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1 - ODomútioRomanoonPonqQJ

Jorge de Alardo
2 - A R~lllÇOO Francuo t:1" Q1'e.1'14o; N(fllaS Perspufiwu
JacqucsSoli
3 - /lllroduç/UJ à /lisr6ria <WI DtJcobrÍlnoltos Porfll.gwues
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4 - MEscolll.'11/ist6rictu
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Pierre Vilar
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Lewis R.Binford
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"""""""' EM BUSCA DO PASSADO


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LewisR.Binford
LEWIS R. BI NFORD

EM BUSCA DO PASSADO
A DESCODIFICAÇÃO
DO REGISTO ARQUEOLÓGICO

PUBLICAÇÕES EUROPA-AMERICA
Título original: ln Pursuil ofthe Past

Tradução de João Zilhio


Tradução portuguesa Cde P. E. A.

Capa:estúdiosP.E.A.

C 1983 Lewis R. Binford


PrefãciolO 1983ColinRenfrcw
Publishe.d by arrangement with Thames md Hudson, London

Dirci1os reservados por


Publicações Europa-América, Lda.

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transcrição de pequenos textos ou passagens para apre-
sentação ou crítica do livro. Estaexcepção não deve de
modo nenhum ser in terprc1ada como sendo extensiva à
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lares donde resulte prcjub.o para o interesse pela obra.
Os transgressorcs são passíveis de procedimentojudicial

Editor. Francisco Lyon de Casiro

PUBUCAÇÔESEUROPA-AMt:RICA,LDA.
Apanado8
2726 MEM MARTINS CODEX
PORTUGAL

Ediçãon.': 15801315505
Este livro é dedicado à numória de François Bordes. Relembra as muitas
Execuçãottcnica:
horas de discussões espirituosas e de enriquecinunto mútuo. A nossa discipli-
Grifica Europam, Lda.,
na perdeu uma grande figura, e eu perdi um grande amigo. Tenho muita pena
Mira-Sintra- Mem Martins
de não poder ouvir a resposta de Bordes a este livro.
ÍNDICE

Prólogo .................................. .
....
13
Nota redactorial 16
Agradecimentos do autor 18
Prefácio ........................ . 21

CAPÍTULO 1 - A TRADUÇÃO DO REGISTO ARQUEOLôGICO .•. 28

A arqueologia como ciência .......................... . 28


Fazer com que o presente sirva o passado 32
As grandes questões da arqueologia 36

PARTE !

«Como er a?• ...................................................... . 41

CAPÍTULO II - ERA O HOMEM UM CAÇADOR PODEROSO? •• , 45

O h omem como matador sanguinário: o ponto de vista de Dart 45


Dúvidas sobre Dart ........ .............................. ....................... 49
A alternativa de Leakey ........................ ....................... 51
A abordagem de Brain ......................... 56
A ajuda dos estudos contemporâneos ............................... 66
Regresso ao Plistocénico .. 71

CAPÍTULO III - A VIDA E A MORTE NOS BEBEDOUROS ••• 76

Onde comia e dormia o homem primitivo? . 76


Aprender com os bebedouros actuais .............. .. 79
A arqueologia de um antigo bebedouro ......... .. 88
Construção de uma explicação plausível .... . 92
Investigação actual .......................... . 95

PARTE II
-Que significa?• 97
CAPÍTULO rv -o o~AF10 oo M oUST1ERENsE... ... .. 101 A estruturação dos sítios: combinar os modelos.. 215
No interior da casa de Palangana .. 219
O período das •relíquias e monumentos,..... 102 No exterior de uma casa esquimó ........................... 227
O período dos •artefactos e conjuntos» .. 108 Condicionamentos ao uso do espaço: calor e luz. . 229
A árvore da vida............................................... . 111 Variação na duração das tarefas... ................ .................... 231
O presente: um conflito de pontos de vista.. 117 Consequências do trabalho com grandes quantidades... 231
Estratégias de limpeza ..................................................... 234
CAPÍTULO V - UMA ODISSEIA ARQUEOLÓGICA·······... . 120 Construção de uma teoria da estruturação dos sítios .. 235

A descoberta do passado .. 120


Os factos não fal am por si...................................................... ... 124 PARTE!II
Será que o mundo contemporâneo oferece uma solução?.. 126
A nova arqueologia e o disparate ...... 133 •Por que aconteceu?».. 239
Objectivos fundamentai s .. 135
CAPÍTULO VIII - ACERCA DAS ORIGENS DA AGRICULTURA..... 243
CAPÍTULO VI - CAÇAOORF..S NA PAISAm;M ... . 137
As diferentes abordagens do problema das or igens da agricul-
Uma visão estacionária de uma paisagem dinâmica . 137 tura........................... ............................................................. 243
O uso da terra: uma questão de escala .. 138 A itinerância como opção de segurança entr e os caçadores-
Ciclos vitalícios de uso da terra .... 143 -recolectores ............................................... ........................... 254
O complexo de sítios de Anavik Springs .... 147 O aumento da população e as opções de subsistência dos caça·
O acampamento de caça temporário.. ..... 148 dores-recolectores ............................................... .................. 259
O acampamento dos namorados ...... 148
A preparação do animal abatido . .. 154 CAPÍTULO IX - Os CAMINHOS DA COMPLEXIDADE... 267
O armazenamento da carne . 155
Monopolistas, altruístas e grandes homens . 268
O complexo de sítios do lago Tulugak .. 159 Intensificação e especialização.. 275
Alinhamento de caça.. 159 Bugigangas e bens de troca... . 282
Emboscadas............................ 160 Os caminhos da complexidade ............................................. 289
Acompanhamentos.base.. .. 163
Reconstrução do sistema .. .. 164 Bibliografia.. 291
Sítios especializados .......................................... 164
Círculos de pedra s para fix ação de te ndas . .... 167
Posições de caça .. 168
Instalações . 169
Sítios de preparação ......... .......................... .... 171
A organização dos sítios r esidenciais ...... 172
O desafio à nossa metodologia.... 176

CAPÍTULO VII - GENTE NO ESPAÇO EM QUE VIVE....... . 179

A estruturação dos sítios: um desafio à interpretação arqueo-


lógica ........................................... . 179
Trabalhar em r edor da lareira ..... . 186
Lareiras de interior e de exterior .. 195
Áreas de dormida .. 200
Pequeno-almoço na cama .............. . 203
-'--~- .:i~ .... ~;,nrlorl<> <>vt<>nc::ivR<: 205
PRÓLOGO

O trabalho desenvolvido por Lewis Binford consagra-o como o mais proe-


minente teórico da arqueologia contemporânea. A sua influência como a
figura de maior autoridade e de maior origina1idade no movimento teórico dos
anos 60, que veio a ser designado como a •nova arqueologia• , foi, indubitavel-
mente, superior à exercida por qualquer outro dos autores que no nosso século
se debruçaram sobre os problemas da compreensão do passado mais remoto
da Humanidade.
Ao escrever este prólogo tenho o privilégio de salientar que, ao oferecer a
possibilidade de uma melhor definição do lugar do homem no mundo, o pen-
samento subjacente a este livro é muito importante para o desenvolvimento
da arqueologia processual moderna. Para a maioria das pessoas, o atractivo
mais evidente da arqueologia é a excitação da descoberta, o desenterrar dos
tesouros perdidos do passado. A aventura de fazer novas.descobertas em paí-
ses distantes é, sem dúvida, uma das coisas boas da arqueologia. Mas isso é
só o princípio, e como Binford claramente mostra neste volume, não é nem o
mais importante nem o mais interessante. A tarefada arqueologia não é a de
r econstituir o passado corno se se tratasse de um quebra-cabeças, como se fos-
se possível, ma] acabada a escavação, encaixar umas nas outras, facilmente
e sem esforço, de modo a formar imediatamente quadros coerentes, as peças
extraídas do solo. Bem, pelo contrário, a verdadeira tarefa é antes um desa-
fi o e um combate-um combate contínuo pela concepção de significados e de
interpretações que possam ser relacionados com os vestígios, os dados, de uma
fo rma coerente e justificada. O verdadeiro estímulo intelectual - mas tam-
bém a exasperação-da prática arqueológica, provém da tensão entre a abun-
dâ ncia de vestígios, por um ]ado, e a grande dificuldade em formular conclu-
sões comprovadas, por outro. Uma aventura intelectual que é, sem dúvida,
infinitamente mais compensadora do que a escavação porfiada em busca de
novos ach ados.
Considero que este livro é muito importante, porque realça claramente,
ma is do que qualquer obra anterior, que este combate para encontrar o sen-
tido das coisas tem sido sempre, e continua a ser, o desafio fundamental da
arqueologia. Só travando este combate podemos vir a conseguir uma com-
preensão válida do passado remoto da Humanidade e dos desenvolvimentos
que moldaram a sua transformação no que ela é hoje. Mas o livro tem ainda
outro mérito: é de leitura agradável
Lewis Binford é um homem que vive com uma grande intensidade a ar-
queologia que pratica- e a arqueologia é tanto uma .. activida de,. como uma
disciplina do pensamento. Quando esta actividade envolve não só o tipo de
escavação e investigação arqueológica que nos é familiar, mas também a etno-
-arqueologia (o estudo de grupos de caçadores-recolectores conU!mporãneos
e de outros povos que ainda praticam economias de subsistência não ociden- !fum!'-ni~ad.e, ou melhor, tudo o que pensamos que sabemos baseia-se na
tais), não pode deixar de dar lugar a uma grande variedade de experiências. ~nfere~c1a. E certo que a teoria arqueológica recebeu muitas co~tribuições dos
Lembro---me bem da primeira visita académica do autor à Grã-Bretanha, mvestiga?ores. que nos anU!cederam, desde os pais da arqueologia, oomo o
para tomar parte na Conferência Arqueológica de Sheffield, em Dezembro de gen~ral P1tt-Riversou Oscar ~ontelius, Gor?on .Childeou Walter Taylor, es-
1971. A sessão em que participou era dedicada à interpretação dos vestígios tes Já no_ nosso sécul?. Mas muitos destes pnme1ros teóricos pareciam estar
do período Moustierense, em França (aqui discutida no capítulo 1v). Foi uma convencidos de que tu:iham conseguido estabelecer uma série de procedimen-
sessão muito animada, embora por vezes decididamente técnica. Mas, nas ~s correctos, um _co11Junto de ~egras, que, sendo seguidas, nos permitiriam
noiU!sque antecederam a Conferência, quatro de nós, em casa, sentados à me- fazer- arque?logia e reconstruir o passado. OqueBinford tem vindoconstan-
sa de jantar, falávamos durante toda a noiU!. As velas que tinham sido ace- te~ente a sahentar é que, no essencial, essas tais regras-regrasque nos per-
sas no princípio da refeição iam-5e consumindo progressivamenU! enquanto mitam, ~través de Pt?Cessos seguros de inferência, passar das observações
LewdescreviaassuasexperiênciasentreosesquimósNumaniut.Nenhumde qu_e r ealizamos no registo arqueológico (o qual, obviamente, é no presente que
nós mostrava a menor vontade de deixar a mesa até que, uma após outra, as =~:~~~observado)àsafirmaçõescomprovadassobreopassado-ainda não
velas se iam apagando e, por fim, por volta das 3 horas da manhã, resolvía·
mos dar o dia por encerrado. Recordo ago ra oom grande prazer essas noites Apresentada desta forma tão trivial, esta questão crucial poderá não apa-
alegres e interessanU!s, porque reflectiam uma arqueologia «vivida• -o pro- recer como uma r evelação surpreendenU!. Mas, na realidade, é ela a ideia fun-
cesso de formação e de transformação das ideias sobre o passado como resul- damental da nova arqueologia. Este tema é brilhantemente tratado no capí-
tado do trabalho de campo. É através da palavra falada que esta sensação de tulo l!, no qual se resume o mais recente livro de Binford,Bones: Ancient Men
proximidade em relação à vivência pessoal melhor se expressa, mas creio que ~odern Myths. Nesse capítulo, os mais remotos antepassados do homem são
ela perpassa também em muitos dos capítulos deste livro, o qual, aliás, como v1s~s sob uma perspectiva muito diferente da que é usual. A argumentação
indicam os edifures na sua nota introdutória, tomou forma a partir de grava-
ções de palestras. As aulas que o autor deu no Outono de 1980 no Departamen- ~~~~~~:~:e~~~c~:~~zr~!~:~c;~~:~~;~ ~~:ª~fé:k:;:•Jo~7o~\:1:~:i~~
to de Arqueologia da Universidade de Southampton, altura em que estes capí- lectua1s que constituem o verdadeiro drama da arqueologia contemporânea.
tulos começaram a tomar forma, representaram para todos nós um grande es-
tímulo, e muito aprendemos com elas. Penso que este livro mantém a premên- Colin Renfrew
cia, o carácter incisivo e o poder de argumentação que o autor tão bem demons-
trou ao vivo. Ele pode, portanto, ser lido como um relato feito pelo próprio dos
trabalhos de maior relevância levados a cabo por um dos mais importanU!sar-
queólogos do nosso tempo. Ninguém o lerá sem tirar como proveito a aquisi-
ção de uma nova compreen são sobre a vida do homem primitivo e sobre a ma-
téria de facto em que se baseia o que sabemos a seu respeito.
A impor tância deste livro não reside, porém, somente no relato que o autor
faz dos projectos de investigação por si dirigidos. Ela assenta anU!s no facto
de exemplificar e reformular algumas das teses fundamentais da nova ar-
queologia queBinford U!m vindo a propor desde 1962, e que tanto têm influen-
ciado o trabalho desenvolvido desde então.
O ponto mais impo rtante que é preciso compreender acerca da nova ar-
queologia -ou arqueologia processual, oomo mais correctamente tem vi ndo
a ser designada à medida que a novidade se vai esbatendo - é que começou,
e em grande medida é assim que continua a desenvolver-5e, como uma série
de «perguntas• acerca do passado da Humanidade. No seu início não se tra-

~:Í~:l~~::~~!i~ºr::C~s':o~~~:r~~~~z~/d~~~o;~;~~~~ ~Zt?::i~~1:r::~~~
de uma forma lenta, árdua e gradual, que esse corpus tem oomeçado a serefec-
tivamente produzido. O ponto de partida da nova arqueologia era, portanto,
pelo contrário, uma franca constatação de que não há nenhuma forma fácil e
pronta de adquirir um conhecimento válido do passado. Tal como Binford o de-
monstra muito clar amente, tudo o que sabemos acerca do passado remoto da
tes ideias de uma das autoridades reconhecidas da nossa disciplina foi uma
recompensa mais do que suficiente.
. Talvez não ~j~ i!"Util relacionar aqui os diferentes capítulos com as oca-
siões em que fo~ ongmalmente apresentado o material em que se baseiam. O
capítulo t baseia-se em três palestras transmitida_ pela BBC em Abril de
1981 e.publicadas no Tlu Listener (em 9, 16 e 23 de Abril de 1981). O capitulo
NOTAREDACTORIAL u baseia-se em duas aulas sobre o Pal.?olítico dadas na Universidade deSou-
tha~pton a a~unos dos primeiros anos. O terceiro e quarto capítulos foram
escritos especialmente para este livro; o terceiro utifüa observações resultan-
Poder á se r útil ao leito r saber algo sobre a forma como este livro foi escrito tes ~a visita de Binford à África do Sul durante o Verão de 1981. O capítulo
e sobre a nossa colaboração neue processo. Durante a sua visita à Europa, v é 1_nte~almente baseado, co.m ligeiras alterações, na transcrição de um
sem mário apresentado no Instituto de Albert Egges va n GitTen de PTé e Pro-
entr e Outubro de 1980 e Janeiro de 1981, o Prof. Binford falou acerca dos seus
to--História ~a U~iversidade de Amsterdão. Uma aula dada no Departamen-
trabalhos, quer passados quer prese ntes, a uma gama diversificada de audi- to de Pré-Históna e Arqueologia da Unive rsidade de Sheffield constitui o
tórios, desde o grande público até ao pequeno grupo de especialistas. Também núclt? em tomo do qual foi redi~doo capítulo VJ, enquanto o capítulovn é uma
deu aulas a estudantes dos primeiros anos da universidade, teve sess6es de compilação de palestras proferidas para o grande público em Sheffield e Sou-
discussão com estudantes de pó&-gTaduação e professores universitários, e thampton e de uma confer~ nci~ na Prehistoric Society de Londres. O capitu -
confer enciou perante grandes auditórios ligados à arqu eologia. rui reacções lo vm res~ltou de_um sem má no na London School of Economics, integrado
foram em todos os casos muito entusiásticas. Para os que tinham tido a sorte ~um:8 série orga n.izada por Ernest Gellner e John Hall e intitulada • Patterns
de serem seus alunos, esta calorosa recepção a Binford não constituiu uma m H11tory-, mas .inclui também parle do debate que se seguiu ao sem inário
surpresa: ele tem uma grande capacidade de fazer reviver o passado, de ir à de Amsterdão. ~1nalmente, o capítulo 1x baseia-se numa gravação feita du-
raiz das controvéf.sias mais importantes, e de sugerir abordagens originais ran~ uma aula informal com um grupo de alunos dos primeiros anos da Un i-
aos problemas metodológicos e teóricos da arqueologia. ve rsidade de Southampton.
Foi graças à presciência de Colin Renfrew, então professor na Universi- O livro daqui resultante demonstr a claramente os vastos interesses do
dade de Southampton (a principal instituição anfitriã durante a estada de autor. Há aqui q~alquer coisa para todos os gostos a rqueológicos, desde a vi-
Binford), que muitas da9 palestras foram gravadas na esperança de mais da dos nossos mais remotos antepassados, passando pelas origens da agricul-
tarde virem a ser transcritas para livro. Estas gravações eram, no entanto, tura, até aos problemas do d~senvolvimento da civilização, ou daquilo a que
demasiado numerosas para se rem publicadas sem um grande esforço de os a~qu~ logos pr;ferem. des ignar por •sociedades comp\exaS». Além disso,
r edacção, tarefa que os compromissos de Binford não lhe permitiram realizar Lewis Bmford salienta ainda que a matéria de facto em que se baseia o estu-
integralmente. Como o conhecíamos bem, éramos entusiastas do seu traba· do ~o no s~ passado, ou seja, o r egisto arqueológico, tem uma complexidade
lho e do seu ponto de vista sobre a arqueologia, e tínhamos ouvido a maior mu1toma1ordoquecorrentementeseadmite.Elecompara estestestemunhos
parte das conferências que ele tinha feito em Inglaterra, pediram-nos que a uma língua antiga que ainda não tivesse sido decifrada. O objectivo deste
colaborássemos na formidável ta refa que consistia na transformação das gra- livro, e, aliás, d~ quase toda a in vestigação de Binford, tanto passada como
vações de mais de duas dúzias de palestras feitas em diversas ocasiões num presente, é precisamente o de procurar formas de decifrar essa língua.
livro de interesse tanto para o grande pUblico e os alunos dos primeiros anos
da universidade como para os especialistas. A nossa tarefa inicial foi gravar John F. Clurry
as palestras, em seguida transcrevê-las e estabelecer um formato coerente Robin Torrellll
para o livro, compilando um texto a partir de excertos das transcrições. E"e
pr imeiro esboço foi enviado ao autor que o levou consigo para a África do Sul,
no Verão de 1981, onde o trabalhou, alterando vários capítulos (que foram
aumentados), e acrescentando introduções às diversas parteS, dois novos
capítulos, notas de pé de página, e a& ilustrações. Foi a partir dessa versão me-
lhor ada que preparámos a versão final. A nossa tarefa principal foi manter a
coerência da redacção e, quando necessário, simplificar tanto quanto possível
as partes tomadas algo inacessíveis pelo famoso estilo de prosa de Binford
(problema que raramente ocorre nas suas palestras ao vivo). Este trabalho
obrigou a um esforço muito maior do que o inicialmente previsto, mas o pra·
zer de rever palavra a palavra, no sentido literal da expressão, as mais recen-
EMBUSCADOPA.SSADO

