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I

AGOSTO LILÁS
E DIA DOS PAIS

No mês da campanha de combate "Aftersun": a indicação de


a violência doméstica contra a filme sobre a relação entre
mulher, entrevistamos Érica Paes, pai e filha abordada de
do Programa Empoderadas modo realista e delicado
SUMÁRIO
EDITORA-CHEFE E JORNALISTA RESPONSÁVEL
Tamyris Torres
Mtb: 33138/RJ

REVISÃO
Maria Bruna Mota e Bruno Alencar

DIAGRAMAÇÃO
Tamyris Torres e Bruno Alencar

EDITORIAS
FONTE: CANVA

DESAC-ATO Tamyris Torres


POETIZATO Maria Bruna Mota
EDITORIAL .................................................................................3
LIVRE ATO Tamyris Torres
DIVÃNEIOS ................................................................................4 VARIATOS: Jorge Pragana Jr.
LIVRE ATO...................................................................................7 BELO ATO: Camila Vieira e Laís Gomes
ATO EM EXPRESSÃO...............................................................9 ATO EM EXPRESSÃO: Camila Vieira e Laís Gomes
GRÁFIC-ATO: Geral
POETIZ-ATO.............................................................................12
DIVÃNEIOS: Aluanda Nabuco
VARIATOS ................................................................................14 ATO EM DIÁLOGO: Aluanda Nabuco
DESAC-ATO .............................................................................15 MISCELÂNEAS: Tamyris Torres
VARIEDADE EM ATO: Jorge Pragana Jr.
MISCELÂNEAS .........................................................................20
GRÁFIC-ATO ............................................................................22 COLABORADORES EXTERNOS
BELO-ATO.................................................................................23 Andréa Pinheiro Bonfante
Cole Coleus
ATO EM DIÁLOGO..................................................................25
Elaine Ribeiro
VARIEDADE EM ATO.............................................................27

atoanalitico

I irgínia DISTRIBUIÇÃO DIGITAL


ATO ANALÍTICO ESCOLA DE PSICANÁLISE

É uma publicação trimestral da Ato Analítico Escola de Psicanálise.


Nº 3 | AGOSTO 2023 | ANO 1
A Revista Virgínia não se responsabiliza por ideias e conceitos
expressos nos artigos assinados. É proibida reprodução total ou
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SECRETARIA ATO ANALÍTICO ESCOLA DE PSCIANÁLISE


(21) 98046-0787
EDITORIAL

LAÍS GOMES

Olá, bem vindos à nossa terceira da maternagem e de quem a exerce, Rússia. Entretanto não é algo a se
edição! nesta edição também daremos voz dizer, menos mal! É criminoso.
aos caminhos da paternagem. Compreendendo que o
Convido você, primeiro, a dedilhar Caminhos esses, que são recheados conhecimento gera modificações
essas folhas com os olhos, mentes e de percalços por conta da gradativamente, de maneira que
coração abertos aos pensamentos e historicidade brasileira, e potencializa pessoas a libertar-se da
sentimentos diversos que os nossos consequentemente da naturalizações
falácia da naturalização, convidamos
autores expressam nessa nova edição e silenciamentos em torno do ser pai.
você a mergulhar nessas páginas
para refletir sobre dois temas De maneira audaciosa, sugerimos
reflexivas, informativas e muito
pertinentes, porém não estáticos ao contemplar a temática “agosto lilás",
respeitosas a todas femininas, pais e
mês de agosto, que são paternidade e ou seja, mês do enfrentamento à
sociedade que enfrentam de maneira
agosto lilás. violência contra a mulher. Com muito
crítica e reflexiva o direito de ser,
É importante ressaltar que não respeito, cuidado e entendendo as
estar e transformar.
desejamos, de forma alguma, nuances que existem, desejamos
relacionar os dois temas como se um proporcionar a você leitor um Ótima leitura!

fosse pressuposto do outro. encontro com alguns pensamentos


Entendemos que o mês de agosto que não podem ser silenciados pelo
Laís Gomes é Psicopedagoga; pesquisadora
possui as duas temáticas que machismo, patriarcado e racismo, sobre questões de gênero, raça e classe.
precisam ser cuidadosamente enraizados na violência que insiste Psicanalista membra do Ato Analítico Escola de
refletidas por aqueles que desejam em ser vista, de maneira, que em Psicanálise. É editora do Belo-ATO e ATO EM
compreender as nuances que muitos casos, a culpa da morte, do EXPRESSÃO.

permeiam o imaginário social desse estupro, da violência é da vítima.


lugar do pai e da violência contra o Estatisticamente, segundo o Alto
feminino, podendo ou não ter Comissariado das Nações Unidas
correlações, de maneira leve e para os Direitos Humanos
singular. (ACNUDH), o Brasil é o 5º país que
Assim, como na edição passada, lidera o ranking de feminicídio no
homenageamos as mães e trouxemos mundo. O nosso país só perde para El
reflexões pertinentes sobre o lugar Salvador, Colômbia, Guatemala e

03 EDITORIAL
DIVÃNEIOS
ÉRICA PAES

Especialista em segurança feminina.


Superintendente do governo do Estado do Rio de Janeiro.
Programa Empoderadas.

Arquivo pessoal @empoderadas.rj

04 ENTREVISTA
@empoderadas.rj
DIVÃNEIOS

1 - Como você começou a perceber que a


questão da violência contra a mulher é
algo que precisa ser trabalhado e discutido
diariamente?

E.P Trabalho com questões envolvendo


violência contra mulher há mais de dez anos e
desde essa época já demonstrava ser uma
temática relevante e de extrema importância
a ser trabalhada, haja vista que essa violência
sempre esteve presente em nossa sociedade
devido a toda cultura do machismo que nos
cerca.

2- Como surgiu a inspiração para o projeto


Empoderadas?

E.P O Programa Empoderadas surgiu do


desenvolvimento do meu trabalho através do
projeto “Eu Sei me Defender” e da
necessidade de, de fato, Empoderarmos
nossas mulheres e meninas estimulando o
combate e a prevenção às violências sofridas
não só através do esporte, mas utilizando
ferramentas multidisciplinares de
acolhimento.

