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Sociedade Rorschach de São Paulo 1

As dimensões experienciais: Qualidades


dos borrões de Rorschach
Ernest G. Schachtel

Podemos dar uma descrição bastante correta dos processos subjacentes às


respostas de Rorschach falando de percepção, memória, associação, julgamento crítico,
com relação à semelhança e comunicação. Entretanto, esta descrição permanece muito
abstrata e sem vida e não faz justiça plena ao significado experiencial e à série desses
processos.
Rorschach pensava que de seu teste ele poderia tirar conclusões não sobre o
conteúdo das experiências de uma pessoa, mas, sobre sua maneira individualmente
característica de experimentar. Ele sentia que “à primeira vista...poderia parecer absurdo
“tirar tais conclusões extrapoladas dos resultados de um experimento tão simples”. 3 mas
eu penso que nós temos de concordar com ele que isto não é nem um pouco absurdo. A
experiência é mediada por nossas percepções do mundo externo e de nossa vida interior.
Desde que os processos perceptuais, de memória, associativos e outros processos de
pensamento entram em cada percepção e em cada resposta, espera-se que algo da
qualidade experiencial desses processos torne-se diretamente aparente de uma análise
adequada das respostas.
Por dimensões experienciais das reações do testado aos borrões de Rorschach eu
não entendo qualquer coisa separada de sua percepção dos borrões ou das imagens de
memória e ideias associadas com os codeterminantes da sua percepção. Antes eu quero
enfatizar qualidades de sua experiência no encontro com os borrões e com a situação de
teste que, embora exercendo uma influência determinante em seus perceptos e
parcialmente refletidos nas categorias tradicionais de classificação, não obstante não são
totalmente “capturadas” em tais categorias. De maneira a descrever mais plenamente o
que acontece na “percepção” dos borrões do testado, muitos problemas devem ser
levantados: O que acontece na experiência do testado em seu encontro com os borrões e
com a situação de teste? Qual é sua maneira de experienciar esse encontro? Quanto ele
se permite experienciar, ou quão pouco? Quão profundamente e quão plenamente ele
entra nesse encontro, ou quão separado ele tenta e consegue permanecer dele? Quão
variada ou quão estereotipada é sua experiência? Que camadas de sua personalidade e
que níveis e tipos de funcionamento mental se tornam envolvidos neles e a que ponto,
nesse encontro com cada borrão individual e com a série inteira dos dez borrões? Para
responder a essas questões é necessário, primeiramente, considerar as qualidades gerais
dos borrões e algumas implicações dessas qualidades para a dimensão exponencial da
percepção.

QUALIDADES EXPERIENCIAIS GERAIS DOS BORRÕES


A qualidade mais importante dos borrões é sua estrutura não-familiar. Eles não
são desestruturados, como é assumindo algumas vezes na literatura. Mas sua estrutura é
não-familiar; não corresponde proximamente e acuradamente a nenhum objetivo
familiar. Eles são, como Rorschach o afirmou, “formas acidentais” - nem propositais,
como muitos objetos fabricados o são, nem parte da natureza, orgânica ou inorgânica.

3
Rorschach, H. (1942) Psychodiagnostics [English Edition]. Berne: Hans Huber, pp. 86-87
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Eles são diferentes da vasta maioria dos objetos do meio ambiente do homem que são
feitos ou para servir a um objetivo ou se desenvolverem como parte do mundo natural.
Não há clichês prontos para eles 2. Sua estrutura não familiar torna possível estruturá-los
de muitas maneiras diferentes, enfatizando algumas, ignorando ou não-enfatizando
outros aspectos de sua gestalt estrutural e de sua coloração ou luminosidade.
A ausência de rótulos prontos para os borrões tais como temos para os objetos
familiares do nosso meio ambiente tem duas conseqüências. Primeiro, as diferenças
individuais na percepção, usualmente obscurecidas pelos rótulos de linguagem comuns,
tornam-se mais aparentes; segundo, essas diferenças são acentuadas porque ao dar uma
resposta, os processos ativos, estruturadores na percepção são aumentados em
comparação com a percepção ordinária, cotidiana. Embora esses dois fatores se
sobreponham, eles não são idênticos. Duas pessoas não vêem uma mesa ou cadeira da
mesma maneira e isso é ainda mais verdadeiro para a visão de uma pessoa, uma face,
uma árvore, uma paisagem. Isto torna-se prontamente aparente quando se compara
retratos da mesma pessoa por dois diferentes pintores ou a mesma paisagem pintada por
dois diferentes pintores. Torna-se também aparente quando se pede a duas pessoas para
descrever um quarto que elas acabaram de ver, ou a mesma pessoa ou paisagem, ou
mesmo um objeto simples, como uma flor. Suas descrições revelarão muitas diferenças
no que eles viram e no que elas deixaram de ver e na maneira pela qual elas o viram,
mesmo que descontemos as diferenças de suas habilidades lingüísticas para descrever
algo. Mas, usualmente, muitas diferenças individuais da percepção permanecem inéditas
porque não prestamos muita atenção ao que nós ou outras pessoas vemos ou deixamos
de ver e não pedimos a elas para descrevê-lo. E mesmo quando nós obtemos uma
descrição do que duas pessoas viram, por exemplo, olhando para a mesma pessoa ou
casa, consideráveis diferenças individuais de percepção serão obscurecidas por idênticos
rótulos de palavras que usamos ao falar sobre o que vimos, como por exemplo, a mesa
da sala de jantar, a sala de A, nosso conhecido Sr. X, a vista da ponte na cidade de B,
uma rosa, etc. Além disso, há muitas diferenças de percepção, tanto as mais marcadas
quanto as mais sutis, que não se tornam aparentes porque nem mesmo o mais rico
idioma pode prontamente descrevê-las e muito menos o vocabulário mais limitado de
nosso discurso cotidiano.
Na medida em que não há rótulos prontos para os borrões, as respostas do
testado tornarão usualmente aparente o que ele viu e o que ele não viu ou não
mencionou, que traços do borrão suas respostas enfatizaram e quais ele negligenciou.
Em adição a isso, a confrontação com os borrões não-familiares força o testado – ou
pelo menos a maioria dos testados -- a olhar mais cuidadosamente do que ele o faria
provavelmente no nosso registro dos objetos familiares de seu meio ambiente usual.
Isso por si só, produz uma ativação maior do processo perceptual e, finalmente, na
medida em que a estrutura dos borrões oferece muitas possibilidades, os aspectos de
estruturação e organização da percepção são acentuados.
A ausência de clichê, assim, tende a forçar o examinando a olhar e ver mais do
que repetir o que ele aprendeu e sabe, como ele o faz no reconhecimento diário. Mas,
embora a ausência de um rótulo seja uma importante qualidade experiencial dos
borrões, as implicações dessa qualidade negativa não esgotam a significância da
estrutura não-familiar dos borrões.

22
Alguns borrões ou partes de borrões aproximam-se mais intimamente de uma qualidade representacional, pictória , do
que outros, especialmente a prancha V e o “animal” lateral da prancha VIII. Eles estimulam as respostas “vulgares” (V). (n. do a.)
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A estrutura não-familiar tem também o impacto positivo do desconhecido. O


