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Março, 2015
Í ND I CE
SUMÁRIO
1. DADOS DO PROBLEMA
2. OBJECTO DO PARECER
3. O LICENCIAMENTO DA TERRA (OBTENÇÃO OU AQUISIÇÃO DO DIREITO DE USO E APROVEI-
TAMENTO DA TERRA – DUAT)
4. O REASSENTAMENTO
5. O LICENCIAMENTO AMBIENTAL
6. LEGITIMIDADE DAS INTERVENÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS
7. CONCLUSÕES E PARECER
2
S U MÁ R I O :
o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) onde irá ser instalada a referida
fábrica,
a respectiva licença ambiental,
a licença para a construção da fábrica e
a licença para o exercício da actividade (exploração da fábrica)
O presente parecer jurídico analisa os procedimentos legais seguidos até à data para
prossecução do objectivo acima referido e pronuncia-se sobre a legalidade e regularidade
dos mesmos, a0notando as falhas legais existentes nos procedimentos seguidos e
recomendando as medidas a tomar para sanar as mesmas.
A listagem dos diplomas legais relevantes, dos documentos consultados e das entrevistas
realizadas para a obtenção de documentos e informações com vista à elaboração deste
parecer, constam em Anexo 1.
1. DADOS DO PROBLEMA
1
O Decreto nº 67/2006 de 26 de Dezembro foi publicado no Boletim da República n.º 51, I Série de 26 de
Dezembro, 9º Suplemento.
2
A Anadarko Moçambique Área 1, Limitada é uma empresa constituída e registada em Moçambique em 2006,
cujos estatutos constam no Boletim da República nº 48, III Série de 4 de Dezembro de 2006, 3º Suplemento. Os
seus sócios à data da sua constituição eram a Anadarko Mauritius Holdings Limited e a Anadarko Offshore
Holding Company LLC. Os seus estatutos foram alterados no que concerne à sua sede, e à gestão e
administradores da sociedade (Boletim da República nº 5, III Série de 10 de Fevereiro de 2009, 4º Suplemento e
Boletim da República nº 36, III Série de 8 de Setembro de 2011, respectivamente.
3
o direito exclusivo de realizar operações petrolíferas, com vista à produção de
Petróleo, no subsolo, dentro dos limites da área3 - Mapa da Área em Anexo 3 - do
Contrato de Concessão;
1.2. A AMA1 fez uma descoberta comercial de gás natural na área da concessão,
pretendendo construir, em terra, uma fábrica de liquefacção de gás natural com vista à sua
exportação.
1.4. Para tal, em 2012 constituiu uma sociedade comercial com a Empresa Nacional de
Hidrocarbonetos, E.P., (ENH), a Rovuma Basin LNG Land, Limitada4, cujo objecto é, entre
outros5:
1.5. Em 2014, à sociedade Rovuma Basin LNG Land, Limitada, se juntou como sócia, a ENI
East Africa S.P.A7, outra empresa que também fez uma descoberta comercial de gás
natural numa área adjacente à da Anadarko8. Por esse motivo, a Anadarko e a ENI teriam
acordado em construir uma única fábrica de liquefacção de gás natural que servisse ambas
as empresas.
1.6. Além da obtenção de terra, a empresa tem que realizar um estudo de impacto
ambiental para as suas operações nos termos da legislação aplicável.
1.9. Foi já elaborado o respectivo Estudo de Impaco Ambiental, cujo relatório pode ser
consultado no site http://www.erm.com/MZ-LNG e http://www.mzlng.com/pages/
development.html, o primeiro pertencente a uma das empresas do consórcio contratado
para elaboração do dito estudo, a Environmental ResourcesManagement Southern Africa
(Pty) Ltd, e o segundo â Mozambique LNG entidade que fará o marketing do projecto.
7
Os Estatutos da Eni East Africa S.P.A. estão publicados no Boletim da República n.º 68, III Série de 22 de
Agosto de 2014. Os termos do Contrato de Concessão
8
Os Termos do Contrato de Concessão de Pesquisa e Produção de Petróleo da Eni East Africa S.p.A., para a
Área $ no Bloco do Rovuma foram aprovados pelo Decreto nº 68/2006 de 26 de Dezembro publicado no Boletim
da República nº 51, I Série de 26 de Dezembro de 2006, 9º Suplemento.
9
Artigo 11, nº 10 do Decreto-Lei nº 2/2014 de 2 de Dezembro de 2014, publicado no Boletim da República nº 96,
I Série de 2 de Dezembro de 2014, Suplemento e Ofício do Ministério da Agricultura, com a referência
215/MINAG/GM/2014 de 18 de Fevereiro de 2014 dirigido à Plataforma da Sociedade Civil sobre os Recursos
Naturais e Indústria Extractiva em Moçambique.
10
Entre outros, o anúncio publicado no Jornal Zambeze do dia 5 de Março de 2015.
5
2. OBJECTO DO PARECER
Decidiu, por isso, contratar uma auditoria jurídica que analisasse todos os processos
seguidos e desse um parecer jurídico independente sobre a legalidade e regularidade dos
mesmos, anotando as falhas legais existentes nos procedimentos seguidos e
recomendando as medidas a tomar para sanar as mesmas.
11
Entre outros, o anúncio publicado no Jornal Notícias do dia 14 de Março de 2015
6
e) Legalidade e legitimidade legal das intervenções das organizações da sociedade civil
que actuam no distrito de Palma em apoio às comunidades afectadas pelo Projecto de
GNL.
3.1. Introdução
A Constituição de Moçambique
12
Artigo 109 da Constituição da República de Moçambique
13
Artigos 102 e 110 da Constituição da República de Moçambique
14
Os textos constitucionais de 1975 e de 1990 consagravam o mesmo princípio da propriedade estatal da terra.
15
Artigo 111 da Constituição da República de Moçambique
7
cidadãos e das comunidades, investimento público e privado (este quer seja nacional ou
estrangeiro) e promoção do desenvolvimento.
A Política Nacional de Terras foi aprovada no contexto do pós-guerra, tendo como principal
preocupação (manifesta na fundamentação do diploma que a aprovou) a reconstrução
nacional, a promoção do investimento e do desenvolvimento, a reintegração dos deslocados
e a salvaguarda dos direitos ancestrais sobre a terra.
16
A Resolução n.º 10/95 de 17 de Outubro foi publicada no Boletim da República nº 9, I Série de 28 de
Fevereiro de 1996, Suplemento
8
Foi precisamente na Estratégia de Implementação da Política Nacional de Terras que se
previu a necessidade de aprovar um nova legislação de terras, mais consentânea com o
actual contexto social de Moçambique e que simplificasse os procedimentos administrativos
referentes à titulação, certificação das transmissões e registo.