lante, que tratou da via~m e de tudo o resto, foi John Parkington. Agrade-
ço-lhe por me te r proporei nado uma das experiências mais interessantes da
minha carreira profissional.
~qui em Albuquerque, muitas pessoas foram importantes na feitura des-
te hvro. Tenho de mencionar os funcionários do Centro de Instrução de Meios
de Comunicação da Universidade do Novo México, que se tornaram bons ami-
AGRADECIMENTOS DO AUTOR gos durante o processo de produção de cópias fotográficas dos meus desenhos
e que füeram óptimas cópias dos meus diapositivos e negativos. O Depart.a'.
mentod~Ant.ropolo~adaUniversidadedoNovoMéxicoapoiou,comosempre
EstelivroconstituiumadiscussAodeAmbitomuikaJargadoacercadonos- faz, a mmha investigarão, nomeadamente subsidiando grande parte do tra-
so conhecimento do pass'l.do e dos nossos esforços para aprender algo sobre balho de fol?grafia e pagando a um assistente que me ajudou na preparação
esse passado. Como tal, representa algo das experiências por mim ~vidas do manuscnto e noutras pesquisas acessórias. Martha Graham e Signa Lar-
durante uma carreira Cle etnógrafo, de estudioso do comportamento ammal e r~ldeforam as dactiló_grafas queti-abalharam longa e duramente para produ-
de a;·queólogo. Não posso por isw deixar de men.cionar todas as pessoas que zir um bom manuscrito.
tornaram possível o meu trabalho e que me encorajaram pelo caminho. Este Vá!1a& pessoas contribuíram com fotografias para este livro: CharlesAms-
livro resulta especificamente da insistência de Colin Renfrew, Robin Tor- den, J1m Chisholm, Irven DeVore, Pat Draper, Diane Gifford, Robe rt Hard,
rence e John ~herry. Mais do que ninguém, foram estas três pes_soas que me Susan Ken.t, John Lan~am, John Parkington, Edward Santry, Olga Sofrer e
convence~am a gravar as minhas palestras na Europa e. a cons1derá-~as de Noi:man 1'indale. A 0~1gem de todas as fotografias não tiradas por mim foi
forma séria como matéria para um livro; todos eles me apoiaram, encor&,Jaram devidamente referenciada. Agradeço a estas pessoas porque a sua contribui·
e insistiram para que este livro fosse feito. Nenhum agradecimento será su- çãotornoll: este livro melho~. ly~ Ellen Morria desenhou as reconstituições do
ficiente para lhes exprimir o meu reconhe~mento. . ~odo. de '?da do hom~m pnm1t1vo (figs. 2, 5 e 16), bem como a reconstituição
Durante a minha estada na Europa, Cohn Renfrew, Chve Gamble e Klavs 1ma1;mat1va do ..Jardim do Paraíso» (fig. 128). Apreciei imenso o seu talento
Randsborg orientaram-me, corrigiram-me e educaram-me acerca do !spJ- e a sua ajuda.
rito intelectual europeu. Por isso estou muito agradecido a estes bons amigos. Finalmente, quero salientar o papel import.ante que Robi n Torrence e
A visita à Europa também me proporcionou um agTadável. almoço_ C?m De~i­ J ohn Cherry tivera~ n_a produção deste livro. Foram responsáveis pelas gra-
se e François Bordes na véspera do Ano Novo de 1980. Foi ':1m~ v1s1ta muito vações e pela versão m1c1al das transcrições para papel. Depois de eu te r tra-
&gTadável, mas, tristemente, foi a última vez que vi Franl'.°11 vivo. Apadeço balhado as transcr~ç6es, reviram uma vez mais o meu trabalho, e das suassu-
aos meus anfitriões europeus a quem se deve o ter-me sido concedida esta gesl.6es de reorganização resultou um produto melhor. Não existem palavras
oportunidade. . adequadas para exprimir a minha gratidão para com Robin e John.
Como é referido no prefácio, menciono neste livro uma qua~bdade razo~-
~~~~~:v~~i~~~~~rC:~1~~s~~~:: i;;r;;::an~ i~id~:l~;=~a~=~ã~s~~ Lewis R. Binford
1981 (resultante de um convite para fazer uma palestra na Umvers1dade_d~
Cidade do Cabo). Durante a minha estada tive a boa sorte de fazer uma v1s1-
ta à zona do rio Nossob, no Norte do pais, onde, por pouco tempo, troquei im-
pressões com os naturalistas Gus e Margie Mills, que estão presentemente a
estudar as hienas. Tive o privilégio de visitar o Dr. C. K. Brain e também as
Dr... Elizabeth Voigt e Elizabeth Vrba (todos do Museu do Transval), e pude
por isso ir ver as estações de Kromdraai, Sterkfontein e Swartkrans, tendo a
apresentação de cada sitio sido feita por eles, os guias mais conhecedores que
seria possível encontrar. Richard Klein e o peno ai do Museu Sul-Afr ic~no d~
Cidade do Cabo perm itiram-me realizar o estudo de colecções faun!st1c~s ai
conservadas, incluindo os materiais da importante estação de Klas1es Ri ver
Mouth (cujos resultados pretendo ap resentar em breve). Quero agradecer
também à Sr.• Shaw, do MuseuSu1-Africano, por me te r mostrado as colec-
ções de fotografias e de material etnográfico.
Também tem de ficar express;; neste livro o e.sforço colectivo de _n':'mero-
saspessoasque tornaram possível a minha ida aAfrica. A pessoa ma1s 1mpor-
PREFÁCIO

Este livro corresponde à transcrição reelaborada de urna série de conferên·


eias proferidas na Grã-Brel.anha e Escandinávia durante o Outono de 1980
e as primeiras semanas de 1981 1• Esl.as conferências foram concebidas de mo·
do a alcançar um certo número de objectivos, mas, mais do que isso, preten-
diam contribuir para o esclarecimento de questões que na altura eu estava a
investigar: isto é, tocavam muitas vetes em ternas ou em ideias que eu esta-
va a explorar, mas cuja exploração não se encontrava ainda desenvolvida ao
ponto de justificar a publicação de urna monografia ou de um artigo científi -
co. Isto significa que este livro, tal como as conferências, não representa o
resull.ado final de urna investigação ou de urna reílexão completada, mas a n-
tes urna espécie de re lató rio preliminar sobre várias ideias e linhas de inves-
tigação, bem corno opiniões sobre o t rabalho feito por outras pessoas. Há que
ter consciência de que a publicação dos trabalhos arqueológicos ocorre fre-
quentemente muito depois de o trabalho ter sido feito. Do mesmo modo, as dis-
cussões e t rocas de ideias que constituem o aliciante da investigação ocorrem
normalmente no seio de um grupo fntirno de amigos e colegas e raramente che-
gam a toda a disc iplina antes que, muito mais tarde, sejam finalmente publi-
cados os relatórios sobre o conjunto do trabalho. As conferências preenchem
a lacuna entre o entusiasmo da pesquisa e a responsabilidade penosa de
preparar o relatório «final•. Espero que ao publicar a minha reílexão e as
investigações que tenho actualmente em curso este ent usiasmo possa ser
compartilhado, e que outros investigadores possam ser estimulados por esta
divulgação de um trabalho ainda inacabado. Fi:t os possíveis por apresentar
infonnação quejustifiqueasposiçõestomadasdefonnasuficientemas,deum
modo geral , não apresentei •conclusões•; aliás, nalguns casos, não te nho ain-
da a certe:i:a de quais as conclusões a que vi rei a chegar. Apesar de a minha
atitude em relação ao trabalho dos outros ter evidentemente em conta os meus
últimos interesses e experiências, fiz os possíveis por tentar um •ponto da si-
tuação• em certas á reas da investigação em curso.
Propus há vários anos um programa de investigação a longo prazo em que
os estudos de restos faunísticos, o uso organizado do espaço e a ecologia eram
consideradas as áreas de maior interesse para o desenvolvimento da teoria
explicativa em arqueologia1• J á publiquei a maior parte do meu t rabalho

' AlnkiaUo dest.aviagemea oua ~teriorviabilii.açlodevem-91 aoaesíorçmdeColin


Renírew, que me eonvidou e que íes todo o pmof..,I pan me -,j11dar a obter u aubvenç&.. n&-
oeu'1tu • 111a re1lizaçlo. Aubol.l por 11er elequcmeonseg11i110. fun®-. Ew:iu-Jhe n111ito agni·
decldo-U.11<1 epeloacolhimenWeslin111lante,con.êseeordi1Jq,,..modi1pellllOll-
'Blnbd,l977--10.
sobre restos íaunísticos (apesar de ainda nAo ter saído um importante estudo vestígios arqueológicos. Isto deve ser particularmente evidente no capitulo vi,
relacionado com os critérios utilizados para distinguir a necrofagia como táe- em que a apresentação dos problemas foi deliberadamente deixada quase ao
tica para a obtenção de alimentos). Quase toda a argumentação aqui apresen- nível da •projecção de diapositivos•, de forma a ilustrar como um só povo po·
tada utiliza resultados desses estudos foun!sticos, embora se concentre essen- de prodw:ir muitos e variados tipos de vestígios arqueológicos. Este facto-
cialmente na análise espacial, tanto no que diz respeito à variabilidade exis- que não é novidade nenhuma para os arqueólogos - não parecia, no entan-
tente no interior de uma mesma estação arqueológica como à variabilidade to, ser devidamente apreciado e quase nunca era co nsiderado quando se inter-
que se verifica quando comparamos as estações umas com as outras. Ambos pretava o registo arqueológico. Talvez eu tenha dado demasiada importância
estes tópicos de interesse, um quase completamente pesquisado, outro em ao assunto, tendo em conta que a maioria dos a rqueólogos presentes nAo es-
curso de investigação, se encontram a aguardar a realização futura de estu- tudava povos com um modo de vida itinerante. Mas as minhas conferências
dos ecológicos mais desenvolvidos. Esta situação em que se encontra o meu devem ser vistas como uma espécie de t rabalho miuionário, em que se pro-
projecto de investigação a longo prazo condiciona, portanto, os meus interes- curava assinalar alguns dos interessantes problemas metodológicos de infe·
ses e o que julgo relevante discuti r. rência que surgem quando se estudam os povos caçadores-recolectores.
Além de representarem uma série de vistas gerais e de avaliações criticas Muitos europeus, especialmemte os escandinavos, queriam que eu dis·
sobre o trabalho em curso, as conferências foram ponderadas consoante as ca- c1:1tisse a nova arqueol ogia. Mas o curioso é que esta era vista, em grande me-
racterísticas do auditório a que se destinavam. Quase todas foram proferidas dida, não em função das questões em que eu tinha insistido até 1969, mas sim
perante grupos diferentes, e foram por isso. afinadas ei_n função dos diferen- em função dos argumentos cristalizados nos trabalhos de Fritz e Plog', e nos
tes níveis de familiaridade com a arqueologia e a pré-história. Procurei tam- de Watson, LeBlanc e Redman•. A minha impressão é que muitos dos estudio-
bém ter em conta as diferenças que pensava existirem entre os especialistas sos europeus consideram estes trabalhos como uma espécie de positivismo
presentes em cada conferência. Fiquei surpreendido pela diversidade que ingénuo, como um ensaio para adoptar uma filosofia para a arqueologia, mo-
encontrei nos meus colegas europeus, não só no que respeita aos seus interes- tivada por um desejo de a tornar •cientifica• ou por uma estranha tendência
ses mas também no que respeita ao seu grau de reconhecimento da importãn- americana para•medir coisas•. Reconheço que é muito difícil vender um con-
cia da investigação feita fo ra da sua especialidade. Como seria de esperar, junto de táctica.s se o objectivo, a finalidade, não é clara: até me dizerem para
dado as jazidas paleolíticas serem raras ou inexistentes no Norte da Europa, onda vou, não posso avaliar as sugestões que me dão para lá chegar. Neste sen·
havia mais interesse na agricultura e na arqueologia proto-urbana. Esta pro- tido, muitas das orientações programáticas da nova arqueologia talvez tives-
pensão não era tão acentuada em reuniões com pré-historiadores do Sul da sem sido apresentadas fora da altura própria, e algumas das reacções nega-
Europa e de África. Da mesma maneira, era muito provável que os arqueoló- tivas que suscitou eram justificadas.
gos interessados na Idade da Pedra se dedicassem ao estudo dos vestígios de Em resposta a esta reacção, tentei organizar este livro de modo a que a
estações mesoliticas, isto é, dos subprodutos da actividade de um homem já argumentação surgisse dos exemplos, e procurei dar ênfase à natureza dos
inteiramente moderno, embora anterior à agricultur a. Apercebi-me então de problemas arqueológicosoriginados nos diferentes domínios da investigação.
que a minha discussãc. dos problemas metodológicos levantados na primeira AD mesmo tempo, te ntei ligar estas diferenças de abordagem à necessidade,
e segunda partes do livro era considerada irrelevante para o seu trabalho, ou comum a todos os a rqueólogos, de melhorar os métodos de inferência. Optei,
simplesmente como tendo um inOOresse derivado de uma preocupação pura- no entanto, por não discutir esses aspectos epistemológicos de forma especf·
mente académica com o Moustierense ou o Paleolítico Inferior. Não estava à fica, limitando-me aos mais práticos e tácticos. Seo leitor apreciar estes últi-
espera desse tipo de reacção, embora a resposta que teria obtido de um audi- mos, é inevitável que daí resulte o seu interesse pelas questõesepistemológi·
tório de especialistas do Novo Mundo, trabalhando sobre os períodos Arcaico cas. Estou cada vez mais convencido de que a preocupação com ;o !lexperimen·
ou Woodland, fosse seguramente muito semelhante. Foi em resposta a essa tação de estratégias epistemológicas é a chave para o crescimento da ciência
reacção que tentei apresentar neste livro as discussões sobre o homem primi- arqueológica. Os apelos directos à adopção de certas estratégias positivistas
tivo e sobreoMoustierense em tennosde•metodologia•, a qual penso ser rele- talvez fossem prematuros e, de qualquer modo, muitos arqueólogos não reco-
vante para todos os arqueólogos, se.iam quais forem os per íodos históricos de nheceram a existência de bases para esses apelos. O que espero mostrar aqui,
seu interesse. através de uma série de exemplos descritivos, é a necessidade de nos preo-
Fiquei também surpreendido por haver muitas pessoas que não estavam cuparmos a sério com a epistemologia.
ao corrente da bibliografia etnográfica sobre as sociedades de caçadoru-reco· Parecem existir na Europa dois tipos claramente distintos de arqueólogos:
lectores. As discussões sobre vestígios arqueológicos deixados por caçadores- o dos especialistas e técnicos que representam a •arqueologia baseada nas
- recolectores pareciam-me muitas vezes padecerem de falta de informação ciências naturais• 5, e o dos ·filósofos do social• (estruturalistas, marxistas,
ou serem basaadas em noções românticas e não num conhecimento genuino
baseado em contactos directos. Utilizei por isso muitos dos diapositivos das 'Fmxel'log,1970.
minhas experiências com caradores-recolectores, com a intenção de ilustrar •w.-.,dol,1971.
como os povos com um modo de vida itinerante •marcam• o seu ambiente com 1
O volume de Bmlhwtll e Higp(l969)• um bom exemplod.,.i.. penpect.iv•.
l.EWISR.BINFORD EMBUSCADOl't4SSADQ

•morfogeneticistafl>o, etc.). Este livro é uma espécie de tentativa para sugerir espera r a investigação necessária à satisíação dos seus objectivos arqueoló-
formas de os dois tipos se unificarem para da r origem a uma genuína ciência gicos específicos, mesmo que as ciências auxilia res possam dar a 1ua ajuda e
da arqueologia. Não quero dar a entender que estes dois tipos sejam um exclu- mesmo, de vez em qua ndo, providenciar •prendas- valiosaslº.
sivo do Velho Mundo, porque eles também existem na América do Norte. Mas Penso que muitos arqueólogos estão conscientes de que o grau de fiabili-
aí o contraste é mais entre o •homem do t rabalho de campo duro-, que sabe dade de uma inferência sobre o passado só pode ser tão grande quanto os
quão fortes são as bebidas alcoólicas que se podem encontrar nos diversos conhecimentos em que essa iníerência se baseia. Sabemos há já bastante
bares do México ou do Dakota do Sul, e o •teórico" que, pese embora a falta de tempo que podemos ter mais c~;mfiança no conhecimento que te mos sobre
métodos seguros para a obtenção de respost.u, está mais interessado • no alguns íenómenos que no que temos sobre outros. Christopher Hawkes'' reco-
significadodetudoist.o>o.(Aindabemqueexiste menos•machismo•naarqueo- nheceu-o implicitamente quando em 1954 propôs os seus •patamares de fia-
logia no Velho Mundo: tanto os especialistas científicos como os filó sofos do bilidade•: para os domínios onde os conhecimentos e a compreensão e ram
social estão mais interessados nas questões teóricas do que muitos dos considerados relativamente seguros, a iníerência era considerada relativa-
·homens do trabalho de campo- do Novo Mundo.) mente íácil.
O ponto de vista da •arqueologia baseada nas ciências naturais,,, tão A existência de um elo básico que liga a •arqueologia t radicional• à chama-
comum na Grã-Bretanha, vê o desenvolvimento de métodos de inferência da • nova arqueologia• ficou bem demonstrada numa palestra a que tive o pri-
como fundamentalmente dependente de outras ciências. Há uma êníase na vilégio de assisti r quando estive em Southampton, proíerida pelo distinto
arqueozoologia, na geologia ou noutras •disciplinas auxiliares da arqueolo- arqueólogo M. J. O'Kelly, que tanto tem contribu ído para a escavação e com-
gia•. Num certo sentido, trata-se de uma abo rdage m sólida: é de íacto possí- preensão do importante sftio a rqueológico de Newgrange, na Irlanda' 2. O Pro-
vel importar teorias e explicaç6es originalmente formuladas no contexto de f. O'Kelly comprazia-se em discutir como é que a enorme estrutura megalí-
~~:!ái!.cl,1~n0a::~~~~ ~;~~~~~~~::k~:;:~:Sª;;'~~~;~!~~~~~s~:;ie~~ tica de Newgrange teria sido construida, qual teria sido a sua forma durante
o período em que foi utilizada, e até quais os aco ntecimentos que podiam te r
iníerências assim obtidas não se aplicam ou não são Uteis à solução dos pro- modificado o registo arqueológico de modo a produzir a forma observada
blemas que enfrentamos como arqueólogos. O resultado tem sido o desenvol- durante a escavação. Todas estas iníerências se tornavam convincentes pela
vime nto progressivo de pequenas subdiscip \inas técnicas, que tratam os ves- ligação da arqueologia aos princípios da fisica, da mecânica e de outras dis-
tígios a rqu eológicos dentro dos seus parâmetros próprios, sem que isso con- ciplinas relacio nadas com a engenharia aplicada. No entanto, era grande a
tribua para o desenvolvimento da a rqueologia propriamente dita. Nestas sua relutância em discutir a natureza da sociedade em cujo contexto essa
circunstâncias, os vestígios arqueológjcos acabam por ser postos ao serviço estrutura havia funcionado. Porquê esta diferença de atitude? A resposta
dos objectivos das outras disciplinas. E o que acontece, por exemplo, quando reside provavelme nte em que não há princípios ou teo rias seguras sobre a cul-
a diversificação da reprodução nos bovinos, nos ovinos e nos caprinos domés- tu ra e a sociedade a que o Prof. O'Kelly pudesse ter recorrido para justificar
ticos é estudada em termos puramente zoológicos, e depois o arqueólogo tem inferências nestes domínios a partir das observações por si íeitas. O que quero
dificuldade em procurar um contexto onde o trabalho do arqueozoólogo pos- dizer com isto é que 01 arqueólogos não podem esperar que sejam as outras dis-
sa ser utilidvel no contexto dos seus próprios estudos. ciplinas a desenvol ver os princípios necessários à realização de iníerê ncias
Foi exs.elamente esta conclusão que me levou aos estudos íaunísticos e a seguras sobre o passado. Têm de ser eles próprios a desenvolver a arqueolo-
acabar por publica r os meus livros Nunamiut Ethnoarchaeology' e&rus'. gia como ciência.
Verifiquei que os outros cientistas nunca far iam a investigação necessária ao As lácticas dos filósofos do social representam o extremo oposto desta ati-
relacionamento dos restos íaunísticos com a interp retação das sociedades hu- tude13. Os defensores dos diversos pontos de vista - marxistas, e1truturalis-
manas do passado. Na melhor das hipóteses, esses cientistas poderiam desen- ta1, materialistas, idealistas, etc. - estAo convencidos de que a sua própria
volver técnicas para a interpretação das populações antigas de animais', mS!I, visão do mundo lhes pennite tomá-lo compreensível e inteligível". Utilizam
infelizmente, na ausência de um conhecimento sofisti cado dos processos de
formação do registo arqueológico, não podemos deixar de ter muitas dúvidas
ace rca das suas possibilidades de êxito' . Só dos próprios arqueológt.s se pode ~ ~b'.~rf.~viment.oda dataçlopolondi<lcarbono.
"Ver O'KcUy,1968,1982,eVan Wijngaudco-Balr.lr.er,1974.

' llinfonl ,1978-<>. ~me::S°::~~i:a't:t'co.i:;~ri:,n!:~~~~·~r:~C::!~t!.,...:..=1.:l.::::~;~


'Binfonl,1981~. putkular.

..;;.:=:!·:.."::d.·~::i.:~!'.:~c:::..'t~':'-=~:rui::.-:::1:::
'Por exemplo:ten\.at a rooon 11.it~ioda e.tn.mll'lod• man•daotigi,..,] no que re1peit.al
idade ell011exoapartlrdoo011-encont.radosem1flÕOltetidcric;..il,oua.-ol\llt.it11içlodo ni).

:~?!~~a.fur1;:~~~ i:~:::·~~::!&E~i~~~~
mcrodeanim•l1viV011repre11ent.ad011pOt°"'"°"'encont.-•dooem1ftiolde funçlo~n hecid&. 9
1 Ver, Biofonl, 1981~, pp.69-72 e ~78-479, pua uma crll.ica da utilluçlodoe-t.im1t.iv•
doNMI (oú""'ro mfnlmodeindivldU011).
LEWISR. BIHFORD EMBUSCA.DOPJUSADO

frequentem ente o registo arqueológico para avançare~ o seu ponto de. vista tual . Trata-se de um procedimento que, no fundo, se reduz a um simples exer-
através daquilo a que eu chamo •argumentos acomodabvospQst-hoc•: isto é, cício na falácia da afirmação do consequente. Apesar disso, é coisa que se vê
interpretam o passado como •sendo conhecido• em termos coerentes com os acontecer com frequência entre os po\emizadores de orientação filosófica, ao
pressupostos da sua filosofia espedfica. Mas é frequente estes argumentos contrário do que sucede entre aqueles que lutam pelo crescimento da ciência
tomaremaformadefaláciassilogl"sticas.Estepontopodeseradequadamente arqueológica.
exemplificado através de uma das experiências por que.passei em I ngla,te rra. Estes falsos s ilogismos são, porém, apenas uma das várias lácticas duvi-
Tendo aceitado um convite para falar em Cambndge, apresentei uma dosas comummente utilizadaspelos•filósofog... É frequente, por exemplo, que
pequena introdução histórica às ideias metodológicas posteriormente publi- advoguem a utilização de uma linguagem observacional que, se usada de for-
cadas no meu liVTO Bones 1G. Seguiu-se uma sessão de debate em que os pre- ma consistente, tornará o mundo compr eensível nos termos dessa perspecti-
sentes eram, na sua maioria, discípulos de Jan Hodder. E ste •debate• co~e­ va filosófica particular. Esta prática é evidentemente tautológica, mas o pro-
çou comdoisalunosaleremtrabalhospreviamenteprepa radose mqueac1en- blemade fundoéqueas lácticasdos filósofos docomportamento social nãos.Ao
eia, a arqueologia e os meus próprios trabalhos eram acusados de uma longa cientificas. Foi em oposição a estes métodos que a epistemologia cientifica
lista de deficiências e delitos intelectuais, tanto leves como graves(porexem- nasceu como um modo de avaliar ideias através de descrições •objectivas• da
plo, fui informado por Hodder de que umas das deficiências graves no me~ tra- realidade 17• Este liVTo é sob re a forma como podemos dar sentido à experiên-
balho sobre os Nu namiut era o facto de eu não ter perguntado aos esquimós cia arqueológica, e sobre a forma como, po r sua vez, temos utilizado e conti-
qual era a sua atitude em relação ao lixo!'1). Depois de ~uvi r duran~ m_uito nuamos a utilizar essas experiências, convertendo-as em afirmações com
tempo, chegou a minha vez de responder ao desafio óbVJo: •Ü que diz a isto, sentido acerca do passado, tanto para o conhecermos como para podermos
Prof. Binford?• Que poderia eu dizer? A imp\icaçll.o era dara: eu fora compla- avaliar as nossas próprias ideias a seu respeito. Seja como for, filosofia sem
cente, ou ai.é simpatizara, com muitas das deficiências do pensamento ciência é simplesmente cultura, e ciência sem filosofia não passa de conven-
a rqueológico que tinham sido citadas. Tentei sugerir que tal~ez algumas das ção estéril. Temos, então, de _integrar as duas, porque só assim poder emos
acusações tivesse m sido expostas de forma falsa, que nada tinham a ve r com criar uma disciplina produtiva, capaz de contribuir para o crescimento
omeu trabalho, ou que eram simplesmente err:idaseençanadoras. Estes pro- acumulativo do co nhecimento e do saber.
testos foram ridicularizados como sendo, obviamente, mcorrectos, ou então
um dedo acusado r era apontado contra o facto de eu ter aceitado que algumas
das posições criticadas eram na realidade deficientes. .
Este incidente ocorrido em Cambridge é um exemplo do tipo de argumen-
taçll.o comummente utilizado pelos filósofos do social. Primeiro pergunta-se
à vítima quando é que vai deixar de bater na esposa. Ele responde que, na rea-
lidade, não bate na esposa. No entanto, conccrda com os acusadores em que
• não• é de facto correct.o que se bata na esposa. Infelizmente, estas discussões
estéreis raramente resultam em esclarecimento ou desenvolvimento intelec-

11
~{noprelol.
EMBUSCA.DOl'llSSADO

si mples sobre a matéria e a sua ordenação a afirmações de interesse co mpo r-


tamental aeerca do passado.
O desafio que a arqueologia ofer ece é, pois, li te ral mente, o de traduzir
observações contemporAneas de eoisas materiais estátieas em afinnações
sobre a dinâmica dos modos de vida do passado e sobre as condições que pe r-
mitira m a sobrevivência dessas coisas até ao presente. A maioria dos a rqueó-
CAPÍTULO! logos considera esse desafio enonne e difícil de e nfrentar, pois requer de nós
uma melhor eompreensão das nossas próprias interacções com o mundo ma-
A TRADUÇÃO DO REGISTO ARQUEOLÓGICO terial. Na realidade, r a rame nte temos em conta o modo como o nossocompo r-
tamentll pode modificar o nosso ambiente material e deixar indicios do que
acontece no nosso dia a dia; o que se passa é que não estamos habituados a ver
0 mundo dessa fonna. Mas o arqueólogo tem de se tr einar para isso. Ele tem
A arqueologia como ciêDcia de se preocupar com coisas muito triviais. Como é que as pessoas se vêem
livres do lixo? Como é que decidem que uma fe rramenta está gasta e que pre·
cisam de comprar outra? Em que altura decidem que um a coisa já não tem
Não há muito tem po, ia eu num autocarro, um senhor de idade pe rguntou- utilidade e pode ser desfeita para se r reutilizada com outros fin s? Se os
-me o que razia. Disse-lhe que era arqueólogo. Respondeu-me: · Deve ser ma· arqueólogos aspiram a se r capazes de •decifra,... e •le"' o registo arqueológi-
ravilhoso, porque a única coisa necessária para ser bem sucedido é ter sorte.• co em função dos aspectos do passado que lhes inte ressam, é de info rmação
Demorei algum tempo para o convencer que essa não er a a minha visão da sobre decisões deste tipo, decisões que podem modificar a fonna e ordenação
ar queologia. Ele tinha a ideia que o arqueólogo •escava o passado•, que o ar- do1 objectos materiais que necessitam de forma vital.
queólogo bem sucedido é o que descobre algo nunca antes visto, equetodos os Como podemos enfre ntar esse desafio? Ser4 que podemos alcança r os nos-
arqueólogos passam a vida a correr de um lado para o outro tentando faze r sos objectivos simplesmente escavando mais sitios e descobri ndo mais coisas,
esse tipo de descobertas. Esta concepção do que é a ciência, talvez fosse comopensavao se nhordoautocarro? A minha resposta tem de ser um rotundo
adequada ao século xix, mas, pelo menos nos te nnosem que eu a vejo, não de&· • não•. Se, como penso, a maior ia das pessoas acha esta resposta surpreenden-
creve a natureza da arqueologia tal como ela hoje é praticada. Neste capítulo, te, é porque imagina que os arqueólogos se limitam a escavar e não se ape r-
pretendo explicar por que é que pe nso que os arqueólogos são mais que sim- cebe de Uida a investigação necessária para decifrar os sitios que são escava-
ples descobridores. dos. Sendoassim, que podemosfazer?Serãoos mét.odos daHistória, dasC iên -
Como muitas outras pessoas, o sen hor do autocarro está muito enganado cias Naturais ou de outras disciplinas adequados aos problemas específicos da
quando pensa que o arqueólogo •descobre o passado-, porque •O r egisto a rqueologia?
a rqueológico est.á connosco, aqui, no presente•. Está, por todo o lado, debaixo A primeira ideia que temos de rejeitar é a de que os arqueólogos são sim-
da terra, sujeito a que alguém o exponha ao construir uma estrada; faz parte plesmente una historiadores estr anhos, que trabalham numa situaçãode des-
do nosso mundo contemporâneo e as observações que fazemos a seu respeito va ntagem, devida ao facto de não terem registos escritos à sua disposição. É
são feitas aqui e agora, são elas também nossas contemporâneas. Essas preciso reconhecer as diferenças fundamentai s que existem no tipo de dados
observações não vêm directamente do passado (como acontece, por exemplo, utilizados pelas duas disciplinas. Seja qual fo r o seu interesse específico, os
no caso de um historiador que utiliza infonnações encontradas num diário do historiadores trabalham com diversas formas de registos escritos-crónicas,
sé<:ulo xv e que transmite as observações feitas pelo autor nesse mesmo cartas, diá rios ou out ro tipo de registo escrito sobre o passado produzido por
sé<:ulo). Como os dados observados no registo arqueológico são contemporâ· um• pessoa com o propósito de transmitir info rm ação a outra. Mas, como
neos, eles só por si não nos infonnam acerca do passado. O registo arqueoló- todos 1abemos, as cartas pa ra casa podem vir •embelezadas-; na prática, os
gico não é feito de símbolos, palavras e conceitos, mas sim de coisas materiai• que escrevem diá rios fa:tem-no frequentemente, tendo em vista uma leitura
e de matéria ord enada. A Unica manei ra de perceber o seu significado ou , se futura ; os registos burocráticos são demasiado susceptíveis de sofrer alte ra-
se quiser, a única maneira de o podermos exprimir po r palavras, é compreen- p)ea com fins de vantagem pessoal. O factll de as pessoas não serem sempre
dendo algo sobre o modo como estas coisas materiais se fonnaram, se altera· honeal.ascria, inevitavelmente, ao historiador, o problema de compreender os
ram e adquiriram as características que hoje têm. Essa compreensão es tA mot.iVO!I que as pessoas podem ter tido para produzir registlls do passado. Ora,
dependen te de um grande conjunto de conhecimentos que liga as actividade1 01 arqueólogos, pelo menos até ce rto ponto, r ar ame nte enfrentam essa dificul-
humanas (isto é, uma ·dinâmica•) às consequências dessas actividades que dade particular. Por exemplo, vamos supor que durante a escavação de um
podem ser aparentes nas coisas materiais (isto é, uma •estática•). Com efeitll, átioseencontra um a larei ra ao lado de uma zona cheia de lixo: seria realmen-
podemos considerar os dados arqueológicos como uma espécie de língua não te eat.ranho que alguém no passado tivesse deliberadamente distorcido essa
traduzida, algo que temos de •decifrap para podennos passar de afirmaçõel pequena pa~el a do registo arqueológico para seu beneficio, ou que tivesse mo-
EMBUSCADOPASSAfXJ

dificadooque deitou fora como modo de comunicar com a1guém no futuro. Cla- nil.oimaginamqueasrelaçõesqueobservamentreascoisastenhamumsigni-
ro que isto não quer di:i:er que o homem não usa coisas materiais para comu- ficado que dispense explicação. Passam o tempo empenhados em •da"' sen-
nica r.As roupasejóiasque utilizamos revelam muitode nóspróprios, induin- tido a essas observações, e depois em a vai iar, na prática, até que ponto as auas
do o nosso estatuto social. Por eitemplo, podemos saber se alguém é policia ou interpretações são realmente úteis. É seguramente esta a posição em que se
bombeiro através da farda que veste, a qual transmite uma infonnação espe- encontra o arqueólogo: dar significado aos factos arqueológicoa (contempo rA·
cífica acerca do seu trabalho. Não há dúvida que os objectos materiais trans- neos) que observa, e depois tenta r ava ljar quão próitima da realidade é a ima-
mitem informaçõescodificadas, masesaas infonnaçõesraramentesAoaltera- gem do passado assim prodw:ida. E po r esta razão que tenho sempre
das com propósitos fraudulentos. O arqueólogo trabalha com materiais muito defendido que a arqueologia deveria adopt.ar os métodos das ciências natu-
diferentes do historiador, pelo menos no que diz respeito aos sistemas simbó- rais1, po rque sAo as únicas té<:nicas que conheço que podem ajudar o arqueó-
licos e de comunicação utilizados pelo homem. logo a resolver o seu dilema específico e peculiar, isto é, o facto de apenas ter
Alguns historiadores ~m defendido que o melhor método de fazer desco- ao seu dispor observações contemporâneas acerca de coisas materiais, cajas
bertas sobre o passado é a empatia1, isto é, imaginar a sacções ou circunst.An- ca usassAoinacessive1sàobservação.
ciasque teriam produ:i:idoos resultados observados. Suponhamos, por exem- Que implicações tem esta conclusão para os procedimentos por nós segui-
plo, que encontrei uma lareira rodeada de pedras, com cinz.as no centro e ossos dosquandoescavamosum sítio?Seráquetemosde nospreocuparcom osigni-
e pedraa a um lado. Faria então a mim pr óprio a seguinte pergunta: «Sendo ficado dos vestígios arqueológicos antes de os escavar? Se sim, será que isso
um homem, e estando sentado a uma lareir a, qu~ poderia eu ter feito que iníluencia o resultado das escavações? Certamente, o ar<iueólogo, como des-
pudesse ter dado origem às coisas que agora vejo?• E bem possível que isso me cobr idor , tem de se preocupar com estas questões. Não teríamos referênciaa
per mitiHe fo rmar um conjunto de ideias acerca de como era o passado. Mas nenh u mas sobre o passado se nos dedicássemos inteiramente ao desenvolvi-
obter essas ideias não passa de um primeiro passo, em que utili:i:amos a nos· mentodeuma melodologiaperfeita,e nãorecolhêssemos nenhunsdadosa seu
sa imaginação e o saber que acumulámos acerca da relação entre o compo r. respeito. Por outro lado, se tivéssemos um registo arqueológico completo, mas
lamento humano e os objectos materiais. Muito mais importante é a form a nenhum a forma de lhe poder atribuir significado, não estaríamos mais perto
co mo «avaliamos- essas ideias. Como sabemos que não existem outras ci r- de saber algo sobre o passado. Como é óbvio, estas duas facetas da investiga-
cu nstancias ocorridas no passado que pudessem igualmente ter sido respon· ção arqueológica têm de se desenvolver em conjunto, mas isso é mais fácil de
sáveis pelos padrões que hoje observamos no registo arqueológico? Sem um a di:i:er que de fazer. Pode acontecer que escavemos demasiado, sem te r inves-
metodologia par a avaliar as ideias, ficamos na situação de termos tot.a l libe r· tigado o suficiente para que nos seja possível interp retar aqui lo que observa-
dade para inventar muitas histórias sobr e o passado, sem que tenhamos, mos; ou que façamos demasiada pesquisa metodo lógica e, quando acabamos
porém, qualquer forma de saber se essas histórias são co rrectas. por chegar à fase da escavação, venhamos a concluir que, afinal, o sítio não
Será que a melhor maneira de lidar com este desafio é, como alguns ar- contém as coisas que precisávamos de observar. Por vezes os arqueólogos
queólogos têm sugerido, seguir o caminho que outros percorreram antes de dizem: ·Bem, 'X' é u m home m de teo ria• ou •'Y' é um homem de campo•, ou
nós, adoptando, por exemplo, os métodos das ciências sociais? É uma suges- critica m ain da o facto de que ·fulano de tal escava muitos sítios e fá-lo bem,
tão que parece sedutora. Mas devemos recordar que as ciências sociais se mas não os interpreta como deve sef'I. A moral da histór ia é que a arqueolo-
deaenvolve ramparatrataremdesituaçõesdinãmicascomosãoasinteracçôet gia necessita de um crescimento equilibrado, em que o desenvolvimento de
que se verificam num contexto social. Os arqueólogos, como já salientei, não técnicas que nos pe rmitam fazer inferências correctas sobre o passado se faça
observam factos sociais; observam factos materiais contemporâneos e, por- em conjugação com a realização das observações a rqueológicas que nos forne-
tanto, no sentido prático, os métodos das ciências sociais não são ap ropriado• cem os materiais para uma interpretação. Penso que não se pode escavar bem
à arqueologia. A a rqueologia tem de fazer face à naturez.a específica dos seu• um sítio sem sabe r que potencial para a realização de inferências acerca do
dados e ao carácter único do desafio que enfrenta-como chegar ao panado passado nos ofe recem os dados obtidos nessa escavação. Por exemplo, se eu
a partir do presente. O que é necessário é, pois, uma ciência do registo arqueo- nlo soubesse da existência do método de datação pelo radiocarbonoSteria pou-
lógico, una ciência que, em ve:i: de os ignorar, trate os problemas específieo1 cu ruões para recolher os carvões enco ntrados na escavação. É só porq<.1e sei
com que deparamos quando utili:i:amosesse registo para aprender algo sobn que as am ostras não contaminadas de carvões podem fornece r uma medida
o panado. independente do tempo decor rido que compreendo a necessidade de recolher
Se não somos historiadores nem sociólogos, que tal utilizar mos os métodot enea ma te riais e de manter registos precisos sobre a sua recolha. Resumin-
dasciênciasdaNatureia?Estapareceser umasugestãobast.a ntemaisra:i:oj. do, as boas té<: nicas de escavação dependem de estarmos cientes das possibi-
vel, porque entre os investigado res das ciências natu rais não se alimenta •
expectativa de os dados •falarem por si•. Os fisicos, químicos, biólogos, eU:.,
'Ver,Bi nford,l~.
ml~,pt9;' ~ m• deocriçlodH técnicu de dat.açlo pelo nuliocarbono, verMichel1, 1973, e Fl e·
'lü.wkei.1980,porexemplo. 6
U:WISR.BINFORI> E.J,IBUSCADOl'ASSADO

!idades existentes de realização de inferências sobre o passado. Mas são as O r egisto arqueológico é, como já assinalei, um fenómeno côntemporAneo
"
próprias téenica.s de escavação que nos têm também continuamente levado a e as observações que fazemoa ace rca dele não são conatatações "hiatóricaa-'.
fazer uma investigação metodológica cada vez mais divenificada, porque Precisamos de jazidas que preservem coisas do passado: mas precisamos
estamos sempre a encontrar coisas que não com?reendemos e acen:a das igualmente de ferramentas teóricaB para dar sentido a essas coisas quando as
quais temos curiosidade, coisas que requerem uma pesquisa mais aprofunda- encontramos. Identificá-las com precisão e reconhecer o contexto em que se
da antes de as podermos usar para fazer inferências sobre o passado. integravam no comportamento humano do passado depende de um tipo de in-
A arqueologia é, então, uma disciplina interactiva, que não pode evoluir ves~gação q~e não .pode aer feita a partir d~ registo arqueológico. Isto é, se
sem um bom equilíbrio entre as preocupações práticas e teóricas. Os arqueó- tenciona.mos investiga_r a relação entre estática e dinâmica, é necessário que
logos têm de ser continuamente autocríticos: é por esta razão que se trata de esses dois aspectos se~an:i ~bservados em simultâneo, e o único lugar onde
uma diaciplina com um ambiente intelectual tão animado, e é por isso que 01 podemos observar a dinâmica é no mundo moderno, aqui e agora.
arqueólogos estão sempre a discutir uns com os outros sob re quem tem r azão Permitam-me que dê um exemplo. Uma classe muito comum de objectos
em dete rminado assunto. A autocrítica leva à mudança, mas é ela própria um encontrados por arqueólogos é a dos instrumentos de pedra. Como queremos
desafio, desafio que a arqueologia partilha talvez apenas com a paleontologia conhecer melhor o contexto em que os homens fazem, utilizam e deitam fora
e com algumas outras, poucas, disciplinas, cujo objectivo é faze r inferências os instrumentos de pedra, seria muito útil ver pessoas a utilizá-los. Foi eat.a
ace rca do passado com base em coisas contemporâneas. A arqueologia não é, preocupação que, há uns anos, me levou ao deserto do centro da Austrália para
portanto, um ramo do saber em que o passado possa ser descoberto de forma faze r trabalho de campo com um grupo de pessoas que conhecia instrumen-
"dir ecta•, nem pode ser uma disciplina limitada apenas à descoberta, como tos de pedra e que ainda os utilizava de vez em quando. Esperava poder r ela-
supunha o homem do autocarro. Pelo contr ário, é um ramo inteiramente cionar o comportamento destas pessoas (a dinâmica) com aa consequências
dependente da inferência acerca do passado, feita a partir de coisas encontra- desse compo~tamento ta_I como podem ser vistas em termos da distribuição,
das no mundo contempor âneo. Infelizmente, os dados a rqueológicos não têm forma e modificação dos instrumentos de pedra (a estática). Alguns aspectos
sentido próprio. Se isso fosse verdade, o nosso trabalho seria muito ma is fá cil! deste trabalho são r esumidamente descritos no capítul o v11. O meu objectivo
era estudar a relação entre a dinâmica e a estática num cenário moderno. Se
conseguíssemos compreender essa relação com o pormenor necessário terfa-
mosent.ãoao nosso dispor uma espécie de •pedra de roseta~: uma man~ira de
Fazer com que o presente sirva o passado ctraduzir>t os instrumentos de pedra (materiais, estáticos) encontradoa numa
jazida arqueológica em aspectos da vida do grupo de pessoas que aí oa aban-
donou.
Todos conhecemos a expressão, que é quase um luga r comum, de que As relações entr e oa achados que fazemos e as condições que tornaram pos-
estudamos o passado para ap render mais sobre o presente. Talvez não este- • 'vel a transformação desses achados, naquilo que efectivamente são, só
jamos tão à vontade, porém, com a ideia de que estudamos o presente para ~':m, portanto, ~r estudadas entre povos actualmente existentes. Eu pró·
compreender o passado. Pelo menos, muita gente não parece predisposta a pn0Jámedebruce1 sobreestaquestãoemtrabalhoafeitosentreosNumaniut,
aceitar o facto de os arqueólogos irem viver com os aborígenes australiano&' um grupo de esquimós caçadores de caribus do Alaska 7 , e entre os Navajos,
ou seguirem os bosquímano& Kung nas suas expedições de caça•. Suposta- que são p~stores de ovelhas do Sudoeste dos Estados Unidos da América', e
me nte, não é bem neste tipo de actividades que os arqueólogos devem estar tenho vá nos ai unos a trabalhar entre os bosquímanos Kung, na África do Sul.
envolvidos. No entanto, é o que muitos de nós fazemos, quase a tempo intei· Todos estes trabalhos de campo foram concebidos de forma a que fosse possí-
ro, pelo menos durante uma fase das nossas carreiras. De facto, nos Estados vel estudar de uma forma directa o relacionamento existente entre as coisas
Unidos da Amé ri ca, na moderna cidade de Tucson, no Arizona, está até em que encontramos na nossa qualidade de arqueólogos e os vários comporta-
curso um projecto de estudo das for mas como os modemos habitantes du mentos que r esultaram na produção, modificação e eventual abandono des-
cidades dispõem do seu lixo•. Os arqueólogos andam ao lado dos homens do •s coisas'.
lbi;o! Isto leva-me a pensar que a disciplina está a crescer e a tornar-se mais ~ ~rqueologia ':xperimental 10 é outra área de pesquisa em que o presente
sofisticada.Co nsequentemente,ela deverávir asercapaz deofereceraomun· é uti.hzado ao serviço do passado, com o objectivo de proporcionar perspecti-
do noções mais estimulantes e mais clarificadoras sobre o nosso passado do
que aquelas que até agora têm sido possíveis a partir dos factos a rqueológicoa.
'BinlOrd,1976,1978-G,1978-li,1979,1980,1981-.::,1982.
•BinlOl"d eBertram,1977.
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......._ . _,
• eoi.., 1973, 1979.
LEWISR.BINFORD EMBUSG4DOl'/tSSJWO

va& para uma interpretação correcta do registo arq ueol ógico. A maior parte
deste trabalho foi iniciado na Grã-Brel.anha, e envolve a recriação experi-
menl.al doa processoa ou acontecimentoaque sabe moa terem oco rrid o no pas-
sado, de forma a observar o respectivo reaultado arqueo lógico. Por exem plo,
se uma casa arder 11 e os seus vestígios ficarem sajeitos à erosão durante um
longo perfodo de tempo, qual será o resultado arqueologicamente observável
desse processo? De que modo a estrutura original e o seu conteúdo terão sido
modificadoa? Estas aão quest6e1 com que podemos lidar através da experi-
mentação. Este tipo de investigação perm ite avaliar até que ponto podemos
aceitar o que vemos como estando directamente relacionado com o passado,
ou como a lgo que foi diato rcido de várias formas pelos processoa que, entretan-
to, ocorreram. Outro papel importante da experimentação é a tentativa de
r ecriação das capacidades técnicas dos antigos artesãos: isto é, aprender a fa-
zer instrumentos de pedra'1 , objectos de ce râmica ou outros produtos das tec-
nologias pré-históricas, e utilizar essa experiência em diferentes situações
para resolver problemas. Este é um tipo de trabalho que pode também contri-
buir para um melhor esclarecimento do registo arqueológico. Estou conven-
cido que não ser á muito arriscado predizer que, no futuro próximo, à medida
que se forem apercebendo que encontrar algo não serve, por si só, de muito,
que o que é necessário é dar significado ao que se encontra, OI a rqueólogos re-
correrão a estes métodos experimentais de forma muito maia frequente.
Os documentos históricoa constituem outra fonte de informação que só
agora os ar queólogos começam a utiliur. O objectivo da investigação em
•etno-arqueologia• é, evidentemente, procurar definir as variáveis que con-
dicionam a formação do registo a rqu eológico. Estando num sítio e observan-
do as várias actividades dos que aí vivem, o arqueólogo espera conseguir reco- ções futuras de arqueólogos terão muito poucas oportunidades de estudar
nhecer alguns padrões arqueologicamente observáveis, sabendo à partida directamente grupos de pessoas que utilizam instrumentos de pedra coisa
quaia as actividadea que produziram esse resu ltado. Estar presente e obser- que a mim ainda me foi passivei. Mas desde que tenhamos documentos'histó-
va r não é, porém, a única fo rma de conseguir identificar essas variáveis, por- ricos que preservem observações sobre a dinâmica dos sítios feitas po r teste-
que existem imensos documentoa escritos sobre as acções do homem no pas- mu nhas presenciais, teremos sempre a possibilidade de escavar esses sítios
sado. Os regiatos hiatóricos podem muitas vezes ser utilizados não só para a P!rcoi:rendoa história como se fôssemos acompanhados por uma personage~
identificação de antigos locais de habitação mas também para nos indicarem hi.ltónea, tentando relacionar o que encontramoa na terra com os relatos por
o que aí aconteceu: po r exemplo, o tipo de especialização dos artífices que lá ela feitos dos acontecimentos que aí tiveram lugar.
viviam ou qual a antiga organização social aí existente. Equipados com conhe- . A palavra ~se rita não é, porém, o único tipo de documento histórico de que
cimentos deste tipo sobre a dinãmica do sítio, ficamos em boa posição para o dispomos. Fehimente, pelo mei.ios noa últimos cem anos, tem sido igualmen-
escavar e para relacionar aquilo que encontrarmos com os relatos das acti vi- te ~saível fazer fotografias. Existe um grande número de fotografias ti radaa
dades e processos que nele tiveram lugar há muito tempo. Esta utilização da na VJragem do século, quando havia muito mais povos vivendo com uma tecno-
Históriacomoformadecontroloexperimentalestáainda nasuainfância,ma. logia não so~sticada do que há hoje. Como é que podemosconverteressasfoto-
podemos prever que virá a ter um considerável desenvolvimento". É claro que grafiaa em 1 ~formações arqueológicas utilizáveis? A minha pesquisa actual

~ú:~~a~~~~~:~~esi:~i~a;~~~:~::~~~~c~~C:~;!~i::!~~~~:;'d~~
o número de pessoas que ainda fabricam instrumentos de pedra para caçar e
que têm um modo de vida itinerante está a diminuir todos os dias. As gera-
tinas focal da lente da máquina fotográfica, para poder converter uma foto-
crafiaobllqua (tirada por uma máquina sem tripé virada para uma paisagem)
"WintereBaokhoír,1979.
"Wiu.hol\, 1957, porexemplo;1»rmult.ado.deexperii!11du roceote1 na roplicaçlode utcn · ==r~::i:d~u!ssc~~ª~n~:ªs~t~~.~~rn1ad!s~~ ::oi~=~~=~~~!:º:O~;:
•íll1» em pedra podem ..,r enoontn.do. no boletim FlinlJrnop~I"'• Exdu"'ll'· f,9'°1VJdos, como penso que serão, poderemos então utilizar os milhares de
"VerSoul.h. 1977-o, 11177--b, pu1uemploclo U80expllcil.od1 uquoologi1dellfU... h.i1tóo O\ocrafias etnográficas tiradas no passado recente. As fotografias dão-nos
ri<:ol como forma de conl1'Dlod1rnel0dologi11rquool6gka. uma proximidade maravilhosa: podemos ver uma pessoa do passado sentada
EM BUSCA.OOPllS.SADO

ali mesmo, à nossa frente, e podemos ver o que essa pessoa estava a fazer. Con- as características que no• distinguem do resto do mu ndo ani mal. Há quanto
sequentemente, podemos compreender 88 relações espaciais entre 88 pessoas tem po existe este comportamento ti picamente huma no que temos como • na-
as la reiras,ascasaseaspessoas,easlareiraseascasas,etudo istonoseu tural•? Como eram, de facto, os nossos antepassados prim itivos? Estas &Ao,
contexto comportamental, coisa que, mesmo com a ajuda da palavra escrita, para mim, questões fu ndamentais da investigação arqueológica.
énormalmentediífcildeconseguir.M fotografias,noentanto,pennitem-nos Alguns arqueólogos estAo actualmente envolvido• nu ma controvénia
obter instantâneo• do comportamento do passado e, 1imultaneamente, uma sobre a questão de se já há dois milhões de a nos o homem caçava animais,
espécie de «mapa•, o que é uma enorme vantagem que os arqueólogos vão cer- comia carne com regularidade, partilhava a comida e vivia em acampamen-
tamente aproveitar no futuro. t.os-base14. Estas características tornam-se significativas qua ndo vistas no
Esta• são as três áreas importante1-o estudo de povos contemporAneos, contexto do comportamento animal em geral. Por exemplo, os primatas não
a criação de situaçõe1 ex perimentais em que podemos controlar as causas humanos te ndem a dormir nas árvores em vez de dormi re m no solo, e comem
para estudar os efeitos e a utifüação de vários tipos de documentos históricos onde se encontra a comida em vez de comerem onde dormem, como faz o
-que aó agora a arqueologia contemporânea começa a desenvolver em grau homem. Quando é que começámos a ter um modo de vida te n-estre envolve n-
significativo. À medida que se forem tornando cada vea: mais importantes, a do a caça e a partilha da comida? Será que foi a caça ao1 animais que foi de-
imagem popular do arqueólogo de capacete descobrindo mais um túmulo será cisiva para a evolução da linguagem, ou esse papel te rá s ido desempenhado
substituída pela imai;em de umecléctico, uma pessoa com interesses em qua· por algum outro tipo de compor tame nto? O que é que causou estas muda nças
se todo• os domínios da actividade humana que têm consequências materiais e como é que devemos ex plicá-las? Só quando estabelecermos «o que• real-
qu~ possam vir a ser reflectidas no registo arqueológico. mente acontece u é que podemos começa r a pergun ta r «por que• é que aco n·
teceu. E, penso eu, só a arqueologia nos pode ajudar a esclarecer estas ques-
tões fu lcrais. O estudo biológico comparativo do registo fóssil h uma no não
pode, por si só, responder a taisquestõe1. As respostas vi rão da integração de
As grandes questões da arqu eologia um la rgo espectro de factos arqueológicos que chegaram até nós: a informa-
ção sobre a ana tomia dos nossos antepassados, por exemplo, está evidente-
mente entre eles; mas há também que saber onde é que foram encontrados os
Que queremos nós saber acerca do passado? É sempre difícil avaliar a teus restos fósse is e qual a relação espacial entre esses achados, os seus ins·
racionalidade de um a proposta sem sabennos qual a finalidade que se preten- trume ntos de pedra eos restos das suas refeições. As contrové rsias passadas
de atingir. Isto é tão verdade em arqueologia como emoutraciênciaqualquer. sobre e&te assun to, contudo, não têm tido bases muito sólidas.
Portanto, o que pretendemos saber sobre o passado vai influenciarfortemente A titulo de exemplo, a maioria dos manuais de a rqueologia afirma que o
o modo como os arqueólogos condmem as escavações e investigam o registo homem primitivo era caçador. Esta ideia baseia-se no facto de sítios como o
arqueológico. Se não há ideias claras sobre esta questão, é dificil saber como da garga nta de Olduvai, na África oriental, te rem produa:idofósseisdos mais
abordar os dados arqueológicos e que tipo de pesqui&a levar a cabo para os antigos homens primi ti vos e seus instrumentos de pedra, associados a uma
inte rpretar. Obviamente, aquilo que pensamos que era o passado afecta a in- grande profusão de ossos de a nimai1. Como os instrumentos foram encontra·
vestigação arqueológica e o desenvolvimento da disc iplina como um todo. Tal- do1juntamen t.e com os ossos, estes últimos representariam assim, provavel-
ve:t seja útil mencionar, resumidamente, não o que já sabemos do paS8ado, mente, restos de refeições do homem primitivo. Mas isto pode não ser verda-
mas a ntes oque «gostariamo5'" de saber a partir do registo arqueológico: quais de. O. locais onde se e ncontram estes artefactos são depósitos geológico•
&Ao algumas das grandes questões sobre o passado do homem a que podemos retultantes de fenómenos naturais e não da aceção do homem. A ú nica coisa
ter esperança de responde r através da investigação arqueológica? que podemos garantir é que o homem estava prese nte no ambie nte da época
Adoptando uma abordagem tipicamente arqueológica, vamos começar em que se deram os processos naturai1 que conduziram à fo rmação desses de·
pelo princípio! Penso que seria extremamente importante ter uma noção do pó•it.os, e não há nenhuma razão que nos obrigue a su por que todos os vestí-
que seriam as caracteristicas comportamentais dos nossos antepassado• gioe que eles contêm tenham resultado do1 mesmos acontecimentos. Uma
maia antigos. Claro que temos os seus 01sos: fósseis dos homens primitivoa, clneoberta mui to publicitada, feita recenteme nte noutra estação da África
alguns com três milhõe1 a seis milhõe1 de anos de idade. Mas quando é que oriental, consiste em pegadas de hominídeos conservadas numa rocha que
o «Comportamento• Upico que é próprio da nossa espécie se desenvolveu? A tem cerca de três milhões de anos 11• Nesse depósito existem pegadas de outro•
resposta é simplea: não sabemos. Já sabemos quando mudou o tamanho d.I animais além do homem: elefantes, gi rafas, galinhas d' Angola, e a té rastos de
noBSa caixa craniana, quando mudou o tamanho do nosso corpo e como se alte- pequenos venne1. É claro que seria absurdo a rgume ntar que a associação en-
rou a configuração da nossa bacia. Mas ainda não é possível afi nnar com segu·
rança quando é que o ho mem começou a utilizar a linguagem, quando é qu•
começou a viver em pequenas famíliae monogâmicas, ou quando é que come- .. i..... 1978.
çou a realiza r a partilha da comida entre os adultos. Afinal de contas, são estai •t..u.y .e.y,1979.
UW!S R. 8/NFORO EM8USC1i OOl'ASSltf)()

tre pegadas de hominídeos e de elefantes implica que o homem primitivo era quefosseapenasalgumasdestascoisas,pen soquepoderíamoscom~araper­
guardador de elefantes. Mas é pre<:isamente esta a lógica que leva alguns ceber algo sobre a nature:i:a única da nossa adaptação, do nosso modo de vida
a rqueólogo& a argumentarem que o homem caçava girafas pelo facto de um e do nosso nicho ecológico no mundo animal. Digo isto porque a adopção da
mesmo depó&ito conter tanto instrumentos de pedra como ossos de gi rafa. Na agricultura e do modo de vida sedentário implicam um cortjunto muito carac-
realidade, a girafa podia ter morrido de causas naturais e os instrumentos terístico de mudanças: representam uma readaptação de grande felego não
terem sido utilizados e abandonados no local centenas de anos mais tarde, acompan~ada, tanto q~anto ~hemos, de grandes mudanças biológicas. E,
porventura até no contexto da exploração de recursos vegetais. Para com- como é evidente, não existe praticamente nenhum documento escrito que pos-
preenderem bem o passado, os arqueólogos têm, portanto, de resolver este sa ajudar a investigação arqueológica deste segundo conjunto de grandes
problema da distinção entre os vários processos e comportamentos que levam questões.
à formação de um depósito. São assuntos que desenvolvo em pormenor nos A terceira questão é também de grande interesse geral: as origens da civi-
capítulos nem. lização. O sistema político dentro do qual a maioria de nós vive e a complexa
Outra controvérsia interessante em arqueologia é a que envolve a questão vida urbana em que quase todos nós estamos integrados esut ainda muito
de saber se o aparecimento das características consideradas como a quinta-
essência da nossa natureza ·humana.o se deu de forma simult.Anea ou, pelo mais afastada do modo de vida itinerante de caçador-recolector que consti-
contrário, de fo rma separada, em contextos diferentes e umas independente- tuiuocontextobiológicoda nossa evolução. Oque levou aesta mudançade mo-
mente das outras. Será que a evolução da própria essência humana é uma do de vida? O que fez que as sociedades baseadas na agricultura se desenvol-
questão de •salto qualitativo-, ou é antes um processo de crescimento cumu- vessem em direcção a tipos de organização política e burocrática cada vez mais
lativo? Mais uma vez, ainda não sabemos. Tem sido defendido, por exemplo, complexos? O que causou oaumentodaespecialização- nos oflcios, nas posi-
que a adopção de uma postura erecta pelo homem constituiu um salto quali- ç6es sociais e no desempenho de tarefas - que caracteriza tanto as cidades
tativo, porque libertou as mãos, cujo uso possibilitou o fabrico de instrumen- modernas como as antigas?
tos, o qual, por sua vez, tornou possível a linguagem. E a linguagem ab riu Esta é uma área em que a arqueologia se começa a ligar com a História, a
então caminho a muitas mudanças na organização social, como a partilha da filosofia política e outras ciências sociais, visto o desenvolvimento destes pro-
comida e o comportamento altruísta. Esta é uma trajectória evolutiva em ceuo1 poder ainda ser observado em lugares isolados do globo ainda não afec-
relação à qual tenho muitas dúvidas. Pessoalmente, acho que não devíamos tados pela revolução industrial. O a rqueólogo pode por isso contribuir com os
subestimar as necessidades de planeamento requeridas pelas actividades de seus da dos para a abordagem dos problemas deste domínio que tem em
caça do homem primitivo (isto é, como resolver o problema da alimentação comum com as outras ciências sociais. Achei interessante verificar que nas
durante a época seca do ano em que as plantas não crescem). Terá sido talvez trêsconferênciasinternacionaisemqueparticipeiem 1981asdiscussõesse
no contexto das actividades ligadas à caça que a recolha e o tratamento da in. centrara m no desenvolvimento de sistemas políticos complexos, no papel do
fo r mação começaram a assumir um papel mais importante na nossa evolução comércio nesse desenvolvimento e na medida em que o desenvolvime nto de
que na dos outros primatas. Seja como for, o que pretendo salientar é que o monópolios de produção tem ou não influência no desenvolvimento político
desafio que se nos depara na investigação do passado é o de conceber fo rmat (usuntos sobre os quais expresso as minhas opiniões no capitulo tx). t inte-
dedescob rirseestasafirmaçõesslloounãocorrectas. reuant.e assinalar que nestas discussões participavam quase exclusiva-
Uma das quest.6es mais importantes que pretendemos solucionar através mente •arq ueólogos•. Estas questões já fo ram, sem dúvida, tratadas anterior·
da investigação arqueológica é a de saber quando é que apareceram as carac- mente ~r historiadores! ~lósofosda política e muitos outros, mas agora a a r-
terísticas comportamentais que pensamos que nos distinguem dos outrOI ~l~a começa a partmpar neste debate em pé de igualdade com as outras
animais, e como é que isso aconteceu. Um outro conjunto de quesUies relacio. dl.IClphnas.
nadas com esta continua a ser, muito justificadamente, objecto de grande fa. A arqu ~olo~a ~om~, portanto, no passado mais remoto, nos primórdios
cfnio e eapeculação, e não aó para os arqueólogos: são as que dizem respei to d._noua h1stóna biológica, uma época de que sabemos muito pouco no queres-
às origens da agricultura e às condições que levaram o homem a mudar para peita •o comportamento humano, e traz-nos até às complexidades do mundo
uma vida sedentária após um longo passado de vida itinerante como caçador- moderno, à compreensão do qual as discussões arqueológicas também podem
- recolector. Por que é que o homem parou e se sedenlarizou, com~ando • truer algumas contribuições. Tal é o âmbito da arqueologia! Será que os
intensificara produção de alimentos em espaços cada vez mais pequenos( uqueól~s ofere<:em algui;iia. p~rspectiva especificamente 4arqueológica•
que a agricultura é exactamente isso)? Por que é que este processo se deu, pele ~ oa d1st1nga das outras d1sc1phnas, quando se trata das origens do seden-
me nos aparentemente, em váriossítiosdiferentestantodo Velho comodoN tan amoe.do aparecimento de sistemas políticos complexos? Penso que ares-
voMundo? E porque é que estas mudanças ocorreram em regiões tão difere PG1Jt1. ••11m•. Osarqueólogospa~m dosobjectos materiais e, muito natural-
tes num espaço de tempo que, em termos arqueológicos, é muito curto (ce m.nte, * ptam um ponto de vista materialista; propõem muitas vezea
=::~:~:;:at:;:~~:i=~~:.~ms:nu~~i~:d:~ees~;:::i~=~~~:ii~l:~
de 2000 anos)? No capítulo viu sugiro algumas pistas que poderão ser se ·
das para tentar resolver estas quest.6es. Se pudéssemos compreender ne
LEWISR. BINFORD

seja, no facto de for necerem basea &ólidaa para alguns doa grandes debates do
mu~~~=~;;:~·as grandes questões fascinantes que acabei de menc ionar e
que discutirei neste livr~ depe~de essencialmente da intera~ção entre a obser-
vação, por um lado, e a investigação que pode dar um sentido a essas ob_se~­
vações, por outro. Isto gera um impulso que está a cr~scer, lal co m~ a d1sc1-
plina no seu conjunto: há muito maia ar~ueól~gos hoJe do que há c~nquenta
anos. Em consequência disso existem hoJe vá nas questões em que Já não. es-
tamos limitados a so nhar sobre as potencialidades futuras da arqueologia e PARTE!
que passaram a constituir áreas de pesquisa ~nde os problemas podem. se r
abo rdados e r esolvidos de forma realista e inteligente. Em vez de ge neralida- COMO ERA?
des vagas sobre o passado, pode moa aspirar a obter infor.mações seguras. Con-
tudo, as nossas grandes questões não podem serre.solvidas pelo.trabal.ho em
pequena escala no nosso país ou província: necessitam de um a investigação Como era o passado? Como viviam os homens de outrora? Quão variáveis
que abarque um período de tempo imenso e vastas ~re_asg~fica s. Ac~m.u­ eram os seus modos de vida? Estas perguntas encontram-se certamente en-
nidade da investigação arqueológica é cada vez mais mler!13~1onal e a b1bho- tre as que mais frequentemente são feita s e entre aquelas cuja import.Ancia
grafi a arqueológica tem aumentado e abarca cada vez mais h nguas. •Estão• 6 mais prontamente r econhecida, tanto pelos arqueólogos como pelo público
em curso muitas investigações interessantes. A resolução dos nossos p roble- em geral. Tais questões acabaram também por aparece r associadas, na biblio-
mas principais não está longe, e nalguns casos está mesmo ao nosso alca nce. grafia arqueológica, a um dos objectivos da arqueologia: o de •reconstruir o
pasaado•. Se quisermos alcançar esse objectivo, porém, te remos de desenvo\-
ver m6todos rigorosos d e interpretação dos vestígios arqueológicos. Nesta pri-
meira parte espero poder demonstrar a necessidade da utilização de técnicas
interpretativas específicas da arqueologia, e discutir, a título de exemplo, al-
guns dos pr oblemas que enfrentamos quando pretendemos saber como eram
a1 coisas há 1 milhão de anos, durante a época do s nossos remotos antepas-
aado1 h ominfdeos.
Embora a meta da reconstn.ição do passado seja frequentemente referida
como parte do conjunto de desafios fe itos à discipli na pelo arqueólogo ameri-
cano Wa lte r Taylor em 1948 1, o objectivo deste último era, na realidade, mui-
to diferente do que pensam a maior parte dos arqueólogos 1• Taylor estava
preoc:u padocom a reeonstruçãodos •contextos culturais~ do passado, que ele
con1ider ava como um estado de espírito ou •configuração•:

Creio que teria h avido muito menos incertezas se os arqueólogos


tivessem encarado o seu material sob uma perspectiva como a que é pro-
posta no presente estudo, se tivessem encar ado os tr:iços culturais como
ideias e não como object.os materiais, se tivessem concebido o compor-
tamento cultural como mediação entre ideias e objectos materiais. Em
suma, se tivessem compreendido a diferença que existe entre os seu s
conj untos empfricose descritivos e as categorias culturais e de cultura
pertinentes pa ra os povos por si eatudados 3•

'TQ!or, IHS.
1 'hylor, t in:z.
1 'hylor, 19411,p,l31.
LEWISR.BINFORD FJ18USCADOPASSADO

Como o texto indica, Taylor não defendia que os vestí(tios arqueológicos fazer inferências correctas, nem manei ras de as avaliar ou verificar depois de
fosseminvestigadosemtermosdosprocessoscomportamentaisoumecãnicos feitas'.
que lhu deram origem, mas sim que deviam ser considerados no meio inte- Independentemente da qualidade dos métodos utilizados na sua produ·
lectual em que tinham operado. Parece muito cla ro que o que ele tinha em ção, o que é certo é que os arqueólogos sempre fizeram inferências para reco ns-
menteeraummodelode•eseantilhõesmentais•represent.andoas•ideiasque truir o passado. Nesta secção, farei uma recapitulação da história de algumas
estavam po r trás dos artefactos•'. investigações importantes sobre o homem primitivo para assim ilustr ar a ma-
Nos pr óximos capítulos, pretendo demo nstrar que os factos sobre o passa- ne ira como alguns arqueólogos, incluindo eu próprio, procuram hoje em dia
do que procu ramos descobrir têm muitas vezes pouco a ver com configu rações desenvolver métodos mais segu ros para fazer inferências. Se os nossos esfor-
mentais ou até co m a cultura em sentido estrito. P ara estudar certos tipo a de ços fo rem bem sucedidos, talvez um dia possamos realmente vir a saber como
compo rtamento não é necessário descobrir as ideias responsáveis pelos arte- eram ascoisasnopassado.
factos ou padrões observados no re(tisto arqueológico. Por vez e a as nossas per-
guntas sobre o passado exigem que se descub ra qual o papel desempenha do
pelos nossos a ntepassados no se u ambie nte: a informação de que necessita.
mos é, portanto, de natur eza comportamental e ecológica, não ideológica. É de
facto importante assinala r que os arqueólogos nem sempre tentam recriar
uma •ver são tecnicolor- de todos os aspectos da vida primitiva do homem. A
completa reconstrução do passado é um objectivo irrealista. A atenção doses.
pecia1istas que se guiam po r este objectivo tende a concentrar-se nos sftios es.
pectacular es e bem conservadoa - pequenas •Pompeias.o onde o tempo parou
devido a circunstAnciu especiais1• Na sua maioria, são estes especialistas qut
consideram que a natureza do registo arqueológico limita os tipos de interpr•
lações e reconstituiçõea que o arqueólogo pode fazer. Isto to rna-se ainda maia
verdadeiro quando os objectivos dos •reconstrucionistas:o e aUI.o ligados a ut11
empirismo estrito oua uma epistemologia ind utiva que impõem que&Ó possa-
mos generaliiar acerca das partes do passado que deixam vestfgios directoL
Apesar de ter trabalhado em termos mais ou menos idealistas, Taylo r reco.
nhecia que a reconstituição do passado a partir dos vestígios arqueológicos 11
baseava em inferências. Pensava também que se os arqueólogos quisessem f•
ze r mais do que mer as descrições estéreis do registo arqueológico, se quiset-
sem produzir afirmações com interesse acerca do passado, entAoteriam de f•
zer inferências. Taylor de u o nome de •método conectivo• a este processo dl
relacionarobservaçõesempfricasdoregistoarqueológicocom•fenómenos [
inferidos como tendo sido pertinentes para o povo e cultura em investigação-'
Esta ideia não era uma novidade absoluta, pois já ante riormente outros
pecialistas tinham assinalado que o passado era •criado- pelos a rqueólo
utilizando observações feitas no presente, e que era inferido ou construído
pa rtir dos dados que os a rqueólogos consideravam significativos. Pelo cont
rio, os invest igadores que se sentem intelectualmente seguros com a ideia
que só se pode generaliiar a partir de obse rvações empíricas pensam que
infe rências devem se r totalmente evitadas. Taylor contrariou a argumen
ção dos empiristas e apelou aos arqueólogos par a que fossem mais longe c
os seus dados. Infelizmente, po rém, não sugeriu quaisquer linhas de a
que permitissem reali:ta r esse objectivo na prática. Não explorou métodos

'Taylor,p.193.
'Biníord.1981-b;Du.nnell,1980-b. ll~~ receDt.ementeo.mé1.odood.einferf!ociaemBlnford, 1981-o,apecialmentenaopp.
'Taylor,1948,p.193.
CAPÍTULO II

ERA O HOMEM UM CAÇADOR PODEROSO?

Queeapéciedecriaturaseramos nossosprimeirosantepassadosquehabi-
taram a savana africana há cerca de dois milhões de a nos? Onde viviam e qual
0 seu aspecto fisico? Só recentemente começámos a adquirir conhecimentos
sobreascriaturas dequedescendeohomemmoclerno.Odesaliometodológico
que é aprender algo sobre o seu comportamento constitui por isso também
algo de novo. Penso que as coisas estariam a corre r bem para os arqueólogos
se 01 seus métodos fossem capazes de nos dar a conhecer como era a vida em
épocas t.Ao remotas. Na r ealidade, o paleolítico inferior pode se r visto como
uma espécie de terreno de ensaio para os métodos e a s técnicas da arqu eolo-
gia: até que ponto são capazes de nos tr a nsmitir informações acerca de um
pa.Hado tão remoto que se torna difícil imaginá-lo em termos realistas com
baae na experiência moderna? Neste capítulo tentarei dar uma ideia da mu·
da nça que actualmente se está a operar n o ambiente intelectual em que se
realizam estas investigações, e procurarei sugerir um quadro de referência
analítico que, penso, se virá a revelar muito proveitoso.

O homem como matador sanguinário:


o ponto de vista de Dart'

Há ce rca de sessenta anos, um anatomista sul-africano, Raymond Dart,


til.ava a dar aulas práticas de anatomia sobr e os primatas do Plistocénico.
Como exercício, Dart pediu aos seu s alunos que procurassem nas r edondezas
fdaeite ossoa partidos em que pudessem aplicar os conhecimentos sobre claa-
lificaçlo que acabavam de adquirir. Uma aluna trouxe informações sobre o
que pensava ser um osso interessante. Isto levou a que, pasaado pouco tempo,
1e realizasse numa pedreira de calcári o perto de Taung, 130 km a norte de
Kimberley, na África do Sul, uma descoberta de im port!ncia primordial. Dart
relembraria mais tarde os arrepios que sentiu ao ver pela primeira vez aquilo
que hoje é conhecido pelo nome de «bebé de Taung»: um indivfduo juvenil,
pequeno, pertencente a uma forma muito antigado homem. Hojesabemosque
a idade do fóssil é, provavelmente, superi or a 2 700 000 anos, mas nessa altura

'VerDart, 1959, eLeG ... Clark, 1967,pp. 1-tO.


EM BUSCA. DO PASSADO

ninguém sabia qual a sua antiguidade. Mais do que isso, ninguém fazia si\íferos de outra jazida, observou manchas escuras que interpretou como
sequer ideia de que 01 nossos antepa11ados pudessem ter tido aquele aspecto. tendo sido produzidas pela acção do fogo, concluindo assi m que o homem esti-
Penso que Dartestavaconvencido, desde o princípio, de que o fóssil deTaung vera presente. Consequentemente, a um fóssil encontrado mais tarde em
tinha um lugar importante na árvore ancestral do homem, mas as primeiras Makapansgatfo idadoode~eilado~~medeaustrafupithtcuspromet~us,ou
descrições anatómicas do crânio por si publicadas levaram muitos anatomia. seja •homem-macaco mend1onal ut1hzador do fogo-'. Se {e só se) a interpre-
tas europeus a discordarem da identificação e a sugerir que se trataria antes tação das manchas feita por Dart, como sendo lareiras, estivesse correcta
de um fóssil de chimpanzé ou de outro animal parecido. Dart fez uma viagem então um dos critérios para o diagnóstico do comportamento humano teri~
a I nglaterra e a outros locais da Europa, trazendo o pequeno fó11il consigo sido satisfeito, tornando possível sustentar a ideia de que os homena-macacos
para que pudesse ser eitaminado pelos especialistas, e dando origem a uma fósseis destes depósitos eram antepassados do homem.
grande controvérsia sobre a questão de ele pertencerou não à linhagem ance .. Porém, os estudos de Dart sobre os ossos foram mais longe e levaram-no
traldohomem. a reconhecer alguns padrões novos e interessantes que até então não tinham
Para Dart, era óbvio que não havia nenhuma base anatómica bem assent. sido assinalados: •os ossos destes depósitos não estavam representados nas
que permitisse optar num ou noutro sentido: o crânio fóssil, com a sua caiita mesmas frequências em que se encontram na anatomia dos animais moder-
craniana preservada, era uma coisa eitlraordinária, algo de tão diferente qu• nos3. A quantidade de ossos que existe no esqueleto de um anti1ope ou de um
não havia critérios claros que permitissem decidir se se tratava ou não de Ul"I leão é, evidentemente, algo que se encontra estabelecido de forma incontro-
homem fóss il . Foi em Inglaterra que Dartcomeçoua mudar a maneira come versa, porque esses animais ainda existem e por isso podemos contar 01
via o problema. A questão ..será que isto é um homem?• não podia ser enca diferentes tipos de ossos que os seus esqueletos eonY,m hoje em dia. Isso per-
rada apenas em termos anatómicos porque o que havia de mais importan mite-nos abordar o registo arqueológico com um modelo, um conjunto de
em relação ao homem primitivo n!lo era o seu aspecto mas o seu •comporta suposições,everificar seeleécomodeveriasersefosseconstituídoporesque-
menta-. •Uma coisa que é eitclusiva do homem•, pensou ele, •é que se trata letos completos, não modifica.dos, de anima.is. Quando Da!"t confrontou os
único primata que come carne regula rmente.• Se encontrássemos vestígi oasos encontrados nos seus depósitos com este modelo, descobriu que os
claros de actividades predadoras realizadas por primatas, isso por si só m padroes observados não correspondiam de forma alguma às expectativas:
:!~:~:~~~:sf:;:i~~~~;!:~;!;!~c~a~~~~~ªs~ ~~~~;i~c~nrf!~b;!~'.
traria que o responsável por essas actividades não podia deixar de ter sido
homem (ou um seu antepassado), e permitir-nos-ia -partindo do prinefp"
de que teríamos a sorte de encontrar os respectivos ossos - descobrir co vaçãodepadri5esdestetipo?
era a anatomia do homem primitivo. Do mesmo modo, o homem é o único Utilizando o mais importante dos recursos humanos -a sua imaginação
fazer e utilizar o fogo. Portanto, se fossem encontrados vestígios de fogo e - Dart supõs que a razão de ser destas diferenças nas frequências dos ossos
associação com fósseis, isso indicaria a presença do homem. A mesma lógi se encontrasse no facto de algum antepassado do homem ter caçado e abati-
aplicava-se igualmente ao fabrico de utensílios. Dart também utilizou out do os animais longe do sítio onde vivia. Algumas partes anatómicas teriam
critérios, mas estes três eram os mais importantes:definiam o homem em te sido deixadas no local de abate, outras trazidas para consumo e, mais signi-
mos comportamentais, não anatómicos. ficativo ainda, alguns ossos teriam sido t razidos para o acampamento para
Este raciocínio levou Dart a empreender um tipo de investigação que serem tra nsformados em utenst1ios. Isto representa um modelo completa·
era corrente na paleoantropologia da época. Até então os anatomistas tinha mente diferente do passado, uma noção nova do homem! Se o cenário que Dart
tentado conhecer a história antiga do homem, investigando factos anatóm
cos, enquanto os arqueólogos o faziam através do estudo dos utensílios
pedra. O que Dart queria dizer, efectivamente, era que, do ponto de vista
comportamento, o homem era um ser único. Quais seriam os vestígios dei
dos por esse comportamento único? O achado de ossos associados a vestf ·
de comportamento do tipo esperado devia constituir uma forma de oh
conhecimentos sobre o aspecto flsico do homem no passado remoto, que e
afinal, a questão em debate. Portanto, antes e depois da Segunda Gue
Mundial, Dart estudou com grande pormenor a enorme quantidade de os
de animais não primatas provenientes de vários depósitos da África do
especialmente as pedreiras de Makapansgat. Fê-lo na esperança de de te
nar se a criatura responsável pela acumulação dos ossos(se é que se trata
realmente de restos de comida) era o homem primitivo.
Creio que o veredicto histórico sobre este aspecto do trabalho de Dart
o de que ele se deixou entusiasmar demasiado. Por exemplo, em depósitos fi
EJIBUSCAOOPASSADO
lEWISR.BINFOIID
Havia outra fonte de variação do material ósseo que parecia apoiar esta ar-
gumentação. D&rt pensava que seria natural que o homem fizesse experiên-
cias com 01 objecto1 que tinha mais à mão, e se na realidade estes nossos
pequenos antepassado• predadores caçavam para assegurar a sua subsistên-
cia, então 01 objectos com que mais provavelmente teriam começado a expe-
rimenta r seriam precisamente os ossos das presas. Para Dart, tinha sentido
que os primeiros utensílios tivessem sido clavas, cacetes ou serras em osso,
porque os ossos doa animais têm propriedades natu rais que podem ser utili-
z.adas. Uma mandíbuladeantilope pode ser usada como serra sem quaisquer
alterações e os densos os&os longos dos seus membros anteriores dão bons pu-
nhais quando partidos, visto tenderem a produz.ir fractu ras em espiral com
elttremidades aguçadas. Nã o é evidente que os nossos antepassados primiti-
~ ;::·c::!su:~s~~~:? poderosos, não podiam deiu r de ter utilizado esses os-

Dúvidas sobre Dart

O panorama interpretativo acima esboçado surgiu na bibliografia durante


08 anos õO', embora não tenha sido, nessa época, objecto de uma ampla divul-
Fig.2. ~ •ÉHlco11ouopoJrl"'61tiorCoçcdon•datra1uiçdo•11t;soPliodnlro•oPliai.:a.
gação. O homem que em grande parte foi responsável pela sua disseminação
e popula rizaçAo foi o escritor Robert Ardrey, que adoptou as ideias de Dart de-
:u"!::..~:o=:::::::·~=.:â~)":,~!':'!:"::'!:::.",!:.t;.::
'••situado "'"'"' li"""- ou fi n ura da roç/t.a. Ealc ª""iria impUca di~il#<'io
pois de urna viagem a África. O seu primeiro livro,African Ge11esis, em que os
rlgol'Ofa
1<"'4 tU 1,.. nossos antepassados primitivos eram apresentados corno matadores sangui·
b<Jllio:01Jmai::ha.«(Jlll'S•al....,..parlcm•mbrumdaoomidafllqt«lllto.,.{lmt.,.,cr1oaag""rdll(I nários, tornou-se um btst seller e foi traduzido em várias línguas•. Este mo-
o,..,,.._, do rnado.op.-owdo~. (0.Mnlw" Mpi•<h 111<> E~" M.,,..q J
delo do passado remoto também agradou a psicólogos como Konrad Lonrenz,
cujo trabalho sobre a agressão na espécie humana gozava por essa altura de
grande influência•. No entanto, mili tas pessoas duvidavam do modelo de com-
portamento passado proposto por Dart, mas a investigação necessária à sua
imaginou estava correcto, então o homem desta época t.Ao antiga compo avaliação s6 muito mais tarde foi reali:i:ada. Como já mencionei, o desenvol·
va-se tal qual como nós. Caçava (por vezes de maneira particularmente · vimentoda ideia que fazemos do homem pri mitivo é um fe nómeno contempo-
lenta), tinha um acam pamento-base permanente, dormia sempre nomes rlneo, produto dos nossos tempos.
sítio, t raúa a comida para o sítio onde dormia, e vivia numa espécie de ca A# primeiras discordAncias com as ideias de Dart vieram -como seria de
tudo comportamentos que são característicos do homem e milito diferen nperar-doa especialistas em a ntropologia física. Como é que -pergunta-
dos dos outros primatas. A combinação da observação com a imaginação vam - um pequeno animal como o australopithtcus, que pesava apenas 40
assim origem a uma imagem que não é apenas a de uma forma muito ant· kg, podia ter sido um caçador poderoso capaz de acumular todos os ossos que
e a ncestral do homem, mas a desses antepassados como caçadores podero Dut ti nha vindo a estudar? Por que não podia te r havido outro agente respon-
e •matadores comprovados•': Uvel por essa acumulação? Um trabalho publicado em 19571 sugeria que o
aultralopithecus era o caçado e não o caçador, tendo servido de refeiç ão à hie-
Os antepassados do homem [.. .l apanhavam as presas com violên · na malhada africana, a cuja acção, e não ao homem, se devia atribuir a acumu-
espancavam-naa até à morte, rasgavam os corpos partidos e desm ~ dos osaos.
bra.vam-naa, satisfazendo a su& sede rapace com o sangue quente
vítimas e devorando famintamente a carne em convulsão'.
: E : r:!M9,1957,1960.
•o.rt,1953. ºWuhbum,1957.
'o.l't,1957,p.M.
UNllSR.DINFORD EJJBIJSCA.DOPA.SSA.00

Esta era realmente uma ideia interessante, que desencadeou investiga.


ções que se vie ram a revelar muito proveitosas. A validade da argumentação,
segundo a qual os ossos tinham sido acumulados pelas hienas, podia ser faci l-
mente avaliada verificando se na actualidade as hienas tinham efectiva- Loctls Importantes
mente esse comportamento. Deste modo, A R. Hughes, um colega de Dart, dalnvestigaçtosobre
escavou valas num depósito formado por hienas, perto do Parque Nacional
Kruger, na África do Sul, mas não encontrou ossos(a não ser os de uma tar-
•• homr""'º' "'m"~::.~------.
taruga), o que o levou a concluir que as hier.as«não.o acumulavam ossos e que
uma explicação deste tipo não constituía uma objecção válida à hipótese de l(OOBI f""o~.-..----...
Dart'º· Por outro lado, existia uma grande quantidade de bibliografia paleon-
tológica•indicandoocontrário. Na Grã-Bretanha, por exemplo, muitos estra-
tos em estações plistocénicas tinham sido interpretados como camadas
acumuladas por hienas. Até os generais romanos se tinham queixado das hie-
nas, que desenterravam os corpos dos soldados e os comiam 1'. Alguns dos opo-
0LOUVAO Q
(om-f'
.1
sitores de Dartconsideravam que o trabalho de Hughes não era suficiente pa-
ra resolverdefinitivamente aquestAoa favordeumaououtradas posições em
confronto. Por isso, começaram a recolher dados sobre o comportamento das
hienas e de outros animais 11• Tomou-se cada vez mais claro que, sob certas
condições (e, mesmo assim, nem sempre), as hienas •de facto• acumulavam
()
ossos, mais frequentemente no caso da espécie malhada do que nocasoda cas-
ta nha. Os seus comportamentos variavam em função das situações concretas
(por ellemplo, se enfrentavam ou não uma concorrência feroz da parte dos
leões). As hienas, os leopardos e os leões fazem coisas diferentes com os 01101
consoante as circunstâncias. Como é óbvio, tornava--t;e necessá rio conhecer
estes animais de fonna mais aprofundada para que fosse possível compreen-
der até que ponto podiam te r tido influência na formação de depósitos conten-
do igualmente vestígios do próprio homem.
A imagem pública do arqueólogo não é propriamente a de uma pessoa qus
vai para o campo observar o comportamento das hienas. Mas a maioria do1
trabalhos importantes sobre o comportamento dos animais com inicio em
finais dos anos 50 foi, de facto, feita por arqueólogos. A sua própria investiga-
ção tinha-os confrontado com o seguinte problema: quais os processos do pa .. A alternativa de Leakey
sado q_ue conduziram à fonnação dos depósitos arqueológicos que existe m
hoje? E claro que já existiam observações arqueológicas, e que já tinham sido
identificados padrões no registo arqueológico que insinuavam quais as regu- . Na mesma ~poca em que se deu a emergência destes interesses metodoló-
laridades causais que lhe poderiam ter dado origem. Usando a imaginação, ~ ~e novo tipo, outro homem começou a fazer descobertas importantes e
era até possível sugerir quais teriam sido algumas dessas regularidades. M crucw.1 pa ra a nossa compreensão do comportamento dos primeiros hominf-
não existia nenhum método para avaliar estas ideias. Foi s6 há cerca de du deoa.. Dura nt.e n:iais de trinta anos de trabalho, e apesa r do seu enorme dis-
décadas que a arqueologia entTou, tanto em África como no resto do mund plndio d~ e nergia e do grande interesse que tinha pelos hominídeos primiti-
numa era muito diferente, em que a investigação passou a ser orientada pa \'09, l..o_u1• Leakey não encontrou nenhum fóssil importante. Fez prospecção
ra a descoberta de técnicas que permitissem testar as ideias sobre opassado11 e~u1va na. garganta de Olduvai, na Áírica oriental, durante os anos 30; e1ta·
~mou vastas áre~~ da impo~~nte)azida do Paleolítico Médio de Olorgesai-
.d·~·nos40, u~ihzando prisioneiros de guerra italianos como mão-de-obra
toonal; e depois da guerra relançou o trabalho de prospecção sempre com
'" H1111he-,19M. op;ande sonho de descobrir fósseis que nos infonnassem de ma~eira signifi-
"D•11., 1956diocuteudeKliç00.diuíea1oobreocomport.amenl.OdHhienH. eau va 10bre a natu reza da evolução humana.
"D...1.,191>8.
"Vinoont,1978. ~;d~~~=l~::doe~;:~~~::~::s~s~~ ed~S:i~ª~~i~si:~i~~sud~
DIBllSCADOl'ASSADO

Olduvai, nele reconhecendo a areada dentária de uma criatura de tipo huma-


no jazendo em posição invertidaio.o depósito foi imediatamente escavado, e berta deste •australopitedneo robusto• feita pelos Leakey em Olduvai veio
o fóssil veio a revelar-se como o extr ao rdinário crãnio a que Leakey deu 0 complicar ainda mais as já complexas polémicas sobre anatomia. Formas
nome de :i'l}o.nthropua. Desde o momento da sua descoberta que se tornou semelhantes t~nham sido e ncontrad~s ante riormente na África do Su1, mas
evidente que este crAniotinha pertencido a uma criatura muito diferente das a sua cronologia não era aegur a. Senam formas ancestrais uma da outra ou
que Dart havia inicialmente descrito. Estas últimas eram relativamente seriam aproximadamente co ntemporAneas?
pequenas e gráceis, com mandíbulas de tamanho moderado. Mas a mandíbu. Contudo, o importante era que o crAnio fóssi l dozinjanthropus estava num
la do exemplar encontrado por Leakey era algo que merecia ser visto: a super- depósi~ onde existiam autênticos utensílios de pedra. Mas, ao contrário dos
ficie do terceiro molar era quase do tamanho de uma moeda americana de 25 «utensfüos- em ~sso ~ e Dart, neste caso não era necessário recorrer à imagi-
cêntimos ou de 2 pence ingleses. Os múM:u\os da mandfbu1a deviam serenor· nação para OS v1suah u. r. Os arqueólogos já tinham critérios bem definidos
mes, porque não havia espaço suficiente no crAnio para os fixar a todos, o que para reconhecerem utensílios de pedra feitos pela mão do homem e a maio-
tornou necessário o desenvolvimento de uma crista óssea, conhecida como a ria das pe~s qualifi~adas c~n_cordava que as pedras encontradas'no depósi-
crista sagital, para permitir a realização de ligações adicionais - tal como no to que co ntinha o crAmo de ZlllJ eram r ealmente utensílios. Deste modo não
crAnio de um cll.o. Neste aspecto, como em muitos outros, ozinjanthropus não se podia põr em causa que, pelo menos, um dos cr itérios de Dart tinha' sido
era nada parecido com o homem moderno; mas parecia claro que tinha pos- satisfeito.
tur a ereeta, que er a bípede, e que tinha uma grande caixa craniana. A deseo- Esta era, portanto, uma oportunidade para ver se a ideia de Dart sobr e o
•homem como caçador_ poderoso- estava correeta, uma vez que os depósitos
continham não só ~ommídeos associados a utensílios de pedra, mas também
ossos de outras cnaturas. Em 1959, nas primeiras notícias distribuídas aos
órgãos de comunicação social, Leakey anuncio u que os outros vestígios encon·
trados n~ d~pósito eram ossos de pequenos pássaros, de tartarugas e de suf.
de:"~ mlll"?Jº"."ens, e ovo~de pássaros16• A ideia dada era a de que o homem pri.
m1tivo lena 11doessenc1alme nle vegetariano, mas um vegetariano que come·
ria car ne 1e a oportunidade se lhe deparasse. Se, po r acaso, encontrasse u m
nin~o de pássaros, r oubava os ovos; se pisasse um lagarto provavelmente
comia-o; se encontrasse uma porca com crias provavelmente roubava-as No
comentário de Washburn e Howell: ·

A ~es~berta extraordinária recentemente feita na garganta de QI.


duva1 clanficou a lgumas L.J questões importantes sobre o comporta-
mento dos au.stralopitecfneos. Ela fornece testemunhos claros de que
estes h ominfdeosprimitivoser:8m.dealgumaformacarnfvoroaepreda·
~ores •. acrescentando carne, pnnc1palmente de pequenos animais ou de
t
~uvem 1 de algumas espécies, à sua dieta basicamente vegetal. muito
improvável qu~ os primeiros australopitedneos, de pequena estatura,
mat:assem muita caça, mas as formas maiore1 que os substituíram já
podiam provavelmente enfrentar-se com animais pequenos ou imatu-
ros. Não h á quaisquer vestígio1 que indiquem que estas criaturas
foue m predadora a dos grandes mamífer os he rbívor os Uio caracterlsÜ·
coa do plistocénico africano 11•

Eata interpretação baseava-se, no entanto, nos resultados de uma escava.


~de a~nas 4 m por 6 _m! Tendo em conta o grande interesse da descobe r-
ta,• Nat1ona1 Geographic Society decidiu atribuir um subsídio conaiderável,

"Le.by,1979.
Dt8USCADOPASSADO

a longo prazo, para o trabalho de Leakey na garganta de <?!~~vai. Foi a~r­ tnrelizmente, Louis Leakey morTeu em 1972, durante uma campanha de
ta uma área muito maior em torno da pequena escavação 1mc1almente re1ta angariação de fundos para prosseguir as escavações; o seu trabalho tem sido
neste local (conhecido como FLK22 11• O grau de preservação dos vestígios era continuado noutros locais pela sua esposa Mary e pelo filho Richard. No
extraordinário: até pequenos roedo res, insectos e moldes de insectos foram entanto, os vestígios encontrados por Leakey em O\duvai constituem os ali-
encontrados. Mas o aspecto mais surpreendente (tendo em conta os ante rio. cerces em que se apoiam as noções mais comuns e correntes sobre a natureza
rei comentários de Leakey) era a quantidade e a variedade das espécies en- do comportamento dos primeiros hominídeos, as que se podem encontrar em
contradas num espaço tio limitado. Numa zona encontraram-se os ossos de quase todos os manuais escolares da actualidade. E verdade que nunca foram
um okapi {uma fo rma plistocénica de girafa), noutra área restos fragmenta- encontrados vestígios de fogo em qualquer dos depósitos do olduvense {os
dos de um porco p\istocénico, de cavalo, e de uma variedade de antílope afri- mai• antigos de Olduvaiate agora estudados, nem os depósitos com utensílios
cano. Também apareceram restos de a nimais exóticos: crAniosde peixe-gato, depedracontinham exemp\osóbviosdostiposdeutensiliosemossoqueDart
roedores, camaleões, ossos de tartaruga. Na realidade, no final das escava- havia imaginado. A ausência de testemunhos relacionados com dois dos cri-
e~·bºr~~:e~~;~:~~~~:d~~~~1::~:;;,~~~~:!~g~~~e~~~:s~~eh!~~~ ~rios de Oart permitia, portanto, que fossem postos em causa os argumentos
por si avançados a esse respeito. Mas, pa~a muitos, a história contada pelos
com todos os animais no Jardim do Paraíso. utensílios de pedra e pela fauna pareceu inequívoca.
Começou então a parecer que os dados destas escavações apoiavam real- A nova ortodoxia está bem representada nos muitos trabalhos de Glyn n
mente o ponto de vista de Oartsobre o homem primitivo. Parecia evidente que Itaac, um dos mais proeminentes africanistas conte m ~rAni;os". A imaç-em
um cenário em que se incluíam caçadores suficientemente bons para lidareTll do passado que nos oferece está expressa de rorma muito viva no seguinte
com cavalos, grandes nntílopes, okapis e outros animais não era. compatível parágrafo;
com a.s primeiras noções de Lea.key,queeram as de um ser vegetariano e tími-
do que chupava ovos de pássaros e pedia desculpa por ter pisado os lagartol! Se um observador pudesse ser transportado através do tempo L.],
O ma.teria! de O\duvai parecia ser suficientemente definido. A maioria doe o que veria?(...] Ao longe, através da planície, um grupo de quatro ou
investigadores estava predisposta a acreditar que na.s associações entre ossoe cincohomensaproxima-se [... ]Àmedidaqueogruposevaiaproximan-
e utensílios se podiam ver •locais de habitat• gerados pela acção dos primei. do, o observador apercebe-se de outros primatas por baixo dele. Algu-
ros hominfdeos.NosítioFLKNN3,porexemplo,pareciaquasecertoque Lea- mas criaturas encontram-se estendidas na areia, à sombra de uma ár-
key tinha deparado com um solo antigo cuja superfície original não tinha si vore, enquanto os jovens brincam à sua volta. À medida que os homens
grandemente modificada: restos intactos de algumas tartarugas tinham co se aproximam estas criaturas levantam-se e torna-se claro que são
e(eito sido encontrados no solo, com os ossos em posição anatómica aproxim bípedes. Parecem ser fêmeas, e gritam com grande excitação enquan-
damente correcta. Perto das tartarugas encontraram-se as vértebras e to alguns jovens correm ajuntar-se ao grupo que chega[. .. ]
telas in situ de um antílope africano rodeado de utensílios de pedra Ape O objecto transportado é uma carcaça de impala à volta da qual o
de se pensar que nalguns sítios as coisas não seriam assim tio simples, m · crupo se reúne com grande excitação. Há empurrões e atropelos, zan-
tasjazida.s em que se verificava a associação entre ossos e utensílios de ped gue ameaças. Depois, um dos grandes machos retira dois object.os de
foram aceites como solos de habitat. Dado que o conteúdo destas jazidas e uma pilha situada junta de uma árvore. Ouve-se um som forte quando
atribuível à acção dos hominídeos, a visão do homem como caçador não pod" ele 1e põe de cócoras e bate os objectos um contra o outro várias vezes.
pois, sercontrariada por estes vesUgios, que, aparentemente, eram evide~ Aaoulras criaturas andam de um lado para o outro à procura das peque-
por si próprios. No sitio FLK, por exemplo, Mary Lea.key1• escavou um n1 nas e1quírolas cortantes que se destacaram das pedras. Quando já há
que continha restos dedinothuium. Este estranho animal do plistocénici:. vUiaa lascas no chão, a seus pés, o homem larga os dois blocos e esco-
nha dentes do taina nho de presas de elefante, que safam da sua mandíb lhe duas ou três. Voltando para a carcaça, o macho que dirige o grupo
inrerior com uma disposição que lembra a de uma pá carregadora e que eameça a raur incisões(.,.] cada macho adulta fica com um bocado da
lizava para revolver os fundos pantanosos à procura de plantas para com euceçae retira-se para um canto da clareira, seguidoporuma ou duas
Um destesgrandesanimaisjazia parcialmente desarticulado no solo de F flmea1 e jovens que se juntam à sua volt.a. Eslão sentados a mastigar
e junto à carcaça estavam utensílios de pedra que não o(ereciam dúvidat. •a cortar a carne em bocados , muda.ndo de mão de vez em quando f.. .]
oposição à ideia do homem como caçador poderoso foi compreensivelme Um dol machos levanta-se, estica os braços, coça os sovacos e volta a
reduzida ao silêncio. :r~~- Encosta-se à árvore, dá um grande arroto e afaga a barri-

"kal<ey,1959-a,1959-b,1960.
'"Leake)',1971,part.inilannentepp.49-Mefig.U.
meirosantepassados. Durante vários anos reinou um silêncio desconfortável
nesta controvérsia sobre o conceito do ~caçado r poderoso•. Mas, aetualmente,
novas escavações e investigacões metodológkas realizadas em África e nou-
tros locais do mundo deram origem a um novo modelo interpretativo que, na
minha opinião, deveria constituir a base para uma análise mais realista des-
tes primeiros materiais arqueológicos. O arranque do processo de fonnação
r- deste novo ponto de vista remonta ao trabalho inovador iniciado nos anos 60
pelQs~;:~~c:~:i~~~~~~i:i ~·foi
2

realizado em depósitos da África do SuJ


semelhantes aos que Dart utilizou para fundamentar 01 seus argumentos so-
bre a caça e o uso de utensílios de osso pelos australopitecíneos. Faltava-me,
com efeito, referir que há outras jazidas importantes na África do Sul que
tinham dado fauna em associação com restos de australopiteeíneos. Um dos
investigadores que dirigiram as pesquisas feitas no sítio deSterkfontein e em
outros sítios situados na mesma área foi R. Broom que, com G. Schepers, era
de opinião que as acumu1ações de ossos das jazidas sul-africanas tinham, pro-

Apoiando-se na interpretação geralmente aceite dasjazidas pli stocénic


relevantes para o efeito, Isaac argumentou que já há cerca de 2 milhões
anos o homem era um caçador quetraxia os produtos da caça para o sCtio on
dormia, de forma a serem partilhados tanto com os machos como com
~meas (dado que vivia em grupos familiares com uma divisão sei:ual
tra~alho). Em ~esumo , a ideia é a de que já ei:lstiam vários tipos de cara
rísticas essenC1.almente humanas, fonnando uma espécie de reportório eo
portamental,desdeumafase aurpreendementeremotadaevoluçãodosho
nídeos. É, porém, inteiramente razoável que se ponha a questão de saber co
é que a imagem cheia de vida apresentada por Isaac foi inferida a partir
depósitos desta Ulo remota época.

A abordagem de Brain

~ descobertas feitas na garganta de Olduvai calaram, efectivame


muitos membros da comunidade científica que até então se haviam manifo • llnbi, 1961,to princi,W .,..umodll! tocloo oeu 1.nbalho e deve oercoruult.ado pc.-todN
lado descontentes com asconcepçõesde Dart sobre a natureza dos nossos .. ,_..que• lote...... m pelu queali>es '"'!Ili diKlll.idu.
LEWISR. BIHFORD EJIBUSCADOl'ASSADO

meirosantepassadosJ.OsachadosdeLeakeypareciam serincompatíveiscom
estas ideias.
O problema inicia 1a que Brai n se dedicou foi o de saber como se tinham fo r·
mado estes depósitos durante tanto tempo estudados por Dart. Quais os •pro·
cessos deformação.. que se haviam dado? Os re&toa dos primeiros hominídeos
tinham sido encontrados esporadicamente em densas bolsas de ossos de ani·
mais. Brain pensava, e com muita razão, que a compreensão das condições
que deram origem à formação dos depós itos podia dar mais consistência à
interpretação do seu conteúdo. No entanto, as suas primeiras obaervaç6es a
este respeito tinham muito pouco a ve r com o problema em si mesmo. Repa·
rara numa característica interessante da paisagem que circundava algumas
das jazidas sul-africanas que conhecia: era uma paisagem clássica de sava·
na, com a rbustos baixo&, por Vel:es pa58ando gradualmente a formaçõe s de
tipo desértico; mas as árvores, em vez de serem baixas e dispersas como nor·
malmente acontece, encontravam-se juntas e chegavam a atingir um tama-
nho considerável. Brain descobriu que a causa deste fenómeno era de natu·
reza geológica. A dissolução dos espessos depósitos de calcário resultara na
formaç ão de câmaras no interior das rochas, nas quais ae acumulavam tan·
to as águas de escorrência como as provenientes da percolação das águas
superficiais. Parecia, portanto, óbvio ser a existência deste recurso que per·
mitia o desenvolvimento de árvores grandes num ambiente que é de modo
geral muito seco. Foi assim que alguns investigadores, e ntre os quais Brain,
F\a".1.-C.KBroU.(ddJrrila)nti.dondoo.-acouod...•mSwartlf"CllU.(~ dr
começaram a pensar se, em vez de grulaa ou abrigos facilmente acessíveis, as
J981J jazidas investigadas por Dart não seriam poços fundo s para onde os ossos
haviam sido a rrastados pelas águas ou na base dos quais se tinham acumu-
lado os restos de animais vivos que neles tinham caido acidentalmente.
vavelmente, resultado da acção das hienas, e não podiam ser interpretadu No início do seu t rabalho, Brain ligou esta observação a outra: os leopar·
como testemunhos do seu uso como lugares de habitat ou acam pamentos-ba- dos tinham tendência para levarem as suas presas para o topo das árvores
se de um homem primitivo de comportamento altamente •predador>o. Na rea. quando se sentiam ameaçados por outros predadores'l:il. Este comportamento
!idade, o ponto de vista partilhado por muitos investigadores eminentesn all alilva-i;e ao facto de o leopardo ter tendência para fazer o seu covil em abri·
à descoberta de Leakey (a descoberta de utensílios no solo de zillj era que°' roa ou fissuras na rocha {especialmente quando as f!meaa têm crias), e foi
materiais das jazidas da África do Sul deviam talvez ser atribuídos quer t. reconhecido pelo próprio Dart como um dos agente&que poderia ter contribui·
acção de outros animais que r a um comportamento necrófago dos nossos pri- do para a form ação destes depósitos:z.. Mas, em termos de processos de forma-
çio, seria esla informação suficiente para criar uma imagem convincente do
paaaado? Certamente que não. Antes de poder avançar argumentos inter-
"Ver Wu hbum, 1957, e Be rtholomew e Bitdeell, 1953. M primelre1 intel"Pftl&çÕel ..