desconhecido, o fantástico – que não é uma parte de, é diferente da rotina da vida
cotidiana – confronta a pessoa que encontra os borrões em sua tendência extremamente
forte e dominante de experienciar estereótipos (as ligações com nosso ambiente humano
ou não humano), e de reagir a esses estereótipos de uma maneira estereotipadamente
rotineira, o que tem como efeito o fato de que o mundo, e outras pessoas, não sejam
confrontadas com nossa própria personalidade integral e que, portanto, não se
acrescentem significantemente à nossa experiência e não levem a um crescimento, a um
aprofundamento e enriquecimento de nossa vida. Isso leva ao vazio de muitas vidas, que
as pessoas deixam de notar apenas porque é coberto por milhares de atividades e porque
uma maneira mais significativa de vida é desconhecida por elas. Pelo fato de que, em
cada momento da vida e em cada pessoa e cada parte da natureza, aquilo que poderia
tocar e enriquecer nossa própria vida é apresentado apenas se nós estivermos
suficientemente abertos e prontos para experienciá-los, muitos objetos de nosso meio
ambiente podem ser percebidos também como o clichê, o estereótipo que a cultura fez
deles, que nós aprendemos a usar e que impede um encontro que se acrescentará
significativamente à nossa experiência e à nossa vida. O significado experiencial dos
borrões baseia-se no fato de que suas qualidades fantásticas e desconhecidas apresentam
um apelo poderoso para encontrá-las, para experienciá-las no calor da hora porque o
rótulo pronto do “reconhecimento” rotineiro não é oferecido por eles e, portanto, a
possibilidade de dispor delas, transformando-as em clichês, torna-se mais difícil. Em
outras palavras, batendo na concha vazia do clichê do “reconhecimento”, os borrões
fazem algo mais profundo na pessoa; eles a convidam a ir até aquela profundidade em
que seus próprios recursos estão, seus recursos para ser uma pessoa dona de si mesma,
capaz de se relacionar de uma maneira pessoalmente significante com o novo e o
desconhecido que não pode ser tão facilmente “manuseado” pelos procedimentos
rotineiros.
Tais encontros com o não-familiar, o desconhecido, são de significância crucial
para toda a vida e desenvolvimento do homem. O teste de Rorschach, ativando em
pequena escala as várias e individualmente divergentes experiências e reações
envolvidas em tal encontro, torna algumas delas observáveis em graus variáveis para
cada testado. O significado do encontro com o desconhecido é baseado na capacidade
básica do homem de abertura com relação ao mundo, que distingue seu mundo do
mundo mais fechado no qual vivem mesmo os animais superiores. O encontro com o
desconhecido, o novo, o não-familiar está apto a revelar o quanto dessa abertura,
usualmente com seu auge na infância, o homem manteve ou o quanto ele vive num
mundo fechado, protegendo-se de tais encontros. Essas duas possibilidades são baseadas
no fato de que para o homem o desconhecido é tanto assustador, de maneira que ele
quer fugir dele, quanto desafiador, convidando à exploração. Se a ansiedade provocada
pelo desconhecido sobrepuja o desejo de expandir o seu relacionamento no encontro
com o não-familiar, ou se a ansiedade é sobrepujada por esse desejo, é o que decide o
destino da abertura básica do homem com relação ao mundo. 3 Similarmente, o pequeno
“mundo” dos borrões de Rorschach convida à exploração e é o que a instrução do teste:
“o que poderia ser isso?” solicita. Embora praticamente todos os testados compreendam
essa questão explícita, o convite não-falado apresentado pelos borrões estranhos, não-
familiares, fantásticos é ouvido e aceito por alguns, não-ouvido ou evitado por outros.
Alguns sentem-se intrigados pelos borrões e acolhem o desafio, outros sentem-se como
33
O papel crucial do encontro com o desconhecido e suas implicações para o desenvolvimento humano estão discutidos em
detalhe por Ernest Schachtel em Metamorphosis: On the Development of Affect, Perception, Attention and Memory.New York:
Basic Books, 1959, pp.150-154, 183-209.
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peixes fora d’água quando convidados a abandonar o mundo seguro, “conhecido”, de


objetos familiares
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de seu meio ambiente pelo estranho e ambíguo mundo dos borrões.


Sua ambiguidade oferece praticamente possibilidades inumeráveis de percebê-
los e, ao responder, dar forma definida a uma ou outra dessas possibilidades. A esse
respeito eles confrontam o testado com uma liberdade de escolha e com o predicamento
dessa mesma liberdade. Isso toca em uma condição básica da existência humana que foi
um dos principais assuntos do pensamento de Kierkegaard. Ele escreveu que a
ansiedade é a vertigem da liberdade que aparece quando a liberdade olha para dentro do
abismo de suas próprias possibilidades e agarra-se ao finito, de modo a encontrar um
apoio nele. Mas, ao tentar encontrar um apoio no finito, a liberdade perde-se a si
mesma5. O homem é confrontado através de sua vida com muitas possibilidades de
como ou o que ele poderia ser ou fazer. Ele pode jogar com algumas dessas
possibilidades; realmente, ele tem de jogar com elas como muitas crianças fazem, de
modo a chegar a escolhas. Mas se ele não vai além disso, seu jogo torna-se inútil, como
sempre acontece em nossos devaneios. Isso pode originar a ansiedade da enfermidade
da vida. Se nós realizamos escolhas e agimos baseados nelas, nós abandonamos parte da
liberdade de possibilidades ilimitadas. E se a escolha se torna uma proteção contra o
sempre-renovado desafio da liberdade de ser capaz de viver, pensar e agir de outras
maneiras diferentes das do papel social, do hábito, do costume, da rotina tradicionais,
então nós podemos experienciar a ansiedade da vida não vivida, ou estarmos mortos,
embora ainda vivamos.6
Em alguns aspectos, o mundo em miniatura dos borrões não-familiares,
ambíguos, assemelha-se a essa situação pelo fato de que a tarefa de teste coloca uma
questão para a qual não há resposta “correta” embora haja milhares. Mesmo depois que
o testado deu uma resposta à questão, ela ainda permanece aberta porque é possível dar
inúmeras outras “respostas”. O testado, confrontado com o “abismo” de possibilidades
do borrão, tem de decidir quais das possíveis respostas ele dará e em que ponto ele sente
que cumpriu a tarefa a contento mesmo que ele esteja consciente do fato - nem todos os
testados estão – de que há ainda muitas outras possibilidades. Para muito poucas
pessoas essa decisão é praticamente impossível de tomar, pelo menos sem a aprovação
real ou imaginária do aplicador.
Na medida em que a estrutura não-familiar dos borrões ativa as tendências
individuais relacionadas com o encontro com o desconhecido, o “mundo” desconhecido
dos borrões difere do mundo real, e o encontro com eles difere daquele com o
desconhecido na vida do mundo real. A principal diferença está no fato de que os
borrões devem ser lidados apenas no pensamento e na fantasia. Mas o homem que se

4
Certamente, a “familiaridade” até mesmo do objeto mais familiar é devida apenas ao fato de que usualmente nós nos
aproximamos deles com a mesma perspectiva interior e assim não descobrimos a profundidade inexaurivel e a variedade de aspectos
não-familiares, sob os quais ele pode ser visto. Descobrir esses outros aspectos é o trabalho da experiência criativa tal como é
encontrado entre os grandes pintores, poetas, cientistas, bem como entre todos aqueles que preservarem e expandiram a capacidade
infantil para o questionamento e a descoberta.
5
Kierkegaard, S. Der Begriff der Angst (O Conceito de Angústia) – Jena: Eugen Diederichs, 1912 (pp.56-57).
6
A história de Tolstói, “A Morte de Ivan Ilyitch”é uma descrição magistral, costrangedora, de como a morte iminente
origina essa ansiedade na conscientização súbita de um homem de que sua vida foi gasta em se esconder atrás da respeitabilidade de
seu papel socialmente aprovado, embora estando realmente surdo e cego à vida em volta dele, para outros, e como sua vida é
transformada em sua luta contra a eventual aceitação da morte.

