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© JAIME ROTSTEIN, 1996

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Rotstein, Jaime 2016 -

Petróleo: a crise dos anos 80 - Rio de Janeiro: Digitaliza


Brasil.

eISBN: 978-85-9486-063-7

DIGITALIZA
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

1. A Crise Energética e sua Problemática nos Países


Latino-Americanos
2. A Explosão do Álcool no Brasil
3. A Escultura e o Bloco de Pedra
4. O Olimpo Burocrático
5. A Bússola Nuclear Brasileira
6. O Desafio da Paquidermia
7. Holocausto Petrolífero
8. A Política Externa do Brasil e a Bomba P
9. A Crise dos Estados Unidos com o Irã
10. Lei Seca no Brasil
11. A Petrobras e o Álcool
12. Petróleo — Plano de Emergência: Introdução
13. Petróleo — Plano de Emergência: O Estancamento
de 50% da Importação
14.Petróleo — Plano de Emergência: O Estancamento
Total da Importação
15. O Bloqueio Econômico ao Brasil
16. O Discurso do Presidente
17. Governar com Imaginação
18. O Enfoque Correto do Uso do Álcool
19. Xeques do Álcool
20. O Carvão Brasileiro
21. O Dilema Consciência e Conveniência
22. Vacilações e Convencionalismo diante da Crise do
Petróleo
23. O Descontrole Energético Brasileiro
24. Álcool Substituindo o óleo Diesel
25. Reavaliando a Situação Energética
26. Álcool: Uma Agenda para o Presente
27. As Alternativas para o Petróleo e sua Prioridade
Econômica
28. Conceito de Prioridade - Macro e Microprioridade
29. Prioridades OGvernamentais: Agricultura, Inflação
e Energia
30. A Interação das Prioridades e a Metodologia de
Ataque: Aspectos Estratégicos e Táticos
31. O Canibalismo Energético
32. Energia e Política
33. Bomba-Relógio nas Mãos da Nação
34. Aumentos Diretos e Indiretos do Custo do Petróleo
35. O Ouro Sul-Africano e o Petróleo Importado
36. Entre o Reino do Céu e as Agruras da Terra
37. Automóvel — Mito a Ser Controlado
38. A Psicologia das Hienas
39. O Brasil e o Racionamento de Gasolina
40. Agir corno se Estivéssemos em Guerra
41. A Crise Energética Mundial e a Realidade Atual
42. A Participação Estrangeira na Substituição do
Petróleo Importado
43. Os Destinos do Brasil diante da Crise no Golfo
Pérsico
Epílogo
APRESENTAÇÃO
O presente livro nasceu da necessidade. Explicando
melhor: após ter escrito Álcool: Uma Agenda para o
Presente , que operou uma espécie de conscientização
da sociedade brasileira em face do problema
representado pela dependência do petróleo importado,
tudo levava a crer que seriam implementadas soluções
racionais, em ritmo acelerado.
Caso as previsões otimistas do autor, com referência
às reações da comunidade em geral e do Governo em
particular, estivessem corretas, a situação energética do
País, nos dias de hoje, seria menos sombria. Infelizmente,
esse otimismo em relação à conscientização do povo e
do Governo, no tocante ao desafio energético proposto à
Nação, não teve correspondência senão no otimismo do
Governo quanto à possibilidade de enfrentar a crise, sem
medidas que envolvessem critérios de MOBILIZAÇÃO
NACIONAL, conforme o ESTADO DE GUERRA decorrente
da dependência total do País ao petróleo importado.
Quando o autor se refere a estado de guerra, ditado
pela dependência total do País ao petróleo importado, o
faz na convicção de que o nível de envolvimento da
economia brasileira com os derivados de petróleo é de
tal ordem que um estancamento, parcial ou total, do
petróleo importado representaria o caos social,
econômico e político. Julga, portanto, que não há solução
válida, a não ser a de mobilizar os recursos internos, a
curtíssimo prazo, com a finalidade de oferecer resposta
adequada ao fatalismo geológico que antecipa de
decênios a necessidade de desenvolver alternativas para
o petróleo em contraste com outros países possuidores
de grandes jazidas do disputado combustível.
Dado que o Brasil na atual conjuntura, luta com
consideráveis desvantagens, cumpre aproveitar a
contrapartida que a natureza lhe ofereceu,
transformando as condições de País tropical em
vantagem estratégico-econômica, na medida em que o
seu território e um Mar do Norte vegetal . Fazê-lo
compreender isso e utilizar corretamente tamanha
riqueza é objetivo ao qual o autor vem se dedicando com
pertinácia. Principalmente após vencida a primeira etapa,
de conscientização quanto à gravidade da conjuntura
energética do País, de combate ao ufanismo em relação
a soluções inexpressivas, desvinculadas — na forma e no
conteúdo — da dimensão do problema em pauta.
A batalha se desenvolve em diferentes fronts : o da
conscien-tização das elites brasileiras diante das
dificuldades crescentes que o País enfrenta e enfrentará,
enquanto não tenha definições claras e racionais para a
situação em que se encontra; o da remoção dos
obstáculos gerados pela tecnoburocracia, que pretende
transformar vacilações e erros sistemáticos de avaliação
em componentes de um processo normal e elogiável; o
do esclarecimento quanto às reais prioridades da Nação,
de modo a permitir a alocação correta de esforços e
recursos, com o objetivo de salvar o presente do País,
sob o comando da maioria do povo brasileiro, a maior
vítima das circunstâncias e, portanto, presa fácil da
exploração dos erros que se estão cometendo, por
ignorância ou por falta de espírito de decisão.
Os capítulos do presente volume reproduzem, sem
qualquer alteração de fundo, uma série de trabalhos
divulgados pela Imprensa ou através de conferências no
período de abril a setembro de 1979, anteriormente à
configuração, na prática, de numerosas sugestões neles
oferecidas, ou à concretização de fatos previstos pelo
autor.
1

A CRISE ENERGÉTICA E SUA PROBLEMÁTICA


NOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS

Hoje, o planeta Terra se confronta com um grave


problema. É que o desenvolvimento social e econômico
se apoiou, particularmente na segunda década do século
XX, num recurso energético não-renovável e em fase de
esgotamento: o petróleo. Pouco a pouco, e
completamente fora de hora, tanto os povos ricos como
os pobres começaram a se aperceber de que a sociedade
de consumo, montada conforme o modelo vigente no
mundo ocidental, tinha um dos pés do tripé em que se
apoiava completamente dominado pela gangrena.
Seria supérfluo reproduzir aqui o quadro conhecido no
tocante às previsões de consumo e produção de petróleo,
com todos os seus reflexos sobre as economias dos
países carentes dessa matéria-prima e, por estranho que
pareça, mesmo sobre as economias de muitos dos países
grandes produtores dela.
Acredito que hoje se poderia dividir as nações do
mundo ocidental conforme a seguinte metodologia: I —
Nações desenvolvidas produtoras de petróleo; II —
Nações desenvolvidas carentes de petróleo; III — Nações
subdesenvolvidas produtoras de petróleo; IV — Nações
subdesenvolvidas carentes de petróleo.
As nações desenvolvidas produtoras de petróleo
possuem invejável elenco de alternativas à sua
disposição. Donas de reservas que lhes garantem o
tempo necessário para as pesquisas e utilização de
alternativas sofisticadas — graças a um capital intangível
básico: o conhecimento — podem "destilar" em
experiências de laboratório e em escala 1:1 todo o
exame do complexo de soluções possíveis, inclusive a
própria biomassa. Já as nações desenvolvidas carentes
de petróleo não têm muito tempo para equacionar as
suas soluções, restando-lhes, como imposição, encontrar
alternativas a curtíssimo prazo, inclusive mediante o
comprometimento das nações desenvolvidas e
subdesenvolvidas, produtoras de petróleo, em complexos
interesses geopolíticos e econômicos que lhes assegurem
o combustível indispensável à substituição do ouro negro
nesta era de transição.
As nações subdesenvolvidas produtoras de petróleo
enfrentam problemas de difícil solução. As peculiaridades
sociais e políticas de sua situação, lado a lado com um
súbito enriquecimento, tendem a configurar um coquetel
altamente explosivo, tornando-as produtoras de petróleo
e acumuladoras de sucata — nascida esta de
importações indiscriminadas que, antes de serem
soluções, repre-sentam problemas. Tal conjuntura
merece exame atento, porque a ânsia de bons negócios
a curto prazo pode acarretar uma ruptura geopolítica no
mundo ocidental, como foi o caso recente do Irã, com
todos os seus reflexos sociais, políticos e econômicos.
Se hoje fosse possível raciocinar segundo o conceito
das utopias inviáveis , não há dúvida de que
determinadas soluções se impõem, permitindo encontrar
a golden middle line capaz de levar a raça humana a
atravessar a crise em que está imersa. O problema
energético seria encarado a nível mundial, com a
otimização dos diferentes recursos, tanto os já em
exploração como os que lhes viessem a ser agregados,
numa Matriz Energética Mundial. É claro que, se tal
comportamento fosse adotado, as nações
subdesenvolvidas carentes de petróleo estariam
automaticamente assistidas para a solução de seus
problemas energéticos.
Com exceção de algumas nações produtoras de
petróleo, particularmente o México e a Venezuela, a
América Latina é um subcontinente afogado em
problemas energéticos, com o que se agravam seus
problemas sociais, políticos e econômicos. Cada pequeno
sismo nos preços do petróleo representa, para essas
nações, vasto terremoto. Diferentes alternativas estão
sendo procuradas.
Especificamente, seria possível dividir em dois
grandes campos as soluções a que hoje se entregam as
nações da América Latina, mesmo aquelas produtoras de
petróleo. O primeiro é o da utilização de técnicas
convencionais já dominadas pelo homem, tais como as
fontes de produção de energia elétrica com base nos
recursos hídricos e nos recursos minerais, principalmente
o carvão e o urânio, este último ainda sujeito a dúvidas e
discussões de toda a ordem. O segundo campo seria o da
utilização de modelos importados em aprimoramento,
tais como o da gaseificação e liquefação do carvão, a
energia eólica, o aproveitamento direto da energia solar
e outros, sempre tangenciando o problema da validade e
disponibilidade econômica dessas soluções,
desenvolvidas nos países ricos.
No caso da América Latina, em virtude de sua
geografia e do preço barato do petróleo no passado, hoje
o transporte se apoia numa rede rodoviária que — no
caso brasileiro — é responsável por mais de 80% do
transporte de cargas e de passageiros. Tal situação, se
pode ser atenuada, não pode libertar-se de seus pontos
obrigados, pelo menos até que se consiga inverter os
condicionamentos do Modelo de Transportes. É por isso
que o Modelo de Transportes condiciona paradoxalmente
o Modelo Energético. Ante a impossibilidade de substituir
as rodovias, a curto prazo, por outros meios de
transporte, resta encontrar, se possível, substitutos para
os combustíveis derivados do petróleo
Pela primeira vez funcionam a favor da América Latina
— e particularmente do Brasil — desvantagens históricas
há muito conhecidas: baixo consumo de petróleo, se
comparado ao de nações ricas de área geográfica e
população semelhante; vastas regiões de terras ainda
inaproveitadas, a serem utilizadas pela agricultura,
evitando o conflito de cultivos; disponibilidade de mão-
de-obra, exigindo soluções de alto investimento desta, e
não apenas de capital. Ao lado disso, há grande
disponibilidade de água capaz de ser utilizada na
agricultura, bem como condições favoráveis de
luminosidade e de clima em vastas regiões — condições
ideais para a realização de "plantações energéticas" e a
obtenção final de "sol líquido".
A experiência brasileira, em particular, é importante
como ensaio do modelo que a América Latina e outros
países de condições ecológicas favoráveis terão de
utilizar dentro de algumas dezenas de anos. A
fotobiossíntese, com a utilização da cana-de-açúcar, tem
uma aplicação velha de séculos, inclusive para a
produção do álcool. Hoje o País já produz mais de três
bilhões de litros ainda sem ter feito um esforço especial
quanto ao álcool combustível, voltado mais para a
neutralização dos efeitos da crise mundial do açúcar,
com a produção de álcool anidro para mistura à gasolina.
Até 20%, tal mistura não exige adaptação especial dos
motores.
Hoje, porém, o desafio da agressão econômica
externa representada pelos preços do petróleo mobiliza
as opiniões do Pais, dirigindo-se as reivindicações para os
seguintes setores: utilização do álcool hidratado a 100%
nos motores a gasolina, que para isso deverão sofrer
pequena adaptação; utilização de álcool hidratado nos
motores diesel, em porcentagens diversas, desde a
mistura até 10% com óleo diesel, até o uso da dupla
alimentação, podendo atingir mais de 40%; produção de
motores destinados ao consumo apenas de álcool
hidratado, hoje já sendo desenvolvidos no Brasil, mas
carentes de terem o seu projeto acelerado,
principalmente no que diz respeito aos motores para a
utilização em veículos pesados; produção de turbinas
capazes de permitir a substituição de usinas
termoelétricas, à base de derivados de petróleo, por
usinas álcool-elétricas.
2

A EXPLOSÃO DO ÁLCOOL NO BRASIL

O provável esgotamento do petróleo como fonte de


energia em torno do ano 2000 e sua localização em
áreas políticas instáveis são componentes de um binômio
que atormenta a humanidade, independentemente dos
sismos causados pelas variações progressivas nos custos
de um produto hoje fundamental para a sobrevivência do
mundo ocidental.
Dentro desse quadro o Brasil pode-se tornar uma das
exceções, apesar do alto preço que vem pagando em
face do elevado custo do petróleo e da reciclagem dos
petrodólares, com suas repercussões indiretas menos
ostensivas. Faz séculos, o subcontinente brasileiro
desenvolveu vasta potencialidade de produção de cana-
de-açúcar, fabricando pequenas quantidades de álcool e
grandes volumes de açúcar. Sobrevinda a crise do
açúcar, ora em curso, o País se viu às voltas com um
dilema: afogar-se em açúcar ou encontrar para a cana
produzida uma utilização capaz de evitar grave crise
social e econômica interna.
Foi assim que se iniciou o chamado Proálcool, apoiado
em destilarias anexas às usinas de açúcar, produzindo
hoje mais de três milhões de litros de álcool etílico. A
ideia inicial era misturar o álcool até 20% com a gasolina,
dando destino ao álcool produzido e contornando a crise
do açúcar no mercado internacional. Ocorre que hoje o
Pais pede soluções agressivas para o desequilíbrio do seu
balanço de pagamentos, com uma dívida externa de 50
bilhões de dólares que cresce celeremente e chegará a
100 bilhões de dólares em 1985, a menos que novos
caminhos sejam seguidos.
Com o desenvolvimento da tecnologia de utilização do
álcool como carburante, em substituição gasolina e ao
óleo diesel, todo o elenco de opções da biofotossíntese
se amplia de imediato. Cumpre lembrar ainda o motor a
álcool já desenvolvido com recursos tecnológicos
próprios no País. Fala-se em polos produtores de álcool,
no aproveitamento da rede de dutos existentes e na
construção de alcooldutos, todo esse conjunto
convergindo para a busca da autossuficiência em
combustível, em termos de álcool e petróleo produzidos
no País. Aliás, o Modelo de Transportes do Brasil, apoiado
nas rodovias, exige solução imaginosa capaz de
substituir o combustível que move os veículos, já que é
impraticável substituir a curto prazo a rodovia, ou deter
sua indispensável expansão.
Cumpre assinalar que a solução do emprego do álcool
em grande escala no Brasil, em substituição ao petróleo
importado, é inevitável. E tal solução pode chegar ao
extremo de reduzir substancialmente a própria produção
atual de açúcar, transformando-se o País em exportador
de álcool e do modelo que terá de adotar, por mais
original que ele seja e por isso mesmo assustador para
aqueles que temem inovações.
O importante é transformar as declarações em ações
e ações corretas. O pessimismo que havia em relação ao
álcool como sucedâneo dos derivados de petróleo; as
discussões intermináveis sobre preços comparativos e
possibilidades mecânicas de usar o álcool como
combustível representam atitudes que vêm sendo
substituídas por uma euforia e uma adesão comovente. Ë
preciso, no entanto, racionalizar o processo em termos
institucionais, econômico-financeiros e tecnológicos, sob
pena de mais uma vez o pessimismo e o otimismo mal
orientados impedirem o tratamento adequado do
problema.
É chegado o momento de nós, brasileiros, deixarmos
de agir coletivamente de forma ciclotímica , oscilando
perigosamente entre reações verbais desvinculadas de
ações efetivas. Não devemos permitir que ocorra essa
hesitação num programa de salvação nacional, como é o
caso do Proálcool
3

A ESCULTURA E O BLOCO DE PEDRA

Já foi dito que todo bloco de pedra tem dentro de si


uma escultura, tanto mais linda quanto mais talentoso o
escultor. É claro que enquanto não trabalhado, o bloco de
pedra não passa de um bloco de pedra. A imagem
poderia ser associada a um conjunto de problemas — o
bloco de pedra — e a um elenco de soluções, fruto do
trabalho, do talento e da imaginação daqueles que
devem procurar resolvê-los — os escultores.
Até aqui, o Brasil tem progredido na arte de gerar
problemas, alguns inevitáveis e outros cultivados com
extraordinário senso de alheamento da realidade
presente.
Quais os problemas que hoje atormentam todas as
camadas da população brasileira? Na área econômica: o
ritmo da inflação: o balanço de pagamentos; a
dependência do petróleo; o empobrecimento do
empresariado nacional de nível baixo e médio; a
ausência de perspectivas, a curto e médio prazos,
desvinculadas de um quadro de estagnação e recessão.
Na área social: aumento acelerado de parcelas
marginalizadas da economia como complicadores
adicionais dos problemas urbanos em todos os níveis,
desde a saúde e a educação até o saneamento e a
habitação; ausência de uma política de fixação do
homem ao campo, oferecendo-lhe a oportunidade de
sobreviver em suas regiões de origem e satisfazendo a
primeira função da terra (alimentar aqueles que a
habitam), com produção adicional de excedentes
exportáveis para as cidades e para o exterior. Na área
política: o desencontro entre as promessas e os anseios
da liberdade, e as dificuldades em oferecê-la em sua
plenitude, considerado o fermento da má utilização o
contexto dos problemas sociais e econômicos.
Trata-se de um desafio que, para ser enfrentado, está
a exigir um escultor com o talento de Miguel Angelo, a
coragem de Churchill e a visão de estadista de Roosevelt.
São tantos os fantasmas à solta, atormentando aqueles
que têm o dever de interpretar a conjuntura e tomar
decisões, que a única solução é o estabelecimento de
prioridades a nível de mobilização nacional, em termos
de estado de guerra . Obviamente talento, coragem e
visão são entes que, associados, levam a determinadas
linhas de ação estreitamente vinculadas aos objetivos
que se pretende atingir. Se tais objetivos incluem a
retomada do processo de desenvolvimento, com um
enfoque social ampliado e ambicioso, a aplicação de
recursos em programas com mão-de-obra intensiva,
ligados ao setor primário, se torna indispensável.
Outrossim, há compromissos hoje ainda intocáveis
que precisam ser reconsiderados com espírito aberto e
sem preconceitos. Honrando a condição de seres
humanos, devemos antecipar eventos e rever decisões,
pois o efeito multiplicador de certos programas pode —
sem desdouro — revelar-se multiplicador no sentido
negativo.
Admitidas essas premissas sumárias quanto aos
problemas nas áreas social, econômica e política, é
imperioso reduzir drasticamente o investimento nos
programas de construção de usinas atomoelétricas e de
pesquisa de petróleo, bem como em outros de intensa
aplicação de capital e urgência e sucesso discutíveis, a
fim de relocar recursos para a agricultura, inclusive para
as plantações energéticas — leia-se álcool numa primeira
etapa; para a construção de usinas hidrelétricas e linhas
de transmissão, e para o aproveitamento do carvão em
usinas termoelétricas, em metalurgia, e na sua
gaseificação e liquefação.
Na verdade, o objetivo das considerações feitas
anteriormente foi apenas riscar o bloco de pedra. Seria
pretensão imperdoável partir levianamente para a
tentativa de esculpir sem dispor de todos os dados e da
equipe adequada. A única conclusão válida do exame
superficial levado a efeito é que hoje — sem má fé de
ninguém — os blocos de pedra estão sendo talhados,
mas as esculturas resultantes são deselegantes, têm
características pouco atraentes e o talento, coragem e
visão, se existem, estão sendo desperdiçados.
4

O OLIMPO BUROCRÁTICO

Teoricamente o Brasil, nação dita capitalista, deveria


ter uma estrutura institucional condizente com sua
conformação político-econômica. As seguintes premissas
básicas caracterizam, nos dias de hoje, uma nação
capitalista: ampla participação do empresariado nacional
nas decisões que afetam a sua sobrevivência; urna dose
controlada de planificação estatal, para dar organicidade
à boa conjugação dos fatores de produção (capital, terra
e trabalho); preocupação permanente de respeitar
estruturas políticas abertas, capazes de permitir
remuneração condigna do capital e do trabalho num
clima de convivência pacífica.
O funcionamento de um país, em todo o seu complexo
físico e nervoso, se assemelha ao do corpo humano.
Dificilmente urna disfunção localizada deixa de refletir-se
em outros órgãos, devendo a sua propagação ser
controlada para evitar um mal maior ou insanável. Na
verdade, as opções do tipo sociedade socialista,
sociedade capitalista ou outras rendem o máximo na
medida em que se estruturam para funcionar bem,
conforme o modelo selecionado ou imposto.
Quando — consciente ou inconscientemente —
convivem estruturas antagônicas, como é o caso do
socialismo sob a capa de incontrolável intervenção
estatal num regime dito capitalista, os resultados são
disfunções facilmente identificáveis. A principal delas é a
hipertrofia da burocracia, que ganha vida própria e
instala-se no organismo nacional como um parasita
preocupado em não destruir de vez o País, de modo a
preservar o objeto de sua avidez para ter o que parasitar.
Afora o desejo de manter vivo o organismo nacional, o
Olimpo burocrático expande-se incontrolavelmente.
Passa mesmo a ser respeitado e temido, impondo a sua
inconsequência a todos os segmentos da sociedade,
convencidos da sua indispensabilidade e infalibilidade. E
se essa tendência já se afirmou como parte do contexto,
mais forte se tornou quando a Capital do País se
transferiu para Brasília, palco onde se exibe, em sessões
permanentes, a supremacia do burocrata sobre o
empresário, independentemente das razões que
protegem este último.
Poder-se-ia, pensar que as afirmações feitas
anteriormente têm em vista a cúpula governamental. Na
verdade, não é o caso. Não são poucos os exemplos
daqueles que, tendo ocupado funções de Ministro de
Estado, ou até mais altas, se surpreendem, após deixar o
governo, ao saber que eram manipulados pelos escalões
inferiores.
Aliás, não é difícil aterrorizar os altos escalões da
República, quando o processo é bem montado e
diferentes carapuças são deixadas a flutuar, inclusive a
de que uma eventual decisão, desatendendo à
recomendação dos burocratas, poderia ser interpretada
como conluio da autoridade com o empresário . Essa
arma é tão bem utilizada que dá pena ver bons
empresários, quando em funções públicas, comportarem-
se como crianças apavoradas, empenhados o tempo todo
em desmentir o óbvio: a sua origem empresarial e o seu
descompromisso com a burocracia.
Outro aspecto crítico do problema são os mecanismos
fiscali-zadores, pois induzem a procurar apenas
absolvição por parte dos ocupantes de elevados cargos
públicos. Na ânsia de cumprir as leis — ou o que
pressupõem ser as leis — não é incomum assistir-se à
sua violação. Só que as violações contrárias ao interesse
empresarial não são punidas com o mesmo rigor
daquelas que aparentemente lhe são favoráveis.
E assim, firmemente instalada no Olimpo burocrático,
às vezes assustada em época de muda, há uma classe
no País que efetivamente o comanda. Muitos daqueles
que se iniciaram nos seus segredos ou já fracassaram ou
fracassariam redondamente do lado de cá, como
empresários. Cabe, entretanto, a pergunta: e importa?
5

A BÚSSOLA NUCLEAR BRASILEIRA

Para o comum dos mortais, o Norte é Norte, o Leste é


Leste, e assim por diante. Dentro dessa compreensão
racional dos fenômenos naturais, e da vivência e cultura
de cada um, formam-se opiniões, que se dividem sem
renegar certos princípios e leis. Aqueles que os renegam,
em cada época, ou são gênios ou são loucos. Dos loucos
pouco se sabe. De Newton, Copérnico, Galileu e outros
gênios, a história já foi contada e recontada.
O mundo desenvolvido está numa situação
calamitosa. O desenvolvimento tecnológico, estimulado
pelas guerras e pelo consumismo desenfreado, gerou um
círculo vicioso que está estrangulando o criador. É a
revolução da criatura contra o criador. Assim se pode
interpretar a crescente dependência do homem a formas
de energia ainda não completamente assimiladas,
aceitando os governos as imposições de suas economias
e de seus condicionamentos geopolíticos, dispostos a
correr todos os riscos de uma corrida em que o
acelerador não tem controle de espécie alguma.
Considerados os conhecimentos disponíveis
atualmente (state of art ), existe uma imposição
econômica ou estratégica, ou econômico-estratégica,
condicionada à decisão de apelar, a todo preço, para o
emprego da atomoeletricidade. Esse comportamento por
parte dos governos das nações desenvolvidas, apoiado
em argumentos ponderáveis, está em choque com a
crescente oposição de seus povos, dispostos a não
arriscar as próprias vidas em nome de um nível de vida
cada vez melhor. Na verdade, isso parece o inverso da
história do cavalo do inglês: quando estava quase se
acostu-mando a viver sem comer, morreu...
Enfocada sem paixão a dramática situação dos povos
das nações desenvolvidas, não lhes bastasse o espectro
de uma guerra nuclear, com uma paz mantida pelo
absurdo, apoiada no equilíbrio pelo terror , hoje paira
sobre eles o perigo dessa paz sujeita a falhas mecânicas
de máquinas construídas por homens altamente falíveis
em sua falsa onipotência e onisciência. Se fosse possível
filmar os acontecimentos que estão ocorrendo e vão
ocorrer, e projetar o filme do fim para o começo, é
provável que se assistisse a um cataclismo nuclear não
originado obrigatoriamente por um artefato de guerra.
Seria irônico, se não fosse trágico, que máquinas
destinadas a proporcionar o conforto e o progresso da
raça humana na espaçonave Terra pudessem se
transformar em veículos de morte e destruição. Hoje em
dia, milhões de pessoas preferem enfrentar a perspectiva
de um padrão de vida achatado e imprevisível, a correr
os riscos explícitos e implícitos no uso extensivo da
energia nuclear.
Tudo indica que nos países desenvolvidos, de regime
democrático, prevalecerá em boa parte a vontade
nacional, em ascensão, de não permitir o
aprofundamento de uma dependência crescente em
relação à energia nuclear. Aí está uma hipótese
importante, que deve ser considerada com absoluta
seriedade.
Quais as consequências de tal conjuntura, a curto e
médio prazos, conjugada com a situação conhecida do
petróleo? Parece fácil aceitar que maiores esforços serão
concentrados em algumas linhas de ação alternativas, a
saber:
— Admitir a hipótese de intervenções militares para
garantir suprimentos vitais de energia, hoje com o nome
de petróleo , amanhã com outra denominação qualquer.
— Intensificar os esforços no sentido da identificação
de fontes alternativas para a energia nuclear e o
petróleo, visando a eliminar ou atenuar os efeitos da
crescente oposição aos programas nucleares, antes que
tal oposição gere reflexos sociais, econômicos e políticos
imprevisíveis, inclusive quanto a um possível canibalismo
energético entre nações.
- Enrijecer o comportamento nacionalista, cuidando de
garantir os interesses vitais de cada nação e de sua área
de influência, sem maiores preocupações com os
destinos do Terceiro e do Quarto Mundos.
Admitidas as premissas estabelecidas anteriormente,
resta indagar qual deve ser o comportamento das nações
que, a exemplo do Brasil, sentem o preço a pagar pela
conjuntura criada, com tendência a se agravar
rapidamente. Como em qualquer situação, existe um
elenco de soluções nem sempre mutuamente
excludentes. Uma preliminar, porém, é definitiva: a
incapacidade do País para mobilizar recursos destinados
ao atendimento do elenco ótimo de soluções. Se os
recursos são escassos, devem prevalecer aquelas
soluções que permitam aplicá-los otimizadamente.
Diante da restrição real e comprovada da
disponibilidade de recursos, as alternativas brasileiras se
estreitam muito. Não é a hora, portanto, de profundas
discussões sobre o Programa Nuclear brasileiro. Na atual
conjuntura, admitir que faltem recursos para um vasto
programa hidroelétrico e para a produção de álcool e
inaceitável e descabido. E onde obter os recursos para
desenvolver ao mesmo tempo todos os programas
energéticos, sem tornar a inflação insuportável e a
conjuntura social e política perigosamente instável?
Daí apontar-se tal situação como uma das
contingências que obrigam a um reequacionamento do
Programa Nuclear e de outros programas que exigem
vultosos investimentos de risco.
É preciso agir com bom senso. O urânio existente no
Brasil deve ser aproveitado, inclusive para ser exportado
— se for o caso — devidamente beneficiado. O critério de
ter sempre uma usina atomoelétrica em construção é
válido. Mas as instalações que ponham em risco grandes
centros populacionais devem ser evitadas a todo o custo.
Estamos convencidos de que um Pais subcontinental
como o Brasil não precisa assumir riscos desnecessários,
ainda mais quando os sistemas elétricos estão se
interligando. As even-tuais instalações julgadas
oportunas poderão, após adequada revisão de sua
situação, ser locadas com base em critérios de super-
segurança, admitido o princípio de hidrologia de que a
maior enchente está por vir .
Diante de um quadro como o descrito, parecem
lógicas as prioridades apontadas — inclusive pelo
Presidente da República em seu discurso de posse —
com referência à hidroeletricidade, ao carvão e ao álcool.
Se tais programas, para não serem retardados, exigem
recursos difíceis de mobilizar, por que ficar discutindo em
torno do Programa Nuclear? Tudo indica que o seu ritmo
e a localização das usinas e de sua indústria de apoio
devem ser cuidadosamente reexaminados. Tal
comportamento não representa desdouro para ninguém,
pois honestamente é exequível e vem sendo observado
por grandes estadistas, como o Chanceler Helmut
Schmidt, o Presidente Carter e outros. Um problema
dessa envergadura não comporta tratamento emocional,
dadas as dimensões das consequências de possíveis
erros de apreciação.
O reconhecimento de que se deve atender ao Norte
indicado pela bússola nuclear e indispensável. Tentar
forçá-la, contrariando as leis da natureza e a lógica das
realidades palpáveis, é um risco e implicará, quase
certamente, consequências que não atendem aos
desejos e interesses de ninguém.
De outra parte, a situação que se desenha nas nações
desenvolvidas, obriga a uma aceleração das opções
brasileiras. E isso não significa abrir mão da capacidade
de montar um esquema mínimo de dissuasão,
particularmente no campo nuclear. Aliás, em agosto de
1971, em depoimento perante a Comissão Especial de.
Incentivo à Pesquisa Científica e Tecnológica no Brasil,
posteriormente editado pela Câmara dos Deputados,
pregávamos a triste necessidade de participar o Brasil do
Clube Atômico, como forma de evitar tentativas de
deprimir o seu modelo econômico.
Na verdade, o canibalismo energético que pode vir a
ser gerado, considerando as possibilidades brasileiras no
setor da biomassa, leva-nos a admitir, para a proteção da
soberania e integridade territorial do País, hipóteses que
não correspondem à vocação do nosso povo.
6

O DESAFIO DA PAQUIDERMIA

No mundo conflituoso de hoje, em que os preços do


petróleo no mercado spot já ultrapassaram os 40 dólares,
e as nações ocidentais estão de joelhos diante dos
Khadafis e Idi Amins da vida, o que até faz pouco tempo
era recomendável para países como o Brasil agora são
imposições inadiáveis.
É chegado o momento de todos os brasileiros
assumirem as suas responsabilidades históricas. A
demora no reconhecimento efetivo dessa urgência, cada
um preocupado consigo mesmo, a fim de identificar as
vantagens pessoais que pode usufruir da situação, gera
um clima perturbador e facilmente caracterizável;
políticos e burocratas a disputar o poder e os cargos, sem
efetivas preocupações com eficiência; empresários
amesquinhados e acovardados, em busca de alternativas
para se livrarem do labirinto em que se meteram ou em
que os meteram, despendendo 90% do seu tempo em
atividades não-construtivas; operários em luta por
melhores condições de vida, que só podem ser
oferecidas num quadro diferente do relacionado com a
possível recessão; empregados, subempregados e
desempregados no campo, sem ao menos produzir
corretamente para o seu próprio sustento, à espera dos
primeiros reflexos das medidas com que o Governo vem
acenando firmemente, através do Ministro do
Planejamento.
Quais as causas por que se está cozinhando um caldo
de dificuldades tão aparentes e, além de tudo, ainda
capaz de entornar sobre todos os brasileiros,
provocando-lhes queimaduras de todos os graus? A
verdade é que nos falta a consciência de nossas próprias
capacidades nacionais, como um conjunto, para nos
organizarmos com vistas a atingir os alvos fundamentais
da nossa sociedade. Infiltrou-se nela, de forma sub-
reptícia, a noção de que só há salvação na importação de
ideias e soluções, sem ousar percorrer caminhos nunca
dantes navegados. Há mesmo um caracterizado
descrédito e desconfiança em relação aos santos de casa
, com as raras exceções de sempre. Qualquer
representante estrangeiro, da área pública ou privada, é
ouvido e recebido com atenção normalmente não
dispensada aos próprios brasileiros. Contratos e
compromissos assumidos com estrangeiros são
cuidadosamente preservados de críticas quanto ao seu
descumprimento, enquanto o mesmo não ocorre com os
nacionais: os representantes da burocracia oficial
ignoram até leis em vigor, certos de sua impunidade e
poder de retaliação.
Na ânsia de copiar modelos estrangeiros, admitindo a
sua validade muito mais por serem estrangeiros do que
por se aplicarem ao Brasil, o Governo faz concessões de
toda a ordem. Se em contratos com empresas nacionais
ele exige garantias, uma das quais — e não a pior — é a
fiança bancária, que só serve para engordar ainda mais
círculos beneficiados pela inflação, em contratos com
estrangeiros abre mão de tais exigências com a maior
facilidade, às vezes tratando-os com requintes de
benevolência.
De outra parte, as elites dirigentes do País, em todos
os seus níveis, deixaram-se intoxicar por ideias e
formulações importadas, apenas porque vinham vazadas
em excelente economês ou tecnolês , fazendo a
felicidade de determinados segmentos de tais elites,
despreparadas para assumir responsabilidades e prontas
para, em caso de erro, alegar que estavam com os bons
autores. Assim, os estudos de viabilidade, os conceitos
de macro e microprioridade, tudo se mostrou intoxicado
por uma ânsia irreprimível de ser moderno, que impede a
diferenciação entre o moderno e o moder-noso , e
contribui para transformar e manter o Brasil no que se
convencionou chamar de Bélgica dentro da Índia .
Essas distorções psicológicas constituem, portanto, o
maior empecilho à retomada do desenvolvimento no
Brasil. No auge da crise nacional e internacional, que não
provém da inflação, mas da ausência de imaginação e de
coragem para enfrentar a realidade, surgem indícios
claros do aprofundamento da tendência ao wishful
thinking , levando o Pais a uma doença da maior
gravidade: a paquidermia .
A paquidermia se manifesta através de atitudes
sempre defasadas em relação ao momento ótimo de
tomá-las, ou seja, pelo atraso no processo de tomada de
decisões, ou na revisão de decisões que se tornaram
inadequadas. Os exemplos aí estão às dezenas, podendo
ser citados alguns deles. No caso do álcool, há quem
acredite honestamente que o Programa agora vai tomar
embalagem, e poucos o criticam como alternativa para
boa parte do consumo de derivados do petróleo. E isso
pode ser feito, pois há homens públicos empenhados em
que tal anseio se torne realidade, inclusive entre aqueles
que há menos de um ano o considerava inexequível.
Nem por isso se está cuidando de uma efetiva
mudança na escala de produção do álcool, apoiada em
polos produtores corretamente atendidos em termos de
logística e de insumos básicos. E não se aumenta a
produção em um dia, nem mesmo em um ano.
Discussões bizantinas enchem os espaços dos jornais
sobre se a terra é inesgotável ou não; sobre se os
motores são adaptáveis a preços acessíveis ou não;
sobre se o preço do álcool é competitivo ou não com o
dos derivados do petróleo. E a cada dia que passa são
quase 20 milhões de dólares de dispêndio com o
petróleo, podendo ser 30 milhões de dólares no ano que
vem. Tal desgraça não pode ser camuflada com
declarações, estudos, grupos de trabalho, na tentativa de
esconder um vasto congestionamento institucional a que
só o Presidente da República — e só ele — conseguirá
pôr paradeiro.
E a orgia de alucinógenos não termina apenas com o
tratamento do problema do álcool. Em outros setores
vitais, as distorções psicológicas apontadas e o receio do
confronto com a verdade levam à postergação da análise
de problemas e de soluções, deixando o organismo
nacional ser dominado por essa doença que é a
paquidermia. As manifestações segundo as quais os
problemas estariam sob controle, ou existiriam recursos
para todos os programas pretendidos, são parte de um
estado doentio, como o dos passageiros de um avião em
pleno voo com três dos seus quatro motores parados, e
que dizem uns aos outros: "está tudo bem". Acontecerá o
pior se a tripulação não reconhecer a situação e tentar
alternativas em pleno voo, ao invés de prolongar a
sobrecarga do único motor em funcionamento.
Esta é a hora da verdade. A ameaça com que o Brasil
se defronta é de caos social, econômico e político. Já hoje
são necessárias medidas corajosas, nem sempre de bom
rendimento político, principalmente para aqueles que faz
pouco tempo se atropelavam na ânsia de obter uma
função pública. É preciso que todos os brasileiros se
unam e utilizem as reservas de energia e imaginação
existentes na área empresarial. É preciso que, rompendo
a aliança da incompetência com a mediocridade, façam
hoje o que tem de ser feito hoje. Na hora da crise todos
devem unir-te a fim de preservar um patrimônio comum,
construído até aqui com o esforço principalmente de
brasileiros humildes e anônimos que merecem todo o
nosso respeito. Afinal por que fazê-lo só quando se
manifesta o câncer, quando já é tarde?
7

