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Universidade Estadual de Campinas – 14 a 20 de agosto de 2006

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Pesquisa do IQ permite certificar qualidade do produto para exportação e diminuir fraudes no mercado interno

Técnica identifica origem do mel


e presença de substâncias estranhas Fotos: Antoninho Perri
MANUEL ALVES FILHO quanto à sua integridade. “Isso é antioxidantes. Ora, quem opta por
manuel@reitoria.unicamp.br extremamente importante, pois os esse tipo de alimento é porque não
países que mais importam mel, co- quer consumir somente uma fonte

U
m contingente estimado em mo é o caso da Alemanha, são mui- de açúcar, mas está interessado tam-
500 mil pessoas, algo como to criteriosos quanto à origem e qua- bém nos componentes funcionais
metade da população de lidade dos alimentos”, explica. E são que existem no mel”, afirma Fabia-
Campinas, vive atualmente da api- mesmo. Em março de 2006, por e- ne. De acordo com Rodrigo Catha-
cultura no Brasil. O setor, que pro- xemplo, a União Européia suspen- rino, a caracterização dos méis bra-
duz cerca de 45 mil toneladas de mel deu a compra do mel brasileiro. A sileiros faz parte do esforço do La-
ao ano, exporta metade desse volu- medida foi baseada em decisão da boratório Thomson para desenvol-
me, o que tem gerado importantes Federação Européia de Comércio de ver metodologias que ajudem a con-
divisas ao país, dado que cada tone- Produtos do Agronegócio, que teria ferir maior credibilidade aos produ-
lada do alimento pode alcançar até constatado resíduos de antibióticos tos apícolas nacionais. “Nós já fize-
US$ 2 mil (R$ 4,2 mil) no mercado in- no produto nacional. mos isso com a própolis e estamos
ternacional. Os números do setor só A certificação, conforme a pós- iniciando os testes também com a ge-
não são mais alvissareiros por con- doutoranda Ildenize Cunha, garan- léia real.Aos poucos, estamos criando
ta de um problema que compromete te ao consumidor que ele está com- pequenos bancos de dados e compro-
a qualidade e, conseqüentemente, a prando um mel livre de adulteração vando, na prática, que o Brasil não
competitividade do produto brasi- e/ou contaminação. “Com isso, é precisa importar tecnologia ou pesso-
leiro em âmbito mundial: o “batis- possível agregar valor ao produto, al para atuar nessa área”, analisa.
mo”. Atualmente, os fraudadores pois a autenticidade é um aspecto
usam diversos adi- que contribui para a elevação do Anti-fraude – Os pesquisadores
Adulteração tivos para adulterar preço final da mercadoria”, ensina. do Laboratório Thomson de Espec-
Alexandra Sawaya, Ildenize Cunha, Fabiane Nachtigall, Rodrigo Catharino e Elaine
é feita com omelo, mel: desde o cara-
relativamente
O método desenvolvido pelos pes-
quisadores do IQ é relativamente Cabral no Laboratório Thomson: técnica apresenta o resultado em 1 minuto.
trometria de Massas têm se notabi-
lizado nos últimos anos, entre outros
caramelo, comum, até o óleo simples, afirma Rodrigo Catharino. aspectos, por assumirem a condição
xarope e até de soja, o mais sur-
preendente de to-
Para chegar à técnica, primeiro os
cientistas obtiveram amostras de
teração. O caso mais grave ocorreu
com o mel de laranjeira. Entre as
Alexandra, é colocar baldes com xa-