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aventura nas selvas, o viajante que vai além da rotina do circuito turístico e realmente
encontra pessoas e modos de vida diferentes dos familiares, ou a pessoa que encontra
total e abertamente outra pessoa tem de encontrar tal realidade com ação, não apenas
com pensamento. Os borrões permanecem borrões, não mudam ou reagem; mas o
desconhecido na vida, o desconhecido nas outras pessoas ou na natureza é capaz de
afetar e afeta nossa vida profundamente. A diferença descrita entre os borrões e a
realidade não é absoluta mas relativa, porque os borrões são encontrados na situação de
teste, na qual as reações, embora ocorrendo apenas no pensamento e na fantasia, têm de
ser comunicadas a outra pessoa, o aplicador, e esta comunicação, dependendo dos
vários contextos sociais nos quais o teste ocorre, pode ser sentida por muitos testados
como tendo importantes repercussões em suas vidas 7. Se o testado respondesse aos
borrões apenas privadamente, sem nunca mostrar suas respostas a ninguém mais, elas
ainda seriam individualmente características dele, mas provavelmente diferentes de
alguma maneira daquelas dadas em uma situação de teste real8.
Mesmo que não haja diferença absoluta entre o não-familiar nos borrões e o não-
familiar na realidade, sua importância torna-se palpável no tipo de testado que gosta de
explorar o mundo dos borrões deixando sua imaginação jogar com suas muitas
possibilidades e que, sem uma sensação de pressão por ter que produzir alguma coisa,
consente que suas idéias e associações assumam a direção, permitindo temporariamente
que seus pensamentos abandonem a tarefa de adaptação à vida real9.
Essa mesma pessoa pode fugir ou experienciar severa ansiedade de encontro
com o desconhecido na realidade. Por outro lado, para as pessoas às quais falta
capacidade ou são inibidas em tal jogo imaginativo, o encontro com os borrões pode ser
tão inquietante quanto a exposição do desconhecido na realidade. E para aqueles que
habitualmente evitam o desconhecido – e há muitos que o fazem e muitas maneiras de
fazê-lo – a situação de teste constitui uma pressão que os força a atracar-se de alguma
maneira com o não-familiar; esse contato forçado pode causar ansiedade, perplexidade,
desorientação momentânea e pode mobilizar defesas mais ou menos maciças.
O fato de que as pessoas imaginativas são estimuladas e desfrutam permanência
temporária no mundo não-familiar dos borrões é uma consciência também da qualidade
fantástica dos mesmos, mais pronunciada em uns do que em outros, mas presente em
todos eles. Essa qualidade está relacionada com sua não-familiaridade e estranheza mas
não coincide com elas: isso poderia ser diminuído ou destruído se elas fossem mais
nítidas tanto na clareza do contorno, na simetria, ou na cor e luminosidade. Cores de
superfície mais uniformes, planas e nítidas, tanto nas pranchas cromáticas quanto nas
acromáticas, tiraria dos borrões muito do desafio do desconhecido, para algumas
pessoas do misterioso, criado pelas gradações sutis de luminosidade e profundidade, em
algumas partes misturando-se gradualmente umas com as outras, em outros colocadas
umas contra as outras em um contraste mais agudo. A quantidade fantástica dos borrões
desempenha provavelmente o papel mais importante de fazer as pessoas pensarem que o
teste é de imaginação. Rorschach pensava que essa idéia era mantida por quase todos os
7
A relação acima discutida entre a situação de teste de Rorschach e situações da vida real se assemelha à do teste de
Szondi. Neste teste, pergunta-se ao testado qual das pessoas cujas fotografias lhe são mostradas ele gosta mais ou desgosta mais.
Agir baseando-se em tais preferências em escolhas na vida tem consequências de alcance muito maior que expressá-las em relação a
fotografias. Mesmo assim, comunicar tais preferências ao testador acarreta para o testado consequências reais ou imaginárias
diferentes tanto das escolhas reais de vida quanto da seleção privada das fotos preferidas ou rejeitadas. Isto é uma razão para que a
auto-administração, tanto no teste de Rorschach quando no de Szondi, levaria provavelmente a resultados diferentes daqueles
obtidos quando o teste é administrado por outra pessoa. Cf. Deri, S. Introduction to the Szondi Test. New York: Grune & Stratton,
1949, pp 10-11.
8
O grau de tais diferenças mostraria variações interindividuais significantes
9
Rorschach descreveu esse tipo de pessoas mais completamente em seu capítulo “Imagination”, op. cit., pp. 102-104.
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sujeitos, de maneira que poderia ser considerada praticamente como uma condição de
experimento. Até certo ponto, isso foi mudado com a larga disseminação de
informações e reformações errôneas sobre o teste por periódicos populares e científicos
e através de ouvir falar. Mas o que permaneceu, não obstante o testado estar
familiarizado com o objetivo do teste, é o fato de que os borrões por sua própria
natureza convidam ao jogo da imaginação e fantasia.
Rorschach salienta que os borrões precisam ter uma qualidade figuracional,
“picturelike” (bild-haft10) simétrica, sem o que muitos testados rejeitá-las-iam como
“apenas um borrão de tinta”. Um fator desta qualidade figuracional é seu tamanho ou
escala. Isto é importante em vários aspectos como tamanho relativo das diferentes partes
de cada borrão, como tamanho relativo do borrão, em relação ao tamanho da prancha e
como tamanho absoluto do borrão. As principais partes componentes dos borrões (P)
não devem ser desproporcionais no tamanho, mas devem mostrar um certo equilíbrio,
do contrário o feito figuracional das pranchas seria diminuído ou destruído. Quanto ao
efeito figuracional concernente ao tamanho absoluto dos borrões, quero considerar
primariamente a necessidade de que nem o borrão como um todo nem suas partes
maiores ( P ) devem estar abaixo de um certo tamanho mínimo.
Este ponto pode ser ilustrado pela referência à pintura. Se compararmos retratos
em miniatura, sem levarmos em conta o quão hábil e delicadamente foram executados,
com retratos grandes, notaremos que eles não atingem da mesma maneira a nós.
Nenhum retrato em miniatura nos toca com o poder, profundidade e qualidade
verdadeiramente humana como um retrato de tamanho médio dos grandes pintores
como Rembrandt, Leonardo, Holbein, ou de pintores recentes, como Cézanne ou Van
Gogh. De fato, os grandes mestres, segundo sei, não pintaram retratos em miniatura,
embora eles algumas vezes desenhassem plantas, coisas, etc. em tamanhos diminutos
(por ex.: Leonardo, Durer) com atenção a detalhes diminutos. Mas esses esboços eram
mais da natureza de exercícios. Para uma pintura afetar o observador em um nível
profundo, ela deve estar acima de um tamanho mínimo; não deve ser uma miniatura.
Podemos dizer que ela deve estar dentro da “escala humana”, nem acima nem abaixo.
Por escala humana eu não entendo, é claro, as medidas do corpo humano. Muitos
retratos dos grandes mestres são menores do que o tamanho natural e ainda capazes de
transmitir a um ser humano a verdade mais profunda que pode ser transmitida. Eu
entendo a escala dentro da qual a série completa de sentimentos humanos pode ser
falada e respondida. Essa escala provavelmente tem uma série ótima que será diferente
em um retrato, em uma paisagem e em um borrão. O borrão, também, perde seu poder
de estimular, em uma certa profundidade, ao percipiente médio se seu tamanho vai
acima ou abaixo de uma certa escala.
Isso tem uma implicação sobre o significado de algumas respostas p (Dd), não
todas. Onde há uma ênfase marcada no p, ou se por outras razões elas ocorrem onde se
esperaria uma resposta G(W) ou P(D), o aplicador deveria considerar se e porque razão
o testado evita o impacto de todo o borrão ou de seus detalhes maiores. Também
relevante neste contexto é a observação de Binder de que o determinante luminosidade
(chiaroscuro ou Hell-Dunkel), isto é, a percepção de um sombreamento difuso, ocorre
usualmente apenas em áreas relativamente grandes nos borrões. Uma área preta
diminuta não pode ser percebida pela maioria das pessoas com as implicações disfóricas
do sombreamento.11