HOLOCAUSTO PETROLIFERO

Nesta altura dos acontecimentos, não há condições


para prever o que pode acontecer no mercado
petrolífero. Os preços sobem sem perspectivas de
estabilização temporária que permita ao mundo
ocidental retomar o fôlego, enquanto a Rússia e seus
satélites assistem ao show de camarote. A incapacidade
de controlar a ganância dos países produtores e a
irresponsabilidade consumista de seus povos leva o
mundo ocidental a enfrentar riscos crescentes de
desestabilização econômica e social.
Na verdade, em termos geopolíticos frios, ao invés de
concessões crescentes aos países produtores —
concessões que estão levando os países pobres à
bancarrota — o que se deveria estar fazendo? Tudo
indica que se deveria buscar uma estabilização
temporária nos preços do petróleo fazendo os países
produtores compreender que o mundo ocidental não
aceita ser destruído sem guerra, num vasto e
incontrolável holocausto petrolífero. Para a consecução
desse objetivo, necessário se faz que a Rússia fique
ciente de que os interesses vitais do mundo ocidental,
em relação ao petróleo, são tão ou mais importantes do
que aqueles que a levaram a invadir a Tchecoslováquia e
a Hungria. Se a conjuntura criada pode destruir os países
do Ocidente e implantar neles o caos, é preferível correr
o risco de unia guerra, a sofrer os efeitos da situação,
sem luta, e na ingênua conformidade com um inevitável
de todo evitável.
Ao aproximar-se a hora em que riscos de guerra terão
de ser assumidos, é preciso, de outro lado, limitar de fato
o consumo alucinado de um combustível que, no mínimo
poderá ser útil na fase de transição para o uso de novas
formas de energia.
Não se julgue que a fissão ou a fusão nuclear, o
carvão, o hidrogênio, a biomassa e outras fontes de
energia poderão atender à situação de emergência a
curto prazo. O petróleo é absolutamente indispensável
na fase de transição que estamos vivendo, e essa
constatação pode levar a uma série de medidas
drásticas, mesmo com o risco de uma guerra nuclear.
Para os países pobres, de baixo consumo relativo de
petróleo, a crise tem contornos pungentes (excluídos, é
claro, os produtores dessa matéria-prima). Esgotados
pela compra de um combustível cada dia mais caro;
incapazes de se livrarem do estrangulamento
representado pela reciclagem dos petrodólares na
aquisição de produtos manufaturados; corroídos pela
inflação e caminhando a passos largos para a estagnação
e o retrocesso econômico, eles -não têm sequer a
alternativa da reação militar.
As opções dos países pobres são estreitas,
melancólicas e difíceis de adotar, na medida em que
representam um ônus político inaceitável para as elites
dirigentes. Tais elites, indistintamente passaram a viver
para os dias de hoje, como condenados à morte ,com a
sentença provisoriamente suspensa.
No caso brasileiro, algumas medidas ainda não
discutidas se impõem, a par daquelas que vêm sendo
pregadas, inclusive por este autor em seu livro Álcool:
Uma Agenda para o Presente . Hoje em dia, discutir
reduções no consumo de petróleo começa a ser
incoerente. Quando num único dia o preço pode
aumentar cerca ,de 20%, engolindo de um trago todo o
esforço brutal despendido na economia de consumo ou
no racionamento, as novas premissas deveriam ser as
seguintes:
I — Estabelecer um teto para o dispêndio de divisas
com a importação de petróleo, o qual, dividido pelo preço
médio a ser pago, definiria o volume passível de
oferecimento ao consumo.
II — Instituir de imediato um plano de veículos
alternativos, ,obrigando à sua utilização mediante o
racionamento do combustível para automóveis.
III — Reciclar o álcool, hoje misturado à gasolina, para
o seu uso em conjunto com o óleo diesel, na proporção
de 40% de álcool, através do emprego da dupla
alimentação e a utilização de motores de maior potência
movidos a álcool hidratado.
IV — Dado o baixo número de usuários do automóvel
como -transporte urbano, numa utilização que acarreta
graves congestionamentos devido ao aspecto egoístico
desse veículo, forçar sua. progressiva restrição de
circulação. A medida permitiria dobrar a velocidade
média dos ônibus — hoje de 20 km/hora — e obter na
prática, uma duplicação da frota.
V — Acelerar de fato a produção de álcool, hoje
considerada difícil em função da capacidade empresarial
existente no País — dificuldade que não se aponta em
outros setores energéticos, apesar de estarem confiados
ao gerenciamento de empresas públicas.,
As perspectivas do presente e do futuro próximo são,
no mínimo, sombrias. Podem ocorrer problemas para os
quais terão de ser rapidamente apresentadas soluções. É
preciso fazer exercícios de guerra, admitir hipóteses
desagradáveis, para não viver o problema maior, fruto da
imprevidência gerada pelo medo de pensar no pior.
Cabe ao Governo, enfim, compenetrar-se do estado de
guerra que já se está vivendo e falar francamente ao
povo brasileiro — suficientemente adulto para enfrentar
a realidade. Pior será temer dizer-lhe a verdade, não ter
planos para as situações extremamente críticas ou não
preparar-se para elas.
O povo brasileiro, que não viveu em profundidade os
dramas das guerras desencadeadas sobre outros povos,
tem de se preparar e ser preparado para um possível
estágio crítico — ao qual dará uma resposta adequada,
uma vez sinta que o melhor está sendo feito pelos
detentores do Poder. Não são, por certo, as concessões
sucessivas aos senhores do petróleo que vão tranquilizá-
lo.
Os atuais donos do petróleo não são melhores do que
as multi-nacionais, que ainda hoje visam a lucros
imediatos, independen-temente dos prejuízos que
possam causar, a curto prazo, a todo o mundo
capitalista. É difícil imaginar onde os governos
produtores de petróleo aplicarão seus recursos, num
mundo em crise. Em seus próprios países, o que têm
feito é desperdiçar as receitas dessa produção,
favorecendo a reciclagem dos petrodólares. Nos países
pobres não aplicam recursos, nem fazem preços
especiais. No entanto, pedem a cada dia, com fantástica
voracidade, fatias maiores de concessões.
Na verdade, se a estabilidade dos países pobres já
estava afetada, as exigências, particularmente dos
países árabes, que são os grandes produtores de
petróleo, podem desestabilizar ainda mais rapidamente
as estruturas sociais e políticas dos primeiros.
Entre as opções restritas que se apresentam, a melhor
parece ser a de preservar a soberania, mediante adoção
de um plano de emergência sintetizado nos cinco itens
citados. Caso contrária, resta apenas confiar em que
Deus e brasileiro...
8

A POLÍTICA EXTERNA. DO BRASIL E A BOMBA P

Os especialistas em política externa vão adquirindo


hábitos que os fazem tender sempre para as soluções
convencionais. Os princípios e regras diplomáticas são
respeitados entre os iniciados , repelindo-se, sempre que
possível, as ingerências externas. Assim, há regras para
tudo, até mesmo para a declaração de guerra ou para a
elaboração de tratados de paz.
Esquecem-se os defensores da especialização em
causa que, às vezes, é necessário abrir as janelas e
respirar ar fresco, ter novas ideias e formular doutrinas
não-convencionais. A diplomacia brasileira, na era da
grande crise do petróleo, deve ser discutida, inclusive
com a participação de brasileiros não-especializados,
mas capazes de raciocinar logicamente, com
desvinculação de preconceitos enraizados. Ao argumento
de que técnicos não se devem envolver em problemas de
formulação de política externa, pode-se responder que
eles têm tal direito, na medida em que diplomatas se
envolveram na formulação e execução de segmentos da
política energética.
Observando o quadro mundial nesta etapa crítica para
o mundo ocidental, ameaçado pela crise do petróleo,
com o risco de entrar em convulsões sociais e políticas,
cumpre indagar: quais as perspectivas de contornar a
crise econômica formalizada? As alternativas energéticas
que estão sendo consideradas não respondem, no prazo
desejável, aos problemas emergentes, cada dia em maior
número. As grandes e poderosas nações do mundo
ocidental — Estados Unidos, Alemanha Ocidental, França,
Inglaterra e Japão — vêm tentando diferentes
comportamentos, que vão desde concessões de toda a
ordem aos países produtores de petróleo até o
estabelecimento de planos alternativos no campo
técnico, econômico e — por que não dizê-lo claramente?
— militar.
Tudo indica que a possibilidade de uma ação militar,
destinada a restabelecer a ordem no problema de
sobrevivência intitulado petróleo , não deve ser ignorada.
A desordem que começa a lavrar no mundo ocidental,
inclusive com o estrangulamento dos países pobres não-
produtores de petróleo se não conduzir à possibilidade de
uma ação militar a curto prazo servirá apenas para
demonstrar a vocação suicida dos Estados Unidos. A
prosseguir a deterioração da situação energética os
russos terão cortado a jugular americana usando
interpostos países para explodir a bomba P que o próprio
mundo ocidental armou. Nota-se, aliás, a cuidadosa
montagem que vem sendo feita para concretizar com
sucesso a completa liquidação do poderio americano,
graças ao emprego de habilidade no agravamento de
tensões e conflitos, independentemente de armar o
braço daqueles países que podem — se convertidos à
Nova Ordem — interromper ou prejudicar o transporte
terrestre ou marítimo do combustível. Já começam a
restar poucas opções aos americanos, sendo uma delas a
de abrir o jogo com os russos, em termos de não-
intervenção nas fontes vitais de suprimento de petróleo
para o mundo ocidental sob pena de um conflito militar
em toda a sua dimensão.
É provável que pareça estranho ou mesmo temerário
fazer previsões ou análises sobre os destinos do mundo
ocidental. Quando o autor iniciou, em princípios de 1978,
a dramatização do problema do petróleo, pregando a
mobilização nacional em torno do álcool, recebeu
numerosos incentivos e adesões, mas ouviu também
declarações do tipo: "não seja pessimista"; "o que é que
V. tem a ver com o álcool?"; "não temos motores, é
precipitado". E, para que não se pense que tais
declarações foram feitas por pessoas sem vinculação
com o problema energético, a mais negativa partiu de
alta personalidade de organismo ligado ao Proálcool.
Prosseguindo na análise dos efeitos da bomba P — no
passado o P representava a explosão populacional e hoje
representa a somatória dessa explosão com a crise do
petróleo ---- tudo indica que aos Estados Unidos
interessa:
— Garantir as fontes supridoras de petróleo a preços
suportáveis, enquanto desenvolvem o aproveitamento
das demais fontes tradicionais de energia e novas
alternativas;
— Impedir que a crise de petróleo desestabilize o
mundo ocidental, garantia de sua própria segurança,
inclusive, nos dias de hoje, da América do Sul e Central.
Essa política tem duplo resultado para os Estados Unidos,
pois evitando o caos nas Américas garante, ao mesmo
tempo, a estabilidade de uma região que será
autossuficiente em combustíveis substitutivos do
petróleo, e poderá contribuir para que não se concretize
a sua total escravidão aos potentados do Oriente Médio.
Ora, se aos Estados Unidos interessa garantir a
estabilidade das Américas — e se não o compreenderam
não tardarão a fazê-lo — como conseguir tal desiderato?
A pedra angular da formulação de uma nova política
norte-americana para a América do Sul e a América
Central se baseia na aceitação de sua importância
geopolítica (no passado relegada à última prioridade),
cessando de estimular divisões artificiais que não levam
a parte alguma. O Brasil, a Argentina e a Venezuela são o
tripé sobre o qual deve assentar, e assentará um dia, a
busca da estabilidade da América do Sul.
E por que a Venezuela, rica em petróleo, deveria
interessar-se por uma nova organização geopolítica da
América do Sul? Afinal, os resultados dos sucessivos
aumentos do petróleo beneficiam enor-memente a
Venezuela, um dos grandes produtores mundiais. Na
verdade, de que vale a Venezuela ser uma nação rica, se
o caos econômico afetar a América do Sul e em particular
o Brasil, pondo em risco a sua estabilidade política? Ou
alguém acreditará que o Brasil é Cuba, em tomo da qual
se colocou um cordão sanitário geopolítico? O naufrágio
do Brasil arrastaria consigo toda a América do Sul. É esta
a razão fundamental para que a Venezuela faça uma
revisão urgente em sua política petrolífera, buscando
beneficiar-se de outras vantagens, com a sua integração
no conjunto de nações que devem manter a estabilidade
do subcontinente a que também pertence, permitindo o
progresso econômico conjunto e a restauração plena,
nele, do regime democrático.
De outra forma, ao invés de todos se beneficiarem da
integração econômica efetiva da América do Sul, restará
apurar os saldos do cataclismo, do qual sairão afetados
os Estados Unidos e a Venezuela. A cada dia cresce a
desestabilização econômica da América do Sul, no
particular, enquanto o Brasil, por exemplo, luta por
efetuar no Oriente Médio vendas e serviços capazes de
fazer voltar parte dos parcos recursos que vem
despendendo na compra, a preço cada vez mais alto, do
petróleo de que necessita.
Nesta análise sem vinculação com a política do
Governo brasileiro, mas, ao contrário, discutindo-a, tudo
leva a crer que ao empresário estudioso dos problemas
nacionais e internacionais, especialmente quando
vinculado à crise do petróleo, será recomendável:
— Uma política de ajuste dos interesses comuns do
Brasil, Argentina e Venezuela, abrangendo não só a área
econômica, através de uma definitiva integração de
interesses, como particularmente o ângulo energético.
Não parece difícil compreender que os custos para a
Venezuela, de tentar sobreviver com o seu atual regime
político, em uma América do Sul com o Brasil seriamente
atingido, serão superiores aos de ajustar-se com o Brasil,
para permitir que tal desequilíbrio não ocorra.
— Impedir que uma corrida armamentista se implante
na América do Sul, inclusive pelo temor ao canibalismo
energético, hipótese que não pode ser afastada, se não
houver compreensão e maturidade de todas as nações
envolvidas.
A hora de uma grande crise exige de todos, coragem
de decisão e espírito aberto. Devem os brasileiros unir-se
em torno daque-les que assumiram o Governo do País faz
tão pouco tempo. Por certo procurarão eles colocar-se à
altura do desafio que está proposto, aliás a única
alternativa válida, inclusive combinando uma agressiva
política interna de desenvolvimento de alternativas com
uma revisão da política externa, presente sempre a
circunstância de que não temos esquadra no
Mediterrâneo.
9

A CRISE DOS ESTADOS UNIDOS COM O IRÃ

Não teria sido difícil prever a eclosão de graves


conflitos inter e supranacionais nos países do Golfo
Pérsico. Havia, não faz mais de 50 anos, um conjunto de
ingredientes imbatíveis, capazes de gerar tensões e
conflitos de interesses de toda a ordem, desde os de
origem religiosa e política até os de natureza econômica
e militar. Desenvolveram-se dentro desse cenário os
acontecimentos históricos que explicam a crise atual
entre os Estados Unidos e o Irã, com logicidade fácil de
encontrar, bastando que se examinem os fatos num
videoteipe destinado a torná-los perfeitamente
assimiláveis.
Quando o mundo ocidental entregou o seu destino ao
petróleo, isto é, no momento em que a Royal Dutch e a
Shell conseguiram fosse aceito pelo Almirantado inglês
substituir o combustível de suas naves de guerra, com o
abandono do carvão e adesão aos derivados de petróleo,
escrevia-se o primeiro capítulo de uma longa história,
menos pelo tempo em que se desenrolou do que pela
velocidade com que os acontecimentos se sucederam.
Nessa oportunidade, Henri Deterding, o incorporador dos
interesses das duas companhias, declarou algo como:
"agora poderemos crescer, pois temos o apoio decisivo
de uma grande nação a nos dar cobertura".
De fato, a história do petróleo passou a se confundir
com o progresso alucinante de certos países, ao mesmo
tempo em que a sua existência em regiões antes
ignoradas pelas grandes potências as mobilizava por
inteiro, gerando guerras, cirandas de governos títeres,
sem a menor preocupação com o progresso e o bem-
estar daqueles que lá viviam. A vida ou a morte de seres
humanos era irrelevante, diante das estatísticas de barris
de petróleo a serem retirados, permitindo-se que países
e emirados, às vezes gerados artificialmente, tivessem
os governos que melhor servissem aos objetivos
nacionais e supranacionais na exploração de um
combustível farto, barato e com mercado garantido.
Exemplo clássico da construção da civilização do
petróleo é a doação de lampiões a querosene feita à
China, muito antes da revolução comunista, objetivando
— com sucesso posterior — criar mercado para os
derivados de petróleo. E ao longo dos anos criaram-se
empresas poderosas que escravizaram os homens
através dos bens de consumo, dos quais ficaram
dependentes ao ponto de não poderem deixar de
consumir, de forma crescente, o petróleo A civilização
moderna, quanto à parte capaz de consumir, está
dependente de automóveis, plásticos etc., num grau
semelhante ao dos jovens que se entregam à maconha
— e nem sempre são apenas jovens, infelizmente. Por
sua vez, tais empresas escravizaram nações, compraram
políticos, militares, burocratas, em todos os quadrantes
da Terra, afrontando populações inteiras, em busca da
manutenção do controle sobre as jazidas de petróleo no
maior volume possível.
Enquanto o esquema funcionou, a história se escreveu
de certo jeito . Grandes nações deram cobertura aos
interesses das chamadas Sete Irmãs, que se
desentendiam, desestabilizando governos, com vistas a
fazer trocar de dono determinada jazida de petróleo. Não
era raro associarem-se entre si, na impossibilidade de
afastar a concorrente, firmando acordos nos quais não
eram ouvidos os legítimos donos da riqueza mineral que
o pais-objeto detinha. Os títeres bem treinados das
multinacionais faziam o dirty work, assinavam o que
fosse necessário e engordavam, assim, as suas contas no
exterior.
Foi dentro desse quadro que o Brasil optou pela Lei
2.004, criando o monopólio estatal do petróleo. Foi
dentro desse quadro que o Irã permaneceu, por longos e
longos anos, como dependência de países estrangeiros.
Até mesmo quando do brutal aumento dos preços do
petróleo, o Irã prestou-se docilmente à reciclagem dos
petrodólares, comprador que era de bugigangas
eletrônicas, sob a forma de armas sofisticadas que nem
mesmo o seu exército estava em condições de operar,
sequer para manter o status quo , quando o governo do
Xá foi ameaçado. O Irã era também comprador de usinas
nucleares, de fábricas, de aviões comerciais, estimulado
a se endividar ao máximo, ao ponto de sua receita de
petróleo não cobrir os débitos que assumira.
O Xá do Irã, de seu lado, temendo uma mudança na
situação, acumulava no exterior fortuna pessoal que só
podia ter origem nas receitas da Nação, e de forma
considerável. Foi essa uma situação absurda, fermento
do fanatismo reinante hoje; que os países ricos do mundo
ocidental estimularam. Não há por isso, país
desenvolvido no Ocidente com direito a reclamar contra
os desregramentos que estão a ocorrer, pois estimularam
os desregramentos responsáveis pela nova realidade
instalada.
Sendo a política a arte do possível , não adianta
apenas ana-tematizar os erros do passado. Hoje há uma
conjuntura concreta, ameaçando não só aqueles que
levaram ao seu aparecimento como, em maior escala, os
países pobres, cada dia mais pobres, e que em nada
influíram nos acontecimentos já ocorridos. Tais países
ajudaram a enriquecer as multinacionais, e já o vêm
fazendo há muitos anos. E agora contribuem, também,
para enriquecer os países produtores de petróleo.
Para os países pobres só restam dois comportamentos
que não são mutuamente excludentes: desenvolver os
seus potenciais nacionais alternativos para o petróleo, e
esperar que os países ricos, cansados de ser vítimas de
seus próprios erros, se libertem de quaisquer
sentimentos de culpa e reorganizem pela força, se
necessário, o mercado mundial de petróleo. A segunda
hipótese pressupõe um eventual acordo russo-
americano, com vistas a manter a estabilidade das
economias socialista e capitalista, ambas ameaçadas
hoje pelos estertores precoces do petróleo, antes de
esgotar-se na prática como combustível fóssil, sob
condição de que tal acordo não seja feito também em
detrimento dos países pobres.
É por isso que a crise entre os Estados Unidos e o Irã,
parte de um contexto em que não se deve procurar um
encadeamento lógico formal, tem aspectos positivos e
aspectos negativos. Entre os primeiros podem ser
alinhados: a vantagem de um confronto com a verdade,
numa região crítica em termos econômicos e
geopolíticos, podendo conduzir a atitudes mais firmes da
maior potência mundial, inclusive quanto à necessidade
de economizar petróleo; a inevitabilidade de tangenciar
um confronto com a Rússia, antes de qualquer acordo; e
o contingenciamento no controle das multinacionais de
petróleo, inconsequentes fermentadoras do mercado
spot , na ânsia de maiores lucros. No tocante aos
segundos — os aspectos negativos — podem ser
enumerados todos aqueles que hoje conturbam o mundo
ocidental, como a desvalorização do ouro, os
prognósticos quanto à recessão econômica e a incerteza
quanto ao futuro do mundo não-comunista, aí incluídos
os países pobres, como o Brasil, que pretendem ser
democráticos e, para tanto, precisam garantir os insumos
energéticos de sua economia, a preços suportáveis.
Na longa caminhada da civilização do petróleo, feita
em pouco tempo, a Revolução Tecnológica é a marca
transcendental.
E para ganhar o tempo indispensável à transição do
petróleo para formas substitutivas de energia, válidas e
seguras, todos esperam que os Estados Unidos da
América do Norte, conscientes dos erros do passado, não
se curvem diante de quaisquer chantagens assumindo
posição firme na garantia de seus próprios suprimentos e
daqueles que interessam às demais nações dependentes
dentro de um contexto catártico que não venha a
significar mero alívio para os países ricos e mais um nó a
estrangular os países pobres, que já estão de língua de
fora.
10

LEI SECA NO BRASIL

No confronto entre as necessidades humanas e os


hábitos de consumo versus planejamento estatal, não é
incomum que as leis do mercado atropelem o
planejamento e os planejadores, os quais ficam atônitos
diante de uma realidade que não souberam antecipar. É
provável que todo o mérito do planejamento resida na
capacidade de antecipar situações, ajustando-se os
planos de forma dinâmica à evolução dos
acontecimentos, a fim de permitir tenham eles
vinculação com o cenário que se pretende induzir.
Já tivemos oportunidade de tratar do problema da
paquidermia . No caso da crise do petróleo em termos
brasileiros, o País está se deixando dominar pela doença,
pondo em risco valores de tal ordem que as
consequências transcendem à própria capacidade de
antevisão, por maior esforço de imaginação que se faça.
De forma sintética, o diagnóstico das falhas de
planejamento no particular teria as seguintes
componentes básicas:
— Problemas de origem psicológica, levando a não
querer admitir a magnitude do desastre representado
pela dependência do petróleo — hoje caracterizado pela
dificuldade de sua obtenção, que nos leva a depender
em quase 50% dos fornecimentos do Iraque, e pela
explosão dos preços, que já atingem até 50 dólares o
barril no mercado spot .
— Consequente raciocínio em termos volumétricos,
ignorando que a limitação das compras brasileiras no
mercado internacional será inevitável, devido aos custos,
o que obrigará a um racionamento tão mais expressivo,
em termos volumétricos, quanto maior a pressão sobre a
nossa combalida economia.
— Falta de preparação da opinião pública para
enfrentar medidas de emergência diante de uma
agressão externa, sem o estrondo das bombas e
granadas, mas tão ou mais perigosa, face à ausência de
uma mobilização nacional adequada, para enfrentar o
ataque em realização.
— Elaboração de planos que seriam válidos se
existissem condições de previsibilidade razoável quanto
à disponibilidade do petróleo, não só em volume como
em preço, porém necessitados de uma componente de
urgência ainda ausente, apesar do esforço inicial na
reformulação do Proálcool.
— Colocação pouco realista quanto aos volumes de
álcool a serem produzidos, à sua localização geográfica,
e ao desenvolvimento tecnológico acelerado da
conversão e produção de motores e turbinas à base de
álcool como combustível.
É dentro do contexto esboçado acima que se deve
entender o posicionamento brasileiro. Há um evidente
descompasso entre as exigências específicas da Nação e
o planejamento do Estado. E tanto é verdadeira essa
assertiva que o nosso Governo, ainda na fase
introdutória, já tratou de reformular o Proálcool,
buscando preencher o descompasso citado, sem
conseguir fazê-lo no nível e na velocidade que os
acontecimentos impõem. Qual o papel daqueles que vêm
se batendo por um modelo energético brasileiro, fundado
em duas premissas fundamentais: análise lógica e
soluções racionais? Tudo indica que é insistir, como já
vêm fazendo, numa contribuição que deve ser encarada
como construtiva, porque o Poder é efêmero e a Nação
eterna. Só a humildade dos poderosos do dia permitirá se
possa contribuir para salvar o Brasil do estádio 3, aquele
em que o limite de escoamento de uma peça é atingido e
se está no limiar da ruptura.
Cabe, por isso, colocar lealmente uma indagação
diante da sociedade brasileira e de seu Governo: o que
se fará quando o petróleo atingir o preço médio de 30
dólares, talvez no início de 1980, representando, em
conjunto com os juros da dívida externa que gera, um
dispêndio em moeda estrangeira quase igual ao
resultado de toda a exportação?
Será que ainda há oportunidade para discussões
bizantinas sobre a utilização máxima do álcool, seu
custo, poluição, desgaste de motores, certificação de
conversão de motores por entidades oficiais ou para-
oficiais? Será que os problemas para a produção em
escala muito superior à das novas metas aprovadas pelo
CDE são tantos que justificariam abrir a produção de
álcool às multinacionais de petróleo, as quais por certo,
bem remuneradas, não teriam dificuldades em atingir
metas bem mais ambiciosas, considerando que álcool é
petróleo? Ou será mais fácil perfurar poços para pesquisa
ou produção de petróleo, às vezes com 200 m de lâmina
de água, e três ou quatro mil metros de profundidade
A pressão dos acontecimentos como hoje estão sendo
enfrentados vai atropelar os planos oficiais. Daqui a
poucos meses novas desgraças no setor de petróleo
farão com que surjam novas perplexidades. Declarações
do tipo "o juiz foi desonesto", tão comuns no futebol,
serão feitas na tentativa de ocultar mais uma vez a falta
de previsão, atribuindo a culpa de tudo às ações
imprevistas dos países produtores. E, nessa
oportunidade, o racionamento, por absoluta falta de
capacidade de continuar sustentando o dispêndio com o
petróleo, será uma medida obrigatória, não planejada
corretamente, com a implantação gradual de um plano
de emergência pensado, elaborado e permanentemente
atualizado.
É provável que dentro de pouco tempo, ainda em
1980, o Brasil venha a ter uma vasta produção
clandestina de álcool. Para não parar seus veículos e
frota de transporte, os consumidores partirão para
plantar cana-de-açúcar e para a destilação caseira, com
o uso de alambiques. Deverá surgir ao mesmo tempo um
mercado paralelo de álcool, com carros-pipa vendendo-o
a preços superiores aos de tabela, tal qual hoje vendem
água em regiões do Joá e da Barra da Tijuca, no Rio de
Janeiro. Se verificada tal conjuntura — o que é mais do
que possível —, a conversão dos motores terá fugido a
qualquer controle, como ocorreu durante a Segunda
Guerra Mundial com as adaptações do gasogênio.
Também é possível que nada do que está assinalado
venha a ocorrer. Novos campos de petróleo poderão vir a
ser descobertos (o que não significa que estarão em
exploração), levando o País, em 1985, a uma
disponibilidade de álcool ou petróleo. Caberia, na
oportunidade, criticar os defensores de metas mais
ambiciosas do que os dez bilhões de litro previstos hoje.
Só que o excesso de previsão, se houver, permitirá ao
Brasil exportar álcool ou petróleo, numa época crítica.
De outra parte, nada se ouve dizer sobre um
vastíssimo plano de usinas álcool-elétricas, com a
substituição das que hoje consomem derivados de
petróleo, e gerando excedentes mobilizáveis de álcool
em caso de crise. As experiências sobre o assunto se
iniciaram ainda por iniciativas do Ministro Cézar Cais,
quando Diretor da Eletrobrás. Devem, porém, ser
aceleradas, inclusive, se necessário, com a compra de
know-how estrangeiro plenamente testado. É claro que
se os países desenvolvidos tivessem adotado a solução
álcool, como base da alternativa energética para o
petróleo nesta fase de transição, a conversão e produção
de motores e turbinas já não estariam em discussão, e o
problema técnico já estaria resolvido. Trata-se, portanto,
de comprar caro no País, e se necessário no exterior, a
tecnologia indispensável à salvação nacional sob pena
de, ao contrário, pagar muito mais caro os custos dos
atrasos e imprevidências.
Para o autor, antigo defensor do desenvolvimento
tecnológico do país, com proteção dos interesses
nacionais, parece razoável — em casos determinados e
setorialmente — acelerar o progresso de aquisição de
soluções tecnológicas, pois, de outra forma, se estará
pondo em risco todo o complexo segurança e
desenvolvimento . O Brasil goza hoje de um privilégio,
representado pelo seu nível de insolação, disponibilidade
de terras, água e mão-de-obra. São fatores de produção
aos quais se pode, agregando o capital, confiar a solução
do impasse energético existente. Daí parecer coerente,
com toda a pregação que vem sendo desenvolvida sobre
a grande crise do petróleo e o papel do álcool como
solução alternativa, insistir no sentido de que o esforço
de mudança que se está tentando seja formulado com
ambição triplicada.
É preciso confiar na iniciativa dos brasileiros. Foram
eles que levaram a soja, em poucos anos, a cerca de 10
milhões de hectares plantados; foram eles que
recuperaram, em dois anos, 1 bilhão de pés de café
destruídos pela geada, de um total existente no país de
1,5 bilhão de pés. A economia de mercado atua com
sucesso no Brasil. Se o álcool tiver bom preço,
localização determinada e comprador garantido, a
produção explodirá, trazendo inclusive grandes
benefícios marginais. Veja-se o caso do Vale do São
Francisco, onde se pode plantar cerca de 1 milhão de
hectares de cana-de-açúcar com o emprego de irrigação,
obtendo aproximadamente dez bilhões de litros de
álcool, admitida a produção de 100 toneladas por hectare
e de 100 litros de álcool por tonelada. Considerando o
custo do emprego hoje gerado no Nordeste (cerca de
US$ 20.000), se o plano sugerido viesse a custar cinco
bilhões de dólares, gerando cerca de 500.000 empregos,
ter-se-ia o investimento de 115$ 10.000 por emprego. É
fácil conceber que, nos próximos seis a dez anos, terão
de ser gerados no Nordeste muito mais do que 500.000
empregos. E a que custo? E produzindo o quê, com maior
significação econômica do que o álcool?
Eis aí considerações que precisam ser feitas.
Precisamos de flexibilidade nas opções
macroeconômicas. O autor tem defendido o
estabelecimento de polos produtores próximo aos
centros consumidores, ligados por dutos de preferência.
Não se deve descartar, porém, a hipótese de aproveitar
também polos de alta energicidade, com custo de terra
quase cem vezes inferior ao de áreas em São Paulo,
justificando dispêndios vultosos em alcooldutos extensos
11

A PETROBRAS E O ÁLCOOL

A Petrobras é uma empresa com capacidade de gerar


reações emocionais. Não tanto devido a fatores
imponderáveis, mas pelo próprio tipo de atuação para a
qual foi criada, em meio a uma campanha nacional de
ampla repercussão.
Na época em que se discutia a solução a ser dada ao
problema petrolífero brasileiro, nos anos 50, travou-se
um duelo de morte, prevalecendo o monopólio estatal do
petróleo a cargo da Petrobras. Havia razões que
justificavam tal comportamento, dada a conjuntura
existente no Brasil e no mundo. O petróleo era fonte de
guerras entre empresas, as quais, protegidas pelos
países de origem, faziam e desfaziam governos nos
países subdesenvolvidos, patrocinando mesmo algumas
guerras de fato, corno a do Chaco, por exemplo.
Discutiu-se, na época que antecedeu a criação da
Petrobras, quanto aos malefícios que poderia representar
para o País a abertura de suas portas às multinacionais
de petróleo. Ontem, como hoje, visavam elas apenas ao
lucro, desinteressadas da estabilidade política,
econômica ou social dos países em que se instalavam.
Aliás, as consequências dos erros políticos das
multinacionais do petróleo — cada dia mais ricas — aí
estão, visíveis a olho nu, desde o Oriente Médio até a
Venezuela. Em seu rastro não ficaram o progresso, a
ordem e a democracia. Muito pelo contrário, geraram
problemas de toda a ordem, até mesmo nos Estados
Unidos, onde Rockfeller chegou a ser considerado inimigo
público no 1 pelo Presidente Theodore Roosevelt.
Optou o Brasil, portanto, por uma solução que se
pretendia fosse nacionalista, capaz de dar autonomia de
combustível e de refinação com a aplicação dos lucros no
País, evitando as deseconomias que os adeptos da
Petrobras apontavam na solução antimonopolista. E
assim nasceu e cresceu a Petrobras, sob o signo da
esperança do povo brasileiro com o apoio de civis e
militares desejosos de encontrar na atuação da empresa
a resposta aos seus anseios de liberdade e
desenvolvimento.
Como é raro a história registrar anseios atendidos,
particularmente quando idealistas se batem por soluções
dependentes de outros que irão implantá-las, a Petrobras
não fugiu à rotina. Baseada no petróleo barato, no refino
lucrativo e em outras vantagens que pôde aproveitar,
usou o monopólio para tornar-se um, conglomerado de
empresas, voltadas todas para a sua própria expansão,
descuidadas de cumprir a missão fundamental para a
qual a empresa-mãe tinha sido originalmente criada. A
Petrobras tornou-se, de fato, mais uma das irmãs que
dominam o mercado petrolífero internacional, com
predominância, em diferentes escalões de sua
administração, da mentalidade existente nos executivos
de qualquer multinacional.
E a Petrobrás cresceu, cresceu, até que surgiu a crise
do petróleo em 1973. Durante os últimos seis anos, os
executivos da. Petrobrás acreditaram que o petróleo seria
um produto disponível nas quantidades necessárias e a
um preço suportável. Infelizmente o Brasil, se dispõe em
seu subsolo de petróleo em abundância, guarda essa
riqueza de forma avara. Em 1979, depois da crise do Irã,
com os preços do petróleo subindo descontrolavelmente,
os, executivos da Petrobrás começaram a verificar, entre
consternados e atônitos, que é improvável, se bem que
não impossível, o Brasil descobrir grandes jazidas de
petróleo. Verificaram também que é indispensável
garantir a estabilidade do País, mediante apelo a fontes
alternativas de petróleo.
Acontece que ao longo de seus 25 anos de vida, a
Petrobras gerou muitos descontentamentos e destruiu
muitas ilusões. Por outro lado, aqueles que se opunham
ao monopólio estatal do petróleo hoje apontam os
fracassos da empresa, esquecendo os seus, sucessos,
particularmente no domínio de urna tecnologia
sofisticada e de ponta.
A realidade de 1979 é diferente daquela dos anos 50.
Não é hora de desmoralizar a Petrobras e marginalizá-la
da solução do problema dos combustíveis derivados do
petróleo e de suas alternativas. Sem que a Petrobras
sofra alterações em sua estrutura e em seu
comportamento para enfrentar novos desafios, não é
possível garantir que soluções alternativas, em termos
institucionais, viessem a apresentar vantagens sobre a
utilização da empresa nesse sentido.
O problema do álcool — é preciso enfatizar até a
exaustão — tem peculiaridades vinculadas à própria
sobrevivência nacional que dizem respeito ao cerne da
segurança do País. E por que?
Primeiro. Se os Estados Unidos, com todas as suas
esquadras nos diferentes oceanos, independentemente
de seu poderio militar global, temem um estancamento
na importação de petróleo, pendurados num tênue fio de
petroleiros ao longo dos mares, como deve se sentir o
Brasil? Logo, a hipótese de estancamento total ou parcial
tem de ser admitida.
Segundo . Admitida a hipótese formulada, todo o
planejamento da produção, transporte e distribuição do
álcool ganha enverga-dura diferenciada, não comparável
à de qualquer outro programa. Isso significa que os
volumes a serem produzidos, com todas as medidas
consequentes nos demais campos, são prioritários e
urgentes, devendo os prazos para a sua obtenção
constituir função da hipótese de estancamento total.
Terceiro . A produção brasileira de álcool é função da
dispo-nibilidade de petróleo a preço acessível para o País,
custando menos, em todos os sentidos, produzir álcool
rapidamente, a qualquer custo, do que continuar o País a
trabalhar a fim de transferir o fruto de seu suor para as
nações produtoras de petróleo até não aguentar mais.
Quarto . No cenário atual, os interesses secundários
devem ser deixados de lado. Se os empresários da
agroindústria açucareira e outros interessados no setor
pretendem manter o controle do processo, visando a
beneficiar-se da situação, o Estado e a Nação não podem
condicionar a sua salvação nem aos países produtores de
petróleo, nem às multinacionais do setor, nem aos
empresários brasileiros hoje a ele vinculados. O
empresariado brasileiro — sozinho ou associado, com
controle efetivo das empresas — terá de voltar-se para a
produção de álcool, trazendo ao crescimento do setor um
aporte de tal significação que o segmento hoje envolvido
na problemática será absorvido pela nova estrutura
empresarial em vésperas de surgir.
Quinto . De uma parte, o País exige um crescimento
vertical na sua produção e utilização de álcool. Talvez 30
bilhões de litros para 1985 seja até uma meta modesta,
inclusive diante das conclusões da CPI da Câmara
Federal sobre fontes alternativas de energia. O próprio
autor, que se havia fixado na meta de 30 bilhões de litros
para 1985, apresentada a 27 de junho de 1978 em
depoimento perante a referida CPI, hoje está procedendo
a uma revisão de posição no pressuposto de que a meta
a ser perseguida em volume, no País, é tanto maior
quanto menor a disponibilidade de recursos estratégicos
e econômicos capazes de assegurar a continuidade dos
fornecimentos de petróleo. De outra parte, para atender
a uma demanda de álcool superior a 30 bilhões de litros,
no menor prazo possível, o equacionamento do problema
tem de levar em conta a existência da Petrobrás.
Sexto . Os pontos críticos do Programa Nacional do
Álcool, segundo as metas a que inexoravelmente o
Governo será levado a curtíssimo prazo, estão
localizados na fixação dos polos produtores no
atendimento da demanda industrial consequente e na
fixação dos meios de transporte da produção desses
polos para os centros consumidores, utilizando aquavias
e dutos — formas econômicas de fato para fazê-lo,
independentes das distorções hoje existentes em setores
como o do transporte marítimo. Como deixar de lado a
Petrobrás, ou dar-lhe um papel irrelevante, quando
deverá caber-lhe:
- Compatibilizar o uso dos derivados do petróleo e do
álcool, para evitar soluções caóticas e antieconômicas;
— Transportar o álcool através da sua rede de dutos e
de alcooldutos especialmente construídos;
— Armazenar completamente o álcool, medida
indispensável para a regularização da distribuição e para
a criação de estoques estratégicos a serem manipulados
em paralelo com os estoques estratégicos de petróleo;
— Distribuir o álcool para o consumo, se possível de
forma independente, na medida em que o álcool, como
solução brasileira, não deve servir para dar lucros às
multinacionais de petróleo?
Na verdade, as situações de emergência exigem
coragem, principalmente coragem. A confiança em que
há tempo para encontrar soluções ótimas já, gerou o
problema que ai está, à vista de todos. Existirão sempre
interesses contrariados, reclamações, conforme ocorre
até nos campos de batalha, em guerras convencionais. A
guerra que o Brasil está travando não é uma guerra
convencional: trata-se, de fato, de uma agressão
econômica, cujos resultados — se não for enfrentada
corretamente — conduzirão o Pais de volta à idade da
pedra, conforme afirmou o ex-Ministro Mário Henrique
Simonsen. O autor, faz cerca de um ano, expôs o
problema mais ou menos nestes termos ao então
Ministro da Fazenda, que perguntou: "E quem é contra o
álcool?”. Diante da resposta de que ninguém era contra,
porém não havia suficiente conscientização a favor,
comentou que não fazer oposição era negativo. Hoje há
oposição ao Programa, e a pior delas consiste na
tentativa de convencer o Presidente da República e a
Nação de que meias medidas são medidas inteiras. Cabe
àqueles, convictos de estar vendo claro o desastre que
se aproxima -- oxalá estejam errados! —, mostrar que há
oposição ao Programa do Alcool para impedi-lo de atingir
a dimensão que deveria ter.
12

