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Transformando indiferença em compaixão

Introdução

O nosso texto de hoje é Lucas 16:19-31, a Parábola do Rico e Lázaro.

Tanto essa parábola quanto a do Rico Insensato encontram-se


na viagem de Jesus da Galiléia à Judéia e retratam o conflito
com os fariseus sobre o dinheiro.

No contexto desse conflito, alguns detalhes se destacam:

1) Em Lucas 11:37-12:12, Jesus diz: “Vocês, fariseus, limpam


o exterior do copo e do prato, mas interiormente estão
cheios de ganância e de maldade.” (11:39).

Como solução para a ganância e para a maldade, ele


afirma:

“Insensatos! Quem fez o exterior não fez também o


interior? Mas deem o que está dentro do prato como
esmola, e verão que tudo lhes ficará limpo.” (v. 40-41).
Em seguida, Jesus anuncia sete “ais” contra os
fariseus e peritos na lei, e faz sete advertências
aos seus discípulos.

2) Em Lucas 12:13-21, em resposta a um homem, Jesus diz


à multidão: “Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo
tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na
quantidade dos seus bens.” (12:15).

Para ilustrar o que dissera, ele conta a Parábola do


Rico Insensato, propondo como solução para a
ganância o ser rico para com Deus.

Ser rico para com Deus é partilhar o que se tem


com o seu próximo, o oposto de acumular para
si riquezas.

Video papagaio e macaco


3) Em Lucas 12:22-34, dirigindo-se aos discípulos, Jesus
afirma: “Não se preocupem com a própria vida, quanto ao
que comer; nem com seu próprio corpo, quanto ao que
vestir.” (12: 22).

Ao invés de se preocuparem com a vida e com o


corpo, os discípulos e discípulas devem buscar o
Reinado de Deus.

Mais do que isso, devem vender o que tem e dar


esmolas, acumulando para si mesmos tesouros
nos céus.

4) Em Lucas 16:9-13 , concluindo a Parábola do


Administrador Astuto, Jesus diz: “Usem as riquezas deste
mundo ímpio para ganhar amigos, de forma que quando
ela acabar, estes os recebam nas moradas eternas.” (v. 9).
Em vez de maximizar lucros, os discípulos e
discípulas devem investir em pessoas, pois o que se
faz aqui e agora tem implicações eternas.

É exatamente por isso que os discípulos e


discípulas precisam decidir a quem servirão: a
Deus ou ao Dinheiro (Mamom – o deus rival).

5) Em Lucas 16:14-15, antecedendo a Parábola do Rico e


Lázaro, Lucas afirma: “Os fariseus, que amavam o
dinheiro, ouviam tudo isso e zombavam de Jesus.” (v. 14).

A esses fariseus, Jesus diz: “Vocês são os que se


justificam a si mesmos aos olhos dos homens, mas
Deus conhece o coração de vocês. Aquilo que tem
muito valor entre os homens é detestável aos olhos de
Deus.” (v. 15).
Pergunta: O que tem muito valor entre os
homens e é detestável aos olhos de Deus?

Resposta: O viver baseado no amor ao


dinheiro.

Logo, na viagem à Jerusalém, Jesus está ensinando que só há


dois modos de vida possíveis:

o viver baseado no amor ao dinheiro ou o viver baseado no amor


a Deus.

O primeiro é marcado por ansiedade, por ganância e, como


veremos, por indiferença.

O segundo é marcado por fé, por partilha e, como também


veremos, por compaixão.
A nós, resta a pergunta: Como temos vivido, amando a
Deus ou ao Dinheiro?

Com essa pergunta em mente, leiamos a Parábola


do Rico e Lázaro.

Texto
Lucas 16:19-31: ““Havia um homem rico que se vestia de púrpura e de
linho fino e vivia no luxo todos os dias. Diante do seu portão fora deixado
um mendigo chamado Lázaro, coberto de chagas; este ansiava comer o
que caía da mesa do rico. Até os cães vinham lamber suas feridas.
“Chegou o dia em que o mendigo morreu, e os anjos o levaram para
junto de Abraão. O rico também morreu e foi sepultado. No Hades, onde
estava sendo atormentado, ele olhou para cima e viu Abraão de longe,
com Lázaro ao seu lado. Então, chamou-o: ‘Pai Abraão, tem misericórdia
de mim e manda que Lázaro molhe a ponta do dedo na água e refresque
a minha língua, porque estou sofrendo muito neste fogo’. “Mas Abraão
respondeu: ‘Filho, lembre-se de que durante a sua vida você recebeu
coisas boas, enquanto que Lázaro recebeu coisas más. Agora, porém,
ele está sendo consolado aqui e você está em sofrimento. E além disso,
entre vocês e nós há um grande abismo, de forma que os que desejam
passar do nosso lado para o seu, ou do seu lado para o nosso, não
conseguem’. “Ele respondeu: ‘Então eu te suplico, pai: manda Lázaro ir à
casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos. Deixa que ele os avise, a fim
de que eles não venham também para este lugar de tormento’. “Abraão
respondeu: ‘Eles têm Moisés e os Profetas; que os ouçam’. “‘Não, pai
Abraão’, disse ele, ‘mas se alguém dentre os mortos fosse até eles, eles
se arrependeriam’. “Abraão respondeu: ‘Se não ouvem a Moisés e aos
Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém
dentre os mortos’.””.