10
Op.cit. [Edição alemã], p. 15.
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Embora Rorschach não mencione o tamanho dos borrões, ele aponta dois outros
requisitos que, em sua opinião, são essenciais para a qualidade figuracional requerida:
eles deveriam ser relativamente simples e seu arranjo no espaço da prancha deveria
obedecer a certas condições de “ritmo espacial” (Raumrhythmik) das quais a sua
simetria é a mais importante12. Ambos fatores são importantes especialmente para a
dimensão experiencial das reações do testado. Um borrão muito complicado poderia
estimular impressões e perceptos confusos e caóticos 13 e não permitiria possibilidades
suficientes para as tendências de organização e estruturação na percepção.
A simetria dos borrões, como Rorschach mencionou, facilita a “interpretação de
cenas completas”14. Eu acredito que o ponto mais significante nessas interpretações
relaciona-se com o aparecimento de figuras similares de ambos os lados do borrão,
especialmente nas pranchas I, II, III, VII, VIII, IX e X. Essas pranchas estimulam por si
mesmas perceptos humanos ou animais e oferecem a oportunidade de ver algum tipo de
relacionamento entre as duas figuras. A presença ou ausência e a qualidade de tal
relacionamento entre as duas figuras pode ser de significância diagnóstica, como pode o
fato de que alguns testados apenas se referem, em suas respostas, a uma das duas figuras
à esquerda e à direita do eixo central.
A simetria também torna possível, e muito frequentemente leva a, uma
identificação inconsciente com o borrão. Isso é um resultado do fato de que o arranjo
aproximadamente, mas nunca exatamente, simétrico dos dois lados do borrões, em
conjunção com a presença de um eixo central (ambos resultado de dobrar os borrões de
tinta para produzi-los) cria uma semelhanças com as formas orgânicas e mais
especialmente com a anatomia dos vertebrados. Muitos testados realmente percebem
uma coluna vertebral ou espinha no eixo central de alguns dos borrões.; muitos outros,
sem dar tal resposta explícita, fazem identificações inconscientes de sua própria imagem
corporal com o borrão. A qualidade específica de tais identificações frequentemente
pode ser inferida da maneira pela qual o eixo central é percebido, por si mesmo tanto
quanto em relação as partes laterais. Roland Kuhn parece supor uma tendência básica
nas pessoas em identificar-se inconscientemente com o eixo ou figura central, enquanto
que as figuras laterais são (inconscientemente) sentidas como representando o meio
ambiente. Ele relata que se um testado dá mais respostas às áreas centrais do que às
laterais do borrão, ele estará inclinado a apoiar-se mais em si mesmo; se suas respostas
às áreas laterais são mais numerosas, ele tenderá a apoiar-se mais no mundo em volta
dele15. Eu duvido que a proporção relativa das respostas axiais e laterais seja sempre um
11
Binder, H. (1932) Die Helldunkel deutungen im psychodiagnostichen Experiment von Rorschach . Zurich: Art Inst. Orell
Fuessli, pp. 30-31. Para outros aspectos experimentais de tamanho, cf. Kuhn, R. (1954) Maskendeutungen im Rorschachschen
Versuch. (2ª ed.) Basel e New York: Karger, pp. 41-42, publicado primeiro em Monatsschrift für Psychiatrie und Neurologie, 107 e
109, 1944.
12
Além do papel do ritmo espacial nas manchas na contribuição com a sua qualidade “figuracional”, a experiência
individual do testado com as dinâmicas espaciais e estruturas das várias manchas revela muitas vezes aspectos significativos de sua
vivência individual de espaço. Ver abaixo, pp.
13
As manchas variam em seus graus de simplicidade ou complexidade.
14
Op. Cit., p. 15.
15
Kuhn, op. cit., pp. 40-41. Similarmente, Booth, em um estudo comparativo de 60 pacientes sofrendo de hipertensão
arterial (V, ou tipo vascular) e 60 pacientes sofrendo artritismo ou Parkinsonismo (L, ou tipo locomotor) relata que o tipo L tendia a
dar mais respostas centradas no eixo vertical enquanto que o tipo V dava mais respostas às partes laterais do borrão. Ele descreve o
tipo L como fundamentando-se mais na iniciativa e ação individuais, na autoafirmação ( self-assertion) e como “mais preocupados
com o que eles querem fazer do que com o que lhes é dado de fora” e “mais determinados pela prontidão de seu próprio interior do
que do mundo dos objetos em seu redor”. Em contraste, o tipo V “depende primariamente das (...) condições de seu meio ambiente
como determinantes de sua conduta”. Booth considera a relação entre respostas axiais e respostas laterais e a qualidade das
respostas laterais um indicador mais básico de introversão (o tipo L) e extroversão (o tipo V) do que o tipo experiencial de
Rorschach (Erlebnistypus). Booth, G. (1946) “Organ Function and Form Perception.” Psychosom. Med., 8, 367-385, 376-377.
Tanto os estudos de Kuhn quanto os de Booth pareciam pressupor que o testado, inconscientemente, sempre tenta identificar o
centro do borrão com ele mesmo e os lados com o meio ambiente. Entretanto, eu observei muitas respostas nas quais o testado
claramente se identifica como uma área lateral enquanto que a área axial representa outro alguém: por exemplo, no estudo de
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indicador válido dessa tendências. Uma análise concreta do significado experencial do


centro e dos lados de cada borrão para cada testado e da relação do centro para os lados
parece-nos um procedimento mais promissor16.
A simetria dos borrões frequentemente torna-se o objeto de comentários e
descrições pelos testados, e é seguro supor que isso é percebido por todos os testados.
Alguns desses comentários, particularmente frequentes em pessoas obsessivo-
compulsivas, relacionam-se ao fato de que a simetria não é completamente exata; um
lado do borrão tem uma ligeira protuberância não encontrada no outro lado, ou a
luminosidade de um lado é ligeiramente diferente da do outro, etc. Essa “inexatidão” é
também verdadeira para toda natureza orgânica e para a arte (exceto para muitas
arquiteturas e ornamentos). A simetria de animais e plantas nunca á exata; um lado da
face humana, por exemplo, é sempre ligeiramente diferente do outro; um lado de uma
folha não é o mesmo que o outro. Apenas na geometria, nos cristais, e em objetos
manufaturados nós encontramos simetria exata, não em quaisquer coisas vivas. A
percepção humana de equilíbrio, visual ou qualquer outro, do qual a percepção de
simetria é uma consequência, embora não o único exemplo, não está relacionada com
pequenos desvios mas dirigida aos sentimentos conjuntos, totais, de equilíbrio ou
desequilibro. Assim, os borrões de Rorschach são percebidos como equilibrados e
simétricos. Tão logo pequenas assimetrias são notadas, a relação do observador com os
borrões sofre uma mudança. Ele não é mais receptivo ao impacto total do borrão mas o
examina criticamente com um pequeno foco, como que procurando “erros”. Alguns
testados, realmente, comentam essas assimetrias como se eles tivessem apanhado o
aplicador ou o “desenhista” dos borrões em um erro, enquanto outros podem sentir que
sua prontidão ou inteligência está sendo testada, verificando se eles descobrirão ou não
esses pequenos desvios da simetria exata.
A “inexatidão”, a falta de uniformidade dos borrões não está confinada à sua
simetria. Mas é uma qualidade significante e difusa que distingue sua forma e suas
nuances de cor e luminosidade dos produtos feitos à máquina pelo homem tanto quanto
de suas abstrações geométricas e diagramáticas. Os contornos dos borrões curvam-se e
ondulam de incontáveis maneiras diferentes, como fazem as formas orgânicas da
natureza e, em alguns aspectos, ainda mais do que os objetos naturais. Suas cores e
luminosidades se assemelham a tudo, menos às camadas uniformes da pintura aplicadas
pelo homem a objetos de sua manifatura, e a maioria dos detalhes coloridos ou
sombreados dos borrões mostram mais gradações de cor e intensidade do que, por
exemplo, uma folha, uma grama e muitos outros objetos naturais, orgânicos ou
inorgânicos. Sua forma acidental, colorido e luminosidade é uma qualidade significante,
oposto de exatidão, que é essencial para sua ambiguidade ou não-familiaridade.
Não é acidental que as qualidades gerais dos borrões descritas não se refiram a
objetos no sentido de alguma coisa existente independentemente da experiência humana
mas a objetos que são parte do mundo humano. Elas são qualidades percebidas a partir
de uma perspectiva humana, por um ser que experiencia. Portanto, elas também
evitariam a tentativa de descrevê-las em termos de uma psicologia estímulo-resposta,
como tendo tais e tais propriedades físicas ou químicas, que excitam tais e tais
processos eletro-químicos no sistema nervoso. Elas são significativas apenas quando
vistas de perspectiva do relacionamento da pessoa que experiencia o objeto

Rorschach do paciente de Oberholzer, o eixo representa o poder mágico e a força do pai, ao qual o paciente, identificado com as
partes laterais do borrão, se agarra. Rorschach, op cit. pp. 211-12. Claramente, pode também haver multiplas identificações.
16
Para esse e outros problemas concernentes ao significado de respostas axiais e laterais, ver também abaixo, pp.
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experienciado. Isto é óbvio para qualidades tais como desconhecido, não-familiar,


fantástico, pictórico. Mas aplica-se também a qualidades tais como simetria, equilíbrio,
tamanho, que têm um eixo central. Elas poderiam ser descritas parcialmente em termos
de espaço geométrico mas, em tal descrição, perderiam o significado que elas têm em
nosso contexto17. Isso também é verdade para as qualidades estruturais e outras
qualidades perceptuais que não são comuns aos dez borrões. Elas podem ser peculiares
a um único borrão ou podem estar presentes, em vários graus e configurações em vários
deles. Consideraremos agora algumas dessas qualidades peculiares aos borrões
individuais e algumas reações típicas e eles.