PETRÓLEO — PLANO DE EMERGÊNCIA

Introdução

O Brasil já está vivendo em situação de emergência


energética, devido à crise do petróleo. Não é mais hora
de apresentar argumentos para provar essa tese.
Aqueles que já se convenceram da situação de
emergência, cabe pensar em como enfrentá-la, tentando
atenuar a colisão com a realidade. Aos que não se
convenceram é de desejar — mesmo sendo isso
improvável — que tenham razão.
Foi esse o raciocínio adotado pelo autor em seu
depoimento na CPI da Câmara Federal sobre fontes
alternativas de energia para substituir o petróleo,
realizado em 27 de junho de 1978, quando apresentou o
trabalho "Álcool: Uma Agenda para o Presente". Na
oportunidade declarou:
"No que se refere ao Brasil, houve, sem sombra de
dúvida, a compreensão de que o fenômeno representado
simbolicamente pela OPEP afetava profundamente toda a
arquitetura da economia do País, no mínimo a curto e
médio prazos. Ao mesmo tempo, sem pretender apontar
responsáveis, talvez por culpa de nosso estágio de
desenvolvimento econômico e de nossas limitações e
servidões culturais, é possível deduzir que a reação ao
desafio proposto à nossa revelia foi extremamente dúbia:
combateram-se os desperdícios com urna cerimônia
fidalga, inclusive quanto a uma contenção enérgica no
consumo de combustível; de outra parte, estabeleceu-se
uma estratégia de ataque direto ao fenômeno, baseada
fundamentalmente no investimento maciço em pesquisa
de petróleo (com resultados na plataforma marinha que
indicam ser tal política a sua justificativa), sem no
entanto ter havido a coragem de proceder com a mesma
desenvoltura na busca de fontes alternativas de energia.
Faltou, assim, a capacidade de mobilização nacional para
enfrentar uma situação capaz de gerar tensões sociais e
econômicas sérias. A contrapartida foi um elenco de
meias medidas (não discutimos as boas intenções com
que elas foram tomadas) que afetavam a capacidade de
resistência do País e minavam a sua saúde, quando se
oferecia a possibilidade de um amplo movimento de
aglutinação nacional, com todas as conotações de
sacrifícios a serem feitos e relocações de recursos e
esforços. Quanto aos sacrifícios, referimo-nos ao
estabelecimento de uma quota máxima de combustível a
ser consumido, associada a uma política de estímulos,
em cruzeiros, adequada à exportação de automóveis. No
tocante ao movimento de aglutinação e mobilização,
preconizamos uma alocação e relocação de recursos
capazes de incorporar o País rapidamente à era do
álcool, conforme sua vocação ecológica e suas reais
possibilidades".
Hoje e aqui — quando o citado depoimento na Câmara
Federal se torna cada vez mais afastado no tempo —
seria possível continuar fazendo a mesma afirmação. Se
houve conscien-tização em termos de know-why , ainda
falta muito em termos de know-how , de saber de fato
como enfrentar a crise. E as soluções apresentadas
conflitam entre si, demandam anos para se tornarem
realidade, quando já se está vivendo em situação
absolutamente emergencial.
Deixando de parte raciocínios baseados em utopias
inviáveis , cumpre estabelecer a estrutura de um Plano
de Emergência para a substituição do petróleo
importado, no todo ou de forma significativa. A base
fundamental do raciocínio que leva à elaboração de um
Plano de Emergência como o que vai ser indicado, sujeito
a mudanças em função do nível de informação e
instrumentação do Poder Público, é a absoluta
inocuidade de quaisquer controles volumétricos da
importação, em si mesmos. Voltados, por enquanto, para
os problemas de energia, tentando contribuir para
blindar o calcanhar de Aquiles do Brasil, temos
reiteradamente afirmado de nada valer a contenção de
10 ou 20% no consumo do petróleo. Um aumento de
preços suave — em função do apetite dos países
produtores — engole as restrições volumétricas em ritmo
alucinante.
É daí que o Plano de Emergência pretende examinar
alternativas para hipóteses de estancamento, total ou
parcial, na importação de petróleo. Tais hipóteses, por
mais antipáticas que se afigurem, devem ser
obrigatoriamente consideradas. Na conjuntura em que o
Presidente dos Estados Unidos declara estar o
abastecimento de petróleo na dependência de um tênue
fio de petroleiros ao longo dos mares do mundo, o Brasil
não pode ignorar que está correndo riscos maiores, seja
pela dependência da importação de petróleo, seja pela
incapacidade de proteger, militar e politicamente, as
suas linhas de abastecimento. De outra parte, conforme
assinalado, a evolução dos preços do petróleo já hoje
apresenta riscos de estancamento, por incapacidade de
arcar com o peso dos custos econômicos, políticos e
sociais da dependência existente.
O Plano de Emergência se configura como uma
imposição das circunstâncias. A sua elaboração permitirá
estabelecer premissas fundamentais sobre estoques de
petróleo e álcool, bem como sobre volumes mínimos de
álcool a serem produzidos ou sobre a infraestrutura para
fazê-lo em tempo — em função da garantia de um
mínimo de normalidade para o País. Outrossim, permitirá
a aplicação imediata de medidas necessárias à garantia
de sua exequibilidade.
Cumpre ainda reiterar que o Plano de Emergência
delineado não pretende ser definitivo. É uma
contribuição a ser urgentemente ajustada, com amplo
conhecimento e contribuição da sociedade brasileira,
independentemente do seu caráter indicativo.
As hipóteses de trabalho serão estabelecidas para
duas situações extremadas, como são o estancamento
total da importação de petróleo e o seu estancamento
parcial, de 50%. São hipóteses que podem variar entre os
dois limites, devendo ser estabelecido um modelo capaz
de ser operado de forma a permitir a aplicação de
medidas eficazes, com pleno conhecimento de suas
possíveis consequências.
É fundamental esclarecer que para as duas hipóteses
citadas se impõem algumas medidas comuns com
intensidade diferente, a saber: racionamento de consumo
para automóveis, mesmo os convertidos para o uso de
álcool; carburação no emprego dos motores diesel com
até 40% de álcool, independentemente do emprego do
álcool aditivo, na base de substituição de óleo diesel por
80 a 90% de álcool, o mais rápido possível;
estabelecimento de um plano de motores e veículos
alternativos, inclusive estimulando o seu uso e facilitando
a sua compra; preparação, com todo o detalhe, e
implantação do uso do carvão e até da eletricidade, em
vez do óleo combustível — independentemente das
pesquisas com o metanol e inclusive mediante emprego
do gasogênio de carvão com injeção de oxigênio;
estocagem de petróleo, melaço e álcool, nos volumes
indispensáveis à obtenção do tempo necessário para
colocar em prática as soluções preconizadas; utilização
de alternativas de resposta rápida, para a produção de
maiores volumes de álcool, como o uso do milho, por
exemplo. No caso particular do milho, deve-se considerar
a sua existência no País e que se ele não puder ser
transportado de nada vale, procurando um acordo com
os Estados Unidos para o fornecimento de destilarias,
operando em prazo não superior a um ano para os
volumes complementares constantes das alternativas de
estancamento, dadas as possibilidades reais de
fornecimento nacional, no todo ou em parte, do
equipamento necessário. Outrossim, não se cogitaria de
posteriormente paralisar as destilarias que operassem
com o milho como matéria-prima, mas, ao contrário, de
expandir a produção desse grão, mantendo as usinas em
funcionamento nos centros a serem selecionados,
inclusive em função do transporte, silagem e tancagem,
tanto da matéria-prima como do produto final.
Cumpre esclarecer, por último, que as alternativas de
estancamento parcial ou total admitem duas etapas de
planejamento: a correspondente ao primeiro ano de
emergência e a do ano subsequente, já marchando para
uma nova forma de normalização. O Plano de
Emergência indicativo permite passar de uma situação
de restrição de 50% nas importações de petróleo para
aquela de estancamento total.
13

PETRÓLEO — PLANO DE EMERGÊNCIA

O estancamento de 50% da importação

O Plano de Emergência a que nos estamos referindo


tem como diretrizes básicas:
— Buscar soluções cirúrgicas para problemas que não
podem ser tratados pela homeopatia.
— Enfrentar a realidade, fugindo das posições tímidas,
com a coragem de admitir alternativas de restrição de
importação nos limites de tolerância da economia
nacional.
— Esclarecer a sociedade brasileira sobre a verdade
da situação que o País atravessa, acreditando na
compreensão e na cooperação do povo brasileiro.
O autor tem consciência do choque que causa a
simples ideia de um estancamento de 50% ou do total
das importações de petróleo. O objetivo é chocar mesmo.
O choque maior será assim evitado: aquele decorrente
da necessidade de aplicar medidas de emergência,
atabalhoadamente: não estamos longe disso.
A linguagem adotada é a de disponibilidades e
consumos colocados em termos de bilhões de litros. De
outra parte, foram adotadas premissas que serão
relacionadas a seguir, sem pretensões de apresentar um
Plano de Emergência acabado. Cabe ao Estado, como
Poder Público, usar as sugestões apresentadas pela
iniciativa privada e por outros segmentos da sociedade
brasileira, montando e aplicando um Plano de
Emergência sem se deixar dominar pela paquidermia .
1ª Premissa . Destilação atmosférica do petróleo
permitindo obter 55% de óleo combustível, 25% de óleo
diesel e 20% nafta. Essa premissa é vital, pois em
situação de emergência, a curto prazo, não há tempo
para estruturar soluções alternativas para a substituição
do óleo combustível já no primeiro ano.
2ª Premissa . Utilização do óleo combustível produzido
pelo processo de destilação atmosférica do petróleo,
enquanto se elaboram os planos finais para a sua
substituição por carvão (diretamente), bagaço de cana,
gasogênio com injeção de oxigênio, eletricidade e outros
recursos já em estudo. É indispensável, no entanto,
dividir os planos finais em duas partes: aquela de
aplicação imediata, inclusive porque não podem ser
completados em um ano, apesar de completamente
detalhados, e aquela de aplicação no decurso do primeiro
ano de emergência.
3ª Premissa . Substituição mínima de 40% do óleo
diesel através da carburação e da aditivação. Ademais, é
possível obter, sem aumento de consumo, maior
eficiência mediante diminuição do número de
automóveis em circulação e aumento da velocidade dos
veículos pesados. A vantagem de tal política é que os
ônibus absorverão, facilmente, o acréscimo de oferta
advindo da diminuição do uso dos automóveis.
4ª Premissa . Consideradas as disponibilidades de
álcool e gasolina, é recomendável utilizar a maior parte
do álcool junto com o óleo diesel, para operar a frota de
transporte urbano e de carga. Independentemente disso,
haverá a utilização da gasolina produzida, mantendo-se
parte da frota de automóveis em funcionamento —
complementada a gasolina com álcool anidro ou
hidratado, conforme se utilize a mistura ou o motor a
álcool puro, convertido ou fabricado para tal.
5ª Premissa . Pleno uso da produção estabilizada de
petróleo de origem nacional, bem como formação de
estoques de petróleo adequados às necessidades.
Quanto ao estoque de álcool, utilizando a capacidade
ociosa das destilarias e o emprego de melaço, mesmo
com sacrifício da produção de açúcar (em cerca de sete
milhões de sacas), deverá atingir um volume de entre
nove e dez bilhões de litros de produção safra a safra.
6ª Premissa . Importação de derivados de petróleo
que não possam ser substituídos no primeiro ano de
emergência (a nível de restrição de 50% na importação
de petróleo), com utilização preferencial de óleos
vegetais hoje produzidos no Brasil, oferecimento de
estímulos decisivos à sua produção e redirecionamento
daqueles já disponíveis e indispensáveis ao Plano de
Emergência.
Admitidas essas premissas, as recomendações quanto
ao primeiro e ao segundo ano de tal alternativa do Plano
de Emergência seriam, considerada a importação de 26
bilhões de litros de petróleo e 11 bilhões de litros
produzidos no País, as seguintes:

1º ANO DE EMERGÊNCIA

Óleo combustível

55% de 37 bilhões de litros = 19 bilhões de litros,


atendendo ao consumo atual.

Óleo diesel

25% de 37 bilhões de litros = 9 bilhões de litros.


Seriam acrescidos, no mínimo, 40% de álcool,
representando de fato urna demanda de 7,5 bilhões de
litros, considerado o poder energético do álcool. O
quadro resultante obrigaria a um racionamento 1e cerca
de 20% no atual consumo de óleo diesel.

Gasolina

20% de 37 bilhões de litros = 7,5 bilhões de litros.


Com a utilização de 1,5 bilhão de litros de álcool ter-se-
ia, na pior hipótese, urna disponibilidade de 8,5 milhões
de litros de gasolina, ou seja, um racionamento de 50%
no atual consumo.

2º ANO DE EMERGÊNCIA

Considerando a vantagem de manter o estoque de


petróleo intocado, ao longo de um período de
estancamento de 50% de petróleo importado, a política a
seguir seria a de só aumentar o consumo definido no
primeiro ano de emergência através da utilização de
fontes alternativas do petróleo, prioritariamente a
eletricidade de origem hidráulica, o álcool e o carvão
Admitidas as formulações básicas estabelecidas, com
vistas a cortar a curtíssimo prazo 50% do petróleo
importado, resta estabelecer algumas ações resultantes,
ou seja, quais os volumes de álcool a produzir e quais as
prioridades na aplicação dos recursos da Nação. Em
termos de álcool, a demanda mínima prevista, de nove
milhões de litros, é compatível com a capacidade das
destilarias existentes no País, operando sem ociosidade.
Para isso, dever-se-ia providenciar a formação de
estoques de melaço ou outra solução de rápida
implementação, que não dependa da fabricação de
equipamentos.
Quanto aos estoques de petróleo, são eles
indispensáveis em termos de um volume mínimo
compatível com o Plano de Emergência. Na realidade, a
produção de álcool e os estoques de petróleo têm a sua
quantificação obrigada. No caso do álcool, o problema é
a decisão política sobre o nível do esforço nacional a ser
desenvolvido. No caso do petróleo, a sua estocagem —
na forma inclusive de derivados, conforme será exposto a
seguir — deve atingir segundo tudo indica, 20 bilhões de
litros. Ao ensejo cabem duas observações.
— As dificuldades técnicas de estocagem devem ser
resolvidas, inclusive, com o uso de grandes reservatórios
subterrâneos, construídos em regiões com camadas de
argila mole, como é o caso da Rio—Santos, e o emprego
de diafragmas de concreto. É uma sugestão já a nível de
detalhe, apenas considerada a sua importância para
efeito de implementação.
— Os investimentos necessários ao aumento da
estocagem são irrelevantes, visto que representam uma
maneira de entesourar a riqueza mais disputada no
mundo moderno.
14

PETRÓLEO — PLANO DE EMERGÊNCIA

O estancamento total da importação

A importância da contribuição oferecida não deve ser


medida pelos critérios indicados. Sejam eles inteiramente
válidos ou estejam necessitados de reformulação, o
significado da mensagem é de que deve ser feito e
aplicado um Plano de Emergência para enfrentar a
grande crise do petróleo.
Não deve existir dúvida quanto às distorções
psicológicas que obrigam os tecnoburocratas a repelir a
contribuição da iniciativa privada, como se ela fosse um
concorrente a temer na manipulação do Poder Nacional.
Para o empresariado e para as demais forças vivas da
Nação, o que interessa é o sucesso, estando todos
prontos para aplaudir o Governo, mesmo quando alguns
de seus componentes ocasionais se apropriam de ideias
alheias, sem dizê-lo, ou quando se apresentam, de
súbito, como salvadores de situações, de que tomaram
conhecimento em virtude dos cargos que passaram a
ocupar. Nada disso interessa, desde que ajam de forma
correta, competente e rápida. A Nação não pode esperar
que certos tecnoburocratas se mobralizem em suas
novas funções, nem sempre conquistadas por
capacidade e inteligência, às vezes até pela falta de tais
atributos.
O autor pede desculpas aos seus leitores pela
digressão. É apenas o desabafo de quem usa boa parte
de seu tempo disponível sem buscar outra recompensa
senão a de ver o Brasil em fase de retomada do processo
de desenvolvimento. E para isso é preciso que não se
levem sempre anos a fio para adotar medidas óbvias,
que desafiam conceitos elementares de bom senso.
Voltemos ao Plano de Emergência, elaborado para a
alternativa de estancamento total da importação de
petróleo, hipótese que pode ocorrer tanto devido a uma
decisão consciente da sociedade brasileira, através do
seu Governo, como por um abalo na estrutura econômica
da Nação, causado pelos preços do petróleo
incompatíveis com o balanço de pagamentos do País e o
seu nível de endividamento externo, associado à
estagflação interna. Aliás, a situação descrita já se está
verificando em diferentes aspectos da vida social, política
e econômica da Nação.
As premissas a seguir enumeradas para a alternativa
de que vimos tratando estão baseadas na pior hipótese,
ou seja, em termos de o estancamento da importação de
petróleo ocorrer de súbito, e não como consequência de
uma evolução controlada. Caso existam condições
evolutivas, passando do estancamento parcial para o
total, as condições seriam mais favoráveis, excluída uma
transformação em ritmo suave que levasse a um
decréscimo dos estoques recomendados, sem a sua
recomposição e sem a tomada de todas as medidas
indispensáveis.
1ª Premissa . Destilação atmosférica do petróleo,
permitindo obter 55% de óleo combustível, 25% de óleo
diesel e 20% de nafta.
2ª Premissa . Aproveitamento de todos os progressos
obtidos na substituição do óleo combustível por carvão,
gasogênio com injeção de oxigênio, bagaço de cana e
outras soluções. No caso de um estancamento total da
importação de petróleo, a curto prazo, admite-se seja
aditivado o óleo combustível com 20% de álcool,
independentemente de um racionamento de 20% na sua
disponibilidade no primeiro ano de emergência. É claro
que está pressuposta, desde já, a tomada de medidas
que não podem ser operacionalizadas no primeiro ano de
emergência, para utilização no ano subsequente.
3ª Premissa . Substituição mínima de 60% do óleo
diesel, através da carburação e da aditivação. Outrossim,
é possível obter maior eficiência sem aumento de
consumo, na medida em que diminua o número de
automóveis em circulação, com aumento da velocidade
dos veículos pesados.
4ª Premissa . O racionamento de gasolina para
automóveis será função do álcool disponível para operá-
los, admitindo-se que a prioridade para o óleo
combustível e para o óleo diesel seja total. A nafta
eventualmente produzida será aproveitada para a
produção de derivados de petróleo mais leves. Também
se recomendariam medidas de total estímulo à
exportação de automóveis, durante o período crítico de
substituição de derivados de petróleo pelo álcool,
inclusive porque o álcool seria escasso na etapa inicial.
Nota-se, portanto, que quanto mais álcool for produzido,
menor a perturbação na produção de automóveis, com
todas as vantagens consequentes, de ordem social e
econômica.
5ª Premissa . Eventuais acréscimos na produção
nacional de petróleo não estão computados. Eles
funcionariam a favor da segurança, como também o faz
a hipótese de estancamento total, sem admitir eventuais
importações restritas de alguns derivados de petróleo.
6ª Premissa . Considerando o estrangulamento
acarretado pelo estancamento total da importação de
petróleo, são indispensáveis duas medidas: acréscimo
imediato da produção de álcool, com garantia de poder
elevá-la, em um ano, a mais de 20 bilhões de litros, e
estocagem de petróleo ao nível de 20 bilhões de litros.
Quanto à elevação da produção de álcool, sugere-se a
elaboração de planos válidos com a utilização do milho,
produto disponível no País passível de mobilização
imediata, desde que a capacidade nacional de fabricação
de destilarias, associada a um acordo com os Estados
Unidos, garanta operacionalizar o plano de mobilização
no prazo de um ano. Outra alternativa seria superar as
dificuldades de raciocinar sem ter o açúcar como
indispensável, partindo para a utilização do máximo de
cana mobilizável e a produção de equipamento para
destilarias em ritmo acelerado. Também cumpre analisar
uma solução mista: álcool da cana e de outros produtos
imediatamente mobilizáveis, e álcool do milho.

1° ANO DE EMERGÊNCIA

Esta hipótese deveria ser enfrentada com a utilização


do estoque de petróleo de 20 bilhões de litros, acrescidos
dos 11 bilhões de litros da produção nacional. Em
decorrência, poder-se-ia dispor de 31 bilhões de litros de
petróleo, ou seja, 20% a menos do que as hipóteses
formuladas para o primeiro ano de estancamento de 50%
na importação de petróleo. Seria o caso, portanto, de
aplicar sobre essa importação um racionamento adicional
de 20%.

2° ANO DE EMERGÊNCIA

Nesta oportunidade o País disporia apenas de 11


bilhões de litros de petróleo produzidos internamente, já
tendo utilizado o seu estoque estratégico no primeiro ano
de emergência. Trata-se, portanto, de uma operação no
mínimo delicada, a ser formulada como se segue:

Óleo combustível

55% de 11 bilhões de litros = 5,5 bilhões de litros, aos


quais seriam agregados 20% de álcool, elevando a
disponibilidade para cerca de 6,5 bilhões de litros. A
produção de álcool necessária só para atender à mistura,
considerado o seu poder calorífico, seria de dois bilhões
de litros. De outra parte, já deveriam estar em operação
as medidas recomendadas para implantação ao longo do
primeiro ano de emergência, visando a suprir o déficit de
mais de 60% na disponibilidade de óleo combustível.

Óleo diesel

25% de 11 bilhões de litros = 2,5 bilhões de litros.


No caso, ter-se-ia de aditivar para, no mínimo, 80% de
álcool, exigindo um volume teórico de dez bilhões de
litros, ou seja, 17 bilhões de litros, considerado o poder
calorífico do álcool. Ainda assim seriam aplicados um
racionamento de 30% em relação ao consumo atual e um
acréscimo de 10% sobre o consumo, com estancamento
de 50% na importação de petróleo.

Gasolina

Seria utilizado só o álcool à base de uma produção


ideal de 11 bilhões de litros, de modo a permitir um
racionamento de 50%, levando em conta o poder
energético do álcool.

Outros derivados

0,20 x 11 bilhões de litros = 2,2 bilhões de litros.


O restante das necessidades dos demais derivados de
petróleo aqui considerados seria suprido com outras
fontes, particularmente as de origem vegetal.
Tendo em vista a necessidade de dispor de 29 bilhões
de litros de álcool, na hipótese analisada (segundo ano
de emergência), o plano prevê, durante o primeiro ano, a
instalação de uma capacidade adicional de 20 bilhões de
litros. A falha no objetivo levaria a restrição maior na
substituição da gasolina.
O Plano de Emergência sugerido nestes três últimos
capítulos leva a determinadas conclusões, a serem
ajustadas conforme uma análise detalhada, mas
fundamentalmente balizadas e sumariadas a seguir:
— Acelerar a substituição do óleo combustível é
importante, mostrando-se crítico apenas no caso de
estancamento total no segundo ano.
— A aditivação do álcool e o próprio motor a álcool,
para substituir o combustível ou o motor diesel, devem
ter acelerada a sua solução final.
— A produção de álcool deve atingir, no mais curto
prazo, 20 bilhões de litros, sendo o ideal 30 bilhões de
litros. Essa meta é tão Importante que caberia discutir
com os Estados Unidos a possibilidade de nos fornecer
destilarias para o uso do milho como matéria-prima, de
modo a ampliar a produção, em um ano, em dez bilhões
de litros. Não haveria necessidade de realizar tais
investimentos de imediato, podendo o fornecimento a
curto prazo ser feito pela indústria nacional.
— O Plano de Emergência exigiria, desde agora, um
estoque de melaço, para se ter sempre a possibilidade de
produzir mais de nove bilhões de litros com a atual
capacidade de destilação.
— O estoque de petróleo deveria ser elevado para 20
bilhões de litros, como reserva estratégica a ser utilizada
apenas na hipótese de estancamento total da importação
de petróleo.
— Os planos de transporte urbano deverão ser
revistos à luz da necessidade de dar-lhes maior
eficiência, em função da retirada de automóveis das vias
públicas. Por outro lado, o plano de veículos alternativos
traria contribuição importante para o transporte de
passageiros.
15

O BLOQUEIO ECONÔMICO AO BRASIL

Faz quase dois anos, começamos a pregar a


necessidade de entender a grande crise do petróleo
como o principal desafio do País. Poder-se-ia, talvez,
classificá-la como a síntese dos desafios à capacidade
brasileira de sobreviver e crescer como nação livre,
independente, soberana e democrática.
O ponto de vista que defendemos, ao longo de 1978,
foi bastante claro: se o petróleo não é produzido, no
Brasil, em quantidade suficiente; se a dependência da
importação é maior que 80% do consumo; se os preços
do petróleo são manipulados por senhores feudais com
os pés na Idade Média e as mãos em nossas gargantas --
como deixar de buscar uma solução brasileira para nos
livrarmos da escravidão e do desespero, caso isso seja
possível?
Qualquer exame de situação, e hoje esse ponto já
está largamente divulgado, indica o álcool como primeira
etapa da substituição parcial do petróleo, ou seja, como
solução transitória por 20 ou 30 anos,
independentemente de outros produtos de origem
vegetal e do carvão brasileiro.
E por que não se adotou o caminho claramente
indicado? Simplesmente porque não estamos, como elite
intelectual do País, suficientemente preparados para
seguir um caminho autônomo, desligado dos padrões
culturais e técnicos dos países ricos do mundo ocidental.
Na verdade, ficamos à espera de um sinal verde vindo de
fora, arranhando as nossas possibilidades endógenas,
sem dar velocidade às transformações estruturais,
indispensáveis à adaptação da economia a um novo tipo
de combustível
A nossa imprevidência, que só não foi maior graças à
crise do açúcar, obrigando-nos a desviar a cana para o
álcool, levou o País a tratar o assunto de maneira
elementar e despreparada. Não promovemos conversão
total de todos os motores e turbinas para funcionarem a
álcool; não obtivemos a definição dos polos produtores,
de modo a lograr, com a abrangência de todos os
insumos, um rendimento agrícola adequado; não
dispomos da tecnologia industrial desenvolvida e
planificada indispensável a uma produção em série, a
baixos custos, com o máximo de eficiência.
De qualquer forma, ficar citando o que não temos é
fastidioso. Se o problema, com a possibilidade de solução
que a natureza nos ofereceu, se situasse num país
desenvolvido, todos os não temos já teriam deixado de
existir há muito tempo. Devemos fazer hoje, com
grandeza, o que já devíamos ter iniciado ontem, para não
perder de vez o amanhã.
É este o nosso brado de alerta nesta oportunidade,
com um convite a todos os que nos lerem a se engajarem
de forma amadu-recida nesta batalha pela soberania do
Brasil, lastreada na retomada do desenvolvimento. Não
podemos silenciar sobre o desper-dício de energias
decorrente de recursos aplicados em programas menos
prioritários, de menor significado, do que o do álcool.
A luta que o País está travando pode ser classificada
de guerra contra a agressão econômica externa. Preços
altos do petróleo; produtos manufaturados — inclusive
adquiridos às vezes insensatamente pelos países
produtores de petróleo — com preços forçados em
função da reciclagem dos petrodólares; desvalorização
do dólar diante de outras moedas que configuram hoje
boa parte de nossos débitos externos,
independentemente de serem a moeda de venda de
nossa exportação — tudo isso leva a uma erosão de
nossas forças vitais como Nação, só concebível diante de
uma agressão armada no passado, numa espécie de
bloqueio econômico do agredido.
Ficamos, portanto, com as consequências do bloqueio,
sem luta armada mas também sem mobilização nacional.
Esta deve ser a nossa reivindicação de todas as horas,
enquanto é tempo. Existem aqueles para os quais a
situação não é tão grave, posição que assumiram desde
a época em que o preço do petróleo deu o seu primeiro
salto. É preciso não deixar o País se envolver em um
clima de falso combate ao pessimismo. Não é aceitável
uma Nação auto-anestesiar-se e considerar um aumento
de um bilhão de dólares em sua pauta de importação, ou
mesmo o dobro, sem acrescentar nada ao seu
patrimônio, como um fenômeno natural.
A preocupação dos Estados Unidos, França, Alemanha,
Japão, e mesmo dos países comunistas, é válida. O clima
não é de festa nem mesmo para os detentores do
petróleo, pois as suas situações internas são instáveis.
Veja-se o caso do Xá do Irã, passou de visita disputada,
potentado respeitável e temido à condição de leproso
internacional, caçado como um cão raivoso, com o
oferecimento de prêmios à sua própria mulher para
matá-lo. E o que assusta, independentemente dos crimes
políticos e contra os direitos humanos que o Xá possa ter
perpetrado, é o silêncio em relação a esses mesmos
crimes enquanto ele estava no poder, e a cumplicidade
com a caçada que lhe movem depois de deposto.
O poder deletério do petróleo — capaz de desagregar
sociedades e dividir cidadãos de um mesmo país, por
interesse ou por pânico — é de tal ordem que se torna
difícil estabelecer qual o maior risco: a sua falta, gerando
problemas de toda a ordem, ou a sua disponibilidade,
quebrando o caráter da nação e de seus cidadãos.
Daí ser necessário, sempre que possível, deixarmos
de ser escravos e dependentes do petróleo importado,
pois por enquanto ele está, no mínimo, levando governos
e pessoas a proceder como jovens drogados, aceitando
fazer qualquer papel, desde que não lhes falte a droga. E
no caso o petróleo faz o papel da droga com eficiência
multiplicada: por sua ação coletiva, influi no
comportamento de multidões até o ponto dos conflitos
com mortes, por falta de petróleo, nas estradas norte-
americanas.
Reivindicamos, por isso, os brasileiros lúcidos e
conscientes do tipo da sociedade próspera, aberta e
democrática que se pretende para o País, uma ação
enérgica para livrá-lo da situação em que se encontra.
Confiamos em que as mais altas autoridades da
República estão em condições de se pôr à altura da
situação e tomar as medidas de mobilização nacional
que o povo entende, reclama e aguarda ansioso,
anunciadas em conjunto com as medidas práticas, de
aplicação e resposta rápida, capazes de permitir, a curto
prazo, uma redução dos sacrifícios que serão pedidos e
oferecidos de bom grado. Os catalisadores do encontro
redentor entre o Estado e a Nação, entre o Governo e o
Povo, são as medidas competentes para produzir álcool e
hidroeletricidade e aproveitar o carvão num Plano de
Emergência de aplicação imediata. É o que todos
esperam e desejam.
16