Destacamos:
Assim e em resumo:
Em Moçambique,
a terra não pode ser vendida ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada
nem penhorada20.
17
A Resolução nº 5/95 de 3 de Agosto foi publicada no Boletim da República nº 49, I Série de 6 de Dezembro de
1995, Suplemento
18
A Resolução nº 18/2007 de 30 de Maio foi publicada no Boletim da República nº 22, I Série de 30 de Maio de
2007
19
Artigo 109, nº 1 da Constituição da República de Moçambique
20
Artigo 109, nº 2 da Constituição da República de Moçambique
21
Artigo 110, nº 1 e 2 da Constituição da República de Moçambique
9
Todos os acima referidos princípios constitucionais foram complementados e
regulamentados por vários diplomas legais, em especial, para o que interessa para este
parecer,
A Lei de Terras prevê três formas de aquisição do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra
(DUAT), a saber25:
2) ocupação por pessoas singulares nacionais que, de boa fé, estejam a utilizar a terra
há pelo menos dez anos;
Para além destas, há que mencionar, pelo menos, mais três formas:
1) por herança26;
22
A Lei nº 19/97 de 1 de Outubro foi publicada no Boletim da República nº 40, I Série de 7 de Outubro de 1997,
3º Suplemento.
23
O Decreto nº 66/98 de 8 de Dezembro foi publicado no Boletim da República nº 48, I Série de 8 de Dezembro
de 2003, 3º Suplemento. O Regulamento da Lei de Terras aprovado por este diploma sofreu várias alterações, a
saber, pelo Decreto nº 1/2003 de 18 de Fevereiro, publicado no Boletim da República nº 7, I Série de 18 de
Fevereiro de 2003, 2º Suplemento, pelo Decreto nº 50/2007 de 16 de Outubro, publicado no Boletim da
República nº 41, I Série de 16 de Outubro de 2007, 8º Suplemento e pelo Decreto nº 43/2010 de 20 de Outubro,
publicado no Boletim da República nº 42, I Série de 20 de Outubro de 2010.
24
O Diploma Ministerial nº 29/2000-A de 17 de Março foi publicado no Boletim da República nº 11, I Série de 17
de Março de 2000, Suplemento
25
Artigo 12 da Lei de Terras
26
Artigo 16, nº 1 da Lei de Terras
27
Artigo 16, nº 4 da Lei de Terras
10
As formas acima mencionadas são válidas para pessoas singulares e colectivas nacionais.
A aquisição de DUAT por pessoas singulares ou colectivas estrangeiras está dependente,
ainda das seguintes condições cumulativas:
No caso em apreço, e tratando-se de pessoas colectivas, seja a AMA1 seja a ENH seja
qualquer outra pessoa colectiva, só poderiam obter o Direito de Uso e Aproveitamento da
Terra que necessitam através:
28
Artigo 16, nº 2 da Lei de Terras e artigo 15, nº 2 e 3 do Regulamento da Lei de Terras
29
Artigo 14, nº 1 da Lei de Terras
30
Artigo 14, nº 2 da Lei de Terras
31
Artigo 13, nº 1 da Lei de Terras
32
Artigo 13, nº 2 da Lei de Terras
11
A possibilidade de ser uma empresa estrangeira não levantaria qualquer obstáculo já que
AMA1 é uma empresa constituída e registada em Moçambique e teria um projecto de
investimento aprovado, cumprindo, assim, os requisitos para obtenção do Direito de Uso e
Aproveitamento da Terra plasmados no artigo 11 da Lei de Terras.
Apresentado o pedido, com a identificação da área, era o mesmo enviado aos Serviços que
superintendem as actividades económicas para as quais era pedido o terreno, para emitir o
parecer técnico sobre o plano de exploração que estaria anexo33.
De notar que, nos termos do artigo 19 da Lei de Terras, mesmo as pessoas singulares ou
colectivas nacionais têm de juntar, aquando da apresentação de um pedido de direito de
uso e aproveitamento, um plano de exploração34.
Deste, interessa salientar o estabelecido no seu artigo 1 que prevê que a consulta à
comunidade local compreende duas fases:
33
Artigo 26 nº 1 do Regulamento da Lei de Terras
34
Ver o artigo 24 do Regulamento da Lei de Terras para melhor se saber os documentos que deverão constar
no processo de autorização do direito de uso e aproveitamento da terra
35
Artigo 27, nº 1 do Regulamento da Lei de Terras
36
Artigo 27, nº 2 do Regulamento da Lei de Terras
37
Consulta às comunidades no âmbito do processo de atribuição do Direito de Uso e Aproveitamento da Terra.
Não se confunda com a consulta às comunidades no âmbito do processo do estudo de impacto ambiental.
38
O Diploma Ministerial n.º 158/2011 de 15 de Junho foi publicado no Boletim da República nº 24, I Série de 15
de Junho de 2011.
12
- a segunda, a ter lugar trinta dias após a primeira reunião, tem como objectivo o
pronunciamento da comunidade local sobre a disponibilidade da área para a realização
do empreendimento ou plano de exploração.
Como se pode constatar da leitura destes diplomas legais, a consulta às comunidades não
pode ser entendida ou interpretada
- nem como um pedido às comunidades para que estas concedam a terra ao requerente
para a realização dum projecto,
- nem como uma forma de informar as comunidades ou outros ocupantes que naquelas
terras vai ser realizado um projecto e que, por conseguinte, as comunidades terão que
deixar a terra onde se pretende implantar um projecto.
Caso haja disponibilidade de terra, ou seja, que a terra pretendida não esteja ocupada, é
então emitido o Direito de Uso e Aproveitamento Provisório39, por um período máximo de
cinco anos para as pessoas nacionais e de dois anos para as pessoas estrangeiras.
Ou seja, pode ser, e é normal e natural que seja, autorizado o Direito de Uso e
Aproveitamento da Terra sem ter sido emitida a licença ambiental.
39
Artigo 25 da Lei de Terras
13
O facto de o pedido de direito de uso e aproveitamento da terra ter de ser acompanhado de
um plano de exploração – ou seja, de que forma se pretende utilizar a terra – implica que a
mesma não possa ser aproveitada para outra actividade, sem haver a alteração da
autorização inicial concedida.