~~~:=-~~~:'!:.l>Ci.=:t-:f'..:t!~~::::)~t=d:!:~:!';::
dem indice r1 ..:çlo d.a• hlenu ou deoulJOI grandoo c1rnfvorw. Robert Broom {1933, p. 13 - o akley,1953,porucmplo. Mua•lm que começo11 1encont.rar em M1k1pan•1•lum1f111·
porrur.emplo, eocreve u: .Do Ktudod.a b"'°ha 6Mea ...oc:i1d..10ert.nio deT•ung pode....,. oaoliMnte,em que prodomln1v1m.,. 1ntilopea, D•rtcomeçoulamWm 1 deíenderqueo...,..

:.!.~t'!°;:=~:i~:-:::::t. n~ ~'d:::T:.:~ri~~.:~~·= ::r!


1nlraigv.muldeluetercadOOl hilliWtdonuatrolopitMcw [... lEatoudeecordocom1ca 111 11 1
rizeçiofeit.&porU..fteegundo1qu1lMU'a\.ldeum11iniredo<WJJlrol-OPl~[ •.. ]Ab"'°
<l con1til11fd1eaee.-cl1\mente por .,._ de um• form1cxtin\.I dccoolh1>.0.criniOl e1U11 - lncomp•lfvci1 1 aa inU!rpretaçl'lc1 do Daft como c~lremaa. Do mc1mo roodo, 1quelc1 que M
plrt.idoo, frequentemente em pequellOI fr1gmenlOI. Quemcomeueeee. 1nlmai1 nlo pode ter M8UamNpeli<lo.pel1idel•de.,.n._1ntej'.IUlod01lerem1idom1ladorca11nguin'rioiore1·
do11mgrandecarnfvoro,comonloopardoouoch11e1l,oioqual11.eria mm111tlg1clo eengolido llramtamWm cont.ra1interpretaçiodld.aporO..ft10m1terieldeM1bpaD111fll. Vbtnquett·
crinioe {~.JAMm d iuo, hli 1.amWm muilOICTlniOI de blb,.(no, pr.rti do.comoM •laum•
l\lralive-queridnchegar 6 minleire[ ... ]. :.=~=~:-:;:i~~:;~::.';:n'::~1';:i~°':,':.J~:0~:=;::!.':.':::.11,!~
Elte v\llo do home m primltlvofol eendo gr1dU1lmente ~lte e dominou a b!bliografi1 P!<>Q-d•ro1l!dlde.
eolnlciodOOl1110160. Penuve- que.,. 1IU..cone1pondiameHnir11do<'"'""'°P~
qwol.,ri1umpredadormeonr,1pr.nh•ndn1penupequen01111liuia,<l'Wdep<\Mlro,eU:.V :~·1~~P. 121.
EJJBUSCADOPA.5SADO
LEW/$R.BfNFORJJ

podia ser perigoso para o predador, que podia facilmente ficar com o ve ntre
rasgado). Este tipo de comportamento resulta num padrão sistemático de per-
furações cranianas que podem ser comparadas com o espaçamento existente
entre os caninos d1J leopardoz. Brain reexaminou o material de Swartkrans
apartir demodernasobservaçõesanatómicasdestetipo,econseguiudemons-
trar que também neste caso as fracturas dos crânios não resultavam de pan-
cadas dadas pefo homem (como pensava Dart), mas da morte por asfixia tal
c1JmO acima descrita. Do mesmo modo, o contraste que se verificava nos ossos
de Makapansgat, entre o facto de os membros inferiores serem achados intac-
tos e as vé rtebras estarem quase totalmente ausentes, podia ser relacionado
com o padrã1J de consumo típico dos leopardos. E, de facto, !JS padrões defrac·
turação eram, no essencial, indiferenciáveis dos que Brain tinha encontrado
nos seus estud1Js sobre o comportamento dos leopardos actuais.
Esta era, pois, uma situação muito sugestiva. O contexto geológico dava
origem à formação de grupos de árvores que ofereciam sombra e protecção
numa paisagem de modo geral aberta; ambientes deste tipo constituíam "
habitat natural em que um dos mais importantes predadores consumia os
seus alimentos; e esse consumo tinha como consequência a acumulaçãlJ de
1Jssosern torno da abertura de fissuras naturais. Esta combinação de circuns-

Fig.8. - Vislo"°' f~8•mSwartk,..,,,.., al>umdo tmdirtt.ÇdooSt.trk{<m ki11.~


tú 1981 J Nokm-«, à tll</Ufrdo, Mdrvon!a qmcn11Ctmju11W da (l#Ul"fU nocolcdrio.

preta ti vos, Brain precisava de observações pertinentes e pormenorizadas r•


peitantes à história natural, pelo que o passo seguinte era, obviamente, o•
estudar o comportamento dos leopardos. O que descobriu foi que, em situaçll
de confronto directo, a maior parte dos predadores carnívoros de África podil
facilmente levar a melhor sobre o leopardo. Este último adaptou-se a e
situação mediante orecurso ao sistema de arrastar a presa para otopo de u
árvore, de forma a pôr-se a salvo dos seus concor rentes (especialmente
hienas). A presa é estendida sobre um ramo da árvore, com as pernas pen
radas para ambos os lados, e à medida que o leopardo começa a consumi
a partir do eixo central do dorso, vão caindo pedaços para o chão. O leopa
é, aparentemente, o único dos predadores africanos que tem este tipo de
portamento.
Os estudos comparativos de ossos resultantes da acção dos leopar
aba ndonados no chão debaixo das árvores e à volta das fissuras, fornecer
dados proveitosos. Para citar só um exemplo, os crânios mostravam fractu
de pressão e feridas por puncionamento. Sempre que podem, e ao eontrá ri1J
ideia dada pel1Js filmes de Tarzan, os grandes felinos matam por asfixia,
to é, fechando a sua boca sobre a das vítimas até à morte destas por su~ • B..in, 1981, figa. 5Qe22L
ção. Deste modo a presa fica quieta, quase hipnotizada, sem espernear(o
LEWIS R. 8/NFORD EU BUSCA DO PASSADO

Fig. 10.-&coiuliluiço!othumai:t"" ''" qurum kopardodruora ..... loominúkopri'""-


wnu,,... 4n>ore aobn""'º
(iuurg no oolt:dtW. (I)t1rMD a únto dr Mary CoomM-. ""Prod""'
d-O"°"' OUl<>ri~doSout.h A/rimn. MUMU'" Bulhlin, n.•9, 1968J

tAncias convenceu Brain de que a responsabilidade pela fonnação dos dep6-


sitos paleontológicos eacavados na África do Sul devia ser atribuída à ocorrb-
cia destas mesmas condições e processos ao longo de milhões de anos.
No entanto, Brain não se limitou a estudar os leopardos. Estudou o po fie. ll. -Jluumouqu.i'"dllrodauq<dncialh{~d<uJjozidalilhhominf<Úoapri·
.UlkwdaÀ[rioo.doSul:{OHl/niciai. .•
-espinho africano, que também acumula ossos na sua toca. Examinou oco Oprimriro patw> (A) ta {onnaç{J'3 dr uma oo.vldadr tubterrdneo, oituoda oboUo do nfwl
portamento das corujas nos seus ninhos, o qual tinha certamente contrib /lftlit:o.rm ,,.1ulladododiuoluç4oáooo.l.oiiriodolomUiooprladgua.Ao/Oft60dolrmpo.arro-
do com quantidades consideráveis de ossos de pequenos animais para lllo~p«prouooo.ro rnocii.u>m.r111<>"""11inJ. ... th41uorooboi=Mrn1<>danfwl{rtdllt:o,dr
depósitos existentes naajazidas dos calcários. Estudou o comportamento .....,.,.o""'-'idlu/.r ortron./onno11wnognUooroo.siluadaacimodr1tr.Uli1110.
N-olluTO(B).aprrnoloçdod...6,rua.lluprr(u:iai#ddintdod{~thlrourrtilloodrn·
hienas e, ao contrário de Dart., concluiu que as acções deste interessa
animal podiam explicar muitas das características dos conjuntos faunfsti ,,.,• .......,,'*'"""1<> ...(iu.,,....otTO"'•da.gua~orddoprrnoloçdoorlomo'"oo.da"""........_
encontrados nas jazidas do •homem-macaco• primitivo. Estes estudos '::::r=::~ro::::::;~~:;r:::4:::;:::::.-;::a"::º=~~~":.,~""::;:',:::
comportamento animal fo ram combinados com a continuação da escavação "'"''-dor°'"'"'' da qur primriro or fol'7'Mu. 0 1 grgn(leo bl""°" Ih obalimrnl<> caldo. do Irei<>
investigação da importante jazida de Swartkrans. ~ofonnointernadagrutooriginalrmn.al[r..,.,aprrmlaçdodadguaalrt>W1tkla.
lEWISR.BINFORO EMBUSCAOOl'ASSAJX)

A compreensão mais profunda dos factos desenvolvida a partir das pesqui. .


sas "'!etodolócicas de Brain permitiu que hoje em dia se tornasse possível ter sobre P'"?C':ssos de_ fonn":ção represent.ii: o desenvolv1mer.ito de mé~os de
um~ ideia dos processos que levaram Aformação de algumas dasjaúdas d, ~~:~~~,~~~~:i~: ~n;:~~~ru~:::::r~~~e:::::~u:oi:::~!~~~~ :d~~~:~ 0
e processos responsáveis pela sua presença.
Chegados a este ponto, toma-se razoável que especulemos um pouco. Se
os depósitos de grutas e de fissuras da África do Sul são acumulações fonna-
pal a reter é o de que estes depósitos são 0 resultado de inúmeros processo1, das por acção dos muitos e variados processos que ocorriam no ambiente do
os quais ~em ser relacionados com um grande número de agentes, actuan. passado, não será isso igualmente verdade no caso das jazidas de ar livre da
do emcond1çõesqueestAoelas próprias em constante mudança. Embora posa. Arricaorie ntal? Se estas são também palimpsesto• do mesmo tipo, de que for-
sam estar presentes restos ósseos de homi nídeos ou vestícios relacionadot ma poderemos nós chegar ao reconhecimento desse facto? E como havemos de
com o seu comportamento, •as suas associações resultam de umadinãmica ao fazer para lançar uma investigação análoga Aque Brain realii:ou nas grutas,
nível de organii:ação do ecossistema• (e não, como pressupunha Dart, de Ulll como um primeiro passo para a obtenção de uma nova compreensão do ma·
comportamento específico de uma só espécie). Assim, o traba lho de Brai1 ~~f~=::: :;::~~:i!;~~ªc~~:a~~~~~:~ ~~t~~~ª:d:ª~~~~:!~~ªr~~~~r:
1
0
temu nhosóbvios dadietado homem primitivo, é bem possível, com efeito, que
oeomportarnentodosprimeiroshominídeostenha sidobaslantediferentedas
reconstituições ortodoxas propostas pelos investigadores que têm t rabalhado
na África oriental.

f'\a:. 12. (n• p. an\.Orlor)-..Ruuma~aqrum6tlc:oda-vulncU.th{onnf>{doda.jozimwth


._.,,ftho.primitU-daÀ[rie4doSul:{OM•padtri-O<u_.
Fe>rma,,,_J>«lru ,....{ouur(J.f(J)qruligom.o•uPfrfk'-M6nJ.lturubkn"4.._.. .ud,..,,.•

_
.,...,.,,, • .., ru1or.uaw1awnkl-Ourw,c1Jjo&<>Mrl1U01odo ....,da.porumogrnnrh""rúdodark
....,.,.......,COl"ll,i:>a •~ qruat{ourn w ..w11i11ll011,•J?rimG1tu(i"':lui11d<>llonúntdeo.Jq..,
.,_,,.junloâa•..t,,..U.,,atmi1idokop<Jrdo.4coça•ll"',....4procurarh1'<1lot.hlnk,..,.,.
pJa Up«í{iau ~nln nta 011/mo;, thkmtillGlll, ""' granth potV. o natunuo do-klido dtM
dqiol9i1ot("'•"'bra l)qut• .......,..l<u/oop1lodguo,Hll6o...,..mulondotU{ormt11"'ul1ogradualllO
i.Wriordogruto.
e - " kmpO. .. •roa&>""' 1>/of"1londo ... fia•urtu (2), "qru Pfmtik " t lll/Y>da th .. ,,, moi-Or
.
"""""'rk<f6uoui11dodowPfrfki•,oquol..,,,..oes""'iorognJ.IG,nwi11Gndo oatUpt..;1o11
,..--'!kGam1ulodo.. E.t.{Hdm<llOC011llibulparawno""'k~dt..p~~,.,.;,_
1._,.t(bt.Jl'WOClUldo"'odifiooç6n001UIMrd<>t-.:.11oto"""'..\o•n<>{()l'm(Jd...~•d'""'

Iodou por abatimt11loll """"°"°" •


Duran kOll J)<rtodo.th •ro&do "'GÜ ;,,,porlonk. olgwn ... •nlradaa P<'.nbo"' por (u:orcoimo ·
H d i,,,•nW., • nquont<> ,,..,,.,.. v&m o .. ,. 1a ..... nho oumen klr
--..donu:n k-•fliM•"'q..,.,.(munqinkrwd<lm ob/iq....,,...nkoplonodowperfkit,
4-doori{/t:,,,4 {,,,.,,,l>{dothobripourktopo.,(3J.E•ltu~4wper(i.cXG{«lllrno

::=:::=1~!::::;:;~1::!',/:;,!:;:..'',,~::::::::=~u;:::::;.:."':::rr::-.:
-ci11 d1MrqucBUt11ttloo{treciomprnl«Jr;óo(<>:1"'01"""1radaad•gnJ.t<>), "'1primot...podio"'
-...<1C011airhrd"°"'•"'""'l«:oit~ ..lfUl"Ollporadomiirt"':""''"""";,;i....noclurnor .
.. ,.,,,,....w. •...,,,,,trorionto.ui"'"'""Ollprimotntporo<1pn.,.,.,porumlodo,•~n
-"'"""1wU,poroulro.E,,,~circwul4riaOa,wgrantk1C>lllllribulocparao{onnaçáodotth·
tn

~oaunulodo.111ognJ.ttl("'t"'bro ll)•ri<l"'~Pfllu..\it,....•tolwzttu11b.t"'J'O"OUlrw

'b:'i*Z:.!..~~~:.~i:o~~~.:.".:t6:::t..%~"m~"Jt:::,~·~:::,,,":::
~11ko lf<'kri<>th•111r<ido).
O.Updtilo.....bnpor .. ,.,,,..,r...U.liu<1"'""k••ldwl(4)• .....,,,,..prdlico,o..,.,fÚluoçcio•"'
==~p--<k•ro.<io•.U~pod<<Úlrori,g•matll~•thi11krt•·

""-•M- l l-1
6)tl8USCllDOPASSM>O

A aj u da d os estudos con te m ponlncos comportamentocarniceirodashienas.Apesardocarácterestimulantedestas


observações, a maior parte das amostras de Brain eram pequenas, e ele não
tinha a certeza de ter compreendido as causas dos fenóme nos assinalado& por
Não nos esqueçamos que Dartobservou na jazida de Makapansgatque aa Dart.ParaobterumacompreensAomaisaprofundadadoproblema,Brainini-
diferentes partes do esqueleto dos ungulados não estavam rep resentadas na ciou um proje<:to etno-arqueológicocom um grupo contemporâneo de pastores
população de restos faunisticos nas mesmas proporções em que ocon-em na hotentotes da Namíbia• . Este povo cria rebanhos de cabras que mata e con-
a natomia dos animais vivos. Dart pensou que essa diferença teria a ve r com some nas aldeias em que vive. Dado que não há nem importação nem eKpor-
a escolha feita pelos australopitecíneos das partes a usar que r como comida taçAo de carne, os ossos deviam estar lá todos, pelo menos em princípio. Por
quercomoutensílios.OsdadosqueBrai nobtevenoseuestudosobreaalimen. isso, Brain queria verificar Se os ossos de cabra recolhidos nas aldeias ae en-
tação dos leopardos mostravam que algumas partes tendiam a ser consumi- contrariam nas proporçõea •correctas.o. Sucede, porém, queoshotentotestêm
das e destruídas, enquanto outras sobreviviam tanto aos leopardos como ao muitos cães, que não prendem, o que lhes pennite acesso livre a todo o lixo da
aldeia-e,comotodossabemos,oseãessAomuitobonsalidarcomossos!Num
col\iunto de vários milhares de ossos recolhidos em diversas aldeias, Brain en-
controu uma anomalia enorme nas frequência s relativas das partea a natómi-
eas- uma tendência a favor de uma maior representação das mandíbulas e
das partes distais da maioria dos ossos, em detrimento das vértebras, coste-
las e partes proximais. Como no passado também houve animais carniceiros,
não era de admirar que se registassem muitas semelhanças nas frequê ncias
de ossos encontrados nas aldeias hotentotes e nos depósitos de Makapansgat
que continham os australopitMcWJ.
A posse de todos estes dados, alguns recolhidos no decurso de observações
controladas feitas no mundo moderno, convenceu Brain de que quem tinha
desempenhado um papel importante na formação desses depósitos tinham
sidoos leopardos e outros animais do plisiocénico e não o homem. Segundo es·
ta nova interpretação, os australopithecus não teriam vivido, necessariamen-
te, nos sítios onde os seus ossos foram encontrados: esses teriam sido, muito
simplesmente, os sítios onde foram comidos! Esses sítios não eram acampa-
mentos mas armadilhas naturais ou locais de dormida de diversos tipos.
t realmente extraordinário que duas pessoas, literalmente a meio mun·
do de distância, dêem por si a pensar nos mesmos moldes sem saberem do tra-
balho uma da outra. Na altura em que Brain estudava os leopardos e os ossos
de cabras das aldeias dos hoteniotes, eu não o conheeia e nada sabia do tra-
balho dele. No entanto, alguns dos meus estudos etno-arqueoldgicos, muito
11ecundáriosem relação aotrabalhoetnogTálicoque eu realizava com os indios
NavajosdoNovoMéxico, apontavam numadirecçãofundamentalmente idên-
tica27.
Durante o trabalho de campo, reparei por acaso que as frequências de os-
IOS nas lixeiras dos acampamentos de Inverno dos Navajos pareciam diferen-
1.es das encontradas nos acampamentos de Verão. Sabendo perfeitamente da
u istência dos problemas de interpretação provocados pelas variações nas fre -
quências dos restos animais do Plistocénico Inferior anteriormente discuti·
dos, resolvi lançar um pequeno projecto com alguns estudantes, para assim
eaclarecer se as minhas impressões iniciais sobre as frequência de ossos eram
ou não correctas e, no caso afirmativo, qual a causa das diferenças. Traba-

•Bnln,1967.
" BinlOrd e ~rt.ram,19'77.
LEWISR.BINF0Rf) 1 lll<fll VJ'-"""''MJ""'v

um registo a rqueológico faunfstico com uma frequê ncia de idades anómala.