O DISCURSO DO PRESIDENTE

O dia 4 de julho de 1979 constitui, sem sombra de


dúvida, um marco importante na História do Brasil. Isso
se deve ao relevante pronunciamento do Presidente da
República à Nação, comunicando-lhe que estava vestindo
as luvas de cirurgião para realizar a operação
indispensável, em face da crise do petróleo que atingiu
em cheio o País.
Desde a primeira crise do petróleo, em 1973, e
durante os últimos sete anos, o fenômeno do cartel
denominado OPEP só foi encarado na sua verdadeira
dimensão por um círculo restrito de homens públicos,
técnicos e intelectuais. A maioria esmagadora dos
componentes das elites dirigentes do País — e de outros
países, inclusive os subdesenvolvidos — subestimou o
problema e procurou dar a impressão de que estava
havendo passionalismo, de que se superdimensionava
um fenômeno controlável como o da cartelização e
manipulação do restante do petróleo disponível no
mundo.
Até faz pouco tempo, olhava-se com desconfiança
aqueles que pregavam, no caso do Brasil, a prioridade
um para o problema energético, pedindo ao Presidente
da República que assumisse o comando do confronto
estabelecido, em termos de mobilização nacional, com
prioridade para os recursos hidrelétricos,
biofotossintéticos (leia-se álcool em primeira etapa) e
carboníferos.
A maneira de enfrentar a dependência brasileira ao
petróleo importado não estava clara. Cada Ministro de
Estado tinha a sua fórmula, declarando-a integrada no
pensamento do Governo e compatibilizada com a de seu
colega, se bem que, ao confrontá-Las, podiam-se
perceber diferenças fundamentais, até mesmo naquilo
que era silenciado sem outra razão que não a
divergência, De sua parte, as classes empresariais,
através da Associação Comercial, das Confederações
Nacionais do Comércio, da Indústria e da Agricultura, e
de outras entidades, iniciavam um processo de
mobilização cujo objetivo final está expresso no
documento publicado sob o título "As Classes Produtoras
Face à Crise do Petróleo".
Foi nesse clima que se iniciou, no dia 3 de julho de
1979, no auditório da Confederação Nacional do
Comércio, o Seminário denominado "O Programa
Nacional do Álcool e a Livre Iniciativa". Cumpre assinalar
que o referido Seminário foi organizado por uma
comissão Técnica que se reuniu frequentemente e
estabeleceu um consenso apoiado posteriormente pelos
dirigentes das entidades promotoras. Líderes
empresariais, como Rui Barreto, o Senador Jessé Pinto
Freire, Domício Velloso, o Senador Flávio de Brito e
outros, reivindicavam um comando centralizado, com
medidas severas, acompanhadas de providências
adequadas — todo um conjunto de aspirações visando a
vencer a paquidermia diante da dependência do País ao
petróleo importado.
Ao contrário do que seria de esperar, eram as classes
empresariais que pediam mais ação ao Governo, mesmo
com sofrimento transitório. E o faziam na certeza de que
não adiantava adiar a cirurgia, sob pena de transformar-
se o tumor, ainda benigno, em tumor maligno. Não se
trata de alinhar aqui as posições das Alasses
empresariais, já conhecidas, a não ser aquela de insistir
em utilizar um cirurgião descomprometido com o seu
próprio futuro político, após o término do respectivo
mandato. E assim pediam o comando direto e a
responsabilidade indelegável do Presidente da República
no desempenho da ação necessária.
Outro aspecto importante, tanto para as classes
empresariais como para os demais segmentos da
sociedade brasileira, foi a prova de maturidade contida
na solicitação de eliminarem-se os juros subsidiados para
os projetos de produção de álcool. Os verdadeiros
empresários não querem beneficiar-se de favores, em
prejuízo inclusive dos próprios trabalhadores, para
montar indústrias inviáveis, na medida em que a sua
existência e sobrevivência dependiam da boa vontade da
burocracia, inconsequente em suas formulações, pelo
descompromisso com os resultados. Só os empresários
têm a punição da falência quando agem de maneira
incompetente. O que as classes empresariais solicitavam
— e solicitam —, com entusiasmo, é que se deixem
funcionar as leis do mercado, indicando onde, quanto e a
que preço o Governo deseja que se produza. Se houver
condição de lucro, o álcool será uma realidade, conforme
foi amplamente discutido. E tanto isso é verdade que
imóveis foram construídos com financiamentos caros,
enquanto tal atividade se mostrou lucrativa. Por que,
então, não se haveria de produzir álcool, desde que tal
atividade seja lucrativa?
Foi nessa altura dos acontecimentos que, no dia 4 de
julho, explodiu como uma bomba a notícia de que o
Governo estava reformulando todo o seu comportamento
diante do problema energético. Os empresários vibraram
e os burocratas, mais do que rápido, passaram a irradiar
em outra faixa de onda. O Presidente João Figueiredo
falou à Nação com absoluta lealdade, fazendo uma
exposição clara da situação, e foi compreendido por
todos. Foi um grande momento na vida nacional. Tratou-
se a sociedade brasileira como adulta, e não como um
grupo de crianças no jardim de infância.
A resposta diante do comportamento maduro do
Governo, na pessoa do Presidente, foi a melhor possível.
Houve a compreensão geral de que o País estava em um
túnel escuro, mas de que havia condições, com esforço
bem orientado, de reencontrar a luz, ainda na atual
administração. E era isso que se podia e se sugeria à
mais alta autoridade executiva do País. Hoje, os
sismógrafos do Governo devem estar acusando a boa
acolhida que teve o encaminhamento dado, até aqui, ao
problema energético. Daqui para diante cumpre
perseverar no tratamento institucional aplicado, e evitar
que a burocracia consiga — com a calma e a pertinácia
que lhe é peculiar — esvaziar as medidas adotadas.
É importante salientar, também, que a formulação
adotada pelo Presidente da República implica
consequências que todos aguardam com ansiedade. Tais
medidas não podem ser. apenas restritivas ao consumo
de petróleo, mas devem trazer em seu bojo o ataque,
rápido e correto, principalmente ao problema do álcool. E
por quê? No que se refere à hidroeletricidade, o único
problema são os recursos materiais. Havendo verbas, os
programas serão cumpridos, pois as demais condições já
existem. Quanto ao carvão, de importância vital, parte
das medidas são de resposta rápida, mas muitas
dependem de tecnologia e instalações que demandarão
tempo, e por isso devem ser iniciadas de imediato. Já a
produção de álcool tem possibilidade de ser ampliada,
desde já, para cerca de nove bilhões de litros, usando a
capacidade ociosa das destilarias e a matéria-prima
existente. De outro lado, falsos dilemas tecnológicos
devem ter solução imediata, como o motor de alta
potência a álcool, as turbinas movidas a álcool e a
utilização do álcool juntamente coma o óleo diesel ou em
substituição a este. São tais esforços, de resposta rápida,
que todos esperamos da determinação e pertinácia do
novo Conselho criado pelo Governo.
Aos brasileiros não envolvidos diretamente nas
decisões resta aguardar, torcendo para que elas sejam as
mais acertadas, considerada a conjuntura existente e o
conhecimento realmente disponível.
17

GOVERNAR COM IMAGINAÇÃO

O simples ato de governar uma casa, uma empresa,


ou mesmo um barco ou um carro exige determinada
habilidade, a par de um mínimo de treinamento, de
reflexos e de senso de responsabilidade. Quando se trata
de governar um país, onde os problemas se integram e
as soluções se complicam, às vezes ao ponto de se
anularem mutuamente, além de todos os ingredientes
citados há necessidade de utilizar uma dose expressiva
de imaginação.
As observações acima não têm a pretensão de
desenvolver uma tese sobre filosofia de governo. O Brasil
já atingiu um estágio, como Nação, que não permite
despender tempo com divagações. Particularmente na
atual conjuntura, quando fatores negativos se somam,
desafiando a competência, das elites brasileiras para
encontrar um caminho que permita obter progresso com
liberdade.
Ao longo do século XX o Brasil viveu a sua explosão
populacional sem ter, paralelamente, participado em
profundidade da Revolução Tecnológica que caracteriza
em particular a segunda metade do período.
Aprofundaram-se, por isso, as diferenças entre o Brasil
e as chamadas nações desenvolvidas, especialmente
porque as elites do País assumiram e divulgaram hábitos
de consumo supérfluo, conflitantes com as suas
possibilidades econômicas. Enquanto a civi-lização
ocidental desenvolveu o mito do automóvel, do rádio, da
televisão e de tantos outros confortos modernos, a
propaganda se encarregou de vulgarizá-los, ao ponto de
representarem condição obrigada para viver com
dignidade. Criou-se, portanto, a primeira grande
distorção: os povos dos países subdesenvolvidos eram
estimulados a consumir com o mesmo entusiasmo com
que o faziam os povos dos países desenvolvidos, sem no
entanto disporem dos instrumentos para eliminar o
incômodo sub que faz toda a diferença. Talvez por isso
tenham passado a empregar expressões como em fase
de desenvolvimento , ou de take off , estimulando o
consumo do supérfluo e, ao mesmo tempo, aplacando
quaisquer possíveis dilemas de consciência.
E foi assim que a civilização, no mundo ocidental, se
tornou sinônimo de desperdício, e de uma competição
permanente para ver quem consome mais. Seria de
esperar, portanto, que países como o Brasil, envolvidos
ainda com problemas ligados a um consumo de calorias
per capita inferior em 248 unidades ao mínimo
recomendado pela FAO, passassem a produzir dezenas
de tipos de automóveis, rádios, televisões, sem a menor
preocupação com economia de escala, com sobriedade e
com a mobilização de suas ener-gias na direção dos seus
interesses mais emergenciais
É comum fazerem-se comentários sobre a
responsabilidade do tipo de educação no
encaminhamento do esforço nacional. Se o povo gasta
mal, se a elite não se orienta com noção de prioridades
efetivas, tais distorções nasceriam da massificação de
diplomados, à base da múltipla escolha, despreparados
para um enfoque abrangente da realidade nacional. Na
verdade, a educação no Brasil não tem uma estruturação
voltada para a formação de bons profissionais ou
intelectuais, todos com uma visão clara dos interesses
nacionais, sem se alienarem culturalmente com
facilidade espantosa. Tudo que é estrangeiro é — por
definição — bom e deve ser imitado. Desde a forma de
vestir, até as soluções técnico-econômicas para
problemas que até podem ser semelhantes, sem
obrigatoriamente receberem soluções também
semelhantes ou iguais. Tendo sido colônia por mais de
300 anos, o Brasil ainda não perdeu o complexo colonial
que lhe castra, subconscientemente, a imaginação
criadora — o patrimônio mais importante do País.
Assim, as alternativas que representam a diferença
entre utopias viáveis e utopias inviáveis j são
automaticamente classificadas no segundo grupo,
raramente ousando-se transpor as fronteiras das
soluções testadas e adotadas no exterior, para assumir
aquelas que melhor se adaptem ao figurino
subcontinental do Brasil. Se os países ricos diversificam
modelos, visando a facilitar o aumento do consumo, o
mesmo se passa a fazer no Brasil; se em tais países as
soluções técnicas são de uso intensivo de capital e baixo
uso de mão-de-obra, mecanize-se alegremente o Brasil,
apesar de ser significativa a parcela da população
subempregada ou desempregada. Importaram-se
hábitos, soluções e modismos. O resultado é que na hora
de tornar a crise ostensiva, como um iceberg empurrado
para o alto, com exposição dos dois terços que estavam
ocultos pela água, todo o planejamento nacional se
mostra vulnerável. E por quê? Ao que tudo indica a causa
maior, implícita no processo, está firmemente vinculada
à adoção de caminhos desligados da melhor aplicação
dos parcos recursos disponíveis. É a velha história de que
a falta de recursos fartos — mesmo em termos pessoais
obriga a aplicá-los com o melhor critério e com a maior
rentabilidade, sem veleidades de grandeza.
Se adotada uma forma honesta de revisão de
comportamentos do passado, única forma de programar
de maneira sensata o futuro, vê-se que o País, por seus
dirigentes, apostou demais na sua capacidade de sacar
sobre o futuro, esperando desenvolver, em tempo,
riquezas que pagassem a conta do saque feito
antecipada-mente. O engano parece ter sido confiar em
fatores sobre os quais não se tinha controle: petróleo
barato; crescimento das economias dos países ricos, com
a correspondente demanda de matérias-primas e de
produtos semi ou totalmente manufaturados; capacidade
de barganha, como sócios de um mesmo clube, pois se
haviam adotado conscientemente todas as regras do
jogo, levando a uma sustentação do modelo
generalizado.
Ante a crise econômica do mundo ocidental, que já
fermen-tava havia muitos anos sem que se
apercebessem disso os condutores do planejamento de
governo, surgiu um fantasma inesperado, desencadeador
do processo: a crise de petróleo em 1973. Apesar disso, o
País continuou aceitando soluções vistosas, nem sempre
capazes de mudar a sua fisionomia ou mesmo permitir
uma recuperação do custo real, não-prioritário, da
operação. Aliás, os custos nacionais diretos são
sobrecarregados por um sistema que não é socialista,
mas definitivamente não é capitalista. O conjunto de leis
e regulamentos arquitetados por juristas e burocratas
consome mais da metade do tempo e da energia
disponível para o trabalho, na tentativa de deslindar o nó
górdio que foi montado, para desespero dos empresários
e trabalhadores. Porque, curiosamente, os dois são
vítimas — patrão e empregado — de certas formulações
insensatas que os levam a conflitos inevitáveis, apesar
de ambos terem pouca influência na formulação de
políticas que os afetam diretamente.
A civilização brasileira, cujos padrões culturais
estavam solidamente vinculados a estadistas e
burocratas de formação humanista, pouco objetivos e
juridicamente postulados, assumiu uma estruturação
falsamente tecnocrática, porque a burocracia aceitou
incorporar e digerir razoável contingente de técnicos e
economistas. O resultado, pouco animador, carente de
imaginação, foi uma escultura moderna, na qual se
descobre a influência dos clássicos gregos e dos
modernos mais divulgados, sem possuir, no entanto, o
menor atrativo estético. O traço comum é facilmente
identificável: proteger-se na adoção de soluções
comprovadas, sem correr o risco de ousar utopias
viáveis. Existem fórmulas arrojadas para enfrentar
dificuldades quase utópicas, se encaradas e medidas em
centímetros e não em polegadas. É o caso atual, a ser
insistentemente apontado, da libertação do País quanto à
civilização estertorante do petróleo, e sua passagem,
rápida e corajosamente, para a civilização do álcool, com
todos os inconvenientes — atuais e superáveis — do
combustível que está sendo oferecido à competência e
ousadia dos brasileiros. Ao mesmo tempo, trata-se de
abraçar as utopias viáveis: reestruturar a agricultura
brasileira; orientar a produção para os setores de
consumo vital, prioritariamente; e tratar o capital
estrangeiro como complemento de um planejamento
feito com a sua participação, e não para a sua
participação.
A solidariedade entre as nações do mundo ocidental é
condicionante obrigatoriamente vinculada à sua
sobrevivência. Não basta sabê-lo e proclamá-lo. Os
interesses a curto prazo com frequência se sobrepõem a
essa compreensão. É preciso, por isso, cuidar de
construir o País com base no trabalho racional, sem
ilusões, mas com determinação, inclusive para permitir
sobreviva o tipo de estrutura política que se pretende (a
democracia liberal), com participação de todas as
camadas da sociedade brasileira. E essa é também uma
utopia viável que não pode ser importada.
18

O ENFOQUE CORRETO DO USO DO ÁLCOOL

Determinados pontos ainda não estão suficientemente


claros no que se refere ao uso do álcool como substituto
dos derivados de petróleo, particularmente da faixa hoje
consumida nos transportes e no uso doméstico.
Há insistentemente propaganda no sentido de que o
álcool é, principalmente senão exclusivamente, uma
opção para a gasolina, aproveitado nos motores de
automóveis até aqui convertidos ou em carros com
motores especialmente projetados para utilização do
novo carburante. É claro que, enfocado dessa maneira, o
álcool seria apenas um meio de não eliminar certas
facilidades de transporte junto àqueles que podem ter
seus próprios veículos (menos de 110% das populações
dos grandes centros urbanos que não se utilizam dos
transportes coletivos). De outra parte, serviria para
impedir uma crise na indústria automobilística, provável
na medida em que houvesse — como terá de haver —
racionamento no fornecimento da gasolina.
Se o quadro traçado acima refletisse a realidade, seria
válido considerar o álcool uma contribuição significativa
para o problema dos derivados de petróleo, não tão
importante, porém, que justificasse uma intensa
mobilização nacional em torno de sua produção em larga
escala. Afortunadamente a realidade é diferente.
A utilização do álcool em paralelo com o óleo diesel é
possível já hoje com uma economia de cerca de 40%
desse derivado de petróleo, independentemente da
aditivação, que no caso do óleo de mamona eleva o
álcool a 80%, e no caso do detonante, conforme proposto
pela Mercedes Benz, eleva para 90% o seu
aproveitamento. Mais importante do que tudo isso,
porém (fato que vem sendo pouco comentado e
divulgado, talvez porque não interesse, no momento, aos
fabricantes de veículos pesados), é que o motor de
elevada potência, projetado para funcionar 100% a
álcool, não constitui um mistério. O CTA já o projetou e
outros o fariam a curto prazo, a menos que se deseje
transformar em dificuldade intransponível de imediato
um assunto que não chega a ter a complexidade, nem de
longe, de uma usina atômica. Será que em certos casos,
como o do aproveitamento do álcool, tudo é difícil,
enquanto em outros, como o da energia nuclear, tudo é
possível e seguro?
É preciso, por isso, entender, divulgar e exigir a
aceleração da conversão dos motores dos veículos
existentes, com maior ou menor rendimento, pois
variações de 5% ou 10% nessa conversão nada
representam diante dos aumentos do preço do petróleo,
de 20% ou 30% ao ano. Também é importante fazê-lo em
relação aos motores de alta potência, especialmente
fabricados para o consumo de álcool, bem como para a
disponibilidade, a curto prazo, de turbinas a álcool com a
finalidade de produzir eletricidade e, se possível, no que
respeita à conversão das existentes, consumidoras de
óleo diesel, para o consumo do álcool.
Aceitar bloqueios tecnológicos à produção e
aproveitamento do álcool é fazer o jogo dos adeptos tout
court do petróleo, por interesse ou ignorância. Se na
Segunda Guerra Mundial alemães e japoneses adaptaram
os motores dos tanques, aviões e outros veículos ao uso
do álcool, curvarmo-nos, em 1979, a impossibilidades ou
dificuldades técnicas aparentemente de difícil
transposição é um atentado à lógica e à racionalidade.
Cumpre, ainda, deixar claro que o álcool tem tantas
utilidades, inclusive na alcoolquímica e na substituição
do GLP, que o atraso em sua produção, nos volumes que
a conjuntura brasileira exige, é inaceitável.
As classes produtoras, por si e pelos brasileiros que
empregam nas cidades e no campo, têm dado provas de
sua disposição para enfrentar a verdade fazendo os
necessários sacrifícios, desde que não sejam em vão e
tenham como meta a curto prazo afastar as nuvens da
recessão e, de imediato, facilitar a retomada do processo
de desenvolvimento.
Quanto aos argumentos ligados às consequências
sociais e econômicas de uma possível crise no setor
automobilístico, é preciso ter cuidado, para não
transformar uma possível crise setorial em uma vasta
crise nacional. Não se pode negar a importância da
indústria automobilística como fonte de empregos e-
indutora do progresso, exatamente porque estimula toda
uma gama de atividades e o seu aperfeiçoamento. De
outro lado, existem medidas capazes de contornar a crise
de restrição no consumo de gasolina e de uso
preferencial do álcool para motores de caminhões e
ônibus.
Tais medidas podem ser consubstanciadas em
estímulos à exportação de automóveis, mesmo que
esses estímulos sejam muito elevados em termos de
cruzeiros, e na reciclagem temporária relativamente à
produção de equipamentos substitutivos do automóvel,
como é o caso dos tratores, os quais serão
indispensáveis numa rápida aceleração da produção de
álcool e de outros produtos agro-energéticos,
Cumpre também raciocinar — in extremis — com a
hipótese de haver, apesar das medidas para obstar a
crise, um grave problema com a indústria
automobilística. E daí? Não está havendo um grave
problema na indústria de construção civil? E ele é aceito,
sob o argumento de que é esse o preço da contenção da
inflação. A indústria automobilística não parece ter
privilégios maiores (ou não deveria tê-los) do que outros
segmentos industriais brasileiros. Cabe à referida
indústria propor que as suas matrizes apoiem um maior
volume de exportações, e ao mesmo tempo induzir a
produção de álcool em volumes tais que possa ser
atendida a fabricação de carros, sem prejuízo do mínimo
de normalidade na vida do País.
O planejamento para implementar um aproveitamento
racional e correto do álcool, no Brasil, não poderá ser
feito sem bene-ficiar certos setores e prejudicar outros.
Não se redireciona a economia de um país sem acarretar
consequências importantes. É um problema de
prioridade, e esta é, sem dúvida, a de preservar o futuro
e a soberania do Brasil. Serão atingidos com maior
intensidade aqueles que jogaram na sobrevivência do
uso do petróleo longos anos, causando, em parte, os
problemas que, como bumerangues, vão afetá-los.
De outra parte, é importante não se ficar a fazer
projeções de aumento do consumo anual dos derivados
de petróleo e de seus sucedâneos. Tal aumento só se
poderá dar com a adoção de uma de duas alternativas:
significativo aumento da produção brasileira de petróleo
ou rápida expansão da produção e tecnologia (nos três
setores da economia) do álcool e outros produtos
energéticos. Raciocinar sem levar em conta tais
condicionantes é um procedimento aceitável apenas em
avestruzes.
19

XEQUES DO ÁLCOOL

Até faz pouco tempo havia, pelo menos no caso


brasileiro, uma desconfiança acentuada em relação ao
álcool, alternativa lógica para importante faixa dos
derivados de petróleo. Essa desconfiança manifestava-se
de diferentes maneiras: dúvidas quanto à eficiência
técnica da utilização do álcool como substitutivo do
petróleo em motores e turbinas; severas críticas quanto
à poluição originada pelo vinhoto, fruto da própria
fabricação do álcool; restrição à alocação e relocação de
recursos destinados à produção e plena utilização do
álcool, sob o argumento de que não estava clara a
capacidade do setor empresarial da agroindústria do
açúcar para atender a uma expansão acentuada da
produção; impedimentos na comparação dos custos do
álcool com os dos derivados de petróleo, além de muitos
outros aspectos menos importantes.
Pode parecer que as restrições e a ignorância, sobre a
verdadeira dimensão da crise energética, no mundo e no
Brasil, fossem privilégio das classes menos esclarecidas.
Não. Ao contrário. As elites intelectuais do País,
particularmente cm seus segmentos voltados para a
economia e a tecnologia, é que estavam vivendo na
ignorância do terremoto já anunciado pelos sismos
subsequentes ao ano de 1973. Tal fenômeno, aliás, se
manifestou em países muito mais adiantados, cultural e
economicamente, do que o Brasil. Era, mais ou menos, o
não ver o que não se quer ver .
Quando o autor, ao longo de 1978, se dedicou à
dramatização da conjuntura energética nacional e
internacional foi encarado com ceticismo, de público,
pelo próprio Presidente da Comissão Nacional do Álcool,
em debate na Escola Superior de Guerra. Não só os
empresários da agroindústria açucareira eram, e são,
muito mais a favor do açúcar do que do álcool — hoje
uma necessidade irreversível — como,
subconscientemente, assim pensavam também as
autoridades do Governo envolvidas no assunto.
As consequências do estado de espírito reinante ao
longo dos últimos seis anos foram as sementes do que se
está colhendo hoje. E a não ser por mero ufanismo, o
comportamento brasileiro diante da crise energética foi
imaturo, descabido e baseado inteiramente no wishful
thinking . Assim, condenou-se o Programa do Álcool a um
ritmo lento, inclusive na área tecnológica, sob
argumentos que, se aplicados no caso da energia
nuclear, tal programa ainda não teria sequer começado.
Quanto às dúvidas sobre a eficiência técnica dos
motores e turbinas movidos a álcool, costumam elas
apoiar-se em teses der-rotistas. Como a pesquisa do
álcool é tratada de forma burocrática, sem a visão de sua
importância setorial, existe a tendência a fazer pouco,
muito devagar, e alardear pequenos sucessos como
grandes eventos. Infelizmente, os Institutos de Pesquisa
e as Universidades brasileiras não têm técnicos em
número suficiente, nem equipamentos, nem verbas,
capazes de permitir uma efetiva contribuição,
particularmente na dimensão exigida pelo álcool como
alternativa importante para numerosos derivados de
petróleo. No tocante à iniciativa privada, a sua
participação efetiva, na dimensão correta, é sempre vista
com suspeita apesar do progresso representado pelo
novo espírito reinante na FINEP (limitada nos seus
recursos), principalmente porque a iniciativa privada
pode vir a ter lucro com a própria pesquisa. Castra-se,
assim, uma contribuição decisiva em regime
nominalmente capitalista, e fica-se a produzir papéis
para congressos e notícias para jornais, muito mais do
que soluções para problemas. E hoje não se dispõe do
esquema de conversão de motores e turbinas que
permita operar termoelétricas a álcool, nem mesmo
motores a álcool para potências expressivas. E o fato de
não se dispor deles não decorre da complexidade
envolvida na solução de problemas técnicos que já
estariam resolvidos há muito tempo se os Estados
Unidos, a Alemanha ou o Japão tivessem tido interesse
no assunto. Tais países até estariam vendendo ao Brasil,
a bom preço, a tecnologia que houvessem desenvolvido.
A verdade é que não se aplicaram, com a intensidade
necessária, esforços de toda a ordem que permitissem
fosse hoje o quadro diferente. O resto é cortina de
fumaça, no quadro do complexo ufanista que impede a
autocrítica serena, porém severa, e procura maximizar
pequenos êxitos como grandes vitórias.
Já o problema do vinhoto vem também recebendo um
tratamento emocional. Os críticos da poluição ambiental
estão irrequietos. Talvez mais irrequietos do que
deveriam estar se considerada a poluição do Programa
Nuclear, onde as unidades são mil anos e as incertezas
são fruto de uma experiência inversamente proporcional,
de poucas dezenas de anos. O vinhoto é um problema
elementar, se encarado com seriedade, com aplicação de
recursos tecnológicos e econômicos para resolver as suas
deficiências como poluidor. Se, de um lado, o álcool livra
a atmosfera da poluição generosamente desprendida
pela refinação e uso dos derivados de petróleo, de outro
lado obriga a investir para combater a poluição gerada
pelo vinhoto. E tal ataque pode ser feito em três frentes:
a despoluição, através do emprego de processos
adequados, conforme critérios da Engenharia Sanitária; o
uso do vinhoto misturado à água como fertilizante; e, por
fim, a sua transformação em ração animal, em gás etc.
Pretender erigir o vinhoto em gargalo no processo de
produção de grandes volumes de álcool, é passar um
atestado de incompetência e pouca coragem, no trato de
assuntos críticos para a sobrevivência nacional condigna.
Quanto aos recursos para a produção do álcool em
volumes adequados, existe uma distorção definitiva: é
um programa pilotado pelo Governo, com a velocidade
que este consegue imprimir à sua máquina emperrada,
mesmo quando tenta apresentar um new look, como se
fora uma velha senhora operada pelo cirurgião plástico, a
ostentar a sua nova face. A solução para o problema da
produção nas quantidades desejadas, com a técnica a
ser regulamentada, inclusive no caso do vinhoto,
constitui o preço do álcool, e nada mais. Resta dizer onde
se pretende seja ele produzido, em que volume e a que
preço será adquirido. Os financiamentos não precisam
ser preferenciais, como não o são no setor imobiliário.
Por que se constroem prédios, inclusive com desvio de
financiamentos agrícolas, a juros baixos, para as
cidades? Porque dão lucro. E já deram mais lucro e o
mercado foi mais receptivo, levando a um deslocamento,
para o setor, de recursos e pessoas antes envolvidos em
negócios tão diferentes quanto lapidação de diamantes e
venda de secos e molhados.
Hoje, se o Governo deixasse de tutelar os produtores
de álcool com financiamentos a juros subsidiados,
passando os subsídios para a fixação de preços
atraentes, não haveria força capaz de travar a produção
do álcool. E o Governo entraria no seu papel de
financiador, talvez pelo BNDE e demais agências
estaduais do gênero, com a função de regulamentar,
fiscalizar e orientar os investimentos e os investidores,
inclusive para evitar conflitos de cultivo e a ação
predatória no setor. De outra parte, a fim de dispor dos
recursos destinados a financiamentos normais, com
taxas internas de retorno asseguradas, o País deveria
rever seus programas a fundo perdido, particularmente o
programa nuclear e a pesquisa intensiva — hoje — de
petróleo. O fundo perdido, no caso, refere-se a respostas
a curto prazo e até mesmo a eventuais ausências de
respostas, parcial ou totalmente.
Também não é inusitado criticar o setor empresarial
vinculado à agroindústria açucareira. De fato, o setor tem
críticos veementes, não só no campo econômico e
político como também no social O importante é
desvincular o álcool do setor, o qual deve também
participar do processo sem, no entanto, comandá-lo em
nenhuma hipótese. Não se deve admitir que sejam
criados, por tradição, xeques do álcool, com reserva de
mercado e proteção oficial. A livre iniciativa, no que tem
de mais positivo, ou seja, a iniciativa criadora e
inovadora, é que deve definir quais serão os beneficiários
da grande crise de petróleo no Brasil.
Outro argumento que ainda se ouve contra o álcool —
cada vez em tom mais contido — é o seu preço em
relação ao dos derivados de petróleo. Parece superada a
fase didática da discussão. O preço do álcool tende a
baixar, se houver um direcionamento correto do
Programa; e o preço dos derivados de petróleo, mais
juros da dívida externa por eles gerada, mais importação
de inflação e equipamentos estrangeiros atingidos pela
reciclagem dos petrodólares, leva a que hoje já se mostre
inaceitável discutir o assunto em termos de preços
comparativos. A menos que o Brasil pretenda se
transformar em um manicômio, povoado de
incompetentes, medíocres e covardes.
20

O CARVÃO BRASILEIRO

Os produtores de carvão, no Brasil, têm queixas


amargas sobre o setor econômico a que se dedicam.
Alegam — e com razão —não receber um tratamento
compatível com a importância do carvão, matéria-prima,
para as termoelétricas, para a produção de gás e para a
de metanol, além de suas aplicações na indústria
siderúrgica e em outros setores.
É preciso reconhecer que o carvão até aqui
descoberto e explo-rado no Brasil não é de boa
qualidade, particularmente pelo elevado teor de cinzas.
Houve mesmo época em que se cogitou de empregar na
siderurgia apenas carvão importado. Prevaleceu o bom
senso, de modo que não se prejudicasse a produção
nacional, com uma dependência total a mais. Talvez
tenham sido considerações de segurança nacional que
evitaram ainda maiores prejuízos à indústria carbonífera
brasileira.
Em face das transformações que o mundo vem
atravessando, o carvão readquire pouco a pouco o seu
papel importante, conquistado com a descoberta da
máquina a vapor e perdido quando da disponibilidade e
aplicação intensiva, e barata, do petróleo. É claro
justificar-se a preferência pelo petróleo, combustível
duro, de alto poder energético concentrado. O próprio
transporte e utilização do carvão, na escala exigida pelo
consumo do unindo contemporâneo, teria constituído um
impedimento ao progresso. Tanto que existem numerosos
estudos sobre se o carvão devia ser transportado para os
centros consumidores de eletricidade de forma
descontínua, instalando-se neles termoelétricas, ou se
seria mais conveniente instalar tais usinas junto às
fontes produtoras, transportando eletricidade de forma
continua, através das linhas de transmissão.
De toda a forma, exceto durante a Segunda Guerra
Mundial, a tecnologia do petróleo se desenvolveu em tal
ritmo que abafou as oportunidades de competição de
outras formas de energia. Tanto assim que, até hoje,
inclusive nas grandes instalações sul-africanas de
produção e gaseificação de carvão, o processo é de
origem alemã, provindo das pressões nascidas durante a
guerra.
Hoje em dia. considerando que o planeta terráqueo,
ou a espaçonave Terra, está em vias de perder o seu
petróleo, matéria-prima que revolucionou os transportes,
a química e a vida cotidiana, inclusive na proteção contra
o frio, voltam-se todos os esforços para as alternativas,
das quais uma das menos desprezíveis é o carvão.
Os Estados Unidos estão investindo com largura nos
estudos para produção de gás e metanol à base de
carvão. Diferentes entidades públicas e privadas estão
engajadas nas pesquisas, achando-se em operação
numerosas usinas-piloto, e em construção usinas em
escala industrial. Na Europa, por sua vez, diante das
críticas e resistências ao uso da energia nuclear, as
nações estão empenhadas em ressuscitar o carvão,
aproveitando-o da melhor maneira.
A África do Sul, país em estado de guerra permanente,
resolveu buscar a sua independência energética através
do aproveitamento do carvão — mineral em que é rico —
independentemente de outras fontes alternativas de
petróleo, como é o caso da produção de álcool que tem
programada. Aliás, os sul-africanos já estão vendendo
rações à base do vinhoto para diferentes partes do
mundo, com aproveitamento de cerca de 50% do
vinhoto, conforme divulgação feita por importante
indústria química daquele país.
O Brasil, por sua vez, vem discutindo o
aproveitamento do carvão disponível em seu território.
Ainda existem sérias distorções, pois as usinas
termoelétricas deveriam ser em menor número, na
melhor hipótese, com o emprego de energia nuclear,
utilizando-se com largueza o carvão, de tecnologia
comprovada e disponível. Hoje o Brasil tem vastos
depósitos de carvão-vapor, sem saber o que fazer com
eles. Deve-se reconhecer a preocupação do Ministro das
Minas e Energia com as fontes alternativas de energia,
em particular o carvão.
Na realidade, houve sensível atraso no
reconhecimento da importância do carvão, na atual
conjuntura do petróleo. Ainda hoje se discute o problema
da Sidersul, que utilizará gás do carvão, quando se
deveria estar se implantando um grande complexo de
produção de gás e metanol, com viabilização dos
empreendimentos de forma integrada,
independentemente de dar bom uso ao carvão brasileiro.
São fórmulas arrojadas para enfrentar a grande crise do
petróleo, como o uso do carvão, da hidroeletricidade
(inclusive com usinas de baixa queda e reversíveis) e do
álcool, como primeira etapa da produção agroenergética.
Essas fórmulas darão ao País condições de colocar-se à
altura do maior desafio de sua história.
As jazidas de carvão existentes no Sul do País, que
ainda escondem possíveis surpresas quanto à ocorrência,
nelas, de mineral de boa qualidade, associadas a
possibilidades de se descobrirem formações significativas
na Amazônia, oferecem, separadamente e em conjunto,
importante contribuição para o planejamento do
presente, em plena crise energética. Se o mundo como
um todo, inclusive as nações do Leste europeu, começa a
intensificar o aproveitamento do carvão, só cumpre ao
Brasil fazer o mesmo, e rapidamente.
Não existe fonte energética sem problemas. Assim, no
caso das usinas hidrelétricas, o aproveitamento das
bacias hidráulicas tem de ser corretamente equacionado.
Eletricidade, irrigação, abastecimento de água, poluição,
enchentes e estiagens são problemas que obrigam a um
planejamento cuidadoso, independentemente das
precauções para não alagar — se possível — áreas
produtivas em termos agrícolas, ou florestas valiosas
pela madeira que oferecem. O mesmo fenômeno existe
em relação ao aproveitamento da biomassa para fins
energéticos, e mesmo para outros fins, indo desde o
conflito de cultivos até a manutenção do equilíbrio
ecológico. No caso do carvão, do petróleo e da energia
nuclear, em dimensões diferentes, grandes problemas
têm de ser resolvidos. É por isso que se estuda, se
pesquisa e se controla cada uma das soluções a adotar,
ganhando tanto maior experiência quanto mais tempo de
observação se tiver. Nesses termos, ao carvão
corresponde uma experiência de utilização bastante
longa. Os problemas são conhecidos e as soluções estão
equacionadas. Talvez tenha havido custos proibitivos no
passado, como é o caso da lavagem do carvão brasileiro
para baixar o teor de cinzas, levando-o a um nível que
permita aproveitá-lo para gaseificação ou liquefação.
Considerados os problemas inerentes ao petróleo,
desde os de poluição no seu transporte (vejam-se os
acidentes com superpetro-leiros) até os causados pela
refinação e pelo emprego dos derivados, é fácil constatar
as vantagens do pleno uso do carvão nacional. Nem
mesmo o custo final deve constituir obstáculo, pois nada
pode ser mais dispendioso — em preço e em soberania
— do que o petróleo. Os custos diretos e indiretos do
petróleo, bem como a ameaça de paralisação que
representa para o País, justificam uma concentração de
investimentos no setor absolutamente prioritário da
economia brasileira: o da energia. Mesmo em detrimento
da contenção da inflação, é indispensável resolver o
problema energético, livrando o Pais de um impasse mais
perigoso do que a inflação, que é a perspectiva de sua
paralisação. Se 'o impasse energético for superado com
coragem, os demais problemas se resolverão
automaticamente, retomando o Pais o processo de real
desenvolvimento, e já então em condições de controlar
de fato a inflação.
21

O DILEMA CONSCIÊNCIA E CONVENIÊNCIA

A situação do Brasil na atual conjuntura começa a


tornar-se de difícil interpretação. Existe uma consciência,
razoavelmente disseminada, quanto aos problemas que
assolam o País e — poder-se-ia mesmo afirmar — quanto
às medidas que seriam recomendáveis para solucioná-
los. É por isso que se ouvem declarações de intenções
eivadas de significado, cujo ponto mais expressivo foi o
discurso do Presidente da República pronunciado em 4 de
julho de 1979, a que já nos referimos.
Já está arraigada, portanto, a consciência da
gravidade do problema energético, mais sutil, para ser
compreendido, do que o da inflação descontrolada, velho
companheiro de insônia de estadistas de todos os
quadrantes, em diferentes períodos da história moderna
e contemporânea. A crise energética e o surto
inflacionário são aspectos diferentes de um mesmo
fenômeno, interligados na medida em que se afigura
impossível controlar a inflação interna com a
manutenção da dependência externa quanto aos
fornecimentos de petróleo.
Existem, portanto, relações e conotações que
deveriam ser firmemente estabelecidas. E será isso que
está ocorrendo? Não parece ser o caso, na, medida em
que conveniências políticas e sociais ditam
comportamentos desajustados da brutal realidade em
que o País está mergulhado.
E o desencontro entre a, consciência dos problemas e
a servidão à conveniência de tentar minimizá-los tornou-
se uma constante, passando a desmoralizar o crédito dos
homens públicos diante de seus concidadãos —
independentemente do julgamento implacável da
História quando for analisada a fase atual, caracterizada
nela tentativa de fazer omeletes sem quebrar os ovos.
Os temas do momento são discutidos e até mesmo
divulgados, inclusive com apoio oficial. O álcool, a
hidroeletricidade, o carvão são invasores da intimidade
dos brasileiros, através de todos os meios de
comunicação, com ampla utilização da publicidade à
disposição do governo. É o reflexo da consciência do
desafio proposto ao povo brasileiro.
Em função do estabelecimento de uma consciência
nacional do problema energético, foi encampada a tese
do estado de guerra. A Nação estava e está pronta a
fazer sacrifícios para reconquistar a sua dignidade
ameaçada, evitando pôr em risco a sua soberania e a sua
estabilidade social, política e econômica. Teses que
vinham sendo exaustivamente defendidas — inclusive
pelo autor deste livro quando se propôs a dramatizar o
problema energético no início de 1978 —
permeabilizaram os responsáveis pelo comando do
Estado, levando a crer que o Estado e a Nação entravam
em sintonia. Começaram, com isso, a vulgarizar-se
expressões como economia de guerra, alternativas
energéticas, racionamento de combustível, plano de
emergência , etc.
Tudo levava a crer que já se havia atingido o
anticlímax da atitude de desprezo diante dos arautos do
cataclismo. Admitia-se ser grave a situação nacional em
função do petróleo. Admitia-se ser ela um poço sem
fundo, dentro do qual não se podia continuar a cair
indefinidamente. E a composição com as conveniências,
tão do agrado dos latino-americanos, foi rompida na
aparência com o discurso do Presidente da República em
4 de julho de 1979. Situações difíceis foram
reconhecidas; prioridades foram estabelecidas; sacrifícios
foram apontados e prometidos, se bem que seguramente
orientados com vistas a torná-los o menos incômodos e o
mais transitórios possíveis.
As conveniências, porém, são persistentes. Voltaram a
ocupar posições com irritante capacidade de
sobrevivência. Podem ser lembradas algumas delas, hoje
inaceitáveis, se a economia de guer-ra, em termos
simplificados, significar a decisão de quebrarem-se os
ovos para fazer omeletes, ao invés de persistir a ideia de
fazê-las sem afetar a estrutura dos ovos.
O racionamento da gasolina — vendendo-se eventuais
excedentes para o exterior, se necessário — não foi
aplicado. A política de aumento de preços tem permitido
manter distorções sérias no consumo de combustível,
particularmente porque estimula o consumismo a
qualquer custo e gera justas reivindicações salariais,
mantendo vivo o círculo vicioso da espiral inflacionária.
Há conveniência, por certo, em adotar tal política.
A indústria automobilística, a única que não pode
enfrentar uma crise séria no País, propõe produzir apenas
carros de passeio dotados de motor a álcool, a partir de
1980. Vitória de Pirro. Nem os carros de passeio são
indispensáveis em um período de economia de guerra,
nem o álcool — mesmo antes de existir nos volumes
necessários — deve ser aviltado com o consumo
preferencial por -veículos de passeio. A simples
possibilidade de considerar essa -proposição deve
fundar-se, por certo, na conveniência.
É fundamental romper o falso bloqueio tecnológico
para o uso do álcool em substituição ao óleo diesel, nos
motores movidos a álcool, de grande potência, ou no
aproveitamento dos motores existentes, com aditivação
ou uso conjunto, na base de 40% de álcool. Nenhum
esforço especial está sendo feito para dar ao álcool o seu
uso prioritário, dentro das linhas mestras de um plano de
emergência ajustado à economia de guerra. Mais uma
vez, conveniência, por certo.
Tudo leva a crer — salvo melhor juízo, defendido
racionalmente — que a produção de álcool deve ter
delimitados os seus polos fundamentais, com
estabelecimento da forma de seu transporte para os
grandes centros consumidores e aproveitamento da
infraestrutura de dutos já existente ou indispensável,
como é o caso dos oleodutos que ligam o Norte
fluminense à Refinaria Duque de Caxias. Não se ouve
falar no assunto. Conveniência, por certo.
Os estímulos à produção de álcool, segundo tudo
indica, deveriam ser baseados no preço. Só assim
haveria a busca da racionalidade na produção e a adesão
de novos segmentos empresariais ao setor, hoje confiado
a uma faixa restrita de tradicionais produtores de açúcar.
Só assim desapareceria a luta pela obtenção de
financiamentos, com juros subsidiados, para
empreendimentos de viabilidade duvidosa, além de
outros problemas que se incrustaram tanto no
comportamento dos empresários do setor como no da
burocracia encarregada de discuti-los e equacioná-los. Se
a situação permanece estática, são conveniências, por
certo.
A relação de vitórias da conveniência em ajustar
situações, ante a consciência de que isso não e mais
possível, seria longa e cansativa. Cabe lembrar que o
tempo passa e traz consigo, a cada novo dia, o perigo
maior de serem as conveniências tragadas numa crise
laboriosamente construída. É essa consciência que deve,
até o último momento, orientar a luta para ajudar o
Presidente da República a livrar-se do complexo de falsas
conveniências que vêm sutilmente prejudicando a sua
atuação no comando da economia de guerra.
22

