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Jorge de Alardo
2 - A R~lllÇOO Francuo t:1" Q1'e.1'14o; N(fllaS Perspufiwu
JacqucsSoli
3 - /lllroduç/UJ à /lisr6ria <WI DtJcobrÍlnoltos Porfll.gwues
LW..dcAlbuqucrq~
4 - MEscolll.'11/ist6rictu
GuyRourdée HtTViMlrtin
S - Owro e MoedllMlfisl6ria
Pierre Vilar
6 - EmBu.radllPa.uMo
Lewis R.Binford
7 - /lisl6riatúuRelaç6uDip"""6lico.rt•tlrt Por1MgQJeosEs/OllosUllidM
EM BUSCA DO PASSADO
A DESCODIFICAÇÃO
DO REGISTO ARQUEOLÓGICO
PUBLICAÇÕES EUROPA-AMERICA
Título original: ln Pursuil ofthe Past
Capa:estúdiosP.E.A.
PUBUCAÇÔESEUROPA-AMt:RICA,LDA.
Apanado8
2726 MEM MARTINS CODEX
PORTUGAL
Ediçãon.': 15801315505
Este livro é dedicado à numória de François Bordes. Relembra as muitas
Execuçãottcnica:
horas de discussões espirituosas e de enriquecinunto mútuo. A nossa discipli-
Grifica Europam, Lda.,
na perdeu uma grande figura, e eu perdi um grande amigo. Tenho muita pena
Mira-Sintra- Mem Martins
de não poder ouvir a resposta de Bordes a este livro.
ÍNDICE
Prólogo .................................. .
....
13
Nota redactorial 16
Agradecimentos do autor 18
Prefácio ........................ . 21
PARTE !
PARTE II
-Que significa?• 97
CAPÍTULO rv -o o~AF10 oo M oUST1ERENsE... ... .. 101 A estruturação dos sítios: combinar os modelos.. 215
No interior da casa de Palangana .. 219
O período das •relíquias e monumentos,..... 102 No exterior de uma casa esquimó ........................... 227
O período dos •artefactos e conjuntos» .. 108 Condicionamentos ao uso do espaço: calor e luz. . 229
A árvore da vida............................................... . 111 Variação na duração das tarefas... ................ .................... 231
O presente: um conflito de pontos de vista.. 117 Consequências do trabalho com grandes quantidades... 231
Estratégias de limpeza ..................................................... 234
CAPÍTULO V - UMA ODISSEIA ARQUEOLÓGICA·······... . 120 Construção de uma teoria da estruturação dos sítios .. 235
~:Í~:l~~::~~!i~ºr::C~s':o~~~:r~~~~z~/d~~~o;~;~~~~ ~Zt?::i~~1:r::~~~
de uma forma lenta, árdua e gradual, que esse corpus tem oomeçado a serefec-
tivamente produzido. O ponto de partida da nova arqueologia era, portanto,
pelo contrário, uma franca constatação de que não há nenhuma forma fácil e
pronta de adquirir um conhecimento válido do passado. Tal como Binford o de-
monstra muito clar amente, tudo o que sabemos acerca do passado remoto da
tes ideias de uma das autoridades reconhecidas da nossa disciplina foi uma
recompensa mais do que suficiente.
. Talvez não ~j~ i!"Util relacionar aqui os diferentes capítulos com as oca-
siões em que fo~ ongmalmente apresentado o material em que se baseiam. O
capítulo t baseia-se em três palestras transmitida_ pela BBC em Abril de
1981 e.publicadas no Tlu Listener (em 9, 16 e 23 de Abril de 1981). O capitulo
NOTAREDACTORIAL u baseia-se em duas aulas sobre o Pal.?olítico dadas na Universidade deSou-
tha~pton a a~unos dos primeiros anos. O terceiro e quarto capítulos foram
escritos especialmente para este livro; o terceiro utifüa observações resultan-
Poder á se r útil ao leito r saber algo sobre a forma como este livro foi escrito tes ~a visita de Binford à África do Sul durante o Verão de 1981. O capítulo
e sobre a nossa colaboração neue processo. Durante a sua visita à Europa, v é 1_nte~almente baseado, co.m ligeiras alterações, na transcrição de um
sem mário apresentado no Instituto de Albert Egges va n GitTen de PTé e Pro-
entr e Outubro de 1980 e Janeiro de 1981, o Prof. Binford falou acerca dos seus
to--História ~a U~iversidade de Amsterdão. Uma aula dada no Departamen-
trabalhos, quer passados quer prese ntes, a uma gama diversificada de audi- to de Pré-Históna e Arqueologia da Unive rsidade de Sheffield constitui o
tórios, desde o grande público até ao pequeno grupo de especialistas. Também núclt? em tomo do qual foi redi~doo capítulo VJ, enquanto o capítulovn é uma
deu aulas a estudantes dos primeiros anos da universidade, teve sess6es de compilação de palestras proferidas para o grande público em Sheffield e Sou-
discussão com estudantes de pó&-gTaduação e professores universitários, e thampton e de uma confer~ nci~ na Prehistoric Society de Londres. O capitu -
confer enciou perante grandes auditórios ligados à arqu eologia. rui reacções lo vm res~ltou de_um sem má no na London School of Economics, integrado
foram em todos os casos muito entusiásticas. Para os que tinham tido a sorte ~um:8 série orga n.izada por Ernest Gellner e John Hall e intitulada • Patterns
de serem seus alunos, esta calorosa recepção a Binford não constituiu uma m H11tory-, mas .inclui também parle do debate que se seguiu ao sem inário
surpresa: ele tem uma grande capacidade de fazer reviver o passado, de ir à de Amsterdão. ~1nalmente, o capítulo 1x baseia-se numa gravação feita du-
raiz das controvéf.sias mais importantes, e de sugerir abordagens originais ran~ uma aula informal com um grupo de alunos dos primeiros anos da Un i-
aos problemas metodológicos e teóricos da arqueologia. ve rsidade de Southampton.
Foi graças à presciência de Colin Renfrew, então professor na Universi- O livro daqui resultante demonstr a claramente os vastos interesses do
dade de Southampton (a principal instituição anfitriã durante a estada de autor. Há aqui q~alquer coisa para todos os gostos a rqueológicos, desde a vi-
Binford), que muitas da9 palestras foram gravadas na esperança de mais da dos nossos mais remotos antepassados, passando pelas origens da agricul-
tarde virem a ser transcritas para livro. Estas gravações eram, no entanto, tura, até aos problemas do d~senvolvimento da civilização, ou daquilo a que
demasiado numerosas para se rem publicadas sem um grande esforço de os a~qu~ logos pr;ferem. des ignar por •sociedades comp\exaS». Além disso,
r edacção, tarefa que os compromissos de Binford não lhe permitiram realizar Lewis Bmford salienta ainda que a matéria de facto em que se baseia o estu-
integralmente. Como o conhecíamos bem, éramos entusiastas do seu traba· do ~o no s~ passado, ou seja, o r egisto arqueológico, tem uma complexidade
lho e do seu ponto de vista sobre a arqueologia, e tínhamos ouvido a maior mu1toma1ordoquecorrentementeseadmite.Elecompara estestestemunhos
parte das conferências que ele tinha feito em Inglaterra, pediram-nos que a uma língua antiga que ainda não tivesse sido decifrada. O objectivo deste
colaborássemos na formidável ta refa que consistia na transformação das gra- livro, e, aliás, d~ quase toda a in vestigação de Binford, tanto passada como
vações de mais de duas dúzias de palestras feitas em diversas ocasiões num presente, é precisamente o de procurar formas de decifrar essa língua.
livro de interesse tanto para o grande pUblico e os alunos dos primeiros anos
da universidade como para os especialistas. A nossa tarefa inicial foi gravar John F. Clurry
as palestras, em seguida transcrevê-las e estabelecer um formato coerente Robin Torrellll
para o livro, compilando um texto a partir de excertos das transcrições. E"e
pr imeiro esboço foi enviado ao autor que o levou consigo para a África do Sul,
no Verão de 1981, onde o trabalhou, alterando vários capítulos (que foram
aumentados), e acrescentando introduções às diversas parteS, dois novos
capítulos, notas de pé de página, e a& ilustrações. Foi a partir dessa versão me-
lhor ada que preparámos a versão final. A nossa tarefa principal foi manter a
coerência da redacção e, quando necessário, simplificar tanto quanto possível
as partes tomadas algo inacessíveis pelo famoso estilo de prosa de Binford
(problema que raramente ocorre nas suas palestras ao vivo). Este trabalho
obrigou a um esforço muito maior do que o inicialmente previsto, mas o pra·
zer de rever palavra a palavra, no sentido literal da expressão, as mais recen-
EMBUSCADOPA.SSADO
lante, que tratou da via~m e de tudo o resto, foi John Parkington. Agrade-
ço-lhe por me te r proporei nado uma das experiências mais interessantes da
minha carreira profissional.
~qui em Albuquerque, muitas pessoas foram importantes na feitura des-
te hvro. Tenho de mencionar os funcionários do Centro de Instrução de Meios
de Comunicação da Universidade do Novo México, que se tornaram bons ami-
AGRADECIMENTOS DO AUTOR gos durante o processo de produção de cópias fotográficas dos meus desenhos
e que füeram óptimas cópias dos meus diapositivos e negativos. O Depart.a'.
mentod~Ant.ropolo~adaUniversidadedoNovoMéxicoapoiou,comosempre
EstelivroconstituiumadiscussAodeAmbitomuikaJargadoacercadonos- faz, a mmha investigarão, nomeadamente subsidiando grande parte do tra-
so conhecimento do pass'l.do e dos nossos esforços para aprender algo sobre balho de fol?grafia e pagando a um assistente que me ajudou na preparação
esse passado. Como tal, representa algo das experiências por mim ~vidas do manuscnto e noutras pesquisas acessórias. Martha Graham e Signa Lar-
durante uma carreira Cle etnógrafo, de estudioso do comportamento ammal e r~ldeforam as dactiló_grafas queti-abalharam longa e duramente para produ-
de a;·queólogo. Não posso por isw deixar de men.cionar todas as pessoas que zir um bom manuscrito.
tornaram possível o meu trabalho e que me encorajaram pelo caminho. Este Vá!1a& pessoas contribuíram com fotografias para este livro: CharlesAms-
livro resulta especificamente da insistência de Colin Renfrew, Robin Tor- den, J1m Chisholm, Irven DeVore, Pat Draper, Diane Gifford, Robe rt Hard,
rence e John ~herry. Mais do que ninguém, foram estas três pes_soas que me Susan Ken.t, John Lan~am, John Parkington, Edward Santry, Olga Sofrer e
convence~am a gravar as minhas palestras na Europa e. a cons1derá-~as de Noi:man 1'indale. A 0~1gem de todas as fotografias não tiradas por mim foi
forma séria como matéria para um livro; todos eles me apoiaram, encor&,Jaram devidamente referenciada. Agradeço a estas pessoas porque a sua contribui·
e insistiram para que este livro fosse feito. Nenhum agradecimento será su- çãotornoll: este livro melho~. ly~ Ellen Morria desenhou as reconstituições do
ficiente para lhes exprimir o meu reconhe~mento. . ~odo. de '?da do hom~m pnm1t1vo (figs. 2, 5 e 16), bem como a reconstituição
Durante a minha estada na Europa, Cohn Renfrew, Chve Gamble e Klavs 1ma1;mat1va do ..Jardim do Paraíso» (fig. 128). Apreciei imenso o seu talento
Randsborg orientaram-me, corrigiram-me e educaram-me acerca do !spJ- e a sua ajuda.
rito intelectual europeu. Por isso estou muito agradecido a estes bons amigos. Finalmente, quero salientar o papel import.ante que Robi n Torrence e
A visita à Europa também me proporcionou um agTadável. almoço_ C?m De~i J ohn Cherry tivera~ n_a produção deste livro. Foram responsáveis pelas gra-
se e François Bordes na véspera do Ano Novo de 1980. Foi ':1m~ v1s1ta muito vações e pela versão m1c1al das transcrições para papel. Depois de eu te r tra-
&gTadável, mas, tristemente, foi a última vez que vi Franl'.°11 vivo. Apadeço balhado as transcr~ç6es, reviram uma vez mais o meu trabalho, e das suassu-
aos meus anfitriões europeus a quem se deve o ter-me sido concedida esta gesl.6es de reorganização resultou um produto melhor. Não existem palavras
oportunidade. . adequadas para exprimir a minha gratidão para com Robin e John.
Como é referido no prefácio, menciono neste livro uma qua~bdade razo~-
~~~~~:v~~i~~~~~rC:~1~~s~~~:: i;;r;;::an~ i~id~:l~;=~a~=~ã~s~~ Lewis R. Binford
1981 (resultante de um convite para fazer uma palestra na Umvers1dade_d~
Cidade do Cabo). Durante a minha estada tive a boa sorte de fazer uma v1s1-
ta à zona do rio Nossob, no Norte do pais, onde, por pouco tempo, troquei im-
pressões com os naturalistas Gus e Margie Mills, que estão presentemente a
estudar as hienas. Tive o privilégio de visitar o Dr. C. K. Brain e também as
Dr... Elizabeth Voigt e Elizabeth Vrba (todos do Museu do Transval), e pude
por isso ir ver as estações de Kromdraai, Sterkfontein e Swartkrans, tendo a
apresentação de cada sitio sido feita por eles, os guias mais conhecedores que
seria possível encontrar. Richard Klein e o peno ai do Museu Sul-Afr ic~no d~
Cidade do Cabo perm itiram-me realizar o estudo de colecções faun!st1c~s ai
conservadas, incluindo os materiais da importante estação de Klas1es Ri ver
Mouth (cujos resultados pretendo ap resentar em breve). Quero agradecer
também à Sr.• Shaw, do MuseuSu1-Africano, por me te r mostrado as colec-
ções de fotografias e de material etnográfico.
Também tem de ficar express;; neste livro o e.sforço colectivo de _n':'mero-
saspessoasque tornaram possível a minha ida aAfrica. A pessoa ma1s 1mpor-
PREFÁCIO
•morfogeneticistafl>o, etc.). Este livro é uma espécie de tentativa para sugerir espera r a investigação necessária à satisíação dos seus objectivos arqueoló-
formas de os dois tipos se unificarem para da r origem a uma genuína ciência gicos específicos, mesmo que as ciências auxilia res possam dar a 1ua ajuda e
da arqueologia. Não quero dar a entender que estes dois tipos sejam um exclu- mesmo, de vez em qua ndo, providenciar •prendas- valiosaslº.
sivo do Velho Mundo, porque eles também existem na América do Norte. Mas Penso que muitos arqueólogos estão conscientes de que o grau de fiabili-
aí o contraste é mais entre o •homem do t rabalho de campo duro-, que sabe dade de uma inferência sobre o passado só pode ser tão grande quanto os
quão fortes são as bebidas alcoólicas que se podem encontrar nos diversos conhecimentos em que essa iníerência se baseia. Sabemos há já bastante
bares do México ou do Dakota do Sul, e o •teórico" que, pese embora a falta de tempo que podemos ter mais c~;mfiança no conhecimento que te mos sobre
métodos seguros para a obtenção de respost.u, está mais interessado • no alguns íenómenos que no que temos sobre outros. Christopher Hawkes'' reco-
significadodetudoist.o>o.(Aindabemqueexiste menos•machismo•naarqueo- nheceu-o implicitamente quando em 1954 propôs os seus •patamares de fia-
logia no Velho Mundo: tanto os especialistas científicos como os filó sofos do bilidade•: para os domínios onde os conhecimentos e a compreensão e ram
social estão mais interessados nas questões teóricas do que muitos dos considerados relativamente seguros, a iníerência era considerada relativa-
·homens do trabalho de campo- do Novo Mundo.) mente íácil.
O ponto de vista da •arqueologia baseada nas ciências naturais,,, tão A existência de um elo básico que liga a •arqueologia t radicional• à chama-
comum na Grã-Bretanha, vê o desenvolvimento de métodos de inferência da • nova arqueologia• ficou bem demonstrada numa palestra a que tive o pri-
como fundamentalmente dependente de outras ciências. Há uma êníase na vilégio de assisti r quando estive em Southampton, proíerida pelo distinto
arqueozoologia, na geologia ou noutras •disciplinas auxiliares da arqueolo- arqueólogo M. J. O'Kelly, que tanto tem contribu ído para a escavação e com-
gia•. Num certo sentido, trata-se de uma abo rdage m sólida: é de íacto possí- preensão do importante sftio a rqueológico de Newgrange, na Irlanda' 2. O Pro-
vel importar teorias e explicaç6es originalmente formuladas no contexto de f. O'Kelly comprazia-se em discutir como é que a enorme estrutura megalí-
~~:!ái!.cl,1~n0a::~~~~ ~;~~~~~~~::k~:;:~:Sª;;'~~~;~!~~~~~s~:;ie~~ tica de Newgrange teria sido construida, qual teria sido a sua forma durante
o período em que foi utilizada, e até quais os aco ntecimentos que podiam te r
iníerências assim obtidas não se aplicam ou não são Uteis à solução dos pro- modificado o registo arqueológico de modo a produzir a forma observada
blemas que enfrentamos como arqueólogos. O resultado tem sido o desenvol- durante a escavação. Todas estas iníerências se tornavam convincentes pela
vime nto progressivo de pequenas subdiscip \inas técnicas, que tratam os ves- ligação da arqueologia aos princípios da fisica, da mecânica e de outras dis-
tígios a rqu eológicos dentro dos seus parâmetros próprios, sem que isso con- ciplinas relacio nadas com a engenharia aplicada. No entanto, era grande a
tribua para o desenvolvimento da a rqueologia propriamente dita. Nestas sua relutância em discutir a natureza da sociedade em cujo contexto essa
circunstâncias, os vestígios arqueológjcos acabam por ser postos ao serviço estrutura havia funcionado. Porquê esta diferença de atitude? A resposta
dos objectivos das outras disciplinas. E o que acontece, por exemplo, quando reside provavelme nte em que não há princípios ou teo rias seguras sobre a cul-
a diversificação da reprodução nos bovinos, nos ovinos e nos caprinos domés- tu ra e a sociedade a que o Prof. O'Kelly pudesse ter recorrido para justificar
ticos é estudada em termos puramente zoológicos, e depois o arqueólogo tem inferências nestes domínios a partir das observações por si íeitas. O que quero
dificuldade em procurar um contexto onde o trabalho do arqueozoólogo pos- dizer com isto é que 01 arqueólogos não podem esperar que sejam as outras dis-
sa ser utilidvel no contexto dos seus próprios estudos. ciplinas a desenvol ver os princípios necessários à realização de iníerê ncias
Foi exs.elamente esta conclusão que me levou aos estudos íaunísticos e a seguras sobre o passado. Têm de ser eles próprios a desenvolver a arqueolo-
acabar por publica r os meus livros Nunamiut Ethnoarchaeology' e&rus'. gia como ciência.
Verifiquei que os outros cientistas nunca far iam a investigação necessária ao As lácticas dos filósofos do social representam o extremo oposto desta ati-
relacionamento dos restos íaunísticos com a interp retação das sociedades hu- tude13. Os defensores dos diversos pontos de vista - marxistas, e1truturalis-
manas do passado. Na melhor das hipóteses, esses cientistas poderiam desen- ta1, materialistas, idealistas, etc. - estAo convencidos de que a sua própria
volver técnicas para a interpretação das populações antigas de animais', mS!I, visão do mundo lhes pennite tomá-lo compreensível e inteligível". Utilizam
infelizmente, na ausência de um conhecimento sofisti cado dos processos de
formação do registo arqueológico, não podemos deixar de ter muitas dúvidas
ace rca das suas possibilidades de êxito' . Só dos próprios arqueológt.s se pode ~ ~b'.~rf.~viment.oda dataçlopolondi<lcarbono.
"Ver O'KcUy,1968,1982,eVan Wijngaudco-Balr.lr.er,1974.
..;;.:=:!·:.."::d.·~::i.:~!'.:~c:::..'t~':'-=~:rui::.-:::1:::
'Por exemplo:ten\.at a rooon 11.it~ioda e.tn.mll'lod• man•daotigi,..,] no que re1peit.al
idade ell011exoapartlrdoo011-encont.radosem1flÕOltetidcric;..il,oua.-ol\llt.it11içlodo ni).
:~?!~~a.fur1;:~~~ i:~:::·~~::!&E~i~~~~
mcrodeanim•l1viV011repre11ent.ad011pOt°"'"°"'encont.-•dooem1ftiolde funçlo~n hecid&. 9
1 Ver, Biofonl, 1981~, pp.69-72 e ~78-479, pua uma crll.ica da utilluçlodoe-t.im1t.iv•
doNMI (oú""'ro mfnlmodeindivldU011).
LEWISR. BIHFORD EMBUSCA.DOPJUSADO
frequentem ente o registo arqueológico para avançare~ o seu ponto de. vista tual . Trata-se de um procedimento que, no fundo, se reduz a um simples exer-
através daquilo a que eu chamo •argumentos acomodabvospQst-hoc•: isto é, cício na falácia da afirmação do consequente. Apesar disso, é coisa que se vê
interpretam o passado como •sendo conhecido• em termos coerentes com os acontecer com frequência entre os po\emizadores de orientação filosófica, ao
pressupostos da sua filosofia espedfica. Mas é frequente estes argumentos contrário do que sucede entre aqueles que lutam pelo crescimento da ciência
tomaremaformadefaláciassilogl"sticas.Estepontopodeseradequadamente arqueológica.
exemplificado através de uma das experiências por que.passei em I ngla,te rra. Estes falsos s ilogismos são, porém, apenas uma das várias lácticas duvi-
Tendo aceitado um convite para falar em Cambndge, apresentei uma dosas comummente utilizadaspelos•filósofog... É frequente, por exemplo, que
pequena introdução histórica às ideias metodológicas posteriormente publi- advoguem a utilização de uma linguagem observacional que, se usada de for-
cadas no meu liVTO Bones 1G. Seguiu-se uma sessão de debate em que os pre- ma consistente, tornará o mundo compr eensível nos termos dessa perspecti-
sentes eram, na sua maioria, discípulos de Jan Hodder. E ste •debate• co~e va filosófica particular. Esta prática é evidentemente tautológica, mas o pro-
çou comdoisalunosaleremtrabalhospreviamenteprepa radose mqueac1en- blemade fundoéqueas lácticasdos filósofos docomportamento social nãos.Ao
eia, a arqueologia e os meus próprios trabalhos eram acusados de uma longa cientificas. Foi em oposição a estes métodos que a epistemologia cientifica
lista de deficiências e delitos intelectuais, tanto leves como graves(porexem- nasceu como um modo de avaliar ideias através de descrições •objectivas• da
plo, fui informado por Hodder de que umas das deficiências graves no me~ tra- realidade 17• Este liVTo é sob re a forma como podemos dar sentido à experiên-
balho sobre os Nu namiut era o facto de eu não ter perguntado aos esquimós cia arqueológica, e sobre a forma como, po r sua vez, temos utilizado e conti-
qual era a sua atitude em relação ao lixo!'1). Depois de ~uvi r duran~ m_uito nuamos a utilizar essas experiências, convertendo-as em afirmações com
tempo, chegou a minha vez de responder ao desafio óbVJo: •Ü que diz a isto, sentido acerca do passado, tanto para o conhecermos como para podermos
Prof. Binford?• Que poderia eu dizer? A imp\icaçll.o era dara: eu fora compla- avaliar as nossas próprias ideias a seu respeito. Seja como for, filosofia sem
cente, ou ai.é simpatizara, com muitas das deficiências do pensamento ciência é simplesmente cultura, e ciência sem filosofia não passa de conven-
a rqueológico que tinham sido citadas. Tentei sugerir que tal~ez algumas das ção estéril. Temos, então, de _integrar as duas, porque só assim poder emos
acusações tivesse m sido expostas de forma falsa, que nada tinham a ve r com criar uma disciplina produtiva, capaz de contribuir para o crescimento
omeu trabalho, ou que eram simplesmente err:idaseençanadoras. Estes pro- acumulativo do co nhecimento e do saber.
testos foram ridicularizados como sendo, obviamente, mcorrectos, ou então
um dedo acusado r era apontado contra o facto de eu ter aceitado que algumas
das posições criticadas eram na realidade deficientes. .
Este incidente ocorrido em Cambridge é um exemplo do tipo de argumen-
taçll.o comummente utilizado pelos filósofos do social. Primeiro pergunta-se
à vítima quando é que vai deixar de bater na esposa. Ele responde que, na rea-
lidade, não bate na esposa. No entanto, conccrda com os acusadores em que
• não• é de facto correct.o que se bata na esposa. Infelizmente, estas discussões
estéreis raramente resultam em esclarecimento ou desenvolvimento intelec-
11
~{noprelol.
EMBUSCA.DOl'llSSADO
dificadooque deitou fora como modo de comunicar com a1guém no futuro. Cla- nil.oimaginamqueasrelaçõesqueobservamentreascoisastenhamumsigni-
ro que isto não quer di:i:er que o homem não usa coisas materiais para comu- ficado que dispense explicação. Passam o tempo empenhados em •da"' sen-
nica r.As roupasejóiasque utilizamos revelam muitode nóspróprios, induin- tido a essas observações, e depois em a vai iar, na prática, até que ponto as auas
do o nosso estatuto social. Por eitemplo, podemos saber se alguém é policia ou interpretações são realmente úteis. É seguramente esta a posição em que se
bombeiro através da farda que veste, a qual transmite uma infonnação espe- encontra o arqueólogo: dar significado aos factos arqueológicoa (contempo rA·
cífica acerca do seu trabalho. Não há dúvida que os objectos materiais trans- neos) que observa, e depois tenta r ava ljar quão próitima da realidade é a ima-
mitem informaçõescodificadas, masesaas infonnaçõesraramentesAoaltera- gem do passado assim prodw:ida. E po r esta razão que tenho sempre
das com propósitos fraudulentos. O arqueólogo trabalha com materiais muito defendido que a arqueologia deveria adopt.ar os métodos das ciências natu-
diferentes do historiador, pelo menos no que diz respeito aos sistemas simbó- rais1, po rque sAo as únicas té<:nicas que conheço que podem ajudar o arqueó-
licos e de comunicação utilizados pelo homem. logo a resolver o seu dilema específico e peculiar, isto é, o facto de apenas ter
Alguns historiadores ~m defendido que o melhor método de fazer desco- ao seu dispor observações contemporâneas acerca de coisas materiais, cajas
bertas sobre o passado é a empatia1, isto é, imaginar a sacções ou circunst.An- ca usassAoinacessive1sàobservação.
ciasque teriam produ:i:idoos resultados observados. Suponhamos, por exem- Que implicações tem esta conclusão para os procedimentos por nós segui-
plo, que encontrei uma lareira rodeada de pedras, com cinz.as no centro e ossos dosquandoescavamosum sítio?Seráquetemosde nospreocuparcom osigni-
e pedraa a um lado. Faria então a mim pr óprio a seguinte pergunta: «Sendo ficado dos vestígios arqueológicos antes de os escavar? Se sim, será que isso
um homem, e estando sentado a uma lareir a, qu~ poderia eu ter feito que iníluencia o resultado das escavações? Certamente, o ar<iueólogo, como des-
pudesse ter dado origem às coisas que agora vejo?• E bem possível que isso me cobr idor , tem de se preocupar com estas questões. Não teríamos referênciaa
per mitiHe fo rmar um conjunto de ideias acerca de como era o passado. Mas nenh u mas sobre o passado se nos dedicássemos inteiramente ao desenvolvi-
obter essas ideias não passa de um primeiro passo, em que utili:i:amos a nos· mentodeuma melodologiaperfeita,e nãorecolhêssemos nenhunsdadosa seu
sa imaginação e o saber que acumulámos acerca da relação entre o compo r. respeito. Por outro lado, se tivéssemos um registo arqueológico completo, mas
lamento humano e os objectos materiais. Muito mais importante é a form a nenhum a forma de lhe poder atribuir significado, não estaríamos mais perto
co mo «avaliamos- essas ideias. Como sabemos que não existem outras ci r- de saber algo sobre o passado. Como é óbvio, estas duas facetas da investiga-
cu nstancias ocorridas no passado que pudessem igualmente ter sido respon· ção arqueológica têm de se desenvolver em conjunto, mas isso é mais fácil de
sáveis pelos padrões que hoje observamos no registo arqueológico? Sem um a di:i:er que de fazer. Pode acontecer que escavemos demasiado, sem te r inves-
metodologia par a avaliar as ideias, ficamos na situação de termos tot.a l libe r· tigado o suficiente para que nos seja possível interp retar aqui lo que observa-
dade para inventar muitas histórias sobr e o passado, sem que tenhamos, mos; ou que façamos demasiada pesquisa metodo lógica e, quando acabamos
porém, qualquer forma de saber se essas histórias são co rrectas. por chegar à fase da escavação, venhamos a concluir que, afinal, o sítio não
Será que a melhor maneira de lidar com este desafio é, como alguns ar- contém as coisas que precisávamos de observar. Por vezes os arqueólogos
queólogos têm sugerido, seguir o caminho que outros percorreram antes de dizem: ·Bem, 'X' é u m home m de teo ria• ou •'Y' é um homem de campo•, ou
nós, adoptando, por exemplo, os métodos das ciências sociais? É uma suges- critica m ain da o facto de que ·fulano de tal escava muitos sítios e fá-lo bem,
tão que parece sedutora. Mas devemos recordar que as ciências sociais se mas não os interpreta como deve sef'I. A moral da histór ia é que a arqueolo-
deaenvolve ramparatrataremdesituaçõesdinãmicascomosãoasinteracçôet gia necessita de um crescimento equilibrado, em que o desenvolvimento de
que se verificam num contexto social. Os arqueólogos, como já salientei, não técnicas que nos pe rmitam fazer inferências correctas sobre o passado se faça
observam factos sociais; observam factos materiais contemporâneos e, por- em conjugação com a realização das observações a rqueológicas que nos forne-
tanto, no sentido prático, os métodos das ciências sociais não são ap ropriado• cem os materiais para uma interpretação. Penso que não se pode escavar bem
à arqueologia. A a rqueologia tem de fazer face à naturez.a específica dos seu• um sítio sem sabe r que potencial para a realização de inferências acerca do
dados e ao carácter único do desafio que enfrenta-como chegar ao panado passado nos ofe recem os dados obtidos nessa escavação. Por exemplo, se eu
a partir do presente. O que é necessário é, pois, uma ciência do registo arqueo- nlo soubesse da existência do método de datação pelo radiocarbonoSteria pou-
lógico, una ciência que, em ve:i: de os ignorar, trate os problemas específieo1 cu ruões para recolher os carvões enco ntrados na escavação. É só porq<.1e sei
com que deparamos quando utili:i:amosesse registo para aprender algo sobn que as am ostras não contaminadas de carvões podem fornece r uma medida
o panado. independente do tempo decor rido que compreendo a necessidade de recolher
Se não somos historiadores nem sociólogos, que tal utilizar mos os métodot enea ma te riais e de manter registos precisos sobre a sua recolha. Resumin-
dasciênciasdaNatureia?Estapareceser umasugestãobast.a ntemaisra:i:oj. do, as boas té<: nicas de escavação dependem de estarmos cientes das possibi-
vel, porque entre os investigado res das ciências natu rais não se alimenta •
expectativa de os dados •falarem por si•. Os fisicos, químicos, biólogos, eU:.,
'Ver,Bi nford,l~.
ml~,pt9;' ~ m• deocriçlodH técnicu de dat.açlo pelo nuliocarbono, verMichel1, 1973, e Fl e·
'lü.wkei.1980,porexemplo. 6
U:WISR.BINFORI> E.J,IBUSCADOl'ASSADO
!idades existentes de realização de inferências sobre o passado. Mas são as O r egisto arqueológico é, como já assinalei, um fenómeno côntemporAneo
"
próprias téenica.s de escavação que nos têm também continuamente levado a e as observações que fazemoa ace rca dele não são conatatações "hiatóricaa-'.
fazer uma investigação metodológica cada vez mais divenificada, porque Precisamos de jazidas que preservem coisas do passado: mas precisamos
estamos sempre a encontrar coisas que não com?reendemos e acen:a das igualmente de ferramentas teóricaB para dar sentido a essas coisas quando as
quais temos curiosidade, coisas que requerem uma pesquisa mais aprofunda- encontramos. Identificá-las com precisão e reconhecer o contexto em que se
da antes de as podermos usar para fazer inferências sobre o passado. integravam no comportamento humano do passado depende de um tipo de in-
A arqueologia é, então, uma disciplina interactiva, que não pode evoluir ves~gação q~e não .pode aer feita a partir d~ registo arqueológico. Isto é, se
sem um bom equilíbrio entre as preocupações práticas e teóricas. Os arqueó- tenciona.mos investiga_r a relação entre estática e dinâmica, é necessário que
logos têm de ser continuamente autocríticos: é por esta razão que se trata de esses dois aspectos se~an:i ~bservados em simultâneo, e o único lugar onde
uma diaciplina com um ambiente intelectual tão animado, e é por isso que 01 podemos observar a dinâmica é no mundo moderno, aqui e agora.
arqueólogos estão sempre a discutir uns com os outros sob re quem tem r azão Permitam-me que dê um exemplo. Uma classe muito comum de objectos
em dete rminado assunto. A autocrítica leva à mudança, mas é ela própria um encontrados por arqueólogos é a dos instrumentos de pedra. Como queremos
desafio, desafio que a arqueologia partilha talvez apenas com a paleontologia conhecer melhor o contexto em que os homens fazem, utilizam e deitam fora
e com algumas outras, poucas, disciplinas, cujo objectivo é faze r inferências os instrumentos de pedra, seria muito útil ver pessoas a utilizá-los. Foi eat.a
ace rca do passado com base em coisas contemporâneas. A arqueologia não é, preocupação que, há uns anos, me levou ao deserto do centro da Austrália para
portanto, um ramo do saber em que o passado possa ser descoberto de forma faze r trabalho de campo com um grupo de pessoas que conhecia instrumen-
"dir ecta•, nem pode ser uma disciplina limitada apenas à descoberta, como tos de pedra e que ainda os utilizava de vez em quando. Esperava poder r ela-
supunha o homem do autocarro. Pelo contr ário, é um ramo inteiramente cionar o comportamento destas pessoas (a dinâmica) com aa consequências
dependente da inferência acerca do passado, feita a partir de coisas encontra- desse compo~tamento ta_I como podem ser vistas em termos da distribuição,
das no mundo contempor âneo. Infelizmente, os dados a rqueológicos não têm forma e modificação dos instrumentos de pedra (a estática). Alguns aspectos
sentido próprio. Se isso fosse verdade, o nosso trabalho seria muito ma is fá cil! deste trabalho são r esumidamente descritos no capítul o v11. O meu objectivo
era estudar a relação entre a dinâmica e a estática num cenário moderno. Se
conseguíssemos compreender essa relação com o pormenor necessário terfa-
mosent.ãoao nosso dispor uma espécie de •pedra de roseta~: uma man~ira de
Fazer com que o presente sirva o passado ctraduzir>t os instrumentos de pedra (materiais, estáticos) encontradoa numa
jazida arqueológica em aspectos da vida do grupo de pessoas que aí oa aban-
donou.