Proposição

Os discípulos e discípulas de Jesus são aqueles que vivem baseados no


amor a Deus, transformando indiferença em compaixão.

Para tal, eles precisam desenvolver três percepções.

Primeira percepção: Do necessitado (19-21)

A parábola começa com a descrição dos seus personagens principais: o


rico e Lázaro.
O rico se veste de púrpura e de linho fino, e vive no luxo todos os
dias.

Ele é coberto por vestes caríssimas e tem abundância de


comida diariamente.
O mendigo Lázaro é coberto de chagas e anseia comer o cai da
mesa do rico.

Ele é coberto por feridas e tem escassez de comida.

Três detalhes chamam a atenção na descrição dos


personagens:

Primeiro: Há um portão que separa o rico e Lázaro.

Sobre esse texto, José Antonio Pagola comenta:

“O olhar penetrante de Jesus está desmascarando a


realidade. As classes mais poderosas e os estratos
mais miseráveis parecem pertencer à mesma
sociedade, mas estão separados por uma barreira
invisível: essa porta que o rico nunca atravessa para
aproximar-se de Lázaro.”.
Imagem

Em 2004, o fotógrafo Tuca Vieira capturou a imagem da favela de


Paraisópolis ao lado do vizinho rico, o Morumbi. A foto passou a
simbolizar a desigualdade entre ricos e pobres de São Paulo.

Portão da invisibilidade

Segundo: Lázaro é nomeado, mas o rico não.

Em todas as parábolas de Jesus, o único personagem


nomeado é Lázaro.
O nome “Lázaro” significa “aquele a quem Deus
ajuda”.

Na parábola, vemos que o significado do nome


Lázaro corresponde à situação vivida pelo
personagem Lázaro.

Lázaro ganhou um nome, quem sabe, para representar todos os


anônimos, rejeitados e excluídos da história, a quem Deus elevou.
Terceiro: Os cães se importam com Lázaro, porém, o rico
não.

Levando em consideração o contexto da época, Kenneth


Bailey sugere que esses cães são os cães de guarda da
casa do rico.

Eles se alimentam do que cai da mesa do seu dono,


Lázaro não.

Mais do que isso, eles se importam com Lázaro,


seu dono não.

Aqui, o que mais nos interessa é que Jesus denuncia a


indiferença do rico em relação a Lázaro, o necessitado que
diariamente é colocado à sua porta e ele não vê.

Aplicação:

Como discípulos e discípulas de Jesus, somos desafiados a perceber o


necessitado.
Uma vez que vivemos numa espécie de “bolha”, os pobres são para
nós invisíveis.

Imagem desigualdade social

Se a distância gera insensibilidade, a aproximação gera


sensibilidade.

Segunda percepção: Da morte (22-23)

A parábola segue e chega o dia em que tanto o rico quanto Lázaro


morrem.

O mendigo Lázaro morre e é levado pelos anjos para junto de


Abraão.
O “seio de Abraão” é interpretado como o lugar pós-morte dos
justos.

Ou seja, estar junto de Abraão é estar em um lugar de


bem-aventurança a espera da eternidade.

O texto não explica porque Lázaro vai para o “seio de


Abraão”; ao que parece, é porque ele confia em Deus
e na sua ajuda (ref. ao nome).

O rico também morre, é sepultado e acha-se no Hades.

O Hades é interpretado como o lugar pós-morte dos injustos.

Isto é, estar no Hades é estar em um lugar de tormento a


espera do juízo final.

O texto também não explica porque o rico vai para o


Hades; ao que parece, é porque ele confia em si
mesmo e nas suas riquezas, e não se importa com o
necessitado (ref. à ostentação e à indiferença).
Aqui, o que mais nos interessa é que, depois da morte inevitável, a
barreira invisível que separava o rico e Lázaro torna-se um abismo
intransponível e definitivo.