Nos sítios habitados no Verão, são ovelhas gordas em boas condições de saú-
de as que alloseleccionadas para consumo. Em ambos os casos, os cães tinham
livre aceno ao lixo e, como é óbvio, tinham maia t rabalho com os ossos doa
animais velho& do que com os ossos tenrosdoajove ns. Os nossos estudos labo-
ratoriais sobre a relação entre a densidade dos ossos e o cresciment.o permi-
tiram-nos a elaboração de gráficos, que mostravam como as modificações pro-
vocadas pela idade na dureza de cada osso aíecta vam as respectivas probabl i-
dades de sobrevivência. Pudemos demonstrar com facilidade que existia uma
diferença considerável nas frequências dos ossos, mesmo estando todos sujei-
tos de fonna idêntica aos mesmos agentes de atrição. Pareceu- nos, portanto,
que o que detenninava a va riablidade da frequência das partes anatómicas
•em• cada um dos sítios habitados pelos Navajos era a densidade dos ossos dos
animais de idades diferentes, enquanl.o as diferenças •entre• os diferentes
sítios se explicavam como função da estrutura etária dos animais cujos ossos
tinham sido roídos ou comidos pelos cães.
O passo que logicamente se seguia era o de ver se este modelo simples
baseado na densidade dos ossos nos podia ajudar a compreender a variação
nas frequências de partes anatómicas de jazidas arqueológicas como Maka-
~- pansgat. Nesta, a maio r partedosanimais era constituída por antílopes, mui-
tos deles tAo pequenos, ou mesmo mais pequenos do que ovelhas, embora com
uma sequência de nascimento diferente. Mas se em Makapansgat estávamos
peranteaobradeumpredador,comoporexemplooleopardo,quematadepre-
fe rência animais ou muil.o novos ou muil.o velhos, então os processos que
tinham estado em acção na jazida sul-africana deviam ser os mesmos. E
viemos a verificar, com efeito, que as frequências de ossos nos sítios mode r-
namente habitados pelos Navajos se equiparavam às dos ossos que haviam
sobrevivido em Makapansgat. Isto representava um apoio suplementar à
principal conclusão a que Drain havia chegndo - a de que as diferenças na
lhando numa zona remota da reserva não tivemos quaisquer problemas em ocorrência doa ossos de ungulados eram um simples reflexo do respectivo
obter acesaoaos mate ~iais: pelo contrário, os índios encorajavam alegremen- potencial de sobrevivência ao desgaste provocado pela acção dos carnívoros ou
te o professor excêntnco e os seus alunos a virem limpar os pátios em frente pela erosão fl uvial, e não o resull.ado das práticas de caça dos australopitecí-
das sua~casas! Recolhemos os ossos em sítios em relação aos quais dispún h.
mos de m~ormações sobre as pessoas que aí tinham vivido, sobre a duração t "'°'·Tanto Brain como eu estávamos a estuda r processos dinAmicos do mundo
a sazonalidade da ocupação, etc. Eu tinha suposto que os Navajos apenas a moderno como base para desenvolvennos métodos para fazer inferências
tiam ovelhas e cabras de vez em quando, e que o padrão seria um reflexo direeo tobre os vestígios estáticos do passado distante. Ambos estávamos perfeita-
to desse comportamento. Mas o nosso estudo revelou que haviagrandea d' mente conscientes de que os arqueólogos precisavam de identificar os agen-
renças entre os acampamentos de Verão e de Inverno no que dizia respei to tea responsáveis pela fo r mação de um depósito antes de poderem começar a
frequência relativa das partes anatómicas. interpretá-lo. No meu trabalho de campo com os esquimós Nu namiut caça-
Assim que demos conta das diferenças, começámos a procurar as ca dores de caribu do Norte do Alasca• (ver cap. VJ), vi uma possibilidade suple-
que lhes poderiam ter dado origem. Estes acampamentos estavam situa mentar de obter no mundo moderno informações comparativas ~controlada&»
numa área deserta e a altitude elevada, com Invernos severos, por vezes relativas aos contrastes existentes entre os caçadores humanos e os ani ma is,
bastante neve durante o mês de Janeiro, e em que as temperaturas noc ~forma como, respectivamente, tratam os ossos. Tive, por exemplo, oportu-
nas desciam com frequência abaixo dos 18"C negativos. Consequentemen nidade de observa r trinta e seis casos de animais mortos por lobos e de regres-
muitos dos cordeiros nascidos na Primavera anterior e alguns dos ani m ·
velhos morrem pura e simplesmente congelados durante o Inverno: os Na
j~s comem-nos ou, se se trata de pequenos cordeiros muito magros, dão-
•Biníord,1978-o.
d1rectamente aos cães. Deste modo, os sítios habitados no ln vemo prod
EMB USCA.DOPA.SSA.00

um grande e interessante conjunto de dados. Contudo, Hill não dispu nha de


informações ace rca das tocas, e os meus próprios dados a esse respeito nll.o
constituíam uma base suficiente para ge neralizar sobre o que os animais
fazem aos ossos quando os trazem para os sítios onde dormem. Felizmente,
esta lacuna pôde até certo ponto ser preenchida, uma vez que o arqueólogo
Richard Klein"' dispunha de registos pormenorizados de um grande conjun-
to faunfstico obtido nas suas escavações de um covil de hienas na África do Sul.
Quando foi possível reunir e comparar todo este materia l (os locais de ma-
tança dos predadores estudados por Hill , os estratos com vestígios acumula-
dos pelas hienas escavados por Klein e os meus dados sobre tocas e locais de
ma tança dos Jobo1), surgiu um padrão muito repetitivo. Os lobos, hienas e
grandes felino s pa recem comportar-se de modo muito semelhante, produzin-
doconjun tosfaunfsticossemelhantes mesmo em ambientes muito diferentes.
A principal diferença verifica-se na frequência com que cada espécie introduz
ossos nos depósitos formados nos locais de dormida: os leões parecem nll.o o fa -
ze r, as hienas fazem-no constantemente, e os lobos têm um comportamento
que os assemelha aos roedores do género • neotoma•, tra zendo para a toca tu-
do o que podem. Da comparaçll.o entre as diferentes espécies resultava que a
principal fonte de va riação residia não tanto nos •tipo8" de ossos produzidos
pelo comportamento predador como nas •quantidade8" em que eles se encon-
travam representados. A conjugação de diversos tipos de informação permi-
tiu, portanto, a obtenção de uma imagem realista da natureza dos conjuntos
faunfsticos que podem resultar do comportamento predador dos animais.

Regresso ao P listocénico

Como é que esta informaçll.o pode ajuda r o arqueólogo a reconstituir o com-


portamento humano de há mais de dois milhões de a nos? A minha maneira
de pensar é a seguinte: quando deparamos com contextos arqueológicos ou pa·
leontológicos em que diferentes factores sAo susceptfveis de ter contribuido
para a formação de um depósito, precisamos de encontrar formas de p6r de
sar posteriormente a vinte e quatro dos sítios onde se tinham dado essas parte os elementos conhecidos ou reconhecíveis que não são de interesse
~~tanfas para fazer um inventário dos ossos que af subsistiam (os outrot directo, e ver se resta algo «desconhecido• que possa ser relacionado com as
si tios bnham, entretani:o, sido dest~ídos por ursos pardos ou pelo degelo dot acüvidades dohomem.Nofundo,tra ta--s.edeutilizarumaestrat.égiaidêntica
lagos). També_m estudei um c~rto numero de tocas de lobos para registar 01 li que inspiram as análises qualitativas feitas em química. Se temos um com-
padrõe~ respei tantes~ compos1çll.o, à fracturação e às mordedu ras ve rificado1 poato determinado dentro de um tubo de e nsaio e nos pedem para determinar
nos coniuntos faunfsticos ai encontrados•. Vim a saber um pouco mais tarde de que substância desconhecida se trata, o processo clássico é extrair e iden-
q.ue um especial.ista brit.ãn~co, Andrew Hil l.10, estava a levar a cabo experiên· tific11r todos os elementos conhecidos do composto até restar apenas um resí-
ciasdomesmobpo em locais de caçada de leões e hienas situados ao ar livre duo desconhecido {mas relativamente puro), suficientemente característico
no Uganda e no Sul da Etiópia, e que tinha sido bem sucedido na recolha d; pua poder ser identificado mediante o recurso a um manual. Infelizmente,
nloezistem manuais deste tipo a que os a rqueólogos possam recorrer, mas as
1UU t.ácticas analíticas não deixam por isso de poder ser as mesmas - par-
•Binford,1981-o.
•an~ 1972
•kkJn,197!1.
tir das condiç~e1 conhecidas para, através do isolamento dos resíduos, chegar padrão era em grande medida di rectamente proporcional à quantidade de
às desconhecidas. utensílios presentes nos diversos depósitos - uma conclusão a que não pode-
Tomei ent.lio o •conhecida» como sendo os conjuntos de ossos prodU%idos e111 ria ter chegado se me tivesse limi~do a analiaar apenas os o~sos. ~pesar da
vários ambientes por animais predadores e carniceiros, e o •deseonhecido. controvérsia existente a esse respeito, o que é certo é que os mais antigos uten-
eomo sendo os depósitos de oasos escavados pelos Leakey na garganta dt sílios olduvenses não passam de calhaus partidos que, com toda a probabili-
Olduvai. Utiliu.ndo técnicas matemáticas e estatfsticas, avaliei até que pon. dade, apenas P.oder~o te r funciona~o para percutir, bater ou cortar. Dado ~ue
to os achados feitos na garganta de Olduvai podiam serexplicados como resu l. nos depósitos mfeno res os utensílios cortantes &Ao r!'lros~ e os morfologica-
tado da acção de predadores, e qual a quantidade de resíduo que •restavaa mente sofisticados, como os raspadores, totalmente inexistentes, as lascas
Esta análise revelou-se muito interessante. Eu esperava que a variabilida: e1:trafdas desses calhaus não parecem, de um modo geral, ter sido utilizadas.
de na fauna de Oldu vai fosse atribuível, toda ela, 8.os predadores e carniceiros Estas observações têm de ser situadas no contexto da sequência estrati-
e que a presença dozinjanthropus se devesse ao faeto de ai ter sido comido po; ivãfica de Olduvai. As vá rias escavações af reali:i:adas foram feitas e m depó-
qualque r outro animal. Mas, quando examinei os resultados, descobri que nas sitos geológicos acumulados ao longo de?m período .de aproximadame~~ um
jazidas onde havia uma freQuência elevada de utensílios de pedra se regista. milhão e duzentos mi.1anos, entre um e oitocentos m 11 ( dataçã~ d~s nfve11.1 nfe-
va igualmente, de forma sistemática, a existência de uma quantidade con- rioresl e seicentos mil anos antes do presente (datação dos mve1s supenores
siderável de material residual que oa nossos conhecimentos sobre a acção dot do membro 11). Contrariamente ao que se poderia pensar, é nas camadas •in-
carnfvorosafricanos•não- conseguiam explicar. Mandíbulas e pequenas par. feriores-, as •mais antigas•, que se verifica o maio r grau de preservação. Os
tes do crAnio a pareciam em frequências marginalmente elevadas, mas a dife- níveis mais antigos representam a actividade qu e foi tendo lugar à beira de
rença realmente grande consistia no carácter constante da presença de os soa um lago cujas marg~ns iam ~ecuandode forma ~adual;.os depó~itos superio-
dos membros inferiores (po r exemplo, metatarsianos e extremidades distail res estão muito mais revolvidos por processos hidrológicos locais que deram
de tíbias em percentagens exceu ivas). Que teriam andado a fazer os noSS01 origem a depósitos de vertente cheios de cascalho e de materiais r olados. À
antepassados? Afinal de contas não é muita a carne que existe nesses ossoa. medida qu e, num mesmo ponto da garganta, se passa de uma camada para
o seu único valor alimentar residindo no tutano que contêm. outra (partindo de baixo), nota-se que há uma mudança sequencial, com os
Só por si, este pedaço de informação e rajá bastante sugestivo. Os pred• depósitos de margem de lago a serem substituídos por depósitos íluviais de
doresecarniceirosafricanoscompetempela•carne-,sendootutanoconsumi- fundo com estratificação cruzada. Essa mesma sequência exibe igualmente
do fundamentalmente pelos juvenis que roem os ossos, o que se verifica mui- mudanças correlativas na composição dos conjuntos faunísticos, os quais, no&
to em especial no caso dos canídeos e das hienas. Ora, em qualquer situação nlveia inferiores, contêm muitos ossos e poucoa dentes e, nos níveis superio·
;!.';;~i:J: j~~atedsaec~~:;: d!~~ ~n~~n;.~~~ éd:~~~~ é~:~~c:~~fs~e~{;~~
de interseção intíma entre animais é muito frequente surgir uma adaptação
que consiste na sobrevivência de uma espécie mediante a exploração dos re1o
tos abandonados por outra - as manadas de antílopes, por exemplo, têm OI deagaste mecãnico e à dissolução pelos ácidos do solo. Esta mudança regular
bosteiro& por companhia. Uma espécie que procura criar um novo nicho eco- e unidireccional na razão dentes/ossos verificada nos depósitos de Olduvai
lógico para si própria nunca compete directamente com outras já p resenl.efe quando analisados de baixo para cima alerta-nos para que não tratemos a ta-
procurando antes encontrar nas zonas limítrofes desse sistema energétict xa de atrição ou de transporte dos ossos pela água como algo de constante ao
formas de captar a e ntropia de outros animais. Poderá a explicação para• longo do tempo.
frequências de ossos registadas em Olduvai residir numa situação deste gént- Quando se está perante uma situação de transporte pela água - como
ro? O tipo de alimento que mais frequentemente fica por consumir nos locail par$Ce ser o caso dos níveis superiores de Olduvai -, é de esperar que os uten-
de abate dos predadores, mesmo depois da su.a visita por carniceiros como aíliol sejam objecto de uma triagem mecânica segundo o seu tamanho, a qual
hienas, é o tutano arma:i:enado nos reservatórios ósseos. Este recurso pod' deve afectar as percentagens registadas: quanto mais viole nta é a co rrente
assim ter sido eproveitado pelo homem primitivo, sem que isso implicasse maior será a sua capacidade para arrastar as p~as líticas de menor dimen-
sua entrada em concorrência directa com os outros predadores existentes llo, deixando apenas a s maiores. Tendo em conta o que sabemos acerca dos
meio ambiente que habitava. Nunca estive muito de acordo com a ideia retpeetivos contextos geológicos, seria de esperar que os depósitos inferior es
pequenos australopitecfneos de 40 kg de peso suficientemente ~ machoS" pa UI 1itu contivessem muitos utensílios sobre lasca de pequena dimensão, e os
conseguirem fazer frente a leoas africanas de 160 kg! depóaitos superiores muitos utensílios grandes e pesados. •Mas sucede exac-
O aspecto mais interessante das a nálises faunísticas é qu e, ao pôr-se (co tamente o contrário!• Os processos erosivos não podem, portanto, ser consi-
ceptualmente de parte o material que podia ser compreendido em termos derados como o principal agente responsável pela mudança da composição
comportamento animal), não só se obtinham de forma &istemática padr duutensilagens de pedra. Temos, assim, bases para suspeitar que o aumen-
r esiduais claros, como esses padraeseram muito semelhantes em todos os to do uso de utensílios de bordos cortantes deve constituir um reílexo ensom-
sos. Tinha, assim, detectado um padrão r esidual repetitivo que fazia senti brado da ocorrência ao longo deste enorme intervalo de tempo de mudanças
em termos de um comportamento carniceiro. Além disso, a magnitude de import.antes no comportamento das populações de hominídeos.
lli:WIS R.BINFORI) DfBUSCA.001'.4.SSAl>ó

Esta suspeita é confirmada por outra correlação intrigante. À medida que ciado e ido embora. Em termos simplesmente estatísticos, os carniceiros cujo
aumenta a frequência relativa das lascas e utensílios gobre lasca, aument.. objectivo seja a carne serão mais frequentemente bem sucedidos se se coneen·
também a dos animais de maior porte: os níveis superiores contêm inúmero, trarem em animais de grande porte.
hipopótamos, girafas, elefantes e rinocerontes (todos representados, era Aindanãosabemosatéquepontoestaimagemécorrecta.Noentanto,éim·
geral, por dentes).~ claro que outra coisa não seria de esperar, tendo em con. partante salientar que a base de trabalho em que nos _pod_emos apoiar para
ta os processos erosivos a que acaba de se fazer referência. Os pequenos ani- elabo rar modelos sobre o comportamento dos nossos primeiros antepassados
mais deviam ser completamente arrastados pelas correntes, fazendo aume n. do Plistocénico é constituída apenas por cerca de duas dúzias de superfícies
laraprobabilidadedeseremencontradososdentesdosgrandesanimais.Mai escavadas, abarcando um período de um milhão e duwntos mil anos, e cada
se o que temos nos níveis inferiores é o registo da actividade carnieeira do vez menos bem preservadas à medida que se vão tornando mais recentes.
homem à procura do tutano dos ossos, tanto nos locais de abate dos predado- Mesmo assim, os dados existentes permitem discernir padrões, alguns dos
res como no~tros locais onde morreram animais, e se à medida que 0 tempe quais! ~e mome~t.o, são apenas ~ug~stivos. Porém! em _relaç~o aos padrões
passa se assiste realmente a um uso cada vez mais frequ ente de utensílios cor. repetitivos respeitan tes às írequenciasde ossos residuais verificadas nos nf-
tantes, e ntão é no mínimo aceitável pensar que o homem terá pouco a pouct veis inferiores, já me sinto mais seguro: trata--11e de provas de que o homem
começado acompetircomosoutroacarniceiros pela•carne•(em vez de se Jimi. comia algum tutano dos ossos, um recurso alimentar que deve ter represen-
tar a procurarotutanodosossos). Sendo assim, ele tenderia certamente a con. t.ado uma ínfima parte da sua dieta global. A questão parece clara: o homem
centrar cada vez mais a sua actividade em torno dos animais de grande por. primitivo, em vez de ser um poderoso caçador de animais de grande porte, não
te. Quando um leão come uma gazela deGrant não sobra nada. Mas no caso urá sido senão o mais marginal dos carniceiros.
de uma carcaça de elefante há-de so brar sempre algo de comestível para u111
carniceirorealmentepersistente,desdequechegueatempo,mesmodepoisde
ascegonhH Malibu terem acabado ede todas as hienas da região se terem 51.
EJIBUSCADOPA.ttADO

nhado pelo homem primitivo nos ecossistemas que se reflectem nesses depó-
sitos. Por e:ii;emplo, parece que durante os meses mais frescos OI homin ídeos
procuravam lugares protegidos para dormir, à semelhança do que fazem hoje
em dia oJ babufnos1• Outro facto interessanU! é a falta generalizada de indf·
cios de os a.Jimentos serem transportados para os locais de dormida e aí con-
sumidos; com efeito, o consumo dea.Jimentos nestes locais está sobretudo r ela-
cionado com a acção de predadores(em especial os leopardos) que caçavam os
CAPÍTULO III primatas adormecidos.
As estações sul-nfricanaS mencionadas no capítulo u sAo mais ou menos
A VIDA E A MORTE NOS BEBEDOUROS conU!m po r.11.neas dos célebres •soloS» de Olduvai e do Sítio 5 de Koobi Fora 1,
outro ponto da África oriental onde se têm realizado importantes investiga-

çõe$egundo os arqueólogos que trabalham na África oriental, os hominídeos


Onde comia e dormia o homem primitivo? da região viveriam em acampamentos-base para onde traziam a comida que
consumiam e partilhavam em pequenos grupos familiares. Em contraste, os
depósitos da Africa do Sul mostram que a dormida e o co nsumo de alimentos
Vimos no capítulo u como os estudos de Brain sobre determinados proc ainda não se encontravam especialmente ligados, pelo menos no que diz res-
so~ que podemos ~er em a~Ao no mundo actual foram gradualmente da peito a uma forma dete rminada de hominídeos. Parece, assim, haver uma
onge~ a um C011Junto de.conhecimentos que nos pennitem interpretar contradição entre as conclusões extraídas a partir dos estudos feitos em cada
depósitos de grutas da África do Sul sob a perspectiva dadinllmica da sua~ uma das duas regiões. Em que se baseiam então os investigadores que tr aba-
mação. Essa inU!rpretação dá-nos, por sua vez, uma ideia do papel desem lham na África oriental para afirmar que os hominídeos desta época tão remo-
ta, há mais de um milhão de anos, se comportavam já, no que diz respeito ao
u.so de um mesmo lugar tanto para comer como pa ra dormir, de uma forma
tipicamente humana?
A resposta a esta pergunta leva-nos a reconhecer que os arqueólogos que
trabalh am na África oriental têm utilizado uma série de convenções e •argu-
mentospost~ para justificar a sua opinião de que os chamados •solos de
Aabilo1• correspondem efectivamente a acampamentos-base. A observação
de Glynn Isaac, segundo a qual •o hábito de criar manchas concentradas de
restos de comida e de ute nsílios abandonados é uma das características com-
portamentais básicas que di stinguem o animal humano doa outros prima -
taso',corresponde a uma definição operacional de um local de habitação como
lelldoum sítio onde o homem t rabalha usando utenaílios,consomealimentos
e donne. Em consequência, a associação entre utensílios de pedra e ossos de
animai&tornou--ae convencionalmente aceiui como indicando um acampa-
mento-base: um &ftio onde o homem vivia, comia e dormia. Alguns especia-
listaa, como o próprio Isaac (fig. 18), foram ainda mais longe, chegando a afi r-
mar que as diferenças relativas nas denaidades daa dist:ibuições de ossos e
dearteractospodiamsertomadascomoindica:.dodiferençasquantoaostipos
du ltios. Uma densidade elevada rle ossos e uma densidade baixa de utensí-
liol era, por exemplo, tida como definindo um local de abate ou esquarteja-

'B,..ln(l98l,pp.271- 273).Eata ob1Crvaçloaplic•-eeemparticular b fornÍ u l'Clbu4tu do


flWbalopjlAtt;w.
• VerBunnelal, 1980.
• ElllBinford (l981_.,, pp. 83--89, 181-190, 2-44-246,e 283-299) discutl com lllgum ponne-
-opapel do. .. rgurne11t..poat-.Jioc-.
' laaa.,1971,p. 278.
l.EWISR. 8/NFORO f_M BUSCADOPASSAIJO

3) Diz-se que a composição dos conjuntos de ossos presentes é, no míni-


O.n•ld•d• d• ouo• - - -- mo, «não incompatível• com a inferência dequea acumula ção dos os·
Baiu. moderada.. •levada soserafeita pelos h ominídeos:.

Talvez seja um pouco irónico que, no essencial, este raciocí nio se apoie pre-
cisamente nos mesmos critérios usados por Dart pa ra justificar a sua J)(lSiçllo
de que os age ntes responsáveis pela acumulação de ossos nas grntas da África
do Sul eram os h ominídeos! Mal a ndaríamos, porém, se, tal co mo no caso de
Dart, usássemos as con vençi5es defendidas por Isaa c e pelos se us colegas pa ra
interpretar o registo arqueológico, i;em procurar primeiro sabe r mais acerca
dos processos responsáveis pela fonnaçllo dos depósitos da África oriental. Na
minha opinião, a pista mais útil para a solução dei;te p roblema r eside, como
já mencio nei, no facto de os dados da África do Sul parecerem não co nco rdar
com a ideia de que os hom inídeos prim itivos comiam e do r miam nos mesmos
sítios. Ora, é precisamente este o•pressuposto• de que partem os ar queólogos
da África oriental. É inevitável, portanto, que inte rpretem as co ncent raÇóes
de ossos ede a rtefactos como locais de habitação ou restos de acampamentos·
-base. Põe-se, assim, a questão de saber como poderemos iniciar a tareía de
investigar as propriedades do mundo contemporãneo {aquilo a que por vezes
.e cham a •estudos actualísticos•)que nos possam aj udar a faze r diagnósticos
correctos da s características comportamentais dos nossos antepassados pri-
mitivos. De que forma conseguiremos descobri r como eram de facto as coisas
nesses tempos tão remotos?
Tlpo•d••lllo•
S•gundo lu•e, 1971
Ap ren de r com os bebedouros act uai11

Tal como nos estudos de Drain sobre os processos de formação dos depósi-
tos de grutas, precisamos de começar a estudar a dinâmica dos ecossistemas,
concentrando-nos no estudo dos bebedouros, das linhas de água e das ma r-
gens dos lagos existentes em paisagens que, com estas excepções, se caracte-
mento; os locais de habitaçtlo, por seu lado, caracterizar-se-iam por densi rizam po r uma secura relativa, uma vez que foi em ambientes deste tipo que
des elevadas tanto de restos líticos como íaunísticos. As tentativas s 19 formaram os sítios da África oriental que têm sido convencionalmente

=~~:~d~es ~:alc9~t:::.~: :~a:;da:;;~:t::~d~toe~:e:~!:t;~~çd


interpretados como acampamentos-base. A maior parte de nós tem dificulda-
de em visualizar em pormeno r a savana clássica e oi; matos de capim do inte-
sões : as estaçi5e.s arqueoló~cas são tidas como acampamentos-base, síti
5
rior africa no, caracterizados por densas concentrações de animais de caça. O
para onde a comida era trm:1da pelos hominídeos para ser partilhada com eeNirio é o de uma vai;ta paisagem pontuada po r agrupamentos de árvo res e
membros do grupo. São de diversa índole as justificações nonnalmente ap arbustos, geralmente situados em leitos de rios secos ou à volta de bebedou-
senta dai; para sustentar essa convicção: "'· Para quem não esteja habituado a ver vida selvagem em grande abundân-
cia. o ambiente tem um ritmo dramático, de tirar a respiração.
lJ Diz-iie que os ossos e os a rtefactos líticos coexistem em «concent A minha primeira experiência africana num ambiente deste tipo' começou

2) ~~e:~~~~~~n;.e;:~;~;:~iTid~depelo estado danificado em que


ossosseapresentamdeveseratribuídaaocomportamentohuma

'lauceC,..der,1981
EJJ BUSCAOOl'ASSADO

Fig. 19. -úitoumd<JRio Nouob, 110Sul do chsulod<J KaJahari. (Vtr (<IJ. 3para1-0aJf.
2oçdouodo.)

t
til. claro que, ao meio-dia, são os ungulados que dominam os po ntos onde
existe água; mas à medida que o sol desce no Ocidente com~am a !fastar-se
numa manhã em que penetrei numa zona riea em eaça e caminhei ao longw de form a gradual e deliberada em direcção às margens do_val_e, subindo as e~­
do leito seco de um rio. Em cada eurva do vale viam-se grupos de unguladOI eostas das dunSB para dele safrem. O abandono do domímo diur no destes am-
agrupados à volt.a doa bebedouros. Deitados à sombra de enormes árvo res, mais, dispersando-se e desaparecendo nas. va~tas paisagens ondulantes,
perto de um desses pontos, estavam grupos de gnus. Não era invulgar ver dei. para longe da água, é impressionante. A luz md1recta do pôr-do-sol é então
vinte e cinco, ou mesmo quarenta animais. A medids que nos famos apro~ 1 vez dos predadores, se"nhoresda noite, entrarem no vale, tomarem con_ta dos
mando, um grande macho punha-se de pé, sacudia-se e, coberto de poeirt, bebedouros e exercerem o seu domínio sobre os terrenos que durante o dia per-
baixava ligeiramente a cabeça para olhar na nossa di recção. As avestruza tenciam aos ungulados. . . .
atr avessavam o nossoeaminho. As gazelas, que se viam por toda a parte,olhlo As h ienas são ge ralmente as pnme1ras a chegar, apro1umando-se v~ro­
vam-nos fixamente sem deixarem de comer, à medida que vagueavam pe)I samente doa bebedouros, passando pelas carcaças de ungulados antenor-
vale à procura de sombra ou de capim amarelado. Ovale,eom toda a sua água. mente abat idos pelos predadores e de outros animais mo rtos à beira da águ~
era realmente o domfnio dos ungulados. de forma menos viole nta. É possível que se ponham a roer estes ossos r elati-
Os abutres isolados, empoleirados nas árvores ou voando por cima de nóii vamente secos, mas acabam por ir beber, porque bebei:r' quase ~m pre a ntes
talvez preparando-se para sejuntarem à refeição de algum grupo de aves rei.to da caça. A procura da comida só eomeça em força mais pela noite dentro, e
nido em tomo da carcaça de um animal morto no solo, constituíam o ú nicl uaim não é invulgar que as hienas se deixem fica~ ~as i media~s do beb~­
indício de violência na paisagem. Porém, olhando-a com um poueo mais cll douro,roendo oasos, desmembrandocarcaçase partic1pandoem d1versasacb-
pormenor, era fácil locafüarea rcaças ou pedaros de carcaças- sile neiosos iDo ridades sociais. Depois de escurecer podem começar com os seus chamamen-
d feios de morte violenta que são uma componente constante dos bebedou,.. t.(o caract.e ristico •riso~) e, mais tarde, partem delibe radamente à procura
ezonascireundantes. dec:ame íre5C8-ou seja, de uma presa para matar. Os le6es e_os leopardos
Permanecendo na zona durante algum tempo, damo-nos co nta, porém, llo tam bém visitas noctumas frequentes; também eles necessitam de água
que o ritmo ostensivamente plácido da paisagem poderá ser tudo menos s
durante as horas activas da caça. Os rugidos dos leões ouvem-se normalme n-
te mais tarde, entre as 10 e as 2 horas da madrugada, quando chegam a per.
correr grandes distâncias, visitando dive rsos bebedouros pelo caminho até e..
colherem um local para se emboscarem à espreita de uma presa para ataca r.
Entre as 2 e as 4 ho ras e 30 minutos da madrugada parece dar-se uma
diminuição da actividade: pelo menos os sons dos predadores desaparece111 Fig.Z2.-HKm>malhaáaaproxint{}""'-'t/h"mbcbfdo«rapow;o,,,.11;.,Jo~·do-.al. Ao
pouco a pouco e a no ite torna-se calma. Mas antes do nascer do sol o rugide ft<"'1opodom~,,_,,.,..af<Waitdo-..rloi.'Okparalo"8~áa~""·(F<>IOflra{>0otdid<>parJoh,.
dos le6es volta a aumentar; com efeito, os predadores tendem a deslocar--se ,.,,,u..,ionJ
ao longo de tr ilhos bem marcados que frequentemente os levam a atravessar
a água ou a passar junto dela. Quando os primeiros raios de sol inundam a pai-
sagem já os abutres voam alto em busca da carnagem da noite anterior. Gr•
dualmente, à medida que o calor do sol volta a aquecer os vales, os unguladOI relativamente eficazes par a lhes fa:r.er face. Eu •nunca~ escolheria um sítio
reaparecem, de r egresso aos bebedouros. O ciclo r ecomeça mais uma ve:r.. junto à água para acampar na savana africana! Apesar disso, os arqueólogos
Os primatas, nós próp rios incluídos, são criaturas que vivem à luz do dia. diiem-nos que era p recisamente em sítios com essa localização que os nossos
Os nossos olhos são órgãos diurnos e estamos ma l adaptados para caçar, antepassados hominídeos habitualmente instalavam os seus acampamentos-
colher alime ntos ou até para nos pr otcgennosdurante a noite. Como é que, ne -base. Chegados a este ponto, torna-se necessário levanta.r a q.uest.Ao de
quadro de uma paisagem afr:cana do tipo que acabei de descrever, uma cria- uber se os três critérios utilizados pelos investigadores da Áfnca onen~l ver 5
tur a tão m3! equipada pe..a a actividade no escuro poderia ter mantido um s> atrás) permitem, efectivame nte, u m reconhecimento cr edível destas Jazidas
0
~a ç~~~~~:C~~~:ri;ss~:::n~:~~:~u~~~ !!~~~~~~és~:~~:;~~Áf~:
como locais de habitação do tipo acampamento-base.
Va mos começar a pensar no problema aceitando os artefactos l~ticos pelo
não disponham os seus acampamentos j unto à água, mesmo tendo em co nta
que podem utilizar o fogo para dissuadi r os predadores e que, como é evidentt. =•~~;n~~~~~~:~::~~~j;:!~saf~~~=be~!~~~~º:C~~~:;~~~:·:-
têm igualmente a possibilidade, em caso de necessidade, de utili:r.a r a nn• portamental em que esses utensílios foram usados era também o contexto de
.r.

deposição dos ossos. As observações que fiz nos bebedouros de África ilustram
algu ns 11spectos de interesse para a solução deste problema:

1) As mortes naturais são frequentes nas imediações destes bebedou-


ros;
2) Também ai ocorrem mortes provocadas por predadores;
3) Ao roerem os ossos relativamente secos que aí se encontr am, as
h ienas podem juntar ossos de várias carcaças diferentes;
4) Pode dar-se a acumulação de quantidades consideráveis de ossos
mesmo a distâncias da água da ordem dos 100 m.

Estes factos significam que •é legítimo preve r a ocor rê ncia de quantidades


consideráveis de ossos junto dos bebedouros-.
As quantidades reais variarão, provavelmente, em função do ritmo a que
1e dá o seu enterramento, e da acessibilidade e fiabilidade dos bebedouros
exiâentes na r egião. Além disso, é frequente os leões arrastarem as suas
presas para as poderem consumir à sombra, e també m não é invulgar qu e se
concentrem junto à água em grupos relativamente gi-andes, durante o dia, l
sombra das árvores. Consequentemente, pequenos fragmentos de osso regur.
gitados ou defecados podem aumentar consideravelmente o depósito, espe.
cialmente se o processo de enterramento demorar vários anos, ao longo dot
quais eles se podem ir acumulando'. Estas observações constituem um estí-
mulo Areflexão, e parece não haver dúvidas de que é previsível a ocorrê ncia
de ossos nas imediações dos bebedouros, sem que isso signifique que os homi·
nídeos tenham desempenhado um papel activo no processo de acumulaçlio.
No entanto, precisamos de procurar outras provas de que no passado houve,
de facto, depósitos •naturai&o de ossos deste tipo.

•Pal'llutn a boalluAtraçl odoquoprctendodil:crcom i&t.o,vcrSchalLc r,l972,p•. le2.


EJ18USCA 00 PASSADO

A arq ueologia de um antigo bebedouro

Quando da minha recente visita à África do Sul tive oportunidade de visi-


~~ap~~~~d~dc~~~t~i::c!ed!1d~::~~;e~~j ~:~~ª:::~~;~~~:=~~;:~~~'.
A interpretação desta j azida é pouco segura, mas é a estrutura das associa.
ções af observadas que aqui me intereSBa. A maior parte dos especialistas con.
corda que o contexto ambiental em que se deu a formação dos depósitos era
ode uma nascente (e bebedouros a ela associados). Hoje em dia, o sítio corres.
ponde a uma série de dunas em deslocação activa, embora haja bons motivos
para pen1ar que a sua instabilidade é um fenómeno relativamente recente.
A medida que o vento vai aíastando as areias de um lado para outro, um
notável conjunto de fósseis vai igualmente íazendo a sua aparição. Nalgu ns
sítios, podem ver-se restos do que terá certamente sido a carcaça de um só ani-
mal pré-histórico cujos ossos foram ligeiramente dispersados, tal como hoje
em dia sucederia com uma carcaça moderna sujeita à acção dos carniceiros ou
dos processos naturais de decomposição. Nalguns casos, Pode observar-se •
associação entre o que se reconhece ser uma carcaça e um biface ou mesmo di-
versos utensfl ios. No entanto, na maioria dos casos, não há vestigiosóbvios da
~~~~:~ad~~~:~:ç:~~~!~~;~:::~t;~o~!v':i::n~~~~!en:~:Uu: fl#.~~~~!':.!j""'r(LX~la~do~11to.11Ae~.UEia11d.(onWi11. (Ver
só animal -onde havia vestígios da fracturação de ossos longos para extrac-
ção do tutano através de percussão ou impacte; um manuporte (isto é, um
calhau trazido para o local pelo homem) isolado era o único utensílio associa-
do a esta concentração. Em certos pontos há grupos de ossos que algum agentt
do passado, animal ou natural, parece ter concentrado em conjuntos parti-
culares, mas ainda não foi possível compreender bem quais as condições que
terão levado à formação destes conjuntos. Noutros locais, há vestígios que su-
gerem a existência no passado de covia de carnívoros. A3 hienas, por exemplo,
estão representadas pela presença de coprólitos (íezes fossilizadas), assim
como por concentrações de esquírolas e de íragmentos de ossos roídos sem•
!bantes aos que se podem encontrar junto das tocas das hienas castanhau
malhadas.
A diversidade dos padrõesjá mencionados podemos ainda acrescentar cer-
tos locais em que se verificam concentrações substanciais de ossos e artefae-
tos10. Um exemplo que foi objecto de escavação é odo •Corte 10~, local onde•
encontraram indícios de que agentes de diversa natureza estiveram envolvi-
dos na formação do depósito. No entanto, vista segundo a perspectiva d asco•
venções interpretativas adoptadas pelos arqueólogos da África oriental, esta
associação entre utens11ios e ossos levaria directamente à conclusão de que •
t ratava de um local de habitação, um acampamento-base dos nossos ant.epu-
sados plistocénicos. Isso até pode ser verdade. Mas a ocorrência de utensíli•

1
A ~U.Çio do•lt.io buei•_.., o uma uUmativ• de Vrba(l975).
; O alUo de Elaod.t0<1t.ei.n 4; dillC'lltido e m Siogere Wymer, 1968, Klein, 1978, e De f\s. 30.-Bi(oorupotio.! suptr{lt:U 11a uloçdode Elonds/onUilt.
197
U W/S R. 8 /NFORD EJ18USCA DO PASSADO

·' ·'.

·: .· ..~ .. .
El•nd•lont•ln-cott• 10
lut•l•cto•
EIClll;iemmetros

fqi:. 32. -DiOlll'"fJ.mad<> di•lribuÍ{'41Jdüsos.... no""°'"~ 10•. tslaÇ<lod~ Elan"8{or1~in. (fn.


,.,,,...., t.d rqfda d~ Singtr t Wymu, 1968.)

co nce n tra?os_nu~ ún ico sítio de pequenas di mensões, rodeados por todos A estação de Elandsfontein pode ser vista como um~ espécie de:hi~tória
lados de ~1s~n bu1ções de ossos de animais de gra nde dimensão e va ria bili com moral• da paleontologia: a sua investigação exten~1va com o obJel'.tivo de
de, não significa _q u7 e~ta a~sociação entre utensílios e ossos seja um caso ú · determi nar os limites de variação dos padrões faunisbcos num cená n o onde
co. ~facto, é d1fici_l 1maginar uma parte da estação em que tivessem s· • verificam boas condições de preservação seria certamente co.mpensadora.
depos1ta~o~ utensíl •os de pedra e onde não houvesse igualmente quantida Opuso segui nte seria o de averigua r se existe ou não algu m ti po de pa drão
substancmisdeossos deanimais. •m~ladeespéciesanimaisedepartesanat.ómicasnelarepresen tadas que
Con11trução de uma e:ii:plicação plausível " Apeaardeter1llr\lm11 objecçõc1 b lnterprou.çõe11preoent.t.du oumt.raW.lhorocoo\ede
M:W1day(l9?6),e1,..d11CU11iopot"?d1rlu.eFnrldel (l9?7J,otnbalhode.ta 11Jt.Oreademono-
tn1 bemo v11Mquetemoeo1.udo du relaçllffen~: .. ÍO<lta de m•'-'ria-prim1:11 ron:n .. e m
que .. .,,.tc>rl1il do lnuodwid.of; n1,1m det,o,rminado tflõo;e o at..ndono t.t.oto dOll ut.ensílioe co-
..,.,. ..,.to1 de t.t.lhe. Noc110doo1ll.ioo BW>1,11tierenoe1 do d...,r"U1 d0Nego:w (ltnet)que H en·
«10l.rlv1m1l11,11doojW1todcna1CCnte1,íoipm1lveldemon01.T..quooLl.m1nhodoonúdoooed11
ia-. o.. mal• pcquenoqu1ndo nio h1vi1 1f1on.mentol de m1'-'ri1-prim1 " "" prm.imidadot.
O. iave1tl11do<n int.erpre\eram tt\e íacto como ref1exo de um mmport.omei>to economizador
parport.e Oíabricantet...,...,1.entíllot.P._me,po~m,qlMelt.f.remmanl.HJ>"raol.econ·
oeqofociude•uneompo11.1mento emqueo. ocup1n\.ffchep...,mao1ftl0Hmoeqllipamento
..toiqu.do (uma tecnologi1 que oe pode nottocncial ca..cterizarcomo •não cu rida•), ""ºdo pot"
11t<1Qbria"adot1 proo:urarm1t.éria-prim1 nuimcdi1çõe1.ADenconlrarem art.c!Íacl.ol 1nterior-
...,1einlrodu.aidooporou1l"Ollocup1ntaque .. llwHe mprecedidooolocal,retoc1v1m-n.. p1·
noo!Mrul.eHíli... Euhlpõte.epodeexplkaropadrio.._rvado,10ioabrip.1porti r doprin·
dpiD, dil'lcil deaeei\er,dequea pop1>i..tiodoM-tlere noevivbl e m .,o-doo IC!deourn. OOI
qu;. .., utiliza..., de íonna ecooómiu um1 m11Ari1-prima mm oripm ext.er\orao sitio.
Qualquer que acja • íonna como ffle ponto cont.roveno venha a Iler re10lvido, • verdade'
q.mul.en1!lioe e .. reot.o.det.o.lheinlroduzid .. noo1füooraramenteoobrevivemHm all.er1·
C10quondo 11ocup1çõetH prolongam pot" periodol de l.empo 1ublt.o.nci1ia. Quando compara·
... cum ttl.e padrio, •irltl• acheulen..,. 1preoent.o.m umcontrul.e mal'Cldo:ocompriment.o
-...dol nud .... 1.endea1umentar6medidaque1umenta1proportiodoobLíocea .... COQjwi·
lm.(Um caao1queHpodc1plic.. .,.Lo.ob11ervaçio',porexemplo,odoom11.eri1i1deOlnrge-
Mille.)'I'roota.....,,ío1?>1•""'n\.c,deobjectoolran1p<>rtad1>1edeitado. íorano M!ucon\.cxtodeull·
liloçln,oq ual,pot" H lllado,oópodi1Hr odedluaçõesemque e lttnloeramdebit.o.dolpara
t
m&noçio de laecue de ulen.ílioe .obre 1111:1, mu 1lm .....i.. como blf10e1. dllldl imaginar
..-o - •um 1>1.endlio poua t.er 1..,.. etapa final n.. acamp1mentol--bue, ouque•ocu·
:::.~::.m:.::==··•~t'":::~•m•'-'ri1-primaexitt.enl.enulmediaçõea, .ob
"8eimuilobemquehi 1flioaemque1compmlçlndooconjunlOlldiícreda que 1eapreoen·
t a - ' " '"'-rioimagin•do.Sóest.ou1uaareoLl.·rec:on•t.nJçiooparap(wemevidfnci1oí1cto
..... •lnda ft.locomprftndc..- .. p--derormaçiodo.all.loo.Nio'i nveroalmil quepar-

=~:::!~com~=.=:.'h:~-;:=::.~~·;:!'~~:hh:!~:
S-que correopondam de racto • 1umpamcn\.Ol-ba11e.
u:wrstt.BINFORO f)il8USCAOO PASSADO

a procura ser bem sucedida, sendo o mais provável cenário de êxito ode uni comportamento humano no passado, temoa de desenvolver critérios que
local~~ntoàágua, onde!' riadees~rarumaoonoontraçfiodl;!carçaças;depoj 1 ultrapassem a simples con11ençllo, como acontecia no caso do «significado•
de.ubhzarem os utensílios para reti~arem as partes comestíveis das carcaça.a atribuído à coincidência de concentrações impDrtantes de utensílios e de rea·
de1tavam~nosfo ra ;finalmente, comiam no local ou transportavam osalimen. wsfaunísticos.
tos (até ao local onde viviam e dormiam, ou at.é ao bebedouro mais próximo
ond~ os consu~iam). Trazer a comida extrafda das carcaças para os locais ~
hab· ~~ão era Já, provavelmente, uma característica do comportamento do.
ho~1mdeos durante o Acheulense Superior, tendo continuado durante 1 Investigação actual
~M1~dle Stone.Age• de África(~ o Moustierense da Europa)u. At.é que ponto
isso Já aoonte<:1a em épocas mais ren:iotas é precisamente o que queremos sa.
ber. A elevada írequê~cia de ute nsílios acabados com Poucos vestígios deu" A investigaçllo actualmcnte em curso nas jazidas do homem primitivo da
e a sua co~centração.1unto a pon~s ~e água susooptíveis de conter ca rcaça.a África oriental recorda-meo meu próprio trabalho sobre o problema do Mous-
exploráveissãocond1çõescompative1scomanoçAodequeestessitiosrepre. tierense, realizado entre 1966 e 1969, que será discutido nos capítulos IV e v.
sentam locai s relacionados ~ma bu~a e o consumo de carnedecarcaçasede Os numerosos relatórios de investigação elaborados pelos membros da equi-
tutano dos ossos, e nAo locais de habitação em que os hominídeos teriam i na. pa que trabalha nas importantes jazidas da área de Koobi Fora '' revelam que
taladoacampamentos-baseondepartilhariamosprodutosdassuasactivi._ hé pessoas a estudar os padrões de fracturação dos ossos e as marcas de cor·
descinegéticas'5. te;outras a estudar os procedimentos envolvidos na manufactura de utensí-
O ~enário acima ap~esentado pode parecer plausível. Pode até dar cont. lio• de pedra, remontando lascas e utensílios para reconstituir as sucessivas
de mms factosdoqu~ a mt.erpretaçãodesses sítioscomo •locaisde habitaçll0o. etapas de exploração dos núcleos; outras ainda, presumivelmente, a estudar
•Masofa~tod euma ~nterpretaçAo ser plausível não significa, necessariamen. os padrões de distribuição espacial de ossos e utensílios; e tenho a certeza que
~· QU~ SeJa verdadeJTa ou correcta•; reforça simplesmen te a utilidade da SUll biverá outras a estudar os materiais recolhidos nestes sítios em funçllo de
1nvest1gação.Aoavançarmoscom estesargumentosenoontrame>-nos na mes. ouU'OS domínios de observação. Cada novo estudo deste tipo resulta na pro-
ma Posição intelectual de Brain quando pôs em causa as interpretações de dução de mais factos relacionados com a jazida; •todos eles, porém, são ape·
Darte proJl:ôs cenários alternativos razoáveis: o facto de as suas novas ide~ nu afirmações sobre o registo arqueológico•. Na falta de métodos de inferên-
terem sentido nã.o as to~nava •verdad.eiras-. A plausibilidade só demonstni cia robustos, a única coisa que se pode conseguir é a acumulaçllo de mais e
~~~ ~t~ªP~~;'d~n:~~~~~~ed~e;~~~b~tt;aeJ~~~eo :~:sªqeu~~;:~::~~
m1is factos, cujo significado no que respeita aos comportamentos do passado
ldesconhecido. Estes factos Silo frequentemente interpretados re<:o rrendo ao
Poderá resultar a produção de métodos seguros de mferência. Ao estudar1 mlt.odo das ·hipóteses de trabalho múltiplas•, que, no fundo, consiste sim-
plesmente em reconhecermos que as coisas poderão ter sido desta ou daquela
maneira e procurarmos avaliar qual é a mais plausível". Silo raros os casos
em que se estabeleceram métodos para justificar as inferências feitas. Uma
duexcepções é o reconhecimento, realiz.ado Por Lawrence Keeley 1•, de que ai-
p os ute ns11ios sobre lasca foram usados para cortar carne e também maté·
ril vegetal. Neste caso, o que está por detrás da inferência é um método esta-
belecido de medição do uso dos utensílios, ensaiado de forma independente e
bueado em argumentos de necessidade apoiados fisicamente.
Na realidade, não Podemos deixar de nos interrogar sobre a natureza da
investigação de nível médioi• que per mitirá justifi car as i nterp retações que
certamente serão construidas a partir dos novos factos sobre distribuição ea·
pedal, marcas de corte nos ossos, frequências de espécies, ele. Muitos arqueó·
loptparecem nllo ter aindaaceitadocomplet.amenteofactodequeos estudos

• P•n1u,...de.criçiodool.adod.ainvestig.çlo,ver LHkey,l981,pp.7s.88.
~~inford, 1981-a, pp.83-86e246-247, p• ra um •diACU1dodc1totip>demétodnedo

•LoleyeT..U.,1981.
•Binfordl977-a,p.7.
do registo arqueológico fornecem o estfmulo à pesquisa no mundo moderno
a qual, po r sua vez, permitirá transformar as nossas observações arqueológi'.
casem afirmaçõescon-ectasacercado pasado. Muitos continuam ainda à pro.
cur a de descobertas que impliquem consequências óbvias em relaçil.o ao paa.
sado. A ideia de que o passado se deixa desvendar mediante a simpl es reali.
:i:ação de observações cuidadas é certamente animadora; mas, infelizmentt,
é uma ideia en-ada. A investigação na África oriental tem de co m ~ar a fazer
outra importante pergunta: •O que significa?• PARTE II
QUE SIGNIFICA?