Qualidades Experienciais dos Borrões Individuais


Rorschach estava ciente de que as condições para respostas variam de acordo
com as diferentes qualidade dos borrões. Discute essas diferenças com termos do grau
de dificuldade de encontrar respostas aos borrões individuais, o grau de dificuldade para
respostas G, a força relativa ou maior facilidade fornecida pela própria qualidade de um
determinando estímulo para a obtenção de uma resposta de forma do que para com
respostas M, a presença ou ausência de cor e de espaço em branco. Também menciona
certas diferenças quanto ao apelo estético, por exemplo, que a prancha IV é geralmente
sentida como bela pelos sujeitos, que a prancha VIII é considerada harmoniosa em cor e
forma e a prancha IX é desarmoniosa18.
Certamente, o fato de que todos os borrões tem uma forma, de que alguns não
são coloridos, que todos mostram diferentes tipos de luminosidade e que as estruturas
dinâmicas de alguns deles, em vários graus, agem como estímulos para respostas de
movimento são as bases de suas qualidades experienciais mais importantes. A reação do
testado a essas qualidades é representada, em uma larga extensão, pelos scores dos
determinantes. Seu significado experiencial será discutido em detalhe posteriormente19.
Alguns autores, especialmente interessados na interpretação de conteúdo,
discutem a prancha IV como “a prancha do pai” e a prancha VII como a “prancha da
mãe”20. Se tais “significados” dos borrões de Rorschach forem considerados como
sendo inerentes ao estímulo objetivo do borrão ou como sendo “lidos” regularmente na
prancha pelo testado, tal suposição levará a interpretações falsas. As razões para essas
interpretações errôneas são principalmente duas: uma é a suposição de que todos os

17
Para o princípio envolvido na distinção entre qualidades geométricas, físicas ou químicas de um lado, e qualidades
experienciais do outro, cf. Straus, E. W. (1958) "Aesthesiology and Hallucinations." In May, R., Angel, E. & Ellenberger, H. F.
(Eds.), Existence. New York: Basic Books, pp.139-169.
18
Rorschach, op. cit, p. 52. Outros investigadores têm tratado desse problema mais sistematicamente; por ex.: Meer, B.
(1955), “The Relative Difficulty of the Rorschach Cards”, Journal of Projective Techniques, 19, 43-53; Baugham, E. E. (1959) “An
Experimental Analysis of the Relationship Between Stimulus Structure and Behavior on The Rorschach”, Journal of Projective
Techniques, 23, 134-183 (tratando principalmente do efeito da eliminação de nuances de sombras e tons do contorno puro, e da
reversão entre o branco e o preto); Schleifer, M. I. e Hire, A. W. (1960) “Stimulus value of Rorschach inkblots expressed as trait and
affective characteristics.” Journal of Projective Techniques, 24, 164-170 (trata da escolha entre testados de uma lista de múltipla
escolha de palavras, procurando descrever a qualidade emocional das várias manchas).
19
Schachtel, E. G. (1966) Experimental Foundations of Rorschach’s Test. Londres: Tavistock, cap. 6-10.
20
Rosen, E. “Symbolic Meanings in the Rorschach Cards: A Statistical Study”, Journal of Clinic Psychology, 7 (1951),
239-244; Brown, F. “An Exploratory Study of Dynamic Factors in the Content of The Rorschach Protocol”, Journal of Projective
Techniques, 17 (1953), 251 – 279; Sims, I. O. “An Approach to the Study of the stimulus significance of the Rorschach Inkblots”,
Journal of Projective Techniques, 24 (1960), 64-66. Richards afirma que a percepção do testado das duas figuras dominantes nas
pranchas II e III revela sua percepção inconsciente (II) e consciente (III) da relação entre seus pais; que os testados reagem à
prancha V “como a si mesmo ou seu conceito de si mesmos” e também menciona as pranchas do “pai “e da “Mãe” (IV e VII);
Richards, T. W. “Personal Significance of Rorschach Figures”, Journal of Projective Techniques, 22 (1958), pp. 97-101. Embora
esses autores não afirmem que a prancha IV e a prancha VII sejam sempre as pranchas do pai e da mãe, respectivamente, a crença
de que esse “significado” das pranchas IV e VII pode ser assumido regularmente é difundida. Em muitos anos de ensino para alunos
avançados de Rorschach, um grande número deles me disse que havia aprendido isso. Não sei até que ponto esses relatos são
confiáveis e até que ponto a necessidade do aluno de um significado fixo pode levar a uma distorção do que foi ensinado.
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testados perceberão um grande homem ou qualidades visuais tais como solidez, poder,
possivelmente uma postura agressiva, ou escuridão ameaçadora na prancha IV; a outra é
a suposição adicional de que essas qualidades serão associadas pelo testado com
sentimentos sobre seu pai (dele ou dela). Entretanto, embora qualidades como solidez
ou delicadeza possam ser vistas e frequentemente são vistas na nas pranchas IV e VII
respectivamente, elas não são vistas por todos. Duvido, por exemplo, que os sujeitos de
Rorschach que achavam a prancha IV bonita 21, ou alguns outros testados que estavam
intrigados por seu “aspecto misterioso” reagiram necessariamente a um complexo de
“pai-masculino-agressivo”, ou aquelas pessoas que dão a resposta “crianças” ou
“coelhos” ou “nuvens de trovão” à prancha VII experienciam esse borrão como
feminino ou reagem necessariamente a um complexo de sentimentos (conscientemente
ou inconscientemente) a respeito de sua mãe.
Embora encontre-se frequentemente reações de ansiedade à prancha IV, estas
podem derivar de experiências outras que não a relação do testado com seu pai. Em
muitas famílias americanas nas quais a mãe desempenha o papel dominante e o pai é a
personalidade mais fraca ou mais remota na família, a ansiedade pode realmente ter
alguma coisa a ver com a relação do testado com a mãe. Mesmo quando um homem é
visto na prancha IV e uma mulher na prancha VII, os atributos que o testado pode dar ao
homem (tais como ameaçador, desajeitado, pés grandes, braços pequenos, etc), ou à
mulher (delicada, teimosa, atraente, agressiva, etc) não se referem necessariamente à
maneira pela qual ele conscientemente percebe ou inconscientemente experiencia seu
pai ou sua mãe. Eu estou convencido que é enganador supor que qualquer conteúdo
específico possa ser atribuído a qualquer prancha particular, pois serve como base dessa
suposição a assunção de que, qualquer que seja a reação do testado, ela terá alguma
relação com esse suposto “significado” do borrão.
Ao invés disso, é mais proveitoso examinar as qualidades perceptuais distintivas
dos vários borrões e reações significantes e típicas a essas qualidades 22. A qualidade
estrutural e outras qualidades perceptuais nas quais os vários borrões diferem uns dos
outros são melhores descritas arranjando-os em volta de certos temas perceptuais, cada
um dos quais, por sua vez, pode ser pensado como se estendendo entre dois polos
opostos. Muitos desses temas estão relacionados com a estrutura de forma dos vários
borrões. Entretanto, a maioria deles tem alguma coisa a ver ao mesmo tempo com a
percepção da distribuição da massa e da expansão. Este fator não foi levado em
consideração pela literatura de Rorschach, embora desempenhe um papel em muitas
respostas de forma tanto quanto nos outros determinantes.
Um tema perceptual varia entre os polos unidade e dispersão ou fragmentação.
A unidade é um elemento importante da “qualidade figuracional” que Rorschach
considera essencial para seus borrões. A qualidade de unidade tem alguma relação, mas
não é idêntica à prontidão com que o borrão leva por si só à resposta G. Se se olha para
os borrões sem nenhuma tentativa de encontrar uma resposta à questão do teste: “o que
poderia ser isso?”, todos eles tem uma unidade; todos eles, realmente, tem uma
qualidade figuracional em um dos elementos essenciais de uma figura que é que ela

21
Rorschach, op cit., p. 52.
22
Uma exploração puramente objetiva da estrutura diferente de cada borrão foi sugerida por Rudolf Arnheim, “Perceptual
and aesthetic aspects of the movement response” Journal of personality. 19 (1951), p. 265-281. Klein e Arheim deram um exemplo
disso em uma análise da prancha I (Klein, A. and Arnheim, R. “Perceptual Analysis of a Rorschach Card”, Journal of Personality,
22 (1953), pp. 60-70. Embora sua afirmação de que o “estímulo em si mesmo é uma coisa perceptual que pode ser definida
objetivamente por forma, tamanho, proporção, orientação, cor, etc.. mensuráveis” seja bastante verdadeira, sua própria análise não
se baseia em mensurações objetivas mas muito mais naquilo que eu chamaria a perspectiva humana, e com razão.
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tenha unidade. Mas o grau de unidade, seu poder de sugestão, varia de um borrão para
outro.
Sem tentar sugerir uma escala de graus de unidade, eu diria que as pranchas I, II,
IV, V, VI, VIII e mesmo a IX23 têm considerável unidade, VII ocupa talvez uma posição
intermediária, e III e X tendem mais à dispersão. A prancha III, entretanto, tem uma
posição única no contínuo de unidade e fragmentação, por causa da separação entre o
dorso e as pernas das duas figuras humanas vulgares. Desde que a perna seja vista como
parte do corpo, como o é na resposta vulgar, a separação é desprezada ou desenfatizada
e o borrão ou pelo menos as duas figuras são usualmente vistas com um sentimento de
unidade. Quando a parte da perna vulgar não é vista como uma perna, isso é usualmente
devido à ênfase perceptual na separação. Rorschach comenta que esta percepção
provavelmente cinestética é necessária para permitir ao testado não dar importância a
essa separação24. Isso estabelece uma ligação entre a capacidade de ver as figuras como
vivas e a experiência de unidade. O sentimento de fragmentação, de fato,
frequentemente acompanha um sentimento de algum prejuízo de plena vivência.
Uma distribuição diferente resulta se não consideramos a questão de unidade
versus dispersão, mas a facilidade ou dificuldade com que os borrões levam por si
mesmos a respostas G25. Então V, I, VII, II levam por si sós, aproximadamente nessa
ordem, com relativa facilidade a respostas G, enquanto que é mais difícil encontrar G
para X, IX, III, VII, VI e IV26. As duas distribuições sobrepõem-se, especialmente nos
seus extremos. Assim, V leva por si só mais prontamente a uma resposta G e
provavelmente tem uma unidade mais solicitadora, enquanto que X é a mais dispersa e a
mais difícil para G.
As diferenças descritas entre os vários borrões são importantes para a
interpretação de protocolos de Rorschach. Uma boa resposta G a um borrão que facilita
a emissão de resposta G tem um peso diferente da de uma boa G e a um borrão que
torna difícil encontrar um G. Similarmente, o significado de uma sensibilidade do
testado à unidade ou dispersão deve ser avaliada diferentemente se ele a percebe em um
borrão com uma forte unidade inerente. Experienciar principalmente fragmentação em
um borrão fortemente unificado provavelmente denota alguma patologia, enquanto que
percebido dispersamente em X não precisa ter esse significado.
O significado de sensibilidade especial para o continuum unidade-fragmentação
é diferente do significado de G comparado com P ou p, embora tenha alguma relação
com isso. A compulsão para dar respostas G a todas as dez pranchas, algumas vezes
tantas quantas possíveis, é um fenômeno frequentemente observado. Pode denotar
ambição intelectual ou uma estreita e exata definição subjetiva da tarefa de teste que,
por sua vez, pode ser um resultado de uma atitude autoritária do testado na qual a
submissão a uma autoridade estrita, no sentido de querer sobressair-se aos olhos da
autoridade ou desejar ser igual a tal autoridade, pode predominar. Esses testados podem
sentir angústia e um sentido de frustração ou fracasso se eles não puderem viver à altura
de um objetivo tão ambicioso e inflexível. Entretanto, em alguns testados encontra-se