Todos conhecemos a expressão, que é quase um luga r comum, de que As relações entr e oa achados que fazemos e as condições que tornaram pos-
estudamos o passado para ap render mais sobre o presente. Talvez não este- • 'vel a transformação desses achados, naquilo que efectivamente são, só
jamos tão à vontade, porém, com a ideia de que estudamos o presente para ~':m, portanto, ~r estudadas entre povos actualmente existentes. Eu pró·
compreender o passado. Pelo menos, muita gente não parece predisposta a pn0Jámedebruce1 sobreestaquestãoemtrabalhoafeitosentreosNumaniut,
aceitar o facto de os arqueólogos irem viver com os aborígenes australiano&' um grupo de esquimós caçadores de caribus do Alaska 7 , e entre os Navajos,
ou seguirem os bosquímano& Kung nas suas expedições de caça•. Suposta- que são p~stores de ovelhas do Sudoeste dos Estados Unidos da América', e
me nte, não é bem neste tipo de actividades que os arqueólogos devem estar tenho vá nos ai unos a trabalhar entre os bosquímanos Kung, na África do Sul.
envolvidos. No entanto, é o que muitos de nós fazemos, quase a tempo intei· Todos estes trabalhos de campo foram concebidos de forma a que fosse possí-
ro, pelo menos durante uma fase das nossas carreiras. De facto, nos Estados vel estudar de uma forma directa o relacionamento existente entre as coisas
Unidos da Amé ri ca, na moderna cidade de Tucson, no Arizona, está até em que encontramos na nossa qualidade de arqueólogos e os vários comporta-
curso um projecto de estudo das for mas como os modemos habitantes du mentos que r esultaram na produção, modificação e eventual abandono des-
cidades dispõem do seu lixo•. Os arqueólogos andam ao lado dos homens do •s coisas'.
lbi;o! Isto leva-me a pensar que a disciplina está a crescer e a tornar-se mais ~ ~rqueologia ':xperimental 10 é outra área de pesquisa em que o presente
sofisticada.Co nsequentemente,ela deverávir asercapaz deofereceraomun· é uti.hzado ao serviço do passado, com o objectivo de proporcionar perspecti-
do noções mais estimulantes e mais clarificadoras sobre o nosso passado do
que aquelas que até agora têm sido possíveis a partir dos factos a rqueológicoa.
'BinlOrd,1976,1978-G,1978-li,1979,1980,1981-.::,1982.
•BinlOl"d eBertram,1977.
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......._ . _,
• eoi.., 1973, 1979.
LEWISR.BINFORD EMBUSG4DOl'/tSSJWO
va& para uma interpretação correcta do registo arq ueol ógico. A maior parte
deste trabalho foi iniciado na Grã-Brel.anha, e envolve a recriação experi-
menl.al doa processoa ou acontecimentoaque sabe moa terem oco rrid o no pas-
sado, de forma a observar o respectivo reaultado arqueo lógico. Por exem plo,
se uma casa arder 11 e os seus vestígios ficarem sajeitos à erosão durante um
longo perfodo de tempo, qual será o resultado arqueologicamente observável
desse processo? De que modo a estrutura original e o seu conteúdo terão sido
modificadoa? Estas aão quest6e1 com que podemos lidar através da experi-
mentação. Este tipo de investigação perm ite avaliar até que ponto podemos
aceitar o que vemos como estando directamente relacionado com o passado,
ou como a lgo que foi diato rcido de várias formas pelos processoa que, entretan-
to, ocorreram. Outro papel importante da experimentação é a tentativa de
r ecriação das capacidades técnicas dos antigos artesãos: isto é, aprender a fa-
zer instrumentos de pedra'1 , objectos de ce râmica ou outros produtos das tec-
nologias pré-históricas, e utilizar essa experiência em diferentes situações
para resolver problemas. Este é um tipo de trabalho que pode também contri-
buir para um melhor esclarecimento do registo arqueológico. Estou conven-
cido que não ser á muito arriscado predizer que, no futuro próximo, à medida
que se forem apercebendo que encontrar algo não serve, por si só, de muito,
que o que é necessário é dar significado ao que se encontra, OI a rqueólogos re-
correrão a estes métodos experimentais de forma muito maia frequente.
Os documentos históricoa constituem outra fonte de informação que só
agora os ar queólogos começam a utiliur. O objectivo da investigação em
•etno-arqueologia• é, evidentemente, procurar definir as variáveis que con-
dicionam a formação do registo a rqu eológico. Estando num sítio e observan-
do as várias actividades dos que aí vivem, o arqueólogo espera conseguir reco- ções futuras de arqueólogos terão muito poucas oportunidades de estudar
nhecer alguns padrões arqueologicamente observáveis, sabendo à partida directamente grupos de pessoas que utilizam instrumentos de pedra coisa
quaia as actividadea que produziram esse resu ltado. Estar presente e obser- que a mim ainda me foi passivei. Mas desde que tenhamos documentos'histó-
va r não é, porém, a única fo rma de conseguir identificar essas variáveis, por- ricos que preservem observações sobre a dinâmica dos sítios feitas po r teste-
que existem imensos documentoa escritos sobre as acções do homem no pas- mu nhas presenciais, teremos sempre a possibilidade de escavar esses sítios
sado. Os regiatos hiatóricos podem muitas vezes ser utilizados não só para a P!rcoi:rendoa história como se fôssemos acompanhados por uma personage~
identificação de antigos locais de habitação mas também para nos indicarem hi.ltónea, tentando relacionar o que encontramoa na terra com os relatos por
o que aí aconteceu: po r exemplo, o tipo de especialização dos artífices que lá ela feitos dos acontecimentos que aí tiveram lugar.
viviam ou qual a antiga organização social aí existente. Equipados com conhe- . A palavra ~se rita não é, porém, o único tipo de documento histórico de que
cimentos deste tipo sobre a dinãmica do sítio, ficamos em boa posição para o dispomos. Fehimente, pelo mei.ios noa últimos cem anos, tem sido igualmen-
escavar e para relacionar aquilo que encontrarmos com os relatos das acti vi- te ~saível fazer fotografias. Existe um grande número de fotografias ti radaa
dades e processos que nele tiveram lugar há muito tempo. Esta utilização da na VJragem do século, quando havia muito mais povos vivendo com uma tecno-
Históriacomoformadecontroloexperimentalestáainda nasuainfância,ma. logia não so~sticada do que há hoje. Como é que podemosconverteressasfoto-
podemos prever que virá a ter um considerável desenvolvimento". É claro que grafiaa em 1 ~formações arqueológicas utilizáveis? A minha pesquisa actual
~ú:~~a~~~~~:~~esi:~i~a;~~~:~::~~~~c~~C:~;!~i::!~~~~:;'d~~
o número de pessoas que ainda fabricam instrumentos de pedra para caçar e
que têm um modo de vida itinerante está a diminuir todos os dias. As gera-
tinas focal da lente da máquina fotográfica, para poder converter uma foto-
crafiaobllqua (tirada por uma máquina sem tripé virada para uma paisagem)
"WintereBaokhoír,1979.
"Wiu.hol\, 1957, porexemplo;1»rmult.ado.deexperii!11du roceote1 na roplicaçlode utcn · ==r~::i:d~u!ssc~~ª~n~:ªs~t~~.~~rn1ad!s~~ ::oi~=~~=~~~!:º:O~;:
•íll1» em pedra podem ..,r enoontn.do. no boletim FlinlJrnop~I"'• Exdu"'ll'· f,9'°1VJdos, como penso que serão, poderemos então utilizar os milhares de
"VerSoul.h. 1977-o, 11177--b, pu1uemploclo U80expllcil.od1 uquoologi1dellfU... h.i1tóo O\ocrafias etnográficas tiradas no passado recente. As fotografias dão-nos
ri<:ol como forma de conl1'Dlod1rnel0dologi11rquool6gka. uma proximidade maravilhosa: podemos ver uma pessoa do passado sentada
EM BUSCA.OOPllS.SADO
ali mesmo, à nossa frente, e podemos ver o que essa pessoa estava a fazer. Con- as características que no• distinguem do resto do mu ndo ani mal. Há quanto
sequentemente, podemos compreender 88 relações espaciais entre 88 pessoas tem po existe este comportamento ti picamente huma no que temos como • na-
as la reiras,ascasaseaspessoas,easlareiraseascasas,etudo istonoseu tural•? Como eram, de facto, os nossos antepassados prim itivos? Estas &Ao,
contexto comportamental, coisa que, mesmo com a ajuda da palavra escrita, para mim, questões fu ndamentais da investigação arqueológica.
énormalmentediífcildeconseguir.M fotografias,noentanto,pennitem-nos Alguns arqueólogos estAo actualmente envolvido• nu ma controvénia
obter instantâneo• do comportamento do passado e, 1imultaneamente, uma sobre a questão de se já há dois milhões de a nos o homem caçava animais,
espécie de «mapa•, o que é uma enorme vantagem que os arqueólogos vão cer- comia carne com regularidade, partilhava a comida e vivia em acampamen-
tamente aproveitar no futuro. t.os-base14. Estas características tornam-se significativas qua ndo vistas no
Esta• são as três áreas importante1-o estudo de povos contemporAneos, contexto do comportamento animal em geral. Por exemplo, os primatas não
a criação de situaçõe1 ex perimentais em que podemos controlar as causas humanos te ndem a dormir nas árvores em vez de dormi re m no solo, e comem
para estudar os efeitos e a utifüação de vários tipos de documentos históricos onde se encontra a comida em vez de comerem onde dormem, como faz o
-que aó agora a arqueologia contemporânea começa a desenvolver em grau homem. Quando é que começámos a ter um modo de vida te n-estre envolve n-
significativo. À medida que se forem tornando cada vea: mais importantes, a do a caça e a partilha da comida? Será que foi a caça ao1 animais que foi de-
imagem popular do arqueólogo de capacete descobrindo mais um túmulo será cisiva para a evolução da linguagem, ou esse papel te rá s ido desempenhado
substituída pela imai;em de umecléctico, uma pessoa com interesses em qua· por algum outro tipo de compor tame nto? O que é que causou estas muda nças
se todo• os domínios da actividade humana que têm consequências materiais e como é que devemos ex plicá-las? Só quando estabelecermos «o que• real-
qu~ possam vir a ser reflectidas no registo arqueológico. mente acontece u é que podemos começa r a pergun ta r «por que• é que aco n·
teceu. E, penso eu, só a arqueologia nos pode ajudar a esclarecer estas ques-
tões fu lcrais. O estudo biológico comparativo do registo fóssil h uma no não
pode, por si só, responder a taisquestõe1. As respostas vi rão da integração de
As grandes questões da arqu eologia um la rgo espectro de factos arqueológicos que chegaram até nós: a informa-
ção sobre a ana tomia dos nossos antepassados, por exemplo, está evidente-
mente entre eles; mas há também que saber onde é que foram encontrados os
Que queremos nós saber acerca do passado? É sempre difícil avaliar a teus restos fósse is e qual a relação espacial entre esses achados, os seus ins·
racionalidade de um a proposta sem sabennos qual a finalidade que se preten- trume ntos de pedra eos restos das suas refeições. As contrové rsias passadas
de atingir. Isto é tão verdade em arqueologia como emoutraciênciaqualquer. sobre e&te assun to, contudo, não têm tido bases muito sólidas.
Portanto, o que pretendemos saber sobre o passado vai influenciarfortemente A titulo de exemplo, a maioria dos manuais de a rqueologia afirma que o
o modo como os arqueólogos condmem as escavações e investigam o registo homem primitivo era caçador. Esta ideia baseia-se no facto de sítios como o
arqueológico. Se não há ideias claras sobre esta questão, é dificil saber como da garga nta de Olduvai, na África oriental, te rem produa:idofósseisdos mais
abordar os dados arqueológicos e que tipo de pesqui&a levar a cabo para os antigos homens primi ti vos e seus instrumentos de pedra, associados a uma
inte rpretar. Obviamente, aquilo que pensamos que era o passado afecta a in- grande profusão de ossos de a nimai1. Como os instrumentos foram encontra·
vestigação arqueológica e o desenvolvimento da disc iplina como um todo. Tal- do1juntamen t.e com os ossos, estes últimos representariam assim, provavel-
ve:t seja útil mencionar, resumidamente, não o que já sabemos do paS8ado, mente, restos de refeições do homem primitivo. Mas isto pode não ser verda-
mas a ntes oque «gostariamo5'" de saber a partir do registo arqueológico: quais de. O. locais onde se e ncontram estes artefactos são depósitos geológico•
&Ao algumas das grandes questões sobre o passado do homem a que podemos retultantes de fenómenos naturais e não da aceção do homem. A ú nica coisa
ter esperança de responde r através da investigação arqueológica? que podemos garantir é que o homem estava prese nte no ambie nte da época
Adoptando uma abordagem tipicamente arqueológica, vamos começar em que se deram os processos naturai1 que conduziram à fo rmação desses de·
pelo princípio! Penso que seria extremamente importante ter uma noção do pó•it.os, e não há nenhuma razão que nos obrigue a su por que todos os vestí-
que seriam as caracteristicas comportamentais dos nossos antepassado• gioe que eles contêm tenham resultado do1 mesmos acontecimentos. Uma
maia antigos. Claro que temos os seus 01sos: fósseis dos homens primitivoa, clneoberta mui to publicitada, feita recenteme nte noutra estação da África
alguns com três milhõe1 a seis milhõe1 de anos de idade. Mas quando é que oriental, consiste em pegadas de hominídeos conservadas numa rocha que
o «Comportamento• Upico que é próprio da nossa espécie se desenvolveu? A tem cerca de três milhões de anos 11• Nesse depósito existem pegadas de outro•
resposta é simplea: não sabemos. Já sabemos quando mudou o tamanho d.I animais além do homem: elefantes, gi rafas, galinhas d' Angola, e a té rastos de
noBSa caixa craniana, quando mudou o tamanho do nosso corpo e como se alte- pequenos venne1. É claro que seria absurdo a rgume ntar que a associação en-
rou a configuração da nossa bacia. Mas ainda não é possível afi nnar com segu·
rança quando é que o ho mem começou a utilizar a linguagem, quando é qu•
começou a viver em pequenas famíliae monogâmicas, ou quando é que come- .. i..... 1978.
çou a realiza r a partilha da comida entre os adultos. Afinal de contas, são estai •t..u.y .e.y,1979.
UW!S R. 8/NFORO EM8USC1i OOl'ASSltf)()
tre pegadas de hominídeos e de elefantes implica que o homem primitivo era quefosseapenasalgumasdestascoisas,pen soquepoderíamoscom~araper
guardador de elefantes. Mas é pre<:isamente esta a lógica que leva alguns ceber algo sobre a nature:i:a única da nossa adaptação, do nosso modo de vida
a rqueólogo& a argumentarem que o homem caçava girafas pelo facto de um e do nosso nicho ecológico no mundo animal. Digo isto porque a adopção da
mesmo depó&ito conter tanto instrumentos de pedra como ossos de gi rafa. Na agricultura e do modo de vida sedentário implicam um cortjunto muito carac-
realidade, a girafa podia ter morrido de causas naturais e os instrumentos terístico de mudanças: representam uma readaptação de grande felego não
terem sido utilizados e abandonados no local centenas de anos mais tarde, acompan~ada, tanto q~anto ~hemos, de grandes mudanças biológicas. E,
porventura até no contexto da exploração de recursos vegetais. Para com- como é evidente, não existe praticamente nenhum documento escrito que pos-
preenderem bem o passado, os arqueólogos têm, portanto, de resolver este sa ajudar a investigação arqueológica deste segundo conjunto de grandes
problema da distinção entre os vários processos e comportamentos que levam questões.
à formação de um depósito. São assuntos que desenvolvo em pormenor nos A terceira questão é também de grande interesse geral: as origens da civi-
capítulos nem. lização. O sistema político dentro do qual a maioria de nós vive e a complexa
Outra controvérsia interessante em arqueologia é a que envolve a questão vida urbana em que quase todos nós estamos integrados esut ainda muito
de saber se o aparecimento das características consideradas como a quinta-
essência da nossa natureza ·humana.o se deu de forma simult.Anea ou, pelo mais afastada do modo de vida itinerante de caçador-recolector que consti-
contrário, de fo rma separada, em contextos diferentes e umas independente- tuiuocontextobiológicoda nossa evolução. Oque levou aesta mudançade mo-
mente das outras. Será que a evolução da própria essência humana é uma do de vida? O que fez que as sociedades baseadas na agricultura se desenvol-
questão de •salto qualitativo-, ou é antes um processo de crescimento cumu- vessem em direcção a tipos de organização política e burocrática cada vez mais
lativo? Mais uma vez, ainda não sabemos. Tem sido defendido, por exemplo, complexos? O que causou oaumentodaespecialização- nos oflcios, nas posi-
que a adopção de uma postura erecta pelo homem constituiu um salto quali- ç6es sociais e no desempenho de tarefas - que caracteriza tanto as cidades
tativo, porque libertou as mãos, cujo uso possibilitou o fabrico de instrumen- modernas como as antigas?
tos, o qual, por sua vez, tornou possível a linguagem. E a linguagem ab riu Esta é uma área em que a arqueologia se começa a ligar com a História, a
então caminho a muitas mudanças na organização social, como a partilha da filosofia política e outras ciências sociais, visto o desenvolvimento destes pro-
comida e o comportamento altruísta. Esta é uma trajectória evolutiva em ceuo1 poder ainda ser observado em lugares isolados do globo ainda não afec-
relação à qual tenho muitas dúvidas. Pessoalmente, acho que não devíamos tados pela revolução industrial. O a rqueólogo pode por isso contribuir com os
subestimar as necessidades de planeamento requeridas pelas actividades de seus da dos para a abordagem dos problemas deste domínio que tem em
caça do homem primitivo (isto é, como resolver o problema da alimentação comum com as outras ciências sociais. Achei interessante verificar que nas
durante a época seca do ano em que as plantas não crescem). Terá sido talvez trêsconferênciasinternacionaisemqueparticipeiem 1981asdiscussõesse
no contexto das actividades ligadas à caça que a recolha e o tratamento da in. centrara m no desenvolvimento de sistemas políticos complexos, no papel do
fo r mação começaram a assumir um papel mais importante na nossa evolução comércio nesse desenvolvimento e na medida em que o desenvolvime nto de
que na dos outros primatas. Seja como for, o que pretendo salientar é que o monópolios de produção tem ou não influência no desenvolvimento político
desafio que se nos depara na investigação do passado é o de conceber fo rmat (usuntos sobre os quais expresso as minhas opiniões no capitulo tx). t inte-
dedescob rirseestasafirmaçõesslloounãocorrectas. reuant.e assinalar que nestas discussões participavam quase exclusiva-
Uma das quest.6es mais importantes que pretendemos solucionar através mente •arq ueólogos•. Estas questões já fo ram, sem dúvida, tratadas anterior·
da investigação arqueológica é a de saber quando é que apareceram as carac- mente ~r historiadores! ~lósofosda política e muitos outros, mas agora a a r-
terísticas comportamentais que pensamos que nos distinguem dos outrOI ~l~a começa a partmpar neste debate em pé de igualdade com as outras
animais, e como é que isso aconteceu. Um outro conjunto de quesUies relacio. dl.IClphnas.
nadas com esta continua a ser, muito justificadamente, objecto de grande fa. A arqu ~olo~a ~om~, portanto, no passado mais remoto, nos primórdios
cfnio e eapeculação, e não aó para os arqueólogos: são as que dizem respei to d._noua h1stóna biológica, uma época de que sabemos muito pouco no queres-
às origens da agricultura e às condições que levaram o homem a mudar para peita •o comportamento humano, e traz-nos até às complexidades do mundo
uma vida sedentária após um longo passado de vida itinerante como caçador- moderno, à compreensão do qual as discussões arqueológicas também podem
- recolector. Por que é que o homem parou e se sedenlarizou, com~ando • truer algumas contribuições. Tal é o âmbito da arqueologia! Será que os
intensificara produção de alimentos em espaços cada vez mais pequenos( uqueól~s ofere<:em algui;iia. p~rspectiva especificamente 4arqueológica•
que a agricultura é exactamente isso)? Por que é que este processo se deu, pele ~ oa d1st1nga das outras d1sc1phnas, quando se trata das origens do seden-
me nos aparentemente, em váriossítiosdiferentestantodo Velho comodoN tan amoe.do aparecimento de sistemas políticos complexos? Penso que ares-
voMundo? E porque é que estas mudanças ocorreram em regiões tão difere PG1Jt1. ••11m•. Osarqueólogospa~m dosobjectos materiais e, muito natural-
tes num espaço de tempo que, em termos arqueológicos, é muito curto (ce m.nte, * ptam um ponto de vista materialista; propõem muitas vezea
=::~:~:;:at:;:~~:i=~~:.~ms:nu~~i~:d:~ees~;:::i~=~~~:ii~l:~
de 2000 anos)? No capítulo viu sugiro algumas pistas que poderão ser se ·
das para tentar resolver estas quest.6es. Se pudéssemos compreender ne
LEWISR. BINFORD
seja, no facto de for necerem basea &ólidaa para alguns doa grandes debates do
mu~~~=~;;:~·as grandes questões fascinantes que acabei de menc ionar e
que discutirei neste livr~ depe~de essencialmente da intera~ção entre a obser-
vação, por um lado, e a investigação que pode dar um sentido a essas ob_se~
vações, por outro. Isto gera um impulso que está a cr~scer, lal co m~ a d1sc1-
plina no seu conjunto: há muito maia ar~ueól~gos hoJe do que há c~nquenta
anos. Em consequência disso existem hoJe vá nas questões em que Já não. es-
tamos limitados a so nhar sobre as potencialidades futuras da arqueologia e PARTE!
que passaram a constituir áreas de pesquisa ~nde os problemas podem. se r
abo rdados e r esolvidos de forma realista e inteligente. Em vez de ge neralida- COMO ERA?
des vagas sobre o passado, pode moa aspirar a obter infor.mações seguras. Con-
tudo, as nossas grandes questões não podem serre.solvidas pelo.trabal.ho em
pequena escala no nosso país ou província: necessitam de um a investigação Como era o passado? Como viviam os homens de outrora? Quão variáveis
que abarque um período de tempo imenso e vastas ~re_asg~fica s. Ac~m.u eram os seus modos de vida? Estas perguntas encontram-se certamente en-
nidade da investigação arqueológica é cada vez mais mler!13~1onal e a b1bho- tre as que mais frequentemente são feita s e entre aquelas cuja import.Ancia
grafi a arqueológica tem aumentado e abarca cada vez mais h nguas. •Estão• 6 mais prontamente r econhecida, tanto pelos arqueólogos como pelo público
em curso muitas investigações interessantes. A resolução dos nossos p roble- em geral. Tais questões acabaram também por aparece r associadas, na biblio-
mas principais não está longe, e nalguns casos está mesmo ao nosso alca nce. grafia arqueológica, a um dos objectivos da arqueologia: o de •reconstruir o
pasaado•. Se quisermos alcançar esse objectivo, porém, te remos de desenvo\-
ver m6todos rigorosos d e interpretação dos vestígios arqueológicos. Nesta pri-
meira parte espero poder demonstrar a necessidade da utilização de técnicas
interpretativas específicas da arqueologia, e discutir, a título de exemplo, al-
guns dos pr oblemas que enfrentamos quando pretendemos saber como eram
a1 coisas há 1 milhão de anos, durante a época do s nossos remotos antepas-
aado1 h ominfdeos.
Embora a meta da reconstn.ição do passado seja frequentemente referida
como parte do conjunto de desafios fe itos à discipli na pelo arqueólogo ameri-
cano Wa lte r Taylor em 1948 1, o objectivo deste último era, na realidade, mui-
to diferente do que pensam a maior parte dos arqueólogos 1• Taylor estava
preoc:u padocom a reeonstruçãodos •contextos culturais~ do passado, que ele
con1ider ava como um estado de espírito ou •configuração•:
'TQ!or, IHS.
1 'hylor, t in:z.
1 'hylor, 19411,p,l31.
LEWISR.BINFORD FJ18USCADOPASSADO
Como o texto indica, Taylor não defendia que os vestí(tios arqueológicos fazer inferências correctas, nem manei ras de as avaliar ou verificar depois de
fosseminvestigadosemtermosdosprocessoscomportamentaisoumecãnicos feitas'.
que lhu deram origem, mas sim que deviam ser considerados no meio inte- Independentemente da qualidade dos métodos utilizados na sua produ·
lectual em que tinham operado. Parece muito cla ro que o que ele tinha em ção, o que é certo é que os arqueólogos sempre fizeram inferências para reco ns-
menteeraummodelode•eseantilhõesmentais•represent.andoas•ideiasque truir o passado. Nesta secção, farei uma recapitulação da história de algumas
estavam po r trás dos artefactos•'. investigações importantes sobre o homem primitivo para assim ilustr ar a ma-
Nos pr óximos capítulos, pretendo demo nstrar que os factos sobre o passa- ne ira como alguns arqueólogos, incluindo eu próprio, procuram hoje em dia
do que procu ramos descobrir têm muitas vezes pouco a ver com configu rações desenvolver métodos mais segu ros para fazer inferências. Se os nossos esfor-
mentais ou até co m a cultura em sentido estrito. P ara estudar certos tipo a de ços fo rem bem sucedidos, talvez um dia possamos realmente vir a saber como
compo rtamento não é necessário descobrir as ideias responsáveis pelos arte- eram ascoisasnopassado.
factos ou padrões observados no re(tisto arqueológico. Por vez e a as nossas per-
guntas sobre o passado exigem que se descub ra qual o papel desempenha do
pelos nossos a ntepassados no se u ambie nte: a informação de que necessita.
mos é, portanto, de natur eza comportamental e ecológica, não ideológica. É de
facto importante assinala r que os arqueólogos nem sempre tentam recriar
uma •ver são tecnicolor- de todos os aspectos da vida primitiva do homem. A
completa reconstrução do passado é um objectivo irrealista. A atenção doses.
pecia1istas que se guiam po r este objectivo tende a concentrar-se nos sftios es.
pectacular es e bem conservadoa - pequenas •Pompeias.o onde o tempo parou
devido a circunstAnciu especiais1• Na sua maioria, são estes especialistas qut
consideram que a natureza do registo arqueológico limita os tipos de interpr•
lações e reconstituiçõea que o arqueólogo pode fazer. Isto to rna-se ainda maia
verdadeiro quando os objectivos dos •reconstrucionistas:o e aUI.o ligados a ut11
empirismo estrito oua uma epistemologia ind utiva que impõem que&Ó possa-
mos generaliiar acerca das partes do passado que deixam vestfgios directoL
Apesar de ter trabalhado em termos mais ou menos idealistas, Taylo r reco.
nhecia que a reconstituição do passado a partir dos vestígios arqueológicos 11
baseava em inferências. Pensava também que se os arqueólogos quisessem f•
ze r mais do que mer as descrições estéreis do registo arqueológico, se quiset-
sem produzir afirmações com interesse acerca do passado, entAoteriam de f•
zer inferências. Taylor de u o nome de •método conectivo• a este processo dl
relacionarobservaçõesempfricasdoregistoarqueológicocom•fenómenos [
inferidos como tendo sido pertinentes para o povo e cultura em investigação-'
Esta ideia não era uma novidade absoluta, pois já ante riormente outros
pecialistas tinham assinalado que o passado era •criado- pelos a rqueólo
utilizando observações feitas no presente, e que era inferido ou construído
pa rtir dos dados que os a rqueólogos consideravam significativos. Pelo cont
rio, os invest igadores que se sentem intelectualmente seguros com a ideia
que só se pode generaliiar a partir de obse rvações empíricas pensam que
infe rências devem se r totalmente evitadas. Taylor contrariou a argumen
ção dos empiristas e apelou aos arqueólogos par a que fossem mais longe c
os seus dados. Infelizmente, po rém, não sugeriu quaisquer linhas de a
que permitissem reali:ta r esse objectivo na prática. Não explorou métodos
'Taylor,p.193.
'Biníord.1981-b;Du.nnell,1980-b. ll~~ receDt.ementeo.mé1.odood.einferf!ociaemBlnford, 1981-o,apecialmentenaopp.
'Taylor,1948,p.193.
