da ocupa-
mo, inclusive com o recurso à imprensa, os processos ção portuguesa em Angola. Q Conselheiro Rebouças
em que se envolvia. fariade seu liberalismo possessivo € elitista armadura e
Apesar das profundas diferenças entre o moderado arma.con
o preconce
tra ito.
Antônio Rebouças e o radical Luís Gama, inclusive as Na trajetória de Luís Gama tem-se claramente o
das conjunturas históricas em que atuaram, a compa- encontro de duas tradições: a de luta contra a discrimi-
ração é cabível e necessária para bem concluir este nação racial, privilegiada pelo Conselheiro, com a da
texto, Ambos são filhos de mãe liberta e fizeram carreira paixão abolicionista, que seria vivida pela geração se-
como advogados provisionados especializados em di- guinte. Como no caso do nselheiro Rebouças, en-
reito civil. Cada um a seu modo, defenderam a demo- tretanto, é a opção.radical pelo liberalismo)que impri-
cratização do acesso à instrução como caminho efetivo me coerência
à trajetória intelectual de Luís Gama.
para a emancipação social, através do engajamento em Não é um detalhe menor nem uma incoerência em sua
organizações civis que se comprometiam a promovê-la biografia a prioridade que deu, do ponto de vista

56. 57.
HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

político, à crítica ao poder moderador, através de seu Brasil de 1872, mas, por força do costume, seriam as
engajamento no Club Radical e, depois, no Partido tradicionais divisões por categorias de status/cor (pre-
Republicano Paulista; foi a matriz liberal de seu enga- to, pardo, branco, índio) que ali deralhariam a nova
jamento polírico que lhe permitiu, como ao Conselhei- noção. Depois disso, entretanto, a noção faria rápida,
»-desracializar”alegitimidade da escravidão, assu- mesmo que sempre problemática, carreira no Brasil,
mindo .sua origem africana, e« E lutando abertamente sobre o solo fecundo de antigos preconceitos herdados
do Império Português. Em 1888, os últimos cativos
Lui Si
op quite ce ng e pao res
“gue tiveram sua liberdade reconhecida pela Lei Áurea
A ae tda pi e e smp
— liberdade jáconquistada de faro nas fugas em massa
+Co da em detrimento do de propriedade, RR e na incapacidade política esocial de repressão do
AN tribunais | uma frentete de luta abolicionista. Estado Imperial —- não somavam mais que 700 mil
448 =
deles od de ENO ss Dr vetos da eva te los & almas entre milhões de afro-descendentes livres. Toda-
E"
Rtels UL
f
us. via, por conta dessa lei, a Princesa Isabel ficaria conhe-
“Nas trilhas do lt cida como a “redentora de uma raça”.
À negação de qualquer base “natura
ral”
l” para a dm
conti-
Resta-nos perguntar de que forma trajetórias como a nuidade da “escravidão no Brasil, fossem modernas
do Conselheiro e dos muitos outros afro-descendentes
(mienten e
teorias raciais ou antigos preconceitos senhoriais, con-
livres que formavam a maioria da população do Brasil ENi A 4 RS ST
sistiu, entretanto, no solo comum sobre o qual se
Ea Tt qi re ti
imperial puderam ser tão fortemente apagadas da me-
O ra e ta ED EO
alicerçou aa luta contra a escravidão e contra a discrimi-
mória social do país. Por que a celebração da memória
TRNERERESSA
nação racial na sociedade brasileira «do século passado.
do abolicionista Luís Gama tem tão mais visibilidade Alicerçadas numa marriz coerentemente informada
que a do poeta anti-racista ou a do líder republicano? pelo pensamento liberal, as lutas contra a escravidãoee
Parece-me que a absorção do conceito de “raça” pelo a discriminação racial no Brasil oitocentista interagi-
pensamento. social brasi
Udo
dh ca ng aa
b leiro, aà par da. década de ram sem se confundir. Nesse contexto, o “dilema da
Vos gen

a ea a mocepa
peteca” entre pr opriedade e liberdade ceconfi igurou seus
tata ço
limites políticos à direita e à esquerda.
O conceito de “raça” apareceria pela primeira vez | Após a extinção definitiva do tráfico africano, em x. 5
numa estatistica brasileira no Recenseamento Geral do 1850 — a grande batalha do liberalismo antiescrava-