ropes de açúcar perto das colméias.
de “caçadores de fraudes”. Com o
auxílio do espectrômetro de massas,
óleo de soja dos. Contra esse tipo méis diretamente de apicultores. substâncias estranhas estava o óleo Dessa forma, as abelhas se alimen- eles desenvolveram métodos para a
de falsificação, um Estas tiveram a suas composições de soja. “Esse dado nos surpreen- tam diretamente desse líquido e dei- caracterização de produtos como
grupo de pesquisadores do Instituto devidamente caracterizadas, com o deu. Jamais poderíamos imaginar xam de buscar o néctar nas flores. gasolina, bebidas alcoólicas, óleos
de Química (IQ) da Unicamp acaba de auxílio de um equipamento chama- que esse tipo de aditivo fosse empre- “Infelizmente, esse tipo de adultera- comestíveis, perfumes e méis, todos
desenvolver uma metodologia capaz do espectrômetro de massas. gado para adulterar o mel”, admite ção é muito difícil de ser identifica- presentes no cotidiano do consumi-
de identificar, em apenas 1 minuto, Depois, foi a vez de os pesquisa- Catharino. do, pois o procedimento não altera dor brasileiro. Além disso, valeram-
tanto a origem dos méis (eucalipto, sil- dores adquirirem diferentes marcas de forma significativa as caracterís- se da versatilidade do equipamen-
vestre, laranjeira etc) quanto a presen- de méis em supermercados e outros O “batismo” – De acordo com ticas do mel. Quando muito, só é to para também conceberem técni-
ça de eventuais substâncias estranhas pontos comerciais. Amostras dos Alexandra Sawaya, que acaba de possível detectar uma sombra da cas que identificam, por exemplo,
à sua composição original. produtos foram misturadas a uma concluir o doutorado no IQ, as subs- adulteração”, diz. possíveis substâncias tóxicas em ali-
O grupo coordenado pelo profes- matriz em pó, denominada DHB, e tâncias utilizadas com mais freqüên- Além de configurar crime, a falsi- mentos. Nessa linha, os cientistas do
sor Marcos Eberlin atua no Labora- também analisadas no espectrôme- cia no “batismo” dos méis são o ca- ficação do mel pode trazer conseqü- IQ empregaram a tecnologia para
tório Thomson de Espectrometria de tro de massas, a partir de uma técni- ramelo, o xarope de glicose e o açú- ências negativas à saúde do consumi- verificar a presença de aflatoxina no
Massas. De acordo com o cientista ca batizada de Maldi. Ao confrontar car invertido, este último um ingre- dor, como assinalam Fabiane Nach- amendoim e ainda criaram uma me-
de alimentos Rodrigo Catharino, os resultados, que saem em apenas diente muito usado pela indústria tigall e Elaine Cabral, doutorandas todologia capaz de diferenciar os cul-
um dos membros da equipe, o obje- um minuto na forma de gráficos, os de balas e que consiste em um xaro- do IQ. Segundo elas, muitas pesso- tivares de soja transgênica, normal e
tivo principal da pesquisa foi desen- especialistas constataram que a pe feito a partir do açúcar comum. as consomem o alimento em virtu- orgânica. Todas as análises são feitas
volver um método que permitisse a maioria dos méis presentes no mer- Um outro subterfúgio empregado de das suas propriedades medici- em menos de um minuto e com al-
certificação do produto nacional cado apresenta algum grau de adul- pelos fraudadores de mel, destaca nais. “O mel tem substâncias que são tíssimo grau de confiabilidade.