CAPÍTULO II
Queeapéciedecriaturaseramos nossosprimeirosantepassadosquehabi-
taram a savana africana há cerca de dois milhões de a nos? Onde viviam e qual
0 seu aspecto fisico? Só recentemente começámos a adquirir conhecimentos
sobreascriaturas dequedescendeohomemmoclerno.Odesaliometodológico
que é aprender algo sobre o seu comportamento constitui por isso também
algo de novo. Penso que as coisas estariam a corre r bem para os arqueólogos
se 01 seus métodos fossem capazes de nos dar a conhecer como era a vida em
épocas t.Ao remotas. Na r ealidade, o paleolítico inferior pode se r visto como
uma espécie de terreno de ensaio para os métodos e a s técnicas da arqu eolo-
gia: até que ponto são capazes de nos tr a nsmitir informações acerca de um
pa.Hado tão remoto que se torna difícil imaginá-lo em termos realistas com
baae na experiência moderna? Neste capítulo tentarei dar uma ideia da mu·
da nça que actualmente se está a operar n o ambiente intelectual em que se
realizam estas investigações, e procurarei sugerir um quadro de referência
analítico que, penso, se virá a revelar muito proveitoso.
ninguém sabia qual a sua antiguidade. Mais do que isso, ninguém fazia si\íferos de outra jazida, observou manchas escuras que interpretou como
sequer ideia de que 01 nossos antepa11ados pudessem ter tido aquele aspecto. tendo sido produzidas pela acção do fogo, concluindo assi m que o homem esti-
Penso que Dartestavaconvencido, desde o princípio, de que o fóssil deTaung vera presente. Consequentemente, a um fóssil encontrado mais tarde em
tinha um lugar importante na árvore ancestral do homem, mas as primeiras Makapansgatfo idadoode~eilado~~medeaustrafupithtcuspromet~us,ou
descrições anatómicas do crânio por si publicadas levaram muitos anatomia. seja •homem-macaco mend1onal ut1hzador do fogo-'. Se {e só se) a interpre-
tas europeus a discordarem da identificação e a sugerir que se trataria antes tação das manchas feita por Dart, como sendo lareiras, estivesse correcta
de um fóssil de chimpanzé ou de outro animal parecido. Dart fez uma viagem então um dos critérios para o diagnóstico do comportamento humano teri~
a I nglaterra e a outros locais da Europa, trazendo o pequeno fó11il consigo sido satisfeito, tornando possível sustentar a ideia de que os homena-macacos
para que pudesse ser eitaminado pelos especialistas, e dando origem a uma fósseis destes depósitos eram antepassados do homem.
grande controvérsia sobre a questão de ele pertencerou não à linhagem ance .. Porém, os estudos de Dart sobre os ossos foram mais longe e levaram-no
traldohomem. a reconhecer alguns padrões novos e interessantes que até então não tinham
Para Dart, era óbvio que não havia nenhuma base anatómica bem assent. sido assinalados: •os ossos destes depósitos não estavam representados nas
que permitisse optar num ou noutro sentido: o crânio fóssil, com a sua caiita mesmas frequências em que se encontram na anatomia dos animais moder-
craniana preservada, era uma coisa eitlraordinária, algo de tão diferente qu• nos3. A quantidade de ossos que existe no esqueleto de um anti1ope ou de um
não havia critérios claros que permitissem decidir se se tratava ou não de Ul"I leão é, evidentemente, algo que se encontra estabelecido de forma incontro-
homem fóss il . Foi em Inglaterra que Dartcomeçoua mudar a maneira come versa, porque esses animais ainda existem e por isso podemos contar 01
via o problema. A questão ..será que isto é um homem?• não podia ser enca diferentes tipos de ossos que os seus esqueletos eonY,m hoje em dia. Isso per-
rada apenas em termos anatómicos porque o que havia de mais importan mite-nos abordar o registo arqueológico com um modelo, um conjunto de
em relação ao homem primitivo n!lo era o seu aspecto mas o seu •comporta suposições,everificar seeleécomodeveriasersefosseconstituídoporesque-
menta-. •Uma coisa que é eitclusiva do homem•, pensou ele, •é que se trata letos completos, não modifica.dos, de anima.is. Quando Da!"t confrontou os
único primata que come carne regula rmente.• Se encontrássemos vestígi oasos encontrados nos seus depósitos com este modelo, descobriu que os
claros de actividades predadoras realizadas por primatas, isso por si só m padroes observados não correspondiam de forma alguma às expectativas:
:!~:~:~~~:sf:;:i~~~~;!:~;!;!~c~a~~~~~ªs~ ~~~~;i~c~nrf!~b;!~'.
traria que o responsável por essas actividades não podia deixar de ter sido
homem (ou um seu antepassado), e permitir-nos-ia -partindo do prinefp"
de que teríamos a sorte de encontrar os respectivos ossos - descobrir co vaçãodepadri5esdestetipo?
era a anatomia do homem primitivo. Do mesmo modo, o homem é o único Utilizando o mais importante dos recursos humanos -a sua imaginação
fazer e utilizar o fogo. Portanto, se fossem encontrados vestígios de fogo e - Dart supõs que a razão de ser destas diferenças nas frequências dos ossos
associação com fósseis, isso indicaria a presença do homem. A mesma lógi se encontrasse no facto de algum antepassado do homem ter caçado e abati-
aplicava-se igualmente ao fabrico de utensílios. Dart também utilizou out do os animais longe do sítio onde vivia. Algumas partes anatómicas teriam
critérios, mas estes três eram os mais importantes:definiam o homem em te sido deixadas no local de abate, outras trazidas para consumo e, mais signi-
mos comportamentais, não anatómicos. ficativo ainda, alguns ossos teriam sido t razidos para o acampamento para
Este raciocínio levou Dart a empreender um tipo de investigação que serem tra nsformados em utenst1ios. Isto representa um modelo completa·
era corrente na paleoantropologia da época. Até então os anatomistas tinha mente diferente do passado, uma noção nova do homem! Se o cenário que Dart
tentado conhecer a história antiga do homem, investigando factos anatóm
cos, enquanto os arqueólogos o faziam através do estudo dos utensílios
pedra. O que Dart queria dizer, efectivamente, era que, do ponto de vista
comportamento, o homem era um ser único. Quais seriam os vestígios dei
dos por esse comportamento único? O achado de ossos associados a vestf ·
de comportamento do tipo esperado devia constituir uma forma de oh
conhecimentos sobre o aspecto flsico do homem no passado remoto, que e
afinal, a questão em debate. Portanto, antes e depois da Segunda Gue
Mundial, Dart estudou com grande pormenor a enorme quantidade de os
de animais não primatas provenientes de vários depósitos da África do
especialmente as pedreiras de Makapansgat. Fê-lo na esperança de de te
nar se a criatura responsável pela acumulação dos ossos(se é que se trata
realmente de restos de comida) era o homem primitivo.
Creio que o veredicto histórico sobre este aspecto do trabalho de Dart
o de que ele se deixou entusiasmar demasiado. Por exemplo, em depósitos fi
EJIBUSCAOOPASSADO
lEWISR.BINFOIID
Havia outra fonte de variação do material ósseo que parecia apoiar esta ar-
gumentação. D&rt pensava que seria natural que o homem fizesse experiên-
cias com 01 objecto1 que tinha mais à mão, e se na realidade estes nossos
pequenos antepassado• predadores caçavam para assegurar a sua subsistên-
cia, então 01 objectos com que mais provavelmente teriam começado a expe-
rimenta r seriam precisamente os ossos das presas. Para Dart, tinha sentido
que os primeiros utensílios tivessem sido clavas, cacetes ou serras em osso,
porque os ossos doa animais têm propriedades natu rais que podem ser utili-
z.adas. Uma mandíbuladeantilope pode ser usada como serra sem quaisquer
alterações e os densos os&os longos dos seus membros anteriores dão bons pu-
nhais quando partidos, visto tenderem a produz.ir fractu ras em espiral com
elttremidades aguçadas. Nã o é evidente que os nossos antepassados primiti-
~ ;::·c::!su:~s~~~:? poderosos, não podiam deiu r de ter utilizado esses os-
"Le.by,1979.
Dt8USCADOPASSADO
a longo prazo, para o trabalho de Leakey na garganta de <?!~~vai. Foi a~r tnrelizmente, Louis Leakey morTeu em 1972, durante uma campanha de
ta uma área muito maior em torno da pequena escavação 1mc1almente re1ta angariação de fundos para prosseguir as escavações; o seu trabalho tem sido
neste local (conhecido como FLK22 11• O grau de preservação dos vestígios era continuado noutros locais pela sua esposa Mary e pelo filho Richard. No
extraordinário: até pequenos roedo res, insectos e moldes de insectos foram entanto, os vestígios encontrados por Leakey em O\duvai constituem os ali-
encontrados. Mas o aspecto mais surpreendente (tendo em conta os ante rio. cerces em que se apoiam as noções mais comuns e correntes sobre a natureza
rei comentários de Leakey) era a quantidade e a variedade das espécies en- do comportamento dos primeiros hominídeos, as que se podem encontrar em
contradas num espaço tio limitado. Numa zona encontraram-se os ossos de quase todos os manuais escolares da actualidade. E verdade que nunca foram
um okapi {uma fo rma plistocénica de girafa), noutra área restos fragmenta- encontrados vestígios de fogo em qualquer dos depósitos do olduvense {os
dos de um porco p\istocénico, de cavalo, e de uma variedade de antílope afri- mai• antigos de Olduvaiate agora estudados, nem os depósitos com utensílios
cano. Também apareceram restos de a nimais exóticos: crAniosde peixe-gato, depedracontinham exemp\osóbviosdostiposdeutensiliosemossoqueDart
roedores, camaleões, ossos de tartaruga. Na realidade, no final das escava- havia imaginado. A ausência de testemunhos relacionados com dois dos cri-
e~·bºr~~:e~~;~:~~~~:d~~~~1::~:;;,~~~~:!~g~~~e~~~:s~~eh!~~~ ~rios de Oart permitia, portanto, que fossem postos em causa os argumentos
por si avançados a esse respeito. Mas, pa~a muitos, a história contada pelos
com todos os animais no Jardim do Paraíso. utensílios de pedra e pela fauna pareceu inequívoca.
Começou então a parecer que os dados destas escavações apoiavam real- A nova ortodoxia está bem representada nos muitos trabalhos de Glyn n
mente o ponto de vista de Oartsobre o homem primitivo. Parecia evidente que Itaac, um dos mais proeminentes africanistas conte m ~rAni;os". A imaç-em
um cenário em que se incluíam caçadores suficientemente bons para lidareTll do passado que nos oferece está expressa de rorma muito viva no seguinte
com cavalos, grandes nntílopes, okapis e outros animais não era. compatível parágrafo;
com a.s primeiras noções de Lea.key,queeram as de um ser vegetariano e tími-
do que chupava ovos de pássaros e pedia desculpa por ter pisado os lagartol! Se um observador pudesse ser transportado através do tempo L.],
O ma.teria! de O\duvai parecia ser suficientemente definido. A maioria doe o que veria?(...] Ao longe, através da planície, um grupo de quatro ou
investigadores estava predisposta a acreditar que na.s associações entre ossoe cincohomensaproxima-se [... ]Àmedidaqueogruposevaiaproximan-
e utensílios se podiam ver •locais de habitat• gerados pela acção dos primei. do, o observador apercebe-se de outros primatas por baixo dele. Algu-
ros hominfdeos.NosítioFLKNN3,porexemplo,pareciaquasecertoque Lea- mas criaturas encontram-se estendidas na areia, à sombra de uma ár-
key tinha deparado com um solo antigo cuja superfície original não tinha si vore, enquanto os jovens brincam à sua volta. À medida que os homens
grandemente modificada: restos intactos de algumas tartarugas tinham co se aproximam estas criaturas levantam-se e torna-se claro que são
e(eito sido encontrados no solo, com os ossos em posição anatómica aproxim bípedes. Parecem ser fêmeas, e gritam com grande excitação enquan-
damente correcta. Perto das tartarugas encontraram-se as vértebras e to alguns jovens correm ajuntar-se ao grupo que chega[. .. ]
telas in situ de um antílope africano rodeado de utensílios de pedra Ape O objecto transportado é uma carcaça de impala à volta da qual o
de se pensar que nalguns sítios as coisas não seriam assim tio simples, m · crupo se reúne com grande excitação. Há empurrões e atropelos, zan-
tasjazida.s em que se verificava a associação entre ossos e utensílios de ped gue ameaças. Depois, um dos grandes machos retira dois object.os de
foram aceites como solos de habitat. Dado que o conteúdo destas jazidas e uma pilha situada junta de uma árvore. Ouve-se um som forte quando
atribuível à acção dos hominídeos, a visão do homem como caçador não pod" ele 1e põe de cócoras e bate os objectos um contra o outro várias vezes.
pois, sercontrariada por estes vesUgios, que, aparentemente, eram evide~ Aaoulras criaturas andam de um lado para o outro à procura das peque-
por si próprios. No sitio FLK, por exemplo, Mary Lea.key1• escavou um n1 nas e1quírolas cortantes que se destacaram das pedras. Quando já há
que continha restos dedinothuium. Este estranho animal do plistocénici:. vUiaa lascas no chão, a seus pés, o homem larga os dois blocos e esco-
nha dentes do taina nho de presas de elefante, que safam da sua mandíb lhe duas ou três. Voltando para a carcaça, o macho que dirige o grupo
inrerior com uma disposição que lembra a de uma pá carregadora e que eameça a raur incisões(.,.] cada macho adulta fica com um bocado da
lizava para revolver os fundos pantanosos à procura de plantas para com euceçae retira-se para um canto da clareira, seguidoporuma ou duas
Um destesgrandesanimaisjazia parcialmente desarticulado no solo de F flmea1 e jovens que se juntam à sua volt.a. Eslão sentados a mastigar
e junto à carcaça estavam utensílios de pedra que não o(ereciam dúvidat. •a cortar a carne em bocados , muda.ndo de mão de vez em quando f.. .]
oposição à ideia do homem como caçador poderoso foi compreensivelme Um dol machos levanta-se, estica os braços, coça os sovacos e volta a
reduzida ao silêncio. :r~~- Encosta-se à árvore, dá um grande arroto e afaga a barri-
"kal<ey,1959-a,1959-b,1960.
'"Leake)',1971,part.inilannentepp.49-Mefig.U.
meirosantepassados. Durante vários anos reinou um silêncio desconfortável
nesta controvérsia sobre o conceito do ~caçado r poderoso•. Mas, aetualmente,
novas escavações e investigacões metodológkas realizadas em África e nou-
tros locais do mundo deram origem a um novo modelo interpretativo que, na
minha opinião, deveria constituir a base para uma análise mais realista des-
tes primeiros materiais arqueológicos. O arranque do processo de fonnação
r- deste novo ponto de vista remonta ao trabalho inovador iniciado nos anos 60
pelQs~;:~~c:~:i~~~~~~i:i ~·foi
2
A abordagem de Brain
meirosantepassadosJ.OsachadosdeLeakeypareciam serincompatíveiscom
estas ideias.
O problema inicia 1a que Brai n se dedicou foi o de saber como se tinham fo r·
mado estes depósitos durante tanto tempo estudados por Dart. Quais os •pro·
cessos deformação.. que se haviam dado? Os re&toa dos primeiros hominídeos
tinham sido encontrados esporadicamente em densas bolsas de ossos de ani·
mais. Brain pensava, e com muita razão, que a compreensão das condições
que deram origem à formação dos depós itos podia dar mais consistência à
interpretação do seu conteúdo. No entanto, as suas primeiras obaervaç6es a
este respeito tinham muito pouco a ve r com o problema em si mesmo. Repa·
rara numa característica interessante da paisagem que circundava algumas
das jazidas sul-africanas que conhecia: era uma paisagem clássica de sava·
na, com a rbustos baixo&, por Vel:es pa58ando gradualmente a formaçõe s de
tipo desértico; mas as árvores, em vez de serem baixas e dispersas como nor·
malmente acontece, encontravam-se juntas e chegavam a atingir um tama-
nho considerável. Brain descobriu que a causa deste fenómeno era de natu·
reza geológica. A dissolução dos espessos depósitos de calcário resultara na
formaç ão de câmaras no interior das rochas, nas quais ae acumulavam tan·
to as águas de escorrência como as provenientes da percolação das águas
superficiais. Parecia, portanto, óbvio ser a existência deste recurso que per·
mitia o desenvolvimento de árvores grandes num ambiente que é de modo
geral muito seco. Foi assim que alguns investigadores, e ntre os quais Brain,
F\a".1.-C.KBroU.(ddJrrila)nti.dondoo.-acouod...•mSwartlf"CllU.(~ dr
começaram a pensar se, em vez de grulaa ou abrigos facilmente acessíveis, as
J981J jazidas investigadas por Dart não seriam poços fundo s para onde os ossos
haviam sido a rrastados pelas águas ou na base dos quais se tinham acumu-
lado os restos de animais vivos que neles tinham caido acidentalmente.
vavelmente, resultado da acção das hienas, e não podiam ser interpretadu No início do seu t rabalho, Brain ligou esta observação a outra: os leopar·
como testemunhos do seu uso como lugares de habitat ou acam pamentos-ba- dos tinham tendência para levarem as suas presas para o topo das árvores
se de um homem primitivo de comportamento altamente •predador>o. Na rea. quando se sentiam ameaçados por outros predadores'l:il. Este comportamento
!idade, o ponto de vista partilhado por muitos investigadores eminentesn all alilva-i;e ao facto de o leopardo ter tendência para fazer o seu covil em abri·
à descoberta de Leakey (a descoberta de utensílios no solo de zillj era que°' roa ou fissuras na rocha {especialmente quando as f!meaa têm crias), e foi
materiais das jazidas da África do Sul deviam talvez ser atribuídos quer t. reconhecido pelo próprio Dart como um dos agente&que poderia ter contribui·
acção de outros animais que r a um comportamento necrófago dos nossos pri- do para a form ação destes depósitos:z.. Mas, em termos de processos de forma-
çio, seria esla informação suficiente para criar uma imagem convincente do
paaaado? Certamente que não. Antes de poder avançar argumentos inter-
"Ver Wu hbum, 1957, e Be rtholomew e Bitdeell, 1953. M primelre1 intel"Pftl&çÕel ..
~~~:=-~~~:'!:.l>Ci.=:t-:f'..:t!~~::::)~t=d:!:~:!';::
dem indice r1 ..:çlo d.a• hlenu ou deoulJOI grandoo c1rnfvorw. Robert Broom {1933, p. 13 - o akley,1953,porucmplo. Mua•lm que começo11 1encont.rar em M1k1pan•1•lum1f111·
porrur.emplo, eocreve u: .Do Ktudod.a b"'°ha 6Mea ...oc:i1d..10ert.nio deT•ung pode....,. oaoliMnte,em que prodomln1v1m.,. 1ntilopea, D•rtcomeçoulamWm 1 deíenderqueo...,..
podia ser perigoso para o predador, que podia facilmente ficar com o ve ntre
rasgado). Este tipo de comportamento resulta num padrão sistemático de per-
furações cranianas que podem ser comparadas com o espaçamento existente
entre os caninos d1J leopardoz. Brain reexaminou o material de Swartkrans
apartir demodernasobservaçõesanatómicasdestetipo,econseguiudemons-
trar que também neste caso as fracturas dos crânios não resultavam de pan-
cadas dadas pefo homem (como pensava Dart), mas da morte por asfixia tal
c1JmO acima descrita. Do mesmo modo, o contraste que se verificava nos ossos
de Makapansgat, entre o facto de os membros inferiores serem achados intac-
tos e as vé rtebras estarem quase totalmente ausentes, podia ser relacionado
com o padrã1J de consumo típico dos leopardos. E, de facto, !JS padrões defrac·
turação eram, no essencial, indiferenciáveis dos que Brain tinha encontrado
nos seus estud1Js sobre o comportamento dos leopardos actuais.
Esta era, pois, uma situação muito sugestiva. O contexto geológico dava
origem à formação de grupos de árvores que ofereciam sombra e protecção
numa paisagem de modo geral aberta; ambientes deste tipo constituíam "
habitat natural em que um dos mais importantes predadores consumia os
seus alimentos; e esse consumo tinha como consequência a acumulaçãlJ de
1Jssosern torno da abertura de fissuras naturais. Esta combinação de circuns-
_
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tn
~oaunulodo.111ognJ.ttl("'t"'bro ll)•ri<l"'~Pfllu..\it,....•tolwzttu11b.t"'J'O"OUlrw
'b:'i*Z:.!..~~~:.~i:o~~~.:.".:t6:::t..%~"m~"Jt:::,~·~:::,,,":::
~11ko lf<'kri<>th•111r<ido).
O.Updtilo.....bnpor .. ,.,,,..,r...U.liu<1"'""k••ldwl(4)• .....,,,,..prdlico,o..,.,fÚluoçcio•"'
==~p--<k•ro.<io•.U~pod<<Úlrori,g•matll~•thi11krt•·
""-•M- l l-1
6)tl8USCllDOPASSM>O
•Bnln,1967.
" BinlOrd e ~rt.ram,19'77.
LEWISR.BINF0Rf) 1 lll<fll VJ'-"""''MJ""'v
Regresso ao P listocénico
Esta suspeita é confirmada por outra correlação intrigante. À medida que ciado e ido embora. Em termos simplesmente estatísticos, os carniceiros cujo
aumenta a frequência relativa das lascas e utensílios gobre lasca, aument.. objectivo seja a carne serão mais frequentemente bem sucedidos se se coneen·
também a dos animais de maior porte: os níveis superiores contêm inúmero, trarem em animais de grande porte.
hipopótamos, girafas, elefantes e rinocerontes (todos representados, era Aindanãosabemosatéquepontoestaimagemécorrecta.Noentanto,éim·
geral, por dentes).~ claro que outra coisa não seria de esperar, tendo em con. partante salientar que a base de trabalho em que nos _pod_emos apoiar para
ta os processos erosivos a que acaba de se fazer referência. Os pequenos ani- elabo rar modelos sobre o comportamento dos nossos primeiros antepassados
mais deviam ser completamente arrastados pelas correntes, fazendo aume n. do Plistocénico é constituída apenas por cerca de duas dúzias de superfícies
laraprobabilidadedeseremencontradososdentesdosgrandesanimais.Mai escavadas, abarcando um período de um milhão e duwntos mil anos, e cada
se o que temos nos níveis inferiores é o registo da actividade carnieeira do vez menos bem preservadas à medida que se vão tornando mais recentes.
homem à procura do tutano dos ossos, tanto nos locais de abate dos predado- Mesmo assim, os dados existentes permitem discernir padrões, alguns dos
res como no~tros locais onde morreram animais, e se à medida que 0 tempe quais! ~e mome~t.o, são apenas ~ug~stivos. Porém! em _relaç~o aos padrões
passa se assiste realmente a um uso cada vez mais frequ ente de utensílios cor. repetitivos respeitan tes às írequenciasde ossos residuais verificadas nos nf-
tantes, e ntão é no mínimo aceitável pensar que o homem terá pouco a pouct veis inferiores, já me sinto mais seguro: trata--11e de provas de que o homem
começado acompetircomosoutroacarniceiros pela•carne•(em vez de se Jimi. comia algum tutano dos ossos, um recurso alimentar que deve ter represen-
tar a procurarotutanodosossos). Sendo assim, ele tenderia certamente a con. t.ado uma ínfima parte da sua dieta global. A questão parece clara: o homem
centrar cada vez mais a sua actividade em torno dos animais de grande por. primitivo, em vez de ser um poderoso caçador de animais de grande porte, não
te. Quando um leão come uma gazela deGrant não sobra nada. Mas no caso urá sido senão o mais marginal dos carniceiros.
de uma carcaça de elefante há-de so brar sempre algo de comestível para u111
carniceirorealmentepersistente,desdequechegueatempo,mesmodepoisde
ascegonhH Malibu terem acabado ede todas as hienas da região se terem 51.
EJIBUSCADOPA.ttADO
nhado pelo homem primitivo nos ecossistemas que se reflectem nesses depó-
sitos. Por e:ii;emplo, parece que durante os meses mais frescos OI homin ídeos
procuravam lugares protegidos para dormir, à semelhança do que fazem hoje
em dia oJ babufnos1• Outro facto interessanU! é a falta generalizada de indf·
cios de os a.Jimentos serem transportados para os locais de dormida e aí con-
sumidos; com efeito, o consumo dea.Jimentos nestes locais está sobretudo r ela-
cionado com a acção de predadores(em especial os leopardos) que caçavam os
CAPÍTULO III primatas adormecidos.
As estações sul-nfricanaS mencionadas no capítulo u sAo mais ou menos
A VIDA E A MORTE NOS BEBEDOUROS conU!m po r.11.neas dos célebres •soloS» de Olduvai e do Sítio 5 de Koobi Fora 1,
outro ponto da África oriental onde se têm realizado importantes investiga-
Talvez seja um pouco irónico que, no essencial, este raciocí nio se apoie pre-
cisamente nos mesmos critérios usados por Dart pa ra justificar a sua J)(lSiçllo
de que os age ntes responsáveis pela acumulação de ossos nas grntas da África
do Sul eram os h ominídeos! Mal a ndaríamos, porém, se, tal co mo no caso de
Dart, usássemos as con vençi5es defendidas por Isaa c e pelos se us colegas pa ra
interpretar o registo arqueológico, i;em procurar primeiro sabe r mais acerca
dos processos responsáveis pela fonnaçllo dos depósitos da África oriental. Na
minha opinião, a pista mais útil para a solução dei;te p roblema r eside, como
já mencio nei, no facto de os dados da África do Sul parecerem não co nco rdar
com a ideia de que os hom inídeos prim itivos comiam e do r miam nos mesmos
sítios. Ora, é precisamente este o•pressuposto• de que partem os ar queólogos
da África oriental. É inevitável, portanto, que inte rpretem as co ncent raÇóes
de ossos ede a rtefactos como locais de habitação ou restos de acampamentos·
-base. Põe-se, assim, a questão de saber como poderemos iniciar a tareía de
investigar as propriedades do mundo contemporãneo {aquilo a que por vezes
.e cham a •estudos actualísticos•)que nos possam aj udar a faze r diagnósticos
correctos da s características comportamentais dos nossos antepassados pri-
mitivos. De que forma conseguiremos descobri r como eram de facto as coisas
nesses tempos tão remotos?
Tlpo•d••lllo•
S•gundo lu•e, 1971
Ap ren de r com os bebedouros act uai11
Tal como nos estudos de Drain sobre os processos de formação dos depósi-
tos de grutas, precisamos de começar a estudar a dinâmica dos ecossistemas,
concentrando-nos no estudo dos bebedouros, das linhas de água e das ma r-
gens dos lagos existentes em paisagens que, com estas excepções, se caracte-
mento; os locais de habitaçtlo, por seu lado, caracterizar-se-iam por densi rizam po r uma secura relativa, uma vez que foi em ambientes deste tipo que
des elevadas tanto de restos líticos como íaunísticos. As tentativas s 19 formaram os sítios da África oriental que têm sido convencionalmente
'lauceC,..der,1981
EJJ BUSCAOOl'ASSADO
Fig. 19. -úitoumd<JRio Nouob, 110Sul do chsulod<J KaJahari. (Vtr (<IJ. 3para1-0aJf.
2oçdouodo.)
t
til. claro que, ao meio-dia, são os ungulados que dominam os po ntos onde
existe água; mas à medida que o sol desce no Ocidente com~am a !fastar-se
numa manhã em que penetrei numa zona riea em eaça e caminhei ao longw de form a gradual e deliberada em direcção às margens do_val_e, subindo as e~
do leito seco de um rio. Em cada eurva do vale viam-se grupos de unguladOI eostas das dunSB para dele safrem. O abandono do domímo diur no destes am-
agrupados à volt.a doa bebedouros. Deitados à sombra de enormes árvo res, mais, dispersando-se e desaparecendo nas. va~tas paisagens ondulantes,
perto de um desses pontos, estavam grupos de gnus. Não era invulgar ver dei. para longe da água, é impressionante. A luz md1recta do pôr-do-sol é então
vinte e cinco, ou mesmo quarenta animais. A medids que nos famos apro~ 1 vez dos predadores, se"nhoresda noite, entrarem no vale, tomarem con_ta dos
mando, um grande macho punha-se de pé, sacudia-se e, coberto de poeirt, bebedouros e exercerem o seu domínio sobre os terrenos que durante o dia per-
baixava ligeiramente a cabeça para olhar na nossa di recção. As avestruza tenciam aos ungulados. . . .
atr avessavam o nossoeaminho. As gazelas, que se viam por toda a parte,olhlo As h ienas são ge ralmente as pnme1ras a chegar, apro1umando-se v~ro
vam-nos fixamente sem deixarem de comer, à medida que vagueavam pe)I samente doa bebedouros, passando pelas carcaças de ungulados antenor-
vale à procura de sombra ou de capim amarelado. Ovale,eom toda a sua água. mente abat idos pelos predadores e de outros animais mo rtos à beira da águ~
era realmente o domfnio dos ungulados. de forma menos viole nta. É possível que se ponham a roer estes ossos r elati-
Os abutres isolados, empoleirados nas árvores ou voando por cima de nóii vamente secos, mas acabam por ir beber, porque bebei:r' quase ~m pre a ntes
talvez preparando-se para sejuntarem à refeição de algum grupo de aves rei.to da caça. A procura da comida só eomeça em força mais pela noite dentro, e
nido em tomo da carcaça de um animal morto no solo, constituíam o ú nicl uaim não é invulgar que as hienas se deixem fica~ ~as i media~s do beb~
indício de violência na paisagem. Porém, olhando-a com um poueo mais cll douro,roendo oasos, desmembrandocarcaçase partic1pandoem d1versasacb-
pormenor, era fácil locafüarea rcaças ou pedaros de carcaças- sile neiosos iDo ridades sociais. Depois de escurecer podem começar com os seus chamamen-
d feios de morte violenta que são uma componente constante dos bebedou,.. t.(o caract.e ristico •riso~) e, mais tarde, partem delibe radamente à procura
ezonascireundantes. dec:ame íre5C8-ou seja, de uma presa para matar. Os le6es e_os leopardos
Permanecendo na zona durante algum tempo, damo-nos co nta, porém, llo tam bém visitas noctumas frequentes; também eles necessitam de água
que o ritmo ostensivamente plácido da paisagem poderá ser tudo menos s
durante as horas activas da caça. Os rugidos dos leões ouvem-se normalme n-
te mais tarde, entre as 10 e as 2 horas da madrugada, quando chegam a per.
correr grandes distâncias, visitando dive rsos bebedouros pelo caminho até e..
colherem um local para se emboscarem à espreita de uma presa para ataca r.
Entre as 2 e as 4 ho ras e 30 minutos da madrugada parece dar-se uma
diminuição da actividade: pelo menos os sons dos predadores desaparece111 Fig.Z2.-HKm>malhaáaaproxint{}""'-'t/h"mbcbfdo«rapow;o,,,.11;.,Jo~·do-.al. Ao
pouco a pouco e a no ite torna-se calma. Mas antes do nascer do sol o rugide ft<"'1opodom~,,_,,.,..af<Waitdo-..rloi.'Okparalo"8~áa~""·(F<>IOflra{>0otdid<>parJoh,.
dos le6es volta a aumentar; com efeito, os predadores tendem a deslocar--se ,.,,,u..,ionJ
ao longo de tr ilhos bem marcados que frequentemente os levam a atravessar
a água ou a passar junto dela. Quando os primeiros raios de sol inundam a pai-
sagem já os abutres voam alto em busca da carnagem da noite anterior. Gr•
dualmente, à medida que o calor do sol volta a aquecer os vales, os unguladOI relativamente eficazes par a lhes fa:r.er face. Eu •nunca~ escolheria um sítio
reaparecem, de r egresso aos bebedouros. O ciclo r ecomeça mais uma ve:r.. junto à água para acampar na savana africana! Apesar disso, os arqueólogos
Os primatas, nós próp rios incluídos, são criaturas que vivem à luz do dia. diiem-nos que era p recisamente em sítios com essa localização que os nossos
Os nossos olhos são órgãos diurnos e estamos ma l adaptados para caçar, antepassados hominídeos habitualmente instalavam os seus acampamentos-
colher alime ntos ou até para nos pr otcgennosdurante a noite. Como é que, ne -base. Chegados a este ponto, torna-se necessário levanta.r a q.uest.Ao de
quadro de uma paisagem afr:cana do tipo que acabei de descrever, uma cria- uber se os três critérios utilizados pelos investigadores da Áfnca onen~l ver 5
tur a tão m3! equipada pe..a a actividade no escuro poderia ter mantido um s> atrás) permitem, efectivame nte, u m reconhecimento cr edível destas Jazidas
0
~a ç~~~~~:C~~~:ri;ss~:::n~:~~:~u~~~ !!~~~~~~és~:~~:;~~Áf~:
como locais de habitação do tipo acampamento-base.
Va mos começar a pensar no problema aceitando os artefactos l~ticos pelo
não disponham os seus acampamentos j unto à água, mesmo tendo em co nta
que podem utilizar o fogo para dissuadi r os predadores e que, como é evidentt. =•~~;n~~~~~~:~::~~~j;:!~saf~~~=be~!~~~~º:C~~~:;~~~:·:-
têm igualmente a possibilidade, em caso de necessidade, de utili:r.a r a nn• portamental em que esses utensílios foram usados era também o contexto de
.r.
deposição dos ossos. As observações que fiz nos bebedouros de África ilustram
algu ns 11spectos de interesse para a solução deste problema:
1
A ~U.Çio do•lt.io buei•_.., o uma uUmativ• de Vrba(l975).
; O alUo de Elaod.t0<1t.ei.n 4; dillC'lltido e m Siogere Wymer, 1968, Klein, 1978, e De f\s. 30.-Bi(oorupotio.! suptr{lt:U 11a uloçdode Elonds/onUilt.
197
U W/S R. 8 /NFORD EJ18USCA DO PASSADO
·' ·'.
·: .· ..~ .. .
El•nd•lont•ln-cott• 10
lut•l•cto•
EIClll;iemmetros
co nce n tra?os_nu~ ún ico sítio de pequenas di mensões, rodeados por todos A estação de Elandsfontein pode ser vista como um~ espécie de:hi~tória
lados de ~1s~n bu1ções de ossos de animais de gra nde dimensão e va ria bili com moral• da paleontologia: a sua investigação exten~1va com o obJel'.tivo de
de, não significa _q u7 e~ta a~sociação entre utensílios e ossos seja um caso ú · determi nar os limites de variação dos padrões faunisbcos num cená n o onde
co. ~facto, é d1fici_l 1maginar uma parte da estação em que tivessem s· • verificam boas condições de preservação seria certamente co.mpensadora.
depos1ta~o~ utensíl •os de pedra e onde não houvesse igualmente quantida Opuso segui nte seria o de averigua r se existe ou não algu m ti po de pa drão
substancmisdeossos deanimais. •m~ladeespéciesanimaisedepartesanat.ómicasnelarepresen tadas que
Con11trução de uma e:ii:plicação plausível " Apeaardeter1llr\lm11 objecçõc1 b lnterprou.çõe11preoent.t.du oumt.raW.lhorocoo\ede
M:W1day(l9?6),e1,..d11CU11iopot"?d1rlu.eFnrldel (l9?7J,otnbalhode.ta 11Jt.Oreademono-
tn1 bemo v11Mquetemoeo1.udo du relaçllffen~: .. ÍO<lta de m•'-'ria-prim1:11 ron:n .. e m
que .. .,,.tc>rl1il do lnuodwid.of; n1,1m det,o,rminado tflõo;e o at..ndono t.t.oto dOll ut.ensílioe co-
..,.,. ..,.to1 de t.t.lhe. Noc110doo1ll.ioo BW>1,11tierenoe1 do d...,r"U1 d0Nego:w (ltnet)que H en·
«10l.rlv1m1l11,11doojW1todcna1CCnte1,íoipm1lveldemon01.T..quooLl.m1nhodoonúdoooed11
ia-. o.. mal• pcquenoqu1ndo nio h1vi1 1f1on.mentol de m1'-'ri1-prim1 " "" prm.imidadot.