VACILAÇÕES E CONVENCIONALISMO DIANTE DA


CRISE DO PETRÓLEO

A dimensão da crise energética, vinculada


especialmente à atual conjuntura do petróleo escasso,
dispendioso e incerto, começa a atingir os países
comunistas do bloco soviético, apesar de recentes
declarações da Agência Tass segundo as quais "pode ser
dito que a crise energética do mundo ocidental,
frequentemente apresentada como um demônio
inevitável de nossos tempos, não afetou a União
Soviética e outros países socialistas". De fato, no final do
mês de julho de 1979 a Romênia tomou uma medida
inusitada, em pleno período de férias de verão, com
milhares de turistas do Leste europeu à procura das
praias do Mar Negro: proibiu a venda de gasolina aos
turistas portadores de moeda fraca, exigindo fosse ela
paga em moeda forte, ou através de bônus vinculados a
convênios de troca. Outrossim, obrigou todos os carros
que entrassem na Romênia a fazê-lo com o tanque cheio,
deixando o país com o tanque vazio.
As reações às exigências romenas foram quase
histéricas. Além de protestos diplomáticos da
Tchecoslováquia e da Hungria, a Polônia aconselhou aos
seus cidadãos que não viajassem à Romênia. Enormes
filas de automóveis formadas ao longo das fronteiras
romenas geraram tumultos e reclamações iradas dos
"camaradas" provenientes de outros países socialistas,
os quais não dispunham de moeda forte para rodar seus
veículos no país em que tinham resolvido fazer turismo.
Que razões teriam levado a Romênia a adotar
medidas tão radicais? As informações disponíveis levam
a crer que, apesar de grande produtora de petróleo,
parte do seu suprimento tem origem no Oriente Médio,
de modo que com a crise iraniana talvez tenha de
importá-lo da União Soviética, com riscos de
dependência política a que o pais balcânico tudo faz para
furtar-se. A solução poderá ser a de apertar o cinto. Na
realidade, os preços da gasolina já subiram entre 40% e
100% na Europa Oriental. Independentemente disso, a
União Soviética pretende exportar em 1980 apenas 75%
do petróleo que hoje exporta para o Leste europeu,
reduzindo paulatinamente as exportações até 50% no
ano 2000. De outro lado, quaisquer acréscimos de
importação do petróleo russo, por parte de seus
parceiros do Leste europeu, têm de ser pagos em moeda
forte.
Confrontados com situações como a exposta nos
parágrafos anteriores os brasileiros parecem ainda viver
um conto de fadas. Tudo acabará bem, sem grandes
sacrifícios e conforme as expectativas mais otimistas. É
curioso que até isso pode ocorrer, isto é: não se
registrarem novos abalos nos países produtores de
petróleo, alterando os seus contextos políticos e as suas
orientações econômicas: os preços do petróleo, num
passe de mágica, alcançarem certa estabilidade, sem ao
menos haver, como se espera, o recurso à cesta de
moedas, para compensar as sucessivas depreciações do
dólar; o mercado petrolífero, hoje essencialmente do
vendedor, com dificuldades em fazer aquisições, tornar-
se de súbito favorável ao comprador, ao menos no que
se refere à disponibilidade do produto a preços de
mercado.
Como uma conjunção de fatores favoráveis ao Brasil,
como os apontados acima, não parece provável, é difícil
entender o que está ocorrendo. Qualquer planejador, em
relação ao petróleo, deveria admitir:
— A possibilidade de uma crise política no Iraque,
cortando 50% do petróleo importado pelo Brasil.
— Eventual afundamento de petroleiros, devido a
ações guer-rilheiras, levando à obstrução de passagens
estratégicas por períodos superiores a 90 dias.
— Aumentos diretos ou indiretos nos preços do
petróleo, com a possibilidade de criação da cesta de
moedas, o que atingirá a economia brasileira mais uma
vez, visto ser ela condicionada essencialmente ao valor
do dólar.
Tais considerações nada pessimistas, pois podem
tornar-se realidade de um dia para o outro, não parecem
comover os responsáveis pelas decisões sobre o
problema energético. Independentemente de
declarações às vezes extremamente lúcidas, existe mera
tentativa de conciliação que impede a implantação
efetiva de um comportamento agressivo diante da
conjuntura. São feitos planejamentos à base de urna
disponibilidade de 900 mil barris de petróleo por dia, sem
o constrangimento de explicar onde obter a garantia de
tal fornecimento, ou como se viria a pagá-los, no caso de
novas escaladas do seu preço.
As alternativas energéticas — um vasto leque em
estudo no mundo inteiro — têm respostas a curto, médio
e longo prazos, conforme as conjunturas ecológica e
geológica dos diferentes países. No caso brasileiro, as
seguintes prioridades são imposições de qualquer análise
lógica, devendo ser adotadas de imediato, salvo melhor
juízo (que parece existir e estar prevalecendo):
— Elaborar um Plano de Emergência — seja o
proposto pelo autor deste livro, seja o proposto pelo
Conselho Permanente de Energia da Associação
Comercial — cujas premissas encarem as realidades
apontadas nos três itens referentes à disponibilidade
e/ou capacidade de adquirir petróleo.
— Estabelecer uma meta ambiciosa e imediata para
os volumes de álcool a produzir, utilizando a capacidade
das destilarias existentes, com algumas
complementações, mesmo que isso venha a ocorrer em
prejuízo da produção de açúcar.
— Verticalizar as prioridades para o uso do álcool
como propulsor de veículos, estabelecendo como meta
primeira a substituição total ou parcial do óleo diesel, em
face das implicações de segurança nacional envolvidas
no transporte de cargas e de passageiros.
— Atribuir aos veículos de passeio a condição de meta
secundária, com direito ao uso apenas da gasolina
disponível e do excesso de álcool após garantido o
suprimento de combustível reno-vável — existente no
País — aos veículos pesados.
O enfoque sugerido é a um só tempo revolucionário e
conservador. É revolucionário quando admite hipóteses
antipáticas para o planejamento de emergência, com a
proposta de medidas não convencionais, só suscetíveis
de adoção em estado de guerra. É conservador, porque
pretende adotar premissas apoiadas em elevado
coeficiente de segurança, a partir de situações críticas
que podem vir a não ocorrer.
As decisões aqui discutidas são extremamente difíceis
de adotar. É fácil imaginar a revolta, caso não ocorra
nenhuma das premissas sugeridas. Como ficaria o
Governo diante da Nação se a crise petrolífera
amainasse, o Brasil descobrisse novos campos de
petróleo e a urgência — apresentada como questão de
dias ou meses — pudesse ser contada em quinquênios?
É por isso que governar é uma arte difícil. Envolve a
responsabilidade de, às vezes, assumir posições
arriscadas, tanto a favor como contra a segurança nas
previsões. Apenas, no caso do petróleo, o risco maior,
quanto ao erro nas previsões, é o otimismo em relação à
sua disponibilidade. Mesmo porque, considerando a
curva de seu provável esgotamento, as medidas tomadas
com base em previsões pessimistas apenas antecipariam
providências indispensáveis.
23

O DESCONTROLE ENERGÉTICO BRASILEIRO

O quadro mundial, no que se refere à crise do


petróleo, abalou tão profundamente os países ricos que
ao completar 80 anos, Gunnar Myrdal declarou,
referindo-se aos Estados Unidos:
“Estou muito preocupado com os acontecimentos na
América. Posso prever uma recessão, e não vislumbro
nenhuma esperança de que uma política anti-
inflacionária eficaz possa ser posta em prática, sem levar
o país a uma recessão. Em particular, a falta de uma
política energética, decorrente de uma balança comercial
e cambial muito negativa e de um imenso endividamento
– de bilhões de dólares em mãos de particulares em todo
o mundo -, ninguém pode ter segurança alguma sobre o
valor internacional do dólar. Muitos desses dólares
encontraram-se em mãos dos árabes, e isso é outra
causa de alarme. Não tenho certeza a respeito da
estabilidade desses países”.
É óbvio que se os países ricos estão abalados e
enfrentam problemas da maior gravidade, a repercussão
da crise existente sobre os países em desenvolvimento
tem uma gravidade muito maior. Falta aos países do
Terceiro Mundo tecnologia para implantar métodos de
conservação de energia. Falta a capacidade de
programar e utilizar corretamente os recursos
alternativos do petróleo. Falta a capacidade de liderança
para admitir e enfrentar o desafio na devida proporção.
Falta, principalmente, o discernimento e a coragem para
canalizar os recursos de investimento, prioritariamente,
para a libertação da dependência energética à
importação de petróleo — particularmente no caso do
Brasil, País cuja dependência é especialmente aguda.
Considerando a dimensão e a população do Brasil,
bem como o estágio de desenvolvimento já atingido
neste exemplo clássico da Nação desigualmente
desenvolvida, a prioridade para eliminação da
dependência ao petróleo deve deixar de ser apenas um
tema de retórica. Como fazê-lo e em que tempo? Estas
são as perguntas básicas que têm de ser respondidas, e
as respostas não podem ser evasivas, revelando perigosa
tendência a transferir para o futuro a obtenção de
resultados objetivos de uma política energética efetiva.
O dilema básico que tem de ser respondido de início
é: pode qualquer planejamento para a substituição do
petróleo admitir que se necessite de anos para atingi-lo?
De fato, se não existe o perigo de um estancamento
parcial ou total do fornecimento de petróleo, oriundo de
fontes não controláveis pelo Brasil, qualquer
planejamento seria sensato, existindo numerosas
alternativas, dentre as quais não se exclui o
aproveitamento de novos desenvolvimentos tecnológicos
que, quase infalivelmente, deverão os países ricos
apresentar. E tal raciocínio se aplica ao carvão, à energia
solar, ao hidrogênio etc. Nesse caso, claro, os defensores
de medidas de urgência — o autor deste livro elaborou o
esboço de um Plano de Emergência — estariam
incorrendo em erro ao adotar uma posição pessimista,
prejudicial à tranquilidade do País. Nem caberia, nessa
hipótese, instituir critérios de economia de guerra, pois
bastaria adotar determinadas linhas de ação destinadas
a enfrentar as alterações paulatinas, no cenário
internacional, de preços e disponibilidades de petróleo.
Agora, se os fatos ocorrerem de forma diferente,
dando razão aos que pleiteiam a adoção de posições
otimistas, através do planejamento de ações para
conjunturas pessimistas, então o País será estraçalhado
por culpa de uma imprevidência paquidérmica , cujas
origens remontam ao início de 1974. E é exatamente por
seu senso de responsabilidade, diante de tal ameaça,
que o autor do presente livro vem insistindo, e
continuará a fazê-lo, em alertar e esclarecer aqueles que,
de boa fé, se deixam iludir, porque temem enfrentar as
dificuldades e as exigências de uma realidade antipática.
Diante da postura de que é preciso agir rápido, para
não sermos colhidos de surpresa por novos Muniques
energéticos , é que parece indicado falar em suor e
lágrimas com o objetivo de atingir a vitória sem
derramamento de sangue. Hoje o quadro tem como pano
de fundo uma decoração fantasioso, — ou, no mínimo, de
um otimismo pouco concretizável — conducente a
posicionamentos irrealísticos e a discussões que em sua
maioria constituiriam excelente ornamento para um
Clube de Vitórias Régias .
Fala-se em conflito de cultivos, para justificar as
metas desambiciosas na produção e utilização correta do
álcool etílico com base na cana-de-açúcar — que é o que
se sabe fazer bem, hoje, no Brasil. Esquece-se,
intencionalmente ou por ignorância, que os conflitos de
cultivo existentes se originam no fato de estarem as
destilarias anexas localizadas em regiões já produtoras
de outros cultivos, que não a cana-de-açúcar. Qualquer
fixação de polos produtores jamais implicaria conflitos de
cultivo — o que seria um contrassenso num País de tão
baixa área cultivada em relação à área cultivável. Apesar
disso, a produção de álcool tende a ficar atrelada
preponderantemente aos usineiros de açúcar, o que
levará a distorções no futuro, dado o destino do álcool
como fonte alternativa do petróleo, e não como
alternativa para a crise do açúcar.
Por outro lado, quando se pensa em recursos e
destino para o álcool, surpreende a decisão de vinculá-lo
à substituição da gasolina em automóveis de passeio. A
recomendação de produzir mais óleo diesel, mediante
mudança no sistema de refinação de petróleo, ao custo
de algumas centenas de milhões de dólares, é a "joia da
coroa" a entronizar a tese de que haverá petróleo
disponível para importar, em volume significativo. E
assim o álcool abandona a posição de pilar da segurança
nacional, corno sustentáculo do transporte pesado, para
passar a servir àqueles que se utilizam de carros de
passeio. Trata-se de um acordo entre os atuais
produtores de açúcar e álcool, e aqueles que temem uma
crise na indústria de produção de carros de passeio.
As mesmas indústrias que se propõem a substituir os
motores a gasolina por álcool, em prazo recorde, não o
fazem em relação aos motores do ciclo diesel. É curioso
que não se acredite na produção do álcool em grandes
quantidades, para utilizá-lo em motores pesados,
enquanto no caso da energia nuclear se investem
fabulosas quantias, intensivamente apenas em capital, e
com mão-de-obra parcialmente estrangeira, na
expectativa de colher bons resultados de um processo de
enriquecimento hoje ainda a nível de laboratório.
Definitivamente, os brasileiros estão pecando, no
mínimo, por falta de lógica.
Nesta hora crítica, que levou Gunnar Myrdal a declarar
o que consta no início do presente capítulo, o Brasil,
apesar dos pronunciamentos e atitudes de estadistas em
todo o mundo, ainda ataca a crise energética de maneira
atabalhoada. Independentemente da limitação de
recursos para investimento, associada ao crescente
desequilíbrio no balanço de pagamentos, o Pais está
empenhado a um só tempo, em programas tão variados
quanto o aproveitamento do carvão, a hidro e
atomoeletricidade, o álcool etílico e metílico etc. Será
que o Brasil dispõe de tempo e recursos para agir da
forma assinalada, ou, ao contrário, está cada vez mais
atrasado na adoção das soluções corretas, com
concentração, nelas, dos investimentos indispensáveis?
Nesta hora crítica, que levou Gunnar Myrdal a declarar
o que consta no início do presente capítulo, o Brasil,
apesar dos pronunciamentos e atitudes de estadistas em
todo o mundo, ainda ataca a crise energética de maneira
atabalhoada. Independentemente da limitação de
recursos para investimento, associada ao crescente
desequilíbrio no balanço de pagamentos, o Pais está
empenhado a um só tempo, em programas tão variados
quanto o aproveitamento do carvão, a hidro e
atomoeletricidade, o álcool etílico e metílico etc. Será
que o Brasil dispõe de tempo e recursos para agir da
forma assinalada, ou, ao contrário, está cada vez mais
atrasado na adoção das soluções corretas, com
concentração, nelas, dos investimentos indispensáveis?
De outra maneira, o risco assumido será elevado
demais. Não será possível enfrentar uma provável crise
— de preço ou de fornecimento de petróleo — com um
mínimo de instrumental, operando às cegas e sem
anestesia. E o povo brasileiro aguentaria isso?
24

ÁLCOOL SUBSTITUINDO O ÓLEO DIESEL

Em cada época, no decurso de uma crise, surgem


problemas que, posteriormente, vistos a distância,
ninguém acredita possam ter ocorrido. Nas atuais
circunstâncias da utilização do petróleo para fins
veiculares, dois fenômenos estão ocorrendo, com todas
as características de incredibilidade, na medida em que
exigem ser discutidos, havendo corrente a favor do uso
do álcool apenas como alternativa para a gasolina,
enquanto outra admite deva o mesmo ser utilizado onde
melhor convier à Nação.
Se o assunto for tratado à luz da razão, deixando de
parte a glorificação de tipos de motores, sejam os
mesmos ciclo Otto ou ciclo Diesel, é fácil compreender
que os motores devem ser adaptados ao combustível
produzido ou existente no País. Qualquer tentativa de
adaptar o combustível — no caso o etanol —aos motores
existentes e em fabricação, pode corresponder ao
interesse das fábricas, mas não corresponde ao interesse
do País.
Hoje o Brasil se confronta com algumas realidades
que saltam aos olhos:
— Não há petróleo, com garantia de fornecimento e
de preço, capaz de justificar se venha a apoiar o
transporte de massa e de carga em um de seus
derivados — no caso o óleo diesel,
— Não existe suficiente produção de álcool para
garantir possa ser atendido o tráfego de veículos
pesados, além de suprir os carros de passeio.
— O estreitamento das opções, quanto ao combustível
a ser utilizado para os diferentes meios de transporte,
obriga a determinadas opções que não são, por certo, a
de produzir mais diesel na refinação do petróleo,
baixando a parcela da gasolina segundo o critério de que
a mesma pode e deve ser substituída pelo álcool.
Segundo tal orientação, garantir-se-ia não precisar conter
o uso de automóveis, em caso de falta de petróleo, na,
medida em que houvesse produção de álcool capaz de
substituir toda a gasolina. Em contrapartida, na mesma
hipótese, parariam os veículos dependentes de óleo
diesel, caso não tivesse sido providenciada a sua
adaptação para o uso, parcial ou total, do álcool ou a
substituição do motor convencional por um novo tipo,
projetado e construído para funcionar a álcool.
— Caso, no entanto, se pretendesse substituir o uso
do óleo diesel, as parcelas substituídas pelo álcool, ou
por outros produtos, tais como óleos vegetais, restariam
inaproveitadas na medida em que houvesse matéria-
prima para a sua refinação. Explicando melhor: a decisão
de aumentar a produção de óleo diesel, em detrimento
da gasolina — se adotada em caráter definitivo, repre-
sentaria a criação de uma segunda dependência para o
Brasil, além da existente em relação ao petróleo: tratar-
se-ia da dependência ampliada da utilização de motores
ciclo diesel.
Em todos os fatos citados anteriormente há que
considerar que vem sendo defendido pela indústria
automobilística, com apoio de entidades oficiais da
classe empresarial, exatamente o uso do álcool em
substituição à gasolina; e a adaptação das refinarias de
petróleo para produzirem mais óleo diesel e menos
gasolina. Esquece-se, deliberadamente ou não, que o
álcool deve ser -o combustível de motores movidos a
álcool, de potência adequada ao transporte de carga e
de massa, projetados conforme as necessidades do
Brasil, o que, aliás, já devia ter sido feito.
Existe uma distorção de enfoque tão acentuado, que
todos aqueles que defendem óleos vegetais para mover
motores diesel, sem ao menos ter desenvolvido a tese
até um ponto de sustentação adequada, condenam
antecipadamente a solução apoiada em motores
movidos a álcool, por considerá-los de baixa
rentabilidade. É estranhável que se entronize o motor
diesel, defendendo a sua sobrevivência no Brasil, sem ter
a preocupação de provar poderem os mesmos dispor de
óleos vegetais para o seu consumo, quais os mesmos, e
como e onde produzi-los em escala. O mesmo ocorre
com os motores movidos a álcool. Só se tratou de provar
mesmo é que os automóveis podem funcionar movidos a
álcool, em substituição à gasolina, não havendo,
portanto, razões para incomodá-los. Mesmo a ampliação
da produção de álcool passou a ser demandada a partir
do momento em que surgiu no horizonte o risco de um
racionamento — para valer — da gasolina, ou o que no
caso dá no mesmo: o aumento do preço da gasolina para
conter o consumo, podendo garanti-lo a um custo
inferior, utilizando o álcool.
Na verdade, causa constrangimento o espírito prático
com que o problema vem sendo tratado, tanto pelos
beneficiários diretos da aceitação de tese tão
conveniente aos seus interesses imediatos, como pelas
autoridades que deveriam questionar-se, em maior
profundidade, do acerto das medidas propostas e
propagandeadas a larga. Por que não colocar em
primeiro lugar o que pode acontecer ao País na atual
conjuntura do mercado petrolífero internacional? Aí
surgiriam medidas quase obrigadas, que o autor vem
defendendo até com certa intransigência, entre as quais
se alinham:
— Ampliação imediata da produção de álcool, mesmo
com. sacrifício do açúcar, visando a permitir um mínimo
de normalidade na substituição do petróleo importado
por alternativa energética de origem metropolitana.
— Utilização do álcool prioritariamente para substituir
o óleo diesel, adotando critérios progressivos de mistura
e dupla alimentação.
— Preparação para uso, a curtíssimo prazo, de
motores movidos a álcool, capazes de atender a faixa
dos veículos médios e, pesados.
— Restrição do uso do álcool para carros de passeio,
enquanto a produção de álcool não garantisse o
transporte prioritário, se bem que pudesse ser usado
parcialmente para essa finalidade, desde que houvesse
uma efetiva adaptação e esforço na direção indicada,
permitindo reciclar rapidamente o álcool em caso de
agravamento ainda maior da crise petrolífera.
O que seria válido, de fato, são medidas enérgicas de
contenção do consumo de gasolina, utilizando as suas
sobras para trocar por OLP no mercado de derivados,
enquanto se garantisse com o uso do óleo diesel e de
álcool o funcionamento de veículos vitais à Segurança
Nacional, sem descuidar do óleo combustível, cuja
substituição significativa nas indústrias demanda tempo.
Para atingir tal desideratum e preciso ter a coragem de
rever posições e decisões precipitadas, tomadas sob o
influxo de influências orientadas, com vínculos maiores
aos efeitos da crise sobre segmentos da indústria
automobilística.
De outra parte, para de fato ser promovido à
prioridade que tem, o motor capaz de substituir os
motores diesel, movido a álcool, tem de ser tratado com
a compreensão de que ele não será um motor diesel
movido a álcool. Esse é o ponto: é preciso ser capaz de
eliminar do subconsciente os condicionamentos de uma
lavagem cerebral bem executada, levando à glorificação,
para sempre, se possível, do motor diesel.
Os destinos do Brasil não podem – e não devem – ficar
ligados aos efeitos de ações psicológicas subliminares
que impedem de raciocinar com liberdade, como se fosse
um dirigível que só tivesse permissão para locomover-se
em terra.
25

REAVALIANDO A SITUAÇÃO ENERGÉTICA

O panorama mundial no que se refere ao petróleo e,


portanto, a todo o contexto da estabilidade econômica e
social da década de 80 é extremamente sombrio. Apesar
de se conhecerem os indicadores de uma crise em
aprofundamento, existe a tendência de negligenciar as
medidas para enfrentá-la, conforme ocorreu na, década
de 70, quando já deveriam ter sido elaboradas e
implantadas medidas de emergência.
Quando se fala em medidas de emergência, isso não
significa que elas estejam desvinculadas do contexto de
um planejamento a médio prazo. Cumpre, porém,
justificar, até a exaustão, as razões pelas quais já se está
em situação de emergência, com a perspectiva de nela
permanecer, ampliando-se, progressivamente, a sua
gravidade.
O quadro da disponibilidade física e econômica do
petróleo, cuja progressão em termos de preço é
impossível estabelecer, tem sido assinalado
continuadamente. Como existe, porém, a tendência a
ignorar a realidade, são citadas a seguir algumas
declarações recentes sobre o assunto.
Para a CIA norte-americana, as reservas mundiais de
petróleo se esgotam e os países devem empenhar-se em
promover, sem demora, uma fácil transição para fontes
alternativas de energia. Ao contrário da crença que se
popularizou durante a suposta e transitória abundância
de 1977-1978, o mundo não dispõe de anos para efetuar
a mudança. A produção mundial de petróleo deverá cair
em meados da década de 80. Mas antes disso as
produtoras começarão a restringir os fornecimentos.
Alguns países, com grandes reservas de petróleo se
comparadas com sua produção, estão aumentando
lentamente a capacidade produtora, ou não o fazem
diretamente.
Essa resistência em aumentar a produção reflete o
desejo, da parte de muitas nações produtoras, de
prolongar a sua riqueza petrolífera por um prazo maior.
Dessa forma, segundo a CIA, o mundo terá que recorrer a
fontes energéticas alternativas, como o xisto
betuminoso, o gás natural, o carvão e a energia nuclear.
Para a CIA, o desenvolvimento da maioria dessas fontes
exigirá muitos anos e o seu custo será muito alto.
Segundo Armando Guedes Coelho, Superintendente
de Comercialização da Petrobrás, a situação pode ser
tranquila nos próximos meses, embora não o seja no
futuro mais distante. Exis-tem pelo menos quatro
indagações inquietantes. Até que ponto a Arábia Saudita
vai produzir o adicional de um milhão de barris/ dia, já
que a extração normal de seus campos é de 8,5 e não de
9,5 milhões, como vem fazendo? Até que ponto haverá
situação de relativa tranquilidade no Irã? Os países
produtores, de modo geral, continuarão produzindo nos
mesmos níveis ou reduzirão seus fornecimentos para
fortalecer o mercado? Como reagirá a economia mundial
daqui para a frente?
Para o Presidente Carter, dos Estados Unidos, o
suprimento de petróleo de seu país depende de um
tênue fio de petroleiros ao longo dos mares do mundo.
C. C. Pocock, Presidente da The Shell Transportation
and Trading Company, em artigo no Jornal do Commercio
de 3 de se-tembro de 1979, afirmou: "Agora não parece
haver nenhum meio de evitar os dolorosos efeitos do
passado. Já não basta dizer que precisamos cuidar do
carvão, que precisamos ter energia nuclear - embora
ambas as afirmativas sejam verdadeiras. Mesmo se
alguns produtores decidirem aliviar a pressão,
aumentando um pouquinho sua produção, o problema
não desaparecerá. É possível - aliás é certo — que
aconteçam outros acidentes. Haverá mais arrocho da
parte de outros produtores. A partir de agora e para
sempre temos de esperar que surja uma dureza real em
termos de petróleo. Podemos atenuar o impacto se
resolvermos reduzir a demanda depois de mantê-la
reduzida. É a única maneira de conservar a reserva
necessária. Como fazê-lo? Sobretudo deixando que os
preços mais altos fluam para o consumidor, mas também
fazendo uso de exortação e informação, a fim de que o
governo dê o exemplo em seus próprios órgãos, e por
uma variedade de truques. Tudo isso somado permitirá,
decerto, não só a redução de 5% já prometida como,
provavelmente, mais outros 5% de reserva. Mas grande
parte desse esforço implica apertar os cintos, o que é um
tanto desagradável. A prazo mais longo, precisamos
proporcionar às pessoas a visão de uma luz lá na boca do
túnel. Essa luz pode ser chamada 'eficiência energética',
que deveria ter constituído o título deste artigo.
Eficiência energética significa novos equipamentos,
novas construções, reciclagem, mais investimento e
novos empregos, com vistas a uma utilização mais
eficiente da energia. Existem grandes oportunidades. É
esse o lado esperançoso e positivo de uma mensagem
bastante sombria ".
É por isso que o autor do presente livro vem
pregando, com insistência nunca demasiada, os
seguintes pontos:
— A necessidade de um Plano de Emergência cujas
linhas gerais já foram apresentadas em capítulos
anteriores.
— A importância de não vincular a formulação de
qualquer política energética à certeza da disponibilidade
de petróleo para ser importado.
- Conscientizar as autoridades e o povo brasileiro da
importância de produzir, de imediato, maiores volumes
de álcool, mesmo com sacrifício do açúcar,
independentemente de metas visando a triplicar a sua
produção até 1985.
— Impedir seja o álcool malbaratado, com o uso
especifico para finalidades pouco nobres, em função das
circunstâncias atuais e futuras da disponibilidade e preço
do petróleo.
— Esclarecer que a pesquisa de novas fontes de
energia, válida e necessária, não deve servir de pretexto
para deixar de acelerar corretamente os programas
básicos do álcool, da hidroeletri-cidade e do carvão.
Diante do quadro que se agrava, com a montagem de
um cenário catastrófico em relação ao problema
energético brasileiro, surpreendem os debates e as
decisões indiferentes às realidades que grosseiramente
invadem o cotidiano do País. O problema não vai ser
agravado ao longo dos anos. Isso já aconteceu, e perdeu-
se a oportunidade de enfrentar esse agravamento em
ritmo tranquilo e seguro. Agora os acontecimentos se
precipitam e encontram a Nação mergulhada numa crise
econômica da maior seriedade, com intrincados
problemas de balanço de pagamentos, endividamento
externo e índice inflacionário. É hora, portanto, de dar
efetiva prioridade ao que e prioritário. Seja no que se
refere à concentração do esforço nacional, seja no que se
refere à eliminação de tal esforço na direção inadequada.
Explicando melhor o raciocínio desenvolvido
anteriormente. a prioridade fundamental no Brasil de
hoje é a produção agrícola, para evitar a fome, e a
produção energética, para que a Nação não sofra colapso
se houver paralisação, parcial ou total, nas importações
de petróleo. E como a produção agrícola depende de
energia, e indispensável assegurar os suprimentos
metropolitanos dos insumos energéticos destinados a
garanti-la, bem COMO a assegurar o seu transporte e a
sua distribuição. De outra parte num País de grande
número de subempregados e desempregados, a indústria
não pode parar, e deve ter garantidos os insumos
energéticos, desde que direcionados corretamente. De
nada vale dilapidar recursos escassos, aplicando-os na
produção de álcool para uso exclusivo em carros de
passeio, ou no vasto programa de atomoeletricidade,
procedimento que gera inflação de baixo índice de
retorno.
É claro que gerir a aplicação de recursos numa fase de
elevados índices de inflação exige sabedoria, pois se
trata de transformar déficits em instrumentos de
fortalecimento da economia nacional. Só a mobilização
dos anticorpos existentes endogenamente no organismo
nacional permitirá transpor os obstáculos oriundos dos
erros do passado. Não se trata, portanto, nem de
combater a inflação de qualquer forma e a qualquer
preço, nem de liberalizar o confronto com ela, na
esperança de que o seu simples crescimento seja um
modo de neutralizá-la.
O enfoque correto parece ser o de que países em
situação de confronto militar com inimigos externos
aumentam impostos e concentram esforços no
fortalecimento de sua defesa nacional. É o caso do Brasil
atualmente, em que a imagem dos impostos é associada
à inflação, e a do confronto militar com inimigos externos
à dependência de um suprimento vital do exterior, sobre
o qual o País não tem, de fato, o menor controle. Só
assim se justifica o apelo à economia de guerra. Só assim
não se justifica insistir no programa nuclear sem cortes
substanciais, e em medidas discutíveis como a de dar ao
álcool o papel de substituto da gasolina.
26

ÁLCOOL : UMA AGENDA PARA O PRESENTE

Quando começou a estudar os fundamentos da crise


energética mundial, o autor experimentou grande
perplexidade: onde estavam os especialistas, para não
compreenderem em tempo a situação que se estava
criando? E por isso fixou-se na intenção — lisa e
desinteressada em termos de resultados empresariais
diretos — de dar o melhor da sua contribuição ao correto
equacionamento do problema do Brasil.
Não se tratou, ao longo destes últimos anos, de uma
caminhada sobre pétalas de rosas. Houve muita
incompreensão e atitudes de desdém. Em contrapartida,
houve muito estímulo e compreensão — poder-se-ia dizer
mesmo adesão às teses defendidas — particularmente
quanto ao papel do álcool como primeiro passo no
aproveitamento da biomassa. Figuras ilustres, como o ex-
Presidente Emílio Garrastazu Médici, estimularam a
publicação de um livro com o título deste capítulo, a cujo
lançamento estiveram presentes mais de 500 pessoas.
É preciso confessar que a expectativa não era a de
uma caminhada fácil. Não se rompem padrões culturais,
num passe de mágica, com servidões e limitações
estratificadas. De outra parte, persiste a tese de que o
empresário não deve expor-se a debates sobre temas
controvertidos. É mais ou menos a formulação
aristotélica de que se os objetos caem quando soltos no
espaço, é porque o lugar deles é na terra .
O testemunho que pode ser prestado é de que o
Governo, como um todo, se não apoiou, até faz pouco,
um debate franco, não obstaculizou em nada o trabalho
de proselitismo que foi desenvolvido. A Escola Superior
de Guerra, que o autor cursou em 1965, mantendo toda
a sua independência intelectual, convidou-o em 1978,
para uma conferência e um painel sobre o assunto
candente — da energia no Brasil. Em 1979, o Ministério
das. Minas, e Energia, a Secom e O Globo promoveram
um Seminário sobre o Modelo Energético, e houve a
oportunidade de um debate franco, com o General
Octaviano Massa, então Secretário-Geral do Ministério
das Minas e Energia.
Assim, na convicção de estar prestando um serviço à
Nação, porém consciente de que é mais fácil formular
planos do que operacionalizá-los (para o que é
necessário mobilizar um esforço maior), foi feita nova
conferência em São Paulo, a convite do Grupo Atlântica-
Boa Vista, além de outra participação em painel
promovido pela ESG.
Nesses pronunciamentos cristalizou-se no autor uma
visão específica sobre o problema energético e a posição
brasileira diante dele, traduzida nos parágrafos
seguintes.
A crise econômica mundial e brasileira atingiu um
ponto que tem, para as nações em desenvolvimento
carentes de petróleo, contornos críticos, exigindo
medidas enérgicas e imediatas. O tempo é curto para
contemporizações e tentativas de maquilar os riscos que
o País corre.
Desde o início de 1978 procura o autor dramatizar a
crise energética brasileira e apontar a alternativa de uma
grande produção de álcool como forma de libertação da
dependência do petróleo importado, tendo inclusive
publicado, em julho de 1978, o livro citado, com prefácio
do Presidente Médici, além de escrever artigos,
pronunciar conferências, participar de debates e presidir
o Conselho Permanente de Energia da Associação
Comercial do Rio de Janeiro.
A nosso ver, o Brasil tem de libertar-se do complexo
dos Mu-niques energéticos, ou seja, de admitir que novas
concessões ou contemporizações permitirão cuidar da
substituição do petróleo a médio prazo.
A economia de guerra se justifica na medida em que o
bloqueio energético brasileiro, forçando toda a economia
do País em direção à estagflação, é uma agressão
externa, que exige grandes sacri-fícios para ser
enfrentada.
Cabe aos empresários alertar o Governo e colaborar
com ele no sentido de conscientizar o País quanto à
gravidade da situação, empenhados em atenuá-la pelo
confronto direto e imediato, sem buscar soluções
egoísticas de grupos ou pessoas. O povo brasileiro deve
ser convencido de que as suas elites culturais são
responsáveis, e de que as soluções são possíveis dentro
do regime democrático, sem apelo à revolta e à
desordem.
Para tanto, é preciso proceder como se o País já
estivesse em estado de emergência (e não está?), sem
preocupações com interesses restritos. Cumpre aplicar
um Plano de Emergência (emergência de fato), com a
utilização de critérios de mobilização nacional, conforme
a prioridade fundamental que se impõe: evitar o caos
que será gerado, em ritmo mais lento ou mais rápido, na
medida em que os canais de decisão se mostrem
congestionados institucionalmente, agindo no varejo de
maneira hesitante e no atacado sem planos diretores
definidos e ajustados à disponibilidade de recursos. O
ataque simultâneo ao problema energético, em todos os
fronts, demandará mais tempo e recursos do que aqueles
disponíveis pelo Brasil.
Independentemente do aproveitamento do potencial
hidroelétrico, para o que basta serem alotados recursos,
pois o setor está maduro, é fundamental o
desenvolvimento das fontes alternativas preferenciais, do
álcool da cana-de-açúcar e do carvão. Nenhum dos
outros desenvolvimentos técnico-científicos ou já em
estágio de implantação pode ou deve constituir
empecilho econômico ou político ao cumprimento das
prioridades estabelecidas.
Cumpre lembrar que o aproveitamento do carvão,
absolutamente indispensável, tem limitações no tempo,
seja quanto à produção e transporte, seja quanto à
tecnologia de gaseificação e liquefação, considerado o
teor de cinzas do carvão brasileiro.
A premissa de que o Brasil já se encontra em estado
de emergência levaria à adoção de medidas que
significariam total prioridade para o funcionamento da
indústria e dos transportes básicos. A mudança do
esquema de refino, para aumentar a percentagem de
óleo diesel, significaria uma de suas hipóteses:
— Não haveria substituição do óleo diesel por álcool
nos motores movidos a óleo diesel.
— Caso contrário (sendo o álcool utilizado para
substituir o óleo diesel), sobraria óleo diesel em vez de
gasolina.
Todo o esforço deve ser feito para, utilizando critérios
racionais de preços e financiamentos não-subsidiados,
abrir de fato a produção de álcool ao empresariado
nacional, de acordo com um plano diretor cuja
elaboração foi sugerida em conferência na ESG em 24 de
outubro de 1978:
O esforço tecnológico na direção do motor 100% a
álcool realmente projetado para esse fim, e destinado a
veículos pesados, ê uma prioridade nacional importante
e inadiável.
Desde já, a produção de maiores volumes de álcool
deve ser implantada, com aproveitamento da capacidade
ociosa das destilarias anexas e algumas adaptações no
sistema, mesmo que houvesse prejuízo na produção do
açúcar, ou sensível diminuição nos seus estoques.
A conservação e economia de energia são
fundamentais, para que sobreviva uma sociedade livre
nos dias de hoje. Não se deve obstaculizar a economia
de energia sob o argumento do livre arbítrio, pois
debaixo desse signo, em certos casos, pessoas e
sociedades mergulharam nas maiores crises. Cabe
esclarecer a comunidade e o Governo, debatendo com
veemência e franqueza problemas vitais; como é o da
energia para o Brasil.
Exportar mais, para importar petróleo cada vez mais
caro, é uma forma de transferir o suor e o esforço dos
brasileiros para os países produtores de petróleo, sem
atingir o objetivo de usar esse esforço para importar
equipamentos de modernização de todos os setores da
economia brasileira.
Sendo o processo dinâmico, novos ensinamentos vão
se agregando, com a revisão de posições. A parte mais
importante, no confronto com a crise energética
brasileira, poderia ser definida como o fez Pinheiro
Machado: "nem tão rápido que pareça uma fuga, nem
tão devagar que pareça uma provocação ". Até aqui se
observa um ritmo que constitui uma provocação aos
deuses do Olimpo.
27