"Acho que o uso deste


termo é de uma completa
ignorância, pois nós
mulheres somos muitas
coisas, menos frágil."
3 - Você já passou por algum tipo de violência onde o fato de ser mulher foi um facilitador?

E.P Só pelo fato de sermos mulheres já estamos suscetíveis a sofrer qualquer tipo de violência, seja ela no ambiente
público, no transporte ou dentro de nossas casas.

4 - O Jiu-Jitsu te ajudou a se defender de violências sofridas enquanto mulher?

E.P Claro, sem dúvidas, o jiu-jitsu e seus ensinamentos vêm sendo um grande aliado no combate à violência contra as
mulheres e suas técnicas estão inclusive inseridas na metodologia aplicada no Empoderadas.

5- O que você acha do termo “sexo frágil”, em relação ao feminino?

E.P O termo sexo frágil vem sendo utilizado para caracterizar as mulheres ao longo da história de maneira pejorativa e
diminutiva, como se as mulheres não fossem capazes de fazer tudo aquilo que estão ao seu alcance. Acho que o uso deste
termo é de uma completa ignorância, pois nós mulheres somos muitas coisas, menos frágil, carregamos uma garra
inigualável para lidar com todas as adversidades.

05 ENTREVISTA
6 - Durante esse tempo no trabalho com
mulheres vítimas de violência, existiu algum
caso que mais te tocou emocionalmente,
embora todos sejam chocantes?

E.P Um dos casos que mais me chocou, foi de uma


vítima que teve o nariz e a orelha arrancado pelo
dente do companheiro em um ataque de fúria, mas
todos os casos me tocam emocionalmente, pois
ainda me choca todas as atrocidades que o homem
é capaz de cometer com as mulheres.

7 - Quando o projeto iniciou, você imaginava


que a demanda de violência contra a mulher
fosse tão grande?

E.P Infelizmente, sim, os números sempre


demonstraram que os índices de violência são altos
e crescentes, mas a prática e a vivência se
demonstraram bem piores.

8 - Na sua opinião, o que pode ser feito para


combater diariamente esse tipo de violência?

E.P Prevenção e informação. Uma mulher bem


informada e com uma rede de apoio e acolhimento
sólida é capaz de combater as violência que estão
suscetíveis na nossa sociedade e principalmente se
prevenir de se tornar uma vítima.

9 - A violência doméstica é mais difícil de ser


combatida pelo fato da vítima ter um vínculo
afetivo com o agressor e muitas vezes nem
mesmo reconhecer que está sendo vítima de
violência, como o projeto tenta manejar esses @empoderadas.rj
casos?

E.P Exatamente! O vínculo afetivo é um grande


fator impeditivo para a quebra do ciclo de violência,
principalmente quando estamos diante de uma
situação de dependência emocional e
relacionamento abusivo. O programa, através das
suas rodas de conversa, busca auxiliar as mulheres
no reconhecimento das suas individualidades e se
desprender do vínculo com seu parceiro.

10 - O que você diria para uma mulher que sofre


violência doméstica e não acredita que é capaz
de mudar essa situação?

E.P Saiba que você não está sozinha, busque se


apoiar naqueles que estão ao seu lado, conheça os
seus direitos e empodere-se.

06 ENTREVISTA
LIVRE ATO
Crônica de Andrea Pinheiro - psicanalista, Mestre e
Doutoranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade.

O Nome do Pai -
Novos tempos, novas
configurações
Dou início a esse texto trazendo uma frase que
considero bem atual, e que costumo usar muito nas
palestras, nas salas de aula e nos debates aos quais tenho
participado. E a quais configurações me refiro? Às
configurações familiares, principalmente quando o
assunto em questão é a ausência do pai, algo que se
inscreve recorrentemente nessa nova cartografia
contemporânea. Lares sem pais, mães em cena.
Temos falado muito sobre as dificuldades dessa nova
geração de crianças e adolescentes, em lidar com os
limites, com as regras, enfim, com a lei. E quando é que
essa lei chega na vida de uma pessoa? Apenas quando
ela se torna adulta? Não. É desde sempre, já nos
primeiros momentos de vida desse bebê que chega ao
mundo e que é mergulhado num banho de linguagem.
Vale dizer, que de uma forma ou de outra não
conseguiríamos pular fora desse barco, porque
justamente a lei se inscreve em nossa vida do início ao
fim, desde o nascimento até a morte.

FONTE: CANVA

A figura do pai, na psicanálise, é nomeada não


como algo meramente biológico, mas como função
paterna, e o psicanalista francês Jacques Lacan
deixa claro que a função do pai no complexo de
Édipo, está muito além de sua conduta ou do papel
que ele desempenha em sua família, se ausentando
com frequência ou ficando em casa enquanto a
mãe sai para trabalhar, o essencial é que o sujeito
entenda a dimensão do Nome-do-Pai, que é um
termo bíblico que Lacan se utiliza para falar de duas
funções importantes na constituição do sujeito: dar
ao filho seu Nome, dando a ele um lugar, e ao
mesmo tempo dizer um Não ao desejo da mãe pela
criança e da criança pela mãe, o que provavelmente
o salvará da alienação, circunscrita pelo gozo da
mãe em ser toda e de ter o filho todo para ela.
Dessa forma, entendemos que o pai é aquele que
porta a lei e não um mero educador que encarna a
lei, mas aquele que se identifica com ela, tornando-
se arbitrário, introduzindo para a criança a norma
fálica.