.58.
HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

gista da primeira metade do século —, a gangorra em Se negro sou, ou sou bode


que se equilibrava o dilema entre propriedade e liber- Pouco importa. O que isto pode?
dade tendeu a pender a favor da liberdade, abrindo Bodes há de toda a casta,
maiores possibilidades de engajamento na luta anties- Pois que a espécie é muito vasta...
cravista das elites intelectuais afro-descendentes, sem Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos rodos francos,
Uns plebeus, e outros nobres,
a discriminação racial durante o período monárquico, Bodes ricos, bodes pobres,
retendo na memória nacional apenas os intelectuais
e Pe ap e Prata Bodes sábios, importantes,
negros diretamente engajados na luta abolicionista, e também alguns tratantes
como André Rebouças, José do Patrocínio e, em algu-
...

ma medida, o próprio Luís Gama.


ção
do conceito
A progressiva aceita . e das,
de raça
teorias de superioridade e inferioridade raciais no pen-
samento social brasileiro dificultariam especialmente
que homens como André Rebouças ou José do Patro-
cínio pudessem encarar de frente a questão da discri-
minação racial como, cada qual a seu modo, Antônio
Rebouças e Luís Gama o fizeram. Discursos como os
do Conselheiro e poesias como a de Luís Gama, sobre
os “bodes” (designação pejorativa para os homens livres
com ascendência africana), com a qual encerro este
livro, são fios de uma meada de luta contra a discrimi-
nação racial no Brasil escrav que ist a social
a memória
sobre o tema, construídaa partir de 1870, praricamen-
te conseguiu apagar.

. GO -
«61.
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

declarava livres os escravos que viessem de fora do Impé-


rio.
Cronologia
1840 Antecipação da maioridade de D. Pedro Il; Luís
Gama, vendido como escravo pelo pai, vai para o Rio de
Janeiro e, de lá, para São Paulo.

1798 Conjuração Baiana ou Revolta dos Alfaiates (iní- 1842 Derrota militar da Balaiada, no Maranhão; Re-
cio em 10.8); nascimento de Antônio Pereira Rebouças bouças é condecorado Oficial da Ordem do Cruzeiro e
(12.8). reeleito deputado pela província da Bahia.
1847 O decreto nº 466 declara Antônio Pereira Rebou-
1821-23 Rebouças obtém permissão para advogar na
Bahia; Independência do Brasil (7.9.1822); fim das lutas
ças habilitado a advogar em todo o Império.
de independência na Bahia; Rebouças recebe o título de 1850 Promulpgação da Lei Euzébio de Queirós, extin-
Cavaleiro da Ordem do Cruzeiro. guindo o tráfico negreiro para o Brasil (4.9).
1824-28 Ourorgada por D. Pedro | a Constituição do 1853 Decreto declarando que os africanos cujos serviços
Império do Brasil; Rebouças é nomeado secretário da fossem arrematados por particulares ficavam emancipa-
província de Sergipe, demitindo-se (ou sendo demitido) dos depois de 14 anos; Luís Gama, já de posse de sua
no mesmo ano (1824). No ano seguinte, assumea direção liberdade há alguns anos, torna-se amanuense da Secre-
do Partido Constitucional da Bahia; renovação do Trata- taria de Polícia de São Paulo.
do de Navegação entre o Brasil e a Inglaterra, que estabe- 1859 Rebouças publica as Observações à consolidação das
lece o limite de três anos para a extinção do tráfico leis civis de Augusto Teixeira de Freitas, e Luís Gama, As
negreiro para o país; Rebouças é eleito Conselheiro do primeiras trovas burlescas de Getulino.
Governo da Província e membro do Conselho Geral da
1861 Rebouças recebe o título de Conselheiro do Impe-
Província da Bahia.
rador; início da Guerra de Secessão nos Estados Unidos.
1830 Rebouças é eleito deputado pela província da Ba- 1864-66 Promulgada lei concedendo emancipação a to-
hia; promulgação do código criminal; nascimento de Luís dos os africanos livres existentes no Império; fim da
Gama.
Guerra de Secessão, com a derrota dos estados escravistas:
1831 Abdicação de D. Pedro 1; criação da guarda nacio- início da Guerra do Paraguai; Rebouças é nomeado ad-
nal; aprovação da primeira lei de extinção do tráfico, que vogado do Conselho de Estado; libertação dos escravos