Aplicação:

Como discípulos de Jesus, somos desafiados perceber a morte.

Não faz sentido vivermos acumulando e ostentando porque a morte


é uma realidade inevitável.

Além disso, a vida de acumulação e ostentação é


autocentrada (centrada em nós mesmos), ao passo que
vida que Jesus nos propõe é altercentrada (centrada no
próximo).

Assim, a nossa percepção da morte deve reorientar a


nossa vida em direção ao necessitado.
Quem são os necessitados que estão próximos a nós e como podemos
ajudá-los efetivamente?

Por exemplo: Os desempregados (empregados [segurança e bem


estar] // desempregados [insegurança e empobrecimento]);

Se a indiferença gera apatia, a solidariedade gera compaixão.

Terceira percepção: Da Palavra (24-31)

A parábola se encerra com um diálogo entre o rico e Abraão.

Esse diálogo começa com o rico usando a expressão que é própria


dos mendigos: ‘Pai Abraão, tem misericórdia de mim (...)’ – nos
lembramos da expressão de Bartimeu (Cf. Lc. 18:38-39).
O rico deseja que Abraão mande Lázaro aliviar parte do seu
sofrimento.

Em resposta ao rico, Abraão anuncia uma inversão: Durante a vida,


o rico recebeu coisas boas e Lázaro recebeu coisas más; agora,
Lázaro está sendo consolado e o rico está em sofrimento.

Pior do que isso, como já dito, há entre eles um abismo


intransponível e definitivo.

Em resposta a Abraão, o rico expressa um novo desejo:

Ele quer que Abraão mande Lázaro avisar seus irmãos sobre a sua
situação para que eles se arrependam e tenham um destino
diferente do seu.
Notem: Mesmo em sofrimento, a fala do rico tem um tom
arrogante e autocentrado.

Em resposta ao rico, Abraão é incisivo: ‘Eles têm Moisés e os


Profetas; que os ouçam’.

Tanto Moisés quanto os profetas são claríssimos em relação à


compaixão que o povo de Deus deve ter com os necessitados.

Por exemplo:

Levítico 19:9-10: “Quando fizerem a colheita da sua terra,


não colham até as extremidades da sua lavoura, nem
ajuntem as espigas caídas de sua colheita. Não passem
duas vezes pela sua vinha, nem apanhem as uvas que
tiverem caído. Deixem para o necessitado e para o
estrangeiro. Eu sou o SENHOR, o Deus de vocês.
Isaías 58:6-7: ““O jejum que desejo não é este: soltar
as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo,
pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo.
Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o
pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e
não recusar ajuda ao próximo?

Em resposta a Abraão, o rico insiste que se alguém ressuscitasse


dos mortos e fosse até eles, eles se arrependeriam.

Por fim, em resposta ao rico, Abraão reforça: ‘Se não ouvem a


Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda
que ressuscite alguém dentre os mortos’.

Aqui, o que mais nos interessa é que ouvir a Palavra é sinônimo de


obedecer a Palavra.

Aplicação:

Como discípulos e discípulas de Jesus, somos desafiados a perceber a


Palavra.
Essa Palavra que é claríssima: Sejam compassivos com os
necessitados.

Todavia, a nossa tendência é levantar objeções que justifiquem


a nossa desobediência.

Em assim fazendo, resta-nos o arrependimento, o


discernimento e a sabedoria.

Para nos ajudar neste sentido, recomendo o livro Justiça Generosa, de


Timothy Keller, pastor presbiteriano em Nova Iorque.

Dentre outras coisas, este livro apresenta:

1) As três causas bíblicas para a pobreza.

A opressão, a calamidade e o fracasso moral individual.

2) A relação entre justificação pela graça e justiça social.


Todo aquele que foi justificado pela graça, mediante a fé
somente, lutará por justiça social.

3) As desculpas que as pessoas davam a Jonathan Edwards,


pastor estadunidense do séc. XVIII, para não serem
compassivas com os necessitados.

Sobre uma dessas desculpas, Timothy Keller escreve:

“Ao lidar com o argumento de que muitos pobres não têm


integridade, não têm caráter, ele rebate que também não
tínhamos e, mesmo assim, Cristo se entregou por nós:
“Cristo nos amou, e foi bondoso conosco, e se dispôs a
nos ajudar, embora fôssemos pessoas extremamente
detestáveis, más, indignas de qualquer bondade [...]
portanto, devemos ser bondosos com aqueles que são [...]
extremamente indignos.”.”.
Se a apatia é expressão da desobediência, a compaixão é uma
expressão de obediência.

Conclusão
Oração.

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