23
Embora Rorschach considerasse a prancha IX como carecendo de harmoniosidade tanto na cor quanto na forma, ela não
obstante tem unidade. Mas é dificil encontrar um G para ela.
24
Op. cit. p. 25.
25
G é usado no sentido de Beck: uma resposta que é dada ao borrão inteiro, também em III, que Rorschach considerava
como G mesmo se as áreas vermelhas não fossem incluídas. Desde que se considere o G cortado de Klopfer como uma resposta
global, torna-se, é claro, muito mais fácil dar respostas globais a II, III, IV e VI do que se se registrasse segundo Rorschach ou Beck.
26
Nem a classificação segundo a unidade ou dispersão do borrão, nem a de acordo com a facilidade ou dificuldade de
encontrar G baseiam-se em dados estatísticos. A primeira é baseada em uma análise perceptual dos borrões e em reações dos
testados ocasionalmente obtidas; a última em uma impressão geral baseada em experiência clínica.
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uma angústia ou inquietude qualitativamente diferente quando eles experienciam um


borrão como sendo fragmentado e sem unidade. Sua preocupação e sua sensibilidade
com relação à unidade e à falta dela não são devidas a uma ambição de encontrar G.
Essas são frequentemente pessoas que, em geral de um modo inconsciente, sentem ou
tem medo de que elas não sejam “globais”, não tenham unidade, sejam fragmentadas,
dispersem suas energias e talentos, sejam empurradas em diferentes direções por seus
conflitos, ou não sejam capazes de encontrar objetivos e dar direção a suas vidas.
Unidade, para elas, torna-se um assunto vital mais do que uma aquisição intelectual
ambiciosa; falta de unidade, uma ameaça ao núcleo de suas personalidades mais do que
um fracasso em uma tarefa designada (ou autodesignada). Elas projetam esses
sentimentos nos borrões da mesma maneira como elas podem ter uma experiência
pesada de caos e desordem em seu ambiente. Elas não estão conscientes desse processo
de projeção e usualmente também não, ou não plenamente, da temida falta de unidade
nelas mesmas. Frequentemente elas podem depender de seu meio ambiente, incluindo
seu ambiente momentâneo constituído pelos borrões de Rorschach, para provar uma
unidade que elas não sentem com certeza nelas mesmas. Nessas pessoas, a “energia para
atividades associativas” e o tipo especial de volição considerados por Rorschach como
os pré-requisitos primários da resposta G 27 podem ter sua origem não apenas em uma
certa ambição mas também em uma necessidade vital de unidade. Certamente, as duas
não são mutuamente exclusivas.
Entretanto, a necessidade descrita de unidade de maneira alguma garante a
produção de G. De fato, onde o sentimento de falta de unidade é forte, ele pode
interferir com a habilidade para produzir bons G28.
O tema de unidade tem alguma relação com dois outros temas, os de conexão
versus separação e solidez (ou ligação, “hoding together”) versus fragilidade (ou
desintegração, “falling apart”). Na “unidade”, o borrão é percebido essencialmente
como uma coisa ou cena coerente ou, em um grau menor de unidade, como uma coleção
de coisas (por ex.: as respostas “coleção de borboletas” ou “aquário” à prancha X). Na
“conexão” a unidade existe apenas em virtude de ligações entre partes diferentes ou
porque partes diferentes tocam-se umas às outras em algum ponto. Os borrões que, por
causa de sua estrutura, eliciam mais provavelmente respostas relacionadas ao tema de
conexão são VIII, X e VII; raramente I e II. Eu encontrei o tema de conexão em IV, V,
VI e IX apenas raramente; sua estrutura intrínseca não estimula a percepção desse tema.
Ocorre em III, como já discutido, com relação à separação entre os pormenores da perna
e do dorso das duas figuras humanas vulgares. VIII, X e VII tem áreas P claramente
delimitadas, todas (em X, várias) tocando-se em um ponto relativamente pequeno outras
áreas P. Alguns testados explicitamente comentam sobre a fragilidade dessas conexões
ou, menos frequentemente, sobre sua força ou eles podem inspecionar cuidadosamente
para descobrir se tudo está ou não relacionado com tudo. Na prancha VIII, elas podem
comentar que apenas uma fina linha parece ligar a área azul com a área inferior
vermelha e laranja, ou eles podem comparar esse tipo de ligação com os providos pelos
“animais” vulgares, cujos pés tocam tanto na área rosa-laranja inferior quanto na área
27
Rorschach, op. cit., p. 59.
28
Seria uma tarefa interessante para pesquisa investigar sistematicamente, com base no material clínico, a qualidade dos
vários borrões e das reações a eles com relação a (1) o grau de unidade, (2) a facilidade ou dificuldade com a qual el es eliciam
respostas G, (3) o significado diferencial da sensibilidade à unidade e fragmentação comparada com a produção de G. Obviamente,
em tal pesquisa as diferenças qualitativas importantes de diferentes G e seus significados diferentes devem ser levados em conta.
Comparar com relação ao último ponto as contribuições significativas de Albert Furrer, Der Auffassungsvorgang beim
Rorschach'schen psychodiagnostischen Versuch. Zürich: Buchdruckerei zur Alten Universität, 1930 e Roland Kuhn, “Some
Problems Concerning the Psychological Implications of Rorschach Form Interpretation Test ” in Rickers Ovsiankina, M. A. (ed.)
Rorschach Psychology. New York and London: John Wiley & Sons, 1960, pp. 319-340, 332-334; no mesmo livro também,
Hemmendinger, L. “Developmental Theory and Rorschach Method”, pp 58-79.
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cinza superior. Eles podem achar todas essas conexões não suficientemente sólidas ou –
como um testado o fez – sentir que o elo “interior” é muito fraco mas que a figura é
mantida unida pelos dois animais. Nesse caso, o testado sofria de uma falta de totalidade
nele mesmo e tentava compensar isso apoiando-se em sua família e em uma ordem
compulsiva que impôs à sua atividade, e arranjos em seu ambiente; esses deveriam
suprir uma unidade, uma estrutura estável sem a qual ele se sentia inquieto.
Similarmente, ele esperava que, fundando uma família, sua vida adquirisse uma direção,
um significado e uma unidade que faltavam. Mas sua esperança não se cumpriu e
passou a ser uma existência e uma carga para sua família. A busca de conexão,
especialmente em X, frequentemente expressa uma dependência pela ligação com
outros e um medo neurótico de separação que pode vir de um trauma original ou medo
de separação da mãe.
O tema de solidez (holding together) versus fragilidade ou precariedade, como
o tema de unidade, usualmente expressa um conceito sobre os próprios sentimentos do
testado de força ou fragilidade que podem ser projetados no ambiente em que ele vive;
pode também ter sido, precocemente em sua vida, uma experiência significante
relacionada a seus pais ou pessoas significativas e, assim, pode ter vindo colorir suas
relações posteriores com as pessoas bem como tornando-se parte de sua auto-imagem.
A prancha VII é a que mais provavelmente elicia esse tema em pessoas nas quais ele
desempenha um papel significante. Isso é devido aos estreitos elos entre o pormenor
inferior e os dois pormenores laterais imediatamente acima e os dois pormenores no
topo desses. O borrão presta-se a ser visto como um todo orgânico, por exemplo, duas
pessoas. Nesse caso, os elos estreitos são usualmente percebidos como o pescoço e
cintura da pessoa e não como particularmente frágil. Entretanto, quando os quatro P
superiores são vistos como estando colocados sobre o P inferior, ou quando cada P é
visto como estando colocados sobre o P inferior, ou quando cada P é visto como
relativamente independente dos outros, a ênfase pode (mas não precisa) transferir-se
para a fragilidade ou precariedade, por exemplo, “duas pessoas precariamente sentadas
em uma rocha” ou “quatro rochas equilibradas em cima de outra rocha”. As conexões
entre os vários P em VII ou X são também percebidas algumas vezes como frágeis ou
quebradiças.
Solidez (ou massividade, massiveness) pode também contrastar com o fato de
ser oco (hollowness) ou vazio (emptiness), especialmente em borrões com uma notável
área branca central, tais como II e VII. Quando essas áreas E são percebidas não como
fundo ou como figuras separadas mas como o oco da figura total, denota a sensibilidade
do testado ao tema sólido versus oco. Um fenômeno relacionado é o percepto que
ocorre ocasionalmente do eixo central como buraco, por ex. em VI.
O maciço, cuja percepção é mais frequentemente experienciada na prancha IV,
pode também contrastar com o delicado cuja percepção pode ser estimulada pelas
formas da prancha VII, a cor da prancha VIII, a forma e/ou cores da prancha X. Nesse
par de opostos, o valor ênfase do maciço frequentemente não está no sentido positivo de