07 CRÔNICA
FONTE: CANVA
LIVRE ATO

Então, se nas novas configurações familiares, o o pai que “ensina o jogo da vida”, mas que muita
pai quase sempre não está presente e tampouco das vezes está com a sua voz presa pra falar de
faz função, como desalienar essa criança do gozo amor com seu filho, um filho que cresceu e que se
da mãe, que não consegue ao mesmo tempo lembra de estar morrendo de medo nos braços
maternar e castrar? Como se dariam esses novos desse pai que um dia fez segredo, mas que fez
arranjos familiares? Quem circunscreve a lei, o parte do caminho do filho, a seu modo, mas que
não, o interdito? A estrutura familiar de que fala a entretanto o filho acredita que ainda possam ser
psicanálise é a estrutura da mítica edípica, aquela mais do que dois grandes amigos.
que organiza a relação entre a mãe, a criança e a
função paterna.
Trago a vocês para contextualizar nossa
proposta, a emblemática e tão popular música dos
finais dos anos 70 do cantor Fábio Júnior: “Pai”,
que continua sendo poesia cantada para muitos
que, veem nela, essa relação paradoxal e
controversa do pai herói e bandido, do pai que ao
mesmo tempo é lei, mas que também é arbitrário,
FONTE: CANVA

FOTO POR ERIK JENNINGS SIMÕES

08 CRÔNICA
CANVA
ATO EM EXPRESSÃO

09 MÚSICA
FONTE:
FONTE: YOUTUBE - 'RESPEITA' (Ana Cañas)
ATO EM EXPRESSÃO

A violência contra a mulher é algo


Música “Respeita” multidimensional, que afeta os âmbitos físico,
(Ana Cañas) psíquico e social. Quando se trata de atentados
aos corpos femininos, falamos de qualquer
conduta, ação de discriminação, agressão e
coerção, ocasionada pelo simples fato de a
vítima ser mulher.
Você que pensa que pode
A canção de Ana Cañas aborda a violência de
dizer o que quiser gênero e as experiências da própria cantora.
"Respeita" é o nome que a música leva. Esse
Respeita, aí! vocativo se faz necessário para a reivindicação
Eu sou mulher de algo tão óbvio: nossa liberdade de sermos
quem somos.
Quando a palavra desacata,
mata, dói Poucas vezes as mulheres conseguem evocar de
forma clara que sofrem abuso. Muitas vezes,
Fala toda errada que nada elas nem têm a real noção de que sofrem
violência. Esse silenciamento é reforçado pela
constrói sociedade que culpabiliza as mulheres pelos
Constrangimento, em abusos sofridos.

detrimento de todo
discernimento quando ela diz
não
Mas eu tô vendo, eu tô
sabendo, eu tô sacando o
movimento
É covardia no momento
quando ele levanta a mão

Ela vai
Ela vem
Meu corpo, minha lei
Tô por aí, mas não tô a
toa
Respeita, respeita,
respeita as mina, porra!

10 MÚSICA
FONTE: CANVA
ATO EM EXPRESSÃO

Violência por todo mundo


A todo minuto
A proposta de insistir nessa pauta é quebrar
o tabu em torno dela. É urgente sair do Por todas nós
conformismo que naturaliza práticas de
violência contra as mulheres. A sociedade Por essa voz que só quer
ainda carrega uma marca indelével
construída pela cultura patriarcal. paz
A vítima fragilizada, em geral, é ignorada e
Por todo luto nunca é
questionada pelos padrões estabelecidos. demais
Modelo esse que dita que, se é mulher,
precisa se subjugar à normativa instituída Desrespeitada, ignorada,
por uma conduta arbitrária. Estilo de roupa,
modo de comportamento, a obrigatoriedade assediada, explorada
do instinto materno, esses pequenos
detalhes ditam como devemos viver nossa Mutilada, destratada,
feminilidade. Sendo assim, as mulheres
seguem condicionadas ao imperativo
reprimida, explorada
vigente, que fere moralmente, socialmente,
economicamente, além de deslegitimar o
Mas a luz não se apaga
discurso feminino. Digo o que sinto
A música, como manifestação popular e Ninguém me cala
forma de catarse de uma categoria,
manifesta-se como uma voz que insiste em
ser ouvida.
Ela vai
Portanto, o que fica na mensagem da canção
proposta é que se “respeite as mina,
Ela vem
"po@a"!! Não porque ela poderia ser sua Meu corpo, minha lei
mãe, irmã, ou coisa que o valha. O valor que
a mulher tem não está pautado na relação Tô por aí, mas não tô a
que ela estabelece com um homem, mas sim toa
no valor que ela carrega em si mesma.
Respeita, respeita,
respeita as mina, porra!

CAMILA VIEIRA
Camila Vieira é psicanalista membra associada ao Ato
Analítico Escola de Psicanálise, psicóloga clínica,
especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial.

contato: camilavbamartins@gmail.com

11 MÚSICA
VÁRIOS PAIS
POR MARIA BRUNA MOTA

Pai de um
Pai de nenhum
Pai de todos

Pai em movimento
Pai isento
Pai enquanto função

O pai que gera


Pode ser o mesmo que renega

O pai que adota e acolhe


Seu próprio sangue ou não
Este sim coloca seu coração

Na construção da paternidade
Para construir uma identidade

Maria Bruna Mota é editora da Poetiz-ATO e revisora da


revista Virgínia, psicanalista membra associada ao Ato Analítico
Escola de Psicanálise, psicóloga e especialista em Psicanálise:
Clínica com Crianças e Adolescentes.

FOTO DE ALUANDA NABUCO

12 POESIA
ELA SÓ QUERIA...
POR ELAINE RIBEIRO

Ela só queria não ter medos


e poder realizar sonhos e não viver pesadelos.

Ela só queria não sofrer violência física, psicológica, abuso, perseguição,


e poder realizar os desejos do seu coração.

Ela só não queria ser vítima da malícia, da ignorância e da maldade


e poder exercer seu direito de liberdade.

Ela só queria não ser vista como objeto


e poder ser respeitada e cuidada com afeto.

Ela só queria não correr riscos dentro e fora de casa


e ser amada ao invés de manipulada.

Ela só não queria que o amor virasse dor


e ver aquele que se dizia amigo
que parecia ser abrigo
se revelar um inimigo.

Ela só queria não ter que, escondida, chorar


e depois sorrir e disfarçar
para aparentar
que está tudo bem a quem a viu.

Ela queria ser ajudada, protegida


e não ser ainda mais ferida
ao escutar , “ a culpa é sua”, “foi você quem permitiu”.

Hoje ela se veste de lilás


que é a cor da luta contra os roxos
deixados em sua mente e em seu corpo.
E o que ela quer é a liberdade de ser...
Ela só quer viver!