O. iave1tl11do<n int.erpre\eram tt\e íacto como ref1exo de um mmport.omei>to economizador
parport.e Oíabricantet...,...,1.entíllot.P._me,po~m,qlMelt.f.remmanl.HJ>"raol.econ·
oeqofociude•uneompo11.1mento emqueo. ocup1n\.ffchep...,mao1ftl0Hmoeqllipamento
..toiqu.do (uma tecnologi1 que oe pode nottocncial ca..cterizarcomo •não cu rida•), ""ºdo pot"
11t<1Qbria"adot1 proo:urarm1t.éria-prim1 nuimcdi1çõe1.ADenconlrarem art.c!Íacl.ol 1nterior-
...,1einlrodu.aidooporou1l"Ollocup1ntaque .. llwHe mprecedidooolocal,retoc1v1m-n.. p1·
noo!Mrul.eHíli... Euhlpõte.epodeexplkaropadrio.._rvado,10ioabrip.1porti r doprin·
dpiD, dil'lcil deaeei\er,dequea pop1>i..tiodoM-tlere noevivbl e m .,o-doo IC!deourn. OOI
qu;. .., utiliza..., de íonna ecooómiu um1 m11Ari1-prima mm oripm ext.er\orao sitio.
Qualquer que acja • íonna como ffle ponto cont.roveno venha a Iler re10lvido, • verdade'
q.mul.en1!lioe e .. reot.o.det.o.lheinlroduzid .. noo1füooraramenteoobrevivemHm all.er1·
C10quondo 11ocup1çõetH prolongam pot" periodol de l.empo 1ublt.o.nci1ia. Quando compara·
... cum ttl.e padrio, •irltl• acheulen..,. 1preoent.o.m umcontrul.e mal'Cldo:ocompriment.o
-...dol nud .... 1.endea1umentar6medidaque1umenta1proportiodoobLíocea .... COQjwi·
lm.(Um caao1queHpodc1plic.. .,.Lo.ob11ervaçio',porexemplo,odoom11.eri1i1deOlnrge-
Mille.)'I'roota.....,,ío1?>1•""'n\.c,deobjectoolran1p<>rtad1>1edeitado. íorano M!ucon\.cxtodeull·
liloçln,oq ual,pot" H lllado,oópodi1Hr odedluaçõesemque e lttnloeramdebit.o.dolpara
t
m&noçio de laecue de ulen.ílioe .obre 1111:1, mu 1lm .....i.. como blf10e1. dllldl imaginar
..-o - •um 1>1.endlio poua t.er 1..,.. etapa final n.. acamp1mentol--bue, ouque•ocu·
:::.~::.m:.::==··•~t'":::~•m•'-'ri1-primaexitt.enl.enulmediaçõea, .ob
"8eimuilobemquehi 1flioaemque1compmlçlndooconjunlOlldiícreda que 1eapreoen·
t a - ' " '"'-rioimagin•do.Sóest.ou1uaareoLl.·rec:on•t.nJçiooparap(wemevidfnci1oí1cto
..... •lnda ft.locomprftndc..- .. p--derormaçiodo.all.loo.Nio'i nveroalmil quepar-
=~:::!~com~=.=:.'h:~-;:=::.~~·;:!'~~:hh:!~:
S-que correopondam de racto • 1umpamcn\.Ol-ba11e.
u:wrstt.BINFORO f)il8USCAOO PASSADO
a procura ser bem sucedida, sendo o mais provável cenário de êxito ode uni comportamento humano no passado, temoa de desenvolver critérios que
local~~ntoàágua, onde!' riadees~rarumaoonoontraçfiodl;!carçaças;depoj 1 ultrapassem a simples con11ençllo, como acontecia no caso do «significado•
de.ubhzarem os utensílios para reti~arem as partes comestíveis das carcaça.a atribuído à coincidência de concentrações impDrtantes de utensílios e de rea·
de1tavam~nosfo ra ;finalmente, comiam no local ou transportavam osalimen. wsfaunísticos.
tos (até ao local onde viviam e dormiam, ou at.é ao bebedouro mais próximo
ond~ os consu~iam). Trazer a comida extrafda das carcaças para os locais ~
hab· ~~ão era Já, provavelmente, uma característica do comportamento do.
ho~1mdeos durante o Acheulense Superior, tendo continuado durante 1 Investigação actual
~M1~dle Stone.Age• de África(~ o Moustierense da Europa)u. At.é que ponto
isso Já aoonte<:1a em épocas mais ren:iotas é precisamente o que queremos sa.
ber. A elevada írequê~cia de ute nsílios acabados com Poucos vestígios deu" A investigaçllo actualmcnte em curso nas jazidas do homem primitivo da
e a sua co~centração.1unto a pon~s ~e água susooptíveis de conter ca rcaça.a África oriental recorda-meo meu próprio trabalho sobre o problema do Mous-
exploráveissãocond1çõescompative1scomanoçAodequeestessitiosrepre. tierense, realizado entre 1966 e 1969, que será discutido nos capítulos IV e v.
sentam locai s relacionados ~ma bu~a e o consumo de carnedecarcaçasede Os numerosos relatórios de investigação elaborados pelos membros da equi-
tutano dos ossos, e nAo locais de habitação em que os hominídeos teriam i na. pa que trabalha nas importantes jazidas da área de Koobi Fora '' revelam que
taladoacampamentos-baseondepartilhariamosprodutosdassuasactivi._ hé pessoas a estudar os padrões de fracturação dos ossos e as marcas de cor·
descinegéticas'5. te;outras a estudar os procedimentos envolvidos na manufactura de utensí-
O ~enário acima ap~esentado pode parecer plausível. Pode até dar cont. lio• de pedra, remontando lascas e utensílios para reconstituir as sucessivas
de mms factosdoqu~ a mt.erpretaçãodesses sítioscomo •locaisde habitaçll0o. etapas de exploração dos núcleos; outras ainda, presumivelmente, a estudar
•Masofa~tod euma ~nterpretaçAo ser plausível não significa, necessariamen. os padrões de distribuição espacial de ossos e utensílios; e tenho a certeza que
~· QU~ SeJa verdadeJTa ou correcta•; reforça simplesmen te a utilidade da SUll biverá outras a estudar os materiais recolhidos nestes sítios em funçllo de
1nvest1gação.Aoavançarmoscom estesargumentosenoontrame>-nos na mes. ouU'OS domínios de observação. Cada novo estudo deste tipo resulta na pro-
ma Posição intelectual de Brain quando pôs em causa as interpretações de dução de mais factos relacionados com a jazida; •todos eles, porém, são ape·
Darte proJl:ôs cenários alternativos razoáveis: o facto de as suas novas ide~ nu afirmações sobre o registo arqueológico•. Na falta de métodos de inferên-
terem sentido nã.o as to~nava •verdad.eiras-. A plausibilidade só demonstni cia robustos, a única coisa que se pode conseguir é a acumulaçllo de mais e
~~~ ~t~ªP~~;'d~n:~~~~~~ed~e;~~~b~tt;aeJ~~~eo :~:sªqeu~~;:~::~~
m1is factos, cujo significado no que respeita aos comportamentos do passado
ldesconhecido. Estes factos Silo frequentemente interpretados re<:o rrendo ao
Poderá resultar a produção de métodos seguros de mferência. Ao estudar1 mlt.odo das ·hipóteses de trabalho múltiplas•, que, no fundo, consiste sim-
plesmente em reconhecermos que as coisas poderão ter sido desta ou daquela
maneira e procurarmos avaliar qual é a mais plausível". Silo raros os casos
em que se estabeleceram métodos para justificar as inferências feitas. Uma
duexcepções é o reconhecimento, realiz.ado Por Lawrence Keeley 1•, de que ai-
p os ute ns11ios sobre lasca foram usados para cortar carne e também maté·
ril vegetal. Neste caso, o que está por detrás da inferência é um método esta-
belecido de medição do uso dos utensílios, ensaiado de forma independente e
bueado em argumentos de necessidade apoiados fisicamente.
Na realidade, não Podemos deixar de nos interrogar sobre a natureza da
investigação de nível médioi• que per mitirá justifi car as i nterp retações que
certamente serão construidas a partir dos novos factos sobre distribuição ea·
pedal, marcas de corte nos ossos, frequências de espécies, ele. Muitos arqueó·
loptparecem nllo ter aindaaceitadocomplet.amenteofactodequeos estudos
• P•n1u,...de.criçiodool.adod.ainvestig.çlo,ver LHkey,l981,pp.7s.88.
~~inford, 1981-a, pp.83-86e246-247, p• ra um •diACU1dodc1totip>demétodnedo
•LoleyeT..U.,1981.
•Binfordl977-a,p.7.
do registo arqueológico fornecem o estfmulo à pesquisa no mundo moderno
a qual, po r sua vez, permitirá transformar as nossas observações arqueológi'.
casem afirmaçõescon-ectasacercado pasado. Muitos continuam ainda à pro.
cur a de descobertas que impliquem consequências óbvias em relaçil.o ao paa.
sado. A ideia de que o passado se deixa desvendar mediante a simpl es reali.
:i:ação de observações cuidadas é certamente animadora; mas, infelizmentt,
é uma ideia en-ada. A investigação na África oriental tem de co m ~ar a fazer
outra importante pergunta: •O que significa?• PARTE II
QUE SIGNIFICA?
-·
ebecar a uma conclusão que entre em conflito com eles. Como assinalou
...... ~- .
UJ BUSCADOPlt.SSlt.DO
Popper: •Nem uma inferência dedutiva nem uma inferência indutiva podem der que os nossos métodos de inferência poderão ser defici~nte s. Mas, quan-
derivar de premissas coerentes e chegar a uma conclusão que as contradiga do isto acontece, pode então iniciar-se a busca mel;odológica de um melhor
fonnalmente.•'
Os arqueólogos partem frequentemente de pressupostos sob re os condici0- ~~~::r;~:~~~:~~:.i~~;:~~:a~~c~sr~~~~::; ~~·==~:~; ~:~~;;;~~~~~
namentos a que esteve sujeito o registo arqueológico no que diz respe ito àa j!OCleremos entAo dar início a investigações estimulantes com o obJeCbvo de
suas propriedades formai s e de distribuição. Por exemplo, parte-se geralmen. descobrir •comoera».
te do pri ncípio de que as culturas eram, por um lado, internamente homogé.
neas e, por outro, fortemente integTadas por acção dos valores e ideias dos que
nelas participavam. Nesta perspectiva, as expectativas quanto aos padrões
queoregistoarqueológicodeveriacontersãobastanteevidentes:•[ ... lostipoa
e as suas proporções são estáveis e constantes no interior de uma cultura,
durante um dado tempoe numa dada região, pelomenosdent rodecertos limi-
tes.•1Simplificando, as estações arqueológicas serão tanto mais semelhante,
quanto mais próximas estiverem noespaço e no tempo. E se o mundo real di fe-
redas e11pectativas, criam-se infindáveis ·hipóteses auxiliares• que permi-
tem acomodar a s observações à teoria.
Deste modo, a táctica seguida pelos arqueólogos convencionais é a de ofe-
recer argumentos suplementares que, •&e verdadeiros-, reporiam a corres-
pondência entre teoria e realidade. Popper1caracterizou esta estratégia como
a de •imunizar• a teoria ao teste. Os arqueólogos têm-se submetido a esta es-
tr atégia: as suas tentativas de imunizar deste modo os seus pressupostos tor-
naram-se as suas histórias reconstruídas do passado. Se, por e)(emplo, nh
conseguem encontrar semelhanças ao longo de sequências deposicionais, a
sua teoria da t ransmissão cultural é •protegida• dos factos quando postula11
uma imigração de povos diferentes. Esta hipotética imigração toma-se, por
sua vez, parte integrante da •verdadeira• reconstrução do passado a cu;.
buscaosarqueólogossupostamentesededicam.•Umaboaadaptação dascon-
dições pode fazer que quase qualquer hipótese esteja de acordo com os fe n6-
menos. Isto pode agTadar à imaginação, mas não contribui para o avanço dol
nossos conhecimentos.••
Os a rqueólogos têm uma te ndência especial para cair neste tipo de a rma-
dilha filosófica e metodológica porque as afirmações sobre o passado nlt
podem deixar de ser inferências, e os métodos que asjustilicam não podem por
isso ser verificados pela experimentação com dados arqueológicos. Dito dl
outra forma, não se pode utilizar o passado infe rido para põr à prova os pre.-
supostos em que se apoiam as nossas inre rências. NãOnos deve por isso sur-
pr eenderque a maio ria dos arqueólogos aceite acriticamenteosseus mé todol
de inferência, e que as discussões se relacionem mais com osdadosdoquec~
a questAo da validade dos próprios métodos. Só em ocasiões muito raras acon-
tece ficarmos em posição de ter uma perspectiva que nos permita compree9>
'l'<tpper,1972,p.198.
'Sonneville-Borde•, 1975-o,p.35.
'l'<tpper,1972,p.30.
'Bi..ck,iJ1Popper,l959,p.82.
CAPÍTULO TV
O DESAFIO DO MOUSTCERENSE
::1~sJ~:::de~~;[~b~i~~~~~~~~::r:~:t:~:~q~~!~~~:!:~~;!~
a ~ nt.rovérs~a e ~ mvestigaçllo a que m ~ vou referi r neste capítulo. O rne 11
ObJecttvo é d1s~utJr o problema do Moustie rense (a designação a rqueológict,
d~da ao .períod? associado ao homem d.e Neandert.al, de há cerca de cento,
;~~e cm~o mil anos até há cerca de tnnta mil anos), ~m problema que sur. :;!~h=:~~~~~sree~!~ªP;~~~;~~!::v~~:~i:;!~~~~!7r~~:irof:::U~:
C.J. '[11omsen, na ~i.namarca, que o ti po_de m~té~ia-p~ima utilizada no fabri-
~e~~;;,'1J:a~~~~~::~~:~~~~~~~~dosd~~~l~o~~~f~ ;:~~;~ ~n~r~:r~
'IT•ta
-..ecl aroque,noint:en?rdei:imamesrnacate~riad e m até_na-pnma,afo r~a
ou nll.o em. aca.mpamentos-base e praticar ou não a. partilha da. comida, est. cios ute nsílios era s1gmficativa, tanto no sentido cronológico como no sentido
vam rela.ciona.das com o conteúdo dasjazidas a.rqueológicas em questll.oe COJll Po!P'áfico. Os bifaces pareciam ocorrer apenas em certos tipos de depósitos
o problema de saber se ele devia ou não ser integra.lmente interpretado como palógicos e em associação com certos tipos de fauna. Por outro lado, peças
resul1:&ndo do comp?rtam~nto dos primeiros hominídeos. Ultrapassada esq retocadas, comoasd.escobe~s e_m So~utré, na França, ocorriam em contextos
barreua., pouco mais ha vm de relevanU!, em termos metodológicos, nessaa (aunísticos egeológicosmu1tod1vers1ficados.
questões. O desafio enfrentado no campo do estudo do homem primitivo e111
muito simplesmenU! o de saber como podemos conhecer o passado. O debate
que se centrou no homem de Neanderta\ tinha. ra.ízes hist..óricas d iíerentet,
d~do que teve origem na i nv~stigaçll.o a rqueológica per u. Por outro lado, a
dtScussAo baseava-se em unidades dife rentes. No caso do homem primiti vo_
o e i~o da questA_o residia na interpretação das associações registadas entre 11
mu1tascategonasde coisas presentes em sítios individuais. Nocasodo Mou.
tie rense, porém, o que estava em causa era o significado da va.riabilidade
observada no interior de urna mesma classe de objectos representada noe
dive rsos sítios. Além disso, trata-se também de uma questAo que surgiu ert
resultado do reconhe_cimento, no caso do_ Paleolítico Médio, da existê ncia de
padrões cada vez mais complexos nas unidades taxonómicas formais usad11
pelos arqueólogos.
Nos primeiros tempos da a rqueologia recolheram-se muitos objectos, rnu l\g .33. -&oor.'1,...çdo. propoola~loge11eral l'itt-Riw..._ dculi~licudc dcxnooluime11ta
o contexto dos achados nll.o e ra documentado de forma adequada. Os a rqueó- ftKJ/uli<lcu q"" o porfirde um ,;mp1.. pou kvovom oU lip<H de uU11fillOf lll<>i~ oonipluo.: uma
Wldo <lo pouodooarockrülko ®Meu/o xa e inú:ios<lo llkulo xir:. (&produzi® ooni outori;to.
loços conseguiam classificar e reconhecer semelhanças e diferenças e nl.rl f}lloG ponirdcMyre._1900.p1,11t)
ObJectos e estruturas, isto é, organizaç6es de matéria claramente atribuíveis
à mão do homem. Estas coisas e ram conhecidas como • re líquias e monume•
tosa: um biface, urna lança de bronze, Stonehenge, o espectacula r sepulcro de
corredor de Newgrange, na Irlanda, e por af fora. A medida que os arqueó~ 'Klindl.-.11>n..,n,l975.
Os atributos que pareciam exibir variabilidade cronológica e ou geo
fo ram isolados como indicado res de épocas e de áreas. O modelo para este
de · ·
paleontologia, em que se tinha demonst
característicos das diferentes eras e pe a. igada
crençadequenosdadosarqueológicosexistiaumaordem natu ra l, que
estudo taxonómico competia revela r, estava igualmente a ideia de que
aado do homem se caracterUava pelo progresso. É nos t rabalhos do ge0
Pitt--Rivers, um dos pais da arqueologia, pelo menos nos países de lfngu ·
glesa, que esta noção de progresso encontra, porventura, a sua eitpressão 1
clara:
'M}'re$,1906,p.29.
'Ibid.,p.3. 'QuennclleQuenncll,1 922,pp.102-105
'Weinet,1980.
' 0.bom,1927,p.73.
Magdalanense
Solutre nse
Aurignacen se
Moustillrense
Acheulense
Chellense
Pré-Chellen se
Modelo • tvoluclorilsta •
Modelo dos filos paralelos
co_nd~ções ~turais e as pressões ambientais, a proporção de intelectim punham em causa a visão do passado do homem como uma histó_ria de pro-
=~~~~ta:d;:~~';!·:eoxb~~!~~ ~: :~~:~ c~~:e~f~~~ ~:~~~h~d~d~
cnat1vosvanaem função do número total de indivfduos. Assim,é~ 1
vel _que nos ~vos paleolft~cos, que não eram muito numerosos, o ...
recimento de ~ntelectos cnativosse tenha dado a intervalos de mui* ... mudanÇa progressiva. Em 1893, Otis Mason, num discurs~ em que se
gerações. Por isso, mesmo que as populações fossem inteligentes e util- dirigia aos fundadores da arqueologia am.ericana, afirmou o seguinte: •[para
zassem como deve ser os conhecimentos previamente adquiridoa, 1 aarqueologia l a linha de investigação mais frutu_osa é a da procura ~a or~gem
progresso não podia deixar de ser lento 1 ~. cluideias que fizeram época, de modo a conseguu compreender a h1st6na da
tm.liu.ção• 11• Meio século mais tarde, N. C. Nelson apresentava uma co~
Este ponto de vista é ~artilhado por Grahame Clark que, em 1979, escn- preensão da arqueologia e uma definição dos seus objectivos que eram basi-
ve,u ~ue •[... ]o cu"oda Hi stória tem sido mais influenciado pelo pensamenlil camente idênticas: •f. .. ) o dever da nossa ciência é o de demonstrar o tempo
original de homens notáveis do que pelas heresias populares.•n eo luga r de origem de todas as principais invenções, e seguir a pista da sua
Fosse qual fosse a teoria. preferida para explica.roa parecimento das coiut. difusãoportodoomundo.•"
poucos eram os que nos primeiros tempos da arqueologia pré-histórim
,.Porexemplo,Brcuil,J931,1932--o,1932-b.
fll.USCA OOPASSllDO
diteet.o•l, foi popular nos anos 30 e 40 e era ainda muito discutida nos anos
5(1"Êrn 1936, D. Peyrony aplicou este raciocínio dos filos paralelos ao Paleo-
b1.il:O Superior. Argumentava que o que, no esquema de Mortillet, tinha aU!
entJo sido designado po r A_urignacense, co~espondi~ antes a d_uas tradições
culturais diferentes, o Aurignacense propnamente dito e o Pengorden ~. O
,eu pon to de vista teve uma aceitação gene ralizada e conti nua a constituir a
tiase de boa parte dadassificaçAo dos artefactos do Paleolítico Superior fran-
<ff"·
A árvore d a vida
Quando uma ciência sofre uma reo ri entação no modo como encara o seu
objecto, costuma segui r-se uma mudança nos métodos utilizados para a clas-
sificação e a ordenação das observações. No caso do estudo do Paleolítico, o tra-
balho de François Bordes foi, a este respeito, fundamentaP&. Bordes desenvol-
veu não apenas o sistema de dassificaç!lo de utensílios lfticos utilizado de
form a mais generalizada, mas também as U!cnicas usadas na descrição quan-
tificada dos conjuntos. As suas sín teses quantitativas das formas dos utensí-
lios líticos encontrados em conjunto nos nfveis escavados tornaram-5e as uni-
dad es básicas de compar ação, e do seu t rabalho result.ou uma sistemática do
registo arqueológico baseada em conjunt.os. Bordes defendia que as •técnicas•
utiliuidas na produção dos utens11ios líticos deviam se r tratadas independen-
temente do estudo das •formas• reais do seu desenho. Este último atributo
manifestava-se através de traços, tais como a relação entre, por um lado, a
orientação das lascas originais, as formas dos bordos activos ou a sua orien-
tação e, por outro, a fo rm a da lasca que tinha servido de suporte aos u tensí-
lios. Ao contrário das características relacionadas com o desenho, as técnicas
usadas na produção de lascas eram, segu ndo Bordes, condicionadas pelas
características da matéria-prima e;11istente nos diversos locais, e, po r isso, de
pouca utili dade para a reconstrução da história das cultur as, para a detecção
do aparecimento de povos dist in tos, ou para o estudo da interseção social
entre grupos culturais diferentes (concebidos como coTTespondentes a povos
distintosl3'.
Foi sob a inspiração destes pontos de vista que Bordes se lançou com gran·
de energia no estudo dos materiais provenientes de escavações antigas, bem
mente, havia apenas quatro formas básicas de gráfico, cada uma delas reprt-
sentada por vários exemplos, havendo poucos casos ambíguos ou intennédiot.
Os quatro tipos de Moustierense reconhecidos por Bordes eram os seguint.K
1 .Moustierensede tradiçãoAcheulem1e
De um modo geral, este conjunto reconhece-se pela presença de bifaces, de
quantidad es moderadas de raspadores e de muitos denticulados e entalhes,
lpresentando ainda uma frequência e levada de facas de dorso. A forma carac-
1.elútica do gráfico é uma curva baixa.
"Bordcs,1972.
•v~rSonncville-Bordcs, 1975-b,paradcscriçio
,.,.. .._.,.,_.
UWIS R. BINFO
3. Moustierel1$e d e denticuladOll
A distribuição deste tipo corresponde, nonnalmente, a um gráfico bai 101
côncavo, dada a raridade dos raspadores e a abundância dos entalhes e de..,
ticulados. Os bifaces e as facas de dorso são raros ou ine1istentes, e os ra s~
doresfrustes.
4. Grupo c h arentenu
Este Ultimo grupo reconhece-se bem atr avés do gráfico alto e convev,
dominado pelos raspado res, que o caracteriza. São poucos os denticulada. 1
entalhes, raros os bifaces e as facas de dorso. Bor des reconhece aqu i dois s~
tipos: co...... a. ...............
C0<te oo Jonioda linha dOJ !4 m
• VcrSonnovl\1&-Bonlcs,1975-b,i-;>radcscriçio.
•Peyrony.1930. " Bordeo,1972.
fllllJsClt OO PWllDO
Foram os padrões nítidos produzidos pelo uso das t.éç nicas melhoradas de
obfervação e descrição de Bordes que nos forçaram, a mim e a muitos ~utros,
A perspectiva geral do passado que resultava da utilização dos métodos dt
Bordes vinh~ em apoio do panorama proposto por Peyrony e deíendido pelt =~:~d~ ~ur~~;~ã:r~::~;~~ ~.~;:iev:s;~s::~~~~~r:~~~~s;~~a~
~bade Breu1l •. nor.neadamente no que respeitava à contemporaneidade dt cultura desenvolvida pelos espec1ahstas que se ded icava.m a~ estudo da.s
hnhas cultura is diferentes cuja diferenciação remontava a um passado Joo- populações indí{:'enas mode rnas do Novo Mundo. Esta çonfli tual 1 ~ade l.em s~
gin~uo:ss. Estas linhas_ ou.mos eram concebidas à semelhança. das espéeies bio. dodescrita pelos americanos como o contrasl.e entre •O ponl.o de VlSla orgãn1-
lógi~as, don~e a tendencia para a ma~u~ençllo da sua integridade formal 11 co-, ilustrado pela árvore da vida, e •O ponto de vis~ cultural•, rep re~ntad.o
su.n 1~capac1dade par~ uma pronta h1bndação com outras •espécies•. A dia- pela árvore da cultura. O ponto de vista çultural tinha resul.tado da mvest1-
t n buiçllo destas espécies culturais no espaço geográfico caracte rizava-se por pção, envolvendo vastasáreasda Amériça do Norte, da distri buição espacial
um ílwco e refluxo constante, dai resultando depósitos arqueológicos que lt de traços e de complexos entre grupos étnicos e sociais previamente conheci-
apre~ n tavam sob a fo rma de conjun~s em alternância. A forma de concet.. dos. Um dos resultados desse t rabalho foi, por exemplo, o estabelecimento de
os conJuntos como se fossem espécies culturais foi recentemente caracteriza. uma forl.e correlação entre a distribuição de formas distintas de cultura e o
dacomoavisão•orgllnica•dopassado: tipo de ambiente:Xt, mas os arqueólogos que utilizavam os métodos de Bord.es
no estudo dos materiais tend iam a ne{:'a r que os seus dados revelassem qums-
A história das cultu ras pode ser encarada e uplicada de form a et- quer correlações desse tipo•. Além disso, o~ antrop.ólo~s americanos tin~a1,11
sencial mente •orgânica•, ponto de vista que implica a aceitação de doil verificado que era diflcil estabelecer fronte iras regionais entre grupos soc1a1s
pressupostos não explicitados. O primeiro é o de que existe uma rela- ou étnicos". A com paração entre essas unidades socialmente defi nidas mos-
ção biunivoca entre a estratigrafia a rqueológica e a natura 1. O segundo trava que a va riação tendia a dar-se de fo rma gradual, fazendo que a dife ren-
é O de que qualqu~r complexo cultural (como, de resto, qualque r eom- ciação dos grupos étnicos se to rnasse uma tarefa quase impossível. O ponto
P.lex? paleontológico). se expressa de forma muito pouco variável, oqut de vista orgânico, em cont rapar tida, considerava que as populações do passa-
stgmfiea que as entidades cu1turais reconhecidas pela sistemática do se caracterizavam Por uma da ra diferenciação étnica. Em resumo, os pon-
arque.ológicadeve1,11 sercon~ideradasco m ocat.egoriasnaturais que,.t tos de vista sobre a cultura subjacentes às técnicas de análise arqueológica de
maneua das espécies orgânicas, silo descontínuas e não sofrem altera· Bordes ençontrava m--se em oposição directa com os que se baseavam nas ob-
çõesdeforrna na passagem de um contexto para outro. Portanto, nu1111 11ervações sobre a distribuição de objectos produzidos por grupos ét nicos no
mundo moderno.
: ~i~Í:::: ~:~!: f9:i; Klimek, 1955; Kroeber, 1939; Milke, 1949; Hoddor, 1977.
• Bonle.,t972,pp.148-149.
"'Wiuler,1914,pp.'468--469.
lo método de datação pelo radiocarbono não foi, porém, o linico factor envol-
:.0 neste processo: outros métodos de d~tação (tais com~ a dendn;icronolo•
pJ. um interesse ren.ovado pela geologia, e.º ~conhecimento,
ain?a que
!:!~g:aa~~ ~:rZ:~;:1:e~~~~~~:tees~~t~~:s·;~;s~i!:·::oª;~::~C:::
::::ç;:s~~:o ~eu~ ~Ae;!~ ~~=!!:~:~ªa~: ~~~bÍ~~~~~:oç::i:;~~~~al
CAPÍTULO V 0
UMAODISSEIAARQUEOLÓGICA Em retrospectiva, penso que a maior parte do trabalho feito nessa fase ini-
cial seguiu uma estratégia fortemente indutiva. O nosso raciocínio era o de
qUt a obtenção de um novo conhecimento do passado exigia a introdução de
==~~i~nz~:~~:J~~~n:~;:Jo~º;;:::~::a f~~~~ ~ o~~;rºp:dii:v:~r~~~~
1
A descoberta do passado
contigo a descoberta de novos factos, cuja explicação devia, em princípio, resi-
dir em fen ómenos também eles de novo tipo. Pelo menos era assim que pen-
d vamos ao princípio. Foi neste contexto, por exemplo, que eu comecei as mi-
nhas investigações sobre as práticas mortuárias•. Do mesmo modo, e por
muito estranho que isso possa parecer hoje em dia, havia na investigação
1111ericana da época muito pouco trabalho experimental relacionado com os
utensílios de pedra lascada. John Witthoft era, de facto, o Unico arqueólogo
americano da geração anterior à minha que havia feito experiências de fabri-
co de utensílios de pedra 5• Foi também nessa altura que comecei a tentar con-
ceber os conjuntos líticos como o produto final de cadeias operatórias, es-
tudando-os de um extremo ao outro da sequência, desde a matéria-prima até
.outensfüo acabado". E, estimulado pelo trabalho de Witthoft, comecei tam-
bém a experimentar técnicas de análise de restos de talhe'. Porém, todas es-
ta•abordagens não eram senão formas de buscar esses novos modos de olhar,
dt isolar novos tipos de factos a partir dos materiais arqueológicos já conhe-
cidos. Nessa altura, nunca nos passou pela cabeça perguntar •como atribuí-
mos significado ao que vemos?» Olhávamos apenas com o objectivo de ver
coisas novas. Éramos optimistas, e acreditávamos que de uma forma ou de
outra acabaríamos por •saber» qual o seu significado.
Foinestecontextoquecomeceiaescreversobreoproblemadaamostragem
marqueo\ogiaª, e sobre aplicações possíveis daestatfstica e da teoria das pro-
babilidades à escavaçãoeanálisedosmateriaisarqueológicos.Mnsoqueaca-
be.ria por se tornar mais importante foi o facto de me ter envolvido em dois
outros tipos de problemas. Em primeiro lugar, a questão das origens da agri·
c:ultura9 , um problema antigo que os arqueólogos já vinham discutindo há
anos. Neste caso, tratava-se essencialmente de uma questão explicativa:
'VcrBrown (org.),1971.
' N•altura em que mmecei •minha po::squiu bibliogTáfica, ""duas m&io importante• pu·
Wlcaç6et10bre 11.m11.nufüctu:r11.dcutcnsíli°"dcpedradequetinhaconhecimenl0eramHde
Po.ICl.{1930) e Witlhoft.(1957). Wiu.hot\., 1952, era também um Htudo muito intereuante.
; *:;::;;:~%~importante n• bu-"'• de 1iti"" eotratificad"" foi 0 r<>allzado por Coe (196'1~ ~~.re;:B;~!;,i~~.P~~;;,::ip;;:~~. ~n~;i~fu:J:~~~~~~~~ue•Uopu·
'B~nfürd e Pa pworth, 1963.
'Ver empart.kularWilley,1953. 'B1nford,l~.
'VerBUlford,1968--a.
eomo é que as coisas aconteeeram, e porquê. Este problema será abordado ne
capítulo vtn e nessa altura referirei também as minhas ideias aetuais sob,.
a forma como esta questão poderia ser resolvida.
O outro problema era algti de bastante dife rente: dizia respeito ao signi1',
cada que se devia atribuir à variabilidade no registo arqueológico, nomeadr,.
mente à que Fra nçois Bordes verificou existir nas indústrias do Moustieren.
se europeu (capítulo 1v). Este foi um problema com qu 3 me familia rizei 10et
noinfciodosanos60,eemrelaçãocomoqualmuitodi5(.Utieargumentei,m~
mo antes da publicação dos debates, porque me parec!a constituir um tipo dt
problema completamente novo. O que estava em causa •não• era a natureq
do registo arqueológico. A maio r parte dos investigadores envolvidos
debates conheda os factos arqueológicos, conhecia as jazidas e o que lá tinhri
º°'
sido encontrado; Unhamos confiança em Bordes e não púnhamos em causa a
sua tipologia. O que discutfamos era algo de muito diferente- o •Significa.
da» dos padrões cuja existência no registo arqueológico vinha sendo demo,._
trada. Antes de se ter levantado a questão moustierense, este tipo de dilicuJ,
dade não havia sido frontalmente encarado (pelo menos, eu não o tinha feita
em nenhum dos meus estudos, nem mesmo nos que se haviam debruçadt
sobre os enter ramentos ou sobre o talhe da pedra). Vejo agora que muitas dai
polémicas que estudei quando era alu no estavam relacionadas com a inter.
pretação convencional dos achados arqueológicos. Alguém podia, por exe:..,
plo, dizer algti como o seguinte: •encontrei um sítio no local 'X' e outro no local
'Y', ambos da mesma época, portanto penso que deve existir, em posição ia.
termédia, um outro local "C de cronologia semelhante.• Ao que algum outn
replicaria: •Não, penso que no local 'Z' n!lo haverá nada.• Quase todasas coa-
versas e discussões em qué eu tinha participado eram deste género e dizi..
respeito ao •carácter- do registo arqueológico. A discussão sobre o Mo ustit-
rense, pelo menos tal como eu a concebia, era algti de muito diferente.