.62. 63.
HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

de nação e das ordens religiosas que quisessem servir na 1880 Falecimento de Antônio Pereira Rebouças, depois
Guerra do Paraguai. de ter ficado cego em seus últimos anos de vida, no Rio
1868 Luís Gama funda, com outros dissidentes liberais, de Janeiro; intensificação da campanha abolicionista na
imprensa, com grande projeção política de Luís Gama na
o Club Radical Paulistano, em protesto pela destituição
cidade de São Paulo.
de gabinete liberal emancipacionista.
1882 Falecimento de Luís Gama.
1869 Luís Gama é demitido do emprego de amanuense
da Força Pública de São Paulo. Provisionado solicitador 1885 Aprovada a Lei Saraiva Cotegipe (28.9), que “re-
de causas cíveis, passa a viver de suas atividades de rábula gulava a extinção gradual do elemento servil”, com a
na cidade de São Paulo; aprovada lei que proibia os leilões libertação — mediante cinco anos de serviço — dos
públicos de escravos e a separação de casais e de pais e sexagenários; estabelecimento de um novo fundo de
filhos. emancipação e nova matrícula, com previsão de comple-
mentar a emancipação total em rreze anos.
1870 Fim da Guerra do Paraguai; fundação da Socieda-
de de Libertação e da Sociedade Emancipadora do Ele- 1886 Abolição da pena de açoites para os crimes de
mento Servil, no Rio de Janeiro; Manifesto Republicano escravos.
(3.12); o Club Radical Paulistano se torna Club Republi- 1887 Intensificação das fugas em massa dos escravos,
cano; publicação de Recordações da vida parlamentar do inicialmente nas fazendas paulistas e depois também nas
advogado Antônio Pereira Rebouças. Moral, jurisprudência, demais áreas cafeeiras, frequentemente respondidas por
política e liberdade constitucional. alforrias coletivas por parte dos fazendeiros.
1871 Promulgação da Lei do Ventre Livre (28.9), liber- 1888 Lei de abolição da escravidão no Brasil, sem inde-
tando os nascituros, reconhecendo o direito dos escravos nização ou qualquer outra regulamentação.
à autocompra e instituindo e tornando obrigatórios a
matrícula geral dos escravos e um fundo para a emanci-
pação gradual,
1873 Organização do Partido Republicano Paulista,
com a participação de Luís Gama.
1879 Publicação de Recordações da vida patriótica do
advogado Rebouças.