Elaine Ribeiro é poetisa e colaboradora desta edição.

13 POESIA
VARIATOS FONTE: CANVA

O CAMINHO PELO A criança que anseia pelo amor e aceitação de


seu pai também sente o desejo de competir com

INCONSCIENTE: sua mãe pelo amor. Por vezes, essa luta interna e
inconsciente se projeta na sociedade,

TECENDO OS FIOS influenciando nossos


relacionamentos futuros.
comportamentos e

DA FUNÇÃO do
Os laços com a figura paterna emergem no divã
psicanalista como teias entrelaçadas,

PATERNA desdobrando-se em traumas e angústias que


precisam ser elaborados. Ao fornecer ao indivíduo
a oportunidade de conhecer e confrontar a
As profundas raízes da psique estão função paterna internalizada, a análise visa
conectadas à figura paterna no âmago de nossa desvendar os segredos mais profundos do sujeito
existência. O papel inestimável do Pai na inconsciente. Isso leva, às vezes, ao
formação do psiquismo humano ultrapassa a desenvolvimento de relações mais saudáveis com
simples contribuição do indivíduo para a os outros e consigo mesmo.
concepção física. Pai é uma função, uma lei, Nossas percepções sobre o Pai são
emaranhada nas relações emocionais e psíquicas desconstruídas e reconstruídas à medida que
que envolvem nossa vida. avançamos nessa viagem psicanalítica. A função
A função paterna se manifesta não apenas pela paterna vai além da presença física e se estende
figura masculina, mas também pela criação de um aos legados emocionais que nos são transmitidos,
limite, uma estrutura que permite o desenvolvi- influenciando nossa vida adulta com valores,
mento mental saudável. É o emissário primordial crenças e repetições comportamentais.
do "Não", que proporciona o primeiro choque Assim, confrontamos a função paterna em suas
entre o desejo e a realidade. nuances, reconhecendo tanto suas limitações
Nessa proibição, o Pai se torna o dono do falo, quanto suas potencialidades, enquanto buscamos
que bloqueia o desejo impulsivo e fornece a ideia o saber esquecido que outrora se perdeu. Ao
de lei, a ordem necessária para a existência incorporar essas vivências e experiências, temos a
humana. oportunidade de superar os limites que nos
A psicanálise ajuda a compreender nossa impediam de criar, mudar, modificar a maneira
própria identidade por meio das lembranças de que nos posicionamos na vida.
nossas experiências e das angústias que cercam Podemos encontrar a resposta para a questão:
nossa figura paterna. A simbologia do Pai remonta Quem somos? em um encontro harmonioso entre
aos sonhos e ao nosso inconsciente, percorrendo o sujeito e as experiências com a complexa
os corredores obscuros de nossos medos e função paterna que habitam em nós.
desejos ocultos. Ele é frequentemente
interpretado como herói ou vilão, sendo tanto o
objeto de amor e respeito quanto o alvo da raiva Texto de Cole Coleus, psicanalista e colaborador desta
e rebelião - transferência de ódio e amor. edição.
O complexo de Édipo, que nos leva ao dilema
entre amor e rivalidade, incorpora a complexidade
dessa dinâmica paterna.

14 CONTOS
DESAC-ATO
"Em Busca da Carteira Azul" é uma obra
perspicaz sobre educação financeira que
vai além das cifras monetárias

Todas as mulheres deveriam ler essa obra, pois nos ajuda a


entender a nossa relação com o dinheiro e como isso tem a ver
com o psicológico.

A resenha de hoje foi muito cara para mim em vários


sentidos (e sim, estou fazendo um trocadilho). Digo caro no
sentido de elevado, indicando um nível alto de estima e de
respeito por este livro e isso tudo porque eu nunca pensei em
ler algo voltado para investimentos, até torcia o nariz quando
o assunto era esse. Porém, uma das primeiras coisas que eu
aprendi com a obra da Carolina Lins foi que nós, mulheres,
pensamos assim dado ao sistema patriarcal ao qual estamos
submersos, mas que nem por isso devemos aceitar.
Eu também não gosto do capitalismo, mas aceito que estou
dentro disso. Não sou uma negacionista. Aceito, mas não
quer dizer que eu estou alienada, com os olhos fechados para
as doses maléficas que isso traz para a sociedade. E tudo na
vida tem o seu lado bom e ruim, portanto gozo do capitalismo
também. Só não estou cega.
Então, o leitor vai me desculpando se achar que, às vezes,
essa resenha parecerá um pouco com uma descrição aberta
sobre a minha vida. Até acho que Carolina gostaria que fosse
assim mesmo, pois ela propõe - com perspicácia - que é assim
mesmo: humanas com exatas. E a autora está com a razão.
Vou tentar explicar por meios psicanalíticos, já me
autorizando.
O dinheiro vai além da cifra monetária, para a psicanálise.
É muito mais que pix, cartão de crédito e parcelas. Freud dizia
que o dinheiro está ligado à autopreservação e obtenção de
Uma carteira azul porque cansei de ter carteira
poder. Em outras palavras, tem ligação direta com a
sobrevivência, com as relações sociais e fatores sexuais. Ah, vermelha…
mas Tamyris… Freud só falava sobre sexo… Não, não, não é
bem assim. Ele estava alertando que o dinheiro é Um objeto “Em Busca da Carteira Azul” nos tranquiliza ao
pulsional e tem significados diferentes para cada tipo de confirmar que é possível ser uma investidora do nosso
pessoa. O dinheiro vai muito além da relação comercial e eu dinheiro sem precisar ser uma expert no assunto ou deixar
acho que é isso que a Carolina Lins fala com a gente o tempo nas mãos de especialistas sem entender nada do que está
inteiro nesse seu excelente livro. Então foi exatamente assim sendo feito. Claro, isso é óbvio para mim, que isso não
que esse título ganhou o meu coração. exclui a importância de termos um profissional