solidez desejável, mas num tom negativo de inabilidade ou ameaça, enquanto que
delicadeza, em contraste com fragilidade, adquire um significado positivo.
A percepção de estabilidade, frequentemente relacionada com a de solidez, é
uma instância de um outro grupo de temas. O que eles tem em comum é a importância
para eles de um fato básico na percepção humana e na vida humana: o de que o homem
percebe a si próprio e aos objetos de seu meio-ambiente com referência implícita ao
campo gravitacional no qual ele vive e a seu próprio corpo e sua postura ereta com
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ênfase no eixo vertical (simbolizado pela espinha humana) e equilíbrio em volta desse
eixo. A ocorrência desses temas, também, varia não apenas de acordo com seu
significado para diferentes pessoas mas também com o grau no qual a estrutura
particular de alguns borrões está mais apta a ativar esses do que a estrutura de outros
borrões. O tema de estabilidade versus precariedade está relacionada com a percepção
de campo gravitacional e é frequentemente estimulado pela prancha VII, na qual as
pessoas são vistas por alguns como precariamente equilibradas, embora essa idéia não
ocorra para a maioria dos testados.
Outra forma pela qual o tema de estabilidade ou instabilidade ocorre é a ênfase
perceptual sobre a presença ou ausência de uma base ou fundamento sólido, firme. A
estrutura das pranchas VI, VII e IX é a mais provável particularmente para evocar esse
tema. VI e IX porque elas têm uma base sólida (o grande P inferior em VI, o P rosa
inferior em XI), VII porque ela, também, tem um grande P base mas uma base que se
apoia no chão apenas com o centro de seu bordo e curvas inferiores ligeiramente acima
do centro de ambos os lados. Ocasionalmente, encontra-se esse tema também em IV e
V. Alguns testados notam que “os pés” da figura humana na prancha IV não se apoiam
no chão mas, em relação ao P central inferior, estão no ar. Alguns deles levarão em
conta isso vendo a figura como sentada no P central inferior, com os pés pendentes,
assim fornecendo uma base, enquanto outros enfatizarão mais a falta de algo em que se
apoiar. Mesmo aqueles que vêem a figura como sentada com os pés pendentes
expressam em tal resposta seus sentimentos de que os pés estão no ar. Isso contrasta
com a percepção mais usualmente encontrada na qual a figura é vista como de pé,
caminhando ou pulando. O contraste é significante na medida em que falta aos últimos
perceptos a relação com um chão em que se apoiar, enquanto que o primeiro pode ser
devido a tal reação. É ainda mais notável quando a questão de uma base ou chão para se
apoiar aparece na prancha V, onde é rara. Ainda, eu observei em uns poucos protocolos
que o testado expressou o sentimento de que o animal ou pessoa, vista no global ou no P
central na prancha V, não tinha nada em que se apoiar 29. A preocupação perceptual com
a presença ou ausência, estabilidade ou labilidade da base usualmente denota
sentimentos de insegurança do testado que tomam a forma de relação, dúvida, medo em
relação ao fato de ele ter um chão firme para se apoiar ou se ele pode se apoiar
firmemente em seus próprios pés. Ele pode ou não estar consciente desses sentimentos.
A significação do campo gravitacional e da postura ereta do homem também se
aplica à percepção do eixo central dos borrões e sua relação com as áreas laterais30. O
eixo ou pormenor mediano (mD), é mais proeminente em alguns borrões do que em
outros, especialmente em IV, VI, VIII, X e o centro da figura mais do que a linha
central em I. Em II a linha central é bastante proeminente mas descontínua; em VII é
proeminente mas limitada ao terço inferior do borrão, enquanto que entre os dois terços
superiores há um notável espaço branco. Em III e X é menos pronunciado. Em V a
estrutura do borrão convida a resposta G (o morcego ou borboleta vulgares) mais
fortemente de que quaisquer outros borrões e onde o testado responde a essa qualidade
não há usualmente ênfase separada sobre o centro, exceto em suas projeções superiores
e inferiores (cabeça e pés, ou a “cauda” da borboleta-cauda-de-andorinha).
Assim, é de interesse quando a linha ou figura central assume um papel especial,
tanto como uma figura separada quanto em tensão dinâmica com as partes laterais da
29
Isso, é claro, é um percepto muito diverso do frequente no qual V é visto como morcego, pássaro ou borboleta voando.
30
Para alguns comentários sobre a estrutura axial e simétrica de todas as dez manchas e suas implicações, ver acima, pp.?
Dado que a frequente identificação do testado com a área axial e de seu meio com as áreas laterais foram discutidas aqui, isso não
será repetido no exame que se segue do significado das respostas axiais.
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figura G. Essas diferenças nas estruturas dos borrões afetam a frequência e significação
das respostas relacionadas com o eixo central por si mesmo tanto quanto em relação aos
lados.
Nos borrões em que o pormenor mediano ou eixo é proeminente , o testado
frequentemente identifica-se, consciente ou inconscientemente, com ele. Ele pode fazer
isso identificando sua pessoa total ou seu núcleo interior, suas – figurativas ou literais –
vértebras, isto é, seu próprio eixo central, com o mD. Se ele faz isso ou aquilo depende
parcialmente da estrutura do mD. Por exemplo, a “figura humana” central da prancha I
frequentemente leva a uma identificação da pessoa global com essa figura. Entretanto,
mesmo onde nenhuma figura humana é vista mas, por exemplo, uma coluna espinhal ou
vara, o testado pode identificar sua pessoa total com esses perceptos, algumas vezes do
modo pars-pro-toto frequente em processo primário de pensamento; ou ele pode
identificar sua coluna vertebral com o mD, enquanto que o resto do borrão pode ser
omitido ou experienciado vaga e quase nunca explicitamente como seu corpo em
qualquer lado da coluna vertebral.
Todas as vezes em que há uma razão para assumir tais identificações 31, duas
questões deveriam examinadas. Primeiro, como é a qualidade do mD percebida;
segundo, qual é a qualidade de relação entre mD e as áreas laterais do borrão.
O mD da prancha VI, por exemplo, pode ser percebido como sólido, como uma
coluna vertebral, ou sob outros aspectos análogos à estrutura vertebrada. Sua relação
com as partes laterais, consciente ou inconscientemente, pode ser o de dar apoio e
firmeza a elas, mantê-las eretas. Similarmente, na prancha I, a figura central na resposta
vulgar é vista como o corpo, as áreas laterais como as asas de uma borboleta, morcego
ou pássaro, ou algumas vezes como uma pessoa com as áreas laterais como asas, por ex.
de um anjo ou de uma estátua do tipo “vitória alada”. Nesses exemplos, também, a
figura central é realmente vista como o centro à qual foram “ligadas” asas.
Entretanto, mesmo quando o P central de I é visto como o corpo de uma pessoa,
sua relação com as áreas laterais pode diferir consideravelmente da resposta vulgar.
Pode ser percebido como pequeno, fraco, desamparado, e o P lateral como grande,
largo, poderoso, algumas vezes como fazendo algo à figura central – levando-a,
puxando-a, empurrando-a em direções opostas, ou, sem atividade explícita, como tendo
poder sobre ela. Frequentemente em tais respostas, o testado identifica a figura central
como uma criança (ele mesmo como uma criança) enquanto as figuras laterais podem
ser símbolos de pais ou de figuras paternas32.
Em outras respostas axiais, o mD pode ser visto como oco ou fraco de
preferência a sólido e forte, por exemplo, como um tubo ou como macio, ou como
indicando uma fenda ou ruptura entre as duas partes laterais onde elas não se juntam
bem. Ou pode ser visto como alguma coisa separando ou dividindo as duas partes
laterais, tais como um túnel, um vale, uma garganta ou um rio. Pode ter tanto funções de
separação quanto de união, como por exemplo, uma costura ou um zipper. Ou pode ser,
frequentemente com implicações agressivas ou destrutivas, reais como uma faca, um
punhal ou a trajetória de uma bala.
Além disso, o centro pode ser visto como amparado, protegido, envolvido ou
mesmo como oprimido, fechado em ou amparado pelos lado, de preferência a como
31
Como já mencionado, essas identificações são usualmente inconscientes. Mesmo onde há uma confusa ou clara
consciência delas, elas são quase nunca explicitamente comunicadas pelo testado.
32
Outro significado pode ser o centro como o ego fraco sob o controle de drives fortes e conflitantes. Os dois significados
não são mutuamente exclusivos.
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suportando e sendo a fonte de forças e estabilidade. A percepção de um centro macio,