O requerente, na posse do DUAT provisório, tem agora, dois ou cinco anos para obter as
licenças necessárias: a ambiental, caso aplicável, e a da respectiva actividade e outras, por
exemplo a de água, que é independente da do exercício da actividade económica.
Caso não inicie a exploração ao fim do período concedido – 2 ou 5 anos – e caso não
apresente o pedido de prorrogação fundamentado, deverá ser extinto o direito de uso e
aproveitamento da terra concedido40.
O Direito de Uso e Aproveitamento da Terra não está sujeito a prazo nos seguintes casos42:
Num caso concreto, inclusive, garantido por um Título de Direito de Uso e Aproveitamento
da Terra.
40
Artigo 18, n.º 1, alínea a) da Lei de Terras
41
Artigo 17, n.º 1 da Lei de Terras
42
Artigo 17, n.º 2 da Lei de Terras
14
Mesmo que as comunidades locais e as pessoas singulares que ocupam a terra pretendida
pela AMA1 / ENH, não tivessem os respectivos títulos do seu direito, nem por isso
perderiam o direito ao uso e aproveitamento da terra, por força do disposto no artigo 13, n.º
2 da Lei de Terras.
Sendo assim, para que a terra pretendida pudesse ser atribuída à AMA1/ ENH ou para que
esta pudesse usar a terra pretendida, haveria que considerar duas possibilidades, a saber:
Não há qualquer previsão a este tipo de contratos na Lei de Terras, nem mesmo na
disposição relativa à transmissão de infra-estruturas, construções e benfeitorias existentes
na terra43.
43
Artigo 16 da Lei de Terras
15
das taxas anuais, bem como do cumprimento do plano de exploração, nos casos
aplicáveis.
«3. A escritura pública de compra e venda é celebrada após a apresentação da certidão
relativa à aprovação do pedido, emitida pelos Serviços de Cadastro.
«4. A celebração de contratos de cessão de exploração está igualmente sujeita à
aprovação prévia da entidade que autorizou o pedido de aquisição ou de
reconhecimento do direito de uso e aproveitamento da terra, e no caso das
comunidades locais, depende do consentimento dos seus membros.
«5. Os contratos de cessão de exploração só são válidos quando celebrados por
escritura pública».
Aceitar que se possam celebrar contratos de exploração da terra nua e virgem, sem
construções, benfeitorias, etc., seria aceitar que a terra pudesse ser arrendada o que
pensamos, ninguém defende face aos já citados princípios constitucionais.
Nos termos do artigo 1002 do Código Civil, «locação é o contrato pelo qual uma das partes
se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição» em
que toma o nome de arrendamento quando versa sobre coisa imóvel e aluguer quando
incide sobre coisa móvel44.
O Código Civil trata do contrato de cessão de exploração no seu artigo 1085 que convém
transcrever e interpretar para impedir que se possa entender que a figura do contrato de
cessão de exploração é permitida para o caso da terra virgem:
44
Artigo 1023 do Código Civil
16
«1. Não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual
alguém transfere temporaria e onerosamente para outrem, juntamente com a fruição do
prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado.
«2. Se porém ocorrer alguma das circunstâncias previstas no nº 2 do artigo 118, o
contrato passa a ser havido como arrendamento do prédio».
Portanto, nunca poderá o conceito de contrato de cessão de exploração ser aplicado à terra
propriamente dita, a não ser que algum diploma legal venha tal permitir, e de forma a que
não viole os princípios da Constituição.
Mas para que nenhuma dúvida pudesse existir sobre este conceito, o artigo 1085º do
Código Civil remete para o nº 2 do artigo 1118º, que trata dos casos de trespasse, para
excluir os casos de contrato de cessão de exploração:
Se a terra virgem, livre de infraestruturas, construções, benfeitorias, etc. pudesse ser cedida
a alguém para exploração, e mais ainda, mediante um preço, isso seria, não só a violação
do princípios constitucionais e legais sobre o uso e aproveitamento da terra, como seria o
mesmo que permitir que qualquer pessoa se poderia substituir ao Estado, na atribuição do
direito de uso e aproveitamento da terra a terceiros e a fazer dinheiro à custa da terra.
45
Entre outros, artigos 109 e 110 da Constituição e artigo 16 da Lei de Terras
17
Por força do exposto, é ilegal o objecto da sociedade Rovuma Basin LNG Land, Limitada
quando refere como sendo seu objecto entre outros, o de «celebrar contratos de exploração
do DUAT». À semelhança do que referimos anteriormente, a respeito do objecto da
sociedade ser o de “adquirir o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra”, também o notário
ou a Conservatória do Registo das Entidades Legais deveria ter recusado o registo desta
sociedade com este objecto.
Mas, mesmo que fosse possível constitucional e legalmente a AMA1/ ENH celebrar um
contrato de cessão de exploração da terra com as comunidades locais, estaríamos na
mesma situação que a referida para a negociação com as mesmas para a aquisição das
respectivas infraestruturas, construções ou benfeitorias: ou seja, a AMA1 / ENH teria que
negociar com cada um dos titulares do direito de uso e aproveitamento da terra o respectivo
contrato de exploração.
46
Artigo 18 da Lei de Terras
18
Para o caso em apreço interessa-nos somente analisar o caso previsto na alínea b) acima
enunciada, já que os demais não são aplicáveis: “por revogação do direito de uso e
aproveitamento da terra por motivos de interesse público, precedida do pagamento de justa
indemnização e / ou compensação”.
O processo de expropriação por utilidade pública está regulamentado pela Lei nº 2030 de
1948 parcialmente colocada em vigor em Moçambique pela Portaria nº 14507 de 19 de
Agosto de 1953 e pelo Decreto nº 37758 de 22 de Fevereiro de 195047.
Os diplomas legais sobre o ordenamento territorial têm por objecto criar um quadro jurídico
legal do ordenamento do território, em conformidade com os princípios, objectivos e direitos
dos cidadãos consagrados na Constituição de Moçambique.
Neste contexto, o artigo 20 dispõe que «os instrumentos de ordenamento territorial, quando
prevejam a implantação de projectos ou de empreendimentos públicos em terrenos urbanos
ou rurais que sejam objecto de concessão de uso e aproveitamento privados ou de uso
47
Todos publicados no Boletim Oficial nº 37, I Série de 12 de Setembro de 1953.
48
A Lei n.º 19/2007 de 18 de Julho foi publicada no Boletim da República nº 29, I Série de 18 de Julho de 2007
49
O Decreto nº 23/2008 de 1 de Julho foi publicado no Boletim da República nº 26, I Série de 1 de Julho de
2008, 3º Suplemento.