15 DESAC-ATO
DESAC-ATO
INDICAÇÕES DE LEITURAS

especializado em nossas vidas, mas o que eu quero dizer é que: A mulher que investe é fálica
não precisa deixar o seu dinheiro nas mãos de alguém só
porque você acredita não ser capaz de lidar com isso.
Nós, mulheres, fomos e - ainda somos um pouco - (está Entender uma mulher que investe como mulher fálica está
melhorando) criadas para servir: primeiro aprendemos a servir correto. E eu nem estou discutindo porque o mundo é assim
o marido e depois aos filhos e por último a nós, se sobrar algum (patriarcal), só estou colocando as explicações na mesa. Logo,
espacinho. Fazer relações de investimento com dinheiro é se somos criadas, inversamente, para NÃO pensarmos que
envolver justamente com esse objeto pulsional que Freud podemos ser fálicas. Nascemos (objetivamente) sem o poder
falava. Em outros termos, estar com o poder nas mãos, ou seja, (pênis) e, quando crescemos, desconhecemos o poder da
o falo que nos é castrado desde que descobrimos que não representação disso na sociedade. Graças a nós, estamos
temos o pênis e, depois do complexo de Édipo, uma furando essa bolha social e mostrando que equidade é tudo.
representação desse poder que é o falo. Essa representação Mas, voltando ao livro: Carolina está falando disso o tempo
fálica é o poder que uma determinada pessoa tem na esfera todo: somos capazes. Mas, precisamos descontruir toda essa
social, então quando dizem que aquela mulher é fálica, estão representação de mulher que aprendemos. Acho que o melhor
dizendo que mesmo sendo mulher (sem pênis), ela é forte, é caminho disso é análise ou terapia, o que for te fazer se sentir
poderosa e sugere (agora é crítica minha) que esses atributos melhor.
não são da mulher e sim dos homens e que determinadas Para além disso, Carolina dá os caminhos das pedras, ela
mulheres têm (ou não). simplesmente não chega lá no alto nível da motivação sem te
dizer como fazer e dando exemplos práticos sobre como
começar. Com esse livro eu aprendi que não preciso ser rica
para começar a investir. Eu só preciso ter prioridades.
E aqui vai um desabafo porque sei que muitas mulheres irão se
identificar:
Eu nunca tive uma relação saudável com o meu dinheiro
porque eu sempre vi o meu pai, principal provedor da família,
na minha infância, receber muito bem e gastar muito mais do
que podia em ideias megalomaníacas. Meu pai era o tipo de
cara que se precisasse consertar o carro, compraria toda uma
oficina mecânica ou se precisasse fazer uma pequena obra em
casa, compraria todas as ferramentas para construir uma casa
nova com mais andares (NÃO ESTOU AUMENTANDO). Isso
tudo sem planejamento. Sempre terminava endividado e dava a
falsa impressão, para mim, de que ele era muito mais
endinheirado do que realmente era (TODO PODEROSO,
FÁLICO). Eu aprendi que poder é isso.
Eu saí da faculdade com o pensamento de: ter o meu
próprio dinheiro para nunca depender de homem nenhum e ser
independente tal como a minha mãe nunca teve a chance de
ser. Meus pais já estão mortos. Eu sempre batalhei e trabalhei
muito para ter o meu dinheiro (poder), sempre tive mais de um
emprego ao mesmo tempo. Ganhava muito dinheiro e, com
análise, descobri que ia pelo mesmo ralo que meu pai jogava
fora o dele (foi assim que eu aprendi). Carolina Lins nos mostra
que o exemplo arrasta, em “Em Busca da Carteira Azul” e no
meu caso, arrastou para dívidas porque tive um mau exemplo
em casa. Na minha cabeça: ter poder é gastar.

ARQUIVO PESSOAL

16 INDICAÇÃO DE LEITURA
DESAC-ATO
INDICAÇÕES DE LEITURAS

FICHA TÉCNICA
Em Busca da Carteira Azul
Autora: Carolina Lins
Editora: independente | ano 2022
Gênero: não ficção, dinheiro, economia, educação financeira
Páginas: 92

Texto publicado originalmente


em:https://ojornal.substack.com/p/em-busca-da-carteira-azul-
e-uma-obra

A autora estará presente na Bienal do Rio de Janeiro:

02/09
18H - 20H
ESTANDE ESCREVA, GAROTA!
Pavilhão 4 - Estande Q34

Tamyris Torres é editora-chefe e jornalista responsável da revista


Virgínia, diagramadora e editora da Livre-ATO. Jornalista, pós-
graduada em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte, escritora,
romancista e psicanalista membra associada ao Ato Analítico
ARQUIVO PESSOAL Escola de Psicanálise.

Para completar, num antigo relacionamento, fui violentada


psicologicamente e levada a acreditar que por eu odiar
matemática, era um zero à esquerda no assunto de dinheiro e
por isso estava sempre enrolada. Não tive apoio e nem
buscaram me entender, apenas criticar e me fazer sentir
culpada. Não é à toa que não estou mais nesse relacionamento,
eu aprendi que eu erro como qualquer ser humano. Somos
falhos, mas isso não significa que não podemos nos reerguer e
começar de novo e melhor.
A obra da Carolina Lins me ensinou que eu não preciso
querer pouco de mim. Posso ser investidora e não só trabalhar
para garantir o mês. Isso é incrível. Eu que estou cuidando da
minha mente para aprender a não errar de novo com o meu
dinheiro, ler isso é como se o meu poder fálico estivesse
voltando às minhas mãos: todas nós podemos. Eu sei que se
identificou, salvo as diferenças das vidas que são subjetivas, as
mulheres sabem do que eu estou dizendo. Eu só posso
agradecer à Carolina por esse livro e porque ela teve coragem
de escrevê-lo e trazer para nós. Muito obrigada por furar a
bolha também e por ter se especializado em educação
financeira. O seu bom exemplo arrasta!
Eu espero mesmo que todas leiam essa obra de arte.