AS ALTERNATIVAS PARA O PETRÓLEO E SUA


PRIORIDADE ECONÓMICA

Ouve-se ainda hoje, por mais estranho que isso possa


parecer, uma série de afirmações que procuram
minimizar a crise energética brasileira. Algumas das mais
importantes seriam a de que a prioridade absoluta é
discutível e não justifica o conceito de economia de
guerra que lhe foi atribuído; a de que o problema, muito
mais do que de energia, é um problema cambial; a de
que se for aumentada a exportação poder-se-á atender
aos custos da importação residual de petróleo; a de que
500 a 600 mil barris de petróleo, importados em 1985,
não apresentarão problemas, além de muitos outros
argumentos, todos com um jeito de injeção de adrenalina
destinada a criar um clima de otimismo.
Recentemente (20 de setembro de 1979), em
entrevista a um noticiário de televisão, um banqueiro
inglês, com muita propriedade, afirmou que otimismo é
um recurso cuja disponibilidade é grande no Brasil. Será
isso uma vantagem? Se o otimismo, em relação a
problemas sócio-econômicos, for lastreado em ações
coerentes e bem coordenadas, então estar-se-ia diante
de um recurso dinâmico, capaz de contribuir para
amalgamar os fatores de produção, com urna resultante
positiva para o País.
O que parece estar ocorrendo, porém, não é isso. O
otimismo de que se pretende impregnar "o País não tem
lastro na realidade, pois julga apenas as ações de
Governo em curso. E com base nessa tônica buscar-se-á
demonstrar que não é possível utilizar os óculos do Dr.
Pangloss, passando a ver tudo cor-de-rosa. É
fundamental insistir em que a situação é crítica e difícil,
tornando-se necessário operar o tumor, extirpá-lo, e não
o gânglio intumescido, que apenas o denuncia. De outra
parte, a forma de fazê-lo não parece ser a de expor o
flanco do país à estagflação. Ao contrário (e preciso
insistir), a boa gerência dos déficits obrigados permitirá
não só eliminá-los, ao longo de certo tempo, como gerar
eventualmente uma condição de equilíbrio no balanço de
pagamentos.
Na verdade, ao autor do presente livro parece que
muitas teses certas começam a ser apresentadas de
forma errada. Já é, sem dúvida, um progresso em relação
a uma fase em que muitas teses erradas vinham sendo
apresentadas de forma certa. Porém, o que interessa de
fato é contribuir para que as teses certas sejam
apresentadas de forma correta.
Quanto à prioridade da solução correta da crise
energética, cabe sugerir o exame do assunto em
profundidade. Por isso, ele foi dividido em três partes,
que constituem os capítulos seguintes.
28

CONCEITO DE PRIORIDADE — MACRO E


MICROPRIORIDADE

Segundo Descartes, sempre que se discutir um


assunto cumpre, antes de mais nada, definir o que se
está discutindo. A palavra prioridade pressupõe um
tratamento preferencial e diferenciado para determinado
assunto ou problema. A prioridade, em si mesma, pode
ser de caráter macro ou micro. Quando se discute o
assunto a nível de decisões governamentais, admite-se
estar ele sendo tratado a nível de macroprioridades, de
definição complexa, porque os problemas que têm de ser
resolvidos, todos importantes e não raro dependentes
entre si, se atropelam
Talvez seja devido a esse fenômeno da
interdependência de problemas e, portanto, das
alternativas para enfrentá-los, que ocorra com tanta
frequência a alteração de prioridades, dando a impressão
de que não existe firmeza e critério no seu
estabelecimento.
Cumpre, portanto, aos responsáveis pela manipulação
do PODER NACIONAL estabelecer PRIORIDADES,
conforme cada época e cada circunstância. A presteza e
o acerto no estabelecimento das prioridades de Governo
são condicionantes vitais que caracterizam a diferença
entre uma boa Administração e uma Administração
incompetente. De qualquer forma, é recomendável o
debate dos critérios e razões que em cada momento,
mesmo no decurso de um mesmo Governo, levam ao
estabelecimento de um elenco de prioridades.
A participação da comunidade na discussão dos
comportamentos governamentais, particularmente no
estabelecimento de prioridades e na maneira de colocá-
las em prática, é fundamental. Qualquer pessoa ou
entidade, envolvida através de seu conhecimento
individual ou de equipe, tende a omitir determinadas
considerações que promovam alterações de critérios de
planejamento se reconhecidas em tempo.
29

PRIORIDADES GOVERNAMENTAIS:
AGRICULTURA, INFLAÇÃO E ENERGIA

No tumultuado contexto da economia mundial, que o


famoso economista Gunnar Myrdal define com a
expressão everything is-horrible , a situação do Brasil
não poderia deixar de ser preocupante. Ora, a posição
brasileira leva o Governo a estabelecer prioridades
obrigadas, algumas conflitantes, como o são o
desenvolvimento rápido da agricultura (inclusive a
agroenergética), o enfrentamento da dependência
energética no caso do petróleo e o, combate à inflação. É
claro que o atendimento das duas primeiras prioridades
compele a estruturar o combate à inflação de acordo
com as possibilidades, as quais nem sempre facilitam a
tarefa. Daí a ordenação lógica e hierárquica das três
prioridades citadas ser importante e muito dolorosa. Sem
fazer um exercício analítico sobre como ordená-las,
poder-se-ia resumir com o seguinte raciocínio o critério
que sugerimos: alimentar o povo; brasileiro, reduzir o
ritmo do endividamento externo e recuperar o controle
sobre o, problema energético são prioridades que
precedem o combate à inflação.
O fato de não se dar â inflação, neste momento, um
posicionamento de prioridade nº 1, não significa que se
trate de objetivo secundário ou desprezível. A dimensão
dos problemas causados pela inflação é obviamente
conhecida por todos os estudiosos de assuntos sociais e
econômicos. Eis porque, no momento em que a combate
à inflação, dissociado das outras duas prioridades
citadas, poderia significar a implosão delas, sem ao
menos controlar a inflação, cabe buscar a sua integração
harmoniosa através do aumento da produção agrícola, e
do bom equacionamento do problema energético, graças
a uma forma harmoniosa de minimizar e controlar a
espiral inflacionária.
30

A INTERAÇÃO DAS PRIORIDADES E A


METODOLOGIA DE ATAQUE: ASPECTOS
ESTRATÉGICOS E TÁTICOS

Tudo indica que a inflação é estimulada pelos


problemas de endividamento externo, dependência
externa no fornecimento e no preço do petróleo, e baixa
produtividade agrícola, acompanhados de todas as
distorções no transporte, armazenamento e
comercialização da produção agrícola.
Estrategicamente, existe uma clara interação entre as
três prioridades em discussão.
Os sucessivos aumentos do petróleo, que levam ao
aumento de preço dos seus derivados — ou ao subsidio
desse preço, o que no fim tem idênticas consequências
—, geram o encarecimento da produção agrícola, bem
como do seu transporte e comercialização. Não há,
portanto, forma de conter a inflação sem introduzir um
meio de comandar o problema dos custos de energia.
Se o aumento da produção agrícola significa maior
dispêndio de energia no campo e nos transportes,
obviamente poderá isso redundar num agravamento dos
custos, com consequente repercussão na conjuntura
inflacionária. De outra parte, se contida a produção
agrícola, acumular-se-iam os problemas sociais
(desemprego), com o aumento da dívida externa
(importação de produtos agrícolas) e da própria inflação
devido ao crescente desequilíbrio do balanço de
pagamentos. E o Pais cada vez mais trabalharia apenas
para pagar petróleo, o serviço da dívida externa e
produtos agrícolas importados, de modo a evitar que
viesse a grassar a fome.
Tanto a produção agrícola quanto a redução da
dependência energética do exterior dependem, em
última instância, da disponibilidade de recursos para
investimentos. A contenção tout court da inflação
conflita, portanto, com o rompimento da cadeia
realimentadora da inflação, particularmente no que diz
respeito à produção agrícola (inclusive a agroenergétíca),
à hidroeletricidade e ao aproveitamento do carvão.
É, preciso deixar claro que investimentos
incorretamente direcionados — ou seja, o simples
aumento desenfreado da inflação ---- não representam
uma hierarquização de prioridades, obviamente. O outro
extremo está exatamente em que a simples contenção
de investimentos, sem a correta administração dos
déficits (pois não existe glória em administrar
corretamente superávits), não permitirá a recuperação
do País. Só o investimento correto, nos setores críticos da
agricultura (inclusive agroenergética), na hidroele-
tricidade e no carvão, permitirá deixar para o último
lugar, aparentemente, a prioridade do combate à
inflação.
Por sua vez, a simples tentativa de atender à
crescente demanda de divisas, através de exportações,
particularmente de produtos agrícolas, não representará
uma solução, a menos que, ao mesmo tempo e com
maior intensidade, se ofereça o insumo energia, de
origem interna e produzido racionalmente.
Daí recomendarmos a hierarquização das prioridades
citadas, conforme a ordem seguinte: energia, agricultura
e combate à inflação. Cumpre esclarecer que o fracasso
ou a má compreensão de qualquer dessas prioridades
faria desabar o tripé.
31

O CANIBALISMO ENERGÉTICO

O esgotamento do petróleo, daqui a 30 ou 40 anos, é


um fato inevitável, que os povos desenvolvidos relutaram
em admitir. Quanto aos povos subdesenvolvidos (dois
terços da população do planeta), não têm eles condição
intelectual para compreender o fenômeno. Enquanto os
governos e as elites dos países desenvolvidos começam
a admitir o fim da. Era do Petróleo, discutindo a
reciclagem tecnológica, a que estão obrigados, o que
ocorre nos países subdesenvolvidos?
Primeiro . A maior parte do povo não se beneficiou
das vantagens de um combustível; aparentemente farto,
barato e de alta concentração energética. No particular,
ele não serviu para induzir um expressivo aumento da
produção e do consumo, tendo o crescimento da
população absorvido boa parte do que seriam os
benefícios de sua disponibilidade.
Segundo . Diante do consumo desenfreado do que
deveria ser um patrimônio dos habitantes do planeta, o
seu esgotamento se aproxima, sem o oferecimento de
soluções alternativas válidas, em termos globais,
capazes de permitir que os povos subdesenvolvidos se
libertem de sua condição infra-humana. Ao contrário, os
países ricos continuam a consumir o petróleo num ritmo
alucinado, sem concordarem de fato em limitar esse
consumo.
Terceiro . As chamadas alternativas para o crescente
aumento de custo do petróleo, antes que ele acabe de
vez, estão sendo procuradas pelos países ricos e virão a
representar, por certo, novo fator de escravidão e
dependência para os países pobres, facilmente induzidos
à compra de caixas pretas, às vezes não completamente
testadas ou facilmente obsolescentes. Tal situação ocorre
na medida em que pequenas ilhas de prosperidade, num
mar de missa e atraso, pretendem manter a ilusão de
adiantamento mesmo que isso não esteja lastreado na
realidade.
Quarto . Os objetivos nacionais dos povos
subdesenvolvidos não se ajustam aos interesses dos
povos desenvolvidos. Na realidade, houve até aqui um
intenso uso dos recursos naturais dos países pobres,
comprando-se-lhes matérias-primas ou
semimanufaturadas, para o gozo de produtos
manufaturados ou sua venda de volta, com um agregado
de lucro altamente expressivo. Só assim se explica o
desequilíbrio cada vez maiôr entre países pobres e países
ricos.
Quinto . Mesmo em relação ao petróleo, o fenômeno
da OPEP, que colheu de surpresa os países ricos, não
representou no início senão a necessidade da operação
de reciclagem dos petrodólares, a qual atingiu os seus
objetivos em parte, apesar de ter, marginalmente,
abalroado firmemente a economia dos países pobres.
Sexto . Os países pobres, não só em termos de
riquezas materiais, dinamizadas pela disponibilidade de
recursos humanos para isso adestrados, mas
depauperados por séculos de colonialismo econômico,
passaram a agir como se estivessem drogados,
disputando as sobras dos países ricos e a benevolência
dos países produtores de petróleo, com comovente
ingenuidade.
É dentro dessa moldura que se está pintando o quadro
da próxima década. Não é impossível antecipar alguns
parâmetros de seu desenvolvimento, com um sensível
aumento da dependência dos países pobres em relação
aos países ricos, particularmente se as alternativas para
o petróleo apontarem firmemente em direção à
biomassa. Na verdade, é natural que isso venha a
ocorrer, na medida em que os espaços vazios, em
regiões de boa pluviosidade e insolação, sem problemas
de conflito de culturas a curto prazo, coincidem com as
áreas ocupadas pelos países tropicais pobres.
No particular, exceto quanto aos países produtores de
petróleo, os demais países pobres serão excelentes
fontes de derivados vegetais, capazes de substituir o
petróleo. O problema então se põe na forma de
disciplinar os países produtores de petróleo, os quais
poderiam ser classificados de ricos, perdulários e com
pretensões (em sua maioria) de transferir-se para o
grupo dos países ricos, pelo menos no que se refere às
somas astronômicas que vêm acumulando. Outrossim,
petróleo e fontes alternativas de petróleo não existentes
nos territórios metropolitanos dos países ricos serão alvo
da sua cobiça, sendo de se esperar possam ocorrer
movimentos militares visando a assegurar a
disponibilidade de tais recursos.
Não parece crível que leis e regras internacionais
possam prevalecer sobre as necessidades vitais dos
países ricos. Sem energia suficiente para garantir seu
transporte, sua eletricidade, sua calefação, tendo de
alterar substancialmente padrões de vida e de cultura,
será que tais países permanecerão estáticos? É possível
e até provável que os fatos se passem de forma
pragmática: ou os países pobres se entrosam num
contexto que garanta o conforto dos países ricos, ou
terão que fazê-lo mesmo a contragosto.
Assim, tudo indica estarem expostos a ações de força
(com-binadas entre as grandes potências,
independentemente de sua ideologia) tanto os países
produtores de petróleo — ainda subdesenvolvidos
cultural e economicamente — como os países capazes de
oferecer alternativas energéticas válidas, a curto prazo.
É por isso que parece indicado, no caso brasileiro,
cuidar-se, de imediato, da aplicação de severas medidas
destinadas a tornar o País independente de pressões,
sejam elas oriundas dos países produtores de petróleo
para exportação, sejam provenientes dos países ricos na
fase de transição que se inicia.
O mundo contemporâneo se caracteriza por uma
aceleração crescente das demandas de consumo e lazer,
a par de um progresso tecnológico explosivo. É possível
que, apesar disso, o progresso tecnológico não possa
atender às demandas sociais e econômicas em prazos
úteis. E é nesse caso que os riscos serão maiores. A
única forma de evitar corrê-los, de fato, está em
antecipar os esforços para o desenvolvimento do País, a
fim de libertá-lo de uma dependência energética artificial
e romper a servidão cultural que impede a ruptura com o
modelo tradicional, importado, responsável pela
condução do País à sua atual situação, e que ameaça
expô-lo, a qualquer momento, ao renovado canibalismo
energético das nações ricas, transvestido em ações de
domínio territorial, se assim se fizer necessário.
Talvez o presente capítulo, melhor do que todas as
afirmações anteriores, explique o empenho com que
vimos pregando a adoção de medidas rápidas e
eficientes para o aproveitamento das alternativas
energéticas brasileiras, de modo a substituir o petróleo
importado pela hidroeletricidade, o carvão e o álcool,
este como o primeiro largo passo na utilização da
biofotossíntese.
32

ENERGIA E POLITICA

O Brasil de hoje vive um momento político


impregnado de mensagens e conteúdo.
Pluripartidarismo, liberdade de expressão, participação
são temas de todo o dia, dominando as manchetes dos
jornais e os noticiários das televisões e rádios. Os meios
de comunicação dedicam boa parte de seu tempo, ou de
seu espaço, a temas fáceis de compreender, como são as
viagens do Presidente da República, o retorno e as
declarações dos eLivross políticos, as divergências
internas da ARENA e do MDB, e outros assuntos de
conteúdo político.
Na verdade, para o observador atento, o fenômeno
brasileiro, na atual situação, é uma demonstração cabal
do despreparo das elites e do comodismo daqueles que
que se radicalizam em torno do que lhes é fácil
compreender: o jogo político. Para um País de vasto
clientelismo político, em que os tecnocratas se
esmeraram em manter até mesmo o hermetismo de
linguagem, os temas fundamentais que embasam
qualquer estrutura política são relegados a segundo
plano.
Um exemplo dos mais característicos da distorção
existente no correto equacionamento do Problema
fundamental do Brasil, que é o da energia, foi o debate
na televisão entre o Ministro das Minas e Energia, e o
líder do MDB no Senado Federal. Naquela oportunidade,
com uma grande audiência a acompanhar o programa, o
líder oposicionista fez uma pergunta irrelevante, quando
tudo levava a crer fosse a_ ocasião ímpar aproveitada
para situar o pensamento da Oposição quanto ao
problema energético, solicitando-se ao Ministro que
esclarecesse aquilo com que concordava e aquilo de que
discordava.
A verdade que se coloca diante de todos é que o
Governo vem tentando situar-se diante do problema
energético. Quanto à Oposicão, não tem ela
compreendido as ameaças que pesam sobre o país, pelo
que relega o tema crítico do desenvolvimento político —
a energia — para um plano secundário, dadas as suas
conotações sociais e econômicas.
Cabe formular aqui, despretensiosamente, algumas
questões que valem tanto para os adeptos do Governo
como para os partidários das oposições
Pode haver liberdade política se faltar energia para
mover nossos veículos e alimentar nossas indústrias?
Existe algum risco de vir a faltar petróleo amanhã,
devido a uma nova crise política ou militar no Oriente
Médio? Seria o assunto solúvel com medidas de caráter
político?
O ritmo de aplicação das medidas para substituir o
petróleo importado por fontes de origem metropolitana,
apoiadas na fotobiossíntese, vem sendo implementado
de forma correta, de modo a atender à pressão dos
acontecimentos reais e passíveis de materializar-se?
Terá o Brasil condições de manter um ritmo adequado
de desenvolvimento e geração de empregos com o
aumento continuado dos preços do petróleo e a incerteza
de conseguir encontrar forne-cedores e dispor de meios
para importar em 1985 ainda mais de 500 mil barris de
petróleo por dia?
Cabe a aplicação de um Plano de Emergência como o
apresentado pelo Conselho Permanente de Energia, da
Associação Co-mercial do Rio de Janeiro, ou deve
prevalecer aquele posteriormente defendido pelas
classes empresariais e encampados pela MEDE —
Mobilização Empresarial para o Desenvolvimento
Energético?
Se ambos os documentos são diametralmente opostos
em sua filosofia e recomendações, deve o assunto ficar
ignorado, depen-dendo do maior ou menor poder, ou
empenho, das entidades que os apresentaram, ou deve
ser amplamente discutido?
Quando as hipóteses citadas abordam posturas tão
diferenciadas quanto o estancamento — inclusive auto
decidido — de 50% na importação de petróleo e a
substituição prioritária da gasolina pelo álcool, seria o
silêncio sobre o assunto válido?
Como entender a aceitação passiva do cronograma de
substituição da gasolina pelo álcool, com uma vaga
promessa de fazê-lo quanto aos veículos pesados, hoje
movidos a motores diesel, deixando na orfandade
caminhões, ônibus e tratores?
Onde estão os eternos defensores de posições
nacionalistas, ainda hoje preocupados com o monopólio
estatal do petróleo, e desinteressados, do motor
BRASILEIRO movido a álcool, e destinado a substituir
aqueles hoje movidos a óleo diesel?
Seria desprezível cuidar da utilização conjunta álcool e
óleo diesel em motores diesel` proporção de 1,1 litro de
álcool para um litro de óleo diesel, com a possibilidade
de substituir o último até 40% ou mais?
As dez perguntas formuladas poder-se-iam estender
indefinidamente. O que impressiona é a inexperiência e a
falta de visão dos políticos brasileiros. Etanol de cana-de-
açúcar e etanol de madeira. Concomitantemente? É
conveniente para a, Nação, ou não o é? São debates a
nível nacional que deveriam estar sendo travados
acirradamente. É chocante ver o círculo limitado em que
o assunto é tratado, e a facilidade dos decision makers
em adotar diretrizes, imunes a críticas ou à necessidade
de dar explicações bem fundamentadas.
O fenômeno do despreparo das elites dirigentes
brasileiras é facilmente caracterizável. Discutem
detalhes ou problemas políticos transcendentais, fugindo
ao enfoque de assuntos desagradáveis, de pouco
rendimento político. O processo tem uma fragilidade
claramente identificável, na medida em que a crise
energética, enfrentada incorretamente (apesar de vários
países estrangeiros buscarem a experiência brasileira),
levará à impossibilidade de um pacto social e político
válido.
A espiral inflacionária sem condição de ser contida e
empurrada pelo custo da energia importada, agregada
aos custos de desenvolvimentos energéticos
metropolitanos de alto investimento e baixa capacidade
de resposta, são as condicionantes que conduzirão os
políticos a um impasse. É pena que se e quando isso
ocorrer já terá provavelmente passado o momento ótimo
para reagir, dentro da linha de união nacional em torno
de critérios de Mobilização que estão a pedir — pelo
amor de Deus — para serem implementados.
33

BOMBA-RELÓGIO NAS MÃOS DA NAÇÃO

Qualquer previsão sobre a década de 80 corre o risco


de ser desmentida, exceto num aspecto fundamental:
será o período das crises energéticas, que influirão no
comportamento das pessoas e das nações.
Particularmente, os problemas serão gerados pelos
custos e volumes de petróleo colocados à disposição dos
países dependentes de sua importação.
O tema já se tem tornado monótono, sem por isso
gerar um conjunto de medidas coerentes, capazes de
significar uma tomada de posição adulta e responsável
diante do desafio brutal que ainda não teve resposta,
enquanto a década de 80 não aguarda um minuto sequer
para invadir este final de 1979. Teoricamente, os
economistas deveriam estar elaborando projeções
suscetíveis de servir de base ao planejamento energético
da próxima década. Acontece que em certo momento os
economistas, além de terem os seus méritos
superestimados, adotaram a posição de se auto
superestimarem. Hoje, diante das projeções furadas e
das teorias ultrapassadas pelos acontecimentos,
compreenderam que a velocidade dos acontecimentos
constrói realidades, diante das quais só resta encontrar
boas justificativas para os erros de avaliações. Por isso,
os problemas que estão no caminho de homens e
nações, na atribulada década de 80, têm de contar, para
a sua solução, com a cooperação dos economistas, mas
não podem ser enfrentados sob o comando de nenhum
deles.
A partir de 1973, com a crise do petróleo, surgiram
demandas muito específicas para a qualificação dos
responsáveis por postos de comando, tanto em nações
ricas como em nações pobres. Apesar de variarem as
dificuldades a serem enfrentadas e, portanto, as soluções
a aplicar, uma constante permaneceu: os dirigentes
devem ter flexibilidade mental, imaginação e coragem.
Outro requisito fundamental é terem efetiva
comunicação com a comunidade, sendo capazes de
mobilizá-la sem apelo a mistificações.
Assim, é preciso dizer ao povo com clareza e lealdade,
particularmente no caso brasileiro, que a prioridade
absoluta da Nação é a substituição do petróleo importado
no menor prazo, e tendo como meta fazê-lo por inteiro.
Não há tempo, provavelmente, para hesitações como as
que estão caracterizando o comportamento do Governo,
empenhado em ganhar tempo na, vã esperança de que
algo aconteça que venha aliviar o problema. Algo vai
acontecer provavelmente, e mais cedo do que se possa
imaginar: o aumento desmesurado dos preços do
petróleo, via direta ou indireta, através de sua simples
alteração ou através da adoção da cesta de moedas, dos
leilões do combustível ou das correções conforme a
desvalorização do dólar. Tais hipóteses não invalidam a
ocorrência de uma outra forma de aumento do preço do
petróleo, ou de cortes no fornecimento, pelo simples fato
de que não é importante acertar os 13 pontos , mas é
necessário identificar tendências e trabalhar sobre elas.
A pergunta básica que se põe para todos os brasileiros
que pretendem fazer alguma coisa pelo País é a
seguinte: Qual o tempo de que se dispõe para
equacionar o problema da dependência da importação
de petróleo? Será esse tempo de seis anos? Caso se
possa raciocinar em termos volumétricos, com a certeza
de importar 960 mil barris/dia, independentemente da
ocorrência de problemas de suprimento, ou da
incapacidade de aquisição do País, então não há
dificuldade alguma. Em quatro ou cinco anos o problema
tem solução fácil. O autor, no entanto, entende de forma
completamente diferente. Julga que já se está em estado
de emergência, sofrendo um bloqueio energético pior do
que um bloqueio militar, como o que foi feito, por
exemplo, a Napoleão durante a guerra com a Inglaterra.
E ninguém compreende que o problema é mais grave do
que um ataque militar, porque não existe um inimigo
palpável; ele cresce desmesuradamente e é negado
subliminarmente. Ignorá-lo é uma forma de proteção,
mas, sem dúvida, um comportamento psicologicamente
covarde.
A hora exige que se supere o complexo dos franceses
com a Linha Maginot. É uma ilusão e um luxo que o Brasil
não pode se permitir, se pretende ser um País capaz de
desenvolver os seus oito milhões e meio de quilômetros
quadrados e oferecer condições de vida decentes a mais
de 100 milhões de criaturas humanas. É por isso que
devem ser feitos sacrifícios. Mesmo porque 90% do povo
brasileiro já está fazendo sacrifício . Cabe aos 10%
restantes liderar esse movimento, para que não sejam
todos tragados pela incompetência e pela
imprevisibilidade, e possa o País evitar um fenômeno da
maior gravidade social e política, e que poderá
representar um caos incontrolável.
Por outro lado, existe uma série de distorções a serem
corrigidas. Existe o Documento das Classes Empresariais,
que o Conselho Permanente de Energia da Associação
Comercial refutou de pleno, pois propõe um novo sistema
de refinação, através do qual o álcool substituirá a
gasolina para os carros de passeio poderem rodar. E o
caminhão? E o trator? E o ônibus? Não deveriam ser
garantidos em primeiro lugar, por causa do risco de caos
econômico e social? Não se está, em termos de
Segurança Nacional, compreendendo que não é hora de
egoísmo; que não é hora de determinados grupos
pretenderem resolver, a curto prazo, um problema
específico, enquanto a Nação corre o risco de um
naufrágio se houver interrupção no fornecimento de
petróleo. O assunto é sério e assim deve ser entendido e
tratado. No trabalho citado, encaminhado à Comissão
Nacional de Energia, consta a necessidade de ter o
cuidado de não produzir motores a álcool além de certo
limite, porque pode faltar álcool em função da melhoria
do mercado do açúcar, levando à necessidade de
racionar o álcool. Se é isso, então parece Kafka. Kafka
puro.
Ainda se explora o argumento do conflito de cultivos,
numa Nação em que só pode haver conflitos dessa
espécie onde existem destilarias anexas, que em geral
estão localizadas em regiões de cultivos nobres,
expandindo-se às vezes em detrimento de outras
culturas. Tudo o que está sendo feito tem a marca do
pensar pequeno e do ousar poupo. Volumes de álcool não
adequados. Sua utilização de forma incorreta, segundo
critérios de prioridade discutíveis.
Na Escola Superior de Guerra, há pouco tempo, o Dr.
Lício de Faria, então Secretário-Geral do Ministério da
Agricultura e do Comércio e Presidente da Comissão
Nacional do Álcool, respondeu, em debate, diante de
argumentos semelhantes, que não havia motores para
uso do álcool. Afirmava que o entusiasmo do autor era a
atitude do empresário, que pode se dar ao luxo de ser
otimista, enquanto as autoridades do Governo têm de ser
prudentes. Na oportunidade foi respondido que o
empresário tem de ser prudente, pois existe uma
punição chamada falência, que não ameaça ninguém a
serviço do Governo, mas ameaça o empresário, dia e
noite. Portanto, em termos de prudência, ela não é
privilégio de quem está trabalhando para o Governo.
Há outros conflitos a serem resolvidos. Aumentar a
exportação para pagar petróleo é uma forma de
transferir trabalho brasileiro para o exterior, com
resultados irrelevantes. É preciso aumentar a exportação
para modernizar a agricultura e a indústria brasileira,
desenvolvendo o País. O resto é contribuir para
desenvolver outros países, e, paralelamente, entupir os
bancos suíços e os demais bancos estrangeiros com
dinheiro dos países produtores de petróleo, que retornam
como empréstimos e aumentam o serviço da dívida. Em
resumo, um círculo vicioso que vai levar o Pais, em certo
momento, a uma explosão incontrolável.
O Brasil é um Pais que pode evitar a crise da década
de 80 na sua intensidade maior. Não lhe faltam recursos
para isso. Talvez faltem decisão e competência. Trata-se
de um País que tem tudo para vencer, tornando-se uma
Nação forte, respeitada e desenvolvida. Ele está montado
em cima de um Mar do Norte vegetal, e não se dá conta
disso. Por conseguinte, é hora de assumir atitudes muito
firmes. É hora de economia de guerra mesmo. Porque
economia de guerra pressupõe que há uma ameaça
externa. E cabe a pergunta: que ameaça externa maior
do que paralisar o transporte do Brasil, feito
principalmente por caminhão? Do que paralisar os ônibus
e tratores? Do que paralisar a indústria brasileira?
Existem, na prática, ameaças maiores do que o inimigo
externo, com canhões, navios de guerra e bombardeiros,
na medida em que possa ser feito a uma nação estrago
igual ou maior do que aquele produzido por todos esses
engenhos juntos.
Os responsáveis pelos destinos brasileiros devem ser
um pouco menos políticos e muito mais conscientes da
gravidade do momento. Há uma bomba-relógio, armada,
em mãos da Nação. Não se sabe quando vai explodir.
Que fazer? Só parece haver um procedimento
defensável: agir como se ela pudesse explodir agora
34