Apesar de ter consciência da existência desta diferença, a verdade é Qllt
continuei a tentar encontrar uma solução para o problema mediante o recv-
soa técnicas de descoberta. Como sabia que a solução não residia na realia
ção de mais escavaç6es, pensei que talvez pudesse encontrá-la atravét dt
uma a nálise em moldes diferentes do mate rial já conhecido. Comecei, poia, 1
explorar o domínio do que hoje designo como •técnicas de reconhecime nt.odt
padrões•, usando técnicas de análise multivariada que permitem isolar 1
reconhecer padrões que de uma forma ou de outra são inerentes à mat.érildt
facto que constitui o registo arqueológico". As estratégias de reconheci me.
to de padr6es que começámos a usar no início dos anos 60, não só no que r-.
peita ao Moustierense mas também em muitas outras áreas, agradavam......
muito: tal como eu, também Bob Wha\lon, Henry Wright e vários outros in-
vestigadores tinham começado a explorar aplicações potenciais destas abaf.
dagens a uma vasta gama de materiais arqueológicos 11 • Mas a discussão•
base, como é evidente, não desapareceu; pelo contrário, intensificou-se.
Os factos não talam por si Mas, tal como os antigos, estes factos novos tambén:i não fa\ava_m por si.
~~~E~El~~~!t:!Re~:?f~-~;~ª:~:;~~~_::~.:;:~~,;~~~J~i~:
lt78-a,197S-b,1979,l980,1981-a,1981--b,1981-c,1982.
"O•poiopara u vi agen oà Auotd!ia epara otrabalhodecampo a í roalizadofoidadopclo
-hiotituteofAborigina lStudi« o,Cambern.
A nova arqueologia e o disparate
tesque eu e os meus colegas havíamos introduzido 11• Talvez valha a pena, PQr. cOIO um a régua, se verificava ser essa de facto a sua largura. O facto de eu ter
tanto, fazer uma breve referência ao modo como na época eu concebia a rela. razjo não teria nenhuma implicação intelectual, a não ser no que respei tas-
:!:;~i~d:~~f~~~~ r:·;~;~:rq:°a~:;:i:::i:d~'.~=~:e;s~~;:~c':;6e~
ção entre o meu próprio programa de pesquisa e algumas das coisas que carac-
te rizaram a nova arqueologia dos anos 70 nos Estados Unidos da Amé rica
:!:~~~~~~;~d;,'s~:~:de~~~~sc~~.ª~~~:~~=~:e"m~~es1~:1:~c~~~=
Foi num trabalho publicado em 1967 que comecei a discutir a lógica da li]o.
solia da ciência e a sua relação com a investigação arqueológica". Nessa a lt.q.
ra, o meu objectivo era apenas o de argumenta r pela negativa, •contra• cer- dlr não têm nunca esse tipo de implicações.
tos pontos de vista sobre a interp retação do registo arqueológico então corren. Éite é, pois, um aspecto da nova arqueologia em que há alguma confusão,
tes. O que procurava demonstrar era que, qua ndo se olha para um corijunte
de dados arqueológicos e se diz: .Q seu significado histórico é este!•, se esw,
já a faze r uma inferência. E parecia-me que a única estratégia adequada pa11
::.::i~ :mr:i~~:~~'!~!:'. :;~:~;~:c~~~~~~:ªaª~:::~:~:~':n~:
=~~~~~;!!:c~:!~~~c;~~~~~:i!~~ ::~~~%~:!':~ªr~s:~=b~i~:d~
1
avaliar a correcção de uma detenninada ideia era a de deduzir as suas corr
sequências em píricas e procurar realizar a respectiva verificação no munde pelll fraca qualidade das discussões sobre dedução e verificação de hipóteses,
real. lato pressupunha, é claro, que essas ideias sobre o passado já existiam.
O que aconteceu foi que alguns a rqueó logos, inspirando-se na bibli ~
fia do positivismo lógico, levaram esta linha de raciocínio até ao extremo de
queN: ~:~~':!º~:~anr ~eª::C~:~i;:~~~v:o:~d~~:ç~~~ªa~:;ci;~~;:s-
0 5
()1 s(tios escavados são o pão nosso de cada dia do arqueólogo. A sua visão
dtpu11&do restringe-se, necessariamente, a esses pontos descontínuos, iso-
iadol na paisagem. É, pois, uma visão estacionária. Os compo rtamentos do
puta.do eram, porém, caracterizado~ por muito movimento, especialmente
DO caso dos caçadores-reco\ector es. E por isso mesmo que um determinado
lftioapenas nos pode fornecer uma imagem limitada e distorcida, que depen-
dert do lugar por si ocupado no sistema regional de comportamento, do que
(oi outrora uma gama muito diversificada de actividades. Não é difícil de con-
eeber, por exemplo, que os diferentes conjuntos de utensílios líticos descritos
por Bordes(cap. 1v) não tenh am passado de pequeníssimos segmentos do mo-
do ele vid a de um grupo de caçadores-recolectores. Mas se o padrão de activi-
Udes durante o Moustierense não tiver sido exactamente o mesmo em todos
• lftios e em todos os momentos, então as coisas serão ainda mais complica-
du. NeHe caso, com efeito, as sucessivas camadas de cada jazida poderiam
....
reiiresentar, cada uma delas, •instantâneos• ligeiramente diferentes dopas-
Foi com base em ideias tão simples como estas, por um lado, e com base nas
minhas próprias ideias sobre o modo como as pesso85 deviam ter vivido no
Paleolitko, por outro, que comecei a pôr em causa a interpretação feita por
Bordes dos padr6es por si detectados nos conjuntos moustierenses. Ele pen-
•w que as diferenças eJtistentes entre esses conjuntos reflectiam as identi-
àdea étnicas dos vários grupos que os tinham fabricado. Na minha maneira
dever as coisas, porém, o uso do espaço e da tecnologia pelo homem moustie·
renae em cada um dos sítios por ele ocupados representava uma resposta
tlPeclfica a um conjunto especial de circunstâncias. Por outras palavras, o
... eu tinha em mente era um sistema cultural em que actividades diferen-
Slltinham lugar em locais diferentes. Além disso, eu supunha que a tecnolo-
111 de fab rico de utensílios devia ter t ido a flexibilidade suficiente para permi-
ürfuer face ao problema da variação na natureza das respostas uigidas por
cada 1ituaçAo concreta, de tal modo que, por exemplo, as mesmas actividades
poderiam, se necessário, ser realizadas com utensílios diferentes em 1
diíerentes.
Ar> mesmo tempo que punha em causa as ideias dom inantes acerca
variabilidade arqueológica no Paleolítico, tomei contacto com descrições
gráficas que sugeriam que o meu ponto de vista sobre a utiliz.ação da
gem pelos caçadores-recolectores era, no mínimo, plausível. lnvestig
pormenori zadas sobre a relação entre o modo como os sítios eram utili
:id:~:i't:'!~~ã::~~~~:.~~i~mm:ã~ ~°.n~~s~d o~~b:1e~~::'itf°~
0 0
---
O uso da terra: uma questão de escaJa
Circuito Anu•I - Um • l• mlll• Nun •ml ul
21d•Junhod•1947•2•d•Junhodelt48
'"""
E1c•ln reglon•I• comp1r1tlvu
... 1et.enha em conta que esta utilização do espaço pelos esquimós não cons-
tUuide forma alguma um caso excepcional: a área nuclear de residência uti-
liada por uma família de bosquímanos GIWI ao longo de um periodo de onze
_ . demonstra bem que outros grupos de caçadores-recoledores também
uploram regiões muito vast.as 1•
Mas se os Nunamiut constituem um caso representativo, então os vesti-
p. arqueológicos criados po r um pequeno bando de pessoas que se movi-
. .nta no interior do seu território da forma acima descrita devem ser de uma
atrema complexidade. A figu ra 50 mostra a localização dos sítios resi-
denciais criados po r cinco famílias esquimós durante um período de cinco
IDOI. O primeiro aspecto a assinalar é a dimensão do núcleo residencial
lellpado por um tão pequeno grupo de pessoas. Por muito surpreendente que
'llilbel"bauer,1972.
lEWfSR.BlN
=
me mais da realidade. nado doo re torno obtido deixa de compensar o investimento feito na busca das
Há ~ma outra ?~servaçãoi~portante a f~~r a propósito da figura50.fft. :::'istências, o que acontece é que~ grupo pura e simplesmenU: se muda para
só o numero de s1t1os é supenor ao que é utilizado por uma só familia flllil fllll'O território completamente diferente, onde os recursos tiveram entre-
único ano, como o panorama arqueológico da situação se torna muito "1111
complicado, sobretudo devido ao facto de alguns desses sítios serem repetid. ~:~~~::ds: :r;::S:c~~~:Jec;ess~t~~:au;d~~~~~: ~~r:;:~~:s~stada
mente ocupados de ano para ano, ao contrário do que acontece com ou tT(ILQ Com base em entrevistas feitas aos esquim?s mais velhos pude elabor~r
tamanho destes sítios, no que respeita às distribuições de artefactos e• um modelo idealizado do modo como os Nunamn~t pensam que uma deter~1-
estruturas, é em grande medida determinado pelo seu padrão de reutiliza\:11, aada região seria explorada ao longo de um penodo corr espondente ao ciclo
Os sítios mais assiduamente reutilizados são, por isso, bastante maiores devida de um indivíduo'. O modelo baseia-se num esquema cíclico de uso da
1111
os que apenas foram ocupados algumas vezes. Isto significa que o es11111 terra. A área nucle_ar de residência ocupada por um grupo quando um indiví-
ocupado por ~m sítio, uma característica que os arqueólogos costumam rep. duo nasce é conhecida como o •território de nascimento• dessa pessoa. Se nes-
tar, pode vanar não em função do tamanho do grupo ou da sua organizllcll 11 momento o bando se encontra numa área de instalação recente, a pessoa
social mas do carácter mais ou menos repetitivo do modo como a paisagem.. em causa viverá nessa área durante cerca de dez anos, altura em que o grupo
utilizada por um mesmo bando itinerante 2• O método usado por Richard M., 11 mudará para outra área nuclear de residência oompl~tamente distinta, a
Neish~ e por outros arqueólogos, que consiste em relacionar as diferen ça•• qu] não teria conhecido qualquer ocupação durante os c1~qu~nta anos ante-
tamanho dos sítios com as diferentes escalas de organização dos grupos r.-. riores. Esta segunda área seria conhecida como o seu -terr1tór10 de formação»,
crobandos- e •macrobandos•, por exemplo), não pode por isso deixar de • no caso de se tratar de um rapaz, ou o seu «território de namoro», no caso de
considerado como deficiente. As observações que pude fazer entre os mO-. 11tratar de uma rapariga (as raparigas casam-se por volta dos 16 anos mas
nosNunamiutmostramcomtodaaclarezaquenãopodemoscontinuar ae• 111rapazes só por volta dos 28). No caso ?os rapazes, es~ s~ri~ a área ~n:i que
belecer equações simplistas entre a variabilidade no tamanho dos sftio•u 11(aria a aprendizagem da caça e das vmgens a longa d1sUincia, adqu1rmdo-
natureza dos grupos que neles residiram, e que precisamos de saber mail -M: deste modo uma grande familiaridade com o ambiente. Passados outros
coisas acerea dos outros factores que contribuem para o tipo de dispersãoil dei anos far-se-ia uma nova mudança. O homem entraria então no seu ter-
vestígios representado num determinado sítio. Por outras palavras, 01.., rit6riode namoro, numa altura em que as suas irmãs começariam a ter os pri-
queólogos têm de investigar os •processos de formação" do registo arqueoll- meiros filhos. E, uma vez casado, ficaria a viver, em regra durante vários anos,
gioo, ou seja, o modo como os sítios se formam. no território da fam11ia da sua mulher.
Seis a oito anos mais tarde, quando os homens costumam atingir o seuapo-
11'11 e o ponto máximo da sua eficiência como caçadores, chega o momento da
deslocação para uma nova área, completamente diferente. Naquele que será
ONU território final, um homem bem sucedido pode vir a contribuir para o fol-
clore (tradição cultura\) relacionado com a paisagem, a qual pode inclusiva-
mente vir a ser objecto, nas mentes dos Nunamiut, de uma reordenação em
que algumas das proezas desse caçador passarão a servir de pontos de refe-
'Paraumade!ICJiçãopormenoriudadcsteproblemaverBinford,1981-c.
F}&.5Z.-ModdailúolizodorUU10rJ(JUrro~/,,.NwtanU11ld&11"G1tUoâck!lhulda •"'
i11dWíduo. ba.Kodo e1t1 HINtUW/u- inf-odoruuq&li1t1Ólf.
1 Vt rDowno,1966
LEWISR.BINFÓl/O "''"so. 001'!.SSADO
tenda. Os vestígios arqueológicos do sítio J também não incluíam vestígiOI O armazenamento da carne
relacionados com o fabrico ou a reparação de utensílios. Apesar de estas diíe.
re nças serem mínimas, são exactamente o tipo de dados a que o arqueólcie.
teria possibilidade de recorrer para conseguir identificar no passado forma.,
de divisão etária do trabalho desta natureza.
--:-;:-,.. um• dcoaiçi<> m•iA complet• do 1itlo de An•vik Springt ver Binford, 1978--a, PP·
'Pan. um• delCriçi<>m•i.complCC...dlltftlocleAn•vikSpringeve r Bin(ord, 1978--a,pp. 111·
- 178. D&-2-45.
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./ r' ;- . -:•
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Fijl.IM . -Cornedu»rib .. poatoo•tcnl""""'/oool.UobaU<kPrimown:semKongumuuWt:
C,..i (,,.rfig.5.'l,1Uio8,pon:slocofüoç6a).
Fig.63.-E.•/.rul"""'8'ral""'"te"°"•ilkruda• comoaoa<Ye~no.Jo,.U•oobr"
"""'°ªtoq4<>pakolttiaJruua..
tr=:.,kl.:i.~::i:-1.=~,~e=:~~!=::=i~~;:;,;/~~~
UDlv-en.idadedel..eDl~.
}oJliO do rebordo de um maciço de salgueiros. Os vestígios arqueológicos que
eorresponderiam a práticas como estas seriam constituídos por distribuições
]:ineares de ossos grandes. Qualquer que seja a forma de que se revestem, as
,_rvas de carne constituem um recurso importante, seguro e centralizado,
que os Nunamiut podem utilizar à medida que se vão deslocando pelo seu
lioJUtcU à procura de outros recursos alimentares.
Alinhamentos de eaça
tenormeacomplexidadedosvestígiosarqueológicossituadosnasimedia-
flelldo lagoTulugak que se relacionam com a exploração doscaribus. Os a ni-
mia são conduzidos ao longo de corredores definidos por barreiras lineares
putilizam formas naturais da paisagem, como as fiadas paralelas de depó-
litolglaciares(chamadoseskers), masquetambém incluem estruturasdeori-
pm humana que seriam dificilmente detectáveis sem informação etnográ-
&a. Quando não estão a ser usados, estes componentes básicos dos alinha-
9elltos de caça parecem simples amontoados de pedras a que costumo
diamar «rochas-soldados•. Pelo contrário, qua ndo utilizados pelos esquimós
Jlll'I. canalizar os caribus encosta acima ou em direcção a cercados parcia1-
-.nte naturais situados num dos extremos do lago, a sua aparência é bem
Mrente. Nessa altura, com efeito, os caçadores põem musgo Asua volta para
M 1 p1 d 1 •• gllodo ~~Tulug1 k,Al11c 1
... dar uma forma humana e colocam depois roupas velhas por cima desse
~.com o objectivo de assustar os caribus e de os obrigar a continuar a
• - - OM --- - -- - - -- - lllUirpeloestreitocaminhoescolhidopeloscaçadores .
Embo•e• u porl e•c• uudu p• loo Nu~ •mlu1• m mHdoo do 1Kulo XTX
Logo Tulu111k, A1••u
Emboscadas --
. - .- ,Et<310,. ,.,...? - ,- .-,
e;~taas!;r:J~-~~~~~~,~~=!eo~7i~~~ae~!d:~~~~~ati~~::i~:a~~ºe"*'"
lia enquanto o outro, noutra zona do sítio, dorme vestido sobre uma pele de
si tios: as ~refeições ligeiras.o aí consumidas estão representadas por esqi!: -~:~~c;,8c~~ro:ec~~~~1ese~~i:i:J~c!~~~~=-ª~";~~~~~~_:º;:;:~:
~o acender uma lareira separada, afastada dos muros, para a preparação
~ªo~:~:;:!ª;!~_nP~~~~ o~ ;r;'::t":sãd:~::~:~~~~~esx~a~:~~°mtut..
0
de uma refeição de ~Ido ou d~ _carne assada. Embora ~arei::idos c~m as em·
extr emidades articulares para fazer caldo. Os desperdícios relacionados ; b01Cftdasacimadescntas,oss1t1oscomestascaracterísticassAoma11comple·
~~~~~oee;~:1~!ºa~~=~;,s~~o::~~~P;~~~~:sº~!:'"s~ri":s~::a~~
J09 em termos arqueológicos, sendo necessário ter muito cuidado para não
CiOftÍundi r o conjunto emboscada-lareira com um acampamento-base ocupa.
nãoaAofeit.oa~semboscadas,estAojápreparadosdeantemão,demodo a': 11opor um grupo familiar.
o caçador e&teJ& pronto a actua r assim que os animais cometem a apa,._
l~to signi~ca que raramente se ~~C?n.tram neste tipo de estruturas desPttdi
cios relacionados com as fases 1mciws de produção. Pelo contrário, 0 que"
homens normalmente fazem para passar o tempo é trazer consigo u m u'- Acampamentos-base
=
::rl'e:vª!
~~~~~ª;J:!;;a~;;:;sºt:ss:;~~:~'::~;sr;~~~~~;~iI;~~:(à
!p;~:~~i:~~~Ô:~~~ t:\~n~~~~:a~=~~~~~1:t~~:~~U:~~a~~:
Reconstruindo o sistema
Uma das lições mais importantes que se podem tirar do meu estudo etno.
arqueológico dos esquimós Nunamiut é o facto de todos os seus sítios te.._
de ser concebidos como parte de um sistema mais vasto. Além dos sítios rea.
denciais, era igualmente utilizada uma enorme variedade de áreas para a .._.
li:i:ação de determinadas tareías específicas, todas elas parte integrante de
modo de vida do Árctico. Vimos como sítios isolados relacionados entre li
podem originar complexos de sítios, vimos como este& últimos se agrupam nt
interior do território ex plorado por um bando, e vimos finalmente como diver.
sos territórios podem ser sucessivamente utilizados ao longo da vida de \Ili
indivíduo. Para poderem reeonstituir integralmente o padrão de uso da ter.
ra, 08 arqueólogos têm de começar por identificar a função específica de cada
sítio isolado, pois só então poderão proceder ao encaixe das diversas part-.
É um trabalho cuja dificuldade é semelhante à que resultaria da tentativa de
reconstruir um motor de automóvel a partir das peças soltas: primeiro é p~
ciso saber como funciona o motor para se poderem identificar as peças todat
(o carburador, a bateria, os cilindros, etc.) e,em seguida, montá-locomodeft
ser.Domesmomodo,oarqueólogoprecisadeidentificaros diferentes tipoade
comportamento que se verificaram nos diferentes sítios por si encontradol.
para depois poder começar a encaixar as peças que, uma vez completado oU.
balho, constituirão um determinado aistema pré-histórico de uso da tena.
Por outras palavras, em arqueologia a unidade básica é o sítio isolado, mue
objectivo da disciplina é utili:i:ar essas unidades para estudar os comporta-
mentos humanos do passado. E para que esta tareía seja bem sucedida 6
necessário que se desenvolva uma metodologia adequada à identificação dl
papel desempenhado por cada sítio no sistema global.
Sítioaeapecializados
"Binfwd,1978-b,pp.33()....361.
/Eot'ISR. BINF JUsC~ OOPllSSltDO
Sítios de p reparação
® ... .
A um nível de análise ai nda mais baixo, os arqueólogos necessitam tq. ,,.. 77. -Awmp<l""'""' rrBi<Uncial 00. /x>sq«lma..,,,.Nharododeserl<lotnlml d..Nomt-
bém de métodos para estudar os padrões de utilização do espaço «no interilrii w..,..-uol1a de 1927. É claramt n1- al.$únl nosla{QU)gro{m a mOO..W em anel descrito par Yrl
dos síti?s. Os locais de r esidência, tal como os sítios especializados, podera• •O'if.76). &~11ocornrptnd«rodaM6fV(}rrãdirrita(~r{ig.65).(FatQgro{"mdeL.Fau·
concebidos como um espaço composto por pequenos «módulos•. Uma d.a.• •-'ido. ptla MWMu A{riama de Joon~~b«rga.)
dades básicas que constituem um sítio são as estruturas em que as pe. _
vivem. Os estudos sobre os caçadores-recolectores demonstram que a na-.
r ezi.i- dos m~dulos residenciais e o modo como se distribuem no espaço podm
vanar consideravelmente, pelo que os arqueólogos Wm de estar ap tos a~ Contudo, nem todos os acampamentos de bosquímanos se ajustam a este
nhecer nos seus dados todas as pennutações possíveis. ,.trio idealizado 16• E há outros grupos de caçadores-recolectores que exibem
Yellen"defende que a disposição dos acampamentos residenciais do•• Armai de ordenação do espaço interno do habitat que se afastam do modelo
químanos Kung se rege por um plano geral, segundo o qual as cabanasdt .. 9Yellen. Os acampamentos dos índios Seri, do México, por exemplo, são or -
mílias individuais se encontram intimamente agrupadas em círculo. No . . pnizados segundo um padrão linear em que se deixa bastante espaço entre
do círculo de cabanas há um espaço vazio usado comunalmente por todua • abrigos de cada uma das unidades residenciais. Tal como acontece entre os
pessoas do grupo. As tarefas especializadas são realizadas numa áreadist*- t.químanos, também entre os Birhor a distribuição das habitações varia de
sa situada na periferia desse círculo. O acampamento dos bosquímanoaiJm. am:pamento para acampamento. Por exemplo, numa ocasião em que qua-
t rado na figura 77 éum bom exemplo da estrutura espacial r esumidapelt• lnbendos se encontr avam instalados no mesmo local, cada um deles mante-
••tua individualidade mediante o estabelecimento de acampamentos sepa-
:~~!~!:~:~;J;:1S:c~~~~?rh~~~~a;~;ddeec~~:~~~~~;:~o~e~~r~:8:C
5
• . Além disso, as cabanas apresentavam-se dispostas em semicírculo,
dia, nos qu ais também se encontra uma disposição cerrada das cabanas,• lllo te seguindo, portanto, neste caso, ao contrário do que sucedia noutras si-
as lareiras situadas apenas a cerca de 3 m umas das outrasl5. ""'6H, o modelo circular de Yellen. Embora se t ratasse claramente, apesar
•uegregação espacial dos diferentes grupos, de um acampamento único, os
"'Yellcn,1977,npecialrrumtepp.125--131.
"William1,1968,I969. • Patricia Drapcr,rorrmni~açã<>pcHoal
EM BUS0.00J>A5$.N){)
..:!.":t!:1i!~:=-~Õnº.!"!:~:":r::.::~"'u"~fl!:1~t=.c:."d~~~
;::~r;,~:~.::::..=~~:i.~":!f1:'ic':.u!.~:;;:.rte~~,.!r:!:;
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• Binbd,1i711-to.
"ª'"rord,1982. ...... _13_,,
U..WISR . BINFORD
CAPÍTULO VII
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c::iF..W..dJosoo
m!IE0<1Wo1oo~1
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Pode acontecer, por exemplo, que seja possível reconh~era presença de uma
lareira sem que, no entanto, haja indícios (soba forma de buracos de poste ou
de quaisquer outras estroturas) da casa no inte rior da qual essa lareira este-
re instalada.
Os métodos actualmente utilizados nlioest.ão à altura desta tarefa. Leroi-
-Gourhan' , por exemplo, propôs um modelo de estruturação dos si tios, segun·
doo qual a presença de uma habitação podia ser inferida a partir dos padrões
de dispersão das peças. Inferências como esta são, à partida , suspeitas, não
t6 parque a identilicaç~ode um determinado agrupam~ntod~ peças com u_ma
habi tação é feita •partindo do pressuposto• de que te na havido uma habita-
' Lero!-GourhannBrfaillnn,1966,pp.361-364.
~:1~~!°:~~~fJ::a1::~~=~~~e~i:=~ ~!~:::;~:~e~~
;~~cr~~~~~s;~~!ól~:rsr~~e:!:~~:c;:~t~º~~~d~h~~~~;~~~~~~~~"lldr
nomeadamenteemsítiosemquenuncachegaramaexistir instalações d:::.
residencial.
::eª:s ~í~::: :n':~~~i:~g~°:ii=.~s;:: :oe~~:=~~~ :~~~~cone.
0
de
como os que foram descritos no capitulo v1. No caso dos sítios dos esqui~
podia, se quisesse, dissertar expressivamente sobre as la reiras extetiore1 41
cozinha, as lixeiras, o terreiro dos cães, a área de jogos, etc. Esses mód.u&..
foram por mim reíeridos, há já bastante tempo, como constituindo •áre'-1 4'
actividade•. Este e outros conceitos com ele relacionados têm sido objeeto Ili
muit.aconfusão na bibliografia arqueológica, em parte devido à incapacidridl
de distinguir entre o que são as propriedades de um sistema cultu ral vivo 1
os padrões que se encontram no registo arqueológico (uma coníusãoque Schif'.
íere Rathje' já há alguns anos tinham antevisto). Antes de continuar com...
te tema, torna-se, porém, necessário clarificar exactamente o que pretendi
dizercomestesconceit.osde«actividade•,de«caixadeíerramentas-ede«á""
de actividade•. Uma •caixa de íerramentas- é o conju nto de utensílios usadoe
na execução de uma determinada tarefa. Uma •actividade• é um conjunto
integrado de tarefas desempenhadas, de um modo geral, segundo uma ...
quência tempo ral, e &em interrupção. Tareías idênticas podem faze r parte dt
actividades dií<?rentes: por exemplo, a tareía de cortar a carne tanto poder..
zer parte da actividade de esquartejamento como da de preparação da carne
para ser cozinhada ou comida. As •áreas de actividade• são lugares, instala.
ções ou superficies em que ocorrem actividades tecnológicas, sociais ou
rituais. Não é dif'lcil de conceber que uma mesma actividade exija o recul'IO
adiversascaixasdeíerramentasou,invenoamente,queumamesmacaixadt
íerramentasoucaixas deíerramentasidênticassejam usadasemactividadn
~~~rd~~~~t~~~ 'der!~;:~~~::C:ªq~~~ ~;!f~~sª;~~=:ir~:.ºJ:r~~:Í~~s:e~~
soa técnicas estatísticas de análise multi variada pàra o estudo da variabili-
dade entre conjuntos líticos•.
Voltando uma vez mais à perspectiva espacial, resulta do acima exposto
que é legítimo supor que as diíe rentes áreas existentes no interior dos sftioe
possam ser de complexidade idêntica: algumas podem ter sido locais onde Íl)-
ram executadas tarefas múltiplas, outras podem corresponder a sítios onde
foram desempenhadas actividades individuais ou tarefas individuais. Daqui
se conclui que não tem necessariamente de haver uma correspondência
exacta entre um determinado local e uma determinada •caixa de íer ra men-
tas• ou uma determinada actividade. O que não quer dizer, no entanto, que
a localização dos artefactos não tenha uma estrutura própria e que, porcon·
' V•nNoten,1978.
'Sch.ilTer, 1972;SchilTereRatl\ie, 1973.
'BlníonleBiníord,1966.
f'ia'.82.-U"'jow"'bo.qul,,...,,oulUim11dou"'f""°"""dearoo11..,,._mpa.11W"11lo..,_,
áo~mCau_W.OPon.ObM~-.,tlttald•nlodotkloàoparoolu,,...tllÕotkfru k. A ,._
n1i,,.1-li:w-«jW1lodtumocabano,noin1".iordaqual•pode.,..r..,,......,,..,.J..111o..., i..
"'"'mo.doloàoOP"'loe"""'l-umo«g0<"'1a bi{Jo....a. (Fologra/iolirodoporJ. Kromer ..
1975, ~dofHloM.-u Sul....A{riaulo, Cidade áoC<lboJ
Quando as pessoas executam uma tarefa que requer o uso de uma lareira,
tendem a fazê-lo segundo um padrão espacial que parece ser universal Por
e:11emplo, uma mulher dos bosquímanos Kung, do Botswana, quebra as noua
de mongongo sobre uma bigorna situada junto à fogueira onde as vai assar.
Durante a execução da tarefa não se senta de frente para o lume, mas sim em
posição oblíqua. Se estivesse virada para o lume não teria espaço suficiente
à sua frente, e é evidente que não lhe seria possível trabalhar em cima das bra·
sas. Este é um padrão característico que se encontra sempre que uma pesSOll
está a trabalhar numa lareira ou à sua volta. O trabalhador coloca o seu cor·
pode modo a fazer um ângulo recto com a lareira, e a uma distância dela que
não seja superior aocorr:primento dos seus braços. A posiçll.oadoptada por um A partir do momento em que reconhecemos a uis~ncia d~ um pad~ão
aborígene do deserto central da Austrália quando aquece resina para enca bar ba!.sico nas actividades realizadas em redor de uma lareira, as diferenças 1m·
um utensílio de pedra nas brasas de uma lareira é também idêntica, o me•· portantes ou as características adicionais eventualme nte obse.rvadas come-
mo sucedendo quando uma mulher navajo prepara pão numa lareira ao ar
livre. Este padrão foi identificado por antropólogos numa grande variedade çam a ganhar significado. Noint.e riordecasasde construção_sóhdd, por~~~~~
de cenários etnográficos. Eu próprio pude também observá-lo com frequl!n·
eia, ao analisar uma boa quantidade de fotografias etnográficas antigas.
~:~!~°:!~:'c~~~~cª:;~;s~~r:!~~~~aào~~~~~~::::i~}7:~:or ~~!lado,
p1suSCAf>OPASSADO
Ftg .86.-Uma{amtli.o.ibboaqulmano•K""BP'""P<l'""""º"<>«•<k"""'gongo.Oburvc-
• ~dolln1.po.cmctrcul4.1t~l.adoa"'6umaái•l4nciodalaroimsil....a..cmpri~ru
,,.._. (Folo/lrof14,,..,;daporl'alri®Dru.~~J
vações feitas num sitio esquimó em que era frequente observat-se um grupo
sentado em círculo em redor de uma fogueira. Os desperdfciosque calam for- Modelo da larE•!!,;,•,!:!or • dos homens•
mavam um anel de ~as de pequena dimensão disposto em tomo da lareira;
a disposição dos objecU>s de maiores dimensões era, porém, diferente 0 que
se devia ao facto de as pessoas os atirarem para trás de si, para longe d~ ~ 11111
=.
em que se encontravam sentadas.
Para ilustrar este modelo geral de organização dos lugares sentados VOll Fifl. 89.-MO<hlod1u20niud4•ql./bla. ~ch-or1"fnv•..,., <ksmuoluid;iBpBrlir<kOOH r ·
recorrer a um caso especflico registado entre os Nunamiut, num aca mi»- ...p5t1{ei1M no •Uio M iulr, Andll.ouulr fuu, Al<s..., (wr Bfo{ord, 1978·/>J
mento de caça em que os homens estavam a preparar ossos de caribu para
obtenção de tutano. Se analisarmos a distribuição espacial das pequenas•
quirolas de osso produzidas pela fracturação a que os ossos eram submetidos
1)1.ra seextrairotutano, ve rificamos a existência de uma concentração em to r-
no da lareira - a .,zona de queda•. Estes pequenos fragmentos de osso com-
~··.t"' / -~~ portam-se de forma análoga à das esqufrolas de impacte produi::idas pela
debi tagem de um núcleo de pedra (fig. 87). Tal como no caso dos resíduos de
~! ~.""•
talhe, as pequenas esquírolas de osso eram deixadas in situ pelos esquimós,
no preciso local em que a aclividade de utracção do tutano tinha efectiva-
mente sido realizada. A distribuição dos fragmentos de osso de maiordimen-
-- -~-
llo-a •zona dearremesso•-era, parém,diferent.e, parqu e depais deotuta-
noserextrafdoasextremidades dos ossos eram colocadas em ou atiradas para
. ~' ~
um espaço aberto situado por trás do local ocupado pelos homens. Este pro-
:..:;.": mso de atirar para o lado as peças maiores foi-me explicado pelos esquimós
como constituindo uma fonna de •manutenção preventiva• da área de traba-
lio. Quando lhes fiz perguntas acerca das diferentes formas de despejo par
. . empregadas, a respasta que obtive foi a seguinte: · Há alguém que goste
Fia;.88.-Dilpoaiçlodn:ul.remredordeumab.re!n,l-o.lcomoexemp!iricadapor"'mp
dese sentaremcimadeumossogrande?•
P? de boequlm•noo Nharo, cm Canzi, Bot..wana , porvoll.a de 1969.(Fotograr.a deH. Stcya. • A presença de vários indivíduos empenhados em tarefas dife re ntes à vol·
d1dapo loMuaeuSul-Africano,Cidado doC11.bo.) ta de uma mesma lareira pode ser um factor de variabilidade ac rescida, tan·
LEWISR.B/Nf"Olta p1BlfSCAOOJ>A5SllDO
Observações comportamentais
Lareiras A a B do sítio da abata de Anaktlqtauk
:::~:~1::'t,,."/:!o"'f.'E,,~":.,,~,;:::;:,.,,n,.s::id,,:º:::::c;:.~a=u~=r:
poi6ckacnldo 1Mroonswnido, oindivfàuon .• I apanlwu mui1Mdoafmg,,..11toapro<1<ni<nta •
"",...tos foront .U.,..
ulrflcç6o ck tu"'no e p,..parOU wn<l sq;wula dou d~ coJdo. &roida <Bill,
jadospomtrá.tdolocol • mque ofodivkluon.• / utnoontmooun/Qdo.