17 INDICAÇÃO DE LEITURA
18 INSCRIÇÃO DE CARTÉIS
19 CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO
FONTE: CANVA

Miscelâneas
DE TUDO UM POUCO

Carta para uma aproximam dentro desse sistema que prioriza o


mulher* homem.
E hoje, escrevo essa carta a você, com muito
cuidado, respeito e sensibilidade de entender que
Olá minha querida,
falar sobre violência não é fácil, ainda mais quando se
Espero que você esteja bem! Sei que os tempos não
trata de relacionamento familiar, amoroso, entre
estão fácies para ninguém, principalmente para nós
amigos, no trabalho. Todos doem, constroem marcas,
mulheres, que somos N coisas ao mesmo tempo, que
visíveis e invisíveis, destroem sonhos e nos paralisam.
chega a ser cansativo. Sabe, há muitos conselhos em
Hoje escutamos a palavra feminicídio, para explicar os
diversos espaços que nós direciona a suportar e a superar
assassinatos cometidos de homens contra inúmeras
as situações do dia a dia sendo forte, consciente sobre
femininas. Escutamos falar sobre a Lei Maria da
nós e mundo, mas, como diz minha amiga Joice Beth em
Penha, como um ato de proteção e denuncia na
seu livro O que é empoderamento, “não é possível formar
violência doméstica. Vemos os casos se multiplicarem
um pensamento crítico completo, em qualquer área do
e a forma que é colocado nas mídias contribui, em
conhecimento, negando os apagamentos e exclusões
alguns momentos, para reforçar o silenciamento,
fomentadas ao longo da nossa história”, ou seja,
medo e indiferença. Apesar disso tudo, desejo que
precisamos falar do que é ser mulher e todas as opressões
você através dessa escrita entenda que existe espaços
e situações que nós diferenciam e nos

20 MISCELÂNEAS
Miscelâneas
que acolhem, ensinam e transcendem o olhar da dor, É sempre bom trazer novidades a você e te mostrar que
oferecendo a nós caminhos possíveis para além culpa. podemos olhar a vida de outra forma a pesar das
Falo de culpa, minha querida, porque por séculos somos complexidades que existe. Vou finalizar nossa conversa,
educadas a sermos responsáveis pelas ações dos homens. dizendo a você: não silencie a sua voz, escreva seus
Pensemos em coisas básicas do dia a dia, como por poemas, cartas, sua história, potencialize os seus
exemplo: Se o nosso companheiro nos trai, a desculpa é pensamentos, pois eu acredito na força que nos uni, na
“ele foi fraco, homem é assim mês mesmo, nós que temos chamada do amor. bell hoocks, diz assim: “No momento em
que ficar de olho” e a mulher que ele cometeu o ato é que escolhemos amar, começamos a nos mover contra a
tratada com ações e palavras ofensivas e nós somos dominação, contra a opressão. No momento em que
culpadas pela decisão dele, tendo as desculpas mais escolhemos amar, começamos a nos mover em direção à
insanas para explicar o porquê desse homem ter feito a liberdade, a agir de formas que libertam a nós e aos
escolha de trair. No final, as mulheres são sempre culpadas outros.”
pelos atos que eles comentem, isso ocorre pela nossa Por isso escrevi a você, para que o movimento de nos
educação social pautada no sistema machista[...] mulheres e sobretudo mulheres negras ecoe os quatro
Ainda bem, minha amiga, que existem espaços que cantos desse Brasil, enfrentando a violência, confrontando
possibilitam furar a bolha que estamos inseridas. Um o machismo e amando a nós e aos outros com respeito e
desses espaço é o Empoderadas, que se localiza aqui no dignidade. Até breve!
Rio de Janeiro, com vários polos de acolhimento e
ensinamento. Nesse espaço somos apresentadas a Laís Gomes - *Fragmento do Texto Integral no livro
mulheres incríveis, como a Érica Paes, que é a idealizadora Escrevivências da equipe de pesquisa Empoderadas na UERJ:
do projeto, a Tia Jô que é uma mulher em crescimento e https://www.afrodiasporas-uerj.net/about-5
transformação, sobrevivente de inúmeras violências desde
a infância.
Deixo claro, que homens precisam estar nesse
movimento também, quebrando a lógica do machismo para
atingir a outros homens, ouvindo as mulheres, deixando
ser confrontados com seus privilégios e construções. Não
é ser contra o homem e sim contra o machismo! [...]

FOTO DE: IRIS CRUZ

21 MISCELÂNEAS
EDITORIA GERAL
ARQUIVO PESSOAL

MARIA BRUNA MOTA E SEU PAI


(in memorian)
ARQUIVO PESSOAL

ARQUIVO PESSOAL

LAÍS GOMES E SEU PAI

.
TAMYRIS TORRES E SEU PAI
(in memorian)
22 GRÁFIC-ATO
DICAS DE FILMES

Ficha técnica
Título Original: Aftersun
Duração: 102 minutos
Ano produção: 2021
Estreia: 01 de dezembro de 2022
Dirigido por: Charlotte Wells
Classificação: 14 anos
Gênero: Comédia, Drama
Países de Origem: EUA, Reino Unido
REPRODUÇÃO DE CAPA

SINOPSE
O filme conta a história de Calum e Sophie, pai e filha que estão de férias na Turquia por alguns dias e tentam
aproveitar ao máximo essa experiência. Sophie reflete sobre os momentos que vivenciou com seu pai 20 anos antes,
quando ela tinha 11 anos, uma fase em que já iniciava a passagem da infância para a adolescência. Memórias reais e
imaginárias preenchem a narrativa enquanto ela tenta se conectar com um pai que conheceu e com o homem que
desconhecia.

"Aftersun" é um filme que explora a relação de pai e filha de forma realista e delicada. À medida que o enredo está
sendo contado, presenciamos pelas lentes das "memórias" de Sophie as experiências triviais vivenciadas pelos
protagonistas. Vale ressaltar, que a filha mora com a mãe, mas mantém contato profícuo com o pai. Durante as férias,
o pai dedicado tenta proporcionar momentos especiais para o registro da filha. Brincadeiras, jogos na piscina e até
conversas sobre o primeiro beijo fazem parte dessa interação rotineira. A comunicação aberta, a compreensão mútua
para superar diferenças e obstáculos aparecem em boa parte do filme.

23 FILMES
DICAS DE FILMES

Embora o clima seja de descanso e diversão, percebemos entre um momento e outro uma atmosfera melancólica. Há
algo que escapa na relação dos dois. Ao mesmo tempo em que esse pai demonstra amor e cuidado, em alguns
momentos ele age de maneira relapsa e descontente. Ao que parece, a filha percebe essas faltas, mas de alguma forma
demonstra complacência.