AUMENTOS DIRETOS E INDIRETOS DO CUSTO


DO PETRÓLEO

Existem diferentes formas de os preços do petróleo


variarem no mercado internacional. Sem levar em conta
o mercado spot , que já está atingindo 40 dólares por
barril, há numerosas explicações para os preços do
petróleo, desde as referentes à qualidade do produto, até
as que decorrem dos critérios estabelecidos pelos países
produtores e dos contratos com eles celebrados.
Seria extremamente interessante divulgasse a
Petrobrás um folheto esclarecedor sobre o assunto. O
hermetismo, no caso, só serve para deixar que pairem
dúvidas sobre quais os preços diretos, reais, que o Brasil
está pagando pelo petróleo que importa.
A oportunidade de um esclarecimento amplo sobre o
mais momentoso tema, da atualidade — os pretos do
petróleo — permitiria fosse a discussão sobre o assunto,
além de objetiva, impregnada de conteúdo pragmático
indispensável. Afinal de contas, os especialistas no
assunto têm feito o que podem, mas estão
comprometidos com uma política que ajudaram a
implantar, não podendo, portanto, dela discordar
frontalmente. Como a discordância é construtiva, na
medida em que não represente apenas uma oposição
sistemática, é indispensável oferecer dados concretos
que a revistam da necessária autoridade.
Pode parecer estranho sugerir que um assunto
complexo, hoje ao alcance de alguns iniciados, como é a
política de preços do petróleo, seja divulgado em maior
amplitude, com a consequente vulgarização do tema.
Não só não é estranho como é necessário. E se outros
argumentos não houvesse, bastaria citar a História da
Civilização nos Tempos Modernos , de Egon Friedell,
editada em Munique, em 1928. Nesse livro, o autor
comenta o fato de que quando algum não-especialista se
pronuncia de público, surge a desconfiança,
especialmente quanto ao direito de um diletante imiscuir-
se na discussão. Prossegue, porém, Friedell, para mostrar
que é importante a contribuição do diletante
competente, em relação humana com o objeto do seu
interesse. Ao contrário, assinala que o especialista tem
uma relação profissional com o assunto de sua
especialidade, e o encara, em geral, com uma dose
acentuada de unilateralidade, numa visão restrita e
estreita.
Explicando melhor o pensamento de Egon Friedell:
julga ele que o perito está tão perto do objetivo de seu
interesse que não é capaz de provocar uma revolução
verdadeira, pois seu excessivo comprometimento com a
tradição o impede de produzir soluções férteis.
Pode-se concluir, portanto, que os especialistas,
indispensáveis sem dúvida, podem receber importante
contribuição de estudiosos não profissionais,
principalmente quando se trata de assuntos para os
quais se exigem vivência e bom senso. E é exatamente
esse o caso dos preços de venda do petróleo no mercado
internacional. Para o profissional, o que lhe interessa é a
melhor condição que possa obter, conforme as
circunstâncias do mercado. A sua preocupação é apenas
o produto que está adquirindo. E por ser especialista não
lhe é fácil fazer correlações tão complexas quanto
analisar os aumentos de petróleo, via indireta.
De fato, há modalidades de aumento dos preços do
petróleo que não são definidas pela OPEP. É o caso do
aumento dos produtos manufaturados e dos produtos
agrícolas, dado o reflexo do aumento do petróleo nos
seus custos. Outrossim, quando os juros no mercado do
eurodólar sobem, em função do enfraquecimento do
dólar, ou das tentativas de conter a sua desvalorização, o
que se está enfrentando de fato é uma consequência da
crise energética. Assim, poder-se-ia dizer que, em termos
brasileiros, o petróleo, na semana de 7 a 14 de setembro
de 1979, subiu de 15 a 20%. Não ocorre o mesmo
quando o serviço da dívida brasileira sofre um aumento,
em função da tentativa de conter a elevação direta dos
preços do petróleo mediante resolução da OPEP?
A preocupação que o autor do presente livro vem
procurando transmitir, no que se refere aos aumentos
dos preços do petróleo, diretos ou indiretos, está
intimamente ligada à convicção de que se trata de uma
escalada. Também está ligada, de outra parte, à
convicção de que não há forma de acompanhar essa
escalada, sem confrontar o país com um descalabro. Daí
a pregação quanto à urgência de enveredar por um
atalho, cortando parte do caminho, hoje e de forma
contundente, antes que a única solução para os
municípios seja não pagar as dívidas aos Estados e ao
Governo Federal, num processo de queda do dominó de
que resultaria, por último, o País não poder cumprir os
seus compromissos no campo internacional. A par disso,
antes do ato final de uma peça extremamente perigosa,
os ônus da inflação importada e daquela fabricada
internamente irão cada vez mais corroer a resistência do
organismo nacional.
Parece, portanto, razoável solicitar aos especialistas
que não apresentem números distorcidos e
monocromáticos para assinalar as consequências dos
aumentos diretos do petróleo na economia brasileira.
Todo o complexo de providências para contornar os
aumentos diretos do petróleo, ou tentar evitá-los, deve
ser encarado como um filme, sem tentar contemplar
apenas fotografias isoladas. E só se houver a coragem de
formular o diagnóstico é que, de posse dos resultados da
tomografia do organismo nacional, se poderá perceber o
encadeamento dos fatos na sua simplicidade absoluta.
Isso significa, para países na situação de dependência ao
petróleo importado, como é o caso do Brasil, a
necessidade de assumir por inteiro a sua potencialidade
interna.
É; na certeza de que vai prosseguir a escalada
inexorável dos preços do petróleo, representando a curto
prazo o mesmo que o seu estancamento forçado, parcial
ou total, que temos pregado e proposto para o Brasil um
corte auto decidido na importação de petróleo. O povo
brasileiro (mesmo os mais ignorantes cidadãos deste
País) espera, consciente ou inconscientemente, que as
elites sociais e econômicas sejam suficientemente
responsáveis para, ao menos, respeitar o seu instinto de
sobrevivência. E esse instinto está indicando, com
clareza meridiana, que as alternativas para a situação
reagem ao contrário das alternativas para o petróleo:
enquanto as primeiras se estreitam, as segundas se
alargam. Se outras razões não houvesse, bastariam
aquelas aqui apontadas para que a sociedade brasileira
não esperasse a salvação pelo milagre. O milagre tem de
ser operado com muito trabalho, mobilização de talentos
e capacidade de desprendimento.
No dia 10 de setembro de 1979, o Conselho
Permanente de Energia da Associação Comercial do Rio
de Janeiro apresentou o assunto ao Conselho Diretor da
entidade. Foi manifestada, com absoluta lealdade, a
convicção de que é extremamente duvidoso possa o
Brasil confiar na sua capacidade de importar 960 mil
barris de petróleo por dia. Diante dessa convicção, já
expressa em capítulos anteriores, inclusive no que se
refere ao Plano de Emergência para hipóteses de
estancamento parcial ou total da importação de petróleo,
medidas devem ser tomadas imediatamente. É
importante assinalar a compreensão e o apoio, unânime,
com que foram acolhidas as preocupações expostas.
Ressalta, ainda, destacar o aplauso recebido às
recomendações feitas, sob o título geral de "Política em
relação aos problemas energéticos diretamente ligados
ao uso do petróleo". São as seguintes:
— Propor a discussão franca das probabilidades de
cortes no suprimento importado, devido à falta de
disponibilidade do combustível ou à incapacidade de
atender aos seus custos.
— Defender a aplicação do Plano de Emergência
apresentado pelo Conselho, pois cumpre ao Pais
preparar-se para enfrentar — de fato — as alternativas
do estancamento, parcial ou total, na importação de
petróleo.
— Propugnar no sentido de que seja dado ao álcool,
em termos de volumes a produzir, a posição de
alternativa importante para boa parte do petróleo
importado, com a adoção de Plano Diretor destinado a
tornar realidade esse objetivo.
- Defender para o álcool e o carvão um tratamento
que transforme em realidade a participação empresarial
nesse setor, atualizando-o e desvinculando-o dos
tradicionalismos que ainda hoje persistem.
— Adotar com ênfase a tese do motor a álcool,
brasileiro, -capaz de substituir os motores diesel,
independentemente de defender a imediata adaptação
dos motores diesel existentes ao consumo parcial de
álcool.
— Solicitar não sejam feitas alterações no esquema de
refino do petróleo, com investimentos que visem a
aumentar a produção de óleo diesel, pois cumpre
examinar com maior profundidade a proposição do Plano
de Emergência, segundo o qual se produziria mais óleo
combustível e menos gasolina, utilizando as atuais
instalações das refinarias existentes.
— Levar a público a decisão de atribuir total
prioridade à solução do problema energético brasileiro,
com a consciência de -que o País corre graves riscos que
devem ser obstados a curto prazo.
— Mobilizar todas as forças vivas do País através de
uma campanha nacional de esclarecimento, a fim de
fazê-las compre-ender a gravidade do momento e as
responsabilidades históricas que hoje devem ser
assumidas por todos os brasileiros.
35

O OURO SUL-AFRICANO E O PETRÓLEO


IMPORTADO

Se a situação do Brasil no quadro internacional do


mercado de petróleo não fosse trágica, por certo seria
cômica. Há numerosas cenas que só podem ser
classificadas como de opereta. Imagine-se o
desembarque de mais de 30 mil sacos de açúcar, já
colocados a bordo do navio que os transportaria para o
Iraque, sob o argumento de que havia, em meio ao
carregamento, uns mil sacos com a marca da Usina: uma
estrela e seis pontas. Ainda se, pelo desenho, essa marca
lembrasse uma estrela de Davi, poder-se-ia entender a
reação, oque não implica obrigatoriamente aceitá-la. Mas
tratava-se apenas de uma estrela de seis pontas.
Foi lamentável assistir ao comportamento do
representante do IAS, ao prometer que isso não se
repetiria. Mudem-se os logotipos das empresas
brasileiras pois esse é um dado vital para conseguir
exportar com destino a certos países produtores de
petróleo desde que possam ser associados a uma estrela
de seis pontas. Hoje as exigências são do tipo da
relatada. Quais serão amanhã? Terá o Pais condição de
não submeter-se a elas?
Não obstante a disposição por parte de segmentos da
administração pública, de aceitar imposições por mais
absurdas que sejam, buscando explicar raciona mente
um comportamento abusivo com o único propósito de
fazer mise-en-scène , cabe perguntar-por que os dólares
dos países árabes produtores de petróleo vêm sendo
aplicados em ouro, quando a origem do ouro é, em sua
maior parte, da África do Sul? E, mais ainda, ajudando a
valorizar um produto que aumenta a riqueza, e portanto,
o poderio, de um país soi disant inimigo.
As contradições podem ser colecionadas num museu
de terror ou de humor negro, pois a valorização do ouro
ajuda a desvalorização do dólar, produzindo a curto
prazo aumentos inevitáveis do petróleo. Sem considerar
que o preço desse combustível tem variado,
inexoravelmente, numa relação bem caracterizada com o
preço do ouro no mercado internacional. Ora, se os
países árabes e os seus potentados resolvessem boicotar
o ouro para prejudicar a África do Sul e fortalecer o dólar,
o resultado seria muito menos catastrófico para as
nações pobres, dependentes de petróleo importado, na
medida em que não seriam colhidas no movimento de
tenazes: o petróleo cada vez mais caro e o dólar cada
vez mais desvalorizado, levando a uma brutal elevação,
para seis meses de prazo, da taxa do Interbank, que
regula os juros dos empréstimos em eurodólares.
As considerações aqui apenas parcialmente
apresentadas são indicativas de um state of art que se
aproxima da total irracionalidade, na medida em que se
procura criar a ideia de que o nosso bom comportamento
nos garantirá o suprimento de petróleo, em condições
ótimas, através de contratos do Governo. As tais
condições ótimas serão, no mínimo, uma elevação
constante dos preços, que segundo se admite — sem
qualquer pessimismo — deverão atingir 30 dólares o
barril no início de 1980. O significado real de tal
generosidade é que o dispêndio com o petróleo, em
1980, deverá situar-se em torno de 10 bilhões de dólares,
se outros problemas não surgirem.
Sem pretender glorificar o regime sul-africano,
baseado no apartheid e renegado pela grande maioria do
povo brasileiro, nem por isso é possível ignorar a política
energética daquele país. Julgando-se cercado de
inimigos, ou seja, em estado de guerra, faz alguns anos
vem instalando usinas de liquefação do carvão — SASOL
I, II e III, esta última em construção — em busca da sua
independência do petróleo, na conjugação do programa
citado com as destilarias de álcool, as quais vem
atacando de rijo.
É importaste visualizar o que significa aceitar o estado
de guerra , e quais as medidas que decorreram de tal
reconhecimento. É claro que tudo foi facilitado pela sorte
da África do Sul, beneficiada por um boom de recursos,
graças à preferência de seus inimigos árabes pelo ouro
que ela produz. No caso brasileiro, o fenômeno continua
sendo mal compreendido. Os posicionamentos não
chegam a ser claros, particularmente no problema do
álcool. Basta constatar o seguinte
— As discussões sobre o assunto vêm-se tornando
intermináveis, com a glorificação de metas tímidas, as
quais em 1985 talvez não venham a representar mais de
4% em termos de contribuição do álcool para o consumo
energético do pais, em vez do 1% que representa hoje
em dia
— A substituição de motores diesel por motores
movidos a álcool está programada para 1986, e não se
fala em uso conjunto do óleo diesel e do álcool, numa
assustadora confiança ao galope dos cavaleiros do
Apocalipse energético.
Os empresários brasileiros, alguns enriquecidos no
ramo imobiliário, do qual procuram se afastar, estão
perplexos, tal o número de alternativas para a produção
de álcool, sem nada ficar perfei-tamente definido em
relação a qualquer delas.
— Tudo indica que o caminho correto seria quantificar
com largueza a produção de álcool — senão seria
inadmissível falar tanto no mercado de exportação do
álcool e na absorção do álcool com origem na madeira —
partindo para um programa bem estruturado de
produção de álcool com base na cana-de-açúcar.
— Mais uma vez reiteramos que não existe problema
de conflito de cultivos e de terras de boa qualidade mal
aproveitadas, porque os polos produtores, os alcooldutos
ou o transporte aguaviário são os condicionantes do
sucesso de arrojadas decisões quanto ao assunto.
— Todas as alternativas viáveis apoiadas na biomassa
devem ser estudadas sem, no entanto, servirem de
pretexto para tumul-tuar o ambiente, justificando o pior
dos erros: o de não ousar a tomada de decisões
arrojadas.
Como resultado das incoerências e hesitações
brasileiras, é que se está divulgando o fato de sermos o
pais mais adiantado no desenvolvimento da tecnologia
do álcool etílico. No ritmo em que vai o álcool será em
breve uma lembrança, como a borracha, de uma grande
chance desperdiçada.
Como resultado das incoerências e hesitações
brasileiras, é que se está divulgando o fato de sermos o
pais mais adiantado no desenvolvimento da tecnologia
do álcool etílico. No ritmo em que vai o álcool será em
breve uma lembrança, como a borracha, de uma grande
chance desperdiçada.
Na verdade, o País vem aceitando, docemente
constrangido, sucessivos aumentos nos preços do
petróleo importado, além de vultosos desembolsos na
pesquisa de petróleo no seu território, sem concordar em
oferecer preços para o álcool — os quais viriam a permitir
a grande revolução econômica da década de 80, e
beneficiar os brasileiros com uma riqueza hoje exportada
a fim de obter divisas para comprar um combustível de
cujo substitutivo dispomos.
36

ENTRE O REINO DO CÉU E AS AGRURAS DA


TERRA

A crise energética brasileira, na abordagem que está


sofrendo, faz lembrar aqueles casos de acidentes em que
todos se empenham em ser úteis, mas ninguém toma a
única providência válida: transportar o acidentado para
um hospital, a fim de ser convenientemente socorrido. É
necessário estabelecer quem tem, de fato, autoridade
para dar opiniões válidas, autoridade que não pode ser
criada por uma simples nomeação para cargo público.
Senão, corre-se o risco de enlouquecer as soluções para
os problemas do País, que ficam sujeitas aos pontos de
vista conflitantes entre os eleitos para resolvê-los, nem
ao menos escolhidos para cumprir coerentemente
diretrizes claras já estabelecidas.
O autor julga-se com autoridade para chamar a
atenção dos brasileiros para a cacofonia que está gerada,
seja pelas posições pioneiras que assumiu, no desafio à
dependência do petróleo importado, com a alternativa de
substituição pelo álcool, seja pela coerência na pregação
das soluções obrigadas, antes que o País atravesse — no
seu entendimento — o point of no return . Explicando
melhor: o agravamento da situação social e econômica,
com as consequências políticas inevitáveis, poderá gerar
um estado de tensões que não permita mais orientar,
construtivamente, a sua resultante.
Fatos e mais fatos se acumulam, todos os dias, os
quais revelam a desorientação — de identificação mais
simples ou mais sofisticada — com que se está
enfrentando a dramática situação de dependência
energética do País. Declarações contraditórias,
manifestações de wishful thinking e outras formas de
elidir o confronto com a realidade são lugares-comuns
em seminários, na imprensa escrita e falada, e nas
publicações oficiais. Os fatos se apresentam de tal forma
que às vezes parece ao autor que o erro está na sua
própria inconformidade. Não estará o Pais encontrando o
seu caminho, pacífico e progressista, sem serem
necessários sacrifícios, economias de guerra e outras
medidas dolorosas? Não terá chegado o momento de
pendurar as chuteiras , pois os problemas estão sob
controle, restando bolsões de inconformidade, sem
representarem, de fato, uma contribuição construtiva e
indispensável para a reformulação dos critérios
existentes, de modo a salvar o Brasil do risco iminente de
uma situação caótica?
As dúvidas que foram assinaladas são a expressão da
capacidade de autocriticar-se dos que adotam uma
posição crítica diante das soluções encaminhadas, ou em
discussão. Resta apurar a contrapartida: será que as
mesmas dúvidas, com sinal idêntico ou com sinal
contrário, assaltam aqueles que estão com o volante nas
mãos e com a responsabilidade de conduzir os destinos
do País?
Na tentativa de interpretar o que deveria estar
passando pela cabeça das autoridades, encarregadas de
enfrentar os problemas energéticos do País, são
alinhadas, a seguir, algumas dúvidas que poderiam
existir:
— Será que o Brasil aguenta os aumentos diretos e
indiretos do petróleo importado, sobrecarregando o seu
endividamento externo e realimentando —
inapelavelmente — a inflação interna?
— Até que preço do petróleo importado será possível
continuar importando cerca de um milhão de barris por
dia?
— Estarão as alternativas de substituição,
particularmente o álcool, sendo enfocadas corretamente,
quer em termos de volumes a produzir, quer em termos
de sua utilização prioritária?
— É possível contar, de fato, com uma produção
ascendente de petróleo, no País, capaz de permitir a
expectativa de 500.000 barris de produção, por dia, em
1985?
— Qual a garantia, por menor que seja: que em 1985
se poderá importar entre 500 a 800 mil barris de petróleo
por dia? Haverá nessa época, ou no decurso de 1980 a
1985, disponibilidade do produto no mercado
internacional, e, se houver, a preço suportável para o
Brasil?
— Não estará havendo algo errado no enfoque da
produção de álcool, na medida em que não existe uma
disputa pelo privilégio de produzi-lo, particularmente
entre empresários desvinculados do setor açucareiro?
— As medidas que estão sendo tomadas não
expressarão a incompreensão da urgência em substituir
ao máximo o petróleo importado, sob o disfarce de
medidas paliativas que atendem apenas a interesses de
determinados grupos, hoje em conflito com o interesse
maior do País?
— Será que exportar mais, se for possível, permitirá
de fato obter o petróleo que se necessita importar? Este
é o caminho correto a ser seguido pelo País? Ou a
batalha da exportação deverá ser travada com fins mais
nobres, e de maior rentabilidade social e econômica para
o País?
— Existirá indicação de que os recursos da Nação
estão sendo aplicados com critérios de prioridade
inteiramente defensáveis ou estará havendo dispersão
de recursos, com tendência ao agra-vamento, na medida
em que fatos políticos podem forçar a bolsa a se abrir
para Estados e Municípios?
— Estarão os administradores — dentro do razoável e
do desejável — em seus lugares certos, sem os ônus de
nomeações políticas que aumentam o atrito dos conflitos
institucionais e da incompetência incrustados no circuito?
Se as dez perguntas, em meio a muitas outras, não
assaltam os brasileiros responsáveis pelo comando do
Poder Nacional, ou eles são gênios, acima da
compreensão do comum dos mortais, ou estão dopados
pelas assessorias, que os mantêm ocupados para
poderem exercer, de fato, o comando do Estado. O ideal
seria que o autor estivesse errado, e que a primeira
hipótese fosse a verdadeira. Aí já se incluiria a certeza,
que vem sendo manifestada, quanto à impossibilidade de
um estancamento, total ou parcial, no fornecimento de
petróleo.
Se, ao contrário, existem razões para as dúvidas
levantadas, se ainda é necessário combater a inércia
relativa, diante de uma conjuntura crítica, então é o caso
de religiosamente esperar que Deus tenha piedade de
nós, pois dos pobres de espírito será o reino do céu.
37

AUTOMÓVEL — MITO A SER CONTROLADO

O progresso é sempre um subproduto da ambição.


Existem, claro, diferentes formas de ambição, que variam
desde o construtivo confronto com a natureza no desejo
de dominá-la, até o desenvolvimento de formas e meios
de melhor distinguir entre os homens em função do
poder econômico.
Não sendo o progresso mensurável apenas em termos
de consumo, e muito menos de consumo do supérfluo,
nem por isso o fenômeno representado pelo transporte
individual mecanizado sobre quatro rodas deixou de se
transformar rapidamente em símbolo de prosperidade.
Desde o início da produção do carro de passeio ficou
associado a ele o conceito de status . Só os mais ricos e
os mais audaciosos se aventuravam a utilizá-lo, até o
ponto de urna vulgarização crescente e incontrolável.
Nos países desenvolvidos de economia capitalista forjou-
se a ditadura do automóvel. Comprar, usar e guardar o
carro passa a fazer parte da rotina de vida de milhões de
criaturas. Carros maiores, melhores vias expressas,
estradas de velocidades crescentes todo um contexto
que marca de forma definitiva o século XX.
A ditadura do automóvel afirmou-se de maneira tão
decisiva que podem faltar tratores para a agricultura,
vagões e locomotivas para as estradas de ferro, porém
não faltam automóveis. As estradas e as vias urbanas
são projetadas visando preferencialmente a oferecer
boas condições para os carros de passeio, mesmo porque
seria inimaginável ver caminhões ou ônibus a mais de
I00 km por hora ao longo das rodovias.
Certos problemas típicos de nações em adiantado
estágio de desenvolvimento tiveram algumas soluções
oferecidas pelo crescimento desmesurado do consumo
de carros de passeio: tensão social devida à necessidade
de consumir, como forma de oferecer opções ao excesso
de recursos; criação de empregos em indústrias;
construção de vias de transporte e serviços ligados a um
setor da economia que apresenta uma face importante,
com a produção de coletivos e caminhões.
Ante a dependência das nações subdesenvolvidas,
dificilmente conscientizáveis de que não podem imitar e
importar soluções de países ricos, o fenômeno carro de
passeio se alastrou como um câncer. A propaganda se
encarregou de exacerbar as vaidades, passando o
automóvel a ser produto obrigatório de consumo,
indicador fundamental do status econômico e social de
uma família. Insidiosamente, a doença carro de passeio
se foi apossando da classe média dos países
subdesenvolvidos de economia capitalista. No caso, não
se compreendeu que a economia capitalista de um país
subdesenvolvido tem de possuir conotações sociais e
econômicas, e não só políticas; diferentes daquelas que
caracterizam as nações desenvolvidas.
No caso brasileiro, hoje o País se defronta com
problemas desastrosos de imprevisão na análise da sua
evolução como regime capitalista. Houve completa falta
de senso crítico em numerosos setores, decorrências
graves sob diferentes aspectos: televisão a serviço da
incultura, quando a essência do desenvolvimento está na
educação; carros de passeio facilitados sem previsão dos
problemas que acarretam; obras públicas voltadas para
fomentar o dispêndio descontrolado de divisas e
desagregação psicológica de um mercado consumidor
desnorteado.
Hoje o Brasil assiste, perplexo, ao crescimento
insuportável do custo da imprevisão, sem ter a coragem
de, através da administração pública, aplicar rigorosa
cirurgia antes que a crise devore tudo e todos. Que
problemas foram gerados e hoje assumem proporções
catastróficas? A análise racional do problema carro de
passeio oferece um perfil digno de consideração, a saber:
-- Dispêndios gigantescos em desenvolvimento urbano
mal orientado, por ter sido admitido que o automóvel era
uma constante no planejamento, com uma demanda em
progressão geométrica de vias de transporte,
estacionamento e serviços. Hoje, apesar dos custos de
tal política, assiste-se a um crescimento incontrolável do
binômio poluição-congestionamento . As cidades estão
sendo transformadas em vítimas de um exército de
ocupação: os automóveis substituíram os homens até
esse ponto.
— Falta de recursos para uma real solução do
transporte urbano, consentâneo com a fisionomia social
e econômica do País, com vistas a um transporte coletivo
farto, barato e de características técnicas aceitáveis. E
daí cabe uma pergunta: Não haveria uma certa relocação
de recursos e mão-de-obra, a fim de evitar as crises com
que se ameaça qualquer ideia de restringir a indústria de
carros de passeio?
— Imposição da importação de combustíveis,
componentes e chapas de aço, hoje obrigadas pela
produção de carros de passeio. Deve ser dito que mais
de 20% do petróleo importado se destina ao consumo
desses carros.
— Expressivos custos de assistência técnica nunca
encerrada, tanto para a indústria automobilística, como
para componentes e complementos. Hoje em dia ainda
existe pagamento à base de 5% sobre o faturamento das
fábricas às suas matrizes estrangeiras, além da
permanente pressão sobre o INPI para aprovar remessas
sob os mais fantásticos títulos.
— Investimentos em rodovias com prioridades
inadequadas, induzidas pelo tráfego de carros de
passeio. Assim, certas duplicações e novas estradas
seriam eventualmente menos importantes do que
parecem se reduzido o tráfego de tais carros, analisando-
se o investimento à luz do seu efeito multiplicador social
e econômico.
Em face das considerações acima, resumidas e ainda
não detalhadas em termos numéricos, cumpre indagar:
Qual o tipo de sociedade de consumo a que o Brasil tem
direito?
Se a resposta for relacionada, corretamente, com
austeridade, critério e responsabilidade diante do futuro,
só há uma solução: racionar energicamente o
combustível. Hoje em dia a frota de ônibus trafega no Rio
de Janeiro a 20 km por hora. Se houver uma restrição
eficaz na circulação de carros de passeio, tal velocidade
poderá ser duplicada, o que significará, de fato, dobrar a
frota de ônibus antes de introduzir nela sequer um
veículo novo. Outros benefícios marginais poderão surgir,
na medida em que as restrições de consumo possam ser
acompanhadas de violentos estímulos à exportação. Se
as fábricas instaladas não quiserem utilizá-los, preferindo
reduzir a produção, só resta criar um carro brasileiro e
deixar que as respectivas matrizes estrangeiras resolvam
o seu problema.
Pode parecer um contrassenso apontar a hipótese de
criar um carro brasileiro, se o objetivo é durante longo
tempo restringir o crescente consumo de carros de
passeio. Mas não existe esse contrassenso, na medida
em que hoje o País dispõe de conhecimento para
produzir um bom carro de passeio, capaz de ser vendido
em condições razoáveis para países da África e da
América Latina, e de produzir divisas ao invés de queimá-
las.
38

A PSICOLOGIA DAS HIENAS

Após anos de esforços para maquilar a crise


energética mundial, que afeta em profundidade toda a
arquitetura econômica do Brasil, parece chegado o
momento da verdade. Independentemente de tudo que
se faça para mostrar a impossibilidade de prever essa
situação, numa busca desenfreada de boas desculpas
para erros e omissões, a verdade nua e crua é que a
responsabilidade do drama que se está a viver tem de
ser debatida a quem de direito: a todos aqueles que
cuidaram dos seus interesses imediatos, relegando a
segundo plano os interesses da Nação.
Representantes da administração pública
descaracterizaram prioridades reais em busca de falsas
prioridades, capazes de assegurar-lhes cargos no futuro,
como os de Governador de Estado, Senador, Deputado —
e por que não? — Presidente e Vice-Presidente da
República. Representantes do setor privado, atuando
com timidez (e certos setores com malícia)
sobrepuseram os interesses pessoais ou os de seu grupo,
nacional ou multinacional, aos reais interesses da Nação,
acreditando-se maquiavélicos por usarem com habilidade
os instrumentos habituais de desinformação consciente
para atingir objetivos fáceis de identificar.
Foi assim que o País se afastou passo a passo de suas
reais prioridades, aproximando-se perigosamente de uma
situação caótica, cujos contornos são fáceis de desenhar.
A única tentativa real de estabelecer um plano de ataque
aos estrangulamentos que ameaçam o País centrou-se na
nomeação do Ministro Delfim Neto para o Ministério do
Planejamento. E dele se espera, e dele se solicita, que
opere o milagre, num retorno às fontes antropológicas
que moldaram a sociedade brasileira. É o apelo ao Pajé,
ao Santo milagroso, ou ao Pai de Santo, capaz de, num
passe de mágica, afastar os maus espíritos,
restabelecendo a saúde psicológica e física do crente.
Apesar da fé com que se colocou o Ministro Delfim Neto
no centro do comando econômico da Nação, a realidade
é que não há milagres a fazer, e o que necessita ser feito
já está começando tarde. Independentemente disso, não
possui o Ministro do Planejamento o instrumental com
que realizar a cirurgia, cerceado pelas perplexidades
oficiais, que não aceitam ceder suas parcelas de
comando, ciosas de preservar o seu prestígio junto ao
médico oficial da Corte, que pretende exercer as suas
atribuições na íntegra.
O resultado da situação de conflitos institucionais,
descabidos na atual situação, mas que persistem cada
vez mais vigorosos, pode ser apontado com nitidez:
— Até hoje não se considerou que a solução da
dependência energética do País, em relação ao petróleo
importado, constitui prioridade 1 e prioridade II para o
Brasil. E assim é na medida em que o coração do País, o
transporte e a indústria podem sofrer um colapso — já o
estão sofrendo — e levar para o brejo toda a formulação
das prioridades nacionais tais como o aumento da
produção agrícola e o combate à inflação. Foi essa a tese
que o autor defendeu na Escola Superior de Guerra em
13 de setembro de 1979, em Painel de que participou em
conjunto com o professor João Paulo de Almeida
Magalhães; o economista Rubens Novais, assessor do
Ministro do Planejamento; e o coronel Milton Câmara
Senna.
— Ainda hoje se admite que o álcool seja o
substitutivo da gasolina, enquanto se aumentaria a
fração diesel com uma mudança no esquema de
refinação do petróleo, substituindo o óleo combustível
por outras alternativas energéticas, entre as quais
sobreleva o carvão. Enquanto nos grandes centros do
País se cultiva a civilização do automóvel, que conquistou
até o direito de ocupar as calçadas, levando os carros
dos bebês para o meio da rua, nada é feito com
seriedade para dar um destino mais nobre ao álcool,
como combustível capaz de movimentar caminhões,
ônibus e tratores. Ignora-se — e parece proposital — o
uso de motores potentes projetados para utilizar álcool,
além de outras alternativas, como a dupla alimentação.
Quando se fala em álcool para motores pesados, cita-se
a aditivação, que exige uma relação de 1,7:1,0 de álcool
para o óleo diesel, além de um aditivo da ordem de 10%
do volume consumido. Tudo dentro do nobre espírito de
preservar as atuais matrizes das fábricas de motores,
sem incomodá-las com soluções que envolvam a
substituição do motor pelo motor movido a álcool,
projetado para esse fim. E assim tanto a dupla
carburação, que permitiria substituir até 40% do óleo
diesel, numa relação de consumo de 1,1:1,0 entre o
álcool e o óleo diesel, como o motor especialmente
projetado para utilizar o álcool como combustível,
também capaz de manter uma relação econômica em
termos de volumes proporcionais consumidos, vão
ficando à deriva, sem receber um tratamento condizente.
De outra parte, é preciso deixar claro o caráter
fundamental do raciocínio feito anteriormente, pois para
substituir 40% de óleo diesel ter-se-ia hoje uma demanda
de cerca de 10 bilhões de litros (na hipótese defendida
pelo autor) e de cerca de 17 bilhões de litros com o
emprego do álcool aditivo. Acontece que 11 bilhões de
litros de álcool podem ser produzidos a curto prazo,
enquanto 17 bilhões de litros (na mesma hipótese) são
inatingíveis a curto prazo.
— Ainda permanece a discussão sobre o preço do
álcool em relação às vantagens de exportar açúcar e
usar as divisas para importar petróleo. É uma posição
surrealista, pois não admite a necessidade de aumentar,
rapidamente, o grau de independência do Brasil em
relação ao petróleo importado e aos países produtores,
num binômio que estrangula a sua libertação econômica
e a sua soberania política. Trata-se de uma discussão
bizantina, que pode atender aos interesses dos
produtores de açúcar, mas nada tem a ver com os
interesses reais do Brasil, rigidamente enquadrados na
moldura da produção metropolitana dos insumos
energéticos, agregados aos produtos que consome e
exporta,
— Quanto aos preços comparados do petróleo e do
álcool, argumento ainda utilizado, basta considerar que
com o petróleo a mais de 30 dólares o barril, mais o
custo dos juros da dívida externa que gera, da ordem de
15 a 20%, se chegaria facilmente a um preço equivalente
ao do álcool. Cabe, porém, a pergunta: e é preciso
comparar? Se existe a ameaça de não haver petróleo
para importar, ou de não haver recursos de empréstimos
externos para fazê-lo, ao mesmo tempo que se pretende
aumentar a exportação, transferindo produtos que
poderiam resolver problemas internos para pagar
petróleo, então fica a dúvida sobre a lógica do raciocínio.
Em vez de produzir álcool, hidroeletricidade e carvão, e
utilizar mesmo a lenha intensivamente, no início, far-se-á
um gigantesco esforço de exportação de produtos
agrícolas, deixando a própria população do Brasil sujeita
a índices subumanos de absorção de calorias. É o caso
de dar uma meia trava, fazer um exercício de autocrítica
e partir para o álcool: os 30 bilhões de litros em 1985 que
o autor vem pregando faz mais de dois anos, gerando
empregos, retendo riqueza e construindo um novo Brasil.
E isso deve ser empreendido sem o problema de
estabelecer quem vai fazê-lo, pois cumpre apenas definir
onde, quanto, em que tempo e por quanto . Com
referência ao capital estrangeiro, basta exigir a
reaplicação dos lucros, durante dez anos, no setor,
conforme diretrizes a serem baixadas pelo Governo. Pior
que a dependência a estrangeiros, produzindo álcool no
Brasil, é a dependência aos xeques, produzindo petróleo
no exterior.
Quanto ao preço de aquisição do álcool ao produtor,
basta fixar uma proporcionalidade ao preço de aquisição
do petróleo no exterior, até 1985. Haverá muito lucro no
Brasil, não maior do que aquele que seria proporcionado
no exterior (se houvesse petróleo para importar) sem ao
menos gerar benefícios importantes e indispensáveis à
sobrevivência do Brasil, e sem que o País se afunde na
miséria e no caos.
Muito mais se poderia escrever sobre o assunto. Hoje
parece importante aflorar os conceitos expressos, com
um raciocínio adicional: não é possível querer operar
uma mágica transcendental, com quatro mágicos no
palco, descoordenados, acossados pelos diferentes
lobbies — inclusive o daqueles que ridicularizavam a
sinistrose do petróleo . É preciso centralizar o comando
da batalha energética, a qual constitui prioridade 1 e II
da conjuntura brasileira. Produção agrícola é prioridade,
e é claro que o seja, mas muito abaixo daquela atribuída
à energia, pois dela depende. Quanto à inflação, se for
preciso controlá-la à custa de um Pais paralisado e morto
de fome, então até logo, e viva a inflação.
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O BRASIL E O RACIONAMENTO DE GASOLINA

O Brasil é um pais com peculiaridades extremamente


curiosas.
Enquanto no resto do mundo ele não é notícia,
conforme avaliação destituída de ufanismo, já os
noticiários brasileiros estão repletos de informações e
comentários sobre outros países de todas as partes do
mundo. Essa situação levaria a pressupor fosse o
brasileiro um povo bem informado, o que de fato não
ocorre. O material que, com exagero, lhe é oferecido não
tem significação política e econômica capaz de influir,
em profundidade, nos seus conhecimentos e opiniões.
Há uma tendência inata para superestimar as próprias
realizações, quando não ocorre o pior, que é
superdimensioná-las para impressionar os estrangeiros.
O resultado é que o País assume o aspecto de um
parvenu , disputando notícias em colunas sociais, como
forma de impressionar pessoas de situação estável e já
suficientemente conhecidas. Em termos internacionais, o
País oferece o seu flanco a ofensivas comerciais, que
visam a explorar a ingenuidade nacional, com a venda de
projetos mirabolantes, às vezes assim considerados pelos
próprios vendedores. Daí a surpresa agradável de certos
países ricos, quando conseguem vender ao Brasil
projetos que não adquiririam, ainda que dispusessem de
excesso de recursos.
Administradores eventuais da coisa pública
entusiasmam-se consigo mesmos. Esquecem
rapidamente todo o esforço despendido para chegar a
determinadas posições, passando a agir como se as
tivessem conquistado por valor próprio. São geradas
situações às vezes críticas, pois a distorção psicológica
assinalada lhes facilita confundir a coisa pública com a
coisa particular, com os consequentes problemas da
tomada de decisões sem a devida ponderação, e
também identificar as críticas à sua atuação de
administrador público como contestação ao próprio
interesse nacional.
Já o povo brasileiro, em sua maioria crédulo, mesmo
quando se trata de sua parte mais esclarecida, aceita
comportamentos inexplicáveis, buscando justificar
contradições flagrantes. O princípio que parece
prevalecer é o do comodismo. Se há pessoas que
ganham para chefiar, pois que chefiem. Os demais
devem seguir, calmamente, as diretrizes daqueles a
quem cumpre chefiar, sem colocar em dúvida o fato de
que podem não refletir a melhor conveniência nacional.
Confundem-se, assim, contestações sistemáticas ao
Governo, partidas de círculos desinteressados em seus,
acertos, com críticas indispensáveis a medidas
inadequadas, que se não forem discutidas podem trazer
malefícios ao País, entre os quais sobreleva uma agitação
social e política, perigosa ao longo, do tempo.
Vai daí que o autor vem procurando esclarecer
determinados ângulos críticos do posicionamento
econômico do Brasil.
A dependência ao petróleo importado, por exemplo,
está transformando o País, restringindo-lhe a capacidade
de desenvol-vimento, ao mesmo tempo que põe em risco
a sua própria segurança nacional, ante a hipótese de
interrupção do fornecimento, do precioso combustível.
No entanto, todo o equilíbrio instável existente se apoia
em compromissos de um país produtor que, acaba — na
prática — de romper um contrato de risco devidamente
sacramentado, com acordos assinados. O Brasil
pretendia honrar esses acordos, e se honrados pela outra
parte eles seriam de grande ajuda, permitindo aos
brasileiros dispor de suprimentos, vultosos de petróleo, a
preços especiais. Aliás, que crédito mereceria o Brasil,
como parceiro privilegiado de outros países, se na
prática, descoberto um campo de petróleo (e no caso não
foi um campo qualquer), resolvesse efetuar um
rompimento de seus compromissos nos contratos de
risco que mantém? Daí a indicação reafirmada quanto à
prioridade I do País, ou seja, substituir o petróleo
importado, o mais rápido possível, por alternativas
produzidas em seu território metropolitano.
A constante elevação dos preços do petróleo,
independentemente de sua disponibilidade física e
geográfica, indica a conveniência de ser levada a sério a
chamada economia de guerra, com todas as suas
implicações. É preciso considerar que os veículos
brasileiros não serão movidos por promessas, nem estas
farão funcionar as indústrias do País. Há ameaças sérias
quanto ao funcionamento normal, ou seminormal, do
Brasil. Esse fato deve ser reconhecido, como o foi pelo
próprio Presidente da República, quando se referiu a
severas restrições no consumo de derivados de petróleo,
causando perplexidade, aliás sem nenhuma razão, pois o
seu pronunciamento, excetuado o aspecto figurativo, era
sincero e necessário. Errados estão aqueles que
pretendem maquilar a sinceridade do Chefe do Governo,
a qual merece todo o res-peito e permite esperar
medidas consequentes em face da gravidade da situação
.
Se o problema da substituição do petróleo importado
é prioridade I, revestida de total urgência, pois é preciso
preservar a soberania e a segurança nacionais, só resta
aplicar com efetividade o conceito de economia de
guerra, partindo para a mobilização nacional, inclusive
com o racionamento de derivados de petróleo.
O que o autor buscou demonstrar até aqui foi o
quanto a política energética do País está afetada pelas
peculiaridades dos comportamentos de seus homens
públicos. São vícios remanescentes dos padrões culturais
que formaram a personalidade brasileira, com suas
virtudes e seus defeitos, e que têm de ser combatidos
nas horas críticas, quando passam a ameaçar os destinos
da Nação. Assim há uma lentidão paquidérmica nas
decisões de emergência, porque são difíceis de adotar,
antipáticas, existindo sempre uma remota possibilidade
de que não teriam sido necessárias. E quem quer ficar
com os ônus, no futuro, de ter tomado decisões críticas,
caso o desenrolar dos acontecimentos venha a
comprovar terem sido desnecessárias?
Parece que o problema central é exatamente o citado
no parágrafo anterior. Há uma compreensão errada
quanto ao conceito de emergência no tempo. Os Planos
de Emergência devem nascer quando há conscientização
no tocante à possibilidade de uma crise, e ser
implementados a partir desse momento. Quando a crise
explode, já não se trata de Plano de Emergência, mas de
Plano de Crise. É dentro desse contexto que cabe o
racionamento de gasolina desde já, mediante o critério
das placas par e ímpar, em dias alternados. E isso por
quê?
Porque o racionamento da gasolina é educativo,
preparando para uma eventual crise, sem permitir que a
ameaça seja conhecida apenas de um círculo restrito.
Porque a restrição de consumo, via aumento de preço,
dá a ilusão ao povo de que há classes privilegiadas, que
usarão seus carros, sem problemas, até o último
momento.
Porque os hábitos consumistas da sociedade
brasileira, infiltrada pelos modelos dos países ricos,
levarão a classe média a cortar na comida para beber
gasolina, o que obrigará os seus componentes a formular
novas e reiteradas reivindicações salariais. Porque a
mobilização de recursos, para atender ao estado de
guerra, deve ser feita via impostos e contribuições
espontâneas, e não através de uma sistemática que atira
os segmentos inferiores da classe média contra os seus
segmentos superiores, rompendo um equilíbrio do
interesse e do desejo de ambos.
Porque existe solução válida, de caráter democrático,
não-elitista, para conter o consumo, mesmo que isso
represente, por certo tempo, um excesso de gasolina não
consumido. É o caso, então, de exportá-la gerando
divisas, pois o estado de guerra é incompatível com a
ausência de sacrifícios — os quais devem ser suportados
até mesmo como exercício, para disciplinar o espírito.
Porque com o racionamento qualquer possuidor de
carro de passeio poderá continuar desfrutando a exibição
de status, nem que o faça apenas duas ou três vezes por
semana.
40

AGIR COMO SE ESTIVÉSSEMOS EM GUERRA.