19
tradicional por comunidades locais, delimitadas ou não, procedem à identificação da
área para efeitos de expropriação por interesse, necessidade ou utilidade pública que é
precedida da respectiva declaração, devidamente fundamentada, nos termos da lei».
(sublinhado é nosso)
Importa reter o disposto nos números 2, 3 e 4 do artigo 68 que distingue a expropriação por
20
A grande questão que se coloca face ao determinado pela lei e regulamento da Lei do
Ordenamento do Território e pela Lei nº 2030 de 1948 é o de saber se a implantação de
uma fábrica de liquefacção de gás natural pertencente, na sua maioria, a entidades
privadas, apesar da participação duma entidade pública no empreendimento, poderá ser
considerada como sendo de “utilidade pública” no entender da Lei nº 2030 de 1953 ou de
“interesse público” no significado dado pela legislação de ordenamento do território, já que,
de certeza, não poderá cair na definição dada pelo Regulamento da Lei do Ordenamento do
Território, em relação à “necessidade pública” ou “utilidade pública”.
Se se concluir que não se enquadra nem no conceito de “utilidade pública” dada pela Lei nº
2030 de 1953 nem no conceito de “interesse público” dado pela legislação de ordenamento
do território, a administração pública não teria base legal para, no caso em apreço, revogar
o direito de uso e aproveitamento da terra titulada pelas comunidades locais e pelas
pessoas singulares que a ocupam há mais de 10 anos ou que fossem titulares do direito por
autorização dada por entidade competente, extinguindo o direito adquirido por terceiros e
procedendo então ao processo de expropriação, podendo, à falta de outra regulamentação
seguir os procedimentos previstos para a expropriação no âmbito da legislação sobre
ordenamento do território.
21
regulado em detalhe pelo Diploma Ministerial nº 181/2010 de 3 de Novembro50 ou caso se
entendesse que seria mais apropriado ao caso em apreço, regulado pelo Decreto nº 37758
de 1950.
3.6. Análise do caso da terra atribuída à Rovuma Basin LNG Land, Limitada
Assim, esta disposição, que não faz qualquer sentido num diploma legal deste tipo e com
este objecto, aparece, forçada e até como o reconhecimento por parte da Administração
Pública que há uma forte contestação à atribuição do Direito de Uso e Aproveitamento da
Terra a favor desta entidade, sendo, por isso, necessário e conveniente consagrar um
direito que é concedido por “autorização” dum Ministro, num diploma legal do Conselho de
Ministros.
50
O Diploma Ministerial nº 181/2010 de 3 de Novembro foi publicado no Boletim da República nº 44, I Série de 3
de Novembro de 2010.
51
Artigo 2 do Decreto-Lei nº 2/2014 de 2 de Dezembro
22
«6. Nestes termos, por despacho de 18 de Setembro de 2012, de Sua Excelência
Ministro da Agricultura, foi autorizado o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra numa
área de 7.000 hectares a favor da ENH, E.P. e emitida a respectiva autorização
provisória.
«7. Posteriormente, a ENH, E.P. decidiu unir-se com a Anadarko na constituição do
Rovuma Basin LNG Land, Lda (RBLL), uma sociedade por quotas na qual a ENH detém
50% na sociedade e os restantes 50% para Anadarko na qualidade de operadora do
consórcio, cujo escopo é gerir a terra destinada a implantação de indústria de
processamento do gás e gestão de infra-estruturas».
Assim, não se sabe, afinal, a quem foi atribuído o Direito de Uso e Aproveitamento da Terra,
se à ENH, se à Rovuma Basin LNG, Land, Lda. …
a) que a ocupação efectiva fosse por fases e que a atribuição dos 25.731 hectares
seja feita em função da submissão de projectos concretos;
52
As actas destas consultas, alegadamente assinadas por membros das comunidades, foram postas em causa
em Setembro de 2014, quando as pessoas cujas assinaturas constavam das ditas actas, deram a conhecer em
reunião pública que eram analfabetas e, por conseguinte, nunca poderiam ter assinado as ditas actas.
23
c) assegurar os interesses das comunidades, que poderão ser abrangidas pelo
reassentamento;
Nunca poderia ter sido atribuído o direito de uso e aproveitamento da terra a favor de outra
entidade e emitida a autorização provisória, sem antes se revogar os direitos de uso e
aproveitamento da terra pertencentes às comunidades locais e pessoas singulares que a
ocupam há mais de dez anos e a outras pessoas singulares, extinguindo-se os referidos
Direitos de Uso e Aproveitamento e procedendo-se à sua indemnização.
O que a lei lhe pede é que ele se pronuncie sobre a existência ou não de direitos de uso e
aproveitamento da terra na área requerida.
24
E se a área estava ocupada, o Administrador do Distrito tinha que dar essa informação no
seu parecer.
A Lei e o Regulamento da Lei de Terras determinam que «nas zonas de protecção total e
parcial não podem ser adquiridos direitos de uso e aproveitamento da terra, podendo, no
entanto, ser emitidas licenças especiais para o exercício de actividades determinadas54».
Também, por este motivo, não poderia ter sido atribuída o Direito de Uso e Aproveitamento
da Terra onde iria ser instalada uma instalação petrolífera que obrigaria, por força da lei, a
constituir zona de protecção parcial.
4. REGIME DO REASSENTAMENTO
4.1. Introdução
53
A Lei nº 3/2001 de 21 de Fevereiro foi publicada no Boletim da República nº 8, I Série de 21 de Fevereiro de
2001, Suplemento.
54
Artigo 9 da Lei de Terras
55
O Regulamento sobre o processo de reassentamento resultante de actividades económicas foi aprovado pelo
Decreot nº 31/2012 de 8 de Agosto, publicado no Boletim da República nº 32, I Série de 8 de Agosto de 2012.
25
um ponto do território nacional para outro, acompanhada da restauração ou criação de
condições iguais ou superiores às que tinham.
56
Artigo 9º e 11º, alínea b) do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades
Económicas.
26
Podem, ainda, ser convidados a participarem nas sessões da comissão representantes de
outros sectores, especialistas e indivíduos de reconhecido mérito, sempre que a natureza
do trabalho o justifique.
57
Artigos 6 e 7 do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas.
58
Artigo 12º do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas.
59
Artigo 8 do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas.