Enquanto o filme segue, acompanhamos as histórias individuais de cada um. Vemos uma pré-adolescente na
construção da sua identidade e um pai com as dores e problemáticas da vida adulta. Além disso, Calum parece vez ou
outra esconder de sua filha uma angústia que transcende questões da maturidade.

Nas recordações de Sophie que amarram o filme, há poucos momentos da vida adulta. A temática memorável do
drama se baseia no episódio das férias. Deixando ao espectador um enigma de onde esse pai está no momento
presente. De outro modo, fica a sensação de algo incerto e inacabado, assim como qualquer fragmento mnêmico das
experiências que vivemos.

As relações parentais ocupam um lugar importante no desenvolvimento psíquico e social das crianças. A fantasia do
pai herói e perfeito transita no imaginário coletivo. No entanto, a relação pai-filha pôde ser retratada no filme com uma
abordagem sensível e reflexiva, mostrando que não existe um padrão único de paternidade ou relacionamento ideal,
mas sim uma jornada de aprendizado e conexão emocional.

Nesse sentido, o longa quebra o estereótipo do pai ideal. Por outro lado, ele também quebra a ideia de uma pessoa
tirana e intimidadora. O pai de "Aftersun", se apresenta como um pai comum, vulnerável e cheio de falhas. Com suas
imperfeições, permite que um filho também seja imperfeito. E é nessa realidade que se encontra toda a beleza de uma
relação rica em possibilidades.

Camila Vieira é psicanalista


membra associada ao Ato Analítico
Escola de Psicanálise, psicóloga
clínica, especialista em Saúde
Mental e Atenção Psicossocial.

contato:
camilavbamartins@gmail.com

REPRODUÇÃO DE CAPA

24 FILMES
UM TEXTO DE DANIELA TEPERMAN
PESQUISA DE ALUANDA NABUCO

Pais e filhos.
Ouvi uma vez e nunca esquecerei.
O que os liga na natureza?
Um instante de tesão cego.
Ian McEwan, Enclausurado, 2016.

UM LAÇO CHAMADO DESEJO


Pais e filhos. O que os liga à natureza? Seres de Há uma frase da pediatra e psicanalista Françoise
linguagem que somos, nada nos liga à natureza. O que Dolto que se tornou célebre e que intitula o
liga, faz laço, depende da presença desejante do Outro documentário; que entrelaça sua vida e obra: "Você
– necessária, mas também contingente –, depende do escolheu nascer!". Além de célebre, tal frase revelou-se
acaso dos encontros, como tão precisamente assinalou também bastante controversa. No entanto, quando
Garcia-Roza ao circunscrever o terreno pulsional ao aplicada à potência da casualidade dos encontros,
qual se espera que o bebê seja introduzido. concede a esse "instante de tesão cego", conforme as
palavras de Ian McEwan que abrem este texto, uma
É a partir da linguagem que o bebê humano pode vir a potência de engendramento, que pode ser necessária -
ser um sujeito falante e desejante, tendo contado com e muitas vezes crucial para a ficção que cada um arma
um Outro pelo qual se deixou capturar nos campos para si acerca do desejo que esteve nas origens.
pulsional e especular. Em sua loucura necessária, nas
palavras de Winnicott, ou de posse de uma ilusão Um desejo que esteve nas origens não deve se
antecipatória, como diria Freud, o agente da função confundir com um sujeito que já estava lá. O que nos
materna ao que comumente referimos como mãe - permite interrogar as teorias sobre o psiquismo pré-
deseja e antecipa as produções de seu bebê sem natal, ainda que não deixemos de nos deslumbrar com
nenhuma garantia do vir a ser deste, mas quase sempre as pesquisas com imagens ultrassonográficas de bebês,
sem se perguntar se ele seria capaz de entender as que apontam para algo da ordem de uma continuidade
palavras que lhe dirige, tomando-o como interlocutor, da experiência pré-natal para a experiência pós-natal.
introduzindo condutas de espera, ritmos (fome e “Deslumbramento", aqui, não aparece casualmente,
saciedade, sono e vigília) e aguardando suas mas com o propósito de alertar para um possível
manifestações (corporais e vocais) para seguir a excesso ao se trazer à luz o que se esconde in útero.
conversa. E bem sabemos como os bebês são capazes
de performar diante do olhar surpreso, desejante e Deslumbramento é também o que se espera que
jubiloso de seu cuidador! ocorra no encontro com "His Majesty The Baby":

25 ATO EM DIÁLOGO
ATO EM DIÁLOGO
embaçamento da vista que permite olhar e sustentar o que
ainda não está lá, mas já se apresenta como potência. E que,
não obstante, deve ceder: quando o Outro do bebê
interrompe a brincadeira, reconhecendo ali um excesso de
excitação, por exemplo. Oportunidade imperdível para mais
uma vez destacarmos que o sexual é incontornável na
família: presente nos adultos sexuados que se ocupam das
funções parentais, nos cuidados dirigidos ao bebê e na
sexualidade infantil. Oportunidade também para
apontarmos que, ainda que sob o olhar embaçado do
deslumbramento, a separação está já à espreita, seja pela
castração operante no agente materno (chega de
excitação!), seja pela sua alternância em presença e ausência
(instituindo as condutas de espera e os primeiros ritmos que
se instalam no corpo do bebê), seja ainda pela via do brincar.

Esse bebê da natureza e da necessidade, não chegamos a


conhecê-lo! A primeira experiência de satisfação descrita
por Freud, a entendemos como mítica, já que não dispomos
de meios para identificar e registrar esse momento preciso -
a passagem do âmbito da necessidade para o âmbito do
desejo - e localizar o bebê como puro organismo. Nas
palavras de Soler:

"Entretanto, a psicanálise não tem acesso ao organismo de


forma direta. Isso somente é dado a ela através das
transformações que se dão no que chamamos corpo [...] O
corpo é o organismo mais transformado, de tal forma
transformado que perdeu sua bússola instintiva que guia as
espécies animais."