Na primeira parte discutimos a situação em que uma curiosidade parti-


eular acerca de como tinham sido os comportamentos ou aco ntec imentos do
passado levou a tentativas de identificar um determinado comportamento no
registo arqueológico. Pelo contrário, esta segunda parte trata de problemas
que ocorrem como resultado da acumulação de observações pormenorizadas
e que, po r isso, só são reconhecidos como tal •quando• o próprio r egisto arqueo·
lógico foijá objecto de uma investigação intensiva. Numa situação em que os
arqueólogos realiza ram já estudos que tiveram como resultado o reconheci-
mento no r egisto a rqueológico de padrões interessantes, surge entAo a ques-
t.lo de saber qual o significado desses pad rões. Po r outras palavras, o que
aconteceu no passado que deu origem aos padrões observados pelos arqueó-
1o&os?
A maior parte dos arqueólogos tem consciência de que o procedimento a
ll(Uir não é o de nos porm os a inventar métodos para o estudo do registo a r-
queológico para depois os utilizar mos como formas totalmente objectivas de
bu.1ea de padrões. Muito pelo co ntrári o: desenvolvemos técnicas de estudo do
reris to arqueológico porque pensamos que elas nos permitirão fazer as obser-
vaçõ-es necessárias à elucidação das características do passado que procura-
mos com pr ee nder. De um modo geral, os arqueólogos têm inventado técnicas
para a classificação dos seus achados, e têm utilizado diversas convenções pa-
ra dar significado às catego rias assim estabelecidas. São estas taxonomias ou
clusifi cações que, por sua vez, orientam as suas observações sobre a distri-
bu.içiodascoisas notempo e no espaço. Do mesmo modo,osarqueólogoscr iam
upect.ativas sobre o tipo de padrões que deverão resulta r dos seus estudos,
porque os iniciam precisamente com ideias determinadas sobre o que está a
..rmedidoporessasc\assificações.
Tenho vindo a utilizar o termo •convenções-o, porque pretendo demonstrar
Qllll a •teoria• com que a arqueologia normalmente opera tem tomado como
pnuupostos um conjunto de convenções para atribui r significado As
obaervaçõesfeitassobreoregistoarqueológico.Estasconvençõesimpedem
que a matéria empírica entre em conflito com os pressupostos. É preciso
lalientarque-dadoquc todas as ideias sobre o passado resultam de inferên-
elu- não é possível raciocinar a partir de um conjunto de pressupostos e


ebecar a uma conclusão que entre em conflito com eles. Como assinalou
...... ~- .
UJ BUSCADOPlt.SSlt.DO

Popper: •Nem uma inferência dedutiva nem uma inferência indutiva podem der que os nossos métodos de inferência poderão ser defici~nte s. Mas, quan-
derivar de premissas coerentes e chegar a uma conclusão que as contradiga do isto acontece, pode então iniciar-se a busca mel;odológica de um melhor
fonnalmente.•'
Os arqueólogos partem frequentemente de pressupostos sob re os condici0- ~~~::r;~:~~~:~~:.i~~;:~~:a~~c~sr~~~~::; ~~·==~:~; ~:~~;;;~~~~~
namentos a que esteve sujeito o registo arqueológico no que diz respe ito àa j!OCleremos entAo dar início a investigações estimulantes com o obJeCbvo de
suas propriedades formai s e de distribuição. Por exemplo, parte-se geralmen. descobrir •comoera».
te do pri ncípio de que as culturas eram, por um lado, internamente homogé.
neas e, por outro, fortemente integTadas por acção dos valores e ideias dos que
nelas participavam. Nesta perspectiva, as expectativas quanto aos padrões
queoregistoarqueológicodeveriacontersãobastanteevidentes:•[ ... lostipoa
e as suas proporções são estáveis e constantes no interior de uma cultura,
durante um dado tempoe numa dada região, pelomenosdent rodecertos limi-
tes.•1Simplificando, as estações arqueológicas serão tanto mais semelhante,
quanto mais próximas estiverem noespaço e no tempo. E se o mundo real di fe-
redas e11pectativas, criam-se infindáveis ·hipóteses auxiliares• que permi-
tem acomodar a s observações à teoria.
Deste modo, a táctica seguida pelos arqueólogos convencionais é a de ofe-
recer argumentos suplementares que, •&e verdadeiros-, reporiam a corres-
pondência entre teoria e realidade. Popper1caracterizou esta estratégia como
a de •imunizar• a teoria ao teste. Os arqueólogos têm-se submetido a esta es-
tr atégia: as suas tentativas de imunizar deste modo os seus pressupostos tor-
naram-se as suas histórias reconstruídas do passado. Se, por e)(emplo, nh
conseguem encontrar semelhanças ao longo de sequências deposicionais, a
sua teoria da t ransmissão cultural é •protegida• dos factos quando postula11
uma imigração de povos diferentes. Esta hipotética imigração toma-se, por
sua vez, parte integrante da •verdadeira• reconstrução do passado a cu;.
buscaosarqueólogossupostamentesededicam.•Umaboaadaptação dascon-
dições pode fazer que quase qualquer hipótese esteja de acordo com os fe n6-
menos. Isto pode agTadar à imaginação, mas não contribui para o avanço dol
nossos conhecimentos.••
Os a rqueólogos têm uma te ndência especial para cair neste tipo de a rma-
dilha filosófica e metodológica porque as afirmações sobre o passado nlt
podem deixar de ser inferências, e os métodos que asjustilicam não podem por
isso ser verificados pela experimentação com dados arqueológicos. Dito dl
outra forma, não se pode utilizar o passado infe rido para põr à prova os pre.-
supostos em que se apoiam as nossas inre rências. NãOnos deve por isso sur-
pr eenderque a maio ria dos arqueólogos aceite acriticamenteosseus mé todol
de inferência, e que as discussões se relacionem mais com osdadosdoquec~
a questAo da validade dos próprios métodos. Só em ocasiões muito raras acon-
tece ficarmos em posição de ter uma perspectiva que nos permita compree9>

'l'<tpper,1972,p.198.
'Sonneville-Borde•, 1975-o,p.35.
'l'<tpper,1972,p.30.
'Bi..ck,iJ1Popper,l959,p.82.
CAPÍTULO TV
O DESAFIO DO MOUSTCERENSE

Por ve:ies, os políticos e os homens de negócios rotulam pejorativamente


de •Neandertal• os seus rivais. Para muitas pessoas, este nor,ie assoeia-se à
im•m de um indivíduo entroncado, peludo, de testa inclinada, fi sionomia
p sseira, usando um a pele à vol ta da cintura. Esta criatura é geralmente
representada à entrada de uma gruta, fitando inexpressivamente um mun-
dodesconcertante, rodeada pelo lixo das suas r efeições car nívoras. A imagem
pública do Neandertal é a.de um animal rude, estUpido, sem cultura, motiva-
do pelas necessidades mais básicas da vida: comida, sexo e co nforto material.
Em contraste com esta imagem, os manuais de arqueologia dão ao Nea nder-
tal um papel inovador na história humana. É frequ enteme nte sublinhado o
factodequeéonossoprimeiro a ntepassadoa utiliza rpigm entos',aenterrar
08 mortos2 , e, ta lvez;, a praticar um ritual centrado nos ursos das cavernas"'-
Na época em que a te ndência era ver o passado como uma saga, a saga da saí-
da do homem do re ino dos animais e da sua entrada no domín io do humano,
oe Neandertais eram tidos como as criaturas que evidenciavam os primeiros
vislumbres do nosso interesse mode rno pela estética (a rtes e religião), com-
portamentos muitodistantesdas preocu pações básicas dominantes, caracte-
risticas dos nossos antepassados animalescos. Na bibliografia recente, espe-
cialmente na que é produiida pelos nossos colegas virados para a biologia, os
Neandertais são considerados como uma variante racial do homem moderno.
Não é invulgar que se parta do principio de que seriam semelhantes a nós em
termos comportamentais, dado supor-se que as origens de comportamentos
tão tipicamente humanos como, por exemplo, a linguagem, remonta rão a
épocas anteriores à do seu aparecimento. Nest.o perspectiva, as especulações
relacionadas com a nossa história evolutiva concentram-se geralmente nas
eras que precederam o Paleolítico Médio dos Nea ndertais.
Em bora seja verdade que tem havido pontos de vista diferentes no queres·
peita à questão do comportamento dos Neandertais (uma questão do tipo

'0. ltidkto.deutiliu.rlode pigmentoAdooonatiu,11do. pel• rnwcn•• de fngmento.\.ra·


balh..U..oudeogHtad<Mideocreve..,,...lhoedemanga~.EmhoraodeogHteoejalnterpret.a·
:.c:;:'i!::'!~:~r=~';:,.";';:~~~~~::~~=~· nio íor•m a~hojeenoont.ra·
'S. Blnl0rd(l968), e Ham>ld(l980), reoumlnm • pl'l:Wa ,..lacionad• oom • pr4Uc. doee-
~rn.ment.od<ML mono. no pcr!odo mo:a9tl~"'""·
1
Panumadi.:uHlocrft.icadocult.odou...,,ducavernaopelohomc m do Ncandertal,ver
Blnl'ord,1981--a, e Kurt.en,1976.
•Como era?~~. não f?i , no ~ntanto, esta diversidade de opiniões que estimulo0. ~ iam trabalhando para descobrir as distribuições das várias classes de

::1~sJ~:::de~~;[~b~i~~~~~~~~::r:~:t:~:~q~~!~~~:!:~~;!~
a ~ nt.rovérs~a e ~ mvestigaçllo a que m ~ vou referi r neste capítulo. O rne 11
ObJecttvo é d1s~utJr o problema do Moustie rense (a designação a rqueológict,
d~da ao .períod? associado ao homem d.e Neandert.al, de há cerca de cento,
;~~e cm~o mil anos até há cerca de tnnta mil anos), ~m problema que sur. :;!~h=:~~~~~sree~!~ªP;~~~;~~!::v~~:~i:;!~~~~!7r~~:irof:::U~:
C.J. '[11omsen, na ~i.namarca, que o ti po_de m~té~ia-p~ima utilizada no fabri-
~e~~;;,'1J:a~~~~~::~~:~~~~~~~~dosd~~~l~o~~~f~ ;:~~;~ ~n~r~:r~
'IT•ta
-..ecl aroque,noint:en?rdei:imamesrnacate~riad e m até_na-pnma,afo r~a
ou nll.o em. aca.mpamentos-base e praticar ou não a. partilha da. comida, est. cios ute nsílios era s1gmficativa, tanto no sentido cronológico como no sentido
vam rela.ciona.das com o conteúdo dasjazidas a.rqueológicas em questll.oe COJll Po!P'áfico. Os bifaces pareciam ocorrer apenas em certos tipos de depósitos
o problema de saber se ele devia ou não ser integra.lmente interpretado como palógicos e em associação com certos tipos de fauna. Por outro lado, peças
resul1:&ndo do comp?rtam~nto dos primeiros hominídeos. Ultrapassada esq retocadas, comoasd.escobe~s e_m So~utré, na França, ocorriam em contextos
barreua., pouco mais ha vm de relevanU!, em termos metodológicos, nessaa (aunísticos egeológicosmu1tod1vers1ficados.
questões. O desafio enfrentado no campo do estudo do homem primitivo e111
muito simplesmenU! o de saber como podemos conhecer o passado. O debate
que se centrou no homem de Neanderta\ tinha. ra.ízes hist..óricas d iíerentet,
d~do que teve origem na i nv~stigaçll.o a rqueológica per u. Por outro lado, a
dtScussAo baseava-se em unidades dife rentes. No caso do homem primiti vo_
o e i~o da questA_o residia na interpretação das associações registadas entre 11
mu1tascategonasde coisas presentes em sítios individuais. Nocasodo Mou.
tie rense, porém, o que estava em causa era o significado da va.riabilidade
observada no interior de urna mesma classe de objectos representada noe
dive rsos sítios. Além disso, trata-se também de uma questAo que surgiu ert
resultado do reconhe_cimento, no caso do_ Paleolítico Médio, da existê ncia de
padrões cada vez mais complexos nas unidades taxonómicas formais usad11
pelos arqueólogos.

O período das .. relíquias e monu me ntos ..

Desde os primórdios da arqueologia que duas questões básicas se tArt


mantido fundamentais:

1) Como descrevemos, em termos formais, a variabilidade observada


nosrestosdopa.ssado;
2) Como se distribui, cronológica egeografica.rnente, essa variabili-
dade.

Nos primeiros tempos da a rqueologia recolheram-se muitos objectos, rnu l\g .33. -&oor.'1,...çdo. propoola~loge11eral l'itt-Riw..._ dculi~licudc dcxnooluime11ta
o contexto dos achados nll.o e ra documentado de forma adequada. Os a rqueó- ftKJ/uli<lcu q"" o porfirde um ,;mp1.. pou kvovom oU lip<H de uU11fillOf lll<>i~ oonipluo.: uma
Wldo <lo pouodooarockrülko ®Meu/o xa e inú:ios<lo llkulo xir:. (&produzi® ooni outori;to.
loços conseguiam classificar e reconhecer semelhanças e diferenças e nl.rl f}lloG ponirdcMyre._1900.p1,11t)
ObJectos e estruturas, isto é, organizaç6es de matéria claramente atribuíveis
à mão do homem. Estas coisas e ram conhecidas como • re líquias e monume•
tosa: um biface, urna lança de bronze, Stonehenge, o espectacula r sepulcro de
corredor de Newgrange, na Irlanda, e por af fora. A medida que os arqueó~ 'Klindl.-.11>n..,n,l975.
Os atributos que pareciam exibir variabilidade cronológica e ou geo
fo ram isolados como indicado res de épocas e de áreas. O modelo para este
de · ·
paleontologia, em que se tinha demonst
característicos das diferentes eras e pe a. igada
crençadequenosdadosarqueológicosexistiaumaordem natu ra l, que
estudo taxonómico competia revela r, estava igualmente a ideia de que
aado do homem se caracterUava pelo progresso. É nos t rabalhos do ge0
Pitt--Rivers, um dos pais da arqueologia, pelo menos nos países de lfngu ·
glesa, que esta noção de progresso encontra, porventura, a sua eitpressão 1
clara:

A tareía que temos diante de nós é a de seguir L.J a sucessão


ideias através da qual a mente do homem se tem desenvolvido, do ·
pies para o compleito e do homogéneo para o heterogéneo; elaborar
soa passoL .J a lei da contiguidade, pela qual a mente passou de si
pies L..J estados de consciência para a associação de ideias, e Pôr
adianteatéchegarageneralizaçõesmaisvastas5•

Inicialmente, a sequência de desenvolvimento do homem em direcç1o1


civilização e ra, para a maio ria dos arqueólogos, uma sequência lógica, Pft.
gressiva, evolutiva, do simples para o complexo. Era uma encenação de "11111
sucessão lógica, em que cada saber determinado condicionava o que se 1111
seguia. O que o general Pitt--Rivers fez fo i compendiar esta abordagem•. Na
figura 33, por exemplo, podemos ve r como a partir de um simples pau sem m..
dificações se teriam originado uma série de~filoS» industriais. A progres11t
que vai desemboca r no escudo australiano é inicialmente condicionada Pll'
um determinado conjunto de condições; mas, sob a acção de um outro conjun-
to de condiç6es iniciais, uma segunda sequência leva-nos ao maçodeguell"I,
e por aí fora. Vista desta forma, a Humanidade era concebida como ava nçu.
do através de uma série de estádios interdependentes de progresso. Como•
pensava que a sequência dependia de uma ordem seriada, a Humanidadl
deveria ter progredido, toda ela, através da mesma série de estádios. A varia-
bilidade no mundo moderno era vista como representando vários graus de
paragem do desenvolvimento, de tal modo que povos contemporãneos tinha11
estabilizado em estádios já ultrapassados por outros povos em épocas mui&e
anteriores. Esta visão da evolução cultural justificava a prática de recorrer à
descriçõescontemporAneas das sociedades primitivas actuais para darco l"Pf
As reconstituições da pré-:1istória. Os aborígenes da Austrália, por exemplo,
eram frequentemente usados como modelo para a recriação do modo de vidl
do Neandei-tal. A citação que se segue foi extraída de um ma ravilhoso livri-
nho, escrito na perspectiva clássica da evolução cultural baseada na aceita-

'M}'re$,1906,p.29.
'Ibid.,p.3. 'QuennclleQuenncll,1 922,pp.102-105
'Weinet,1980.
' 0.bom,1927,p.73.
Magdalanense

Solutre nse

Aurignacen se

Moustillrense

Acheulense

Chellense

Pré-Chellen se

Modelo • tvoluclorilsta •
Modelo dos filos paralelos

co_nd~ções ~turais e as pressões ambientais, a proporção de intelectim punham em causa a visão do passado do homem como uma histó_ria de pro-
=~~~~ta:d;:~~';!·:eoxb~~!~~ ~: :~~:~ c~~:e~f~~~ ~:~~~h~d~d~
cnat1vosvanaem função do número total de indivfduos. Assim,é~ 1
vel _que nos ~vos paleolft~cos, que não eram muito numerosos, o ...
recimento de ~ntelectos cnativosse tenha dado a intervalos de mui* ... mudanÇa progressiva. Em 1893, Otis Mason, num discurs~ em que se
gerações. Por isso, mesmo que as populações fossem inteligentes e util- dirigia aos fundadores da arqueologia am.ericana, afirmou o seguinte: •[para
zassem como deve ser os conhecimentos previamente adquiridoa, 1 aarqueologia l a linha de investigação mais frutu_osa é a da procura ~a or~gem
progresso não podia deixar de ser lento 1 ~. cluideias que fizeram época, de modo a conseguu compreender a h1st6na da
tm.liu.ção• 11• Meio século mais tarde, N. C. Nelson apresentava uma co~­
Este ponto de vista é ~artilhado por Grahame Clark que, em 1979, escn- preensão da arqueologia e uma definição dos seus objectivos que eram basi-
ve,u ~ue •[... ]o cu"oda Hi stória tem sido mais influenciado pelo pensamenlil camente idênticas: •f. .. ) o dever da nossa ciência é o de demonstrar o tempo
original de homens notáveis do que pelas heresias populares.•n eo luga r de origem de todas as principais invenções, e seguir a pista da sua
Fosse qual fosse a teoria. preferida para explica.roa parecimento das coiut. difusãoportodoomundo.•"
poucos eram os que nos primeiros tempos da arqueologia pré-histórim

"' Bor001, 1969,pp.2--3. "Maoon,1883,p.~03.


"Clark, 1979,p.17. ~Nellon ,1938,p. 148.
JU.rOP1
"º:
havia diversas posições teóricas sobre o problema da utimu1açilo do
para uns, esse papel caberia às •raças puras-, para outros, aos
~que se caracterizavam por aquilo que hoje designarlamos como •o vigor
~ bJbrido•.
Também eiUstiam opiniões diferentes acerca do espírito inventi-
do homem. Alguns especialistas pensavam que o homem era extrema-
:.n;c:~:~~d~:~~~e :e~:ªJ!º~;d:;~s;n~~;:·ae~~~:%:~~~~~~~:::
::~~~:s~uree~~~J;~~;=~~s~v~~~~~d~~!~:::~~r:~~diC::~~
: .niças puras como mediadoras do progresso cultural viam o homem como
::::;:~~:d~~=~:~~:~~~~~:i~~:r:fJ:?::~~li~~b!~:i~~~~.~:1~~:.
yiaOl 0 homem como relativamente criativo, e e~can;ivam_ a cultura com? ea-
&aJldo aujeita ~ mudanças~u.sadas tanto a part1.rdomtenor~moa_pa"'!r d_e
ideias difundidas do extenor. Pensavam, por isso, que sena muito d11'íc1l
O período dos "artefactos e conjuntos•" ..,u.ir a pista das culturas em direcção ao passado através de linhas puras.
Estas discussões, combinadas com o aparecimento de várias escolas de
interpretação histó rica, tiveram pouca influência no estudo do Paleolítico,
porque este parecia evidenciar um progresso feito de estádios de desenvolvi-
. .nto cultural sucessivos. Por outras palavras, os dados empíricos pareciam
condi&e r com as antigas ideias evolucionistas: para os estudiosos do Paleolf·
tieo, os argumentos contra o evolucionismo pareciam irrelevantes. Tudo isto
mudou no inicio dos anos 30, quando o Abade Breuil"começou a defender que
a vutidão dos tempos paleolíticos tinha sido caracterizada pelo desenvolvi-
mento de fil os (ou, em termos mais modernos, grandes tradições culturais)
paralelos, contemporâneos. A posição que se segue, expressa por Dorothy
Garrod em 1938, ilustra bem o impacte que tiveram os pontos de vista de
Br.uil:
No antigo sistema, as culturas do Paleolítico apareciam como uma
sucessãodirect.a, com divisões horizontais bem definidas, tal como num
corte geológico em diagrama. Para os pioneiros da pré-história, estas
culturas desenvolviam-se logicamente a partir umas das outras, segun-
do um movimento vertical bem ordenado, presumindo-se que repre-
sentavam estádios universais da história do progresso humano. Hoje
em dia, está a acontecer à pré-história o mesmo que a tantas das com-
ponent.es do universo ordenado do século xix. Novos conhecimentos fize-
ram virar o caleidoscópio, e as peças ainda continuam a cair diante dos
nossos olhos espantados. Um novo padrão começa, no entanto, a emer-
gir nas suas linhas gerais. Na Idade da Pedra Antiga, podem distinguir-
~e três elementos culturais de importância primordial, que se mani-
íeatam nas indUst.rias ditas de bifaces, de lascas, ede lâminas. As duas
primeiras desenvolvem-se lado a lado, pelo menos até onde nos é pos-
sível segui-las, e com~amos a apercebermo-nos de que as origens da
terceira poderão ter de ser procuradas em épocas muito mais recuadas

,.Porexemplo,Brcuil,J931,1932--o,1932-b.
fll.USCA OOPASSllDO

diteet.o•l, foi popular nos anos 30 e 40 e era ainda muito discutida nos anos

5(1"Êrn 1936, D. Peyrony aplicou este raciocínio dos filos paralelos ao Paleo-
b1.il:O Superior. Argumentava que o que, no esquema de Mortillet, tinha aU!
entJo sido designado po r A_urignacense, co~espondi~ antes a d_uas tradições
culturais diferentes, o Aurignacense propnamente dito e o Pengorden ~. O
,eu pon to de vista teve uma aceitação gene ralizada e conti nua a constituir a
tiase de boa parte dadassificaçAo dos artefactos do Paleolítico Superior fran-
<ff"·

A árvore d a vida

Quando uma ciência sofre uma reo ri entação no modo como encara o seu
objecto, costuma segui r-se uma mudança nos métodos utilizados para a clas-
sificação e a ordenação das observações. No caso do estudo do Paleolítico, o tra-
balho de François Bordes foi, a este respeito, fundamentaP&. Bordes desenvol-
veu não apenas o sistema de dassificaç!lo de utensílios lfticos utilizado de
form a mais generalizada, mas também as U!cnicas usadas na descrição quan-
tificada dos conjuntos. As suas sín teses quantitativas das formas dos utensí-
lios líticos encontrados em conjunto nos nfveis escavados tornaram-5e as uni-
dad es básicas de compar ação, e do seu t rabalho result.ou uma sistemática do
registo arqueológico baseada em conjunt.os. Bordes defendia que as •técnicas•
utiliuidas na produção dos utens11ios líticos deviam se r tratadas independen-
temente do estudo das •formas• reais do seu desenho. Este último atributo
manifestava-se através de traços, tais como a relação entre, por um lado, a
orientação das lascas originais, as formas dos bordos activos ou a sua orien-
tação e, por outro, a fo rm a da lasca que tinha servido de suporte aos u tensí-
lios. Ao contrário das características relacionadas com o desenho, as técnicas
usadas na produção de lascas eram, segu ndo Bordes, condicionadas pelas
características da matéria-prima e;11istente nos diversos locais, e, po r isso, de
pouca utili dade para a reconstrução da história das cultur as, para a detecção
do aparecimento de povos dist in tos, ou para o estudo da interseção social
entre grupos culturais diferentes (concebidos como coTTespondentes a povos
distintosl3'.
Foi sob a inspiração destes pontos de vista que Bordes se lançou com gran·
de energia no estudo dos materiais provenientes de escavações antigas, bem

• Emhon. h.oJ• , evldentemcnt.e, m•i• "11emploo, oo ... guinl.el ..,p...,..,nt.&m tn.t.&menl.OI


mo.i• recenlel d~• pc>nl<lll de vi•t.a: Hoebel,
l!M9; Moviu1, 1956; Herskov\1.1, 1955.
"Pnymny,1930,193.'l,1936.
~ ~:..:°!"~ ~a:u:~. i96S. p. 115.
"Burkilt.1963,pp.129-130.
"' Movius, 1953. Um• di..::usdo maio n:icen1.n em Lavillc,d oJ., 1980.
• Vej•-- Bordel, 1950, 1953--b, 1961-a, e compar&-M! t.&m~m com Sonneville-Bord(ll,,
1'75-11.
• Bordet.,1953-a.
Tipos de conjuntos
do Moustierense

Fig. 36. -FronçoiJI BorduduronUumo vi .....em 4Auslrólia, tm 1974.


p:.,;.·,· ·ff.- • ~·- ,. !..~~-p-~"G:'sfi·..: ---·~ .. -.. ---·-··-""-H-•U•UU
llot• - tlpod e Botd eaO..-..

como na realização de uma série <!.e projectos de escavação de longo prazo",


que viriam a modificar de fonnaconsiderável a nossa visão do passado. USaA-
do a sua lista-tipo padronizada, classificava todos os utensílios recolhidos e11
cada nível arqueológico diferenciado, sintetizando as frequências dos váriot Fi.g. 37. - Dtfiniçãosrófiooda&liprutkconjun/Mrtconh«idosporBorrh•noMOW!liertn-
•· O. tipos ,U uú ..,.tli.os t•lão rtprtBM!aàoB no t im horizonlal. Em prol, poro um dtúnnino-
tipos de utensílios através de gráficos acumulativos211 • Comparando a forma doomjwtll>, o srófioo dos pu~"."'fl.'"" ocumulod"8 doa <il{•rtnús ti.p<»tkuúnsllioaoju•lo-M
dos gráficos relativos a estações do período Moustierense do Paleolíücit e11Mado.squotro{t)T77UJ.l pnne>pm1. A con1,..,,,;tr11ia orisin<Uiaportslt8dad"6 rtlocionooo-M
Médio, Bordes reconheceu o que parecia ser um padrão repetitivo: apa rente- -o~ni(/.CtUkJ •ootribuirotsl.osquolrocuroosb<!mdif•rtncúutos.

mente, havia apenas quatro formas básicas de gráfico, cada uma delas reprt-
sentada por vários exemplos, havendo poucos casos ambíguos ou intennédiot.
Os quatro tipos de Moustierense reconhecidos por Bordes eram os seguint.K
1 .Moustierensede tradiçãoAcheulem1e
De um modo geral, este conjunto reconhece-se pela presença de bifaces, de
quantidad es moderadas de raspadores e de muitos denticulados e entalhes,
lpresentando ainda uma frequência e levada de facas de dorso. A forma carac-
1.elútica do gráfico é uma curva baixa.
"Bordcs,1972.
•v~rSonncville-Bordcs, 1975-b,paradcscriçio
,.,.. .._.,.,_.
UWIS R. BINFO

2. Moud ierel1$e tlpico

Este tipo dá geralmente origem a um gráfico em diagonal, em virtude dt


a maioria das peças estar r epresentada em percentagens aproximadamellft
iguais. Distingue-se do Moustierense de tradição Acheulense sobretudo i>elt
r aridade dos bifaces e pelas frequências mais baixas de facas de dorso e de o..,
tras peças análogas a tipos de ute ns11 ios mais comuns no Paleolítico Superior,

3. Moustierel1$e d e denticuladOll
A distribuição deste tipo corresponde, nonnalmente, a um gráfico bai 101
côncavo, dada a raridade dos raspadores e a abundância dos entalhes e de..,
ticulados. Os bifaces e as facas de dorso são raros ou ine1istentes, e os ra s~
doresfrustes.

4. Grupo c h arentenu

Este Ultimo grupo reconhece-se bem atr avés do gráfico alto e convev,
dominado pelos raspado res, que o caracteriza. São poucos os denticulada. 1
entalhes, raros os bifaces e as facas de dorso. Bor des reconhece aqu i dois s~
tipos: co...... a. ...............
C0<te oo Jonioda linha dOJ !4 m

a)•Quina•, onde os raspadores silo de fo nna transversal e a técnica


/eoolloiséraraouinexistcnte; ~.
b)•Ferrassie•,caracterizadopor raspado reslateraissobrelasca eem
queéfrequenteap resençadatécnica/eoollois.

Usando a tenninologia do presente, da ria o nomede•trabalhode reco ni.


cimento de padrões• aos estudos iniciais de Bordes, uma vez que ele definil
f'!a".~. -Corüo..vu«Ndfko do 1Uio ....,...~n11• dtComllc Gre11"1. ~m Ft"Ollço. potklldo
e redefin iu, de uma fonna ordenada, as propriedades dos obje<:tos que p6dl
obt.....,......,oa.lk"'411cio <lo. 00f1.iun l<».
observar de forma sistemática. Seguidamente, Bordes re·1lii:ou uma sériedl
observaçôessobreo registoarqueológicoeverificouqueosdadosapr esent.
vam uma determinada estrutu ra.
::i!d~~:~~~~~l!tc:~~C~~:G:~~~~~s~~d:!:~~~:~:i~~~~B~~d~~d:
O que na época chocou alguns arqueólogos foi a naturei:a dos padrõesqoe
começaram a apare<:er com a aplicaçll.o de •La Méthode Bordes-ª. Já anteriof.
mente se havia observado (e aaplicaçll.odos métodos de Bordes veioconfirms monstrouaexistênciadetr êscaracterísticas dos dados:
e clarificar essa s observações) que a sequência estratigráfica das mu dal"IÇll
•1erificadas nas formas das utensilagens líticas não era necessa riamente di- 1)/ndilstriasem altern{lncia. -Ao longo de uma potente sec:µência es-
r eccional, e que tão-pouco parecia representa r um padrão de transformaç:lt tratigráfica com muitos níveis sucessivos, a um tip_ode Mou.stieren-
gr_adual ou evolutivo. No que respeita ao Moustierense, esta observação&i se (o típico, por exemplo), podia suceder o de dent1culados, embora
feita em primeiro lugar por Peyrony3", mas foi Bordes quem estabeleceu a 11111 um nível mais tardio pudesse volta r a conter um conjunto do Mous-
t ierense lípico. Este padr ão consistia, portanto, no facto de os dive r-

• VcrSonnovl\1&-Bonlcs,1975-b,i-;>radcscriçio.
•Peyrony.1930. " Bordeo,1972.
fllllJsClt OO PWllDO

detenni nada u nidade de espaço-te!"po, a cada tradi~ão ~spe~ífica deve


corresponde r, no registo arq ueológico, urna e um a só md ustna caracte-
rística34.
,\pesar do grande melhoramento metodológico que ~onstituiu.a ~e~ons·
::J:sc~1: r~~s':!v:~::e~Í:~~~a~~~~!:ç~~s cÍ;~~r~:~~r~~~x~~~~~~~~~
5

in~t::i :i:~~:o'1:1~b~o~~~~~~:ªá~o~;1; :id:':~~~:lt ::~~


~uadamente a definiu.

O p resen te: um confli to de pontos de vista

Foram os padrões nítidos produzidos pelo uso das t.éç nicas melhoradas de
obfervação e descrição de Bordes que nos forçaram, a mim e a muitos ~utros,
A perspectiva geral do passado que resultava da utilização dos métodos dt
Bordes vinh~ em apoio do panorama proposto por Peyrony e deíendido pelt =~:~d~ ~ur~~;~ã:r~::~;~~ ~.~;:iev:s;~s::~~~~~r:~~~~s;~~a~
~bade Breu1l •. nor.neadamente no que respeitava à contemporaneidade dt cultura desenvolvida pelos espec1ahstas que se ded icava.m a~ estudo da.s
hnhas cultura is diferentes cuja diferenciação remontava a um passado Joo- populações indí{:'enas mode rnas do Novo Mundo. Esta çonfli tual 1 ~ade l.em s~­
gin~uo:ss. Estas linhas_ ou.mos eram concebidas à semelhança. das espéeies bio. dodescrita pelos americanos como o contrasl.e entre •O ponl.o de VlSla orgãn1-
lógi~as, don~e a tendencia para a ma~u~ençllo da sua integridade formal 11 co-, ilustrado pela árvore da vida, e •O ponto de vis~ cultural•, rep re~ntad.o
su.n 1~capac1dade par~ uma pronta h1bndação com outras •espécies•. A dia- pela árvore da cultura. O ponto de vista çultural tinha resul.tado da mvest1-
t n buiçllo destas espécies culturais no espaço geográfico caracte rizava-se por pção, envolvendo vastasáreasda Amériça do Norte, da distri buição espacial
um ílwco e refluxo constante, dai resultando depósitos arqueológicos que lt de traços e de complexos entre grupos étnicos e sociais previamente conheci-
apre~ n tavam sob a fo rma de conjun~s em alternância. A forma de concet.. dos. Um dos resultados desse t rabalho foi, por exemplo, o estabelecimento de
os conJuntos como se fossem espécies culturais foi recentemente caracteriza. uma forl.e correlação entre a distribuição de formas distintas de cultura e o
dacomoavisão•orgllnica•dopassado: tipo de ambiente:Xt, mas os arqueólogos que utilizavam os métodos de Bord.es
no estudo dos materiais tend iam a ne{:'a r que os seus dados revelassem qums-
A história das cultu ras pode ser encarada e uplicada de form a et- quer correlações desse tipo•. Além disso, o~ antrop.ólo~s americanos tin~a1,11
sencial mente •orgânica•, ponto de vista que implica a aceitação de doil verificado que era diflcil estabelecer fronte iras regionais entre grupos soc1a1s
pressupostos não explicitados. O primeiro é o de que existe uma rela- ou étnicos". A com paração entre essas unidades socialmente defi nidas mos-
ção biunivoca entre a estratigrafia a rqueológica e a natura 1. O segundo trava que a va riação tendia a dar-se de fo rma gradual, fazendo que a dife ren-
é O de que qualqu~r complexo cultural (como, de resto, qualque r eom- ciação dos grupos étnicos se to rnasse uma tarefa quase impossível. O ponto
P.lex? paleontológico). se expressa de forma muito pouco variável, oqut de vista orgânico, em cont rapar tida, considerava que as populações do passa-
stgmfiea que as entidades cu1turais reconhecidas pela sistemática do se caracterizavam Por uma da ra diferenciação étnica. Em resumo, os pon-
arque.ológicadeve1,11 sercon~ideradasco m ocat.egoriasnaturais que,.t tos de vista sobre a cultura subjacentes às técnicas de análise arqueológica de
maneua das espécies orgânicas, silo descontínuas e não sofrem altera· Bordes ençontrava m--se em oposição directa com os que se baseavam nas ob-
çõesdeforrna na passagem de um contexto para outro. Portanto, nu1111 11ervações sobre a distribuição de objectos produzidos por grupos ét nicos no
mundo moderno.

: ~i~Í:::: ~:~!: f9:i; Klimek, 1955; Kroeber, 1939; Milke, 1949; Hoddor, 1977.
• Bonle.,t972,pp.148-149.
"'Wiuler,1914,pp.'468--469.
lo método de datação pelo radiocarbono não foi, porém, o linico factor envol-
:.0 neste processo: outros métodos de d~tação (tais com~ a dendn;icronolo•
pJ. um interesse ren.ovado pela geologia, e.º ~conhecimento,
ain?a que
!:!~g:aa~~ ~:rZ:~;:1:e~~~~~~:tees~~t~~:s·;~;s~i!:·::oª;~::~C:::
::::ç;:s~~:o ~eu~ ~Ae;!~ ~~=!!:~:~ªa~: ~~~bÍ~~~~~:oç::i:;~~~~al
CAPÍTULO V 0

UMAODISSEIAARQUEOLÓGICA Em retrospectiva, penso que a maior parte do trabalho feito nessa fase ini-
cial seguiu uma estratégia fortemente indutiva. O nosso raciocínio era o de
qUt a obtenção de um novo conhecimento do passado exigia a introdução de
==~~i~nz~:~~:J~~~n:~;:Jo~º;;:::~::a f~~~~ ~ o~~;rºp:dii:v:~r~~~~
1
A descoberta do passado
contigo a descoberta de novos factos, cuja explicação devia, em princípio, resi-
dir em fen ómenos também eles de novo tipo. Pelo menos era assim que pen-
d vamos ao princípio. Foi neste contexto, por exemplo, que eu comecei as mi-
nhas investigações sobre as práticas mortuárias•. Do mesmo modo, e por
muito estranho que isso possa parecer hoje em dia, havia na investigação
1111ericana da época muito pouco trabalho experimental relacionado com os
utensílios de pedra lascada. John Witthoft era, de facto, o Unico arqueólogo
americano da geração anterior à minha que havia feito experiências de fabri-
co de utensílios de pedra 5• Foi também nessa altura que comecei a tentar con-
ceber os conjuntos líticos como o produto final de cadeias operatórias, es-
tudando-os de um extremo ao outro da sequência, desde a matéria-prima até
.outensfüo acabado". E, estimulado pelo trabalho de Witthoft, comecei tam-
bém a experimentar técnicas de análise de restos de talhe'. Porém, todas es-
ta•abordagens não eram senão formas de buscar esses novos modos de olhar,
dt isolar novos tipos de factos a partir dos materiais arqueológicos já conhe-
cidos. Nessa altura, nunca nos passou pela cabeça perguntar •como atribuí-
mos significado ao que vemos?» Olhávamos apenas com o objectivo de ver
coisas novas. Éramos optimistas, e acreditávamos que de uma forma ou de
outra acabaríamos por •saber» qual o seu significado.
Foinestecontextoquecomeceiaescreversobreoproblemadaamostragem
marqueo\ogiaª, e sobre aplicações possíveis daestatfstica e da teoria das pro-
babilidades à escavaçãoeanálisedosmateriaisarqueológicos.Mnsoqueaca-
be.ria por se tornar mais importante foi o facto de me ter envolvido em dois
outros tipos de problemas. Em primeiro lugar, a questão das origens da agri·
c:ultura9 , um problema antigo que os arqueólogos já vinham discutindo há
anos. Neste caso, tratava-se essencialmente de uma questão explicativa:

'VcrBrown (org.),1971.
' N•altura em que mmecei •minha po::squiu bibliogTáfica, ""duas m&io importante• pu·
Wlcaç6et10bre 11.m11.nufüctu:r11.dcutcnsíli°"dcpedradequetinhaconhecimenl0eramHde
Po.ICl.{1930) e Witlhoft.(1957). Wiu.hot\., 1952, era também um Htudo muito intereuante.

; *:;::;;:~%~importante n• bu-"'• de 1iti"" eotratificad"" foi 0 r<>allzado por Coe (196'1~ ~~.re;:B;~!;,i~~.P~~;;,::ip;;:~~. ~n~;i~fu:J:~~~~~~~~ue•Uopu·
'B~nfürd e Pa pworth, 1963.
'Ver empart.kularWilley,1953. 'B1nford,l~.
'VerBUlford,1968--a.
eomo é que as coisas aconteeeram, e porquê. Este problema será abordado ne
capítulo vtn e nessa altura referirei também as minhas ideias aetuais sob,.
a forma como esta questão poderia ser resolvida.
O outro problema era algti de bastante dife rente: dizia respeito ao signi1',
cada que se devia atribuir à variabilidade no registo arqueológico, nomeadr,.
mente à que Fra nçois Bordes verificou existir nas indústrias do Moustieren.
se europeu (capítulo 1v). Este foi um problema com qu 3 me familia rizei 10et
noinfciodosanos60,eemrelaçãocomoqualmuitodi5(.Utieargumentei,m~
mo antes da publicação dos debates, porque me parec!a constituir um tipo dt
problema completamente novo. O que estava em causa •não• era a natureq
do registo arqueológico. A maio r parte dos investigadores envolvidos
debates conheda os factos arqueológicos, conhecia as jazidas e o que lá tinhri
º°'
sido encontrado; Unhamos confiança em Bordes e não púnhamos em causa a
sua tipologia. O que discutfamos era algo de muito diferente- o •Significa.
da» dos padrões cuja existência no registo arqueológico vinha sendo demo,._
trada. Antes de se ter levantado a questão moustierense, este tipo de dilicuJ,
dade não havia sido frontalmente encarado (pelo menos, eu não o tinha feita
em nenhum dos meus estudos, nem mesmo nos que se haviam debruçadt
sobre os enter ramentos ou sobre o talhe da pedra). Vejo agora que muitas dai
polémicas que estudei quando era alu no estavam relacionadas com a inter.
pretação convencional dos achados arqueológicos. Alguém podia, por exe:..,
plo, dizer algti como o seguinte: •encontrei um sítio no local 'X' e outro no local
'Y', ambos da mesma época, portanto penso que deve existir, em posição ia.
termédia, um outro local "C de cronologia semelhante.• Ao que algum outn
replicaria: •Não, penso que no local 'Z' n!lo haverá nada.• Quase todasas coa-
versas e discussões em qué eu tinha participado eram deste género e dizi..
respeito ao •carácter- do registo arqueológico. A discussão sobre o Mo ustit-
rense, pelo menos tal como eu a concebia, era algti de muito diferente.
Apesar de ter consciência da existência desta diferença, a verdade é Qllt
continuei a tentar encontrar uma solução para o problema mediante o recv-
soa técnicas de descoberta. Como sabia que a solução não residia na realia
ção de mais escavaç6es, pensei que talvez pudesse encontrá-la atravét dt
uma a nálise em moldes diferentes do mate rial já conhecido. Comecei, poia, 1
explorar o domínio do que hoje designo como •técnicas de reconhecime nt.odt
padrões•, usando técnicas de análise multivariada que permitem isolar 1
reconhecer padrões que de uma forma ou de outra são inerentes à mat.érildt
facto que constitui o registo arqueológico". As estratégias de reconheci me.
to de padr6es que começámos a usar no início dos anos 60, não só no que r-.
peita ao Moustierense mas também em muitas outras áreas, agradavam......
muito: tal como eu, também Bob Wha\lon, Henry Wright e vários outros in-
vestigadores tinham começado a explorar aplicações potenciais destas abaf.
dagens a uma vasta gama de materiais arqueológicos 11 • Mas a discussão•
base, como é evidente, não desapareceu; pelo contrário, intensificou-se.

fie. 40. -A l"fllJ>')aÜl inkiol rh IJonú• oo ,.,,,,UU, •fu/ldoloal.como u:pllooç&>da ll<'rÍl:lbl·


"VerBinfordeBinford,1966. lldlrtt..., MOW"liel"fouo. Oproo1uouguid..poW.Bin{o.-d '/IÍmpUo:inll'odu.:t.,.....algwu 1....
" Para um pequeno hl1t.orial 00. primeiro. lT•balh<>11 oobre Wcnkue1t.at.fst.ku multi* " - "k..-1/licoa nooompuladortÚIJoutrolado.ai o•llamtm <hNtt.n<hrtol•. IDtHnho{tilopor
ri•daovcrBinínrd e Binford,1966,p.293,nnul. ~Lau ~nln11cop11<h um11 Hp11rolo<h umorliJlodtS-Onn<vi/k-Bordt.. 1966)
flllVSCA{)(Jl'AS5ADO

Os factos não talam por si Mas, tal como os antigos, estes factos novos tambén:i não fa\ava_m por si.

Em 1967 recebi um subsldio 11 parapassar um ano na Europa a trabalha, ~~;; C:~~::ni::•:ad~~~=:odd~cp~;l~~av::;:a~sc:~:::~tir~~l~:r~


~ hum a das correlações era suficientemente informativa para nos esclare-
1
com o casal Bordes, em Bordéus. O meu plano de trabalho era o seguinte:j(
que não podíamos estudar directamente a pedra lascada, podia mos, pelo m.. ~nsobre as razões por que eram e como_ eram: limi~vam-:ie a_co!1st!t.uir
nos, tentar estudar os restos fau nísticos e as distribuições horizontais da fa11- ~rões cada vei: mais complexos de asaoc1açõesestáticas, CUJa eustênc1a no
na e da pedra lascada nos solos deeapados 11. Talvez assim fosse possível rela. ~ato arqueológico nos limitávamos a poder constatar, mas &em as com-
cionar a variabilidade na indústria lítica com estas outras pro priedades dot
si tios a rqueológicos em causa, as quais não tinham até então sido obje<:to dt P't~~rtante assinalar que foi na ~ase desta •abundAncia•(e não •escas·
qualquer estudo sistemático. O meu raciocínio era o de que estes conjur..f.ot
arqueológicos deviam resultar da combinação de dife rentes tipos de activida,
des, e que devia, portanto, existi r algu ma fo rma de correlação entre, pelo m..
--~:~ ~~~o;~i:~~: ::rem7~ ~~i~==~~s~i~~~a~:~:~n~e ::;~~7:J:~e~~x~~i~
:vas. Não era provável que qualquer deles ~e viesse al.guma ve~ a permi-
nos, algumas dessas actividadese alguns dos restos de alimentosconsumitlc..
(por exemplo, ossos de animais). Do mesmo modo, devia também existira\gu.
ma relação entre estes vestígios e algu ns (se não mesmo a totalidade) cfot
~;:~l'::i~~:~~;~~~:~~:rc:~d~=~::::~l~~~:~;:;;:a~~~:;:aa~:
batcO e essa viagem de cinco dias entre o Havre e Nova Iorque proporc1onou-
utensílios relacionados com a procura, a preparação e o consumo dos ani mai&,
O ano que trabalhei em França foi assim passado a identificar utensílios dt -411e ; oportunidade de realii:ar algumas reílexões desconsoladns ~bre º.pro-
::·e~~ ~~d:;~q~~en~~~: ~~: de~e~:~srs~e~~~~~er~.q~~~ c~~~=c~:::n~
1
pedra e a fazer levantamentos da sua distribuição espacial e da dos ossos (nt
caso destes últimos, tendo também em conta as partes anatómicas a que per.
tenciam e o tipo de fracturas que apresentavam). todo passado era, muito simplesmente, algo a que os arqueólogos nunca pode-
Começou então a primeira de uma série de desilusões. Durante a escava- riam aceder? Onde estava a minha falha?
ção das jazidas, todos os utensílios de pedra foram localii:ados mediante Uq Ainda tenho em casa um pequeno bloco de apontamentos em que,. come-
sistemadecoo rdenadastridimensionais,demodoaquemaistardefossese111-
pre possível re<:onstituir em diagrama a sua distribuição horizontal e ve~ :::::a:!!:::o::i;~~~:~~ed:e~~;~!:;:;~i;ae~i~~~~:::i(~:~toC:.d~0s~
cal easuarelaçãocomassuperi"iciespassadas. Masosossostinha m sido ~ 1e1pensamentos foram inc?rporados n? capftulo.1). O pn~e1ro tópico d~i:1 a:
Ih idos ape nas com referência à camada de origem. A qualidade dos dados ert .Que 'é' 0 registo a rqueológico?• Por baixo escreVJ: «Ü registo arqueológico é
boa, mas não o suficiente para me permitir usar as mesmas unidades de al\6- atáticoa;e,em seguida, uma série de apontamentos relacionados com aques-
lise para ambos 01 grupos de dados. Se bem que fosse passivei procurar cor- tlo de, com exeepção das minhocas, não existir nada de dinAmico no registo
relações entre conjuntos faunístico s e conjuntos líticos na sua globalidade, o arqueológico propriamente dito. No entanto, o que nos i nteres~ d_o passado
mesmo já não acontecia com a procura de correlações na distribuição es pacial 4 precisa mente a dinâmica; que faziam as pessoas, como é que V1v1am, como
dos ossos e do material lítico recolhidos no interior de cada camada. Pude, •que competiam ou colaboravam entre si. Este era, portanto, o problema bá-
mesmo assim, realizar muitos estudos de correlação - tantos que quandt sico e fundamental, um problema endémico em arqueologia, que não era de
regressei aos Estados Unidos da América precisei de arranjar uma grandt forma alguma exclusivo do Mousteriense: de que modo podemos inferir odinâ-
mala de porão, de aço, para poder t ransportar toda a papelada. S6 para dar mico a partir do estático? Mais adiante, está escrito no meu esquema que «O
alguns exemplos, pude assim estabelecer correlações entre pares de tiposclli rqisto arqueológico é contemporâneo, existe ao meu lado, hoje, e qualquer
utens11ios mousterienses, entre utensílios e ossos, entre ossos e a posição da ob&ervaçll.o que faça sobre ele será uma observação contemporânea~. No en-
projecção no solo da pala dos abrigos situados à entrada das grutas, e muitu
outras. É claro que descobri muitos factos novos que nunca ninguém tinha vif. tlnto, como é evidente, o que interessa aos arqueólogos é o •passado-. Ao
reflectir sobre este problema, ocorreu-me que os arqueólogos devem M! r as
pe1soas mais optimistas do mundo. Se não soubermos quais são as ligações
necessárias e determinantes e ntre as causas dinâmicas e as consequências
u Amlnhaex-mulher,SallyB\n!Ord, eeu, ~nw.um• bo1" de inve.t.igaçlod.. •N# estáticas, como poderemos justificar inferências feitas de um do mínio para
outro? O aspecto dinâmico do passado há muito que desapareceu.
~~~h:!~~o~%~th')'~~~M~':tt~wic;~~R::i~i:i:~:t:n~eTo~i~rt'!;n'!;~~
m111tamW111contin,..menW 'l,jud..dote enconj•...,_porFw.nçolt Bordea,porJu nPhillippe ..
pud e por todo o peMO&I do labon.tório de Borde..
u N.,..aaltunoeu Htavaoonveocido,oomo • lib • mainri• doll lnVeAtlgado...,,., doque eotll
det•pa1ft!ntcorreApondi•m•-I01de Ao.blllll•comum•in1.egridadequuepefcitaedoalta,..
IOluç&o, proNupo•lt<ll que, hoje em dia, p•recem, por~m. mlllto \ngénUOI.
LEWfSR. IJINF. pllVSCAOOP!iSSltDO

Será que o mundo contemporâneo oferece uma solução?

quando chegámos.ª Nova Iorque, mesmo nas vésperas do Ano Novo de


t969 já tinha conseguido obter, pelo menos em pensamento, algumas das res-
poaUs a estes p,roblemas. Foi assim que preparei um projecto de investigação,
para ir para o Arctico, na Primavera de 1969, viver com um grupo de caçado-
rd esquimós. As minhas ~azões para o fazer não eram_ nessa altu:a muito
inmis específicas do que a simples constatação de que sena, com certeza, uma
bOf.experiência didáctica. Estava já convencido de que para Poder fazer infe-
rtncias correctas a partir dos factos arqueológicos tinha de conseguir com-
preender a dinAmica dos sistemas vivos e estudar as suas consequênciaa•
táticas.
A escolha dos esquimós deveu-11e, no entanto, a ratões de ordem divera
Por um lado, se bem que em Bordéus eu tivesse estudado ossos de re nas prto
venientes de estações moustierenses até ao ponto de pensar que não os qgto
ria voltar a ver à minha frente, era uma oportunidade de estudar um povoeo9o
temporAneoqueaindacaçavaosmesmosanimaisqueeuanalisaraemtel'IDll
arqueológicos. Por outro lado, esse era também um povo cuja alime ntacll
dependia ainda quase inteiramente dacaça,algoquejá não era muitofácildl
observar no resto do mundo moderno. Finalmente, o habitat desse povo . .
árclico e, por isso, não muito diferente do ambiente das jazidas francesas .-
eu tinha estudado, nas quais havia sido encontrado muito pouco pólen arW-
reo (o qual constitui o indicador paleo-eoológico de paisagens de bos~
Resumindo: acabei por chegar à conclusão inevitável de que não era posinrll
LEWIS R. BINFO!qj Jll BUSCllDOPllSSADO

dffenvol ver métodos de inferência arqueológica a não ser através do estudo


de povos contemporâneo~, da re~ lização de_ experiênci~s controladas e~ labo-
ratório, ou da arqueologia ~rati~ada em situações CUJa comp.onente dmãmi-
eaestivesse documentada h1ston_can:ient~. A •etno-~rqueologia~, ~ ·~rqueolo-
::.~~~;~~~~:~~·n~;;;;~1J=~l::;~~;~~~1::~~~e~~~~~~~:o~o~8J~tf~;e~~~~is~
relacionados com a ii:iterpreta_ção dos a_rtefactos humanos. Afinal de conta~,
a investigação em física expenmental tmha resultado na obtenção das técm-
casde datação pelo radiocarbono, as quais não são, em sentido estrito, técni-
casarqueológicas, embora sejam de grande utilidade para os arqueólogos. Do
mesmo modo, embora as três abordagens acima referidas também não
tenham sido desenvolvidas com a finalidade preconcebida de dar origem à
criação de quadros de inferência para a arqueologia, isso não significava que
nAo pudessem ser utilizadas com esse objectivo.
Entre 1969 e 1973 fiz várias campanhas de investigação etno-arqueológi-
Cll no Árctico (capítulos v1 e Vil), cujos resultados foram, entretanto, publica-
dos no meu livro Nu11amiut Et11oarchaeologyH. A maior parte dessa pesqui-
11 relacionava-se com a exploração dos recursos animais e com as análises
(aunísticas, embora fosse igualmente minha intenção regressar de forma
mais directa aos problemas relacionados com a interpretação dos conjuntos
líticos. Assim, em 1974, fui à Austrália15 para estudar povos aborígenes que
ainda fabricavam e utilizavam utens11ios de pedra (capítulo Vil). Um dos
resultados deste trabalho foi um interesse renovado pelo problema das ori-
gens da agricultura (capítulo v111). Essa experiência empírica de viver entre
caçadores-recolectores convenceu-me de que, para obtermos bons modelos e
boas explicações para as origens da agricultura, tínhamos de compreender
com precisão o espectro de variabilidade - ecológica, económica, social -da
organização dos povos caçadores-recolectores. Foi, com efeito, no quadro des-
te espectro de variabilidade que necessariamente tiveram de operar as forças
selectivas que causaram o aparecimento de novos métodos de produçãr que
envolviam a agricultura e a domesticação de animais. Esta ideia levou-me a
começar, em 1971, um projecto de longo prazo com vista a reunir infor:nação
etno-bistórica e etnológica comparativa sobre os caçadores-recolectores de
todo o mundo, com especial ênfase na questão do modo como a sua organiza-
ção variava em função de factores ambientais.