27
Foi recentemente aprovado o Regulamento da Comissão Técnica pelo Diploma Ministerial
nº 155/2014, de 29 de Setembro60.
b) O Proponente do projecto
A lei define os procedimentos e fases a seguir na elaboração do plano, bem como o modelo
de reassentamento, as características ambientais e critérios de escolha dos talhões, os
60
O Diploma Ministerial nº 155/2014 de 29 de Setembro foi publicado no Boletim da República nº 76, I Série de
19 de Setembro de 2014
28
elementos a ter em conta no processo de implementação, e as regras básicas para
assegurar a participação pública.61
a) O Plano de Reassentamento
b) Modelo de reassentamento
Nos termos da lei, o reassentamento deve ser feito numa parcela habitacional e
infraestuturada, construída com material convencional e de acordo com o projecto
61
Capítulo II do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas.
62
Artigo 15, nº 3 do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas.
63
Lei nº 19/2007 de 18 de Julho.
64
Nos termos do artigo do Regulamento da Lei do Ordenamento do Território, aprovado pelo Decreto nº
23/2008, de 1 de Julho.
29
aprovado, que deve obedecer às características sociais e culturais do local de
reassentamento. No entanto, o processo de reassentamento deve ser acompanhado pela
implantação de vias de acesso, sistemas de abastecimento de água, saneamento do meio,
electrificação, postos de saúde, posto policial, escolas, locais de lazer, de prática de
desporto, de culto, etc. Tão importante quanto as infraestruturas sociais, é a necessidade de
assegurar a continuidade do exercício de actividades de subsistência ou definir
programas de geração de renda nos locais de reassentamento.65 Por isso, devem ser
reservadas áreas para a prática de agricultura, pecuária ou outras actividades,
responsabilidade esta que é, como vimos, do governo distrital.
Quantificação das famílias afectadas e seu perfil socioeconómico. Aqui deve-se tomar
em consideração a situação actual da população afectada, a organização social e
estrutura de liderança da comunidade em que estão inseridos, os grupos vulneráveis,
características das famílias (incluindo a descrição da organização do sistema de
produção e dos modos de vida);
Caracterização físico-ambientais.
É importante realçar que, nos termos da lei, a descrição da situação da população afectada
implica fazer o levantamento dos níveis de produção e de rendimentos obtidos nas
actividades económicas formais e informais, assim como dos padrões de vida, incluindo o
estado de saúde da população a deslocar; a dimensão das perdas totais ou parciais
esperadas; as formas de acesso à terra e serviços públicos; o tempo de resistência do
imóvel; o número dos agregados, as relações familiares e os vínculos sociais existentes;
etc.
65
Artigo 16 do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas.
30
4.5. A Directiva Técnica do Processo de Elaboração e Implementação dos Planos de
Reassentamento
66
Diploma Ministerial nº 156/2014, de 29 de Setembro foi publicado no Boletim da República nº 76, I Série de 19
de Setembro de 2014
31
Uma nota importante é que a Directiva fornece orientação para intervenção no caso de
reassentamentos involuntários.
Como diz o próprio texto, “providencia as linhas mestres para que o Governo e os outros
intervenientes no processo alinhem a planificação de reassentamento físico com a
planificação do processo sócio-económico, com vista à integração das famílias e
comunidades involuntariamente deslocadas dos seus territórios actuais, à restituição dos
meios de vida perdidos e à inserção no desenvolvimento económico local”.
67
O IFC é uma instituição do Banco Mundial, criada em 1950.
32
caça recoleção ou pastagem). Não se aplica, por isso, ao reassentamento resultante de
transacções voluntárias.
O IFC reconhece que, pelos riscos que envolve - na maior parte das vezes resultando no
empobrecimento da população afectada - quando não seja possível, em absoluto, evitar o
reassentamento, este deve ser minimizado e criterioso, de modo a que sejam mitigados os
impactos causados não só à população deslocada, mas também às comunidades
acolhedoras.
Prever e evitar ou, quando não for possível, minimizar os impactos ambientais e
sociais adversos decorrentes da aquisição de terra ou de restrições a seu uso (i) por
meio da indemnização por perda de bens pelo custo de reposição e (ii)
certificando-se de que as actividades de reassentamento sejam executadas após
a divulgação apropriada de informações, e de consulta e a participação informada
das partes afectadas;
E valor de mercado será o valor necessário para que as pessoas e comunidades afectadas
No que respeita às indemnizações, tendo em conta que muitos países definiram por lei o
valor das indemnizações a pagar por plantações, terras ou direitos sobre a terra, o IFC
33
recomenda que os proponentes dos projectos de investimento reajustem os valores
Quanto à questão da recuperação dos meios de subsistência, o IFC sustenta que, para
receber oportunidades para melhorar ou, no mínimo, recuperar os meios de que dispunham
antes, os níveis de produção e padrões de vida. Assim, para as pessoas cujos meios de
subsistência é a terra, deve-se oferecer terra de substituição que não só tenha potencial
não ser possível fornecer terra de substituição com essas características, deverão ser
termos da indemnização que lhes são apresentados, como também encetar os mecanismos
legais disponíveis para fazerem valer os seus direitos. Diz o IFC que “se as famílias ou as
Ainda assim, o reconhece o IFC que a indemnização, por si, não garante a recuperação ou
34
e gestão de riscos e impactos ambientais e sociais. A principal preocupação é evitar que os
mas que sejam um mecanismo para assegurar a participação livre e informada de cidadãos
e comunidades.
afectadas.
Além do mais, o Plano deverá incluir medidas diferenciadas para assegurar a efectiva
membros.
Para o IFC, são as seguintes algumas das principais características de que se devem
35
- não impedimento de recurso às instâncias judiciais ou administrativas.
Pelo que ficou dito nas secções anteriores, fora dos casos de transmissão voluntária de
benfeitorias (que implique a transmissão do DUAT), este extinguir-se-á pelo não
cumprimento do plano de exploração ou projecto de investimento, sem motivo justificado; ou
por revogação do DUAT por motivos de interesse público, precedida do pagamento de
justa indemnização e/ou compensação. Como se especifica no Regulamento da Lei de
Terras, a extinção do DUAT por motivo de interesse público está associada à expropriação
por utilidade ou interesse público, devendo os dois processos correr em paralelo, embora
antecedidos do pagamento de justa indemnização e/ou compensação.68
O Regulamento da Lei de Terras faz uma distinção importante entre prédios rústicos e
urbanos, não se reconduzindo necessariamente à distinção entre espaço rural e urbano.
É considerada rústica a parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não
tenham autonomia económica, em que a fonte de rendimento depende principalmente da
terra em si, enquanto as construções têm como função uma actividade de apoio à
exploração da terra.