U:WfSR.Bli'IFóltlJ gttJ USCADOPA.SSltDO
Nota:Oi$11'hJiçAodos0$$0S
segundoleroi-Gouman
; ... ,, . ...
aílmziRoo, 1966. lig.59
_ Lareiras de interior e de e:d crior
direcção e que, para evitar o fumo, a pessoa que estava sentada a trabalhar
to da lareira original e de se sentar em cima do lixo que para aí tinh am ati· 11e limitou a rodar 180-e a construir outra lareira. Uma ve:i: que o vento só afec·
rado. Quando não se está constrangido pelos limites de uma casa ou de um. ta as lareiras e:ii.teriores, a reeonstituição de uma complexa tenda de peles
abrigo temporário, construir uma lareira nova é mais fácil do que re,osicio- cobrindo as três lareiras 1s, proposta por Leroi-Gourhan não pode continuar
a ~r defendida, pelo menos à lu:i: da nova compreensão da estruturação <lcs
0
M:>delol . M>delo l
Aurignacenooinicial- •1· - (cercade32300.BP)c,..,.,ada11
Fig.9?.-Motkltickánoaduinnnida: •squt:mag•11ualizadodad~•l<11>1=hod.>I
...
~~ .. umgrat1ck nU""'ro ckpooos~
ál'M.OckdonnidabaMado•mob ..rvaç6.,nalizada8 • >1ln Fig. 98. - Motklo d• fomwçiW dt.>I arrat1j06 ck donnida • m diV<lrw$ cam.adatr do Abri Po
loud. (Dado.t arquodóSicoo ulratdoadt Mooiw, 1975J
duplas como com camas individuais. Apesar das ligeiras variações verifi~
no número de camas individuais e duplas, a disposição básica de camas alt.J_
nandocomlareiraspareceexistirportodoomundo.
O tama nho das camas não depende apenas do número de pessoas que nei..
dorme. Por exemplo, se as pessoas, em vez de usarem um cobertor, dorm i..._
vestidas toma-se necessário um espaço maior. Tendo em conta os ractol'll
relevantes verificados em situações contemporâneas análogas às registact..
nos tempos pré-históricos, toma-se possível abordara quesl.40 do cálculo de
espaço necessário para a insWação deu ma cama, um pouco à maneiradoCIUI
um arquitecto de hoje faz para determinar o espaço que deve ser atribuldo•
di(e rentes partes de uma casa moderna.
A maneira como a donnida é organizada nos abrigos sob rocha é algo de
particularmente interessante porque, nestes casos, a variação no posiciona.
mento das camas é determinada pela estação do ano. No Inverno, as cam•
são, de um modo geral, dispostas • paralelamente~ à parede de fondo do abri-
go. No caso de se tratar de camas individuais, as lareiras são colocadas a u
dist.Ancia de cerca de 1,2 m da rocha; se as camas forem duplas, essa distan- 1111
cia sobe para cerca de 2 m. No Verão, pelo contrário, pretende-se, em prine{. Pequen<>-almoço na cama
pio, evitar a exposição ao calor solar absorvido pela rocha, e por isso as carna.
são colocadas •perpendicularmente• à parede do fondo, e as pessoas dormem
comacabeçaarastadadessafontedecalor;nestasituação,aslareirassãoco)o.
cadasporentreascamas.
Tal como acontece com os modelos de pessoas t rabalhando sentadas à vol.
ta de uma la reira (anteriormente discutidos), também podemos tentar ap!i.
car estes padrões gerais de arr umação do espaço de do rmida deduzidos do
registo etno(:Táfico à interpretação do registo arqueológico: afinal, a estrutu,.
ra básica do corpo huma no tem permanecido inalterada desde há muito tem.
po. A utilidade deste método pode ser demonstrada através da análise da dis-
tribuição das lareiras do Abri Pataud, uma estação do Paleolítico Superior •i-
tuada em França e escavada sob a direcção de H. I. Movius". Sobrepondo
tamanhospadroni.:r.adosdecamas,paraosquaisdisponhodeextensadocumen-
tação etnográfica, à planta de uma camada do Abri Pataud datada de uma ra.
se inicial do Aurignacense (o Aurignacense 1), descobri que se verifica um
aju.stamento perfeito entre os padrões espaciais arqueológicos e um esquema
de camas individuais situadas entre as lareiras. Como já rereri, a altemin-
cia entre lareiras e camas individuais é, nos grupos modem os, típica dos pa.
dr6es de do rmida encontrados nos acampa mentos de caça exclusivament.e
ma&culinos.Acombinaçãodest.etipodedistribuiçãodaseamascomapresen-
ça de lareiras em fossa situadas em frente da á rea de dormida parece-me,
assim, indicar que o sítio não era, nesta época, usado para fins residenciail
(comooriginalmentefoiderendidoporMovius) masapenascomoumacampa-
mentotemporário.
Noutra camada do Abri Pataud, pertencente à fase do Perigordense Vl,a
ocupação humana também deve ser considerada como representando um
acampamento temporário de caça, dado o espaçamento verificado entre as la·
'"Moviut ,1976,1977.
f11 B/JSCADOPllSSAJJO
-""="""-"'"""""--:-;.::
jazidas arqueológicas,osrestos dasrefeiçõesindividuaiseosdasrefeiç6"•
grupo se apresentem dife rencialmente distribuídos.
Osrestosdos•pequenoa-almoçosnacama•nemsempresãodeposit.adol•
local de consumo da refeição. Num acampamento de bosquímanos, depoil•
as pessoas te rem acordado e comido as suas refeições individuais, os l'fll*"
ti vos restos são apanhados para cima das peles ou cobertores da cama, ...,...
dos para o exterior da cabana e sacudidos17• Este comportamento oriefM
•lill:eira.s de pe<iue no·almoço• situadas ao lado das áreas de dormida ou _ .
mo junto à porta. Pude também observar ·despejos de porta• em ~
Fig.103.-.Cham....,,,,,do0"""8""'-' 0{ogo ia~<k~<hcomphl<UJ""colomçdoda
"""'""'°U.i..riorda{ocao•11oplllta{onna<K(iatt111.o.Auimq1U1alt11"4com~aarthrbrm..o
_..,..,.., 1o1.lrodopomoi111Gdo/11..upomotpllM Hrtmq11•im"""-,•<hpo41i 110<1<1m•11l.ort·
Jino<lop<>m •hlHrtmmrpodoa .&l.oproc11u<>{acilitao a.uad11m,porqiuotptlot"5<>11mllo·
16111.o uorh11l.o•, H 11/JD{otHm rtmouidot,podtmrtlard<l-loo11..u1moimp<dl-lo. Umowiqiu
opl/011/JDan:U lododt uma .t6 ~u. o Op<!ruçóo l.om <k H f' rtp<!tida vdritlll ....u r.
caçaram um canguru fêmea com uma cria na bolsa, e trê& abetardas da Aus-
b'ália. Em dias quentes, como era aquele, a caça abatida longe do acampa-
mento residencial costuma ser cozinhada no campo para evitar que se estra-
fUe antes do regresso à base.
Os homens iniciaram o trabalho, começando por esquartejar o canguru
com uma faca de pedra e um machado de metal que tínhamos trazido connos-
co. Osanimaisgrandes, eomoestes, costumam ser cozinhados dentro dassuas
peles. O pequeno buraco feito no abdómen do canguru para lhe serem tiradas
u vísceras teve, por isso, de ser fechado e atado com um raminho de acácia.
A seguir, escavou-se uma fossa com cerca de 1,5 m de comprimento, pouco
mais de 0,5 m de largura e cerca de 0,5 m de altura. A lenha foi recolhida e
acumulada junto à fossa, e o lume foi ateado. À medida que a lenha ia a rden-
do ia-se chamuscando o pelo do canguru de modo a facilitar a sua remoção.
Entretanto, foram-se espalhando folhas pelo chão(para evitar que, uma vez
cozinhada, a carne se viesse a encher de areia), e as aves fo ram parcialmente
depenadas e embru1hadas em folhas capaxes de absorver a gordura do assa-
do. Quando o lume começou a baixar, os Alyawara pegaram em paus e come-
çaram a bater na lenha de modo a que o carvão se fosse acumulando no fun-
do da fossa. Quando chegaram à conclusão de que o forno estava pronto para
receber o canguru, os homens colocaram-no na fossa, de pernas para o a r ,jun-
ta mente com as aves nos seus embr.llhos de folhas, e recobriram os animais
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com o resto do carvão. Acame foi entAodeixada a ass.ar durantecerca deu ma
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modelo (sobreposto à distribuição arqueológica real originada pelo esquarte-
cutando tarefas de pé (cerca de 17 m1 a 24 m~. Além disso, a sequência de actoe jamento de caribus no sítio de Anavik) que aparece representado na figura 61.
que acaba de se r descrita dá origem a um padrão clássico, organizado em tomo AI. áreas de esquar tejamenrodos sítios de esquimós e aborígen.es apr~se~ta'!'
de uma estrutura, neste caso a lareira em fossa; à volta desta, um espaço de ainda uma outra razão de interesse. Nestes grupos 11, com efe1to, 11; d1stnbu1·
trabalho, por sua vei. cin:undado por um anel periférico constituído pela ~oda carne é, nonnalmente, feita nos próprio~ locais de esq:i_arteJamen~, e
acumulação dos resros que se foram deitando fora. Os desperdícios di recta· não na área residencial, porque, como os meus info rmadores tiveram oca~1ão
mente associados com o uso da fossa ficam concentrados nas suas imediaçõea; de referir dividir acarneevisitarosparentespara•conversar»sãoco1sas
os outros vão-se também acumulando à sua volta, se bem que a uma dislAn· dife rente~ (o que subentende um domínio de aplicabilidade restringido ao
eia maior, dando assim origem à formação de uma zona de arremesso. in t.erior dos limites do •lar» das normas de cortesia relacionadas com a hos-
/
/
/
,,.rif~;;.1J?~;::~::~:l'tc.:~~~:.w.~;:.:=.::;;iu~'::::~;;t;::.,~::.~
iollli/~Q)llMl"'"""Mlti,..,.para/~..,,..,m<>ruptciimparú.Umrne0..FHUO<U qu.rn&l e.
llfo p«Mlllu.
t~alianos, por exemplo, constroem sempre as suas larei ras em fossa em zonu
situadas. ~a periferia do ce~tro de actividade do acampamento -ou seja, u
áreas uhhzadas para donm r, conversa r, trabalhar ou cozinhar em pequer11
esc~ l a - mesmo qua?do instalados em locais em que se prevê uma estada
muito curta. Eu própno pude observar opções de localização mui to semelhan· Fig.llt.-8ofqu!monoraapondo~/HkM1>CGmpo""'11toMool:odidorono..NJ01.N:JGb,
tes entre os ~sq uirnós e os !'lavajos, os quais, com efeito, costumam const ruir d4 N<>mtbio, ~m 1976. (F;,tQem/';a ctdi<WFHl.o Museu SuJ-lifri=no. Cl.dotkdoCoboJ
as s uas ]~reiras em fossaJu~to de zonas usadas como pequenas lixeiras ou
como locais para cortar madeira, de modo a não interferirem com as activida-
des nonnai.s da vida no ~carnpamento. No caso destes dois povos, aliás, pude nuclear da residência, em virtude da grande quantidade de espaço que
rnes~ovenficarqueasd1versasactividadesespacialmenteexten sivas, q ue1e oeupam.
realizam_ de pé, costumam ter lugar em áreas adjacentes. No caso dos sítiot O trabalho das peles é outra das actividades que, de um modo geral, se
dos esqmmós, por exemplo, é frequente que as áreas de esquartejamento se desenrola na periferia das áreas centrais doa acampame ntos residenciais.
encontrem ao pé de áreas de armazenamento ou de carregamento de tre nóa, Quando se trata apenas de urna ou duas peles pode até aco ntecer que sejam
umas como outras estando quase sempre situadas na periferia da área simplesmente estendidas, presas ao chão com estacas, mesmo ao lado ou por
l.EWISR.BIN.
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C1b1n1 12 - IT1n1g1bl - Ac1mp1mento IS
O.Hnhedo1p1r!lrdeYellen,1977
" Binford,pp.435-457.
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as esqufrolas de sílex apresent.am uma densidade maia elevada. Esta dife-
rença deve ser entendida tendo em atenção o posieionamentodos artesãos em
relação ao ponto por onde a luz penetrava no interior da casa. Parece lógico,
comefeito,quepartamosdoprincípiodequeaofabricareme repararem uten-
s11ios de pedra as pessoas procurassem tirar partido da luz que entrava pell
janela. Em contrapartida, as eaquírolas ósseas deverão ter sido prodmidu
du rante a refeição da noit.e, a qual, no Inverno, é servida depois de as poucas
horas de luz já te rem passado, e quando a casa está aquecida pela lareira usa·
Estai correspondências revelam os lugares em que as pessoas habitual-
111ente se sentavam para comer ou para reparar utensílios. A disposição dos
JuPreS sentados que me pare<:e possivel deduzir a partir destes dados pode
,erresumida sob a forma de um modelo da utilização do espaço no interior da
casa de Palangana. A área de dormida da figu ral 19(correspondenteà·Zona
c.• de Leroi-Gourhan)deu poucos resto. relacionados com aetividades de fa-
brico, e tinha uma densidade global de artefactos inferior à do resto da casa,
uma característica antevista por Leroi-Gourhan. Mas a sobreposição à plan·
ta da casa dos resíduos industriais mostra duas coisas muito interessantes.
Verifica-se com efeito, em primeiro lugar, que há uma concentração no
quadrante da casajunto àjanela {a área de trabalho doméstico). Esta é a área
que podemos considerar como equivalente A ·Zona B· do modelo de Leroi-
...(;ourhan, embora não se encontre, neste caso, a subdivisão em duas unida-
des predita pelo modelo. O que podemos observar na casa de Palangana é o
seguinte:
1) Aetividades realiiadas em torno da lareira, relacionadas com o con-
sumo de alimentos e, na sua maior parte, realizadas a horas de es-
curidão;
2) Aetividades relacionadas com a luz do dia, centradas na zona does-
paço doméstico que recebia iluminação natural.
A distinção, proposta por Leroi-Gourhan, entre actividades •simple~ e
•elaboradas•, supostamente levadas a cabo em lados opostos da lareira, ape-
nas deve poder ser aplicada aos espaços de trabalho junto As lareiras de exte-
rior, em que ocorre a prática de despejar para o lado materiais agregados.
Em segundo lugar, os Nunamiut caracterizam as diferentes áreas de tra-
balho situadas em redor das lareiras interiores como o lado •das mulheres•
(sárea iluminada do espaço doméstico), e o lado•dos homens• (a área escura).
. J Estes termos não significam que haja quaisquer normas regulamentando a
utilização ou o acesso a estes espaços, limitando-se a descreve r a frequência
com que, na prática, eles são usados por cada um dos sexos. Diga-se, aliás,
que, na realidade, a maior parte das tarefas artesanais masculinas tem lugar
no interior de uma estrutura especial quecostumaexistirnosacampamentos
de Inverno, a chamada •casa dos homens•, a qual, muitas vezes, não é senão
a estrutura inicialmente erigida no local para servir de abrigo aos homens du-
ran te a construção das casas de Inverno, antes de o resto das suas famílias se
lhes vir juntar. Eaqui que podemos encontra r grupos de homens trabalhan-
do dias a fio, por vezes na companhia de rapazes que vão aprendendo as téc-
nicas de fabrico e reparação de utens11ios. Na casa dos homens, os instrumen-
tos de trabalho não têm de ser oonsta ntemente arrumados por causa de as mu-
lheres precisarem de espaço, por exemplo para preparar refeições ou para p6r
as crianças na cama. Trata-se, portanto, de uma área de actividade especial,
onde se podem fabricar e reparar utensílios sem se estar dependente da dis-
ponibilidade de espaço na casa residencial.
Em sítios de ocupação mais episódica, ou que decorra durante o te mpo
quente, há normalmente uma área masculina de t rabalho, situada no exterior
da casa onde sil.o executadas diversas tarefas artesanais e onde, por ve:i:es, são
também consumidas algumas refeições. Trata-se normalmente de um lugar
protegido, bem iluminado e relativamente aquecido, geralmente aituadojun·
to à parede da casa virada a sul, como se pode ver no modelo residencial ge ne-
ralizado dos Nunamiut representado na figura 115. No tempo maia quen te,
LEWfSR.llfNFoita
fJ18USCADOPASSADO
as actividades das mulheres podem também deslocar-separa o exterior, Sen. c0zinheira), há uma importante concentração, situada entre duas camas e a
do as refeições preparadas numa lareira de cozinha ao ar livre, junto da Qual distância não superior ao alcance da mão. Há também pequenas concentra·
se localizará então uma área feminina de conversação, em que as mulheret çól'.S atrás, ou mesmo ao lado, dos lugares sentados masculinos, situados do
costuram, reparam e fabricam objectos, ou simplesmente cuidam das crian. tado escuro da lareira: trata-se, neste caso, de peças por montar, em curso de
ças que brincam por perto. No Verão, a casa transforma-se assim numa tn~ rabriCO, ou então de utensílios acabados em estado novo, guardados junto dos
ra área abrigada de dormida e armazenamento, que só é usada para outras sítios onde os homens habitualmente se sentavam ou nas áreas de dormida.
actividades quando o tempo piora. Émenos frequente que objectos guari.lados ou escondidos venham a ser encon-
Voltando à organização do espaço interior de uma casa, é óbvio que 0 trados no espaço doméstico; dado o facto de este ser regularmente limpo. Foi·
espaço doméstico é definido pela densa distribuição de artefactos e fragmen. -me possível observar que é característico das áreas de dormida conterem
tosderestosdofabricooureparaçãodeobjectosdemadeiraehaste.Mas adia- pequenos esconderijos, especialmente quando a habitação é uma estrutura
tribuição dos artefactos no interior desta área é interessante em si mesma. permanente, porque o lado masculino da casa, o lado •escuro~ , se em.:ontra mal
Em primeiro lugar, à direita do lugar sentado n.• 5 (a posição ocupada pe)a iluminado. Quando se desmonta uma tenda, porém, a procura de obJectos per·
didos naquele que era o lado escuro da lareira torna-se mais fácil porque pode
ser feita à luz do dia.
tribuição da 11:1Z d isponível no ~eu i~terior. A _ca~a de Palangana mostra tie.. Variação na d uração das tarefas
como, numa situação em que a tlummação é hm1tada, haverá tendência P&l'I,
~~es~t~!~~~ço :o~:'. ~:==~ ~J~~at~S::~~~~ ~l7::~::~~~~;:i:h"u!:
0
dante, o espaço tende rá então a ser usado de forma mais extensiva.~ li!Zli.
taç6e1 na distribuição do calor também contribuem para que as actividadea
realizadas no interio r de espaços retringidos sejam mais intensivas. É PGr
este conjunto de ratões que, quanto maior fo r a necessidade de abrigo <co-
quedependefü ndamentalmentedascondiçõesambientais), maio r deve rat._
a diferenciação no uso do espaço provocada pelos condicionalismos relaciona.
dos com a iluminação.
As consequências da existência de restrições que condicionam o uso do
espaço são bastante visíveis na observação relatada por J ohn Yellenª, de que
os bosquímanos Kung andam de um lado para o outro durante o dia, embol'I
realizando sempre essencialmente as mesmas actividades, o que se deve b
mudanças que vão ocorrendo na posição da sombra. Um tal uso extensivo do
espaço só é possível não havendo quaisquer outras restriç6es relacionadas
com a adequação dos düe rentes lugares à realização de tarefas de curta dur• ·
ção e que ocupem pouco espaço. Dado que o único problema que têm de resoJ.
ve r é o de manter uma relação vantajosa entre o seu espaço de trabalho e a
sombra, os bosquímanos podem ir adaptando a disposição desse espaço de tra.
balho à distribuição da sombra. Este exemplo sugere que, quanto mais espe.
cíficas fo rem as necessidades de espaço exigidas por uma determinada taN!fa,
mais intensa ser:i a concentração do trabalho nos lugares que oferecem as con. Consequências d o trab a lho oom grandes quantidades
dições necessárias à sua realização. O espaço doméstico na casa de Palanga.
na é um exemplo disto.
Quaisque r que sejam as condições ambientais, o grau em que as dife ren. Os resíduos resultantes da execução das diferentes tarefas podem _ser mais
te1 tarefas realizadas exigem um uso e1ttensivodo espaço é variável. Uma pea- ou menos volumosos, e esta é outra coisa importante a ter e.m consideração
soa pode, por exemplo, executar uma gra nde variedade de tarefas sem de ixar quando se examina a organização do uso do espaço. Quer &eJa de_ curta quer
=~~:: ~~~f:e~;~:~º~~::tiª~~ddea:~;:~~:~:~:fa:o:~~~~d~::~~es:e~
de permanecer sentada no mesmo lugar, desde que essas tarefas não se sobre-
ponham no tempo {questão que adiante voltarei a referir). Por outro lado, u
tarefas cuja execução requer quantidades de espaço muito diferentes tendem u ecução como também após o seu termo, uma vez q_ue, ~nquant.o. o hxo não
a apresentar uma distribuição espacial independente. Já anteriormente for limpo, a sua presença pode impedir que a superfic1e seJa aproveitada para
vimos, neste mesmo capítulo, que as lareiras em fossa, por exemplo, são ins- outras actividades. Esta é uma constatação que n~o sofreq~alquer: alteração
talações que ocupam cerca de 17 m1 a 24 m' , e que modificam consideravel· pelo facto de a tarefa em questão poder ser realizada muito r_ap1damente.
mente a superfície do terreno (nomeadamente pela acumulação de carvão), Quando, na altura da colheita, os índiosJe~ez preparam o milho Pll;ra ser
::inadz:~:to~ç~ ~~~~~~~=:a~~~~:ºife~:!J:~d:u~~~~~~=~~on~ã~e~~!c~:::
não permitindo, por isso, que o mesmo local sirva para outras actividades. De
um modo geral, as actividades deste género terão, portanto, lugar em áreas
especialmente reservadasparaoefeito. pela desfolhada não for limpo, a área onde esse trabalho foi realizado não
poderá ser aproveitada para outros fin~.
• Yellen,1977,p.92..
Fig. 125. -SUi-0 df ab<m t t$1/ ""rt(iamt111Q tU mribu•, tliluodo na wri.11i. 11orK do rW
AnoJiliqto.u.i:..AnMWuul:Pau,Ala.....(V•r('6.53paroalocoUzaç4ouocta.)Nu'"1Uioqiu114o
•prw'Wra•r...,ul1Ji..wdo,1Mtr{~<kuq""rUjom•11/oupoJAodaspoU,looal.tdo1implu·
,_.,i. aballdon"""-.M111•'"•lllo.tUfullçdoidl11til:aW1C1da.dff,,,.,,,,,.,pofi1i.,.,,o.-•a1
lta&U•df....,.ior din1t111áoláortealhi4otl•queimadoo.
1
E.i.adeb!lldadeuim •ido reconhecida porout.roA, oomo poruemplo Lambcrg-Karlovü,
(1975), oom cvJu 10luç&I para o probl11m.111oeot.ou, pcrim, de acordo. Quanto' Ideia blur-
radequeépoN{wolded\IU-•implicoçõeltestáwol•• para pror:edimeni..queviHma•tribu~
de •ignlncado b obaervaÇ(>H arquoológk.. atnv6• da ut.l!iuçlo dH própria• obsorv•ç."lell • ..
quoolÓjj"icao,verBinfurd,1977-a.
'Binford,1981-<>,eopecialmentepp.21-30.
...e1~~:::P':':,':x~~mq:~,:-:X~:;t:.,~~tri;;fi~~:'io":'.f:~~;o~~:"u'l::
maia1nt.lga.(por~emplo,Iouceba..:,l975J.Le•keyel.ewin(l978),porHemplo,argume11·
~m(pora11•l1J111acom .. Kun1S.n)que•rocolecçioeramuitoimport&nt-Oparaohomem pri-
~ti~::1li'.;.':~":':J~~'.'~,':=d:=1~dcde~~.Í:\:.~~ ~::~=:..:~1!:~"::
PatShlpman (da.JohnHopldn•Univenity)emqueelaexplicavaque• ... itl!nciadet&ntumar-
cudeCIOl"teDmmetápoo;iHdmungu]•doitda1juidu m•i1•nt.l1HdeÁfrica""d11vi•aoÍIK'to
lEWfSR.BINFOittJ
médio-umaáreaemqueasobservaçõeshistóricaseetnográficas repreae
~Í:r~~cla~~:~f~~~~e~~:1~it::, ;:r:s~fer~:!~-;t:sn;su;:~sn~é8~0~·
1 6
~7i:~~~=~se~~~~::~S:r!~~;~J:i;;;fob~:~~;i~:!t.'qª't
tões do tipo •porque aconteceu?• U-.
CAPÍTULO VIII
Tive um proíessor que certa vez observou que podemos paBBar a vida in·
teira a tentar explicar por que é que o mundo é plano sem nunca o conseguir·
mos. Tinha toda a raz.ão: uma questão tola pode fazer-nos perder muito tem·
po. Procurarei, por isso, neste capitulo, começar por esboçar em linhas gerais
alguns dos principais modelos que t.êm sido adoptados pelos a rqueólogos e pe·
los antropólogos na abordagem do problema das origens da agricultura-um
fenómeno global que nalgumas regiões teve o seu início há cerca de 10 000
anos. Procurarei igualmente mostrar quais os pontos fracos que, na minha
opinião, existem nesses argumentos, e em seguida tentarei delinear algumas
pistas de investigação que me parecem interessantes. Essas ideias novas não
constituem de forma alguma uma argumentação acabada; trata-se apenas de
ten tativas de sondagem preliminar do problema. Parece-me, mesmo assim,
que elas de ixam transparecer algumas modificações ligeiras, mas significa·
ti vas, no modo como as questões devem ser colocadas.
•l)uwin,1875.
'Rolh,1887.
l.EW/SR.BINFOftD
'Braidwood.1963.
'PeakeeF10...n1,J927. •Bnidwoodellowe,1960.
'Childe,1928. ' BnidwoodeWilkiy,1962(nrg.),pp.132-46.
'll>id~ p.2. '" Bno.idwnod e Reed,1957.
'lkmpel,1965.
Vale rá a pena a~ inal ar a inda que na bibliografia idea1ista do pré e do pós-
-guerra se encontrava também frequentemente implícito um outro elemento
adicional. Os que teorizavam sobre as origens da agricultura, segundo as
linhas de raciocínio a que acaba de se fazer refe rência, eram por vezes confron-
tados com contra-exemplos etnográficos em que, por exemplo, um grupo
humano que habitava numa á rea onde existia milho selvagem não tinha,
porém, feito a sua domesticação. Uma das explicações que se avançava para
este tipo de situações era a que se tratava de gente estúpida e com dificulda-
des de ap rendizagem. In'lersamente, um grupo que praticasse a agricultura
numa área onde isso não seria de esperar tinha de ser considerado como um
grupo de excepção, uma vez que uma das variáveis determina ntes de que
dependia a teoria era a da qualidade do agente- isto é, a sua capacidade de
aprendizagem.
A abo rdagem childeana, que tinha em consideração a flutuação das pres-
s6eS selectivas, foi assim completamente substit.uida pelo ponto de vista de
Braidwood de que a agricultura era um processo emergente - um ponto de
vista que não encontrava oposição de monta na bibliografia arqueológica dos
anos 50. Títulos começados por •A emergência de[. ..]• eram, aliás, muito
comuns nessa época, durante a qual também se disc utiu muitoace rcadograu
de•incipiência• de vários fenómenos (sendo, inclusivamente, definidas diver-
sas fases - •incipiente-, •epi-incipiente• e •pós-incipiente•). A ideia geral
era a de uma Humanidade ignorante, aguardando a aurora da iluminação e
vagueando pela paisagem enquanto experimentava esta ou aquela solução
provisória. O desafio me nor que eu próprio coloquei ao ponto de vista de Brai-
dwood, num t rabalho publicado em 1968 1' , acabou por ter algum impacte
sobre a disci plina. A sua publicação coincidiu, a liás, com o aparecimento de
out ras posições em que também se argumentava que o crescimento demográ-
fico tinha tido um papel fundamental tanto no processo de inovação tecnoló-
gica" como no processo de desenvolvimento de formas mais complexas de sis-
temas sócio-politicos15• Esse meu ponto de vista acabou por aer adoptado para
a interpretação dos dados vindos do Próximo Oriente10 e durante algu m tem-
po go:i;ou de uma cer ta popularidade. A verdade, porém, é que ele padecia de
algumas das mesmas fraquezas que se encontravamjá patentes na argumen-
ta ~o de Childe, nomeadamente no que respeita ao facto de ae tratar de uma
combinação de teo ria e de história conjectura!, de um •esboço de explicação-.
Eu tentara usar algumas variáveis que pensava terem sido muito importan-
tes no quadro de um modelo baseado na visão do passado que existia nessa
época. Infelizmente, eHa visão do passado estava errada, o que fez que não
:::~[f~~~~;;3;g;~gª~á!iE~~;:~
'"Bcardlloy, 1956,p.134
• Rick,1980.
"Mad..,n,1979.
•Perlman,1980.
ªBinrord,19611-a.
como recurso para tempos de fome mas, nas novas condições ambientais, o leu,
verdadeiro valor acabou po r ae r reeo nh ecido e a utilização, suscitada pelo ara. den tariiaçAo. Presume-se, nesse caso, que a agricultura leva as peS!loas a
biente, destes recur sos altamente produtivos criou condições propfcia a l assentar, dado o maior grau de confiança que suacita, implicando, de acordo
aedent.ariz.ação e acabou po r dar origem à agricultura. eom o •princípio da preguiça•"", que se tome a decisão de abandonar a itine-
Um outro exemplo deste tipo de posições é o constituído pelo trabaJbo rtncia.
recentemente realizado por Niederberger'. Nas escavações que fei num d. Subjacente a todos estes pontos de vista encontra-se o gradualismo, sob
tio situado nas margens do lago Texcoco, no México, ela encontrou r estos de 15 suas diversas formas. Além disso, trata-se em todos os casos de ideias
pato, de veado, e de tábuas-ou aeja, vestígios de todos os recursos de que wn teleológicas. A mudança contínua mas gradual em direcção à utilização de
homem precisaria para viver, e todos concentrados num Unico lugar. N1o recursos fiáveis, a adopção de técnicas conducentes ao sedentarismo, pressu-
havia raiões para que um sítio como este fosse abandonado. E assim tem°' posto como objectivo absoluto, ou a tendência pa ra a redução do esforço são
perante nós todo um conjunto de argumentos sobre as origens da agricultu. nOÇões que se baseiam no postulado de que a evolução do homem está orien-
ra. Primeiro, o homem to rn ou-se sedentário porque encontrou um pequeno tada para uma dete rminada finalidade, e que, por isso, se ca racte riia por um
Jardim do Paraíso. Depois de já se ler acostumado à vida sedentária, ascoi.., progresso inevitável em direcção a esse objectivo final. Note-se que as abor-
a certa altura co meçaram a correr-lhe mal. Os patos, por exemplo, poderio dagens propostas pelos marxistas-estru.turalistas e pelos partidários da teo-
ler deixado de vi r em tão grande quantidade, obrigando-o assim a reeorrer• ria geral dos sistemas, que se debruçam sobre os processos de morfogénese,
formas de produção suplementar (isto é, à agricultura). Mas se é desta fol1?lll não são afinal muito diferentes dos primeiros ponto• de vista gradualistas,
que o sedentarismo leva à agricultura, então voltamos ao principio: por que visto a mudança também ser por eles concebida como um acontecimento ine-
é que os povos da Califórnia e da costa noroeste não adoptaram a agriculb,i. vitável. Tanto num como noutro destes dois estilos de discur so mais recentes
ra? Esta forma de argumentação ignora, aliás, uma parte importante doa se parte, com efeito, do principio de que o •sistema cultural contém proprie-
dados empíricos: de facto, enquanto a agricultura parece nalmente vir•de. dades autotra nsformadoras [. ..] Em vez de estarem em equilíbrio, as socieda-
pois• da sedentarização no Próximo Oriente, na Mesopotâmia, e até no Peru, des estão em constante devir L.J.. 31 Segundo estes pontos de vista, as trans-
a matéria de facto à nossa disposição para os casos da América Central eda formações da sociedade são fundamentalmente função das opções feitas pelos
América do Norte indica que nessas regiões a adopção de plantas domestica. homens, opções sob re como investir o tempo de cada um, ou sobre como usar
das terá "Pttcedido• o aparecimento de modos de vida sedent.ário121 • o rendimento dos investimentos produtivos: •L .. J como é que podemos ter a
Exiatemoutrosargumentos.Masosqueacabeideesboçarconstituemoe.. pretensão de falar em causação material das acções humanas, quando o que
aencia\ das explicaçõe1 até hoje propostas para as origens da agTicultura. A está em jogo em praticamente todas as situações éa imprevisibilidadeeacria-
tese gradualista defende que o bom em dese nvolve a agricultura porque se tor- tividade da mente humana?~33
na maia sabedor. A tese do Jardim do Pa raíso dii que isso acontece mais ra. Há ainda uma outra fo rma de gradualismo em que a propriedade vital que
pidamenteem ambientes ricos, que favorecem o sedentarismo, o qual, po r seu causa a mudança para a agTiculturaé vista não como vinda do interior do sis-
lado, é visto como encorajando a intensilicação da produção, ou a experimen- tema mas como resultado da acção de uma •força primordial externa•, uma
tação de modos de produzir quantidades suficientes de com ida no lim itadoea- pressão contínua do ambiente. Um bom exemplo deste ti pode argumentação
paço existente em redor de um povoado pennanente {ou seja, a agricu l tur1~ é a tese demográfica de Cohen:i;:,, em que o aumento da população é concebi-
Um possível ponto de vista alternativo (mas que ignora completamente 1 do em lermos de um malthusianismo quase puro: dado que as populações cres-
questão) é que é a adopção da agricultu ra que exige uma cada vez maior ... cem continuamente e sem co ntrolo, há uma pressão contínua e incessante em
favor da busca de novos métodos que permit.am melhorar o aprovisionamen-
to alimentar.