~~~E~El~~~!t:!Re~:?f~-~;~ª:~:;~~~_::~.:;:~~,;~~~J~i~:
lt78-a,197S-b,1979,l980,1981-a,1981--b,1981-c,1982.
"O•poiopara u vi agen oà Auotd!ia epara otrabalhodecampo a í roalizadofoidadopclo
-hiotituteofAborigina lStudi« o,Cambern.
A nova arqueologia e o disparate

As pessoas que conhecem a bibliografia arqueológica dos '1ltimos quinze


.noa 1 40 capazes de ter reparado em qualquer coisa de estranho na crvnolo-
C!~/n~j::!:::oil~r!~~ie~;r;::~in~~:s~~~~::.º;o~::ub1t;:!~~:
lfll 1968. de uma colect.Anea de ensaios intitulada New Perspecliuts in Ar·
~, aqual teveumgrandeimpacteedeuorigema in tensapolémicano
iiúcio dos anos 70. Agéneseda maior parte das ideias e dos trabalhosa! ap re-
.,ntados pelos meus colegas e alunos remonla ao início dos anos 60, e é an·
fitrior à minha viagem a França para trabalhar sobre o Moustierense. A pu-
hli•4odesse livro foi pratieamenteeoineidenteeom a minha grande vi ragem
panas questões metodológicas: mal o livro tinha saído e já eu tinha feito uma
~Ao de 180" no me u trabalho. Durante o tempo em que estive fora, anali·
•ndo resulladosou fazendo .trabalho de eam~, procure! ~anter-me afasta·
do da maior parte das polém1eas que earactem:aram a b1bhograíia arqueoló·
pca dos anos 70. Deixei-me estar à margem, assistindo por vetes ao desvio
pan direeçOes que eu não considerava correet.as de muitos dos temas e deba·

A minha investigação ao longo dos anos 70 estruturou-se, assim, em i...


nodetrêstemasprincipais:

1) Estudos metodológicos de conjuntos faunísticos (ea pítulo n);


2) Organiu.ç!o espacial dos resíduos ligados às actividades e estrut.
radossítiosarqueológicos(capítulosm,vievi1);
3) Estudos comparativos de caçadores-re«1lectores à escala mu ndill.

Os três relacionavam-se di reclamente com os problemas anteriormenlit


mencionados - as ori gens da agricultura e a questão da variabilidade m
Mousteriense. O interesse pelas épocas mais remolasacabou por advi r dom..
senvolvimento dos meus estudos faunísticos.
flr.48.-Dan WiUu m:ollm1do...-~m~111C01tdtripdtcn,..,,t~uquimM.dwonko
_,..nllo de1972.
1..EWISR.BINFO/t/J IJllVSCAOOl'AS.SltDO

tesque eu e os meus colegas havíamos introduzido 11• Talvez valha a pena, PQr. cOIO um a régua, se verificava ser essa de facto a sua largura. O facto de eu ter
tanto, fazer uma breve referência ao modo como na época eu concebia a rela. razjo não teria nenhuma implicação intelectual, a não ser no que respei tas-

:!:;~i~d:~~f~~~~ r:·;~;~:rq:°a~:;:i:::i:d~'.~=~:e;s~~;:~c':;6e~
ção entre o meu próprio programa de pesquisa e algumas das coisas que carac-
te rizaram a nova arqueologia dos anos 70 nos Estados Unidos da Amé rica

:!:~~~~~~;~d;,'s~:~:de~~~~sc~~.ª~~~:~~=~:e"m~~es1~:1:~c~~~=
Foi num trabalho publicado em 1967 que comecei a discutir a lógica da li]o.
solia da ciência e a sua relação com a investigação arqueológica". Nessa a lt.q.
ra, o meu objectivo era apenas o de argumenta r pela negativa, •contra• cer- dlr não têm nunca esse tipo de implicações.
tos pontos de vista sobre a interp retação do registo arqueológico então corren. Éite é, pois, um aspecto da nova arqueologia em que há alguma confusão,
tes. O que procurava demonstrar era que, qua ndo se olha para um corijunte
de dados arqueológicos e se diz: .Q seu significado histórico é este!•, se esw,
já a faze r uma inferência. E parecia-me que a única estratégia adequada pa11
::.::i~ :mr:i~~:~~'!~!:'. :;~:~;~:c~~~~~~:ªaª~:::~:~:~':n~:
=~~~~~;!!:c~:!~~~c;~~~~~:i!~~ ::~~~%~:!':~ªr~s:~=b~i~:d~
1
avaliar a correcção de uma detenninada ideia era a de deduzir as suas corr
sequências em píricas e procurar realizar a respectiva verificação no munde pelll fraca qualidade das discussões sobre dedução e verificação de hipóteses,
real. lato pressupunha, é claro, que essas ideias sobre o passado já existiam.
O que aconteceu foi que alguns a rqueó logos, inspirando-se na bibli ~
fia do positivismo lógico, levaram esta linha de raciocínio até ao extremo de
queN: ~:~~':!º~:~anr ~eª::C~:~i;:~~~v:o:~d~~:ç~~~ªa~:;ci;~~;:s-
0 5

pectos sociológicos menos agradáveis e um pouco confusos da arqu eologia


defende r que toda a investigação devia ser feita segundo pri ncípios dedu tiVOL america na do período imediatamente posterior ao das grandes perturbaÇóes
É uma posição que nãocompreeendo, nem nunca compreendi! Segundo o m• .,.. nos 60. É possível que em relação a esta questão eu também deva sercon-
ponto de vista, a investigação faz-se olhando para os dados, r eeonhecende liderado como parcialmente responsável, uma vez que, como uma vez disse
padrões, e tendo a seu respeito relâmpagos de intuição ou ideias brilhant.ea. AlbertSpaulding, sou eu o mais velho dos novos arqueólogos das redondezas.
quando não simples re memorações de ideias antigas que h á muito te mpo lt No início dos anos 60, registei diversos êxitos nas polémicas que foi travan-
encontr am em circulação. Mas, de onde quer que venham as ideias, o que q~ docom os meus colegas. Foram os nossos•oposito re&> e não nós quem cunhou
remos é atr ibuir significado àquilo que observamos. Para o faie r, deveria"* aupressilo •nova arqueologia•. Robert Braidwood chegou, inclusivamente,
recorre r à forma de lógica que diz respeito às consequências das nossas ideill ao ponto de considerar a nova arqueologia uma religião. O resultado foi que
para o mundo real. É aqui que o método dedutivo tem u m papel importante. muitos outros jovens a rqueólogos, tomando esses bitos iniciais como exem-
E pr eciso que se diga, porém, que isto não significa que seja através de p-,. plo a seguir, se sentiram na obrigação de definir arqueologias ainda mais no-
cessoa dedutivos que as nossas ideias se originam, ou que eles devam ser apli. ua: arqueologia comportamental, arqueologia social, astro-arqueologia, e
cadoa quando se trata das observaÇóes em si mesmas e não da avaliação dll por aí fora. Muita tem sido a energia e o tempo gastos nos últimos anos em
ideias. Um bom exemplo do tipo de confosão que se instalou a este r espeitof debates acerca destes novos •campos de investigação•. Pela minha parte,
o de um projecto de investigação apresentado no inicio dos a nos 70 à Natit- mho evitado entrar em tais debates, porque penso que eles têm mais a ver
nal Science Foundation e que me foi submetido para apreciação. Os auto~ eomquestões de posicionamento sociológico no interior da arqueologia ame-
do projecto afirmavam praticar o •método lógico-dedutivo• de investiga91t ricana do que com propostas sé rias de trabalho científico. A confusão criada
arqueológica.Oseuobjectivoera realizaraprospecçãodeumdeterminado,,. por aua causa na bibliografia arqueológica tem sido muito grande, especial-
le fl uvial. A sua h ipótese de trabalho era que os acam pa mentos deviam W mente para quem não está direct.amente envolvido na prática arqueológica
sido instalados ao longo das margens, donde se deduzia, portanto, que devil U»ricana. Este é, portanto, um aspecto da nova arqueologia a que eu não gos-
ser possível encontrar artefactos nesse local. O trabalho de campo proPolll taria de ser associado.
tinha como objectivo pôr essa hipótese à prova. É evidente que isto era um dilo
para te completo. A hipótese em questão t inha a ver com a natureza do recil-
to ar queológico e, a provar-se co rrecta, demonstraria apenas o bo m sen101
visão dos seus autores 11• Suponhamos (a título de analogia) que eu fo nnull- Obj ectivos fu n damentais
va a h"pótese de este livro ter 16 cm de largura e que, depois de o medinllll

!ate é, em r esumo, o pe rcurso que a minha investigação tem seguido ao


'"Binrord,1981~,porexemplo.
. . . das duas Ultimas dkadas, um per<:urso muitas vezes divergente do da
"BlllFord,I967;v.rt.t.mbérnBinlOrd,l968-b. '"'"8 nova arqueologia. Ele reflecte aquilo que eu penso que deviam ser as
"Ob.erv.çioaeRW>lhanteíoraj.treit.aemBinronl,1969. Jll'ioridades a definir no desenvolvimento da arqueologia. Estou fortemente
CAPÍTUWVI
CAÇADORES NA PAISAGEM

Uma visão estacionária de u ma paisagem dinAmica

()1 s(tios escavados são o pão nosso de cada dia do arqueólogo. A sua visão
dtpu11&do restringe-se, necessariamente, a esses pontos descontínuos, iso-
iadol na paisagem. É, pois, uma visão estacionária. Os compo rtamentos do
puta.do eram, porém, caracterizado~ por muito movimento, especialmente
DO caso dos caçadores-reco\ector es. E por isso mesmo que um determinado
lftioapenas nos pode fornecer uma imagem limitada e distorcida, que depen-
dert do lugar por si ocupado no sistema regional de comportamento, do que
(oi outrora uma gama muito diversificada de actividades. Não é difícil de con-
eeber, por exemplo, que os diferentes conjuntos de utensílios líticos descritos
por Bordes(cap. 1v) não tenh am passado de pequeníssimos segmentos do mo-
do ele vid a de um grupo de caçadores-recolectores. Mas se o padrão de activi-
Udes durante o Moustierense não tiver sido exactamente o mesmo em todos
• lftios e em todos os momentos, então as coisas serão ainda mais complica-
du. NeHe caso, com efeito, as sucessivas camadas de cada jazida poderiam

....
reiiresentar, cada uma delas, •instantâneos• ligeiramente diferentes dopas-

Foi com base em ideias tão simples como estas, por um lado, e com base nas
minhas próprias ideias sobre o modo como as pesso85 deviam ter vivido no
Paleolitko, por outro, que comecei a pôr em causa a interpretação feita por
Bordes dos padr6es por si detectados nos conjuntos moustierenses. Ele pen-
•w que as diferenças eJtistentes entre esses conjuntos reflectiam as identi-
àdea étnicas dos vários grupos que os tinham fabricado. Na minha maneira
dever as coisas, porém, o uso do espaço e da tecnologia pelo homem moustie·
renae em cada um dos sítios por ele ocupados representava uma resposta
tlPeclfica a um conjunto especial de circunstâncias. Por outras palavras, o
... eu tinha em mente era um sistema cultural em que actividades diferen-
Slltinham lugar em locais diferentes. Além disso, eu supunha que a tecnolo-
111 de fab rico de utensílios devia ter t ido a flexibilidade suficiente para permi-
ürfuer face ao problema da variação na natureza das respostas uigidas por
cada 1ituaçAo concreta, de tal modo que, por exemplo, as mesmas actividades
poderiam, se necessário, ser realizadas com utensílios diferentes em 1
diíerentes.
Ar> mesmo tempo que punha em causa as ideias dom inantes acerca
variabilidade arqueológica no Paleolítico, tomei contacto com descrições
gráficas que sugeriam que o meu ponto de vista sobre a utiliz.ação da
gem pelos caçadores-recolectores era, no mínimo, plausível. lnvestig
pormenori zadas sobre a relação entre o modo como os sítios eram utili
:id:~:i't:'!~~ã::~~~~:.~~i~mm:ã~ ~°.n~~s~d o~~b:1e~~::'itf°~
0 0

no papel desempenhado pela tecnologia em resposta às cireunslAncias co


tas de cada sítio. Foi em grande medida para explorar estes problemas que
para o Alasca observar os esquimós Nunamiut (ver cap. v). Durante a in
tigação etno-arqueológica que aí levei a cabo procurei obter, a partir de
perspectiva arqueológica (isto é, centrada nos s{tios), uma visão da dinAlllliil
do padrão de povoamento ao longo do ciclo sawnal de deslocações. Apesa.1
este t rabalho ter confirmado os meus Postulados mais genéricos acerca ..
processos de formação dos sítios a rqueológicos, as minhas observações i
cavam também, com toda a clareza, que os arqueólogos não tinha m ainda
sua disposição os métodos adequados à detecção nos seus dados de pad
utilizaçãodapaisagemtAocomplicadoscomoosqueexistementrecaça
-recolectores como os Nunamiut.
Para melhor poder ilustrar a natureza destes problemas de interpre
1)21doJul'lhoa20doAgosl0001!M7
descreverei em seguida alguns dos sítios de que pude obter registos dufUllt 2)21cl&A,oosto a 1doSelllmbrodel!M7
a minha investigação entre os esquimós Nunamiut de Anaktuvuk Past, 3)3doS<!1etnb<oa10deAbrilde1!MI
Alasca. Começarei com os padrões de povoamento e uso do território à ~ 4) 11 a 24 de Abril
regional, e continuarei com a descrição de como certos níveis de comporu, 5)25a 28de Abril
6)2'9de Abril•27de M•lc
:ueann~otê~\~=~e~:~~i~:e;;~~~~~aer~s~::::!ofd:Sº!c~~àr:de~ea~í;!~ 7)28del.lalc•6deJ\.Mo
8)7•9<»Junho
das. Os exemplos que se seguem devem ser suficientes para p6r em e~ 9)9•t3c»Junho
10)14a16cleJooho
eia algumas das causas da variabilidade que caracteriza a arqueologiam; 11)1 7a24 cle Junho
povos itinerantes. Nola;'. Totaida dolància
pen:orrida - \29rnilhas

---
O uso da terra: uma questão de escaJa
Circuito Anu•I - Um • l• mlll• Nun •ml ul
21d•Junhod•1947•2•d•Junhodelt48

A vastidão do espaço utilizado pelos Nunamiut demonstra que a pe,,,.i


tiva dos caçadores-recolectores obtida pelos arqueólogos a partir dos
nos quad rados que escavam numa tlnicajaúda arqueológica tem de ser l'llf
li brada em íunção de áreas com mais de 300 000 kmi. Se descontannoscertll:
casos excepciona is em zonas equatoriais, uma tal á rea representa a escala•
dominio sobre o qual um grupo de caçadores-recolectores com trinta ouqllfo
renta pessoas exerce a sua observação do ambiente em que vive. O bando .... 49. -Localizoçõ.o doo • lliN ocupo""- por umo {cimaici Nuncimilll duronko circuito
me nte ex plora todo esse espaço em simultâneo, mas precisa de o ter pe ..,.1947- 1948..
nente mente à sua disposição para poder te r um conjunto seguro de o -
Pa ra que mais íacilmente se consiga compreender o uso dado por um
pequeno bando a um tAo grande espaço, começarei por examinar a u nidada
'".e-:~-"-
...,_____J '. ~..........
AregitodaOordogne

'"""
E1c•ln reglon•I• comp1r1tlvu

.. ~.. ~ E~ 0em?: .. ~~":. -N~~

llr.5t. -Compo"'<'6<>dcu di..un.&• 1itu6,....•nuclHn•tkn•ldbociad011uq!Mm6"N" ·


_..,,.,,.. i.o.q.,""'""""G ! Wl.,,,,,odaclra>dl>/Jonkw,,.(F~~,,,q..-{Mom~r­
••.u;,,. arq~,:.,.,.cUuicr»dDM~n11•(~~roap.1V).

... 1et.enha em conta que esta utilização do espaço pelos esquimós não cons-
tUuide forma alguma um caso excepcional: a área nuclear de residência uti-
liada por uma família de bosquímanos GIWI ao longo de um periodo de onze
_ . demonstra bem que outros grupos de caçadores-recoledores também
uploram regiões muito vast.as 1•
Mas se os Nunamiut constituem um caso representativo, então os vesti-
p. arqueológicos criados po r um pequeno bando de pessoas que se movi-
. .nta no interior do seu território da forma acima descrita devem ser de uma
atrema complexidade. A figu ra 50 mostra a localização dos sítios resi-
denciais criados po r cinco famílias esquimós durante um período de cinco
IDOI. O primeiro aspecto a assinalar é a dimensão do núcleo residencial
lellpado por um tão pequeno grupo de pessoas. Por muito surpreendente que

'llilbel"bauer,1972.
lEWfSR.BlN

issopossapareeer,ofactoéqueestascincofamíliasNunamiututiliz.avani Ciclos vitalícios de uso da terra


~~çç:e:J:ª~~~~:::~;j~~~~~°i::~~~:~:~:e~ ~1~!s~:: E:~~a:~~::: 0
0

~~~~~~~ ~~ep~~:)~::~~~~ ~uq:c!~~=~i~:r~~çç~~o~::-:::~~~:~~ ~:os:: ~pat:f~fld:ê~~adde~%~~~;octa~~~q~aa~!c~~~;~~éa\~::~:i:;:'.~:;


ll'S~;'surpreendente que isso possa parecer, a verdade é que muitos caçado-
~;oass ~~f~~~~::d~::I'nª~!~ ~s:~:~::n:~~~J/~lld~: d~:~ee~~ªQª;ob~ 111111 ecolectores não têm um território de resi_dência único, ao contrário do
:~sji::i~:S ~~~e~í~~!~e~~º~f~d~~~e::1mª ;~~~: ~s~ª!::~~~~:!~~ 5obil ~~~de1:~Z;i:e~Z~a~:,:~~z~-d~~ad:~~aªd~~~~~~::e;bfe~~~~~~
Como esse não era com certeza o ponto de vista dos povos caçadores-re~ ~ m ponto de ruptura. Com efeito, acontece frequentemente que, após
~Í!s aq~~s~~~~u!1;:d~finc :r~ ~~::atop::s~~c~f~~ ~~~~~s:~~:~l~rs~ ~~~
0
~n~~~~~~ ~~ :x:~~:~~!~ ad:~i:: ~~~d~ed~reS:;o~::~~~~~:~e:1~:~:

=
me mais da realidade. nado doo re torno obtido deixa de compensar o investimento feito na busca das
Há ~ma outra ?~servaçãoi~portante a f~~r a propósito da figura50.fft. :::'istências, o que acontece é que~ grupo pura e simplesmenU: se muda para
só o numero de s1t1os é supenor ao que é utilizado por uma só familia flllil fllll'O território completamente diferente, onde os recursos tiveram entre-
único ano, como o panorama arqueológico da situação se torna muito "1111
complicado, sobretudo devido ao facto de alguns desses sítios serem repetid. ~:~~~::ds: :r;::S:c~~~:Jec;ess~t~~:au;d~~~~~: ~~r:;:~~:s~stada
mente ocupados de ano para ano, ao contrário do que acontece com ou tT(ILQ Com base em entrevistas feitas aos esquim?s mais velhos pude elabor~r
tamanho destes sítios, no que respeita às distribuições de artefactos e• um modelo idealizado do modo como os Nunamn~t pensam que uma deter~1-
estruturas, é em grande medida determinado pelo seu padrão de reutiliza\:11, aada região seria explorada ao longo de um penodo corr espondente ao ciclo
Os sítios mais assiduamente reutilizados são, por isso, bastante maiores devida de um indivíduo'. O modelo baseia-se num esquema cíclico de uso da
1111
os que apenas foram ocupados algumas vezes. Isto significa que o es11111 terra. A área nucle_ar de residência ocupada por um grupo quando um indiví-
ocupado por ~m sítio, uma característica que os arqueólogos costumam rep. duo nasce é conhecida como o •território de nascimento• dessa pessoa. Se nes-
tar, pode vanar não em função do tamanho do grupo ou da sua organizllcll 11 momento o bando se encontra numa área de instalação recente, a pessoa
social mas do carácter mais ou menos repetitivo do modo como a paisagem.. em causa viverá nessa área durante cerca de dez anos, altura em que o grupo
utilizada por um mesmo bando itinerante 2• O método usado por Richard M., 11 mudará para outra área nuclear de residência oompl~tamente distinta, a
Neish~ e por outros arqueólogos, que consiste em relacionar as diferen ça•• qu] não teria conhecido qualquer ocupação durante os c1~qu~nta anos ante-
tamanho dos sítios com as diferentes escalas de organização dos grupos r.-. riores. Esta segunda área seria conhecida como o seu -terr1tór10 de formação»,
crobandos- e •macrobandos•, por exemplo), não pode por isso deixar de • no caso de se tratar de um rapaz, ou o seu «território de namoro», no caso de
considerado como deficiente. As observações que pude fazer entre os mO-. 11tratar de uma rapariga (as raparigas casam-se por volta dos 16 anos mas
nosNunamiutmostramcomtodaaclarezaquenãopodemoscontinuar ae• 111rapazes só por volta dos 28). No caso ?os rapazes, es~ s~ri~ a área ~n:i que
belecer equações simplistas entre a variabilidade no tamanho dos sftio•u 11(aria a aprendizagem da caça e das vmgens a longa d1sUincia, adqu1rmdo-
natureza dos grupos que neles residiram, e que precisamos de saber mail -M: deste modo uma grande familiaridade com o ambiente. Passados outros
coisas acerea dos outros factores que contribuem para o tipo de dispersãoil dei anos far-se-ia uma nova mudança. O homem entraria então no seu ter-
vestígios representado num determinado sítio. Por outras palavras, 01.., rit6riode namoro, numa altura em que as suas irmãs começariam a ter os pri-
queólogos têm de investigar os •processos de formação" do registo arqueoll- meiros filhos. E, uma vez casado, ficaria a viver, em regra durante vários anos,
gioo, ou seja, o modo como os sítios se formam. no território da fam11ia da sua mulher.
Seis a oito anos mais tarde, quando os homens costumam atingir o seuapo-
11'11 e o ponto máximo da sua eficiência como caçadores, chega o momento da
deslocação para uma nova área, completamente diferente. Naquele que será
ONU território final, um homem bem sucedido pode vir a contribuir para o fol-
clore (tradição cultura\) relacionado com a paisagem, a qual pode inclusiva-
mente vir a ser objecto, nas mentes dos Nunamiut, de uma reordenação em
que algumas das proezas desse caçador passarão a servir de pontos de refe-

'Paraumade!ICJiçãopormenoriudadcsteproblemaverBinford,1981-c.
F}&.5Z.-ModdailúolizodorUU10rJ(JUrro~/,,.NwtanU11ld&11"G1tUoâck!lhulda •"'
i11dWíduo. ba.Kodo e1t1 HINtUW/u- inf-odoruuq&li1t1Ólf.

rência. Pontos-chave da paisagem, como as pedras que marcam o local de•


vessia de um rio, podem, por exemplo, passar a ter o seu nome. Por volta ..
40 anos a pericia do caçador começa a diminuir rapidamente, entre mllilll
outras nuões porque começa a perder a vista e porque começa a te r difial.
dade em escalar as montanhas. Neste ponto da sua carreira, o caçador r -
sará provavelmente ao seu território de nascimento, completando des te•
do o ciclo de longo prazo de utilização da terra. E, com a velhice a chllfli
tornar-se-á também cada vez mais dependente dos outros para satisíuer•
auaa necessidades básicas.
Em resumo, a soma das diversas áreas de residência em que um ho11119
tev:h~~:rnra~~~~~s~~i~:~~:ss:~~~~i~~~~i~~~~'.~;1~~':; .,.._f'c.&3.-MaJ"'douclcddnak1iw..A,Af..-."°"'aindimçdodoo~-11 ~""
toda a sua vida, o Nunamiut médio do sexo masculino pode ter chepde l
....._,,_,.
cobrir mais de 300 000 km' no decurso das suasexpediÇÕeSde caça. O que iatt
significa é que um grupo de esquimós Nunamiut tem pennanentementt
acesso, para além do território que está a ser explorado num determinado lllt.
mento, a um espaço suplementar de dimensões quatro ve:res superiores. O.
aborígenes do deserto central da Austrália e os índios Naskapi da Terra N°'I
apresentam igualmente padrões semelhantes de utilização da terra. Éenol"llt
a e1ttensão que ao fim de um certo período de tempo estes grupos de caçadt.
res-recolectores acabPm por percorrer no decu rso do seu ciclo de explo r~
sucessiva de uma série de territórios separados de meno r dimensão. E no-
texto de escalas com esta vastidão que temos de nos situar para conseguiTniet
compreender a variabilidade quecaracteri:i:a o registo arqueológico dose~
do res-recolectores itinerantes.

Agrup• m• nto• de •Ilias d• An •vl k O com p lexo d e sítios de Anavik Springs


E1'Côlll""qMmr"""

Tendo acabado de ver como os grupos de caçadores-recolectores procedem


iluploraçãode uma série de ter ritórios descontínuos, podemos passar agora
hM.lise do modo como &ão organi:tadas as tarefas no interior dos limites de
Fig.M.-Locoli.iat;ô<>&o.udri,.CUMpG11tnk•qiu"°"'lilu'1mo-pluodtslU. • ... 16 dessas áreas nucleares de residência. Uma forma eficiente de obser-
An...,aSpri1t.11•· ~das actividades a este nível é tomar como unidade de análise um agru-
pamento de locais a que darei o nome de o<:om plu:o de sítios•. Por ~com piei.
desítios..entendel'--!;e-áoc:onjuntodoslocaisem que têm lugar u ac:tividadla
integradas levadas a cabo no quad ro de uma estratégia global que interli&a
uma série de acontecimentos distintos. Os mew; estudos etno-arqueológic:aii
de povoados dos esquimós Nunamiut fornecem vár ios eitemplos de ~hloeo.
territoriaiscomessascaracterísticas.
O compleito de sítios de Anavik Springs é constituído por três sítios dit"
rentes, os quais são usados de forma conjugada na PTimavera, quando a !Ili.
gração anual dos caribus para norte, a caminho da tundra aberta e plana,"
leva a passar por Anaktuvuk Pass, ocasião em que são interceptados e ca~
dos pelos NunamiuL Os sítios em questão são os seguintes:

1) Um acampamento de caça (que inclui uma zona especial, o~aca rn111-


mento dos namorados-);
2) Umlocal de abate, com zonas especializadas para esquartejamento;
3) Uma série de esconderijos construídos em pedra e onde a carne éar.
mazenada.

As actividodes realizadas em cada um destes sítios que, no máximo, dif.


tarão l km uns dos outros, são completamente diferentes, embora os lrtl
sítios sejam componentes de um mesmo sistema de actividades centradas111
u:ploração do caribu, e geral mente todos são utilizados pelo mesmo gru po dl
pessoas e no decurso de um linico dia.

O acampamento de caça t e mporário Ac•mp•m•n1o Htlv• I de c• ç• •J• - An•vl k Sprlng•


Esoala""'mt°""

O primeiro componente deste complexo de sítios é um acampame nto te.


po rário utilizado fundamentalmente na altura da migração doscaribus. O.
ponto de vista arqueológic:o, esta parte de Anavik Springs parece, à prifllli.
ra vista, constituir um sítio li nico, espraiado por uma extensão de cerca de60t
m, ao longo dos quais se regista uma distribuição contínua de vestígios. Na
realidade, porém, esta mancha contínua não repr esenta os restos de uma• i.u., chamado sítioJ3, observava-se um padrão (um cfrcu1o de pedras para
ocupação de um só grupo numa só época mas, pelo contrário, é consequência '-'6ode uma tenda, associado a uma lareir a exter ior ) que se repetia três ve-
de uma utilização repetida do local desde há pelo menos cem anos. Como• • !ate grupo de tendas correspondia a um único momento de ocupação, o
vestígios de muitas destas diferentes ocupações se sobrepõem parcialmentt. .... porém, não estava integrad'l no complexo r elacionado com a caça feita
o r esultado é um enorme palimpsesto de materiais arqueo lógicos. •euibu na Primavera. Tem apesar disso um interesse próprio, porque a sua
llilti6ria permite pôr em evidência um tipo de divisão de trabaJho que existe
•pupos de caçadores-recolectores mas a que raramente se faz qualquer
~ianabibli ografiaetnoi;ráfica.
O acampamento dos namorados Mo final do Verão, os mantimentos de carne seca guardados pelos esqui-
... após a migração dos caribus estarão quase esgotados e, além disso, pra-
tllunente intragáveis: a carne que resta é rija e sem sabor (devido à acção das
Aajuda de informadores que tinham acampadoemAnavik Springstomll
possível, fefümente, a discrim inação de vários acampamentos i;e paradot•
1 11abd,1978-a,pp.306--3 12.
interior do distribuição continua de materiais arqueológicos. Num dellll
chu"'.as), e as pa~s gordas mais saborosas já terão sido integralmen te~
sumidas. Além disso, nessa altur a do ano também não haverá caça fácil 'llll
proximidades. A maioria dos caribus, com excepção de alguns machos que lt
terão deixado ficar mas que apenas se encontram junto aos glaciares, na Ult
montanha, deslocou-se para pastagens situadas muito mais a norte. Quantl
aos carneiros selvagens da montanha, trata-se de animais que nestaéJ}Oca•

:;;::r dr:;~~~~~f~:i~e~: =~f;t~=~~~;aJ:i~~ºaªp~~~;~;:e~2;:. ~~~~~~~


0

criaram um incentivo fascinante. No final do Verão, os jovens namoradoslfll


autorização para viver juntos, mas não no acampamento principal: a a u~
zação só é válida para acampamentos de caça situados a distância conside"'-
vel. O resultado é, a prazo, benéfico para todos: os idosos subsistem com OI
poucos mantimentos de carne que restam, e os jovens aguentam-se com ºCllll
conseguem apanhar. Se forem bem sucedidos na caça, trazem carne fre11:1
para partilhar com todos. Se não encontram caça, passam fome mas sãofe)L.
zes! A mesma estratégia foi assinalada entre os índios Washoe, caçado...,

-ncolectores que vivem junto ao Lago Tahoe na Califórnia6• Durante os perío-


à de fo me do início da PTimavera, quando as reservas de comida estão em
llaixo,osjovens namorados são também autorizados a acampar em áreas dis-
tantes onde as probabilidades de encontrar comida são bastante reduzidas.
Bltaestratégia dos caçadorcs-recolectores baseia-se na capacidade de correr
rilcos que uma resistência e um poder físico superiores normalmente confe-
,.. aos jovens - riscos que estes, por seu lado, se dispõem a aceitar se os
iaeentivosforemdemoldeajustificá-lo.
O facto de a distribuição dos materiais arqueológicos no sítio J não ser
idlnüca à que se verifica nos outros tipos de acampamentos de caça (como a
aaioria dos que existem em Anavik Springs) deve-se precisamente ao facto
• 111 lratar de um acampamento de namorados. Normalmente, os melhores
peàp:is de carne seriam partilhados na lareira principal, mas aqui cada
tnapo de namorados consome as suas refeições em separado, na sua própria

1 Vt rDowno,1966
LEWISR.BINFÓl/O "''"so. 001'!.SSADO
tenda. Os vestígios arqueológicos do sítio J também não incluíam vestígiOI O armazenamento da carne
relacionados com o fabrico ou a reparação de utensílios. Apesar de estas diíe.
re nças serem mínimas, são exactamente o tipo de dados a que o arqueólcie.
teria possibilidade de recorrer para conseguir identificar no passado forma.,
de divisão etária do trabalho desta natureza.

A preparação do animal abatido

O segundo componente do conjunto de sítios deAnavik $pringséo local dt


abate e preparação dos caribus, o qual é completamente diferente dos peque-
nos agrupamentos de tendas observados no acampamento temporário de
caça. Quando os caribus atravessam o vale são abatidos a tiro a partir de pos).
ções de caça situadas numa pequena elevação do terreno'. Depois de abaticfot.
os animais são arrastados para um outro local, onde serão esquartejados. O.
ossos encontrados nesse outro local depois da caçada da Primavera correspon-
diam a um número mínimo deeinquentaequatrocaribus, embora nós soubéa-
semos que na realidade tinha sido de cento e onze o número total de animait
que os Nunamiut aí haviam esquartejado. Na planta da estação, os espaçoe
em branco situados no interior da mancha de dispersão dos ossos correspon-
dem às diversas áreas em que cada animal foi desmembrado. Para podere111
ser esfolados e cortados, os caribus são estendidos em zonas desimpedidas,•
os homens vão trabalhando à sua volta. O resultado deste comportamento'
a criação d e um circulo, sendo os desperdícios depositados na periferia da área
em que o animal foi esquartejado. Do mesmo modo, os resíduos que resul tam
do retoque e afiação dos utensílios de pedra utilizados neste processo são tam.
bém depositados na periferia dessa área circular em que o animal foi prepa.
rado.
Na área de esquartejamento, os caçadores usaram quatro lareiras. Asua
volta foi disposto um quebra-ventos construído com armações de caribus m•
chos caídas no Outono (isto num sítio utilizado na Primavera!). Durante o
esquartejamento, as mãos a rrefecem muito e, por isso, de vez em quando,o.
homens sentam-se à volt.a de uma lareira, abrigados do vento, para as aque-
cerem e, eventualmente, comer algum tutano extraído dos ossos frescos du
presas abatidas. Numa situação como esta, a distribuição de ossos que M
encontraria à volta das lareiras seria completamente diferente da que se veri-
ficaria quer na área de esquartejamento do mesmo sítio quer no acam pa-
mento de caça a ele associado a que os homens regressariam depois de te rem
concluídoassuasdiversastarefas.

--:-;:-,.. um• dcoaiçi<> m•iA complet• do 1itlo de An•vik Springt ver Binford, 1978--a, PP·
'Pan. um• delCriçi<>m•i.complCC...dlltftlocleAn•vikSpringeve r Bin(ord, 1978--a,pp. 111·
- 178. D&-2-45.
'
./ r' ;- . -:•

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Fijl.IM . -Cornedu»rib .. poatoo•tcnl""""'/oool.UobaU<kPrimown:semKongumuuWt:
C,..i (,,.rfig.5.'l,1Uio8,pon:slocofüoç6a).

Fig.63.-E.•/.rul"""'8'ral""'"te"°"•ilkruda• comoaoa<Ye~no.Jo,.U•oobr"­
"""'°ªtoq4<>pakolttiaJruua..

esconderijos de pedra junto a sítios de abate faz, aliás, lembrar algumas du


casas escavadas no solo que foram encontradas em eslações paJeolíticat dli
Rússia' e que, à luz destes dados, lalvez possam ser interpreladas como nAt
te ndo sido senão esconderijos para carne como os dos esquimós.
A utilização de esconderijos de pedra não é a Unica maneira possível•
armazenar carne nos sítios de abate. Quando a temperatura está abaixo •
:&ero, os cortes de carne, ou até mesmo animais inteiros, podem ser simpl•
mente enterrados. As hastes são então usadas para marcar o lugar de modl
que os caçadores o possam enco ntrar mesmo depois de ter começado a nevar.
Noutras alturas do ano a carne é posla a secarem estruturas de madei ra. Noe
acampamentos de caça, a carne que se quer guardar é muitas vezes simplel-
mente estendida sobre cordas ou posta a se<:ar sobre os troncos das árvoreut

'lle61"0-IM .,;iui b e9tn1Wru ln1.erpret..d.M por P. P. Ycfünenko eomooendoumlyoMI.


ou•ío.supeiradormir>,dcque1ioexcmplo. a •habit.aç&on."l•donlvel •uperinrde~
kil, 1a•íoua U·deAvdtjevo, um 1llJoaind1niopublk1do. P1raum1.tc.cricioem ~

tr=:.,kl.:i.~::i:-1.=~,~e=:~~!=::=i~~;:;,;/~~~
UDlv-en.idadedel..eDl~.
}oJliO do rebordo de um maciço de salgueiros. Os vestígios arqueológicos que
eorresponderiam a práticas como estas seriam constituídos por distribuições
]:ineares de ossos grandes. Qualquer que seja a forma de que se revestem, as
,_rvas de carne constituem um recurso importante, seguro e centralizado,
que os Nunamiut podem utilizar à medida que se vão deslocando pelo seu
lioJUtcU à procura de outros recursos alimentares.

O complexo de sítios do lago Tulugak

O meu estudo de conjuntos de sítios mutuamente relacionados demons-


trOU que a sequência de actividades relativas a uma determinada tarefa não
tem. necessariamente, deter lugar no mesmo sitio. Além disso, sftiosqueapa-
ttntam ser muito diferentes podem na realidade pertencer a uma mesma
e1tegoria geral de comportamento, muito diferenciada segundo diversos con-
;mtosde actividades. Um dos mais fascinantes grupos de complexos de sítios
Uaados pelos esquimós Nunamiut é o que se situa na região do lago Tulugak,
uma zona muito rica em recursos alimentares. O lago é suficientemente fun-
dopara ter uma espécie de peixe muito apreciada, rica em gorduras, designa-
dl,como «truta de lago•. As margens dos ribeiros alimentados por nascentes
que correm para o lago são orladas por grandes maciços de salgueiros, que
constituem uma importante fonte de lenha. Além disso, muitas pistas segui-
das pelos caribus durante as suas migrações passam também junto do lago.

Alinhamentos de eaça

tenormeacomplexidadedosvestígiosarqueológicossituadosnasimedia-
flelldo lagoTulugak que se relacionam com a exploração doscaribus. Os a ni-
mia são conduzidos ao longo de corredores definidos por barreiras lineares
putilizam formas naturais da paisagem, como as fiadas paralelas de depó-
litolglaciares(chamadoseskers), masquetambém incluem estruturasdeori-
pm humana que seriam dificilmente detectáveis sem informação etnográ-
&a. Quando não estão a ser usados, estes componentes básicos dos alinha-
9elltos de caça parecem simples amontoados de pedras a que costumo
diamar «rochas-soldados•. Pelo contrário, qua ndo utilizados pelos esquimós
Jlll'I. canalizar os caribus encosta acima ou em direcção a cercados parcia1-
-.nte naturais situados num dos extremos do lago, a sua aparência é bem
Mrente. Nessa altura, com efeito, os caçadores põem musgo Asua volta para
M 1 p1 d 1 •• gllodo ~~Tulug1 k,Al11c 1
... dar uma forma humana e colocam depois roupas velhas por cima desse
~.com o objectivo de assustar os caribus e de os obrigar a continuar a
• - - OM --- - -- - - -- - lllUirpeloestreitocaminhoescolhidopeloscaçadores .

Fig.66. - Mapo da ngi&Jdo fogo Thlugak, com indicnçâ-Odo&sllio6 ~ compk:wflÍA ....


F!a.61.-·~dodo.f<N7NlNÍ.owmoJillhamentorhcoço001ocrilHusilwodo.._.
laocilllGn"""""'"'nh""<>IHt.ráo/"1J01\J..,,, .. (wr{V1.66parolacalizaçdo~.

Embo•e• u porl e•c• uudu p• loo Nu~ •mlu1• m mHdoo do 1Kulo XTX
Logo Tulu111k, A1••u
Emboscadas --
. - .- ,Et<310,. ,.,...? - ,- .-,

AtJ longo de um alinhamento de caça que sobe a vertente adjacente aoi.


(de fo rma a explorar o instinto natural do caribu, que o leva a fugir el"ICOlll
acima quando se sente ameaçado), localizam-se setenta pequenat embolm-
das a partir das quais dois caçadores Nunamiut poderiam espreitar a~
Cada uma delas é constituída por uma estrutura permanente, feita medil9-
te a escavação de uma fossa no talude rochoso da encosta ou através da~
trução de um muro baixo. A sua função é dupla: por um lado, servem para• . . de estruturas 10• Mas, se essas estruturas tinham funções de habitat (tal
caçadores se escondersm e, por outro, protegem-nos do vento durante a ..... ~são geralmente interpretadas), não se percebe bem para que é que se
ra pela passagem da caça, a qual pode chegar a durar entre oito e doze h°* l'ailm as fogueira s no meio das paredes das casas, uma vez que se sabia de
É óbvio que durante esse intervalo de tempo os homens podem apanharllllll- -.mão que sobre elas seria levantada uma tenda de peles (a forma como es-
U:ifrio,e numa situação em que não é possfvel manter uma fogueiraacesa,plf' a. ntruturas apa recem nas reconstituições propostas pelos arqueólogos).
que de outro modo os caribus dificilmente seriam atraídos. Para se aq...., &.nque, neste caso, não estaremos também perante emboscadas semelhan-
rem, os Nu namiuttiveram, por isso, de recor rer a outra solução. Chegadol• lllb que são utilizadas pelos Nunamiut?
aí tio da emboscada, desmontam os muros da estrutura e fazem uma en0191 Em planta, as emboscadas de caça dos esquimós apresentam-se como se-
fogueira. Quando o lume está bem quente, pegam nas pedras, reconstroem• llllicfmilos com cerca de 2,4 m de diâmetro". Os vestfgios encontrados numa
muros mesmo por cima da foguei ra, e deixam-na arder até o lume se apai&
Como o calor aquece as pedras, os homens podem, encostando-t1e aos munr.
manter-se quentes sem deixar de fazer a vigilia. Nalgumas estações palealfo =~3~,;..'!?h 1fl:~·IOnmt.mWm~wluenue .. bmqul"m11K11SandnK.l1hl-
ticas russas também foram assinaladas lareiras situadas no meio das ~ ll.,_c,,,_uetutch"°"k, !918,pp.37-5I.
..... _ l l - 11
LEW/SR.8/Nl'Oll ,,,,usc1iOOPASSADO

e;~taas!;r:J~-~~~~~~,~~=!eo~7i~~~ae~!d:~~~~~ati~~::i~:a~~ºe"*'"
lia enquanto o outro, noutra zona do sítio, dorme vestido sobre uma pele de
si tios: as ~refeições ligeiras.o aí consumidas estão representadas por esqi!: -~:~~c;,8c~~ro:ec~~~~1ese~~i:i:J~c!~~~~=-ª~";~~~~~~_:º;:;:~:
~o acender uma lareira separada, afastada dos muros, para a preparação
~ªo~:~:;:!ª;!~_nP~~~~ o~ ;r;'::t":sãd:~::~:~~~~~esx~a~:~~°mtut..
0
de uma refeição de ~Ido ou d~ _carne assada. Embora ~arei::idos c~m as em·
extr emidades articulares para fazer caldo. Os desperdícios relacionados ; b01Cftdasacimadescntas,oss1t1oscomestascaracterísticassAoma11comple·
~~~~~oee;~:1~!ºa~~=~;,s~~o::~~~P;~~~~:sº~!:'"s~ri":s~::a~~
J09 em termos arqueológicos, sendo necessário ter muito cuidado para não
CiOftÍundi r o conjunto emboscada-lareira com um acampamento-base ocupa.
nãoaAofeit.oa~semboscadas,estAojápreparadosdeantemão,demodo a': 11opor um grupo familiar.
o caçador e&teJ& pronto a actua r assim que os animais cometem a apa,._
l~to signi~ca que raramente se ~~C?n.tram neste tipo de estruturas desPttdi
cios relacionados com as fases 1mciws de produção. Pelo contrário, 0 que"
homens normalmente fazem para passar o tempo é trazer consigo u m u'- Acampamentos-base