E será urbano o edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro,
em que a fonte de rendimento depende principalmente das construções existentes e não da
terra em si. Tratando-se de prédios rústicos, a efectivação da transmissão está dependente
de uma posterior autorização por parte da entidade que autorizou pedido ou que teria
competência para autorizar, caso esse pedido não tenha sido feito, como será nas
ocupações de acordo com práticas costumeiros ou com as ocupações de boa fé.
Quanto a esta última questão, seria necessário distinguir entre o DUAT respeitante às terras
comunitárias e os direitos sobre a terra cujos titulares são os membros das comunidades,
individualmente considerados. Repare-se que, mesmo quando estamos perante uma
68
Artigo 19º, nº 3 do Regulamento da Lei de Terras.
36
expropriação, a lei requer que, para efeitos de extinção do DUAT, haja lugar ao pagamento
prévio de indemnizações.
Através de entrevistas feitas aos membros das comunidades de Quitupo percebemos que
há divergências em relação a questões elementares que serviriam de base ao processo
negocial entre as pessoas/comunidades e os investidores:
37
Desconhecimento do local de destino das pessoas que serão reassentadas,
especialmente no que refere às condições subsistência e de convivência que irão
encontrar;
vi) As negociações devem ser livres e informadas, devendo, por isso, ser prestadas
todas informações relevantes do projecto, e bem assim fornecidos os demais elementos
solicitados pelos membros das comunidades afectadas e qualquer interessado;
Mas foi sobretudo com a nova Constituição de 2004 – e, em certa medida, como resultado
das recomendações da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e
Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992 – que a tutela do ambiente ganhou
maior merecimento, porquanto não apenas se outorgou a todo o cidadão o direito de viver
num ambiente equilibrado e o dever de o defender e conservar (artigos 90, nº 1, e 45, alínea
f))69, como também se atribuiu ao Estado e às autarquias locais, com a colaboração das
associações de defesa do ambiente, a responsabilidade de adoptar políticas de defesa do
ambiente e de velar pela utilização racional de todos os recursos naturais (artigo 90, nº 2).
69
Inseridos no Capítulo V (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais) do Título III (Direitos, Deveres e
Liberdades Fundamentais), e no Capítulo I (Princípios gerais) do mesmo Título III, respectivamente.
70
Enquadrado no Capítulo III (Organização social) do Título IV (Organização económica, social, financeira e
fiscal).
39
estabilidade ecológica e dos direitos das gerações vindouras; e a promover o ordenamento
do território com vista a uma correcta localização das actividades e a um desenvolvimento
socio-económico equilibrado (nº 2).
71
Segundo o qual os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas águas interiores, no mar territorial, na
plataforma continental e na zona económica exclusiva são propriedade do Estado (nº 1); e constituem domínio
público do Estado a zona marítima, o espaço aéreo, o património arqueológico, as zonas de protecção da
natureza, o potencial hidráulico, o potencial energético, as estradas e linhas férreas, as jazidas minerais e os
demais bens como tal classificados por lei (nº 2).
72
Cfr. artigo 81, nº 2, alínea b), da CRM.
73
Idem, artigo 81, nº 2, alínea c).
74
A Lei n.º 20/97 de 1 d Outubro foi publicada no Boletim da República n.º 29, I Série de 18 de Julho de 2007
75
Cfr. Artigo 2 da Lei nº 20/97, de 1 de Outubro.
40
Para melhor compreender o seu objecto e as situações que se destina a salvaguardar,
faremos uma breve abordagem à sua estrutura, conforme o quadro que se segue:
Deste modo,
O Capítulo IV (artigos 11 a 14) faz referência expressa àquelas situações que, pelas
suas especiais características, necessitam de um tratamento diferenciado em matéria
ambiental (é o caso do património ambiental e da biodiversidade);
41
O Capítulo V (artigos 15 a 18) é, em termos genéricos, o mais importante para os
efeitos da nossa análise, porque consagra alguns dos principais mecanismos de
prevenção do dano ao dispor da Administração Pública, relativamente aos quais nos
debruçaremos adiante;
No Capítulo VII (artigos 25 a 27) prevêem-se algumas soluções de cariz civil, criminal
ou contravencional, que remetem para legislação específica e visam fazer face às
agressões verificadas no ambiente ou através do ambiente;
Uma nota importante a salientar nesta lei é a que se refere aos seus destinatários, ou seja,
aos sujeitos a quem se aplica. O texto legal não poderia ser mais explícito: ela cobre todas
as actividades públicas ou privadas que, directa ou indirectamente, possam influir nos
componentes ambientais (artigo 3). Consequentemente, tanto os particulares, como a
administração pública devem pautar a sua conduta pelas normas e princípios previstos na
Lei do Ambiente.
Isso nem sempre sucede, como observa Paula Silveira (2010: 6), porque se tem verificado
uma tendência na Administração Pública para apenas impor deveres de acatamento da Lei
do Ambiente aos particulares, ficando os entes públicos isentos do ónus de a respeitar e
cumprir.
Outra questão que deve ser realçada é a que diz respeito ao tipo de bens que esta lei visa
proteger. Se nos basearmos na definição legal adoptada, diremos que o Ambiente é o meio
em que o ser humano e os outros seres vivos interagem entre si e com o próprio meio,
incluindo o ar, a luz, a terra, a água, os ecossistemas, a biodiversidade e as relações
ecológicas, toda a matéria orgânica e inorgânica e todas as condições socioculturais e
económicas que afectam a vida das comunidades (artigo 1, nº 2).
42
Trata-se, pois de um conceito amplo, abrangendo não só os elementos naturais, mas
também os artificiais (como a paisagem, a cultura, o saber das comunidades locais, entre
outros). É por isso que um dos princípios fundamentais proclamados no artigo 4 aponta
para uma visão global e integrada do ambiente, como um conjunto de ecossistemas
interdependentes, naturais ou construídos (v. alínea d)).
Numa apreciação mais geral deste diploma, decorridos que são quase dezoito anos desde
a sua aprovação, poder-se-á dizer que, não obstante uma ou outra lacuna ou imperfeição,
ele se mostra apto a dar resposta à maioria dos problemas ambientais do país. Todavia, a
eficácia das suas previsões normativas depende, como não podia deixar de ser, dos
regulamentos cuja elaboração o Governo foi mandatado a realizar, nos termos do artigo
3376.
Uma lista mais ou menos exaustiva destes diplomas encontra-se no Anexo 1 do presente
parecer.
76
Que estatui o seguinte: “Cabe ao Governo adoptar as medidas regulamentares necessárias à efectivação da
presente Lei”.