. 64. 26H
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

Princeton UP, 1987) e “Brazilian ethnogenesis: mesti-


ços, mamelucos e pardos”, in Le Nouveau Monde. Paris,
Referências e fontes 1996.
p-19, entre outras: Às referências mais gerais sobre a
utilização de uma linguagem racial nas agitações de rua
p.10-11: As citações de Thomas Jefferson foram reti- durante as lutas de independência foram retiradas de
radas de suas Notes on the State of Virginia, escritas em
Gladys Sabina Ribeiro, A liberdade em construção: iden-
1781-82, citadas em inglês e traduzidas para o portu- tidade nacional e conflitos lusitanos no Primeiro Reinado.
Tese de doutoramento defendida no PPGH/ Unicamp.
guês por Larissa Moreira Viana, em As dimensões da cor;
Campinas, 1997; e de João José Reis, “O jogo duro do
um estudo do olhar norte-americano sobre as relações
Dois de Julho: o Partido Negro" na independência da
inter-étnicas. Rio de Janeiro, primeira metade do século
Bahia” in J.). Reis e E. Silva, Negociação e conflito. A
XIX. Dissertação de mestrado defendida no PPGH/UFF.
resistência negra no Brasil escravista (São Paulo, Com-
Niterói, 1998, p.13-4.
panhia das Letras, 1989).
p.14: Os dados sobre a evolução da legislação sobre o
p-20: Os jornais citados podem ser localizados na Seção
estatuto de pureza de sangue foram retirados de M.
de Periódicos da Biblioteca Nacional. Nos últimos
Luiza Tucci Carneiro, Preconceito racial. Portugal e Bra-
anos, esses pasquins têm sido alvo do olhar de diferen-
sil-colônia (São Paulo, Brasiliense, 1988).
tes pesquisas, com as quais tomei contato para a elabo-
p. 16: Todos os dados quantitativos relativos à popula- ração deste livro: Christiane Laidler Souza, Mentalida-
ção livre e escrava, bem como os relativos ao padrão de de escravista e abolicionismo entre os letrados da Corte
posse de escravos, no final do período colonial brasi- (1808-1850). Dissertação de mestrado defendida no
leiro, foram retirados de Stuart B. Schwartz, Segredos PPGH/UFF. Niterói, 1994; Larissa Moreira Viana, As
internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial (São dimensões da cor; um estudo do olhar norte-americano
Paulo, Companhia das Letras, 1988) e de, também do sobre as relações inter-émicas. Rio de Janeiro, primeira
mesmo autor, “The formation ofa colonial identity in metade do século XIX, op.cit.; e Ivana Stolze Lima, 4
Brazil”, in N. Canny ec A. Pagden (orgs.), Colonial polissemia da mestiçagem. Identidade nacional e popula-
Identity in the Atlantic World, 1500-1800 (Princeton, ção urbana na formação do Estado Imperial. Exame de

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HEBE MARIA MATTOS ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

qualificação de doutorado defendido no PPGH/UFF. das nos seguintes trabalhos: Stuart Schwartz, Segredos
Niterói, 1999. internos, op.cit., cap. 17; João José Reis, Rebelião escrava
no Brasil (São Paulo, Brasiliense, 1986); e Robert W.
p.31: Os levantes em Pernambuco contra o registro
Slenes, “Ma
” . CC ea

civil estão referidos no Relatório do Ministério do | =


Império de 1851 (Rio de Janeiro, 1852), citado em berta no Brasil”, Revista USP, n.12, p.48-67..
Peter Eisemberg, Modernização sem mudança. À indais- p.35-54: Sobre Antônio Pereira Rebouças, além das
tria açucareira em Pernambuco, 1840-1910 (Rio de autobiografias e dos discursos parlamentares citados no
Janeiro, Paz e Terra; Campinas, Unicamp, 1977, texro, utilizei as referências sobre sua trajetória pessoal
p.213) e em Ivana Stolze Souza, op. cit., p.132. e intelectual disponíveis em Leo Spitzer, Lives in Be-
p.24 e 28-9: As referências e citações sobre a Balaiada mueen. Assimilation and Marginality in Austria, Brazil,
no Maranhão foram retiradas da tese de Mathias Roh- West Africa 1780-1945 (Cambridge, Cambridge UP,
rig Assunção, defendida na Alemanha e em processo 1989) e em Keila Grinberg, “Em defesa da proprieda-
de tradução para publicação em português. Para os de: Antônio Pereira Rebouças e a escravidão”, Afro-
aspectos aqui privilegiados, conferir, em inglês, o artigo Ásia, UFBa, n.21/22, 1999.
“Elite politics and popular rebellion in the construc- p.53: À referência ao “dilema da peteca” entre os
tion of post colonial order. The case of Maranhão, direitos de propriedade e à liberdade está desenvolvida
Brazil (1820-1841)”, Journal ofLatin American Studies,
em Sidney Chalhoub, Visões da liberdade. Uma história
vol.31, 1, fev/1999.
das últimas décadas da escravidão na Corte (São Paulo,
p.26: A citação de João Reis sobre a petição dos escravos Companhia das Letras, 1990).
da Cachoeira está em “O jogo duro do Dois de Julho”,
p.57: À citação (“miserável neto da rainha Jinga”)
op.cit., p.93.
encontra-se em Sergipe. Apontamentos para a sua histó-
p.27: A citação do observador francês anônimo sobre ria, 2 de dezembro de 1825. Seção de Manuscritos.
o processo de independência foi também retirada do Biblioteca Nacional apud Keila Grinberg, Direito civil,
artigo já citado de João Reis, p.91. escravidão e cidadania no tempo de Antônio Pereira
p.31-2: As referências sobre a presença africana no Rebouças. Material para exame de qualificação apresen-
Brasil na primeira metade do século XIX foram basea- tado ao PPGH/UFF. Niterói, 1999.