A minha opinião é que devemos começar a olhar com muito mais atenção
d.."~:;::,~~rc~:~:t~~=~~~n:v~Ii~~.:'e~:!'~:~:1~~r:::t.':11~::".:
para formas de argu mentação de tipo darwinista, em que as forças promoto-
ras da mudança silo consideradas como residindo na interacção entre o am-
pC!ito de> ambiente. Oquo Haydcn dcxrcvei:omo recu,...,., tiávci • •de sclOCf.le>'R'• e.lo prceia-
mcnt.c,,. que pe>dcm ...,. cxpforadc. tom um mini mo de infor mação llClbrc o •mblon\.O, d•do 1.eit-
bie nte e o sistema adaptativo em causa. Numa perspectiva deste tipo, o sis-
dercm a ""r""t.ade>n6ri01 e agrcgadc.. N.lo del11 porisoo dc scr curi.,.., que scjam prcciu. mett· tem a adaptativo pode passar por períodos relativa mente estáveis, de duração
tee.te1oorocu,...,.,que Haydenpcn.. queohomemi:omcçaaexplorar l rnedidaqlM!Hval tor-
nandoma!t «1nh"""dorodol<!uamblcnte.
•Nicderbcrger,1979
• MacNei1h, 196<1, 1971. 1972. !A~ lmpOrtantcob...rvaç.lo foi rceonhecida pOT PlanJ>el)' • Porcxempk>. lt.yden, 1981. p. 5'1-4: ·P•rcce-meevidente que. mantendo-... Hl'fftanla
(1973)e porBender(l978), e lgtie>n.danumlr•h•lholbrecentettnn<>odeHu11n(l98l). N.lo <oodiÇ'Õffinalu.nd.. ,01uç•dnrt.-rccolcrtol'ff adnpUrllle.tn~•1queenW>lvamummfnl·
tcohe>d6vidu de'!ue ff• ... n provavelmentti argumentariaqueOI HWI ll'ICldekil pan .. origeall -demovi mento.•
da produção de ahmenu. oóaaplkam 1 Paletll n1,e que devem aerenconlrad'" nplicaçM .,Be..der,1978,p.207.
partX:ulal'ff paral.Cld..1111utl"H~. ªBennet,1976-G.p.848.
•eot.en,1977.
254
LEWIS R. BINFORD EM BUSCA DO PASSADO 255
vari~vel, durante os quais consegue enfrentar com êxito as perturbaçõe d tem essa experiência como muito traumatizante. Na prática, acabam por
ambiente. A mudança torna-se selectivamente vantaJ· osa quando as táct~ 0 estar sempre a escapulir-se, realizando grandes viagens pelo seu território e
.
an te normen te em pregues pe lo sistema
. - podem contmuar
nao . a ser usadaicas regressando com longas narrativas acerca do que observaram: quantas pis-
. - .am bºient ais
qu ªd ro d as novas con d içoes · entretanto cnadas.
. A origem dess no tas de alce viram, onde é que os patos estão, qual a qualidade da lenha numa
mudança pode estar nos efeitos acumulados ao longo da história do pró ~ certa área, se houve fogos na floresta, se há neve acumulada sobre a super-
· te_ma, mas ess~s efie1tos
s1s · ~esu lta~, por su~ vez, d~ acumulação de transfor.
Pno fície gelada dos lagos, qual a espessura do gelo nos lagos utilizados para a pes-
~a.çoes .na~ r.elaço.es ecológicas, e .nao da acçao contmuada de quaisquer Prin. ca, etc. Tudo informações de importância crucial, sem as quais não se pode
c~p1os v~ta1s mter1ores ou de quaisquer pressões incessantes vindas do exte. tomar decisões sobre o que fazer no caso de haver alterações na situação de
r10r. Childe fez um pequeno avanço em direcção a uma abordagem deste tipo segurança em que se supõe que as coisas se encontram - por exemplo, o que
mas aca?o~ ~or ser derrotado com b~s~ e.m argumentos de natureza estrita~ faz er no caso de os ursos pardos conseguirem penetrar num esconderijo e a
mente h1stonca. Parece-me que sena util retomar uma vez mais esse camj. carne aí armazenada se perder. A sobrevivência depende inteiramente da
nho. tomada de decisões acertadas, a quaJ, por sua vez, se baseia em informações
recolhidas numa área muito vasta. E por isso que a maior parte das desloca-
ções feitas por estes esquimós não era motivada pela «ausência» de comida
mas sim pela sua «existência». O facto de haver comida em quantidade num
A itinerância como opção de segurança entre determinado lugar significava que esse era um lugar a que se poderia regres-
os caçadores-recolectores sar sempre. Deslocar-se para longe em busca de recursos mais falíveis torna-
va-se, nesse caso, uma estratégia segura, de baixo risco. Na realidade, a
maior parte das deslocações relaciona-se com situações de abundância de
A m~ioria dos argumentos anteriormente referidos tem em comum 0 facto comida, e não se vê como é que uma tal situação poderia ser explicada como
de pa:tilhar un;i mesmo pre~suposto: o de que o homem procura evitar as des- manifestação de obediência ao princípio da preguiça.
locaçoes e deseJa o sedentansmo34• Será que esta suposição é justificada e se Registei exactamente o mesmo tipo de comportamento no deserto central
s~m, porquê? D_o ponto de vista de ~ma espécie como a nossa, em que o ob1ec- da Austrália. Estava a trabalhar com um grupo numa área com elevada den-
bvo é a obtenç8:o de um modo de VIda seguro, por que é que a itinerância há- sidade de caça: no decurso de uma deslocação a pé pudemos, por exem pio, con-
-de ser .um~ co1s~ má e permanecer no mesmo lugar uma coisa boa? tar nada menos de oitenta e cinco cangurus durante as quatro horas da sua
. A pnme1ra coisa que me impressionou foi uma simples observação empí- duração. Se a tese do Jardim do Paraíso fosse correcta, podia supor-se que o
.,.nca:\wrmrgv\r-c:fÜi~a-üecaàa, s.erfao desde há mâis tempo ainda, tanto eu grupo ime-diatamente se estabeleceria nesse sítio até acabar com os cangurus.
com~ os meus alunos tivemos ocasião de passar por uma série de experiências No entanto, o que se passou foi precisamente o contrário. A abundância de
de VI da e de t~abalho entre povos itinerantes-esquimós do Centro--Norte do caça deu-lhes a segurança necessária para se deslocarem até ao outro extre-
Alasca, abor1ger:ies do de~e!to central da Austrália, bosquímanos Kung, do mo do território, que já não visitavam há bastante tempo; se alguma coisa cor-
Botswana, horticultores itmerantes do Norte do México. Nenhum destes resse mal podiam sempre regressar à situação conhecida e segura. Estou con-
povos pensava que a itiner~nc~a fosse uma coisa má. E, no caso dos caçado- vencido de que todos os sistemas baseados na caça e na recolecção funcionam
res-~ecolectores «puros», a ideia de que uma tal avaliação fosse possível era deste modo. Os caçadores-recolectores não têm por costume estabelecer-se
considerada uma loucura rematada, e por uma razão muito simples, bem nos locais onde os recursos alimentares são abundantes e deixar-se «embe-
expressa nesta frase de um velho esquimó : «Enquanto permanecer aqui no bedar» de comida. Pelo contrário, aproveitam a circunstância de deparar com
mesmo lugar, não conseguirei saber o que se está a passar nos outros lad~S». situações desse tipo para se deslocarem para outras áreas, na maior parte dos
Este mesm~ esquimó explicava ainda que ter um modo de vida seguro era algo casos com o objectivo de recolher informações. Para que um sistema se seden-
que dependia totalmente da tomada de decisões acertadas sobre as desloca- tarize é, portanto, preciso, penso eu, que se dê o surgimento de um determi-
ções a fazer, a qual depend!a p~r sua vez do conhecimento do que se estava a nado conjunto de circunstâncias que, por um lado, torne esse tipo de informa-
pa.ssar em toda uma vasta area, de momento não explorada directamente. Ou ção desnecessário e que, por outro, faça que a deslocação no interior de um
SeJa, para obter o conhecimento suficiente para a tomada de decisões pruden- território na sua maior parte desabitado deixe de ser uma opção realista.
tes acerca dos recursos e do seu desenvolvimento era necessário manter sob Chegados a este ponto, vejo-me obrigado a lembrar uma vez mais a «esca-
observação uma vasta extensão de território. la»em que funcionam os sistemas baseados na caça e na recolecção: nem todos
~uando, ent!e os esquimós contemporâneos, os homens são forçados, por são grandes, mas não há nenhum que seja realmente pequeno. Vimos no capí-
razoes burocráticas de natureza diversa, a permanecer no mesmo lugar, sen- tulo VI que os caçadores de caribu com quem trabalhei (que, é verdade, cons-
tituem um caso extremo) concebem o seu território em função dos ciclos de vi-
14
Ver as notas 19 e 28.
da. Um grupo de cerca de três dúzias de pessoa~ pode chegar a utilizar uma
área de cerca de 22 000 km 2 durante a sua vida. E uma área enorme, mas que
U:WISR.BINFOltJ)
~t~EE}Ef~~i~§~.?
para atravessamento dos cursos de água, as pistas seguidas pelos animais de
caça, etc. Uma das coisas que fiz durante o meu trabalho de campo constitui
um bom exemplo desse saber exaustivo. Depois de ter fe ito um inventário dos
esconderijos de utensílios, perguntei aos caçadores de dois bandos, cujos te r-
ritórios se sobrepunham parcialmente, quais eram as respectivas localiza-
:;::~::::::::::!az'.,'!;::::.':!iwromao«11 ...ododLui<ladc~•ilintrontaow
inl<!rior.
ções: não houve praticamente nenhum que não fosse capaz de me fornece r
uma listagem exacta dos esconderijos de utens11ios existentes numa área de
quase 250 000 km 2• É uma informação que não se pode obter se se levar uma
vida sedentária! Na realidade, todo o sistema edu cativo dos Nunamiut esta·
va voltado para a aprendizagem de tudo o que se relacionava com esse vasto
espaçoedasváriasalternativasdevidaqueneleeram possíveis.
É fácil de compreender, com efeito, que num espaÇQ de tão grande dimen-
são existem vá rias alternativas possíveis quando se verifica uma quebra nos
recursos proporcionados por um determ inado mic ro-ambiente. Em 1910, por
exemplo, a população de caribus do Centro-Norte do Alasca sofreu uma que-
LEWISR. BINFORD
f;M8USClo DOPloSSMJQ
Alguns subiram o rio Colville para pescar e armazenar peixe; outros i nicia.
rama caça sazonal de carneiros da montanha no vale Dietrich, uma zona do
seu território que ultimamente não vinha a ser utilizada; outros começaram
a competir com os índios Athapaskan pela exploração de um outro rebanho de
caribus oom territórios de Inverno e de procriação diferentes; outros ainda
foram para a costa caçar focas. Nenhuma destas estratégias a lter nativas teve
de ser aprendida. Os homens já conheciam ejá tinham experimentado todas
:::~~;~té~~sof~~~~:C~~~i:o~ev~~?:~=~~i~~::~o~ss~~!çS::: ;_:~1;:~:
bilidade•-mobilidade que lhes permitiu a acumulação de um banco de infor.
mações, com base no qual se procedeu à selecção das alternativas-que lhes
foipossívelobteresseconhecimento.
Regressemos agora à nossa questão inicial acerca das origens da agricul.
tura, mas encarando-a a partir de um ponto de vista diferente. O que é que
poderia obrigar um grupo de pessoas a mudar de um sistema baseado num
•banco de informações• (a caça e recolecção) para um sistema baseado nu m
• banco de trabalho· (a agricultura)? Permanecer no mesmo sítio a tomar
conta de plantas é um modo de ganhar a vida totalmente diferente das estra-
tégias itinerantes que acabei de definir em linhas gerais. Na minha opinião,
o papel decisivo na explicação dessa mudança deve caber a um qualquerfactor
que terá impedido o funcionamento da itinerãncia como opção de segurança,
o que me leva a retornar um oonjunto de ideias que apresentei há já algu ns
anos: apesar de o conceito estar actualmente fora de moda em determinados Fig. 133. - Tm" spl1111ta"do "'bo" W.. d~ arroz para ""a rrozais (Naga OhiMwa, 1951).
quadrantes, continuo a estar convencido de que o aumento da população deve
ter um papel de relevo nesta questão.
O aumento da população
e as opções de subsistência
doscaçadorcs-recolectores
que nesse momento está desabitado. Em condições nor mais, porém, o grupo caçador que dantes caçava alce!' e armazenava a sua carne v~ agora obri-
inteiro só para lá iria daí a mais cinco ou dez anos, pelo que esta mudança de
uma parte do grupo é de certo modo prematura. Quando os recursos do te r- ~:~~~:~~~~:i:~::. ~~mr:~~::~s;~~~':s~;;~:~~:;:;~e~:~:;:~:
ritó rio •A> começarem a aproximal'-se do esgotamento, o resto das pessoas mais ele aerá obrigado a concentral'-6e em ammBls de _pequ~no t;amanho, ~ca
que continuam zangadas com os seus parentes, vai para o território •C. e~ ba ndo inevitavelmente por ter de se afastar dos própnos amma11 e de se vu ar
bª~!aj~~~nJ!se~~;;;i;:~~~eª~~r~e:~~;;~~t;:~~:~:~~f:sl~~~~:
vez de ir para o ·B•. Ao fim de um espaço de tempo relativamente curto pas-
sa a haver dois grupos de parentesco em vez de um, ambos utilizando (corn
toda a legitimidade) áreas diferentes do mesmo territó rio vitalício, mas em completamente diferente. Em pnme1ro lugar, haverá um~ mudança para a
simultAneo. Em vez de usado de foram sequencial, corno aconteceria na exploração de outras espécies animais, .geralmente aquát1caa (e, de facto, a
ausência de pressão populacional, o território passa a ser usado de fonna primeira resposta ao aumento populacional na zona temperada par~e ter
saltitante em consequência da separação e da segmentação provocadas pela sido a viragem para os recursos aquáticos). Em segundo lugar, haverá um au-
competição no interior do sistema. A continuação do aumento populacio nal mento da dependência dos vegetais. Ji'.• em terceiro l~ar, à medida qu_e ~
provocará a ocorrência de mais conflitos (tenho bons exemplos registados população continua a crescer num amb1ent.e em que deixou de haver poss1b1-
etnograficamente), e enquanto o grupo do território •B• se desloca, por exem- lidades de expansão, o aumento da procura d~s con~umidores, no qu.adro de
plo, para.[),., o que estava em •C• volta a dividir-se, desta vez em dois gru. um espaço de limites mais restritos, torna obngatóna a adopção de sistemas
pos que se evitam mutuamente e que se instalam em .E,. e •F•. Quando o gru-
po que está em ·O. dá a volta completa e regressa aoter ritório•AI-, muitos dos
r~ursos n~essários para que lá se possa viver não te rão ainda recuperado-
de b:"1~~~~ ~:~:~~~:o~:ió~~t::~~~ª~delo de densilicação• é algo c.om
no Árctico, por exemplo, os salgueiros utilizados como lenha precisam de um que pode ser difícil trabalhar. De que modo poderão os arqueólogos med_1r o
tempo de recuperação de cerca de quarenta e cinco anos. Em condiç()es nor-
mais, isso não constituiria problema porque os grupos, em princípio, não ::~~~:~1:-~~~~~!~~~:aºsf::::::ddêen~fc:s~~:a~~d~~~;ecee:t~dS::!~~~'.
regressariamaomesmoterritórioantesdepassadosunsbonsquarentaanos. tomas para tentar identificar a doença. Um dos •sintomas- CUJa ~amfestação
Mas é evidente que haverá dificuldades se o regresso se íizer ao fim de a pe- nos poderia levar a suspeitar estarmos pera_nte um caso de func1 on~ mento do
nas doze anos. modelo de dens ificação seria o de a domesticação das plantas ter sido prece-
À medida que a região se começa a encher, os bandos começam a ter pou- dida de tentativas dos caçadores par~ co~seguirem um c?ntrolo das manadas,
casou nenhumas opções de mudança: a sua mobilidade sofre restrições, e a ou até mesmo a domesticação dos animais. Parece que é 1ssoque aconte.ce naa
exploração dos recursos torna-se mais concentrada. De facto, o aumento da sequências arqueológicas do Peru, onde cobaias e ca~eHdeoa domesticados
densidade populacional a.mtraria frontalmente a estratégia normalmente aparecem cerca de 2000anos antes das plantas dome~t1cada~. Do mesmo mo-
utilizada pelos caçadores-recolectores, de usar a itinerãncia como uma opção do 0 trabalho de Dexter Perkins e de outros no Próximo Onente sugere que
de segurança. Uma das respostas interessantes que podem surgir em situa- ta:Obém aí a domesticação das ovelhas e das cabras terá sido ~nte~or à daa
çõea de ate tipo é o aumento das visitas individuai& inter-regionais(uma vez plantas•. Alguns factos deste género, que até há pouco eram d1fíce1s de com-
que deixa de ser possível que grupos inteiros se deloquem de região para
região, como acontecia anteriormente). Este fenómeno pode estar relacio na- pregc~~~~:d~c~: :~1:~: :i~~z:ds:nn~~~·é outro sintoma interessante.Já
do, por um lado, com tentativas de superar dificuldades ocasionais ou, por ou- anteriormente referi que um dos grandes contrastes entre o Velho M~ndo e
tro, com a intenção de educar as crianças no conhecimento do território como Peru, por um \ado, e a América Central edo Norte, por outro, éo qu~ diz res-
um todo, coisa que é, porém, completamente irrealista, dado que elas nunca 0
peito à ordem por que se deu o aparecimento de po~oados seden_tár~os e doa
te rão oportunidade de se mudarem para as outras partes do território. Bas- primeiros indícios da utilização de plantas domesticadas: no pnme1r.o caso'.
tante mais significativas são, no entanto, as respostas que surgem no que res- são os povoados sedentários que apa recem antes ~as planta~ domest1ca~as,
peita à •natureza• dos recursos alimentares uti liudoa. no segundo caso, passa-se exactament.e o contrário. Se partirmo~ d? pnncf-
Existe uma relação aimples entre o tamanho de um animal e o espaço de pio de que as proteínas animais desempenham, com toda a veros1m1lhan~a,
que neceasita para se alimentar. O espaço neces!}á rio para alimentar um a ni-
mal com 50 kg a 60 kg é bastante grande (e no Arctico é mesmo muito gran- um papel importante tanto no que respeita à nutrição como no que respeita
de). Se o caçador tiver à sua disposição uma área de 20 000 kmt a 25 000 km 1 à reprodução humanas.ri, somos obrigados a concluir q~e a agricultura -~ão•
é provável que consiga abater regularmente alces e caribus. Se, no entanto, pode por si só resolver o problema da densificação. Alimentos alternativos,
essa área se limitara um espaço com cercade80km de lado, pode ser que mes-
mo assim continue a poder caçar caribus (se houver alguma rota de migração
que atravesse o seu território), mas já não terá possibilidade de apanhar 01
alcei, porque o território destes animais é muito maior do que seria o seu. O
UWISR.8/NFOR{) l!/tf/JUSCltDOPASSADO
tais ~orno os recursos aquáticos" e a domesticação de animais, ajudam a in. tão limitados e a caçadas de rn ve rno tão más que o marisco se torna o único
te ns1ficar a produção para uso humano de alimentos de origem não vegetal alimento acessível logo desde o início da Primavera.
N e~sas condições, o des_envolvimento das tendências sede ntárias pode se r a n: Odesenvolvimentodetodasestas ideias poderá vir a revelar-se muito pro-
ter1or à a d opção da agricultura, a qual, apesar de poder vir a aumentar de irn. veitoso. Mas há outra coisa que é import.ante sublinhar : é que não há nenhu-
port.Ancia como estratégia de •obtenção de calorias•, não chega para resolver ma forma de põr directamente à prova, confront.ando-as com o registo a rqueo·
o desequilíbrio nutricional entre alimentos animais e vegetais. Na Amé rica lógico, todas estas teo rias ou modelos sobre o porquê das ~isas. Pratica mente
Ce~tral e do Norte e na~gumas regiões da Europa temperada, a adopção da todas as teorias a que anteriormente se fez referência no contexto deste
agncultu~~ parece ters1do antecedida de uma tendência para a sedentariza . debate atribuem significados diíerentes ao facto, arqueologicamente demons·
ç~~· prop1c1ada pela ~xploração _dos recursos aquáticos. Por outro lado, no, trável, de que o consumo de recursos alimentares cada_ vez -~ais pequenos e
s~t1os em que i:ião ~avia al~rnallvas aquáticas e em que não se deu a domu. estacionários foi aumentando ao longo do tempo. Menc1one1Já que Flannery
ticação dos amm~1s, a ag;i~ltura ~ ntinu ou a ser apenas uma est ratégia de designa isto como constituindo a •revolução do espectro amplo•, uma adapta·
obtenção de calonas, e a 1tmerãnc1a permaneceu como única forma de asse- ção dos caçadores à vida fora do Jardim do Paraíso. Para Hassan, este padrão
gurar a aquisição de comida animal (em grande medida de origem continen- resulta da compreensão, adquirida como consequência das modi~cações am-
tal~ não aq~ática). Nestas circu.nstancias, a sedentarização só resulta forçosa bientais, das vantagens inerentes à exploração de recursos fiáveis. Segundo
n:iu1todepo1s da adopção da agncultura como estratégia de•reíorço• , e numa Cohen, estes mesmos factos constituem bons indícios da existência de um a
situação em que os patamares de densificação são já muito mais elevados. ligação entre as estratégias de subsistência e a pressão demográfica em geral,
Um outro sintoma consiste no que Flannery"' chamou a •revolução do ou seja, do facto de a quantidade de comida disponível aumentar me~os qu.e
espectro amplo.o. Na realidade, porém, tratou-se antes de uma •depressão- do a procura dos consumido res, obrigando a que se recorra cada vez mais à uti-
espectro amplo, não de uma revolução. A medida que a densidade populacio- lização de alimentos menos •desejáveis•. Hayden considera, po r sua vet, que
nal dos caçadore&-recolectores que habitavam uma determinada região ia o aumento da utilização de recursos •de selecção 'R'•- aqueles que se repro·
aumentando, eles viam-se obrigados a concentrar-se nos animais de meno r duzem rapidamente e em grande abundância-é uma consequência da sabe-
tamanho, a aumentar a variedade das espécies exploradas, a usar quantida- doria acumulada por populações que estiveram sujeitas a uma tensão contí-
des cada vez maiores de pacotes alimentares cada vez mais pequenos, de for- nua e incessa nte 40 . Eu próprio tenho vindo a deíender aqui que estes factos
m~ ~compe n sarem a inviabilização das estratégias mais especializadas que r eflectem uma táctica de intensificação. O funcionamento dos mesmos meca-
utihzavam quando a caça ndoestava constrangida por peias espaciais. Es ta nismos homeostáticos que fazem que os grupos locais de caçadores-recolec-
mudanç~ constitui talvez, em si mesma, uma das nossas melhores pistas para tores se possam manter na situação óptima, que é a de serem de pequena
o entendimento dos processos que levaram ao aparecimento da agricultura. dimenstio, tem igual mente como consequência que o território que cada grupo
Estou convencido de que já não íalt.ará muito para que - utilizando como individualmente considerado efectivamente tem à sua disposição vá dimi·
índice a r azão entre a diversidade e o t.amanho das espécies - venhamos a nuindo. A medida que os grupos vão sendo cada vez mais numerosos, o leque
estar e~ condições de predizer com precisão em que ponto das sequências ar- de localizações alterna tivas por que cada um dos grupos pode optar vai-setor-
queológic_as dev;rão começar a aparecer os primeiros sina is de estratégias de nando cada vez mais reduzido, obrigando a um uso intensificado de segmen·
trabalho intensivas. Pelo menos no que à cost.a leste da América do Norte diz tos de habitat cada vez mais pequenos.
respeito, os estudos desse tipo parecem estar a dar bons resultados. É possí- Todas estas teorias deíendidas por diferentes arqueólogos não são mais do
vel demonstrar, por exemplo, que qualquer grupo de caçadores que tives8(! que maneiras diferentes de atribuir significado a um mesmo padrão empfri·
sido forçado a subsistir com base no marisco logo a partir do mês de Feverei- coque pode ser observado no registo arqueológico. E tenho a certeza de que,
r o estaria a caminho, a cu rto prazo, da adopção da agricultura. Por outras além destas, muitas outras interpretações poderiam ser propost.as. Também
palavras, parece possfvel afirma r que o cultivo do milho está iminente sem- tenho a certeza de que, utilizando outros padrões empirfcos (també m eles
pre que a pressão sobre os recursos dá origem a armazenamentos de Outono sujeitos à ambiguidade das interpretações), seria ainda possível desenvolve.r
linhas de argumentação alte rnativas, em que as causas propostas para as o~
gens da agricultu ra seriam r:iuito diíerentes destas. De que modo deve ser íe1·
• O.born(l917Jpl'OC\lroudemon.t.nrqooo.rccunooaq"'bto.nlooon11tillM:'m.Judin. ta a opção por uma ou outra dessas várias interpretações alternativas dos
~p....,.r-. Yc.ne1(1980Jroeonhtte.exiltl!ncladewnproblem•hlol6rico:•H•1Wt1nooaqd- mesmos íactos? De que modo deve ser íeita a opção por uma das várias teo-
::-r!"':,":i~"':::O~°:.c:".:o~•=?t'.':,~=:.:e~':!~":~t;fe•,::~e:~ rias, e por um ou outro dos conjuntos de pressupostos em que elas assentam?
Nos casos aqui apresentados, as regras de cognição de rivam, de um modo
~dHregiOOI001le1fQcomo0>:emploode•th.pt.ações•oen'rio.euepcion•lment.epro geral, das teorias propostas. rsto é, os significados dados às observações ar -
~ut1..,.,Mqu•l1pe~\en!m 1idom uitomai1mm un1noJl'IHldo.A1u1idciade q""U"m1
bgaçloentn11 malor d1ve,.ld1dedoo n!CUl'-<'o m1iorocdcnt.11.riamoverificado n<'11.eo local1
e.UI....i;.C:::.~~ =·nconoelto de •N"llluçlodocspoctro •mpl.,..
• A1 roforGndu1lo dadu nu not.as 17, 26,33 e 39.
~ CAPÍTULO IX
OS CAMINHOS DA COMPLEXIDADE
'Binford,1964-a.
LEWISR. BINl'ORD
EMBUSCA OOPASSADO
uma dessas correntes, enquanto o Marshall Sahlins acabou por seguir a ou-
tra1.
Eu estava convencido de que a origem do Poder residia na eJ:ist.ência de
cmonopólios- de produção, e que esses monopólios correspondiam em grande
medida a respostas funcionais dadas por sociedades dependentes do armaze-
namento e cujos recu rsos alimentares apresentavam uma distribuição espa-
cia1 descontínua e muito concentrada. Os dados arqueológicos e etno-histó-
ricos referentes ao Leste da América do Norte pareciam, com efeito, indicar
muito claramente que os peixes anádromas (isto é, os peixes como o salmão,
que vivem no mar mas sobem os rios para desovar em água doce) eram um
recurso crítico para os grupos humanos que de pendiam do a rmazenamento.
Tratava-se, porém, de um recurso cuja acessibilidade se encontrava restrin-
gida a locais muito específi cos, uma vez que são peixes dificeis de apanharem
ágUas profundas e que, quando chegam às zonas de pouca água,já estão num
estado em que o seu valor nutritivo é tão baixo que não vale a pena pescá-los.
Só a partir de pontos determinados do ambiente é que se padia ter acesso a
esse recurso. Os grupos que viviam junto a essas cjanelas de acesso- dispu-
nha m, portanto, de um eíectivomonopólio de recursos críticos, oqua1 podiam
explorar em seu proveito para fins políticos regionais.
Continuo a pensar que este modelo simples fu nciona muito bem para
quase todas as sociedades norte-ame ricanas de base despótica e com uma
grande hierarquização sócio-política que se conhecem. Na sua maior parte,
tratava-se de unidades políticas de pequena dimensão, raramente exceden-
do as três mil pessoas, o que é muito interessante'. As unidades políticas de
maior dimensão tinham, com efeito, um tipo de integração muito diíerente,
que recorria à coníedcração ou a outras formas políticas mais •democráticas•.
Poderes de vida e de morte verdadeiramente ditatoriais, como os exercidos
pelos indivíduos que de tinham posições de chefia nesses sistemas de peque-
na dimensão baseados na monopolização de recu rsos, não existiam nos outros
tipos de sociedades nativas da América do Norte. Nas grandes alianças polí-
mica interna, de ten~ênc~a intrínseca para o crescimento progressivo: ou seja, ticas, as decisões sobre a guerra ou sobre a resolução dos conflitos dependiam
os grupos que à partida tinham adoptado o rumo certo tinham muito mais hi- normalmente do aco rdo unl.inimede conselhos em que se encontravam repre-
póteses de se tornarem civilizados do que os que despe rd içavam as suas vidas sentados dive rsos segmentos sociais e grupos de parentescoi. Os sistemas
a íazer c_oisas que os mantinham arastados do caminho directo para a civili- organizativos deste tipo podiam ser mesmo muito grandes, havendo hegemo-
zação ocidental! Nãoédificil de perceber que estes pontos de vista não servem nias políticas que chegavam a cobrir mais de 750 000 km 1 e a integrar para
para nada, e não vale por isso a pena perder mais te mpo com eles. cima de duzentas mil pessoas. O registo etnográfico norte-americano a pre-
senta, portanto, grandes contrastes: por um lado, confederações políticas
muito extensas, em que o poder era investido em organizações de tipo conse-
lho e não em posições de estatuto social elevado preenchidas a título indivi-
Monopolistas, aJtruístas e grandes homens
'So.hlln1,1958.
Naépocae!11'1-uecom~eiaestudarasorigensdossi stemascomplexos(es •No Atnfric1 do Nort<i.o podrio de i-1ucn11 chefatun.1 baM1da1 no poder a que oqul..,
tudo que real~e.1 a partir de uma perspectiva marcadamente americana, a fu nforfncia IA!m uma dittribuiçioCO!Slein., começ1nclo na b1f1 de Chetap,..kee pmlonpn-
qual é, sem ~uvida nenhuma, bastante responsável pela coloração própria d-p1n.1ul, 11>lonrodatofotaaUlotira(dcle fnoodo"*'rt<igrupo1como.,.Gu11e),daoclod&-
poi11vol"" i f'C11'i'oda Flnl'id1echcgando1~00GolfocloMéKico. Embon 1lgun11iotemH..,..
que c.ar~cte_ru:a os meus pontos de vista), havia duas correntes de pensamen- meli..nt.eneeot.endeuempolnv1le doMiuiuippilcima,t.nrnu1m-.e muit.n..,..~nlJ"Olaolon·
to pnnc1pa1s. Nas teses de doutoramento que então preparávamos, eu segui rod1portedotof.UcloGo1r..1itwul1a"""1.edaro..cie.teno.