43
A esse conjunto de diplomas acresce uma série de leis e decretos complementares que
abordam temas intrinsecamente relacionados com a problemática ambiental, como a
questão das águas, das florestas e fauna bravia, da energia, minas e petróleos, das pescas,
da saúde pública, do património cultural ou do ordenamento do território.
Assim, a gestão ambiental das actividades desse projecto está sujeita ao regime especial
do Regulamento Ambiental para as Operações Petrolíferas, aprovado pelo Decreto nº
56/2010, de 22 de Novembro. É sobre esse Regulamento que nos debruçaremos em
seguida.
A AIA é, por definição legal, um instrumento de gestão ambiental preventiva que consiste na
identificação e análise prévia, qualitativa e quantitativa, dos possíveis efeitos benéficos e
perniciosos de uma actividade proposta, sobre o ambiente (artigo 1, alínea c)). É realizada
obedecendo às seguintes fases (artigo 4):
b) Pré-avaliação;
c) Definição do âmbito;
77
Definido, nos termos do artigo 1, alínea f), como “a componente do processo de AIA que analisa técnica,
científica e socialmente as consequências da implementação das actividades de Categoria A sobre o ambiente”.
44
e) Relatório do EIA ou EAS;
f) Revisão do Relatório;
g) Decisão;
h) Participação pública; e
i) Monitorização e auditoria.
As operações de Categoria C são aquelas que, pela sua natureza, não acarretam
impactos negativos para o ambiente e a saúde pública (artigo 1, alínea f))79. Apenas
estão sujeitas à observância das normas de boa gestão ambiental (artigo 5, alínea c)).
78
Idem, em relação às actividades da Categoria B.
79
O artigo 18 enumera exemplificativamente algumas dessas actividades: a) Levantamentos magnéticos e
electromagnéticos; b) Levantamentos geológicos; c) Levantamentos gravimétricos; d) Medições da circulação
geotérmica; e) Medições radiométricas; f) Levantamentos geoquímicos; g) Recolha de amostras do solo e do
fundo do mar e perfuração de testemunho até ao máximo de 100 metros; h) Estudos científicos realizados por
instituições de investigação científica, mas que não incluam a pesquisa sísmica; i) Levantamento de base para o
conhecimento da área; e j) Outras actividades que não acarretam impactos negativos para o ambiente e a saúde
pública.
80
À data da submissão do projecto a que nos vimos referindo – Projecto de Gás Natural Liquefeito (GNL)
proposto para os campos de gás existentes nas Área 1 e 4 Offshore na Bacia do Rovuma –, o MICOA
(Ministério da Coordenação da Acção Ambiental); actualmente, o Ministério da Terra, Ambiente e
Desenvolvimento Rural.
45
c) Justificação legal e factual das operações petrolíferas;
81
Cfr. o já citado artigo 5, alínea a), e o artigo 12, nº 1
82
Cfr. os artigos 5, alínea b), e 15, nº 1. Todavia, verificando-se as circunstâncias descritas no artigo 17, nº 1, as
actividades da Categoria B também devem ser precedidas de um EIA.
46
b) Identificação do consultor ambiental registado ou credenciado pela autoridade de AIA,
bem como da equipa responsável pela eventual elaboração do EIA e respectivas
funções;
83
Área de influência, segundo a definição do artigo 1, alínea b), é a área e o espaço geográfico, directa ou
indirectamente afectados pelos impactos resultantes de operações petrolíferas.
47
q) Descrição e comparação detalhadas das diferentes alternativas e a previsão
ambiental futura com e sem medidas de mitigação;
A convocatória para a consulta pública é anunciada até 15 dias antes da data da sua
realização, devendo ser publicada no jornal nacional de maior audiência no país, na
televisão, na rádio, através da fixação de cartazes, por correio electrónico, por fax, podendo
o Ministério que superintende a área do ambiente estipular outros meios, tais como
publicação em outros canais de informação, reuniões de informação ao público ou, ainda,
outros meios que se mostrem adequados (idem, nº 5).
Dentro do prazo máximo de 15 dias após a consulta pública, quem tiver comentários sobre
o EIA/EAS deve submetê-los ao Ministério que superintende sobre a área do ambiente
(idem, nº 6).
48
Depois de proceder à revisão e de aprovar o Relatório do EIA/EAS, nos termos
estabelecidos no artigo 2084, o Ministério que superintende sobre a área do ambiente deve
emitir a Licença Ambiental, no prazo de 8 dias após o pagamento das taxas devidas (artigo
21, nº 1). Esta licença é válida por um período de 5 anos, renováveis por igual período,
mediante requerimento para a sua actualização (idem, nº 2).
Os últimos três Capítulos do Regulamento (artigos 22 a 30) tratam das Taxas e Multas a
cobrar, da Auditoria e Inspecção Ambiental (da responsabilidade do Ministério que
superintende sobre a área do ambiente, em coordenação com o Ministério que superintende
sobre a área do petróleo) e das Disposições Finais e Transitórias.
O processo de AIA para o Projecto de Gás Natural Liquefeito (GNL) de Cabo Delgado está,
como já foi dito, a ser realizado em parceria pelas empresas Environmental Resources
Management Southern Africa (PtY) Ltd (ERM), uma multinacional de consultoria ambiental,
e Projectos e Estudos de Impacto Ambiental, Lda, (Impacto), sociedade moçambicana.
- Introdução
- Descrição do Projecto
- Avaliação de alternativas
84
Sem prejuízo de, ouvido o Ministério que superintende sobre a área do petróleo, devolver o Relatório ao
proponente, caso não esteja de acordo com as disposições do Regulamento (cfr. artigo 20, nº 3)
49
- Situação de referência socioeconómica e de saúde comunitária
- Impactos cumulativos
- Conclusões
- Referências
- Tabela do ESMP
De um modo geral, pode dizer-se que o processo de AIA tem sido conduzido no respeito
pelas normas legais e regulamentares, cumprindo, até ao momento, cada uma das fases
previstas no já citado artigo 4 do Regulamento Ambiental para as Operações Petrolíferas.
50
Dos diferentes impactos que as actividades do projecto irão reconhecidamente produzir,
com maior ou menor intensidade, sobre a Natureza e as pessoas nas áreas abrangidas,
interessam-nos, para os efeitos deste parecer, sobretudo os de carácter socioeconómico.