:~~~~~~~~~ :~;~:~ ~~ :e:i~~dç:de~ur:~:~~~~i:~r t~~!d:~~~~


estão, porta~to, ~i rei::tamente relacionadas_ com a sua função (a caça ao Ctri. Oi acampamentos residenciais situados junto ao lago, onde a água e a
bu),mas,mu1toS1mplesmente,comanei::ess1dadedeenfrentarotédio.Na ... knh• são abundantes. são outro componente dos compleios de sítios do Lago
boscada representada na figura 68encontrou-se ainda um outro tipo de ~ T111ugak. O principal critério retido pelos Nunamiut na escolha dos locais
facto: uma ponta de seta feita de haste de caribu, que havia sido gua rdada par• a instalação dos acampamentos-base é o da distribuição dos recursos
para uso futuro mas que nunca chegou a ser necessária. mai• pesados, e não tanto a simples presença de alimentos. A obtenção de
Sucede por vezes que em vez de regressarem ao acampamento-baae" comida pode ser feita no quadro de uma estratégia flexível porque, como se
homens acabam por pernoitar na emboscada. Normalmente um fica de vip. 'liu., os alimentos podem ser armazenados e depois t ransportados. Mas a água
a a lenha silo mais difíceis de deslocar. A satisfação destas necessidades bási·
cu é, portanto, o principal factor que determina o posicionamento dos sítios
ntidenciais.Adistribuiçãodosrecursosalimentaresapenasdeterminaomo-
docomo são organizadas a partir do acampamento-base as expedições desti·
llldasà su.aobtenção.
Tal como acontecia com os acampamentos parcialmente sobrepostos de
Anavik Springs, também no lago Tulugak deparamos com uma distribuição
continua de vestígios arqueológicos. Mas, enquanto em Anavik Springs está-
'911101 perante um sitio em que as sucessivas ocupações haviam tido a mel·
m fun ção, as margens do lago Tulugak foram ocupadas em épocas diferen·
11'1 do ano e com objectivos também diferentes. As ocupações de Verão, por
aemplo,estavam relacionadas com a pescadas trutas, enquanto as de lnver-
IOeram determinadas pela proximidade e abundância da lenha. Uma esca·
qçãofeita neste sitio revelaria certamente estratigrafias contendo situações
eomo as de acampamentos residenciais de Verão sobrepostos a abrigos de caça
de Outono, ou aldeias de Inverno sobrepostas a acampamentos de pesca da
Primave ra.
Como poderiam os arqueólogos distinguir todos estes compone ntes par·
eialmente sobrepostos de um sítio tão complexo como o lago Tu\ugak? Será
... co nseguiríamos reconhecer todos os tipos especiafüados de si tios ai tu.a-
h nas imediações, tai& como os alinhamentos de caça, os esconderijos e aa
•boscadas? Seríamos capazes de reconstituir as aasociaçiie& entre os vários
liocais e rei::riar complexos de sítios relacionados entre si? De momento, a
Fig.69. - E:mbolcodaR. & B.drAllMtuvid l'rlu.Apdr<kwribu i11d;wolooal ondr.,. arqueologia não dispõe ainda de métodos que permitam lidar com vestígios
miuumd.cw~•t11q11<111laoaucompo11/uiroficou<kvi(/Ui.a(o/ocolizaçdouoclo•-"• lrqueológicos tão complicados como os que são característicos dos povos caça-
tli>1olad.t>>1of'6.6.J). doree-recolectores. Temos de pr ocurar formas de desembaraçar a meada
LEWISR. 81NFote rJ'lllJCAOOl'ASSADO

coi:istituída pelos palimpsestos d~ ?CUPações s_obrepostas, e de descobrir ""'


ne1rasde reconhecer áreas de activ1dadeassoc1adas, mesmoquando situadt. ~j! ~~ Í~:i;:;::ia~o~~~~~:~~=~~d:~~~~;\~~Ç~~Bd!~c::a;:d~
:~~~:!~~ ~o8r~~t~;d~~i:ç~:· J!eô~~~~ d~~:!~~b~~.e~ ~::
a vários quilómetros umas das outras. 0

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::rl'e:vª!
~~~~~ª;J:!;;a~;;:;sºt:ss:;~~:~'::~;sr;~~~~~;~iI;~~:(à
!p;~:~~i:~~~Ô:~~~ t:\~n~~~~:a~=~~~~~1:t~~:~~U:~~a~~:
Reconstruindo o sistema

Uma das lições mais importantes que se podem tirar do meu estudo etno.
arqueológico dos esquimós Nunamiut é o facto de todos os seus sítios te.._
de ser concebidos como parte de um sistema mais vasto. Além dos sítios rea.
denciais, era igualmente utilizada uma enorme variedade de áreas para a .._.
li:i:ação de determinadas tareías específicas, todas elas parte integrante de
modo de vida do Árctico. Vimos como sítios isolados relacionados entre li
podem originar complexos de sítios, vimos como este& últimos se agrupam nt
interior do território ex plorado por um bando, e vimos finalmente como diver.
sos territórios podem ser sucessivamente utilizados ao longo da vida de \Ili
indivíduo. Para poderem reeonstituir integralmente o padrão de uso da ter.
ra, 08 arqueólogos têm de começar por identificar a função específica de cada
sítio isolado, pois só então poderão proceder ao encaixe das diversas part-.
É um trabalho cuja dificuldade é semelhante à que resultaria da tentativa de
reconstruir um motor de automóvel a partir das peças soltas: primeiro é p~
ciso saber como funciona o motor para se poderem identificar as peças todat
(o carburador, a bateria, os cilindros, etc.) e,em seguida, montá-locomodeft
ser.Domesmomodo,oarqueólogoprecisadeidentificaros diferentes tipoade
comportamento que se verificaram nos diferentes sítios por si encontradol.
para depois poder começar a encaixar as peças que, uma vez completado oU.
balho, constituirão um determinado aistema pré-histórico de uso da tena.
Por outras palavras, em arqueologia a unidade básica é o sítio isolado, mue
objectivo da disciplina é utili:i:ar essas unidades para estudar os comporta-
mentos humanos do passado. E para que esta tareía seja bem sucedida 6
necessário que se desenvolva uma metodologia adequada à identificação dl
papel desempenhado por cada sítio no sistema global.

Sítioaeapecializados

O valo r dos estudos arqueológicos dos povos modernos é permitirem-noe.


mediante a observação dos vários tipos de sítios por eles ocupados, ter u•
~~~tr:r~~e!Jt;!~~~~r:~~::d~i~i:i~~~~:::::~~~ ~:~ ~~o~~r:::
ta que procurarei descrever em seguida mais alguns dos sítios especializadol
cuja existência entre os Nunamiut me foi possível documentar.
Alguns destes sítios são surpreendentemente gra ndes. Os arqueólOCol Fic.10.-Plantotk..- p<»içdorkCllÇ"dt0u'°"o/Úluadanol>Oktk}(.ongiuniw"Ai(ttllo
costumam partir do princípio de que as á reas de actividade ocupam poUC9 U• fi.t.53).
Círculos de pedras para fiução de tendaa

dos e abatidos situava-se a uma distância considerável deste sítio. Po r iSM,


e de modo a não interromperem o movimento dos rebanhos que iam cheg....
do, os esquimós esquartejavam apressadamente os animais e arrastavam li
partes que lhes interessavam para o sftio de Kongumuvuk, situado por tJ1I
dos salgueiros. Era, enUlo,já suficientemente afastados do caminho seguidt
pelos caribus, que os homens acabavam de esquartejar a carne. Parte del a e111
depois armazenada ou posta a secar em estruturas temporárias construíiUI
para o efeito. Uma das actividades mais importantes que aqui tinham lupr
era a preparação das peles. Estas eram postas a secar no chão, presas com
pedras para evitar <:ue voassem, o que dava origem à formação de um gran-
de ntlmero de pequenc:; .c~ttulos de pedra, todos mais ou menos do mes mo
tamanho, espalhados por todo o :a:i J. Será que, como arqueólogos, seríamOI
capazes de reeonhecer que as distintas áreas que compunham este extefllf
sítio (a área de refeições em redor da fogueira, a área de manufactura de uten·
sílios, os esconderijos, os locais de secagem da carne, os lugares onde era m
preparadas as peles) formavam um todo, ou dividi-las-íamos em sítios dif•
rentes?
Posições de caça Instalações

"Binfwd,1978-b,pp.33()....361.
/Eot'ISR. BINF JUsC~ OOPllSSltDO

}.rll1adilhas deste tipo, idênticas às que são construídas pelo• Nunamiut,


lll"'m ser muito comuns no registo arqueológico. Construçõe• aeme\hantes
~r!e':;de~~o:~=';~~~~ ~~i~~t~:}:r~~~:~~ bib~~;;;.~a~~~~~~~;~~r~
0

:;:lmericana como enterramentos de cnanças, ma moas ntua1s, ou silos em


:::~~:;:~J;!tr;.~::1! :r~:oª~í~i~!~'!!d~sti!°p~:s~d~ut1~';!~su~:::
altllllenteespeeializadoscomoestes.

Sítios de p reparação

/.pesar de muitos dos sítios ocupados pelos Nunamiutestarem relaciona-


dofcom as caçadas propriamente ditas, são também nume rosos aqueles em
qoeo que teve lugar foi a preparação da caça. Tive já ocasião de mencionar o
litio de esquartejamento de Anavü Springs, bem como o local para se<:agem
dfpeles de Kongumuv~k. Um outro exemplo_ de sítios ~este tipo é. o que se
ret.ciona com uma oc:as1ão em GUe uma fam111a conseguiu abater cinquenta
caribus mediante o respectivo encaminhamento para um lago situado nas
illlediações. O processo de preparação da carne para secagem foi integralmen·
i. realizado no decurso de apenas doze dias, mas apesar disso a quantidade
ele vestígios existentes no sítio era absolutamente impressionante. Havia
duas grandes lixeiras para onde tinham sido deitados os ossos partidos para
eJtracção do tutano. Mas a carne representada por esta enorme quan tidade
de ossos não foi consumida no local, e as lixeiras não constituíam, portanto,
mtos de refeições separadas. A quantidade de vestígios não fornece, por isso,
ntm uma ideia correcta do numero de pessoas que ocuparam o sítio nem da
duração da sua estada. Este sítio é, pois, um bom exemplo dos perigos envol-
Yidos 110 uso de uma equação simples{como a que é proposta por Yellen)I.! para
relacionar a quantidade de vestígios com a duração da ocupação. Para poder·
mos interpretar a natureza dos dados encontrados nos sítios arqueológicos
temosdecomeçarpordeterminarquaisostiposdecomportamentoquederam
origem à formaçao desses sítios, ou seja, temos de reeonstruir a função do sitio.
Uma das coisas para que o meu trabalho entre os Nunamiut certamente ser-
viu foi o ter permitido demonstrar quão variadas são as actividades que
podem dar origem à fo rmaçao de sítios arqueológicos. Mas também permitiu
de carne, de modo a manter a concorrência afastada da comida armazenada, dtmonstrar que o facto de estes comportamentos variáveis deiurem vestf-
embora ~ssa mesma carne possa também funcionar como iS<:opara atrair pani pos diferentes no registo arqueológico torna possível o desenvolvimento de
a annad1lha as raposas e os lobos. A annadilha é rodeada por pequenos mu· t«nk.as conducentes ao reeonheçimento nos tempos pré-históricos de sítioa
ros de pedra, construídos de forma a conseguir que o animal penetre nela exac- apecializados como os que existem entre os Nunamiut.
tamente como se pretende que o faça. O meçanismo de disparo da armadilha
é coloeado suficientemente para o interior (isto é, a uma distância da entra-
da superior ao comprimento do pescoço do animal), de modo a obrigá-lo a pat-
sarcom ~s pata~ dianteiras por cima das soleiras, posição em que, após a qu•
da da lOJ~, o animal, mesmo que não morra, fica preso pelas espáduas e não
pode fugir. "Yellen.1977,pp.113-130.
'#~"!=~~

® ... .

A organização dos sítios residenciais

A um nível de análise ai nda mais baixo, os arqueólogos necessitam tq. ,,.. 77. -Awmp<l""'""' rrBi<Uncial 00. /x>sq«lma..,,,.Nharododeserl<lotnlml d..Nomt-
bém de métodos para estudar os padrões de utilização do espaço «no interilrii w..,..-uol1a de 1927. É claramt n1- al.$únl nosla{QU)gro{m a mOO..W em anel descrito par Yrl
dos síti?s. Os locais de r esidência, tal como os sítios especializados, podera• •O'if.76). &~11ocornrptnd«rodaM6fV(}rrãdirrita(~r{ig.65).(FatQgro{"mdeL.Fau·
concebidos como um espaço composto por pequenos «módulos•. Uma d.a.• •-'ido. ptla MWMu A{riama de Joon~~b«rga.)
dades básicas que constituem um sítio são as estruturas em que as pe. _
vivem. Os estudos sobre os caçadores-recolectores demonstram que a na-.
r ezi.i- dos m~dulos residenciais e o modo como se distribuem no espaço podm
vanar consideravelmente, pelo que os arqueólogos Wm de estar ap tos a~ Contudo, nem todos os acampamentos de bosquímanos se ajustam a este
nhecer nos seus dados todas as pennutações possíveis. ,.trio idealizado 16• E há outros grupos de caçadores-recolectores que exibem
Yellen"defende que a disposição dos acampamentos residenciais do•• Armai de ordenação do espaço interno do habitat que se afastam do modelo
químanos Kung se rege por um plano geral, segundo o qual as cabanasdt .. 9Yellen. Os acampamentos dos índios Seri, do México, por exemplo, são or -
mílias individuais se encontram intimamente agrupadas em círculo. No . . pnizados segundo um padrão linear em que se deixa bastante espaço entre
do círculo de cabanas há um espaço vazio usado comunalmente por todua • abrigos de cada uma das unidades residenciais. Tal como acontece entre os
pessoas do grupo. As tarefas especializadas são realizadas numa áreadist*- t.químanos, também entre os Birhor a distribuição das habitações varia de
sa situada na periferia desse círculo. O acampamento dos bosquímanoaiJm. am:pamento para acampamento. Por exemplo, numa ocasião em que qua-
t rado na figura 77 éum bom exemplo da estrutura espacial r esumidapelt• lnbendos se encontr avam instalados no mesmo local, cada um deles mante-
••tua individualidade mediante o estabelecimento de acampamentos sepa-
:~~!~!:~:~;J;:1S:c~~~~?rh~~~~a;~;ddeec~~:~~~~~;:~o~e~~r~:8:C
5
• . Além disso, as cabanas apresentavam-se dispostas em semicírculo,
dia, nos qu ais também se encontra uma disposição cerrada das cabanas,• lllo te seguindo, portanto, neste caso, ao contrário do que sucedia noutras si-
as lareiras situadas apenas a cerca de 3 m umas das outrasl5. ""'6H, o modelo circular de Yellen. Embora se t ratasse claramente, apesar
•uegregação espacial dos diferentes grupos, de um acampamento único, os

"'Yellcn,1977,npecialrrumtepp.125--131.
"William1,1968,I969. • Patricia Drapcr,rorrmni~açã<>pcHoal
EM BUS0.00J>A5$.N){)

Fia:· 78.-ÁOtlmp<>mt"nlod.. úodiasS.rino iJJio ruu,.,,., S-0..., Mhioo.hutruturai a.


láodi1/)0lfllu do (omta liM!'r, "'" oa!nluodo amJmate ""'"o nioddo•'" 01141 do Ytlltn (f'll· 76).
h<x>ban°"•'"C",.,d•ulili:.aç&>•iluo1"-por<nlnw:•lfllioaW.•iúru/u,....UM>dtuonterior.
,,,..nte, dtq,,.Hpo<Ú1" oh.n•JTo/gM"" raloo ""lododi"11ilodofelctl•o/io. Pana uma """'7;.
çá<>ucdMte®-~®-S.ri,w:rh<:h.or(l962).(Folog....r10.t.E.H. Do~it•, 1922. <»tii 4e""'b:~~.:'"b:n~:~n e~':::; 19e1
do~/o Muuu do !ndioA,,,..ricono, Fundoçóo li•~.) Slhor,(ndJo
~ ~~-=-=-=-
vestígiosarqueó\01,iicos de um sítio como este podiam facilmente ser interpre-
tados, de maneira incorrecta, eomoeorrespondendoa uma série de ocupa~

! !
separadas, em vi rtude dos espaços em branco situados entre os agru pamen-
tos de cabanas dos diferentes bandos.
A utilização do espaço fisieo para representa r a distâ ncia social, eomo•
ve rifica no caso dos Bhiror, pode constituir algo de comum a todos os sítio1dt
caçadores-recolectores. A ser correeta, esta generalizção seria de grandt
utilidade eomo guia para a interpretação dos 1ítios arqueológicos. Há, no lD>
ta nto, uma complicação adicional, bem re presentada pelo caso dos sítios reti-
deneiais de Verão dos Nunamiut. Nestes, apesa r de os distintos agrupa me.
tos sociais ou os diferentes bandos instalarem os seus acampamentos •
áreas dife rentes do mesmo sítio, as habitações individuais encontram-se dito
postas de maneira muito dispersa. Num sítio em relação ao qual dispomo11l1
documentação particularmente boa, havia uma média de 90 ma separar•
residl! nciasdos membros de uma mesma unidade social. Como poderia umlf'
queólogoi n terpretar umad i stribuiçãoespacialcomoesta,caracterizad a~
existência de manchas separadas de disperstJ.o de vestígios: como repre...
tendo sítios isolados, diversos grupos sociais distintos ou, como acontecia•
realidade, dois bandos compostos por vá rias famílias?
U:WJSR.Bf/'IFORD EMBUSCADOPASs.ADO

501 críticos como oferecem maiores probabilidades de bito na obtenção de


0 desafio à nossa metodologia recursos móveis, pode ser tomada como regra geral. Locais deste tipo s.erão
sempre extremamente complexos em tenno111 arqueológicos.
Assim, cada sítio reílecte a sequência única de usos a que foi sujeito no pas-
sado. Como é evidente, a natureza internamente diferenciada das activida-
des, bem como a segregação espacial dos sítios cm que as diferentes t.ácticas
foramexecutada.s,con stituem algo que está intimamente relacionado com al-
guns dos problemas existentes nos dados sobre o Moustierense comunicados
por Bordes (cap. 1v). Mas nada de confusões: estas experiências etno-arqueo-
l6gicas nãooferecem &0luçõesdireetasdo•problemad0Moustierenae•. Acon·
eludo que se pode tirar do meu trabalho e ntre os Nunamiut não é que o meu
ponto de vista funcionalista &Obre a variabilidade no Moustierense estava co r-
redo, ma& sim que os métodos arqueológicos para a reali:r.aç4o de inferências
são, •de um modo geral•, muito inadequados. Parece claramente demonstra·
do, com efeito, que as convenç6es utilizadas pela maioria dos arqueólogos do
Paleolítico são incapazes de lidar com as escalas de variabilidade e de diver-
sidade do uso da terra exemplificadas no caso dos Nunamiul O desafio que
este tipo de estudos etno-arqueológicos nos propõe é, portanto, o da necessi-
dade de forjarmos metodologias melhores.
De que forma poderemos agarrar nas ilaç6es sobre a dinâmica do uso da
terra extraídas do estudo dos N unamiut para depois a s aplicar aos estudos de
utensilagens líticas pré-hist.6ricas?11. De que forma deveremos fazer a passa-
rem da visão etnográfica global de um sistema completo e dinâmico para a
peopectiva estacionária, centrada nos sítios, que é própria da arqueologia?
O qu e podemos tomar como um dado adquirido é o facto de os diversos sítio111
pertencentes a um mesmo sistema caçador-reeolectorde uso da terra serem,
D11realidade,diferentesunsdosoutros.Umesquemade classificaçãode sítios
qae se baseie na semelhança estrutural nll.o pode, por i5SO, aspirar a realizar
eorreetamente o agrupamento dos sítios produzidos no contexto de um deter·
mi nado tipo de exploração do ambiente ou no decurso da vida de um único in-
divíduo. O que nos remete uma vez mais para o desafio metodológico: como
podemosdescobrirsecoisas•diferentes.oencontradasem sítios-diferentes•
representam ou não componentes de um •mesmo- sistema?
Uma boa parte do trabalho que tenho vindo a fazer em relação com estes
problemas tem-se centrado no estudo dos ossos de animais 11• Porquê? Porque
llo elementos comuns ao passado e ao presente. Tem sido possível demons-
tnr, com efeito, que a modificação e distribuição dos esqueletos dos animais
aujazidas arqueológicas se faz em conformidade com alguns princípios, por
• vez determinados, em Ultima análise, pela natureza das actividades bá-

..:!.":t!:1i!~:=-~Õnº.!"!:~:":r::.::~"'u"~fl!:1~t=.c:."d~~~
;::~r;,~:~.::::..=~~:i.~":!f1:'ic':.u!.~:;;:.rte~~,.!r:!:;
===:!~C:,~~~=~:~i:r~:";..';:.'ti-:1:.~~deopinllo
• Binbd,1i711-to.
"ª'"rord,1982. ...... _13_,,
U..WISR . BINFORD

CAPÍTULO VII

GENTE NO ESPAÇO EM QUE VIVE

A estruturação dos sítios: um desafio à interpretação arqueológica

Uma dasgrandesquestoos a que os arqueólogos procuram hoje em dia dar


resposta é, como vimos nos trêa primeiros capítulos, a de saber como organi-
11.va o homem primitivo o seu espaço vital, isto é, qual a localização e o rela-
cionamento espacial existente entre as dife rentes actividades que realizava:
dorm ir, comer, buscar comida, fabricar utensílios, etc. O que pretendemos
11ber é até que ponto o homem primitivo usava o espaço da forma coerente e
especializada que é apanágio do homem moderno. Por exemplo, será que, no
momento em que começou a usar utensílios de for ma regular, o fazia no co n-
texto deu ma organização do espaço tal que podia encontrá-los já prontos para
11111 no próp rio local onde esse uso seria necessário? Ou limitava-se simples-
mente a produzi-los e a deitá-los fora quando e onde necessitava deles? Será
que, tal como o homem moderno, praticava a partilha da comida? Por outras
pelavras, o estudo da utilização do espaço no passado \evan!a a questão fun-
damental de saber como se organizavam as actividades huma nas nos diferen-
'81 locais em que se reali:tavam.
Vimos no capítulo anteri or como alguns povoscaçadores-recolectores mo-
dernos se deslocam de sitio em sitio, realizando em cada um deles diferentes
tipos de actividades. Como então tentei salientar, para poderem compreender
ad.inAmica dos sistemas semelhantes que existir.r.m !lo passado os arqueólo-
pg têm de ser capazes de diagnosticar a natu:-.!za e a crganização das ta re-
.. que foram cumpridas em cada um desses sítios. Do mesmo modo, a r eso-
- d o • problemadoMoustierense• exige queconsigamos reconstituir, pelo
menos em parte, as actividades que tiveram lugar nas estações desse perio-
... eque o façamos com base em fontes de informação independentes da com-
)llliçãodos conjuntos líticos, uma vez que o que queremos saber é precisamen-
lt1t a composição das utensilagens líticas varia de forma regular em função
•outros factos cujo significado no passado seja para nós inteligível. Para ser
•il específico, o que os arqueó logos gost.ur iam de saber é de que modo deter-
miaados factos, tais como as frequênciasdiversasem que ocorrem os diferen-
ltltiposde utensílios, as diferenças nos padrões de distribuição espacial dos
ltenaílios e dos restos faunísticos, ou a relação existente ent re detenninadas
l.EWISR.BINFrJto f111USCAD0f'ASSADO

~eg.:r;:: ~e~~~~'::~odse~~~;:e~:~:s ~:~;;~:~:~d=~~i~~~~~~


Da mesma maneiraqueoesqueletoósseoconstitui a armação do corpo que
.,.rve de suporte ao funcionamento dos milsculos e órgão&, também a dispo·
que lhes deram origem.
:::e~:~~;~s~~~~~qe:!~~en!~;::a~e~r;m::ednºt!!t~°c[~;d~d:.~Omr:::.
!Alfa~st,ut:sde~~~~~~~:a;:~ ~:~~í!id:~~:'ç~~!~~~~~~~~aess~~o~l~~'C:: siento de pessoas e bens adapta-se às instalações que aí existem. Phi\lip
desafios que resolvi aceitar quando comecei a minha investigação etno-11- wagner definiu o conceito de instalação da seguin!Al forma:
~~:d~f::~~ ~~na~:;~se~ê;;;f:vee\~~~:.r:t::e~~~~dodn;:es~~~:~,d:: [. .. )recipientes tais como os cestos, vasos de cerãmica, vasilhas, cai-
minavam em larga medida a forma como nos dife rentes locais era orga'"- xas, construções[ .. .] ba·ses tais como estradas ou plataforma• [.. .l e bar-
reiras tais como cercas, barragens e muros [. ..JAs instalações represen-
~:nºs:C:o'd::1~;~~~=sª!~t7~~:d~~t::a~~z~~ç:~ :;~x!~~~ :::o~d::: tam uma reorganização do ambiente(... ] controlando ou evitando o mo-
ção do_ próprio acampamento, dependiam em grande medida do grau cÍe •uee. vimento de matéria sólida, líquida ou gasosa e de seres animados6 •
soobbdo pelos destacamentos de caçadores. Em contras!Al, estas situa~ dt
dependência ~ra~t~ as contingência~ eram apar~n!Almente raras nos acaa. O•esqueleto• de um sítio-aquilo a que chamo a •armação do sítio•-é
pamentosres1denc1 a1se,quandoocornam,ref1ectiamcondiçõesdetensão ~ dado pela disposição dessas instalações. Numa perspectiva arqueológica, as
a~ectavam o sistema de forma drástica e global, desencadeando então estratj. inalalaç6es são vistas como •estrutura&», e as áreas de uso e caminhos de cir-
gias de emergência as quais, porém, nunca eram utilizadas nos acam pamen,. N)açlo como ~distribuição das peças- e ou como •agrupamento espacial de
tos de ~ça s. Em resumo, a existência de padrões diferentes de variabilidade artefacto SI'. Estou convencido de que indícios fundamentais para a caracteri ·
nos c?nJuntos. de arte~a.ctos era dete rminada pela diferen!Al funcionalida41 apio das actividades, a organização do trabalho empregue na sua execução,
dos diversos tipos de s1tios. No entanto, apesar destas diferenças funcio na._ to lugar ocupado por um de!Alrminado sitio no quadro do planeamento reque-
parecia existir uma estabilidade subjaeente, um conjunto de caracteríslicll rido pela estratégia global de povoamento e subsistência, se encontram codi·
da organização interna do espaço habitado que eram comuns a todos os sftiol, &ados na respectiva estruturação. Temos de investigar quais são os factores
Consequentemen!Al,aomesmo!Almpoquerecolhiaelementosparaoestudoda que afect.am o modo como as pessoas estabelecem, organizam e usam um
variabilidade dos conjuntos faunísticos, aproveitei todas as oportunidad.t determinado local; igualmente importan!Al é o modo como é feita a manu!Aln·
que se me ofereceram de documentar também a distribuição espacial doe '6odesselocal.
achados em sítios cujas função, duração da ocupação, sazonalidade, etc., e.-.. A melhor forma de concretizar estas afirmações de carác!Alr geral é atra-
conhecidas. Fi-lo na esperança de recolher dados suficientes para a constitai- "fHdeexemploa. Acasa de Inverno ti pica dos esquimós apresenta umaarma-
ção de uma espécie de •biblio!Alca• de dados que pudesse vir a servir de tu. cAode sítio característica, constituída por uma série de instalações essenciais:
para o desenvolvimento de critérios visando o reconhecimento dos facl.ohl a própria casa, estruturas para secagem de carne, amarrações para os cães,
que condicionam a organização espacial das actividades nos aítios, indepm. tlareiras de exterior. Por entre estas estruturas, ou à sua volt.a, distribuem-
dentemen!Al da respectiva função. ... uma série va riada de áreas especializadas de actividade, que podem
Um dos el~ mentoscomuns a todos os sítios, do passado ou do presente, f incluir: uma lixeira doméstica, uma lixeira de esquírolaa ósseas, um terreiro
a estatura fí11ca e a estrutura dos seres humanos que os habitaram. Poderil para os cães, uma área de trabalho, uma pilha de lenha e respectiva área de
este ~imples facto constituir o element.o---chave de quaJquer int.erpre~ eorte,uma área de jogos infantis e, finalmen!Al, uma área paradejectoshuma-
rela~ 1 onada com a estruturação dos sítios? Se fosse possível demonstrar, a - . Estas áreas não aão em si mesmas instalações, mas sítios em que são
partir de casos etnográficos, que certos tipos de padrões espaciais não 8Ao ... desempenhadas funções importantes para a vida da unidade social em ques-
não uma consequência da mecânica dos corpos humanos, teríamosenUloUllll tlo. Pode acontecer que as superfícies sobre as quais algumas dessas activi-
base para fazer inferências sobre o passado - pelo menos no que respeita U dadeatêm lugar não cheguem a sofrer qualquer alte ração deliberada, apesar
t~ti~:!!1o ~~~:: ~º::1~sç=~~~~!~~oº~~ih~~'!!~~ ~: ~~d~!~c~s~~~i:i~~ de serem limpas ou tratadas. A visibilidade arqueológica dessas superflcies
n6o resuJtaria do facto de apresentarem modificações do solo ou arranjos de
~~~~!~ :s:!~;e~~~~ d!~~hi;avJ.j~ifafo~:d:rº:;"~~~id~~ad~~':!= materiais naturais ou fabricados (como acontece no caso das casas ou das
lareiras), mas sim do facto de conterem distribuições espaciais de peças, tan-
forme, como não IAlndo variado entre o passado e o presen!Al. to u!Alnsflios como resíduos, aí depositados casual ou intencionaJmente.
Imbricados na estrutura das instalações e das áreas utilizadas encontram-se
'Bioford,1978--6.
' Biofürd,1978-.t.,cme1pccial a1 pp.265-320.
•Jbid.,p.321-327.
• Whltehead.J9:í3,p. l:íll-l:í9. •w.,,...r,1960,p.91.
Amlaçãodo11r11>

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Pode acontecer, por exemplo, que seja possível reconh~era presença de uma
lareira sem que, no entanto, haja indícios (soba forma de buracos de poste ou
de quaisquer outras estroturas) da casa no inte rior da qual essa lareira este-
re instalada.
Os métodos actualmente utilizados nlioest.ão à altura desta tarefa. Leroi-
-Gourhan' , por exemplo, propôs um modelo de estruturação dos si tios, segun·
doo qual a presença de uma habitação podia ser inferida a partir dos padrões
de dispersão das peças. Inferências como esta são, à partida , suspeitas, não
t6 parque a identilicaç~ode um determinado agrupam~ntod~ peças com u_ma
habi tação é feita •partindo do pressuposto• de que te na havido uma habita-

' Lero!-GourhannBrfaillnn,1966,pp.361-364.
~:1~~!°:~~~fJ::a1::~~=~~~e~i:=~ ~!~:::;~:~e~~
;~~cr~~~~~s;~~!ól~:rsr~~e:!:~~:c;:~t~º~~~d~h~~~~;~~~~~~~~"lldr
nomeadamenteemsítiosemquenuncachegaramaexistir instalações d:::.
residencial.
::eª:s ~í~::: :n':~~~i:~g~°:ii=.~s;:: :oe~~:=~~~ :~~~~cone.
0
de
como os que foram descritos no capitulo v1. No caso dos sítios dos esqui~
podia, se quisesse, dissertar expressivamente sobre as la reiras extetiore1 41
cozinha, as lixeiras, o terreiro dos cães, a área de jogos, etc. Esses mód.u&..
foram por mim reíeridos, há já bastante tempo, como constituindo •áre'-1 4'
actividade•. Este e outros conceitos com ele relacionados têm sido objeeto Ili
muit.aconfusão na bibliografia arqueológica, em parte devido à incapacidridl
de distinguir entre o que são as propriedades de um sistema cultu ral vivo 1
os padrões que se encontram no registo arqueológico (uma coníusãoque Schif'.
íere Rathje' já há alguns anos tinham antevisto). Antes de continuar com...
te tema, torna-se, porém, necessário clarificar exactamente o que pretendi
dizercomestesconceit.osde«actividade•,de«caixadeíerramentas-ede«á""
de actividade•. Uma •caixa de íerramentas- é o conju nto de utensílios usadoe
na execução de uma determinada tarefa. Uma •actividade• é um conjunto
integrado de tarefas desempenhadas, de um modo geral, segundo uma ...
quência tempo ral, e &em interrupção. Tareías idênticas podem faze r parte dt
actividades dií<?rentes: por exemplo, a tareía de cortar a carne tanto poder..
zer parte da actividade de esquartejamento como da de preparação da carne
para ser cozinhada ou comida. As •áreas de actividade• são lugares, instala.
ções ou superficies em que ocorrem actividades tecnológicas, sociais ou
rituais. Não é dif'lcil de conceber que uma mesma actividade exija o recul'IO
adiversascaixasdeíerramentasou,invenoamente,queumamesmacaixadt
íerramentasoucaixas deíerramentasidênticassejam usadasemactividadn
~~~rd~~~~t~~~ 'der!~;:~~~::C:ªq~~~ ~;!f~~sª;~~=:ir~:.ºJ:r~~:Í~~s:e~~
soa técnicas estatísticas de análise multi variada pàra o estudo da variabili-
dade entre conjuntos líticos•.
Voltando uma vez mais à perspectiva espacial, resulta do acima exposto
que é legítimo supor que as diíe rentes áreas existentes no interior dos sftioe
possam ser de complexidade idêntica: algumas podem ter sido locais onde Íl)-
ram executadas tarefas múltiplas, outras podem corresponder a sítios onde
foram desempenhadas actividades individuais ou tarefas individuais. Daqui
se conclui que não tem necessariamente de haver uma correspondência
exacta entre um determinado local e uma determinada •caixa de íer ra men-
tas• ou uma determinada actividade. O que não quer dizer, no entanto, que
a localização dos artefactos não tenha uma estrutura própria e que, porcon·

' V•nNoten,1978.
'Sch.ilTer, 1972;SchilTereRatl\ie, 1973.
'BlníonleBiníord,1966.
f'ia'.82.-U"'jow"'bo.qul,,...,,oulUim11dou"'f""°"""dearoo11..,,._mpa.11W"11lo..,_,
áo~mCau_W.OPon.ObM~-.,tlttald•nlodotkloàoparoolu,,...tllÕotkfru k. A ,._
n1i,,.1-li:w-«jW1lodtumocabano,noin1".iordaqual•pode.,..r..,,......,,..,.J..111o..., i..
"'"'mo.doloàoOP"'loe"""'l-umo«g0<"'1a bi{Jo....a. (Fologra/iolirodoporJ. Kromer ..
1975, ~dofHloM.-u Sul....A{riaulo, Cidade áoC<lboJ

Trabalhar em redor da lareira

Quando as pessoas executam uma tarefa que requer o uso de uma lareira,
tendem a fazê-lo segundo um padrão espacial que parece ser universal Por
e:11emplo, uma mulher dos bosquímanos Kung, do Botswana, quebra as noua
de mongongo sobre uma bigorna situada junto à fogueira onde as vai assar.
Durante a execução da tarefa não se senta de frente para o lume, mas sim em
posição oblíqua. Se estivesse virada para o lume não teria espaço suficiente
à sua frente, e é evidente que não lhe seria possível trabalhar em cima das bra·
sas. Este é um padrão característico que se encontra sempre que uma pesSOll
está a trabalhar numa lareira ou à sua volta. O trabalhador coloca o seu cor·
pode modo a fazer um ângulo recto com a lareira, e a uma distância dela que
não seja superior aocorr:primento dos seus braços. A posiçll.oadoptada por um A partir do momento em que reconhecemos a uis~ncia d~ um pad~ão
aborígene do deserto central da Austrália quando aquece resina para enca bar ba!.sico nas actividades realizadas em redor de uma lareira, as diferenças 1m·
um utensílio de pedra nas brasas de uma lareira é também idêntica, o me•· portantes ou as características adicionais eventualme nte obse.rvadas come-
mo sucedendo quando uma mulher navajo prepara pão numa lareira ao ar
livre. Este padrão foi identificado por antropólogos numa grande variedade çam a ganhar significado. Noint.e riordecasasde construção_sóhdd, por~~~~~
de cenários etnográficos. Eu próprio pude também observá-lo com frequl!n·
eia, ao analisar uma boa quantidade de fotografias etnográficas antigas.
~:~!~°:!~:'c~~~~cª:;~;s~~r:!~~~~aào~~~~~~::::i~}7:~:or ~~!lado,
p1suSCAf>OPASSADO

Ftg .86.-Uma{amtli.o.ibboaqulmano•K""BP'""P<l'""""º"<>«•<k"""'gongo.Oburvc-
• ~dolln1.po.cmctrcul4.1t~l.adoa"'6umaái•l4nciodalaroimsil....a..cmpri~ru
,,.._. (Folo/lrof14,,..,;daporl'alri®Dru.~~J

yawara, da Austrália". Pude uma vez observar um h omem sentado a tirar


lasus de um núcleo. As pequenas esquirolas de impacte produzidas pores-
Sitio CIHn L1dy - Kongumuvut CrHk, Alu e• te tipo de trabalho podiam se r usadas como ind,cio da posição ocupada pelo
Eocalaemme-
homem, dado caírem e ntre as suas pernas e aí fi carem. As lascas, porém, dis-
tribuíam-se em arco Asua frente. A forma e o tamanho desse arco eram deter-
minados pelo comprimento dos braços do homem. Num a região do mund o
muito diferente (o Norte do Alasca), pude igualmente observar a criação de
padrões semelhantes como r esultado do trabalho da pedra eJ:ecutado por um
l"lpodevel hosesquimós.
Os modelos espaciais relacionados com o trabalho sentado tornam-se por
vezes mai s co mplicados em virtude da presença de vários indivíduos. Acções
paralelas, semelhantes ou diferentes, mas executadas por indivíduos diferen-
tes, diio origem a distribuições parcialmente sobrepostas. A figura 88 ilustra
bem o esquema clássico da disposição dos lugares sentados em redor da larei-
ra quando vários indivíduos estão envolvidos. Penso que o leitor compreende-
quando um grupo grande de pessoas se enco ntra a trabal har em redor da nl sem dificuldade quão complexa será a natureza dos padrões espaciais ori-
lareira, o padrão difere do que se obse rva no caso do trabalhado r solitário. cinados pelas peças deiJ:adas por um grupo de pessoas se ntadas. Este tipo de
Nessecaso,i_ts pessoas afastam-sedo lume, de modo a que toda a gente tenha distribuição foi convertido num model o idea1izado (fig. 89), baseado em obser-
espaço suficiente para trabalhar, e o padril.o de dispersão dos resíduos ap,.
se nta uma disposição circular, em torno da lareira, e não perpendicular, como
acontece no caso do trabalhador isolado.
Outra observação importante acerca da estrutura ção dos sfti os é a queM "Omeul.rabalhon•Austriliaíoi fciton1condiçãodeDDnvidadode J an:ie-O'Co11nell, que
.. altura nt..v• a trabalhar con:i .,. Alyawara. O spoio lin• nceiro foi di1pensado polo Auatn·
pode exemplificar no caso do fabrico de utensílios líticos pelos aborlgenes AJ.. llonAborigina llnstllute,C a mbcrr•.
" " " _ _..,.,USCA DO f'ASSA.Dó

vações feitas num sitio esquimó em que era frequente observat-se um grupo
sentado em círculo em redor de uma fogueira. Os desperdfciosque calam for- Modelo da larE•!!,;,•,!:!or • dos homens•
mavam um anel de ~as de pequena dimensão disposto em tomo da lareira;
a disposição dos objecU>s de maiores dimensões era, porém, diferente 0 que
se devia ao facto de as pessoas os atirarem para trás de si, para longe d~ ~ 11111
=.
em que se encontravam sentadas.
Para ilustrar este modelo geral de organização dos lugares sentados VOll Fifl. 89.-MO<hlod1u20niud4•ql./bla. ~ch-or1"fnv•..,., <ksmuoluid;iBpBrlir<kOOH r ·
recorrer a um caso especflico registado entre os Nunamiut, num aca mi»- ...p5t1{ei1M no •Uio M iulr, Andll.ouulr fuu, Al<s..., (wr Bfo{ord, 1978·/>J
mento de caça em que os homens estavam a preparar ossos de caribu para
obtenção de tutano. Se analisarmos a distribuição espacial das pequenas•
quirolas de osso produzidas pela fracturação a que os ossos eram submetidos
1)1.ra seextrairotutano, ve rificamos a existência de uma concentração em to r-
no da lareira - a .,zona de queda•. Estes pequenos fragmentos de osso com-
~··.t"' / -~~ portam-se de forma análoga à das esqufrolas de impacte produi::idas pela
debi tagem de um núcleo de pedra (fig. 87). Tal como no caso dos resíduos de

~! ~.""•
talhe, as pequenas esquírolas de osso eram deixadas in situ pelos esquimós,
no preciso local em que a aclividade de utracção do tutano tinha efectiva-
mente sido realizada. A distribuição dos fragmentos de osso de maiordimen-
-- -~-
llo-a •zona dearremesso•-era, parém,diferent.e, parqu e depais deotuta-
noserextrafdoasextremidades dos ossos eram colocadas em ou atiradas para

. ~' ~
um espaço aberto situado por trás do local ocupado pelos homens. Este pro-
:..:;.": mso de atirar para o lado as peças maiores foi-me explicado pelos esquimós
como constituindo uma fonna de •manutenção preventiva• da área de traba-
lio. Quando lhes fiz perguntas acerca das diferentes formas de despejo par
. . empregadas, a respasta que obtive foi a seguinte: · Há alguém que goste
Fia;.88.-Dilpoaiçlodn:ul.remredordeumab.re!n,l-o.lcomoexemp!iricadapor"'mp
dese sentaremcimadeumossogrande?•
P? de boequlm•noo Nharo, cm Canzi, Bot..wana , porvoll.a de 1969.(Fotograr.a deH. Stcya. • A presença de vários indivíduos empenhados em tarefas dife re ntes à vol·
d1dapo loMuaeuSul-Africano,Cidado doC11.bo.) ta de uma mesma lareira pode ser um factor de variabilidade ac rescida, tan·
LEWISR.B/Nf"Olta p1BlfSCAOOJ>A5SllDO

to no que diz respeito à forma como ao conteúdo das distribuições de resíduos.


N• situação ilustrada na figura 90, o indivíduo n. 0 1 está a ferver fragmentos
de ossos para preparar uma espécie de caldo, actividade para a realização da
::s:~~).Q~~eº;:~ap~~~:e ~:tr~::~e~:~ d~d~[~~~a~d~~~e::1~
~:~r:u~~ f:J~ d~ J~~~f~~ ~e:~:!º: :::=~~!·fl:~':an:i~d~;;:;;~:;~~~=
quando se punha de pé, de_frente para ela. São estas as áreas a~sinaladas
como «pequenas lixeiraP na figura 90. Esta acção -o despejo de uma mas-
.. agregada de resíduos em vez das peças isoladas a que até agora temos vin-
do a fazer referência - produz, obviamente, concentrações homogéneas de
objectos. Estas distribuições localizadas interrompem e pontuam o padrão de
llCUmulaçãosimultãneadepeçascaídaseatiradas.Nosdiasqueseseguiram,
quando estavam presentes mais homens, construiu-se uma terceira lareira
aum local que na figura 90 estaria posicionado junto à respectiva parte infe-
rior. A existência prévia da pequena lixeira de ossos de caldo, situada por trás
do indivíduo n.• l, funcionou como uma espécie de íman que atraiu outros des-
pejos, de tal modo que a maioria dos restos atirados pelos homens sentados
•volta da terceira lareira se foi acrescentando a esta lixeira ainda visível do
dia anterior.

Observações comportamentais
Lareiras A a B do sítio da abata de Anaktlqtauk

Fig.90.-.0b$troaçóu oomporl<lm•"1taiaf•i"'a ""s Lo,..ir<U1AeBdoalli-Ockabai<••~


t<jar.uflio<kA,,aJitiqtauk.A,,aJit«v«kl'aM.AlB&ca..(looali~unclllllB{is.53).Doil"­
•s"'"""'·"""tadoo(,,.M2 <3)}«n/Qàla,..imB,porli"doOd&osckcnribu e a>m.<ndoo,..•puliN
lutan.o.Amttlidaqu• osossosiom u ndopor/i.dQs.asesqufroiB&d.08MJqrucoiom<lsuoloeila.
entrovam "" .,z""" d. q...da,..As <xl,..midade6 arlicu.ltl,..a d. m<>Wrdime11sõo emmpo11M•
kuloo«ali~pomtrá.t,pama4011ackar,..,,......,,..Ap<116<1tln.• /~u.ckpois,e•..,,....
q1H u p,..pol""<l$#u.mooldoaportirdoa{mgme11toadecoak/<U1ckooribu.{•l"llidtuqrul/'ll.<ÍO.-.
siga~ dasu:t,..midade• cvtfoularoa doa ossos /,ongos qru houiam sobmdodepoi• ck..., Ur ...,..._
dockoomerotl.<lano.Porao{a.t:u,aln>«-uwn/wn.erdpúio11W>1augundalBrtim(A,),Olld<i-
la"' ck cn{i {oi s«sp<n8<uob,.. o{ogopora{uwracoJdo (~r fis. 72). A p<116<1tl 11.• J l<>mou.-·
tado{ogo e manU~ o{troumaUqruacoJdo{oi0011sidemdopronto.<Jpóloq""foickitado,.