Resíduos danosos ao ambiente geram


aromas que ajudam a prevenir doenças
CARMO GALLO NETTO in vitro, a preocupação foi verificar
carmo@reitoria.unicamp.br se os produtos obtidos tinham res-
postas em animais, principalmente

H
á muito tempo se sabe que o quanto à quimioproteção, um dos
aroma interfere no sistema atributos mais importantes dos ali-
endócrino, modificando, por mentos funcionais. “Isoladamente
exemplo, o humor e levando a esta- esses efeitos já se encontravam des-
dos de euforia, depressão, tristeza, critos na literatura, mas juntamos a
alegria. Essas constatações deram eles o conceito de aromas funcionais.
origem à aromaterapia, que resva- Assim, além de aromas, as substân-
la em crenças e é encarada muitas ve- cias obtidas têm para a saúde o apelo
zes de forma holística, mas que já co- funcional. Esta acabou sendo a prin-
meça a receber tratamento científi- cipal conclusão do trabalho, em vista
co com a investigação dos efeitos das possibilidades que se descor-
bioquímicos das tinam no âmbito da prevenção de Mário Maróstica Junior no laboratório e
Laboratório substâncias res- doenças”, observa. a professora Gláucia Pastore no
destaque: abrindo a possibilidade de
de Bioaromas ponsáveis pelos
aromas. Assim,
Mário Maróstica Jr. informa que os
resultados permitem considerar os gerar aromas a partir de resíduos de
obtém sucesso são chamados de compostos obtidos como aromas todo fruto produzido em escala
com resíduos bioaromas aque-
les obtidos de for-
funcionais, que além de conferirem
o aroma desejável ao alimento, po- lhores que sejam os recursos tecno- indústria libera resíduos que contêm me porque há a possibilidade de
da laranja ma biotecnológi- dem manifestar atividades adicio- lógicos. “Por isso passamos a inves- compostos não aproveitados, den- transformar qualquer resíduo, como
ca, principalmen- nais para prevenção de doenças de- tigar os microorganismos que pu- tre eles o d-limoneno, um terpeno cascas de maçã, manga e quaisquer
te através de processos fermentativos generativas como diabetes, mal de dessem atuar sobre matérias-primas vendido a baixo custo para a indús- frutos produzidos em escala. Já te-
com a utilização de microorganismos. Alzheimer, cânceres e afecções car- de baixo custo – para não inviabili- tria de tintas e resinas. Mereceu mai- mos projetos para pesquisar outros
Buscando bioaromas a partir de diovasculares, processos que têm na zar economicamente o processo – or dedicação de Maróstica Jr. Esses resíduos”, adianta.
resíduos dos processos industriais da gênese a ação de radicais livres. As que são produzidas em escala e em estudos de microorganismos – fun- Mário Maróstica lembra que estu-
produção de alimentos, a professo- pesquisas, desenvolvidas em parce- geral sub-aproveitadas, resultantes gos principalmente, mas também de dou várias substâncias além do d-
ra Gláucia Pastore e seu orientado ria com o Departamento de Farma- principalmente da industrialização bactérias ou leveduras – que trans- limoneno obtido da casca de laran-
Mario Roberto Maróstica Junior des- cologia e Cipol da Faculdade de Ci- de alimentos. Isso nos levou a uma formassem o d-limoneno em com- ja, mas destaca no trabalho esta iné-
cobriram que alguns dos produtos ências Médicas (FCM), deram ori- linha de pesquisa em que um com- postos com aromas agradáveis. dita biotransformação a partir dos
obtidos têm propriedades muito im- gem a tese de doutorado que abor- posto com atributos de aroma é ob- “No entanto, havia também a ne- resíduos desse citro, do alfa-farne-
portantes além do aroma. “Consta- da a biotransformação de terpenos tido através da biotransformação. É cessidade de utilizar substratos de seno em quatro compostos, vendo
tamos que várias dessas substâncias em compostos aromáticos e funcio- a segunda tese resultante dessa linha baixo custo, e nos lembramos da ma- como produto principal o 6-OH-
impedem manifestações carcinogê- nais. A avaliação dos aspectos rela- de trabalho”, explica. nipueira, resíduo da prensagem da farneseno, por seu aroma inebriante,
nicas ou metástase de células can- tivos à bioatividade teve auxílio do mandioca e altamente pernicioso ao não descrito e nem identificado an-
cerígenas, aprisionam radicais livres, professor Stephen Hyslop e do dou- A procura – Os pesquisadores pro- ambiente por constituir substrato teriormente na literatura. A desco-
inibindo o desencadeamento de pro- torando Thomaz Rocha e Silva. curaram então matérias-primas que para fungos; jogada nos rios, leva os berta deu origem a artigo a ser pu-
cessos biológicos nocivos e a oxida- Gláucia Pastore esclarece que a constituem subprodutos industriais, peixes à morte. O processo utiliza blicado em revista cientifica de pres-
ção lipídica”, afirma a professora, que indústria de alimentos tem proble- geralmente utilizadas como combus- dois subprodutos, um dos quais al- tígio. A pesquisa foi viabilizada gra-
orientou o trabalho no Laboratório de mas com a utilização de aromas ar- tível, adubo ou ração. Os estudos tamente nocivo”, diz Gláucia. A pro- ças a bolsa do CNPq e a um convê-
Bioaromas da Faculdade de Enge- tificiais, por causa do apelo cada vez iniciais concentraram-se no subpro- fessora ressalta que, apesar de sua nio bilateral mantido com a Alema-
nharia de Alimentos (FEA) da Uni- maior por sua substituição pelo na- duto da indústria de citros, impor- importância, esse tipo de pesquisa nha durante quatro anos, onde Ma-
camp. tural. Isso acaba dificultando a co- tante por seu volume para exporta- ainda engatinha em um país de tanta róstica estagiou durante quatro me-
Segundo Gláucia, depois de testes mercialização de alimentos, por me- da. Ao produzir o suco de laranja, a riqueza agrícola. “O alcance é enor- ses.

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