- 68 - - G9.
HEBE MARIA MATTOS

p.57: Todas as referências à trajetória de Luís Gama


foram retiradas de Elciene Azevedo, Orfeu de carapi-
nha. A trajetória de Luis Gama na imperial cidade de São Sugestões de leitura
Paulo (Campinas, Unicamp, 1999).

e A abordagem proposta neste livro é uma elaboração


bastante pessoal, baseada numa já antiga reflexão sobre
o tema, ampliada pelo contato com inúmeras disserta-
ções e teses recentemente concluídas ou ainda em
desenvolvimento, preocupadas com períodos e temá-
ticas afins — contato favorecido por minha condição
de professora do Programa de Pós-Graduação em His-
tória da UFF. Recomendo, portanto e primeiramente,
para aqueles realmente interessados no tema, uma
leitura atenta da seção “Referências e fontes”, onde
esses trabalhos inéditos aparecem citados.
* Para um contato mais abrangente com as discussões
historiográficas sobre o dilema entre liberalismo e es-
cravidão no Brasil monárquico, os seguintes livros são
referências essenciais: Emília Viorti da Costa, Da mo-
narquia à república (São Paulo, LECH, 1979), especial-
mente caps.1 e 3; Roberto Schwartz, “As idéias fora do
lugar” in Ao vencedor as batatas (São Paulo, Duas
Cidades, 1977); Maria Sylvia de Carvalho Santos, “As
idéias estão no lugar” in Caderno Debates (São Paulo,
n.1, 1976); Wanderley Guilherme dos Santos, Ordem
burguesa e liberalismo político (São Paulo, Duas Cida-

« JO - “71.
HEBE MARIA MATTOS
ESCRAVIDÃO E CIDADANIA

des, 1978); Paulo Mercadante, 4 consciência conserva- * Sobre a construção da noção moderna de raça e sua
dora no Brasil (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985); incorporação pelo pensamento social brasileiro, o livro
Alfredo Bosi, “Escravidão entre dois liberalismos” in de Lilia Moritz Schwarcz, O espetáculo das raças. Cren-
Dialética da colonização (São Paulo, Companhia das Histas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930
Letras, 1992). (São Paulo, Companhia das Letras, 1993) éa principal
e Para uma visão mais abrangente, do ponto de vista referência. Sobre o preconceito “racial” na legislação
da formação do Estado Imperial, dos conflitos entre colonial portuguesa, o livro de Maria Luiza Tucci
liberais e conservadores, são referências fundamentais: Carneiro, Preconceito racial. Portugal e Brasil-Colônia
Ilmar R. de Mattos, O tempo Saquarema: a formação do (São Paulo, Brasiliense, 1988) constitui consulta obri-
Estado Imperial (São Paulo, Hucitec, 1990); À constru- gatória. E sobre os significados sociais das designações
ção da ordem: a elite política imperial (Brasília, Ed. da étnicas e raciais no Brasil oitocentista, ver também à
UNB, 1980); e José Murilo de Carvalho, Teatro de obra de minha auroria já citada nesta seção.
sombras: a política imperial (São Paulo, Vértice, 1988).
e Para uma discussão sobre liberalismo, direitos civis e
escravidão mais referida ao dia-a-dia de livres e escravos
no Brasil oitocentista, recomendo, entre outros, Sidney
Chalhoub, Visões da liberdade. Uma história das últimas
décadas ea escravidão na Corte (São Paulo, Companhia
das Letras, 1990); Hebe Maria Mattos, Das cores do
silêncio. Significados da liberdade no sudeste escravista.
Brasil, século xix (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1998); Keila Grinberg, Liberata. À lei da ambigiiidade:
as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de
Janeiro no século XIX (Rio de Janeiro, Relume Dumará,
1994); e Elciene Azevedo, Orfeu de carapinha. A traje-
tória de Luis Gama na imperial cidade de São Paulo
(Campinas, Unicamp, 1999).

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