vulnerável ou fraco sendo amparado por um exterior mais agressivo ou mais forte pode
representar um tipo particular de armadura defensiva na qual um aspecto inconsciente
da imagem corporal pode assemelhar-se mais à estrutura de um molusco um crustáceo
do que a um vertebrado.
Uma ênfase sobre a qualidade projetiva, defensiva, de barreira do invólucro do
corpo (pele, pelo, armadura, etc), pode ocorrer e naturalmente ocorre igualmente onde o
eixo central é percebido como vertebrado. Como já mencionado anteriormente, as
figuras laterais podem ser percebidas antes como segurando e unindo o centro do que o
centro fornecendo solidez e unidade ao todo. Ou elas podem ser vistas como
amparando-se no centro como suporte ou sendo de alguma forma dependentes dele, e o
testado pode se identificar com a sua dependência, como no caso do paciente de
Oberholzer.
Aqui eu não quero interpretar em detalhe as várias qualidades e relações do
eixo33, áreas laterais e periferia. Ao invés disso, quero mencionar brevemente alguns
outros temas relacionados às qualidades das várias manchas.
Eles podem ser designados como difusão versus não difusão; focalização versus
não focalização; suavidade, maciez, versus aspereza; linhas fluídas versus linhas
angulares; abertura versus fechamento; amparo versus opressão; agudeza versus
circularidade; completamente versus não completamente; espaço útil e liberdade de
movimento versus ajuntamento e colisão (especialmente na prancha X). Outro tema é o
de precisão versus indefinição, amorfia, o elusivo34. Todas as qualidades estruturais das
manchas (e a ênfase que recebem nas respostas do teste) mencionadas até agora
referiam-se a sua forma e estrutura. Há outras qualidades que são igualmente
significantes (ex: cor, luminosidade, textura). Por exemplo, maciez versus dureza (de
textura); aridez e umidade; suavidade (tom agradável) versus viscosidade (tom
desagradável); calor versus frio (de cor ou textura); brilho versus obscuridade 35. A
exploração fenomenológica, clínica e estatística dos vários temas perceptuais, de sua
relação com manchas específicas ou áreas das manchas e de seus significados é um
campo de pesquisa promissor e largamente inexplorado36.
Há alguns requisitos geralmente válidos e algumas regras de bolso para a
interpretação dos temas perceptuais tais como os mencionados acima. Qualquer
interpretação deveria ser feita somente no contexto do quadro global que emerge do
material de teste. Em muitas interpretações, é muito importante tentar descobrir com
qual área da mancha o testado se identifica, ou, se há identificações múltiplas, se a

33
A qualidade perceptual do eixo às vezes desempenha um papel significante nas respostas axiais de conteúdo sexual. Estas
ocorrem frequentemente nas pranchas II, VI, VII e menos frequentemente na IV, VIII e IX. Quando é visto o genital masculino, o
eixo é percebido como sendo firme, quando é visto o genital feminino o eixo é percebido como sendo aberto e macio. Isto não tem
um significado particular quando é sugerido pela estrutura axial da mancha. Mas torna-se significante quando o percepto se opõe à
estrutura essencial da mancha, por exemplo, quando genitais masculinos são percebidos no eixo interior de II ou VII, ou femininos
no P axial superior da prancha II. A interpretação de confusão de identificação sexual não é sempre correta nestes casos embora
muitas vezes possa ser. Mas esta interpretação omite o elemento significante de que a resposta pode sugerir sobre a experiência real
do testado e sua identificação com estas diferentes qualidades axiais. Deve ser lembrado ao aplicador para prestar atenção às
respostas axiais relacionadas entre si, quer seu conteúdo seja sexual ou não.
34
Essas podem ser tanto qualidades das manchas experienciadas pelos testados quanto qualidades de suas respostas, das
quais ele não é consciente. Essas duas possibilidades não se excluem mutualmente.
35
Sobre o significado da obscuridade cf. Binder, op. cit. Reações à obscuridade são estimuladas principalmente pelas
pranchas IV, V e I.
36
Loiselle e Kleinschmidt tocaram no assunto em seu artigo sobre o valor de estímulo das manchas de Rorschach. Mas a
maioria das categorias que usaram não se relacionam de modo algum ou não diretamente às qualidades estruturais das manchas
como as discutidas aqui. Várias se referem a caracterizações fisionômicas, e várias dessas tem relações apenas distantes, indiretas ou
tênues com as qualidades da mancha. Loiselle, R. H. e Kleinschmidt, A. (1963), “A Comparison of the Stimulus Value of the
Rorschach Ink Blots and Their Percepts”, Jornal of Projective Techniques, 27,191-194.
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identificação é preferivelmente consciente ou inconsciente e qual é de maior


importância na estrutura da personalidade. Como uma regra de bolso poder-se-ia
assumir que a recorrência de uma qualidade perceptual similar e de relações dinâmicas
similares indicam a importância da tendência expressa nestes perceptos. Similarmente,
uma sensibilidade para qualidades estruturais muito pequenas ou outras qualidades de
mancha é frequentemente mais significante que as reações mais comuns a qualidades
óbvias. De particular significância é a espécie de originalidade que reverte uma
qualidade da mancha comumente ou frequentemente percebida. Tal percepto opõe-se à
estrutura essencial da mancha. Por exemplo, a prancha V é provavelmente a prancha
com maior unidade, oferecendo o G mais sugestivo e facilmente visto, nas respostas
vulgares de morcego, borboleta ou pássaro. Normalmente não há articulação especial do
eixo central que, nessas respostas, é assumido implicitamente como sendo o corpo da
criadora voadora, as vezes com menção explícita de antena ou orelhas em cima e pernas
ou cauda na parte baixa central. Se as asas são vistas como disproporcialmente grandes,
o percepto se move na direção de uma unidade menor, e, possivelmente, uma pressão
implícita no eixo central que se torna explícita se as asas são percebidas como pesadas
demais para o corpo. Se, todavia, essa mancha é vista como dividida ao meio, ou se
despedaçando, isso vai contra a estrutura da mancha, indicando assim uma tendência
muito forte e significativa no testado de se ver como dilacerado ou despedaçado e não
encontrando um suporte central em si mesmo. Por isso, uma mulher esquizofrênica
border-line deu a resposta: “Isto só me sugere uma impressão de desintegração, de se
partir em dois, os pés se dobrando sob o peso” e acrescentou no inquérito: “Não um
pássaro, nada que possa voar, talvez um coelho. Não tenho uma impressão de asas. Algo
que sai do corpo e o divide.”

Bibliografia

Schachtel, Ernest G. – Experiential foundations of Rorschach’s test. Cap. III - New


York, London, 1966.

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