O bebê com o qual nos encontramos, mesmo nos primeiros


momentos de vida, quando tudo vai bem, está já recoberto
pelos significantes recortados pelo Outro na linguagem para
nomeá-lo - outro modo de dizer que um bebê nasce quando
começa a ser falado pelo Outro. Como provocou Winnicott,
numa frase que também se tornou célebre: "não existe essa
coisa chamada o bebê". E então, se tudo é linguagem, o que
FONTE: CANVA já estava lá?

26 ATO EM DIÁLOGO
Confira a nossa agenda de atividades e se prepare para participar!

SEMINÁRIO DE FORMAÇÃO BÁSICA


Coordenação: Jorge Pragana Jr
Segundas-feiras encontros semanais
Psicanalista, filósofo e diretor do Ato Analítico Escola de
Às 20hs Psicanálise; Mestrando em Educação, Cultura e Comunicação
em Periferias pela UERJ; Especialista em Psicologia da
14/08; 21/08; 28/08; 04/09; 11/09; 18/09; 25/09; Educação.
02/10; 09/10; 16/10; 23/10; 30/10; 06/11; 13/11; Convidado: Arthur Engel
27/11 Psicanalista; Membro Associado ao Ato Analítico Escola de
Psicanálise; Especialista em Psicanálise e Laço Social pela
UFF; Graduado em Psicologia pela UFF.

SEMINÁRIO: O TRABALHO NO CARTEL


Terças-feiras encontros quinzenais
Às 17hs Coordenação: Tamyris Torres
Psicanalista; Coordenadora de Cartéis e Membra
08/08; 22/08; 05/09; 19/09; 03/10; 17/10; 31/10; Associada ao Ato Analítico Escola de Psicanálise;
14/11; 28/11 Jornalista, Escritora, Contista, Cronista e Romancista.

GRUPO DE LEITURA: O ENSINO DE FRANÇOISE DOLTO

Terças-feiras encontros quinzenais Coordenação: Maria Bruna Mota


Às 17hs Psicanalista; Membra Associada ao Ato Analítico
Escola de Psicanálise; Especialista em Psicanálise:
15/08; 29/08; 12/09; 26/09; 10/10; 24/10; 07/11; Clínica com Crianças e Adolescentes pela PUC MG.
21/11

27 AGENDA
Confira a nossa agenda de atividades e se prepare para participar!

OFICINA DE LEITURA: NEUROSE, PSICOSE E PERVERSÃO

Quartas-feiras encontros semanais Coordenação: Edilaine Cordeiro


Às 17hs Psicanalista; Membra Associada ao Ato Analítico
Escola de Psicanálise; Especialista em Psicanálise
09/08; 16/08; 23/08; 30/08; 06/09; 13/09; 20/09; Clinica e Cultura pelo Centro Universitário Celso
27/09; 04/10; 11/10; 18/10; 25/10; 01/11; 08/11; Lisboa; Especialista em Psicopedagogia Clínica e
22/11; 29/09 Institucional.

SEMINÁRIO: A ESTRUTURA CLÍNICA PSICOSE


Quintas-feiras encontros quinzenais Coordenação: Dercirier Freire
Às 17hs Psicanalista, criminóloga e colaboradora convidada do
Ato Analítico Escola de Psicanálise; Doutora em
10/08; 24/08; 21/09; 05/10; 19/10; 16/11; 30/11 Psicanálise pela UERJ; Mestre em Psicanálise, Saúde e
Sociedade pela UVA; Especialista em Teoria
Psicanalítica e Prática Clínico-Institucional pela UVA.

OFICINA DE MEMBROS E PARTICIPANTES EFETIVOS


Coordenação: Rodrigo Macedo
Quintas-feiras encontros quinzenais
Psicanalista, Membro Associado ao Ato Analítico
Às 19hs
Escola de Psicanálise; Pós-graduando em Teoria
Psicanalítica Freud-Lacaniana pela Universidade Santa
17/08; 31/08; 14/09; 28/09; 26/10; 09/11; 23/11
Úrsula; Graduado em Psicologia.

28 AGENDA
C A R T É I S E M
F U N C I O N A M E N T O FASHION

ECO
Constituição: 27/09/2022
Mariana Guimarães (+1)
Auriadnes Machareth
Bruno Alencar
Tamyris Torres
Francy Kelly Carvalho

FONTE: CANVA

Contato Coord. Cartéis:


Tamyris Torres
carteis.atoanalitico@gmail.com
29 CARTEL EM FUNCIONAMENTO
FONTE: CANVA
É editora da Divãneios e Ato em Diálogo, psicanalista
membra associada ao Ato Analítico, psicóloga clínica,
especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial.

É diagramador e revisor da revista Virgínia, psicanalista


membro associado ao Ato Analítico Escola de Psicanálise,
psicólogo clínico e membro do Laboratório de Psicanálise,
Clínica e Estudos Interculturais - (ECLIPsi/UFAL).

É editora da Ato de Expressão e Belo-ATO. Psicanalista


membra associada ao Ato Analítico Escola de Psicanálise,
psicóloga clínica, especialista em Saúde Mental e Atenção
Psicossocial. I irgínia

É editor de Variedade em Ato e Variatos. Psicanalista e


diretor do Ato Analítico Escola de Psicanálise, mestrando
em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas
- UERJ e especialista em Psicologia da Educação.
Psicopedagoga; pesquisadora sobre questões de gênero,
raça e classe. Psicanalista membra do Ato analítico. É
editora do Belo-ATO e ATO EM EXPRESSÃO.

É editora da Poetiz-ATO e revisora da revista Virgínia,


psicanalista membra associada ao Ato Analítico Escola de
Psicanálise, psicóloga e especialista em Psicanálise: Clínica
com Crianças e Adolescentes.

É editora-chefe e jornalista responsável da revista Virgínia,


diagramadora e editora da Livre-ATO. Jornalista, pós-
graduada em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte,
escritora, romancista e psicanalista membra associada ao
Ato Analítico Escola de Psicanálise.
I irgínia
I irgínia

Nº 3 | AGOSTO 2023 | ANO 1

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