•J>orcoemplo,Cearing,1962.
l.EWJSR.BINl'ORrJ !M BUSCADOPASSllDO
levando-o a afirmar que a génese das chefaturas e dos estatutos sociais inves-
tidos de poder estava fundamentalmente relacionada com comportamentos
altruístas, ou seja, com a prática da redistribuição dos bens, directamente
realizada {ou pelo menos organizada) pelos indivíduos com posições de chefia,
de forma a que todos os membros da população tivessem acesso igual aos
di ve rsos produtos fabricados nas diversas regiões vizinhas. Este modelo,
como é óbvio, pressupunha a existência de populações sedentárias. O seden-
tarismo, por sua vez, era visto, em combinação com a diversidade ambienta),
como a base mecânica da diversidade produtiva eidstente a nível regional
(uma vez que tornava impossível que pessoas que viviam em sitiosdiferentes
pudessem produzir coisas idênticas). Esta dive~idade podia fazer que a cur-
to prazo algumas pessoas ficassem em posição de vantagem sobre as outras.
Para que se pudesse manter sem competição, o sistema tinha de ter no seu
topo um •altruísta bondoso•, alguém que tivesse poder suficiente para cha-
mar a si a produção excedentária de uma determinada área e para a redistri-
buir por outras áreas menos produtivas, ou em que os produtos obtidos fossem
outros•.
A origem deste elássico•modelo de redistribuição• está, portanto, relacio-
nada, pelo menos em parte, com o facto de Sahlins ter chegado à conclusão de
que gostava dos chefes da Polinésia em vez de os odiar! Os artigos críticos•
começaram a. aparecer logo após a ap resentação destas ideias como tese de
)
doutoramentope\aUniversidadedaCo\úmbia. Essascríticasargumentavam
que os próprios dados usados por Sahlins mostravam que o seu modelo não
tinha sentido. Com efeito, nas ilhas do Pacifico com grandes elevações de ter-
Sim bolos reno e em que a diversidade ambiental égrande{elemenl.o que se encontrava
•• POYC>ado implícito na argumentação de Sahlins), os territórios políticos encontra·
~· AIOOia
torno do qual se dará uma gravitaçil.o residencial das pessoas. Quanto melho. nião de que só se pode falar verdadei r amente em pode r quando estamos pe-
;~ ~~::d!d~ºens~ç:~i~s:~rd~~:~aS:f~~~3!::0ddeº~~r:~~;:,°!:~t;:: rante situações em que é possível renegar impunemente uma relação social.
Por exemplo, nós fazemos um acordo: •O que é meu é teu, o que é teu é meu.•
vado ~rá o estatuto social. de que se.goza. E se por acaso os problema& com aa Se, perante quaisquer dificuldades eventualmente sobrevindas, me for pos-
colheitas acabam por surgir, os seguidores de um determinado grande homem sível ignorar pura e simplesmente esse acordo e não sofrer as respectivas con-
dispõem efectivamente da protecção de curto prazo que lhes é dada pelo fac- sequências, isso significa que acabei de dar o meu primeiro passo em direcção
to deele poderusarassuaa alianças paraobtere-0mida paraosa1imentar. Maa ao poder. Esta é uma noção negativa do poder, o qual é normalmente conce-
assim que as alianças forem invocadas e o crédito a elas inerente for liquida- bido como o •instituir- de.regras que nos beneficiem; na prática, pelo menos
do, o grande homem começará a perder estatuto (o qual, na realidade, signi- de um ponto de vista evolucionista, parece-me, porém, que o poder terá mais
fica apenas te r o poder de oferecer segurança). Os seus seguidores começa.rio a ver com o •infringir- as regras em beneficio próprio e safar-se sem proble-
a afastar-se e procurarão acolher-se sob a protecção de outro grande homem
que lhes pareça capaz de oferecer mais segurança. mas. Talve:t devêssemos, por isso, concentrar a nossa atenção nas condiçGes
que, no contexto de organi:tações baseadas na existência de grandes homens,
O resultado deste sistema eficaz e interessante é uma contínua movimen-
tação das populações através do seu habitat, numa adaptação quase perfei- poderiam dar aio a que isso acontecesse.
ta às flutuações da produção nas diversas áreas do território. Ao e-0ntrário do Seja como for, é importante que tenhamos uma noção clara das diferenças
que se pas_sa ria nos hipotéticos sistemas de chefatura de Sahlins, em que o ea- entreoschamadossistemasredistribuitivoseossistemasdegrandeshomen•.
~tuto social estaria relacionado com a distribuição de bens de consumo, noa Os primeiros não devem ser de detecção muito fácil no mundo das culturas
s1s~mas de grandes homens são as •pessoas~ que ci rculam, não os • bens-. O. primitivas; aliás, talvei nunca tenham sequer existido, excepto na imagina·
efeitos das flutuações de curto prazo verificadas na produção são anulados ç!lode Sahlins. A movimentação institucionalizada de bens em grandesquan-
pela existência de estatutos sociais diferentes, em consequência dos quais a tidades é, afinal de contas, uma característica das sociedades estatais indus-
distribuição da populaçil.o pelo ambiente vai sendo constantemente actuali· triali:tadas e não das sociedades primitivas' . Por outro lado, o registo etnográ-
zada em funçil.o dos níveis de produção efectivamente existentes. fico parece indicar que os sistemas em que se verifica um reajustamento con-
~arece óbvio que, nos ambientes estáveis (com diferenciais de produção tínuo da distribuição dos consumidores (e não dos ben• ) aos diferenciais de
m11_1s o.u menos permanentes, determinados pelo ecossistema), a emergênda produção pareeem estar muito difundidos, e, de facto, sabemos já bastante a
de md1vfduos com estatuto social elevado, que nunca precisem de invocar as seu respeito. Não terão eles sido igualmente comuns no passado pré-histó-
suas alianças, deveria em principio ser mais fácil, podendo constituir a base rico?
a partir da qual a manutenção de distribuições diferenciais de população e de
estatuto social viesse a ganhar uma certa continuidade no interior de uma de-
termi na~a região -isto é, a partir da qual começasse a surgi r nessa região
uma sociedade complexa, com poder institucionalizado e desigualdades de Intensificação e cspcdalização
riqueia. No entanto, não parece ser esse o caso. As alianças de um grande
homem são negociadas a título individual e não podem se r transferidas para
outras pessoas, nem mesmo para os próprios filhos. Quando um grande Vejamos agora o que se passa com uma outra ideia acerca das origens das
h omem bem sucedido morre, as suas alianças desaparecem com ele, do que
sociedades complexas que goia hoje em dia de uma certa popularidade. O ar-
resulta um estatuto social acrescido para os seus rivais. A morte de indivíduos
de estatuto social elevado está por isso inevitavelmente associada à desloca- gumento é simples. Em certos sistemas de produção de subsistência é possf-
ção para outros lugares de pessoas que habitavam na sua aldeia. Se a varia· ve l obter aumentos do rendimento marginal mediante acréscimos no inves-
bilidade am bient.al existente na região for muito marcada, é provável que não timento em trabalho, ou mudar e melhorar a tecnologia de produção para
seja necessário esperar muito para que os descendentes do grande homem aumentar a produtividade, ou ainda mudar o carácter da produção em si mes-
estejam em condições de negociar novas alianças favoráveis e de atrair nova- ma através de diversas outras formas"'. Essas mudanças, por sua vei, toma-
mente as pessoas. Com o passar do tempo, poder-se-ia observar o apareci- rão posslvel o apa reciment.odeuma produçlloexcedentáriaem relaçãoàssim-
mento de padrões de afluxo ede reíluxo populacional, centrados em pontos de pies necessidades dos próprios produto res. Assim que isso acontece, fica abe r-
produção segura, nos quais se verificaria a presença contínua, de uma gera· to o caminho para que se torne possível suportar pessoas que não se enc:on-
ção para a outra, de indivíduos de estatuto social elevado. Suponho que isto trem di rectamenteenvolvidas na produçãodesubsistência -metalurgistas,
pode ser consid~rado como uma espécie de monopólio, embora muitodiferente
dos que &e baseiam no acesso privilegiado a determinados recursos críticos.
~e que modo um sister_na deste tipo poderia evolui r de fo rm a a ge rar uma 'VerSandcn.,dal., 1979,c.Jl"cl•lmentepp.~Ol panoumad!.cuso&nd.,..quutJin.
sociedade complexa clássica, baseada num poder a sério? Sempre fui de opi· " BOllC!rup,1965.
l..EWISR. 8INFOR/)
oleiros, especialistas políticos, etc. 11 - , constituindo essa especialização de não for objecto da acção de forças externas à sua própria organização enquan-
tarefas a base natural para um maior desenvolvimento da complexidade. to sistema. Sempre que me vejo obrigado a encarar a questão de saber po r que
Neste modelo, a compreensão dos sistemas complexos envolveduasquest6es se formaram os sistemas complexos, a minha primeira reacção é, portanto,
fundamentais: perguntar qual o problema para cuja resolução estavam a ser usados os novos
métodos. Em princípio, com efeito, a experimentação de formas novas de fazer
1) Quais os incentivos que podem levara uma produção superior às ne- as coisas só deverá ser proveitosa a partir do momento em que surja um pr o-
cessidades imediatas; blema para o qual as soluçlles anteriores não sejam consideradas satisfató-
2) De que modo são esses excedentesefectivamente usados no proces- rias. ~
so de fonnação das sociedades complexas. A ideia de que o aumento da produção constitui a razão de ser do apare<:i-
mentodas sociedades complexas leva-me, assim, a procurar saber qual o pro-
Como, no essencial, sou um darwinista, sinto uma grande dificuldade em blema que se queria ver resolvido pelo aumento da produção. Quais são as difi-
lidar com raciocínios deste tipo. Estou convencido de que a transformação dos culdades enfrentadas por um grupo de pessoas que podem fazer que a mudan-
sistemas culturais é condicionada pela selecção natural, que eles são objecto ça teenológica, a intensificação do trabalho e o aumento da produção sejam
da acção de forças contraditórias que os empurram em direcÇÕes opostas, e compensadores em termos de segurança? Por que razão essas pessoas são
que a forma co ncreta que a transfonnação acaba por assumir é função do mo- levadas a desenvolver estas e outras estratégias novas? Não penso que a mo-
do como na prática as pessoas acabam por resolver os problemas. O que todos tivação seja simplesmente de natureza psicológica, algo como uma tentativa
os adaptacionistas--quer os que operam no quadro de paradigmas idealis-
0 pré-histórica de não se deixar ultrapassar pelo vizinho do lado. E as explica-
tas, como é o caso de Bennett11, ou materialistas, como é o caso de Harris" ções vitalistas - de que a sociedade •quer crescer» ou está pronta a •tornar-
quer os que se deixam fascinar pelos princípios do •menor esforço.. 14, ou da •re'. -tie civilizada• - também não são aceitáveis.
dução do risco,.H, ou da •teoria da forrageação optimizada•'' - acabam por fa- Apesar de menos merecedoras de objecção, detenninadas fonnas de vita-
zer é construir explicações teleológicas das tendências que crêem detectar na lismo não deixam mesmo assim de ser igualmente ortogenéticas, dado pres-
história da evolução. Sou de opinião, no entanto, de que o princípio que para suporem a existência de uma •força primordial• interna. No caso de aborda-
nós se torna mais prático de adoptarquando elaboramos uma teoria é algo de gens como a da teoria da forrageaçao optimizada, esse pressuposto é o de que,
análogo ao princípio da inéreia 17: um sistema pennaneeerá estável enquanto no que diz respeito à energia, a minimização dos gastos em relação aos retor-
nos aumentará automaticamente o •ajustamento ao meio• e será por isso
favorecida pela selecção. São pressupostos que, no fundo, correspondem a
"Como,,.nW.ouU...,e.temodelopreuu~um•e.iplit•çioteleolótric•,iA!Qé,•nllll!ri
princípios vitais de dinâmica interna, e que são referidos como os grandes res-
ci• de um qu•lquer principio 1K>gundo o q""l o homem, tendo • poaibllid.de de o rucr, procu- ponsáveis pela moldagem das trajeetórias evolutivas". Em minha opinião,
Porém, é pr eciso que o sistema se encontre de alguma fonna sob tensão, que
~:~~~~~r,:';.,~:"r:~::1!'.~~~~':.,~ :~:~É:i~";:;:;;:,~T;~,!~~~d;,~~': se veja obrigado a lidar com um detenninado problema. Os proponentes das
e IH,• form u do que Trigger(l~I, p. 150) c•nctcrh:ou como•• conv\cçio. própri• do llumi· teorias de intensificação-especialização ainda não deram nenhuma sugestão
nllmo, deque • inovaçio 1.eenol6ii:oc•éum proce1110autónomodc•ut,.,....pcrfeiçoamentoraci<>-
nal e a fOJf• m.,.,,.. que ...U portrú d•evoluçiocul~u ..l•. adequada sobre qual teria sido a na tu reia dessas tensões e desses problemas.
" Bcnnet.t.,lln&-a. O pressuposto pareee ser o de que todo o homem •racional• tem por objecti-
gm~, ~~~:·;:! .;,~:e~p~d;,v!~..l'.1i~~:·1:::1~!~ni::~tt'~e~;.,~~1':.,%ª~r'.,~
9 vo o lucro!
O que acima se disse não é afinal senão uma outra maneira de fazer res-
m• de a rgumcnW. de euat.o>-bene licio, oo qu• is prea upõcm que• mclhori• cio n!vel de vid• ou, saltarofactode quase todas as nossas teorias sobre a emergência de sistemas
~Eil~z~:ti~.~i:,-p';.".:.~:.~~=::.::::.~~m.:~~:.:.~:.~: sócio-políticos complexos não passarem, no fundo, de fonna& de argumenta-
ção derivadas dos vários tipos de filosofia económica, e levadas ao exagero.
"Amclhortxplicitaç1od•lcidomcnorc1forço4;1d0Zipí(l949). Estamos a cometer ofauxpas metodológico de propor argumentos funcionais
"<Alei do riocominimo1l1rnificaquco homem, qua ndo po&to pennte • ncceaid•dedeop-
tar, eAOOlhenl 1 IOluçâoque ee U'1duza p0r um ri""" mfnlmo- (Sandc.., d oJ., l979, p. 360).
"Py~,d oJ .• 1977; Chunov, 1976.
"Nioque"'com inodiurqueeu próprio nl.o~nh• •lgumuveZffln.b•lh•dotom propo- W.• de refloct.i r ..,.,.,,. do fulcro do. p....,.,._ evolutivo.. Quem quiKr ver• din&mlu do um
1iç&!A económku DDm01e el•1 foosem princlpioo de evotuçlo, p0rque e1\ou convencidoque • 1letem• como IK>ndo •pcnu um• elmple• gencr•l~.çio do comporU.men1.0 norm•tivo da& que
§g~~~~~~~~}?:~~~ê~§
ceio p.,1.icipam, pMuráoomplotamcele •ol•doduqueet.&•relacion•ducom •org•nizaçlo
dN•rtkulaçõcr.ocológlea1entreel•t.emu.
"Apr-euupo&lçi<>datxWtl!ncl•deum1 dci.crmln..U.dinlmiu inl.em•lemCU111.it.1:fdopar·
te bbleae fundamental da maioria dN po&iç&!s l'iloaõroc.. UICICiadaa l p•l•vra .-oluçlo- ou
df.nci.. llOciai•. Ve r Dunnell, 1980-a. Em rel~lol minh• •rg>.1.menl..çlo, butaete mai1 an-
tiga, em favor da uma pooiçio .ek!cc:ienitt.a, veja...., Binfonl, 197~.
Fia;.l39.-Umo1•11<llK~"wqjo50kaamM "l'.o~.~rlod.o&dloltt.no~"'fKJ'°
uollo.UNowmbrodtl935.(Foú>oedida~loMu.oruMruwell.UAnl~daUuw,..;11o .
.UdoNO<JOMúia>J
Fig. 138.-Umojo«m<UMiyolio, illuuRyuAyu,(ozt ndoalJ.fecioa<UcuUlriaparo11"1>00.(Fr;
lt>flrofia lira4o t m Ju11hode 1953 po~F.:. Sc<11lry11odttUno do uma miudooo1tju1tUl com o <>U·
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queólogoa aob_re a ocorrência de mudanças na própria organização da socieda- Ao lo ngo doa últimos anos, alguns dos meus colegas e alunos têm vindo a
de que tornariam ponfvel, e encorajariam, o aparecimento dos especialiataa trabalhar com grupos de caçadores-recolectores do Botswana que, por r azões
quase à maneira do que se passou no Renascimento. Estaa observações vin'. de natu reza diversa, se têm vindo a tornar agricu1torea e criadores de gado se-
dasdoTerceiro_Mundoem desenvolvimento podem ou não ser relevantes para dentários e auto-suficientes. Há um largo espectro de situações intermédias
o problema. SeJa como fo r, a verdade é que continuo a não estar convencido entre a caça e a r ecolecção e as adaptações completamente sedentárias, mas,
de que os arqueólogo& estejam actualmente em condições de começar a formu- nestecontexto ,saoos gruposqueseencontramprecisamente~meiocamin_ho,
lar mode los sobre o modo co~o os artesãos e os outros especialistas poderão osquenãosAonemumacoisanemoutra,queapresentamummteressema1or.
ter desempenhado um papel importante na causação do desenvolvimento da Esses grupos estão per ante um dilema. Nas sociedades de caçadores-reco\ec-
complexidade cultural. tores, é a reciprocidade generalizada que guia a ética do comportamento, iato
Sempre fu~ de opinião ~ue as ÇTandes mudanças nas formas sociais, taia é, as pesaoas partilham com os seus parenu:s sem esperar ~ue em troca lhes
como o a~recimento da h1erarquu:ação e da estratificação, devem constituir seja imediatamente dado algo de valor idêntico. Mas, à med1daqu_e se vão to r-
rupturas importantes com os padrões de crescimento anteriores". Entre 01 nando cada vez mais sedentárias, as pessoas terão de começar a d~erque ~o
grupos de caçadores-r ecoleetores, po r exemplo, o padrão de crescimento en- aos seus parentes quando estes lhes vê m pedir uma cabra para O Jantar, pois
volve a ~uplicação da unida~e básica de produção cooperativa - o bando ou de outro modo não poderAo manter os seus rebanhos e assim acrescentar a sua
a famíha, conforme a organu:ação do grupo em questão. O crescimento da propriedade. Os antropólogos chegaram à conclusão de que só os indivíduos
população acarret;a _u~ aumento do ta~anho da unidade local, até que esta que conseguem romper os seus laços sociais, que conseguem fazer frente à
acaba por se subd1v1d1r em duas ou mais unidades semelhantes, que se esta- pressão social para que partilhem a sua riqueza e não sejam avarentos, é que
bel~c~m de form.a independente, tanto no que respeita à localização como àa são bem sucedidos. Para capitalizarem a sua própria produção ~ m de se
act•.VJdades reahiadas. Até mesmo entre os horticu1tores,em que as unidades transformarem dissidentes na sua própria sociedade. Mas, uma ve:r. 1solados,
básicas de produção co rrespondem frequentemente à fam11ia ou à familia ganham uma liberdade de manobra que os que ainda ~ guiam ~las regras
alargada, o crescimento parece consistir na duplicação destas unidades bási- da sociedade nunca terão possibilidade de alcançar. Assim que VJram as coa-
cas. Formam-se mais famílias, as quais necessitam de arranjar mais «espa- taaà reciprocidade generalizada, a fonte da sua segurança deixa de residir nos
ços• em que possam funcionar como unidades de produção É esta estrotura \aços de parentesco que desdenharam,~ passa a depender apenas do seu pró-
geral de cre~imento que (como se referiu no capítulo vm) dá origem a proble- prio engenho. De facto, tomam-se rapidamente empresários, e com~çam a
mas d_e densificaçdo, e tem como consequência o aparecimento de contextos negociar de várias formas com as pessoas que se encontram no «extenor- do
selec~1vosemqueasdive raastácticasdeintensificaçãosãofavorecidas.Ade sistema. São sempre eles os primeiros a tenta r negociar com os antropólo~B
tern:i1nada altura da trajectória de intensificação, deverá dar-se, parece-me quando estes chegam, ou com os representantes do governo que querem .abn r
a mm:i, uma ruptura estrutural significativa com as formas de crescimento poços. Por outras palavras, a sua segurança pa.s~a a ter de ser org~m:r.ada
anter1.ores .. Em vez de se ~ubdividirem, estas unidades básicas de produção e através de meios exteriores ao sistema a que onginalmente pertenciam.
de recip rocidade generalu:ada {nos termos de Sahlins) começam a desenvol-
ve r.convenções para a exclu~ão de indivfduos; ou seja, há pessoas que são ex-
clu1das, de modo a que a unidade mantenha basicamente o mesmo tamanho
e permaneça localizada no espaço de maneira estável. Nestas condiçõea, o
~§~~g~~;'.j~f{~fª§§f.J.§.
aumento da população trará como consequência o desenvolvimento de uma
classe cada .ve:r. mais numeroaa de pessoas sem direitos, o que, por sua ve:r., al-
terará consideravelmente tanto a arena da competição como as unidades nela
envolvidas.,.
tre011 indivfd""' q"" • oompõem e que üveae a pouibili_dade de, do um momento ...,... ooull'O,
" Quero com i•lo dixer que h6 Importantes ura.:1.erílt.ica• organiucion•il n.• hi•l6rl• da mudai• din&mic•da..,lecçioemdirecç6o•umórslo-re.ieit.adoa-umd.edopequeno,poruem-
evoluçlodol1l1temQ<:U]turalmenl.eln~.htosignilia.que~ prodvelque~al"orm.u plo-...egurandodes..,modonio96aoeg11noça futUl""lld•~p«\eorigin•l m .. t.amWmo1u,..
d:e ~udanç• dra~'tk.., ou •intenni~nci&&>, em que Kverilique um• •pal"l!nt.e faJt.. da coo· gimentodeumalutacompetiliv•enln!011dcdolpequc-•••m..,para<lo9dn<:0rpolSeu"""or-
~=deque..,"•deKperarnoconte:nodeumapenipectivagn.dualiatad...p_.,..... g•nluçlo'capa.&de.., ree.t""'Ul""llr auim (eaniltureb-<>,..,mqu•1:'1""•d i1vida), ....--me
enUoque..,nldetoda•utilidadeprooederlln.....,lipçioda•p>?Priedadelldelloedomlnlode
• Duonell, 1980-o, rn .... ntemeni.. um lev•ntamentoduklcia1evoluciani1taacm &.111.m- fco>&ne11011,emYff.deocon•idenr •impic.men1.e,deform•ied"""""llt&,<:0mo•n.'lofloM1pn>-
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t1dnliten1ldapalavraeapóeie.Ap011içiode Dunnc\lfa\hacompletamenl.en•comproenõodo
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•q... lonouol.ema••niltura~mlevado•quoa evoluçlocu.lturlllliquei..,ladedaevoluçlo quelfmde1erentendida•emterm<>1utn.-aom,t\coe.taumtaldnm(nlode"'i•nlzaçioque
emgerlll.Segundoe1.. pe ... pectiva,•niltllradoveri•..,rnplic•da,n.loatn.~deprincfploe 1no!tu ra..,reporta.
LEWISR.BINFORD
•Fogd,1963.
EMBUSCll()()J>llSSÂDO
Fi(.146,-G,...ndalwmm#daN-G"/Muibindo...,b"lfip"B""obüd....portroc:o•que
.;,,,bolimnoo wud~rstatuto.,aalnogrupolocol. (F"""1ro/U>CftlidaporM.Sl,...lh•rnJ
noNortedoillinoisementerrament.osdoSudeste-CarolinadoNorte,Caro-
lina do Sul e Florida23 . Pequenos botões e adornos em ferro meteorftico das
margens da planície aparecem por todo o Midwest2'. Obsidiana proveniente
do Parque Nacional de Yellowst.one, nas Montanhas Rochosas, encontrn-se
desde o Wisconsin até ao Ohio31. Trata-se de um sistema de circulação de bens
mate riais complexo e enorme, funcionando à escala de uma área geográfica
de dimensão comparável à da Europa central e ocidental juntas.
•Walt.hall,dal.,1979.
"'Pnifer,1961.
•cnmn,•lal., 1969.
288
LEWIS R. BINFORD
EM BUSCA DO PASSADO 289
Se a t!oca de b~~s const~tui, efectivamente, um estímulo ao surgimento da
complexidade pohbca, sena então de esperar, tendo em conta a escala e 0 vo- dessa autoridade central, por sua vez, só podia estar relacionada com o papel
lu~e da rede de circ~lação que e~tá documentada, que já por volta de 100 a.C. . redistribuidor por ela desempenhado. E o que é que estava a ser redistribuído?
se t~vesse desenvolVIdo, em regiões como o Ohio, algo de semelhante ao Im- Alguns pedacitos de turquesa por século, e pouco mais... no total, provavel-
pério Romano! Por outro lado, não se conhecem quaisquer sistemas de troca mente, menos objectos exóticos que os que se podem encontrar num único en-
com esta extensão nas áreas do mundo em que se desenvolveram as chama- terramento do período «Middle Woodland», mais de 1000 anos antes!
das «grandes civilizações»: não existe nada de comparável no Próximo Orien-
te, ne~ no Egeu, nem no vale do México ou nas terras altas do Peru antes do
aparecimento nessas regiões de sociedades consideradas de um m~do geral
como complexas 26• «9ualquer» modelo que recorra à importância do comércio Os caminhos da complexidade
e deformas monopolistas de troca para tentar explicar o surgimento das socie-
dades complexas terá, P.ortanto, de ser capaz de explicar também 0 qu~ acon-
teceu no Leste da América do Norte. Até agora, ainda não apareceu nenhum
que foss~ capaz de o fazer mas, apesar disso, os modelos de troca continuam O que estou a querer dizer, no fundo, é que os arqueólogos ainda não sa-
a ser ~plicados ao registo arqueológico em muitas partes do mundo. bem quais são as causas que levaram à formação das sociedades complexas.
':7e~amos, por exe!11plo, o que se passou no Sudoeste dos Estados Unidos da O argumento redistributivo não tem qualquer base factual evidente: eu, pelo
Amenc~, o.nde o penodo c~mpreendido entre cerca de 900 d.C. e cerca de 1200 menos, não tenho conhecimento da existência de agentes redistribuidores, a
d.:.C. assistm !1? des~nv~lVImento de alguns sítios notáveis, de grandes dimen- não ser em sociedades em que já existe um poder político, e duvido muito que
soes. Estes sibos nao sao apenas locais de residência: há neles uma arquitec- a simpatia possa constituir fonte de poder. Os argumentos que explicam a in-
t1:1ra ~omp~e~a e de .~ande variedade (kivas, salas grandes, etc.), associada a tensificação da produção necessária ao funcionamento de um sistema comple-
rituais .soc~ais e religiosos. A explicação que, de um modo geral, prevalece é a xo através dos incentivos económicos fazem lembrar a história «do ovo e da
que atribui a complexidade destes sistemas de pueblo às importantes funções galinha». Seja como for, continua por esclarecer por que é que as pessoas have-
por eles desempenhadas na sua qualidade de pontos nodais de redes de tro- riam de «querer» um sistema complexo ao ponto de investirem o esforço neces-
ca de lp'an_de ex~ensão 27 ••Mas as bases concretas em que este ponto de vista sário à obtenção de excedentes de produção. Seria preciso que se fizessem
se apoia sao mwto frágeis: pequenas quantidades de turquesa do Sudoeste sentir pressões para a mudança, entendidas em sentido darwinista, cuja iden-
q1:1e vão aparecendo pelo México; algumas conchas da costa da Baixa Califór- tificação continua por fazer e cujo modo de operação também continua desco-
nia que conseguem chegar até ao Norte do Novo México· motivos mexicanos nhecido. Os argumentos em que a troca é proclamada como base do poder
qu.e s; e~cont~am na cerâmica do sudoeste e que reflect~m indirectamente a acabam, de um modo geral, por soçobrar, uma vez que, na maioria dos casos
existencia de ligações. Não se pode dizer que isto implique a existência de uma concretos citados a título de fundamentação, o que está envolvido são símbo-
grande rede de trocas ma~, apesar disso, são os modelos rede-nodo deste tipo los sociais (que nos informam acerr.a das alianças sociais entre os indivíduos
que actualmente predominam no Sudoeste, e não só. Em última análise es- e não acerca da articulação económica dos grupos sociais) e não bens de con-
tes m.ode~os ~~sei;tam n:i posição originalmente defendida por Sahlins de 'que sumo valiosos.
a redistn~~çao e o ~aminho para o poder. Realizações tão complexas como os O problema reside, em grande medida, no facto de os arqueólogos terem
grandes sibos ~ue sao ospue~los só podiam ter sido conseguidas-assim reza vindo a ter em consideração um número muito limitado de modelos. Se as
a argumentaçao - sob a orientação de uma autoridade central28 • A génese ideias em que toquei são tudo o que temos, quando é provável que, na reali-
dade, tenha havido muitos estádios diferentes e muitos padrões característi-
cos de mudança associados aos diferentes caminhos da complexidade, não há
26
Ver Struever e Houart, 1972. dúvida de que a arqueologia está mesmo com problemas. Enquanto não fize-
: P~r exemplo, Judge, 197~; também Cordell e Plog, 1979, especialmente as pp. 419--424. rem uma ideia da extensão da variabilidade que pode existir nos sistemas
~ao é raro q~~ a re~erênc1a a sociedades complexas em áreas como o Sudoeste dos Esta- complexos e nas suas trajectórias de desenvolvimento, os arqueólogos estarão
dos_U n~dos da Amenca seJa_apresentada como um passo em direcção à conquista de uma «liber-
taçao• mü;lectual e~ rel~ç,a~ a um passado etno-histórico de «Opressão• em que se falava ape- em situação muito desfavorável.
nas de sociedades «1guah_tánas•. É claro que é possível, talvez mesmo certo, que tenha havido Outra grande limitação reside no facto de quase todas as abordagens à for-
no pa~s_ado fo~as de sociedade que não se encontram representadas entre as que constam das mulação de modelos de mudança se terem desenvolvido a partir de uma ou
~escnçoes relativamente ~ec.ent:es da era colonial. Não obstante, receio bem que os critérios uti- outra de entre várias percepções de dinâmicas funcionais (isto é, do funciona-
lizados para ~efender aex1stencia de autoridades centralizadas e de funções redistribui tivas im-
portantes SeJam _sobretudo o tamanho e a sofisticação arquitectónica das ruínas. Será que temos mento de sistemas vivos, tal como são vistos por alguém que os observa ou
mesmo de acreditar que a Humanidade só é capaz de realizações importantes que requeiram neles participa). Tal como já anteriormente se referiu, é a critérios funciona-
trabalho coordenado se «organizada• por uma poderosa autoridade de governo central? listas que se tem recorrido para a formulação de modelos de mudança com
transformação nas situações em que:
Forllm da História 13 - 19
1) A na tu reia da transformação não era conhecida com precisão;
2) só o critério da plausibilidade podia ser invocado para justificar a
r elevãncia da utilização de uma argumentação funcion alista no
estudo dos processos evolutivos.
O exemplo mais óbvio, e provavelme nte mais enganador, será talvez a uti·
Jização de diversas argumentações económicas vitalistas, de •busca de luero-, ~ BIBLIOGRAFIA
na formulação de modelos dos processos evolutivos. No sentido em que não h á
nenhum intelecto co ndutor nem nenh um ser sensível que co ntrole a sua dinâ-
mica, como de um modo geral pressupõem os argumento• económicos, todos
osprocessosecológicossãonãoracionais.
Tal como nos capítulos anteriores, o apeloque aqui quero deixar é um apelo
ao desenvolvimento de métodos seguros que nos permitam inferir as condi-
ções do pasaado a partir do r egisto arqueológico. Se o conseguirmos fazer,
estaremos então em condições de obter co nhecimentos seguros acerca de al-
gumas das características que permitem responder à pergunta ·Como era?•
M mesmo te mpo, temos de procura r prestar atenção ao reconhecimento de
padrlles em relação com os quais posaamos fo rmular a questão •Que signifi-
ca?• Num caso como noutro, trata-se de abordagens que se encontram depen-
dentes do desenvolvimento da investigação de nível médio.
Os leitores poderão interrogat-se a si próprios ace rca das numerosas po-
sições filosóficas que existem em arqueologia, e para cuja defesa não faltam
advogados talentosos 8 • Tenho vindo a defender que a maior parte dessas po-
sições envolve a atribuição de significado ao registo arqueológico po r meio de
•argumentos acomodat.ivospost-hoc>o"". Essas abordage ns não permitem nem
objecti vida de nem verdadeira aprendizagem, apenas o fascínio do debate sem
fim. 11• Só quando formos capazes de pôr esses pontos de vista à prova, confron-
tando-os com as propriedades do mundo externo, estaremos em condiçllesde
avaliar a utilidade das diferentes posições intelectuais. Essa co nfrontação
tem de ser feita mediante a utilização de uma linguagem de observação cons-
truida de forma científica, em que a atribuição de significado às observações
e a sua justificação se façam de forma que não dependa das próprias posições
intelectuaisquesequeravalia r.
Seja qual for o modo como encaremos o problema, a conclusão é sempre a
mesma: precisamos de métodos de inferência melhores. Não nos podemos
limitar a seguir a musa da curiosidade e especular sobre o modo como as coi-
sas acontece ra m. Temos de desenvolver métodos para avaliar as ideias qu e
criamos, e temos t a mbém de encarar seriamente a possibilidade real de as
nossas perguntas estarem mal formuladas. Para que venhamos a conseguir
fazer progressos na resposta à questão realmente importante - •Por que
aconteceu?• - precisamos de investigar simulta neamente as outras ques-
tões: •Que significa?• e ·Como era?•.
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