Esta deslocação física e económica forçada dos residentes no Local do Projecto é uma
preocupação ainda bem presente, sobretudo para as comunidades de Quitupo, Milamba 1 e
2 e Senga, com quem tivemos a oportunidade de interagir. As medidas de mitigação
propostas no EIA e que irão constar de um Plano de Acção de Reassentamento (PAR)86
ainda por elaborar, estão longe de convencer aquelas comunidades. Na intenção dos
titulares do Projecto,
85
Relatório Final do Estudo de Impacto Ambiental (REIA) para o Projecto de Gás Natural Liquefeito em Cabo
Delgado, Volume II, Capítulo 16, Sumário do Processo de Avaliação do Impacto Ambiental, pág. 16-18.
86
Cfr. Relatório Final do Estudo de Impacto Ambiental (REIA) para o Projecto de Gás Natural Liquefeito em
Cabo Delgado, Volume II, Capítulo 13, Avaliação de Impactos Socioeconómicos e Mitigação, pág. 13-5.
87
Plano Inicial de Reassentamento.
51
É essa difícil coordenação interinstitucional ao nível das estruturas do Governo central e
também a percepção da fraca capacidade de diálogo dos órgãos locais da Administração
Pública, que mantêm os residentes de Quitupo, Milamba 1 e 2, Senga e áreas circundantes,
desconfiados das boas intenções do Projecto e do processo em que vão estar envolvidas.
Muito embora se conclua, no referido Relatório que todos os comentários recebidos foram
considerados e que “todas as questões consideradas pertinentes e relevantes para o EPDA
e EIA foram endereçadas e os relatórios (...) actualizados”, a verdade é que a percepção
generalizada das pessoas e entidades que estão interessadas e vão ser afectadas pelo
projecto continua a ser de grande insegurança e de convencimento de que os respectivos
direitos não estão sendo devidamente acautelados.
53
Desde logo, a Lei do Ambiente (Lei nº 20/97, de 1 de Outubro) estabelece o princípio da
participação, nos termos do qual obriga o governo a criar mecanismos adequados para
envolver os diversos sectores da sociedade civil não só nos processos de elaboração de
políticas e de legislação, mas também na implementação do Programa Nacional de Gestão
Ambiental.
Para além da permissão da lei, todas as pessoas são livres de se fazer representar por que
entendam que protege da melhor forma os seus interesses.
Assumir este facto na sua plenitude, sem quaisquer reservas ou limitações, será uma forma
de dar corpo à Lei Fundamental que expressa de forma eloquente a importância das
organizações da sociedade civil em Moçambique: “desempenham um papel importante na
promoção da democracia e participação dos cidadãos na vida pública (artigo 78, 1). Deste
modo, a sociedade civil é um aliado do Estado na prossecução dos objectivos fundamentais
consagrados na Constituição da República.
7. CONCLUSÕES E PARECER
O objecto da sociedade Rovuma Basin LNG Land, Limitada, na parte que refere que a
sociedade pode «celebrar contratos de exploração do DUAT», é manifestamente ilegal,
por violar a Constituição da República e a Lei de Terras. Os serviços notariais ou a
89
Artigo 8 do Regulamento do Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas.
54
Conservatória do Registo das Entidades Legais deveriam ter recusado o registo desta
sociedade com este objecto;
Por isso, todas entidades, incluindo a ENH, a AMA1 ou a RBLL, devem adquirir o
DUAT em estrita observância da lei. A terra atribuída a AMA1 / ENH para a instalação
da fábrica de liquefacção de gás natural está ocupada por comunidades locais e por
pessoas singulares e que estas a ocupam por várias gerações. Para que as empresas
em causa (ou outras) pudessem usar a terra pretendida, haveria que considerar duas
possibilidades, a saber: i) a celebração de contratos de cessão de exploração, não
sobre a terra em si (o que seria ilegal), mas sobre as infra-estruturas, construções e
benfeitorias existentes; ou ii) a extinção do direito de uso e aproveitamento da terra – ou
de grande parte dela – pertencente às comunidades locais e pessoas singulares e
consequente atribuição do direito à AMA1 / ENH;
56
Excepcionalmente, nos casos especialmente previstos na lei, pode o Estado
expropriar bens ou direitos dos cidadãos, em nome do interesse público, mediante
pagamento de uma justa indemnização/compensação;
As negociações devem ser livres e informadas, devendo, por isso, ser prestadas
todas informações relevantes do projecto e, bem assim, fornecidos os demais
elementos solicitados pelos membros das comunidades afectadas e qualquer
interessado;
57
Os pedidos de esclarecimento sobre o projecto, incluindo sobre o processo de
titulação de direitos e de reassentamento devem ser prontamente respondidos;
58
Por tudo quanto acima foi exposto, e tendo em consideração as conclusões enunciadas,
somos de parecer que
Este falso pressuposto pode levar a que o Estudo de Impacto Ambiental tenha de ser
novamente realizado, quando se determinar legalmente quem é o legítimo titular do
direito de uso e aproveitamento da terra onde se pretende instalar a Fábrica de
Liquefacção de Gás Natural
Este falso pressuposto pode levar a que o processo de reassentamento tenha que ser
reiniciado, quando se determinar legalmente quem é o legítimo titular do direito de uso
e aproveitamento da terra onde se pretende instalar a Fábrica de Liquefacção de Gás
Natural.
4) A maior parte das alegações de irregularidades levantadas pela sociedade civil são
correctas, em especial as que dizem respeito à ilegalidade da atribuição do DUAT à
ENH, E.P. e/ou à Rovuma Basin LNG Land, Limitada
59
constitucional e, portanto, não pode estar dependente de nenhuma licença
administrativa.
6) Tanto quanto foi possível apurar, não está em curso o processo de estabelecimento
das zonas económicas especiais de Pemba e de Palma
60
ANEXO 1 – LISTAGEM DOS DIPLOMAS LEGAIS E DOCUMENTOS CONSULTADOS
E ENTREVISTAS REALIZADAS
Legislação
61
Decreto nº 45/2006, de 30 de Novembro – aprova o Regulamento para a Prevenção da
Poluição e Protecção do Ambiente Marinho e Costeiro
62
Decreto nº 42/2010, de 20 de Outubro – cria o Fórum de Consulta sobre Terras (alterado
por Decreto nº 78/2014 de 19 de Dezembro)
Documentos consultados
63
Suíça, Cambridge, Reino Unido e Bona, Alemanha, pp. 151-167. Pesquisável em:
https://portals.iucn.org/library/efiles/edocs/EPLP-042.pdf
Entrevistas
64
65
ANEXO 2 – MAPA DA ÁREA CONSTANTE DO CONTRATO
66
67