A posição do representante da iniciativa privada


diante da problemática energética brasileira poderia ser
sintetizada da seguinte forma: o que está em jogo? Qual
o tempo de que dispomos para não sermos afetados de
maneira definitiva em nossa estrutura social, política e
econômica pela crise de petróleo? Essa crise, na
realidade, representa em seu fundamento um reflexo da
grande crise energética que o mundo atravessará nos
próximos vinte anos, até encontrarem-se novas formas
de energia mobilizáveis, passíveis de utilização em
termos econômicos razoáveis.
Como enfrentar essa situação dramática e blindar o
nosso calcanhar de Aquiles, visto sermos uma economia
reflexa, que exporta energia através da incorporação
desse insumo ao produto exportado, para pagar a
energia que importa com a finalidade de produzir esse
material de exportação? É claro que quando se fala em
aumentar a exportação isso pode significar -- e significa
obrigatoriamente, no quadro atual — aumentar o
consumo de energia.
O que está em jogo neste momento e a sobrevivência
do. Brasil como país livre, democrático, preservada a sua
soberania e integridade territorial, que são componentes
dosa Objetivos Nacionais Permanentes. E falamos em
integridade a territorial porque o canibalismo energético
será consequência da evolução da crise do petróleo. As
nações desenvolvidas procurarão plantar para obter
produtos agroenergéticos, ou buscarão, onde puderem,
outros recursos minerais que não o petróleo, no
momento a em que estiverem com frio, com seus
elevadores parados e suas indústrias sem condições de
funcionar. As leis internacionais vão sofrer alterações e
então a maneira de enfrentar o ataque dos que põem em
risco os Objetivos Nacionais Permanentes — hoje já
estamos de acordo — será irmos à guerra desde agora.
E a guerra não é obrigatoriamente colocada em
termos militares. Às vezes é até melhor sermos
bombardeados e saber que estamos em guerra do que
sofrer essa forma sutil de erosão da vontade e da
economia nacional que é a crise do petróleo. Isso nos
leva a que, apesar de estarmos de acordo quanto ao fato
de nos encontrarmos em guerra — o que é um fato
extremamente importante — ainda não estamos todos
de acordo sobre como ir à guerra, em que termos de
flexibilidade, de agilidade, de rapidez deve processar-se
a mobilização nacional. E esta deve ser rápida, para que
amanhã não venhamos a nos lamentar, exclamando:
"mas assim também não vale?", por terem os países
produtores aumentado mais uma vez o preço.
Essas hipóteses têm que existir. As hipóteses mais
pessimistas podem ocorrer. É diante desse quadro que o
Brasil, país rico e afortunado, não precisa ficar
exportando o seu suor e o suor dos seus empresários,
dos seus trabalhadores e de todos os brasileiros para
pagar petróleo. Nessa emergência, que talvez esteja
sendo benéfica (e talvez fosse melhor mais traumatismo
ainda), será possível utilizar na sua plenitude os recursos
do País, as extraordinárias riquezas que possui, como a
força hidráulica (até aqui arranhada em apenas 10%), o
carvão e a biomassa.
Como primeiro passo vem o álcool que precisa de
decisão política para ser acelerado o seu programa de
mobilização, com corajosa aplicação e alocação de
recursos e o entendimento de que a solução desses
problemas se dará com um mínimo de intervenção do
Governo e o máximo de intervenção da lógica, se
pretendemos preservar o regime capitalista. E isso
significa preço; se estabelecermos condições favoráveis
que permitam a obtenção de lucro, fixando quanto, onde,
como e a que preço, teremos a resposta rápida. Assim
ocorreu com a soja, assim ocorreu depois da crise das
geadas do café, assim ocorreu sempre, inclusive em
setores que não são fundamentais para a economia
nacional.
O subsídio para produzir álcool, o subsídio para
produzir e aproveitar o carvão, o subsídio que não existe
no caso da hidroeletricidade (que está em mãos da
Eletrobrás), são absolutamente desnecessários. Que o
subsídio seja transformado em preço. Que o empresário
participe do processo de retomada do desenvolvimento,
no momento em que pode efetivamente voltar a produzir
e a dar emprego. Só existirá contradição entre
trabalhador e empresário na medida em que não houver
trabalho, na medida em que não houver
desenvolvimento, porque os interesses são comuns.
Estamos todos no mesmo barco e não queremos
naufragar: no fim naufragaremos juntos, atravessando
um período de caos que atingirá a nossa geração nos
próximos 30 ou 40 anos, o que não é vantagem para
ninguém.
Quanto ao modelo energético, é preciso fazer uma
consideração que nos parece da maior gravidade. Está
havendo urna distorção séria em relação ao problema do
álcool. Não sei por que se resolveu falar tanto em álcool
como substitutivo da gasolina. Isso talvez seja de grande
interesse para a indústria automobilística, coisa
perfeitamente legítima. Mas o álcool é efetivamente
substituto do óleo diesel e, na alcoolquímica, de
numerosos produtos oriundos do petróleo.
É importante caracterizar um ponto. O problema
tecnológico impede o crescimento da produção do álcool
porque ainda não se resolveu uma série de
estrangulamentos. E isso porque não se tem produzido
álcool na quantidade necessária. É um círculo vicioso. Na
realidade, o nosso entendimento é de que não existe o
problema tecnológico. O que existe é a nossa
incapacidade de colocar o problema tecnológico em
termos de desafio nacional, à altura daquilo que
podemos fazer ou, se necessário, devemos comprar. Não
é possível aceitar que um motor a álcool com a potência
necessária para substituir até o motor diesel de um
caminhão ou de um ônibus seja um problema difícil.
Não é impossível construir uma usina atômica. Não é
impossível projetar um motor para levar um foguete à
lua. Mas o motor a álcool, que vai empurrar um
caminhão ou um ônibus, passa a ser um problema com o
qual estamos nos atrapalhando, quando já devia estar
sendo produzido em larga escala.
Por outro lado, a dificuldade na conversão de motores
é outro mito. Os japoneses adaptaram seus tanques para
rodarem a álcool. Mas nós até hoje só convertemos o
Volks 1.300 e mais um ou dois tipos de carros.
Se o Japão, Alemanha, Estados Unidos ou outro pais
desenvolvido tivessem a possibilidade do Brasil no
campo do álcool, já teriam transformado os seus
motores, e não sei se isso levaria mais de seis meses. É
preciso que as nossas Universidades e os nossos
institutos de pesquisa deixem de se atrapalhar
burocraticamente, por falta de gente, por falta de verbas,
por falta de uma série de insumos, e realmente passem a
proceder com o espírito da urgência que a Nação
experimenta. Então parece-nos que a ideia do álcool, só
para substituir a gasolina, castra esse produto como
solução alternativa de grande importância nos próximos
vinte anos.
De outro lado, fala-se muito em metanol. Não se pode
negar importância e a praticabilidade de gaseificar e
liquefazer o carvão, retirando dele o metanol. Isso é
extremamente importante. Trata-se de um programa que
deve ser cuidado com a maior dedicação e intensidade,
mas para o qual não vamos ter respostas volumétricas
nem em um ano, nem em dois.
Na realidade, o metanol de origem mineral é
programa que merece todo o esforço, mas não resolve
em termos emergenciais. Quanto ao metanol de origem
vegetal, representa até aqui um produto que está dando
mais motivo para congresso, para discussão, do que
propriamente respostas práticas. O que existe há séculos
de tecnologia nacional, comprovada, à nossa disposição,
e que ainda podemos aprimorar em termos de
produtividade, diz respeito ao etanol, e neste deve
concentrar-se o grosso do esforço a curtíssimo prazo,
porque o problema é de curtíssimo prazo.
É preciso também fazer uma consideração sobre a
questão da emergência. O modelo estabelecido pelo
Ministério das Minas e Energia é da melhor qualidade, e
não há dúvida de que constitui uma resposta importante
a médio e longos prazos. O grande problema de
imediato, facilmente compreensível, e que deve estar
nas preocupações daquele Ministério, é o problema da
emergência, é o problema de saber o que vamos fazer
diante dos oito bilhões de dólares de dispêndio no nosso
balanço de pagamentos, somados aos juros da dívida
gerada por esses oito bilhões de dólares, somados ao
enfraquecimento do nosso poder de barganha nas
transações com o exterior. Hoje, para conseguirmos
financiamento, temos que aceitar, além de juros, o
recebimento de produtos embutidos, que são parte do
pagamento da elevação dos juros. Essa situação precisa
ser controlada rapidamente, pelo que um Plano de
Emergência nos parece necessário.
Outro ponto importante consiste exatamente em
descobrir como pilotar o desenvolvimento tecnológico
para que a colisão com a realidade não se dê de frente, e
sim de lado, de modo a reduzir o nosso sofrimento. Esse
é também um problema da maior gravidade.
É fundamental deixar claro que o destino do álcool
não é só substituir a gasolina, pois na realidade o álcool
tem que mover motores de grande potência
devidamente convertidos, com aditivação ou carburação,
a partir dos atuais motores diesel, e também mover
turbinas, inclusive, se possível, as que ora estão
consumindo óleo diesel para produzir eletricidade,
independentemente da construção de usinas álcool-
elétricas.
Temos afirmado que o centro de produção tem que
estar pró-ximo do centro de consumo, na medida em que
o transporte não deve queimar álcool, ainda que este
seja barato. Tratando-se de um produto nobre, não tem
sentido queimá-lo para ele se autotransportar. Cumpre
usar os oleodutos existentes, alcooldutos etc., sempre
evitando a criação de rodovias e ferrovias do álcool.
Mas é preciso dizer alguma coisa a respeito dos polos
de alta energicidade, como é, por exemplo, o caso do
Vale do São Fran-cisco, que em cerca de um milhão de
hectares pode produzir, com agricultura irrigada, dez
bilhões de litros de álcool. Em função do baixo custo da
terra, pode-se justificar amplamente o custo de
alcooldutos para transporte do álcool até portos ou
centros de consumo, inclusive induzida, como seria o
caso de álcool-elétricas instaladas no próprio Vale do São
Francisco. Portanto, esses polos de alta energicidade têm
grande importância, inclusive no que tange ao problema
social do Nordeste.
Há outro ponto com que as classes empresariais se
preocupam: o congestionamento institucional. Por mais
que se queira maquiar a realidade, por mais que se
queira sugerir que não há problema, este aparece. Na
hora em que diferentes Ministérios e diferentes entidades
se preocupam com setores que devem compor um
mesmo quadro, há um desperdício de energia. Segundo a
imagem do Dr. Laerte Setúbal, os vetores não se
compõem da melhor forma, havendo um desperdício de
energia em termos de organização e em termos
institucionais. E não podemos nos dar ao luxo de tolerar
esse desperdício. Parece-nos, por isso, que o caminho
certo deveria ser a compenetração de que estamos em
guerra, Estado de guerra pressupõe mobilização
nacional, e o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas
é o Presidente da República.
Há outro ponto com que as classes empresariais se
preocupam: o congestionamento institucional. Por mais
que se queira maquiar a realidade, por mais que se
queira sugerir que não há problema, este aparece. Na
hora em que diferentes Ministérios e diferentes entidades
se preocupam com setores que devem compor um
mesmo quadro, há um desperdício de energia. Segundo a
imagem do Dr. Laerte Setúbal, os vetores não se
compõem da melhor forma, havendo um desperdício de
energia em termos de organização e em termos
institucionais. E não podemos nos dar ao luxo de tolerar
esse desperdício. Parece-nos, por isso, que o caminho
certo deveria ser a compenetração de que estamos em
guerra, Estado de guerra pressupõe mobilização
nacional, e o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas
é o Presidente da República.
Quanto ao estoque estratégico de petróleo, uma coisa
é possuir um estoque para a hipótese de atrasos no
fornecimento, utilizando-o nessa eventualidade, e outra
coisa é constituir aquele estoque que a gente guarda
para a emergência de uma interrupção no fornecimento
de petróleo, nesta hora crítica. Até mesmo os Estados
Unidos enfrentam problemas graves decorrentes do
racionamento dos derivados de petróleo, adotado talvez
a fim de preparar o espírito do povo norte-americano
para a eventualidade de medidas mais graves.
O Presidente Carter, como já vimos, declarou que o
consumo de petróleo do pais está pendurado num tênue
fio de petroleiros ao longo do mundo. O nosso também,
só que para nós é muito mais difícil proteger, política e
militarmente, esse tênue fio. Então parece-nos que os
estoques estratégicos de petróleo devem ser
dimensionados e constituídos com rapidez.
No caso, o aumento da dívida externa não tem a
menor importância, porque se não precisarmos utilizar o
estoque sugerido, iremos vendê-lo a bom preço; e se
tivermos que usá-lo, bendita a dívida que tivermos
contraído.
Há outro ponto que nos parece extremamente
importante. Refere-se ele à disponibilidade e alocação de
recursos para o setor energético, que é crítico. Não há
dúvida de que seria ótimo se o Brasil pudesse construir
usinas nucleares, de preferência não no eixo Rio-São
Paulo, mas em regiões insuscetíveis de afetar grandes
centros populacionais. Seria ótimo se o Brasil pudesse
pesquisar petróleo. Mas o petróleo não irá se perder se a
gente insistir nas jazidas de grande probabilidade e
investir com menos velocidade no setor, a fim de
mobilizar recursos para a hidroeletricidade, para o álcool
e para o carvão, que nos parecem de altíssima
prioridade, seguidos pelo xisto, que é uma prioridade
importante, mas que também não tem resposta em
menos de cinco anos.
De resto, com o nosso físico mais reforçado pela
vitamina do álcool, pela vitamina do carvão e pela
vitamina da eletricidade, iremos para os demais setores
com outra possibilidade que não apenas a de pulverizar
parcos recursos. Pulverização pode levar à crise, por se
ter que diminuir o ritmo de construção de hidrelétricas,
tratar o problema do carvão de maneira lenta e atacar o
programa do álcool em ritmo inadequado, em função das
necessidades nacionais.
NOTA: Intervenção feita no Seminário "O Programa Nacional de Álcool e a
Livre Iniciativa", promovido pelo CNC, CNI, CNA, CACB, CNTT, FNB e AEB.
41

A CRISE ENERGÉTICA MUNDIAL E A REALIDADE


ATUAL

Diante da situação que se delineia para a raça


humana, ameaçada pela crise energética associada à
explosão populacional, todo um conjunto funcionando
sincronizadamente em termos de forma de vida x
disponibilidades de bens de consumo , é necessário
descobrir, através de modelos lógicos a nível nacional,
quais as prioridades lógicas que devem ser estabelecidas
para preservar um nível de vida desejável. Embora a
situação exigisse o estabelecimento de um modelo
internacional montado com base no reconhecimento de
que o estado de emergência que se aproxima pode
abalar toda a estabilidade da civilização,
independentemente dos estágios nacionais diferentes de
desenvolvimento cultural, social e econômico, no
momento essa pretensão seria quixotesca, pois o rumo
dos acontecimentos revela um determinismo quase
intocável a nível nacional, impedindo qualquer veleidade
de consegui-lo a nível internacional. Já será uma
conquista introduzir certo grau de racionalidade razoável
a nível nacional.
Ainda há pouco, o Presidente da República do México,
Lopez Portillo, reconhecendo os perigos da desorientação
energética que se implanta em todo o mundo civilizado,
propôs uma forma de organizar a utilização das fontes de
energia, a nível internacional.
Deixando de lado a descrença externada pelo autor
faz mais de um ano, quando se manifestou em painel da
Escola Superior de Guerra, em relação a qualquer forma
de organização internacional para controlar o fim da era
do petróleo, há interesse em discutir quais seriam, num
elenco de medidas, aquelas mais facilmente
identificáveis. Analisemo-las:
— Reorganização do mercado consumidor, com
garantia de suprimentos pelos países produtores a
preços suportáveis, em troca de esforços na produção de
soluções alternativas para o petróleo, com segurança de
acesso aos alimentos, produtos manufaturados e
serviços, conforme condições perfeitamente definidas
para os próximos 20 ou 30 anos. Essa hipótese esbarra,
de início, com problemas de desconfiança, aliás
justificável no presente estágio de desenvolvimento
cultural da raça humana. Assim, não haveria, se a
hipótese fosse cogitável, a menor colaboração por parte
dos países produtores, ansiosos por vingarem-se dos
países consumidores, que se aproveitaram
irracionalmente de sua riqueza mineral fazendo e
desfazendo governos, com absoluto desprezo pelos
interesses dos respectivos povos
— Dentro da ótica assinalada no parágrafo anterior,
que países produtores participariam de um acordo,
liquidando inclusive o mercado spot , alegria das
multinacionais de petróleo, quan-do o que pretendem é
usufrui-lo diretamente? Curiosamente, a raça humana,
tendo vencido diferentes inimigos que a ameaça-vam de
extinção, como as epidemias e a vulnerabilidade total
aos cataclismos da natureza, construiu laboriosamente
as bases para ampliação das ameaças de autodestruição.
Assim, dominada por um crescimento maltusiano, sem os
reguladores das guerras e doenças ao nível dos tempos
pré-modernos, armou uma conjuntura quase
incontrolável. A guerra, se houver, será sinônimo de
autodestruição. A crise energética já é o pródromo de
uma guerra ou, no mínimo, de um conflito selvagem,
cujas consequências não serão muito diferentes das de
uma guerra nuclear.
— Estabelecimento rigoroso das bases de um controle
internacional de consumo, com quotas definidas por
nação, com fiscalização efetiva do cumprimento das
restrições equacionadas, em função da evolução das
disponibilidades globais de energia.
Bastam as considerações acima para confirmar o
ceticismo do autor, manifestado no painel da Escola
Superior de Guerra. Aliás, se houvesse condições para
discutir tais temas a nível internacional, com
confiabilidade, o século XX não estaria marcado como
aquele em que o dispêndio em armas superou, de muito,
quaisquer outras aplicações construtivas. E por isso que
vimos pregando a adoção de soluções nacionais,
inovadoras, que independem de formulações perigosas,
como são as apoiadas na utilização desenfreada da
fissão nuclear.
É curioso que a energia nuclear, tanto nas suas
aplicações ditas pacificas como naquelas claramente
militares, represente, acima de tudo, uma guerra do
homem contra o próprio homem, além de ser um negócio
de bilhões e bilhões de dólares que procura preservar e
ampliar a qualquer custo.
No quadro esboçado acima, só resta às nações pobres
desvincular o seu destino — até onde isso é possível nos
dias de hoje das soluções aplicadas nos países ricos. Para
isso é preciso, em primeiro lugar, que tais nações contem
com possibilidades efetivas de estabelecer um caminho
alternativo. No caso do Brasil, esse enfoque é não só
possível como indispensável. Para tanto é preciso
acreditar nas suas potencialidades de nação tropical, em
ritmo de aproveitamento imediato de suas riquezas, que
deixariam de constituir apenas tema de samba.
E quais as medidas no campo psicológico,
preliminares a quaisquer outras, e que se vêm
mostrando por demais tardias? A primeira seria o país
livrar-se da paralisia na reação aos custos crescentes e
descontrolados do petróleo importado. A segunda seria
não fugir da realidade através de um verdadeiro festival
de soluções, algumas dignas de consideração, mas que
mascaram, na sua proliferação, a solução efetiva a curto
prazo. A terceira medida consistiria em evitar a
ressurreição de soluções tradicionais, abandonadas pelos
países ricos, como a da redescoberta do etanol da
madeira, já que todas as soluções, afinal, são o
aproveitamento da energia solar absorvida no processo
da bioiotossintese.
No mundo em crise, que se prepara para entrar no
século XXI de calças na mão , tanto em termos
espirituais corno em termos materiais, é necessário que
os brasileiros façam uso de muita dose de bom senso. E
isso significa concentrar recursos escassos, sem
fragmentação de comando ou diversionismo na sua
aplicação, graças às técnicas que já dominam, ampliando
ao máximo a intervenção da energia do homem —
mesmo em termos literais ---- para produzir energia
concentrada, capaz de garantir neste mundo atrasado e
inconsequente um destino nacional confiável.
42

A PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NA
SUBSTITUIÇÃO DO PETRÓLEO IMPORTADO

Há contradições vitais no enfoque que o Brasil vem


dando à problemática de sua libertação da dependência
ao petróleo importado. Apesar da gravidade da situação
econômica e social, vinculada ao problema energético,
independente da descrença nesta afirmação no passado,
bem como a tentativa de minimizar esta circunstância no
presente, os conflitos institucionais continuam. Faz
bastante tempo o autor vem afirmando que o problema
energético brasileiro é um caso de estado de guerra ,
devendo o Presidente da República assumir o comando
da reação ao descalabro que o descontrole do mercado
do petróleo vem causando ao Brasil. É uma situação de
vida ou morte, que não pode ser ignorada ou disfarçada,
procurando atender a suscetibilidades, sem ferir os
gestores de programas mal conduzidos ou de entidades
ou organismos dissociados da realidade. É compreensível
que exista a Preocupação em compor situações, evitando
conflitos políticos, tentando contornar com habilidade os
pontos críticos que não podiam e não podem ser
ignorados. O que não existe e tempo para isso. A crise
está montada e um enfoque irrealistico da situação já é
hoje inaceitável e imperdoável. Os preços do petróleo
estão fora de controle; existe a crise do Afeganistão; o
problema iraniano resta por resolver; quantas variáveis
sobre as quais o Brasil não pode influir! E o que se está
fazendo em relação às variáveis sobre as quais se pode
influir?
O quadro que se está vivendo no Brasil é o de tentar
convencer os países produtores de petróleo de que o País
é amigo dos mesmos. Aliás, tal amizade é correspondida,
senão como interpretar existir ainda a possibilidade de
comprar petróleo a preços de mercado? O que importa,
no caso, é saber se isto é suficiente, ou se medidas
extraordinariamente mais eficazes não se impõem: um
Plano que se poderia chamar de PLANO DE CRISE. Ora,
se o PLANO DE CRISE se impõe, isto só ocorre porque a
dependência do Brasil ao estrangeiro é muito aguda, e
portanto, já se está vivendo a situação de dupla
dependência ao estrangeiro: a sobrevivência nacional
podendo ser abalada devido a critérios não dependentes
de brasileiros e pior ainda — fixados fora das fronteiras
nacionais. É por isso que soa estranho a discussão sobre
se cabe, ou não, admitir a participação estrangeira na
exploração das possibilidades energéticas do País,
quando parece óbvio que transferir parte da dependência
existente para dentro das fronteiras nacionais, nas
circunstâncias, é uma grande vitória.
É preciso lembrar sempre que os países árabes
dominados pelas multinacionais do petróleo acabaram
por se livrar em grande parte das mesmas, assumindo o
controle de suas riquezas naturais. Não parece razoável
que o Brasil, como todo o seu potencial humano — ao
menos em termos numéricos —, pudesse tornar-se um
grande produtor de energia, sem ganhar a capacidade de
autodeterminar-se política e economicamente. Se aceita
esta premissa, cabe reanalisar o comportamento que se
está assumindo como Nação, diante da pressão dos
acontecimentos, verificando até onde cabe o
nacionalismo inconsciente. Para o articulista, nacionalista
histórico, é duro, porém necessário, enfrentar a
realidade. Foram os próprios brasileiros que criaram a
situação hoje existente, não agindo em tempo para
obstar pudesse a crise conduzir à necessidade de fazer
até este sacrifício — ainda menor e mais aceitável do
que o de curvar-se o País à dupla subordinação a que
hoje está submetido.
Cumpre, portanto, organizar o Plano de Crise ,
aceitando a participação estrangeira nos melhores
termos possíveis — e não apenas com a abertura dos
contratos de risco na pesquisa do petróleo. Fala-se muito,
hoje em dia, em produzir alimentos para exportar como
forma de reequilibrar o balanço de pagamento do País. A
razão é lógica, pois se admite que o futuro aponta com
um mundo esfomeado. Apenas, a fome será maior e
incontornável nos países pobres, os quais não importam
alimentos podendo pagar pelos mesmos. Outrossim, os
países ricos têm formas e recursos para diversificar as
suas importações de produtos agrícolas, mantendo a
evolução de seus preços sob controle um controle que
não conseguem aplicar para conter os preços da energia.
Então, se existe a opção de o Brasil exportar energia
fruto do aproveitamento da biomassa, ou exportar
produtos agrícolas, qual deve ser a opção a ser adotada,
usando critérios lógicos e um mínimo de nacionalidade?
No entendimento do autor, o Programa do Álcool — e
mesmo o dos óleos vegetais — vem sendo conduzido
com extrema lentidão e absoluto desenfoque das
realidades que já emergiram e pedem soluções. O
presente artigo não pretende voltar ao assunto,
amplamente discutido ao longo de 1979. No momento o
que se pretende é caracterizar um caminho para acelerar
a produção de álcool significativamente, com a
participação estrangeira, dentro de diretrizes
perfeitamente estabelecidas, inclusive para exportação .
Isso significa delimitar regiões hoje inexploradas, com
restritas possibilidades de serem atacadas com capitais
nacionais, nas quais seria permitido implantar programas
de produção de álcool, da cana, da madeira ou de outros
produtos vegetais, com as seguintes condicionantes:
I — Projetos com mínimos de produção por hectare,
superiores ao dobro da média nacional em cada caso;
II — Reserva para o Brasil de até metade da produção
aos preços que forem pagos aos produtores nacionais,
com uma bonificação de 20% nos mesmos;
III — Os preços de exportação da parte restante
ficarão amarrados aos preços do petróleo, segundo
relação que seria definida em termos de poder
energético;
IV — Obrigação de facilitar o acesso gratuito a toda a
tecnologia aplicada no País, sem a menor restrição,
fabricando aqui o que pudesse ser destinado em tempo e
qualidade;
V — Financiamento com 5 anos de carência e 15 anos
para pagar dos equipamentos importados, devendo os
empréstimos às empresas produtoras serem feitos a
juros nunca superiores a 10% ao ano;
VI — Garantia dos governos interessados de financiar
ao Brasil, nas mesmas condições, - as importações atuais
de petróleo, até o limite de 50% da produção prevista de
álcool ao longo dos próximos 10 anos.
Ë interessante assinalar que o álcool a ser exportado o
seria em petroleiros como carga de retorno, reduzindo os
custos dos fretes. Enfim, é todo um esquema a ser
montado rapidamente, permitindo passe o País a
depender do álcool exportado, ao invés de continuar a
depender apenas do petróleo importado. Outrossim,
poder-se-ia, eventualmente, superar a inércia nacional,
cujo reflexo mais contundente é a preocupação com a
produção de álcool, diante do aumento do preço do
açúcar no mercado internacional. Ou a discussão se o
País atingirá, ou não, a meta ora em vigor de cerca de
dez bilhões de litros de álcool em 1985. Talvez seja
possível levar o Governo a raciocinar grande , como tem
de fazer pretende não ser tragado pelos acontecimentos
nada promissores.
É hora de testar se os Estados Unidos, o Japão e
outros países ricos querem ficar com todos os ovos no
mesmo saco, o qual aliás` está furado — e cada dia mais
—, ou pretendem obter alternativas corajosas, pagando o
preço , sem pretender fazê-lo, abusando da incapacidade
brasileira de se antecipar aos acontecimentos.
43

OS DESTINOS DO BRASIL DIANTE DA CRISE NO


GOLFO PÉRSICO

O autor, faz pouco tempo, referindo-se à conjuntura


enfrentada pelo Mundo Ocidental no Golfo Pérsico,
escrevia que o novo acordo, redividindo as áreas de
influência das superpotências quanto ao petróleo,
tangenciaria antes o risco de um confronto. Não
aconteceu outra coisa. A invasão soviética no
Afeganistão poderia ter resultado de duas alternativas
diferentes: um acordo com os norte-americanos ou uma
medida unilateral, arriscando a um confronto passível de
uma escalada de consequências imprevisíveis.
Se, como tudo indica, o que está ocorrendo é
resultado da segunda alternativa, novos desdobramentos
devem ser esperados, com consequências antagônicas
sobre o mercado do petróleo. Parece razoável prever
uma contenção limitada na escalada dos preços — o que
é bom para os países importadores — a par de um risco
crescente de conflitos localizados, ou mesmo
generalizados, no Oriente Médio — o que é mau para os
países importadores.
Quando se lembra o que é bom ou o que é mau para
os países importadores de petróleo, não se pode deixar
de enquadrar em lugar de honra o Brasil. Tal fato é
devido menos ao volume de petróleo importado do que à
dependência do País ao mesmo. E é esta dependência
que afeta definitivamente toda a estabilidade econômica
do Brasil, pondo em risco de colapso a estrutura de
qualquer planejamento, construído à base de fundações
tão frágeis quanto a imprevisibilidade da escalada dos
preços de petróleo, ou a sua indisponibilidade física,
devido a um conflito político ou militar no Golfo Pérsico,
do qual depende em quase 100% o abastecimento do
País.
Nas atuais circunstâncias, se é de prever um relativo
aquietamento na escalada dos preços do petróleo, tal
conjuntura não deve servir para embalar as autoridades
do País, levando-as a apregoar falso otimismo ou êxitos
de uma política, quanto ao petróleo, bem concebida, pois
esta tem sido uma sucessão de desastres obrigados,
levando o País a proceder como um enxadrista que não
tem escolha ao ter de dar cada um de seus lances, numa
marcha batida para o xeque-mate. Só que no caso do
Brasil a escolha não está na política em relação ao
petróleo, a qual já se autodeterminou faz algum tempo.
Ao contrário, parte do que poderia ser feito está feito,
ampliando as vantagens dos contratos de risco, na
expectativa de que isso estimule a participação privada
nas pesquisas de petróleo. De outro lado, cabe
considerar com profundidade a vantagem —
aparentemente fora de época, devido a razões
econômicas — de investir, agora, os parcos recursos
mobilizáveis pelo País em pesquisa acelerada de
petróleo.
Aliás, está se oferecendo ao Pais uma oportunidade de
ouro de implantar o Plano de Emergência, cujas diretrizes
foram apre-sentadas pelo autor em três trabalhos,
publicados sob esse título em junho de 1979. A
oportunidade acima referida nasce dos lances obrigados
a que o País vem tendo de se submeter, inclusive quando
cedeu os direitos contratuais adquiridos nos contratos de
risco que tinha com o Iraque, obtendo como
contrapartida um reforço de suas reservas de petróleo.
Não pretendendo discutir a barganha em si mesma, cabe
assinalar que estão criadas as pré-condições para a
implementação, imediata, do Plano de Emergência já
citado, devendo a reserva estratégica ampliada ser
ciosamente guardada, sem a sua utilização fora do
contexto de um planejamento global, que é de se esperar
já esteja formulado pelo Conselho de Segurança
Nacional, visto que é disto que se trata.
Ora, se as previsões pessimistas quanto ao
fornecimento de petróleo estão a se agravar — devido à
escalada de preços num momento; devido a crises
políticas e militares no Oriente Médio noutro momento —
cumpre relembrar aspectos fundamentais do Plano de
Emergência já referido, particularmente quanto a
produção e aproveitamento do álcool a curtíssimo prazo.
Para tanto, será necessário usar a capacidade ociosa das
destilarias desde agora, com sacrifício da produção de
açúcar, numa hora em que os seus preços vêm
melhorando no mercado internacional. Tam-bém se
impõe a concentração de esforços e de recursos na
ampliação das áreas selecionadas de produção — sem
esquecer os pólos de alta energicidade — visando a
atingir metas ambiciosas de volumes de álcool
produzidos no País, tanto para uso interno como para a
exportação. E não se diga que há riscos de conflitos de
cultivo, quando se pretende transformar o Brasil em
grande exportador de alimentos, na maior prova de que
há vasta disponibilidade de terras por cultivar — o que é
o óbvio ululante — podendo até atingir ambas as metas:
exportar alimentos e álcool.
A crise que se desenrola no Afeganistão, com todas as
suas repercussões sobre os destinos do Mundo Ocidental,
exatamente devido à dependência do mesmo ao
petróleo, levou os Estados Unidos a uma restrição no
fornecimento de cereais à União Soviética. Basta ter um
mínimo de capacidade de análise para ver a fragilidade
dos argumentos quanto à existência de mercados cativos
para os mesmos, entre países grandes consumidores
como a China e a Rússia, quando o alimento se torna
arma de pressão política tanto quanto o petróleo, porém
extremamente mais frágil na sua eficácia. E o que farão
os Estados Unidos com parte dos produtos que deixarão
de exportar para a Rússia? Vão transformá-los em álcool,
numa demonstração cabal de que o mercado de energia
é mais sedento em termos econômicos — e ignorando os
problemas sociais — do que o mercado de alimentos.
Senão, seria o caso de vender os cereais disponíveis aos
países pobres, com um preço simbólico, gesto que nem
mesmo a nação mais rica do mundo pode se dar ao luxo
de cometer.
Resta, porém, a lição dos Estados Unidos, restrita
ainda em seu alcance: produzir álcool em maiores
quantidades, independente de provarem que em seu
País, para fazê-lo, devido ao conflito de cultivos, podem
chegar a transformar alimento em energia substitutiva
do petróleo. O risco implícito nesta demonstração de que
o álcool — e outros derivados da biomassa substitutivos
do petróleo — é o melhor negócio de exportação do
futuro, depois do próprio petróleo, independentemente
de sua valia internamente, é o de querer enfocar o
problema de forma simplista. Vejam, os Estados Unidos
usam o álcool para adicioná-lo à gasolina, logo o
presente e o futuro do álcool estão ligados à gasolina! E
ai o povo brasileiro assistirá, entre constrangido e
revoltado, à explosão do uso do álcool nos Estados
Unidos, inclusive com o desenvolvimento de motores a
álcool de todas as potências, até para aviões, e
perguntar-se-á: o que fizeram por nós durante todo esse
tempo?
EPÍLOGO

Durante o ano de 1979, o autor prosseguiu em sua


intensa pregação com respeito aos problemas
energéticos do Brasil. Há uma verificação pouco
animadora a ser feita: todos os progressos obtidos em
1979 na direção correta o foram sob a pressão de acon-
tecimentos conjunturais, sem a menor vinculação com a
capacidade de prever eventos e antecipar soluções.
Na verdade, a glorificação dos tímidos passos
ensaiados para resolver a aflitiva dependência do
petróleo importado é fruto de efeitos de iluminação,
visando a destacar ângulos específicos da coreografia
oficial com apoio maciço dos meios de comunicação. O
enfoque realístico mostra que 1979 foi um ano crítico
perdido, em termos de preparação e aplicação de um
Plano de Emergência destinado a enfrentar a crise
econômica, social e política causada pelo descontrole do
mercado internacional do petróleo.
Hoje já se está em plena crise. É difícil fazer previsões
válidas sobre a situação do Brasil em 1980. A única
constatação é de que existe um despreparo generalizado
para o grande confronto proposto a esta nação
subcontinental. Infortunadamente, o presente livro não
perdeu a atualidade, o que pode ser vantajoso para a sua
divulgação, mas é, definitivamente, um testemunho do
tempo perdido em divagações, discussões estéreis e
demonstrações de falsa competência, numa exibição do
poder da tecnoburocracia na manipulação, mesmo
inadequada, do Poder Nacional.
Ao autor, como brasileiro, empresário e profissional,
fica convicção do dever cumprido. Aqueles que se derem
ao trabalho ler a presente obra encontrarão vasto
subsídio para o esclarecimento de discussões que
sempre foram desviadas de seus rumos adequados,
inclusive por interesses imediatistas de grupos
econômicos prontos a se aliarem aos segmentos mais
despreparados da tecnoburocracia.
As batalhas perdidas não significam que a guerra
tenha terminado. Apertas demonstram que esta será
mais longa e dolorosa. Apenas indicam que a qualquer
momento os acontecimentos podem tornar-se
incontroláveis, com riscos imprevisíveis de caos
econômico e social, independentemente das
consequências políticas da situação assim criada.
No particular, o autor é um caso raro de alguém que
torce o tempo todo para não ter razão. A cada
desmentido dessa esperança ele sente profunda tristeza.

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