:::~:~1::'t,,."/:!o"'f.'E,,~":.,,~,;:::;:,.,,n,.s::id,,:º:::::c;:.~a=u~=r:
poi6ckacnldo 1Mroonswnido, oindivfàuon .• I apanlwu mui1Mdoafmg,,..11toapro<1<ni<nta •
"",...tos foront .U.,..
ulrflcç6o ck tu"'no e p,..parOU wn<l sq;wula dou d~ coJdo. &roida <Bill,
jadospomtrá.tdolocol • mque ofodivkluon.• / utnoontmooun/Qdo.
U:WfSR.Bli'IFóltlJ gttJ USCADOPA.SSltDO

Nota:Oi$11'hJiçAodos0$$0S
segundoleroi-Gouman

; ... ,, . ...
aílmziRoo, 1966. lig.59
_ Lareiras de interior e de e:d crior

O modo como os restos se distribuem em redor de uma lareira fornece-nos


indícios que nos permitem determinar se a actividade em questão se desen-
r0lou dentro ou fora de casa. Foi-me poss,vel, por exemplo, documentar o mo-
do como, ao longo de um perfodo de tempo considerável, os esquimós Nu na-
rni utinstaJados num acampamentodecaça (o sítioMask)utilizavam oespaço
t, sua disposição. Na minha planta do sítio (fig. 91) podem ver-se quais os
padrões de actividade que estavam a ter lugar num determinado momento:
umhomemdormiadeitadonumapeledecaribu;outro estavasentadoàparte,
t'abricando utensílios; um tercei ro encontrava-se de vigia. Tal como no caso
interior, a maior parte dos homens conversava em redor da fogueira. Como
era de prever, os homens sentados em semicírculo à volta do lume ati rava m
.,. restos de comida ou directamente para a área em redor da lareira em que,
devido à direcção do vento, havia mais fumo, ou enUio para trás das costas,
triando, deste modo, um padrão espacial de •zona de arremesso» muito carac-
terístico .
• No interiOT» das habitaç6es nunca se encontram ~nas de arremesso e
··-.. __ _
._ '1eas de lixeira tão d iferenciadas como estas, porque as pessoas raramente
atiram os desperdícios contra as paredes das suas próprias casas. Por outras
palavras, as tácticas de manutenção de espaços domésticos intensivamente
Oi$uibuição doso510IGm n'liação utilizados são diferentes das que se encontram em contextos de utilização
eomomodelodaLarniraextefÍOfdos•homens• extensiva do espaço exterior. Consequentemente, as lareiras interiores e
exteriores diferem também quanto ao grau em que se verifica a dispersão em
PnJCE V ENT No. 1 .eu redor tanto das cinzas como dos outros vestígios. A minha experiência
Escala em metros
indica-me que, de um modo geral, as lareiras de cozinha situadas no interior
das casas se apresentam rodeadas de pedras bastante grandes, deforma a im-
pedir que o chão da casa (vegetação, peles ou esteiras) pegue fogo. A2, pedras
Fig. 92. - MO<Ú/oáo óno de ,.,.~,.......,,paro omaoát '""""n•nnlildt»t"' náordc - também servem de barreira às cinzas, evitando que se espalhem pelas áreas
loniroukrior.«Xi~pt;Mlo<láúlribui('llotftdi<mda.~•loffoU11'6l1-. ,.,.ja2iáaáe ~ de trabalho que, no espaço limitado disponível no interior de uma casa, secos-
Um.(Daá4ft.arq~ioos~t,.,/Al'oi..CO..rhontBri:li.Uon.J966,fill.59,p.33SJ
tumam concentrar em redor de uma lareira. As lareiras exteriores, pelo con-
trário, não apresentam normalmente qualquer protecçilo deste tipo. Quando
.e cozinham quer plantas quer animais, verifica-se que a constante busca por
Os exemplos já citados permitiram ilustrar três modos diferentes de des- entre as cinzas dos alimentos af assados provoca uma dispersão considerável
pejo: decinz.as e de pedras estaladas pelo fogo. Com o passar do tempo, isto resul-
ta na fonnação de grandes manchas de cinzas, carvão e outros resíduos de fogo
1) Deixar cair peças isoladas in situ; a toda a volta da lareira. A figura 94, por exemplo, mostra uma mulher dos
2)Deitarforapeçasisoladas; bosquímanos Masarwa retirando as cinzas de uma lareira para recuperar as
3)Deitarfornagregados maciços decoisas. nozes ai assadas. À medida que novas fogueiras vão sendo ateadas na mesma
sona e a mancha de sujidade vai alastrando, o centro da lareira vai mudan-
No primeiro caso, as peças tendem a ficar no próprio local onde foram tta- do de posição. Estroturasde lareira bem diferenciadas e de grande dimensão
balhadasou preparadas;em contrapartida, peças maioreseagregados de • 16 aparecem no exterior das habitações, onde há menos limitaç6es de espaço
saa pequenas silo atirados para a periferia da área de trabalho em que foraa 1 11 actividades se podem estender por áreas mais vastas.
utilizadas. Os nossos conhecimentos sobre o significado da distribuição dos deaperdí-
f.EWISR. BIN fll l tlSCA OOl'ASSADO

4i1t.ribuição dos resíduos de fabrico de utensílio1 líticos desta e1tação a rqueo-


:.:::aev:~~:~:~~~~:en~~i;.::i~~ir~:'n~~::le~r~:~e:~:~.;::n::;t~~
~a~:i~:!~~~~:~~~c:~t~f~~d~vrrd~~::\:;~:/:;;;:o~~:;:eiS:~~~~
iaça'lo. Como acabamos de ver, a distribuição de vestígios em forma de donut
i. pelo menos nos casos etnowáficos, característica das actividades realizadas
,o ar livre.
A investigaçãoetnowáfica fornece provas suplementares em apoio da mi-
oha interp retação de Pincevent. Quando as pessoas trabalham ao ar livre,
.,m abrigo, muda m frequentemente a su.a posição por causa das mudanças
DI direcção do vento. Por exemplo, se houver uma wna plana em que prefe-
rem sentar-se, a lareira será colocada em íunção dessa escolha. Mas se, por
llC850,ovento mudadedirecç4oeoíumocomeçaaincomodá-las, nãose rápor
causa disso que o sítio escolhido é abandonado: as pessoas permanecem aí,
limita ndo-se a vi rar as costas para o vento e a acende r outra fogueira . Des-
te modo, não precisam de t ransíerir todo o seu equipame nto para o lado opos-

O•••nvolvlm111>to do mod•lo d• form•çlo


Ol ttrl bulçlo do• ur•n•lllu •pó••
mud•nç•

P1N C E V E.NT No. 1


Escala em metros

cios podem ser utilizados para interpretar os comportamentos ocorridos,.


estação paleolítica francesa de Pincevent, datada do período magdale nen11,
há cerca de 15 000 anos 12• Pegando no modelo dos homens sentados à voltada
la reir~ ~ase ado n~ma posição de caça dos esquimós modernos, representadl
pelo sitio Mask, a.iustando a respectiva escala, e aplicando-o directamentel
Flg.94. - Um(lmullwrdo.b<>lqui"""'°'MMOnoannww..do°"a:iua..dol..-pomn-
~ ... ...,.. ~k"'"°""8.0bMrw-«odú~iç&>dcptrcul&',dabigomoedM.,....,...a,,,,,..
-.,.., loeolondttaulm~li11Ao atodo •11todoolmballtor (wr{ig. 82J. (F°"'t(m{i<lotdi­
" Lerol-Gourh.n e Bril;illon,1966,1972. •pm,M.-w Nodonol <k Hú14ria da Cultura, Pn14ria).
1
/~
~~~ ~}l:.___ .
•.
Oes 2
-<?,,-'" i:= ~ ~t
~ ()'\-,o.--,
u,l/.i ,__, 1º '-'
AQwnpamentomasr.uiionoma1a.OO.Nga1<11jara
0.S....-..6o•parM<MGould,11177,!5g22
Abotlgenet d• Au11 nlll•

direcção e que, para evitar o fumo, a pessoa que estava sentada a trabalhar
to da lareira original e de se sentar em cima do lixo que para aí tinh am ati· 11e limitou a rodar 180-e a construir outra lareira. Uma ve:i: que o vento só afec·
rado. Quando não se está constrangido pelos limites de uma casa ou de um. ta as lareiras e:ii.teriores, a reeonstituição de uma complexa tenda de peles
abrigo temporário, construir uma lareira nova é mais fácil do que re,osicio- cobrindo as três lareiras 1s, proposta por Leroi-Gourhan não pode continuar
a ~r defendida, pelo menos à lu:i: da nova compreensão da estruturação <lcs
0

nar-se em relação às instalações existentes. Dado que as mudanças de direo-


ç!lo do vento não afectam as lareiras interiores, é só em situações de exterior dtios que a investigação etno·ar queológica nos permitiu obter.
que é lógico esperar a ocorrência deste fenómeno de rotação de lareiras.
A maneira como a distribuição dos vestígios se encontra relacionada coa
a posição das três lareiras de Pincevent sugere que o uso de duas delas foi fei..
to por uma única pessoa. O que parece ter aconteeidoé que o vento mudou de
LEWISR.8/Nf'Otro pi gUSCll DO l'ASSM>O

M:>delol . M>delo l
Aurignacenooinicial- •1· - (cercade32300.BP)c,..,.,ada11

Modelos de formação para dois nfveis


do Abtl Pataud, les Eyihis, França
EllOl.la...,metrt:s

Fig.9?.-Motkltickánoaduinnnida: •squt:mag•11ualizadodad~•l<11>1=hod.>I

...
~~ .. umgrat1ck nU""'ro ckpooos~
ál'M.OckdonnidabaMado•mob ..rvaç6.,nalizada8 • >1ln Fig. 98. - Motklo d• fomwçiW dt.>I arrat1j06 ck donnida • m diV<lrw$ cam.adatr do Abri Po
loud. (Dado.t arquodóSicoo ulratdoadt Mooiw, 1975J

nes Ngatatjara, da Austrália, por exemplo1\ verificava-se um padrão de


alternância entre camas e lareiras. Em contraste, quando há casais no acam-
Áreas de dormida pamento, como num caso documentado entre os Mrabri (grupo de caçadores-
-t"CCOlectores da floresta tropical da Tailãndia 15), as lareiras alternavam com
espaços ocupados por camas duplas em vez de camas individuais; quando a
Outro aspecto em que os padrões do registo arqueológico são afectados pela composição social do grupo er a mista as lareiras alternavam tanto com camas
estatura e mecânica do corpo humano é o que diz respeito ao espaço necesd.·
rio para dormir. Apesar de o registo etnográfico conter exemplos muito diver-
sificados de arranjos de dormida, essa diversificação é determinada pela
acção de um número limitado defactores conhecidos. Num acampamento uti· " Gould,1977,fig.2:2.
li.zadoporumdestacamentoexclusivamentemasculinodecaçadoresaboríp- "Velder,1963,lig.2.
LEWISR.BIN.._

duplas como com camas individuais. Apesar das ligeiras variações verifi~
no número de camas individuais e duplas, a disposição básica de camas alt.J_
nandocomlareiraspareceexistirportodoomundo.
O tama nho das camas não depende apenas do número de pessoas que nei..
dorme. Por exemplo, se as pessoas, em vez de usarem um cobertor, dorm i..._
vestidas toma-se necessário um espaço maior. Tendo em conta os ractol'll
relevantes verificados em situações contemporâneas análogas às registact..
nos tempos pré-históricos, toma-se possível abordara quesl.40 do cálculo de
espaço necessário para a insWação deu ma cama, um pouco à maneiradoCIUI
um arquitecto de hoje faz para determinar o espaço que deve ser atribuldo•
di(e rentes partes de uma casa moderna.
A maneira como a donnida é organizada nos abrigos sob rocha é algo de
particularmente interessante porque, nestes casos, a variação no posiciona.
mento das camas é determinada pela estação do ano. No Inverno, as cam•
são, de um modo geral, dispostas • paralelamente~ à parede de fondo do abri-
go. No caso de se tratar de camas individuais, as lareiras são colocadas a u
dist.Ancia de cerca de 1,2 m da rocha; se as camas forem duplas, essa distan- 1111
cia sobe para cerca de 2 m. No Verão, pelo contrário, pretende-se, em prine{. Pequen<>-almoço na cama
pio, evitar a exposição ao calor solar absorvido pela rocha, e por isso as carna.
são colocadas •perpendicularmente• à parede do fondo, e as pessoas dormem
comacabeçaarastadadessafontedecalor;nestasituação,aslareirassãoco)o.
cadasporentreascamas.
Tal como acontece com os modelos de pessoas t rabalhando sentadas à vol.
ta de uma la reira (anteriormente discutidos), também podemos tentar ap!i.
car estes padrões gerais de arr umação do espaço de do rmida deduzidos do
registo etno(:Táfico à interpretação do registo arqueológico: afinal, a estrutu,.
ra básica do corpo huma no tem permanecido inalterada desde há muito tem.
po. A utilidade deste método pode ser demonstrada através da análise da dis-
tribuição das lareiras do Abri Pataud, uma estação do Paleolítico Superior •i-
tuada em França e escavada sob a direcção de H. I. Movius". Sobrepondo
tamanhospadroni.:r.adosdecamas,paraosquaisdisponhodeextensadocumen-
tação etnográfica, à planta de uma camada do Abri Pataud datada de uma ra.
se inicial do Aurignacense (o Aurignacense 1), descobri que se verifica um
aju.stamento perfeito entre os padrões espaciais arqueológicos e um esquema
de camas individuais situadas entre as lareiras. Como já rereri, a altemin-
cia entre lareiras e camas individuais é, nos grupos modem os, típica dos pa.
dr6es de do rmida encontrados nos acampa mentos de caça exclusivament.e
ma&culinos.Acombinaçãodest.etipodedistribuiçãodaseamascomapresen-
ça de lareiras em fossa situadas em frente da á rea de dormida parece-me,
assim, indicar que o sítio não era, nesta época, usado para fins residenciail
(comooriginalmentefoiderendidoporMovius) masapenascomoumacampa-
mentotemporário.
Noutra camada do Abri Pataud, pertencente à fase do Perigordense Vl,a
ocupação humana também deve ser considerada como representando um
acampamento temporário de caça, dado o espaçamento verificado entre as la·

'"Moviut ,1976,1977.
f11 B/JSCADOPllSSAJJO

rrientos dos esquimós e dos aborígenes australianos, e disponho de dados


suplementares do mesmo género relacio na dos com povoados ocupados por
Povos horticultores.

Áreas d e a ctividade e:l:tensivas

Algumas tareías que as pessoas costumam executar de p4! e não sentadas,


dlo origem à formação de manchas de dispersão muito extensivas. Um bom
~ ~ -~ .. exemplo deste tipo de actividades que ocupam muito espaço é a preparação e
· ·~. u.so de lareiras em fossa para assar comida ao ar livre. Os aborígenes Alyawa·
ra, com quem trabalhei, costumam usar as lareiras em fossa para várias
funções. Em certa ocasião, em que tanto eu eomoJamesO'Connell e&t.ávamos
prtsentes, fo~ possível observ_ar como a construção e.ª ~tiliução da própria
lareira eontnbufam para a di mensão da área de aetividade daí resultante.
'['l'nhamos penetrado profundamente no interior do mato, acompanhando um
ppo de homens que se dirigia para uma pedreira; de caminho, os homens

Sitio lu•lr • ll• nodo• Pln •upl


focalatm-
2::::
~)
Fig. 99. -ÀCl>'"P'""'""'° d...oborfB<nH Pinlupi '"""tmndoJHfl""""• """'""'' '"'-•
JHfl""no-oJTM(JO ' '" ndor da. .WC. dr dm-miJo. (EkrMaJo em Hoydtn, 1979, ~ I
258,p.152). --.{

-""="""-"'"""""--:-;.::
jazidas arqueológicas,osrestos dasrefeiçõesindividuaiseosdasrefeiç6"•
grupo se apresentem dife rencialmente distribuídos.
Osrestosdos•pequenoa-almoçosnacama•nemsempresãodeposit.adol•
local de consumo da refeição. Num acampamento de bosquímanos, depoil•
as pessoas te rem acordado e comido as suas refeições individuais, os l'fll*"
ti vos restos são apanhados para cima das peles ou cobertores da cama, ...,...
dos para o exterior da cabana e sacudidos17• Este comportamento oriefM
•lill:eira.s de pe<iue no·almoço• situadas ao lado das áreas de dormida ou _ .
mo junto à porta. Pude também observar ·despejos de porta• em ~
Fig.103.-.Cham....,,,,,do0"""8""'-' 0{ogo ia~<k~<hcomphl<UJ""colomçdoda
"""'""'°U.i..riorda{ocao•11oplllta{onna<K(iatt111.o.Auimq1U1alt11"4com~aarthrbrm..o
_..,..,.., 1o1.lrodopomoi111Gdo/11..upomotpllM Hrtmq11•im"""-,•<hpo41i 110<1<1m•11l.ort·
Jino<lop<>m •hlHrtmmrpodoa .&l.oproc11u<>{acilitao a.uad11m,porqiuotptlot"5<>11mllo·
16111.o uorh11l.o•, H 11/JD{otHm rtmouidot,podtmrtlard<l-loo11..u1moimp<dl-lo. Umowiqiu
opl/011/JDan:U lododt uma .t6 ~u. o Op<!ruçóo l.om <k H f' rtp<!tida vdritlll ....u r.

caçaram um canguru fêmea com uma cria na bolsa, e trê& abetardas da Aus-
b'ália. Em dias quentes, como era aquele, a caça abatida longe do acampa-
mento residencial costuma ser cozinhada no campo para evitar que se estra-
fUe antes do regresso à base.
Os homens iniciaram o trabalho, começando por esquartejar o canguru
com uma faca de pedra e um machado de metal que tínhamos trazido connos-
co. Osanimaisgrandes, eomoestes, costumam ser cozinhados dentro dassuas
peles. O pequeno buraco feito no abdómen do canguru para lhe serem tiradas
u vísceras teve, por isso, de ser fechado e atado com um raminho de acácia.
A seguir, escavou-se uma fossa com cerca de 1,5 m de comprimento, pouco
mais de 0,5 m de largura e cerca de 0,5 m de altura. A lenha foi recolhida e
acumulada junto à fossa, e o lume foi ateado. À medida que a lenha ia a rden-
do ia-se chamuscando o pelo do canguru de modo a facilitar a sua remoção.
Entretanto, foram-se espalhando folhas pelo chão(para evitar que, uma vez
cozinhada, a carne se viesse a encher de areia), e as aves fo ram parcialmente
depenadas e embru1hadas em folhas capaxes de absorver a gordura do assa-
do. Quando o lume começou a baixar, os Alyawara pegaram em paus e come-
çaram a bater na lenha de modo a que o carvão se fosse acumulando no fun-
do da fossa. Quando chegaram à conclusão de que o forno estava pronto para
receber o canguru, os homens colocaram-no na fossa, de pernas para o a r ,jun-
ta mente com as aves nos seus embr.llhos de folhas, e recobriram os animais
./ \l<<*Ud91tmdol-
.Fia:· Ul4.-•l'rtpol'"GÇ(JodoMIV<lo..-Foz.- t<ml<'1•w{orit, <ÚmotioGqU.Gk1t"" q...... \ <li•~
rapilú>nw1ttt:. oc>...,,, .....rdoQ1tlnml,M'""""'°º""tt:rn"k"haqu.GrrU,d4oori,ft'" <l-
~t~~=t:~;i":'a"!:::."i:~;':,?,.'d,.".,q:Z~~=~ Sl11o d• çoil~':.;!,,';:.':!º d"• Aly•wu•
poraolado.thi.m1td-r;ipt1tMGDC1rv&I GC1J.m~a1ta{u1ttlGdG/'-"t1tGpki/afOl"m4 o(ll.
°'"U(como_upod•oburwr1tt>fl.sura).Obu:rw-•1JU<Únw1tU"dro>rúcirr:ul<>çdotm redoo-•
lil.-.lra . .... 1'"""'""",..fl<l1tUc:amidGqu.ui>l u "'ºzi1thoda(u tt:ltdidtl t meimathu'""pcqw..
1tanwMthfolWthmod-O t>1t6o{ioar •l(it>).

f'i&.l06 .-·Plil1tl<ldtlw""dGlilreirotm(OU<1do.A.lyawara.•Obur,,,_.,10CG1iz<>çdodo
rlliaimqu. oroborl:ge1ttfDC111Wmiram umort!feifdo/ipirat1tqU<11tllJ Hprra11t>mqu.aÇQmt{i ·
-pf'Oltla. -LRB·t...!O'!:• iltdicam 01 loooi8M<Ú.,.orqutdlo/I01 lomt>ram ""'"""prdpri""
~th (tljáotnlillodo!Aplilnl<l"""'trabemaulo1t..WdG.V..aocu,,..,Japorumoaçti111do·
• - ""'· thCGZi..Ju.r"""'idG 1tt<m.GÚ>nira t 1"fi;.ua.

.....
com o resto do carvão. Acame foi entAodeixada a ass.ar durantecerca deu ma

À medida que a actividade se ia desenrolando, íamos tomando nota doa


padrões espaciais gerados por este conjunto de tareías, e fizemos uma plan·
ta da zona em que registámos a localização de todas as estruturaacom viaibi·
!idade arqueológica potencial. A fossa, a área em que a lenha arde u, a terra
U foua , o local para onde foi atirada a lenha que sobrou, oa ramosdeárvorea
em que a carne foi colocada antes de ser posta a assar, o lugar onde a cauda
do canguru foi preparada enquanto se esperava que a carne ficasae pronta, até
Fta:.106.-.J'ondo"<»<rtida"......,. .. 0"""6u111l""í"i...do"o""l"t'&>a<:W10w..do noi. mesmo a área onde oJim O'Connell e eu Unhamosíeito a lareira em que aque·
tt:ril>rdGµ,...,iquJ1ttJo.....lh•""""'•·•"'brulA"®tm/Olli""po.rall.6operdtrt1"0~llo,. cemoa o noaao feijão - tudo foi cuidadosamente localizado na planta.
radoprlt><>UOdura.ACGZtdura°"""""'aaimqu.aDCITV&>taa.-.ia q"""UdtlplaJo{,,,......, Um facto interessante que ressaltou do estudo deste asaado de canguru foi
ati.....U..po.ra <Ú1tlro dG (OUtJ dt modo a ncobri.-.'" c:ampklanw1ttt:G DClmt. 1 exisUncia de uma certa regularidade na área ocupada por pessoas exe·
LEWISR.BINl'Cllll IJlllUSO.OOPAS.«DO

o e~U:';::jr;~:~~<!J1o~~~~eb~~~:;et:C:se~;!~~":i~s:~~a~i~~ i~~-it;s~:
modelo (sobreposto à distribuição arqueológica real originada pelo esquarte-
cutando tarefas de pé (cerca de 17 m1 a 24 m~. Além disso, a sequência de actoe jamento de caribus no sítio de Anavik) que aparece representado na figura 61.
que acaba de se r descrita dá origem a um padrão clássico, organizado em tomo AI. áreas de esquar tejamenrodos sítios de esquimós e aborígen.es apr~se~ta'!'
de uma estrutura, neste caso a lareira em fossa; à volta desta, um espaço de ainda uma outra razão de interesse. Nestes grupos 11, com efe1to, 11; d1stnbu1·
trabalho, por sua vei. cin:undado por um anel periférico constituído pela ~oda carne é, nonnalmente, feita nos próprio~ locais de esq:i_arteJamen~, e
acumulação dos resros que se foram deitando fora. Os desperdícios di recta· não na área residencial, porque, como os meus info rmadores tiveram oca~1ão
mente associados com o uso da fossa ficam concentrados nas suas imediaçõea; de referir dividir acarneevisitarosparentespara•conversar»sãoco1sas
os outros vão-se também acumulando à sua volta, se bem que a uma dislAn· dife rente~ (o que subentende um domínio de aplicabilidade restringido ao
eia maior, dando assim origem à formação de uma zona de arremesso. in t.erior dos limites do •lar» das normas de cortesia relacionadas com a hos-

pitaci~~:~~~ições de restos análogas, e a escala espacial semelhant~, fo ram


Outra actividade executada de pé que dá origem a um padrão semelhantt
é o esquartejamento de animais. A diferença principal entre o assado e o
esquartejamento reside em que, no caso desta última actividade, nã o há também observadall por Robert Hard entre os Tarahumara, do México. Este
quaisquer vestfgios de uma estrutura central que possam vir a ser observa· povo cozinha plantas do deserto em grandes larei ras em fossa~ ~ormali:nen­
dos por um arqueólogo. De um modo gera1, a pessoa que está a esquartejar o te posicionadas nas trasei ras das casas, longe das áreas de actr·:1dade s1t~­
animai executa o seu t r abalho no interior de uma área cireular centrada nettt dasjunW às respectivas portas de entrada. Regra geral, com efeito, as acbv1-
último, virando a carcaça de um lado para o outro se necessário, caso em que dades que monopolizam quantidades consideráveis de espaço {como o esquar-
a pele é utilizada como superfície de trabalho protegida. Isro dá orige m a: tejamento ou os assados feitos em lareira em fossa) tendem a desenrolar-se
longe das áreas mais intensivamente usadas no dia a dia. Os aborígenes aus-
1) Um espaço de trabalho e circulação em volt.a do a nimal;
2) Restos que se deitam fora e se acumulam na periferia desse espa'°
de trabalho. "Binford,19711-<o,pp. 142-14!1.
U:WISR.BINPofe 1111USCADOrASSADO

/
/
/

,,.rif~;;.1J?~;::~::~:l'tc.:~~~:.w.~;:.:=.::;;iu~'::::~;;t;::.,~::.~
iollli/~Q)llMl"'"""Mlti,..,.para/~..,,..,m<>ruptciimparú.Umrne0..FHUO<U qu.rn&l e.
llfo p«Mlllu.

t~alianos, por exemplo, constroem sempre as suas larei ras em fossa em zonu
situadas. ~a periferia do ce~tro de actividade do acampamento -ou seja, u
áreas uhhzadas para donm r, conversa r, trabalhar ou cozinhar em pequer11
esc~ l a - mesmo qua?do instalados em locais em que se prevê uma estada
muito curta. Eu própno pude observar opções de localização mui to semelhan· Fig.llt.-8ofqu!monoraapondo~/HkM1>CGmpo""'11toMool:odidorono..NJ01.N:JGb,
tes entre os ~sq uirnós e os !'lavajos, os quais, com efeito, costumam const ruir d4 N<>mtbio, ~m 1976. (F;,tQem/';a ctdi<WFHl.o Museu SuJ-lifri=no. Cl.dotkdoCoboJ
as s uas ]~reiras em fossaJu~to de zonas usadas como pequenas lixeiras ou
como locais para cortar madeira, de modo a não interferirem com as activida-
des nonnai.s da vida no ~carnpamento. No caso destes dois povos, aliás, pude nuclear da residência, em virtude da grande quantidade de espaço que
rnes~ovenficarqueasd1versasactividadesespacialmenteexten sivas, q ue1e oeupam.
realizam_ de pé, costumam ter lugar em áreas adjacentes. No caso dos sítiot O trabalho das peles é outra das actividades que, de um modo geral, se
dos esqmmós, por exemplo, é frequente que as áreas de esquartejamento se desenrola na periferia das áreas centrais doa acampame ntos residenciais.
encontrem ao pé de áreas de armazenamento ou de carregamento de tre nóa, Quando se trata apenas de urna ou duas peles pode até aco ntecer que sejam
umas como outras estando quase sempre situadas na periferia da área simplesmente estendidas, presas ao chão com estacas, mesmo ao lado ou por
l.EWISR.BIN.
,,,1uSCADOf>ASSADO

A estruturação dos sítios: combinar os modelos

Tal como ant.erionnente se referiu, os s'tios são o resultado da combinação,


..,b diversas fo rmas, de três constituintes básicos: instalações, superltcies e
objectoS. O que temos vindo a fazer até aqui tem sido tentar ver de que modo
_.s com binações destes três elementos básicos podem contribuir para a for-
t1ulaç!o de modelos espaciais gerais relacionados com actividades detenni·
Ilidas (por exemplo, arranjos típicos do trabalho sentado, arranjostfpicos do
.,ur sentadoemgrupo,áreasdedormida,áreasextensivasrelacionadascom
iarefas executadas de pé, etc.). A partir de agora, porém, podemos começar a
debruçar-nos também sobre a análise dos sítios arqueológicos como um todo,
começando a procurar saber de que modo esses dife rentes modelos se arti-
culam uns com os outros para formar um sítio completo. É a isto que eu chamo
4 ná1ise da estruturação do sítio•: ou seja, o modo como os diferentes mode-
'°' se combinam para formar a rede organizacional que constitui a estrutura
do sítio entendido como um todo, como entidade de direito próprio. Embora
n.1otenhamos aqui es paço suficiente para que nos seja possível ter em consi-
deração a gama completa da variabilidade na estruturação dos sftios que se

Fig.ll3. - Aca ...po....11k>ác-tlwq11ú'1<1J>OO.O"'Ã"IJolt>.l'O'ooiúuhJ93Q.Troúio-11Hkai•


.. doa «boaq11tma11oaAmanil.,,.,., t<u11bimcollhtcido.romo!X~1/1(vtrlJ,...ido, 1965,pw-o,,..,._
l>t/Ormaç1Jn).Obsorw-«1>poaiçiiada/1>niim•"'fnt11k.Wobrigo.C011alr11/.dopamdaraombm
411......u .... ~,u,,...;,,,...w.fFoUJttm{iodc-J.Drruy,«di<Jope/l)M.-uSu.l-A{rlcww,Ci·
Mth .WC..boJ
l.EWISR. BIN

---
ÃrN dom .. 1lc1 de Tom •
C1b1n1 12 - IT1n1g1bl - Ac1mp1mento IS
O.Hnhedo1p1r!lrdeYellen,1977

pode encontra~ no registo etnográfico, podemos, mesmo assim, experimentar


usar 01 conhecimentos que acabaJ!l~I de adquirir para tentar atribui r sipi. Comp1r1çlo entre e c e mp1me nto1. Ellmplo1 9 mode los
ficado a alguns dos padrões espac1a11 observados no registo arqueológico. E.:a:>o.,u no>u
Vejamos, em primeiro lugar, de que modo podem os modelos de activida-
de ser usados para analisar a estruturação de sítio característica de um acam-
pamento dos bosquim~nos. No deserto do Kalahari, as pessoas constroea Fig.llS.- À oqwrdo,..,,,,J><UuçÕOtn lnr plan~t loman /lof doal>obiltlçón t daalorti·
pequenas cabanas, mms para se protegerem do sol do que propriamente~ ,...,m ld$g ....po1dtoaçadon~~1;8oeqtdmano. IW'11,t«J l<i m6- Nunamiul t obon.
~rNgolol,}l.lro. À rUrdlo, U.,..Jrum-«tm m«UIM liipoUlil:io. th trl"'luroçd<lth rtlit», bo
se aquece rem. A temperatura do ar, a meio do dia, pode atingir valores tie. .......to-.... .:.. ~ ih bobo em 1Uio. dociuMnlodM t lnlJ6roflCllml.n lt.
tante elevados, de modo que 01 bosquímanos costumam passar essa parte dD
dia no inte_rior das caba~s, sentado~ nas suas carnas. Como esse tempo podl
ser aproveitado para fabncar utensílios ou para levar a cabo quaisque r outra
tarefas, os restos relacionados com essas actividades realizadas à sombra aca· demonstram, com efeito, que a disposição espacial das cabanas, das áreas de
bam por se espalhar pela área de dormida. Pelo contrário a lareira utilizada dormida e das lareiras exteriores é muito semelhante nos três casos. A razão
par~ cozinhar as refeições comunais está situada no exterior da cabana, 1n11- de ser de tão grande conformidade reside no simples facto de o factor condi·
mo1unto à porta. Consequentemente, as refeições que aí são tomadas dão ori- clonante ser o mesmo-ocorpo humano. Neste caso concreto, essa conformi-
gem à forma~o de u.m anel devestfgios em forma dedo11ut, constituído pelos dade é determinada pela quantidade de espaço necessária para conseguir
restos de comida deitados fora que se acumularam em redor da lareira. sentar um grupo de pessoas em redor de uma lareira sem obstruir o acesso à
Aexistê nciade padroes semelhantes pode ser detectada em muit.osoul.l'al cabana situada dêfronte . Nos acampamentos dos bosquímanos, o tamanho
sítios. Os dados recolhidos entre diferentes grupos de caçadores-recolectotel daaeabanasé também quase sempre o mesmo, variando apenas em função do
(os bosquímanos Kung, os esquimós Nunamiut e os aborígenes Ngatatjanl número de pessoat que as ocupa. t pura e simplesmente a med.nica do cor-
U:WISR.BINFOlti)

~i~:~;.;=~~1~:;~;:fe!.n~;oms!~~doa~~;~!~coa:er!~~~~!~~~~;~c:!o:es~':~~ c05tu mo chamar~distribuição em borboleta•. Uma ve:z: pronta, a comida é ser-


vida aos homens noutra área: ao ar livre, se o tempo estiver bom: junto às
~~~~~;:;:r~: :;::~~~~~snS:~~se~~~~~i:ªàº:u~cd~~=~~~s5p~~~~~~7;"
camas, dentro de casa, no caso contrário. Como consequência do facto de as
refeições tanto poderem ser tomadas no interior como no exterior da habita-
elevado nível de repetitividade. ' 0
ção, forma-se assim uma zona de acumulação de restos que abrange ambos

~~ef;:~~ m~~~~e;e~~~i\~ d::t~;e~:::í~~;eddeª~i:~=~~c~ap~~ts:!~:!


0 0 os lados da parede da tenda.

:~rr~~~q~~~ã~:~ f~~:e:;~~~ dJ~e~~~;:!!;::~ ~~~:eº~:~·u~~~·i~~nsti­


~::7tr~·r~~~~~~i~!~s~:s~~:rr~~~(~~~;~r~~s~~~1d:; ~~rc~1;:;:;;;~~:; No interior da casa de Palangana
d;&s:z:o~asdequedaedearremessotaiscomoasqueanterionnenteforam ref~
r1da_s. E claro que há ~utras formas de organizar a preparação e o consumo da Um dos meus mais pormenorizados estudos da utilização do espaço foi o
~~1~~;~é ~~:~~ ;:;~~ ~º;e~~~~~~i~:~~od~ác~~~~~~i~~ ~~(~~:~~~ kr:; que teve como objecto uma habitação esqu!mó ~e Inverno, em relação à qual
se dispunha de boa documentação etno-h1stónca: a casa de Palangana'~. A
mu1~s tipos d~acampame~tos Nun~miut, as m~lheresfazem a comida numa distribuição das pequenas esquírolas resultantes da fracturação dos ossos
]~reira de •cozinha• ao ~r hvre, servindo-a depois noutro local diferente. Nas para extracção do tutano apresentava um padrão semicircular bem definido
s1tuaç~es em que as coisas se e~contram. arranjadas segundo um esquema no lado norte da lareira. A posição destas esquírolas, caídas entre os joelhos
deste bpo, é frequente. que a la.reira de cozinha se encontre protegida com um eao longo das pernas dos homens sentados, era reveladora da posição ocupa-
pára-vento ou, se estiver muito calor, com um guarda-sol (num caso como da pelas pessoas durante o consumo das refeições. O lado sudeste da lareira,
noutro, construidos com ramagens). Um caso de distribuição espacial dai pelo contrário, continha muito menos esquírolas (nalguns pontos mesmo, ne-
peças em redor de uma lareira exterior de cozinha entre os Nunamiut é, por nhumas). Esta raridade sugeria que aqui se situava o lugar em que a cozinhei-
~xemplo, o que aparece representado na figura 75. O acesso à lareira cujas ra havia preparado e servido as refeições. Apesar de os fragmentos de osso de
1m~diaç_ões são mantidas muito limpas, é quase sempre reservado ap~nas à maiores dimensões não terem sido representados na figura 109,ofactode nela
cozinheira. Pode acontecer qu~ os restos de preparação da comida sejam ati- não aparecer nenhuma zona de arremesso deve-se ao facto de os esquimós
rados para o outro lado da lareira, caso em que se originará um padrão a que nunca atirarem esses ossos maiores nem para cima das camas situadas atrás
de si nem para os nichos situados ao longo das paredes da casa em que os seus
objectos pessoais nonnalmente são guardados. São dois os factos relacionados
com a manutenção da área habitacional que mostram que esta distribuição
de ossos e esquírolas se situava no interior de uma estrutura:

1) A zona de queda continha sobretudo esquírolas de muito pequena


dimensão, o que, associado à existência de uma grande lixeira exte-
rior junto à entrada, demonstra claramente a existência de limpe-
zas regulares, em especial no que diz respeito ao espaço usado de
maneira mais intensiva, que se situava em redor da lareira;
2) A inexistência de uma zona de arremesso sugeria, por outro lado, a
existência de práticas de •manutenção prevent.iva• subsequente às
refeições.

A distribuição, no interior da casa, das pequenas esquírolas resultantes do


talhe da pedra por pressão pode constituir um bom termo de comparação para
a distribuição das eaquírolas ósseas. É óbvio que é nas zonas mais afastadas
da lareira, e sobretudo no lado sudoeste da casa (canto superior esquerdo da
figura 118), uma área em que a densidade de esquírolas ósseas era baixa, que

" Binford,pp.435-457.
,,.......,. =
---
oe20anclei.do

"

.,..,... ~ ..
f'ia:.ll7.-..J'fon1<>dt....,.._f1*11<intdd./owemo(aoe>Md.l'aJ<msa....Vailuodano ,.._
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grnmúprolx>bil~,01tlcco.1'011.UAabi.WoJnv11/f llfllf""""""' ªdono.JJ• tOdonooA.oda-
'
as esqufrolas de sílex apresent.am uma densidade maia elevada. Esta dife-
rença deve ser entendida tendo em atenção o posieionamentodos artesãos em
relação ao ponto por onde a luz penetrava no interior da casa. Parece lógico,
comefeito,quepartamosdoprincípiodequeaofabricareme repararem uten-
s11ios de pedra as pessoas procurassem tirar partido da luz que entrava pell
janela. Em contrapartida, as eaquírolas ósseas deverão ter sido prodmidu
du rante a refeição da noit.e, a qual, no Inverno, é servida depois de as poucas
horas de luz já te rem passado, e quando a casa está aquecida pela lareira usa·
Estai correspondências revelam os lugares em que as pessoas habitual-
111ente se sentavam para comer ou para reparar utensílios. A disposição dos
JuPreS sentados que me pare<:e possivel deduzir a partir destes dados pode
,erresumida sob a forma de um modelo da utilização do espaço no interior da
casa de Palangana. A área de dormida da figu ral 19(correspondenteà·Zona
c.• de Leroi-Gourhan)deu poucos resto. relacionados com aetividades de fa-
brico, e tinha uma densidade global de artefactos inferior à do resto da casa,
uma característica antevista por Leroi-Gourhan. Mas a sobreposição à plan·
ta da casa dos resíduos industriais mostra duas coisas muito interessantes.
Verifica-se com efeito, em primeiro lugar, que há uma concentração no
quadrante da casajunto àjanela {a área de trabalho doméstico). Esta é a área
que podemos considerar como equivalente A ·Zona B· do modelo de Leroi-
...(;ourhan, embora não se encontre, neste caso, a subdivisão em duas unida-
des predita pelo modelo. O que podemos observar na casa de Palangana é o
seguinte:
1) Aetividades realiiadas em torno da lareira, relacionadas com o con-
sumo de alimentos e, na sua maior parte, realizadas a horas de es-
curidão;
2) Aetividades relacionadas com a luz do dia, centradas na zona does-
paço doméstico que recebia iluminação natural.
A distinção, proposta por Leroi-Gourhan, entre actividades •simple~ e
•elaboradas•, supostamente levadas a cabo em lados opostos da lareira, ape-
nas deve poder ser aplicada aos espaços de trabalho junto As lareiras de exte-
rior, em que ocorre a prática de despejar para o lado materiais agregados.
Em segundo lugar, os Nunamiut caracterizam as diferentes áreas de tra-
balho situadas em redor das lareiras interiores como o lado •das mulheres•
(sárea iluminada do espaço doméstico), e o lado•dos homens• (a área escura).
. J Estes termos não significam que haja quaisquer normas regulamentando a
utilização ou o acesso a estes espaços, limitando-se a descreve r a frequência
com que, na prática, eles são usados por cada um dos sexos. Diga-se, aliás,
que, na realidade, a maior parte das tarefas artesanais masculinas tem lugar
no interior de uma estrutura especial quecostumaexistirnosacampamentos
de Inverno, a chamada •casa dos homens•, a qual, muitas vezes, não é senão
a estrutura inicialmente erigida no local para servir de abrigo aos homens du-
ran te a construção das casas de Inverno, antes de o resto das suas famílias se
lhes vir juntar. Eaqui que podemos encontra r grupos de homens trabalhan-
do dias a fio, por vezes na companhia de rapazes que vão aprendendo as téc-
nicas de fabrico e reparação de utens11ios. Na casa dos homens, os instrumen-
tos de trabalho não têm de ser oonsta ntemente arrumados por causa de as mu-

• Opadriodecama11h.cmandocom larci,.... ITIC!ndolllldoant.criorment.c 1p\i,..._aponu


a o.campamcnlol r.o r.r livre, ou • eltNturu e abrip oob rocha cuja funçlo primordi•l 6 For-
nC?Cer p~loconua oool e 1 chuv1. Qu1ndo 1tff1.rotu ,.... tlo p1r11 m1nut.ençlo docalor,
tom1-mai1comun1 .. 1rran,l<:»dedormõd.1emfj'l'\lpo.Nutc1ca-nlo1C1fuem.,.mu1l·
lt'rn1ndocomlarci ..1devido1um1polfticadeto111trv-.ç!odocombu.lfvel, oqual6U1adop1·
ra aqueceroabrigop>rlnt.ciroe11loapena111•rea1dil"eet&mcnte1d,iacent.etr.orog11.
.... __
-.,. ... - ...........
•W·-·-

lheres precisarem de espaço, por exemplo para preparar refeições ou para p6r
as crianças na cama. Trata-se, portanto, de uma área de actividade especial,
onde se podem fabricar e reparar utensílios sem se estar dependente da dis-
ponibilidade de espaço na casa residencial.
Em sítios de ocupação mais episódica, ou que decorra durante o te mpo
quente, há normalmente uma área masculina de t rabalho, situada no exterior
da casa onde sil.o executadas diversas tarefas artesanais e onde, por ve:i:es, são
também consumidas algumas refeições. Trata-se normalmente de um lugar
protegido, bem iluminado e relativamente aquecido, geralmente aituadojun·
to à parede da casa virada a sul, como se pode ver no modelo residencial ge ne-
ralizado dos Nunamiut representado na figura 115. No tempo maia quen te,
LEWfSR.llfNFoita
fJ18USCADOPASSADO

as actividades das mulheres podem também deslocar-separa o exterior, Sen. c0zinheira), há uma importante concentração, situada entre duas camas e a
do as refeições preparadas numa lareira de cozinha ao ar livre, junto da Qual distância não superior ao alcance da mão. Há também pequenas concentra·
se localizará então uma área feminina de conversação, em que as mulheret çól'.S atrás, ou mesmo ao lado, dos lugares sentados masculinos, situados do
costuram, reparam e fabricam objectos, ou simplesmente cuidam das crian. tado escuro da lareira: trata-se, neste caso, de peças por montar, em curso de
ças que brincam por perto. No Verão, a casa transforma-se assim numa tn~ rabriCO, ou então de utensílios acabados em estado novo, guardados junto dos
ra área abrigada de dormida e armazenamento, que só é usada para outras sítios onde os homens habitualmente se sentavam ou nas áreas de dormida.
actividades quando o tempo piora. Émenos frequente que objectos guari.lados ou escondidos venham a ser encon-
Voltando à organização do espaço interior de uma casa, é óbvio que 0 trados no espaço doméstico; dado o facto de este ser regularmente limpo. Foi·
espaço doméstico é definido pela densa distribuição de artefactos e fragmen. -me possível observar que é característico das áreas de dormida conterem
tosderestosdofabricooureparaçãodeobjectosdemadeiraehaste.Mas adia- pequenos esconderijos, especialmente quando a habitação é uma estrutura
tribuição dos artefactos no interior desta área é interessante em si mesma. permanente, porque o lado masculino da casa, o lado •escuro~ , se em.:ontra mal
Em primeiro lugar, à direita do lugar sentado n.• 5 (a posição ocupada pe)a iluminado. Quando se desmonta uma tenda, porém, a procura de obJectos per·
didos naquele que era o lado escuro da lareira torna-se mais fácil porque pode
ser feita à luz do dia.

No exterior de uma casa esquimó

Se passarmos da observação do interior de uma casa para a do sítio como


um todo,poderemosverificaraexistênciadeumconstrastemarcadonaestru·
turaçãodoespaço:ointeriordacasaéusadointensivamenteedeformamuito
diferenciada, mas o terreiro exterior apresenta uma partição do espaço mui·
to mais grosseira. Na área situada ao longo da margem superior da figura 122,
encontravam-se presos quatro cães, e entre eles e a casa havia uma enorme
lixeira de esquirolas de osso. A oeste da casa havia uma estrutura muito
e1tensa, uma lareira em que se aqueciam pedras para fazer fervera água usa·
da na extracção de gordura dos ossos de caribu. A área ocupada por esta estru-
tura e pela lixeira que lhe estava associada era quase tão grande como a que
era ocupada pela própria casa.
Este sítio continha igualmente algumas estruturas especiais, que seriam
de interpretação difícil se não estivéssemos a par dos diversos problemas que
o meio em que os esquimós vivem lhes vai criando à medida que se vão suce·
dendo asdüerentesestaçõesdoano. Nas figuras 119 e 121 aparece, porexem·
pio, um amontoado de pedras situado no e~terior da casa e designado como

Cu• d• Pa l• n11• n• :ÁrH d• cu• •1


lalloTulugak. Alasca

o. esquimós guardam os objectos de que não precisam, ou que raramente


l.\Sllm duranteolnverno,emembrulhosco\ocadossobreplatafonnasdepedra
Fig. 122. -.0 0Uiodc PalalllfW1a. lago'ful'l'(ak,Alm<:a.comúidicaçdodoiüslri.b«iç4cdof ou, no caso de não haver pedras nas imediações, de hastes de caribu. Áreas es·

,,,_. (c:tetplo ;,,u ricrda cosa)(wr f'I· 8Q). Esta distrib«ifão rtlacio=- ernpnrU°""• peciais de armazenamento como estas, destinadas a coisas que necessitam de
cilirne11taçdo doaodea, q«•""•"ª"'tnwamprcMN< jwitociolado"orocsUdcicoso.HdtambirnOf- proteeção especial mas que não precisam nem de calor nem de luz, são algo que
'°" rtku:io..cido&ccm cslrul«rci• ••peciai1(conwcilC11"<irci • rnqius• f•roiallg«<1ccmpedrcia oq.,,.. se encontra com muita frequência no exterior das casas dos esquimós. Por
cidaaciofosoJ, """'"17ICIÚ>rpal"k•1100111rci- espcilhcida;Nla drt<1 em qiu ..,sil«0 igiwl,,...,,,
ciliuirci dc•11Ç«irolaa .iu..C10,ci eslrul«rcim.aisfcicilme" U rcco11hed<Jel dclodoo.tlio.
t1emplo, a sul da casa de Palangana, numa área que não chegou a ser esca·
vada, deve ter havido uma estrutura para armazenamento de carne.
p18USCllDOPAS$ADO
f..EWISR . BINFOR!)

Condicionamentos ao uso do espaço: calor e luz

A casa de Palangana constitui um bom exemplo de uma situação em que


•organização espacial se em:~ntra condiciona~a pela quantidade de.espaço
•brigado disponível p.ara hab1taç_A~· Era ao ~bngo ~a casa que .se r.eahzavam
uma série muito vanada de actividades, diferencialmente distribuídas no
tem po e no espaço. Algumas. CQmo o f~brico de artefactos e a prepa~ção da
comida, tinham lugar em momentos diferentes mas nos mesmos sítios (•uso
intensivo•), enquanto outras, como as actividade11 domésticas e o sono, se
caracteritavam por uma maior segregação espacial (•uso extensivo•). Em
última análise, a organização do espaço no i nterior da casa dependia e&&en·
cialmente de dois factores; o calor e a luz. No que respeita ao calor, a posição
da respectiva fo nte no interior da construção pennitia que as diversas partes
da casa o recebessem defonnaaproximadamente idêntica, o mesmo não acon-
tecendo, porém, no que diz respeito à luz natural. É por is8? que as acti vi~a·
des que necessitavam tanto de calor como de luz (tarefas d ive rsas de fabn co
de artefactos e de cozinha ) se localizavam no quad rante iluminado da casa, no
interior de uma á rea de utilização intensiva do espaço, o que obrigava a que
a sua realização tivesse lugar sobretudo durante o dia e se fizesse segundo
uma sequência detenni nada. Em contraste, as actividades que apenall neces-
sitavam de calor e, eventualmente, de alguma luz (por exemplo comer e dor-
mir), tendiam a concentrar-se nas áreas menos iluminadas da casa.
É sobre o pano de fundo constituído por esta organização espacial geral,
condicionada pelas necessidades de luz e calor, que temos de a nalisar os efei·
t.os da divisão social do trabalho, pelo menos no que respeita ao& aspectos em
que ela era detenninada pelo sexo e pela idade. Muitas das actividades dos
homens, incluindo o fabrico de utensílios e de outros object.os utilitários, exi·
giam quantidades relativame ~te grandes d~ espaço e demorav~i:n por vezes
muito tempo a completai''. Assim sendo, a criação de áreas de utilização espe-
Se nos afastannos suficientemente do sítio, de tal modo que nos seja po• cífica tinha a vantagem de não usurpar nem perturbar o ciclo diário de utili-
sível obf:eruma visãog~ral da sua organização espacial, veremosquealgumu :r.ação do limitado espaço doméstico disponível no interior da casa.
gen~rahz~ções se nos imporão com toda a naturalidade. Em primeiro lugar, Se por um lado, é afectada pela existência de limitações no uso do espaço,
a eustênc1a de uma área nuclear claramente diferenciada -neste caso o in· a estr:ituraçãodossftiostemtambém,por outrolado,deser compreendidaem
te rior da casa, utilizado de forma intensiva e com uma repartição interna do fu nção dos facto res que podem favorecer uma utilização mais intensiva des-
espaço muito nítida. Em segundo lugar, a localização, em posição imediata· se mesmo espaço. Do que anteriormente se disse, ressalta claramente que o
mentea~~cente,deá reasmenosdiferenciadasem tennosespaciais, rese rv1· valor da temperatura exterior éum dos factoresque mais condiciona a estru-
das A act1vidades que ocupam muito espaço: as estruturas de annazenamen· turação do sítio, uma vez. que quanto mais fri o fizer mais asactividades terão
to e platafonnas-esconderijos e a lixei ra da porta. Quanto mais nos afasta mot de ser levadas a cabo em espaços abrigados. O que, por outro lado, levanta o
da casa, maiores e mais especial izadas serão as á reas: a zona onde os cães problema da iluminação: a construção de uma estrutura ou o U!-0 de um esP_a-
ficam presos, a la reira para aquecimento de pedras para ferver água. Est.u ço abrigado dilo necessariamente origem a restrições na quantidade e na d1s-
generalizações empíricas são úteis e interessantes, mas como poderão ajudar·
-nos a interpretar o registo a rqueo lógico em geral? A resposta é que precisa·
mos de elaborar teorias que nos pennitam expl icar padrões e estruturas como " Entreo.e.quim6o,o fabri<'Odebarco.,det.rcn6-edecat.ruturs1clec1u1,ouo«l9(lfd""
as que encontrámos na casa de Palangana. t.ond ... ,1loexe1nplo.det.,efHde1nanuf&e1.unem~ndeHC11lariersl'""ntenecut.&da1em
"p&Ç01Hpecilkamentedeotin1dooiponoefeito. VerBinfonl, 1978-a,p.348, li(l. 7.li,ponuma
l"oc.ojp'allacleum,\oyaA:emcuroodefabrioonareopcct.iv1J.readeactlYidadeflpedllc.,1Ltu1·
dajuntodec111,dol1dodefora.
U:WfSR.81NF<JtD

tribuição da 11:1Z d isponível no ~eu i~terior. A _ca~a de Palangana mostra tie.. Variação na d uração das tarefas
como, numa situação em que a tlummação é hm1tada, haverá tendência P&l'I,
~~es~t~!~~~ço :o~:'. ~:==~ ~J~~at~S::~~~~ ~l7::~::~~~~;:i:h"u!:
0

dante, o espaço tende rá então a ser usado de forma mais extensiva.~ li!Zli.
taç6e1 na distribuição do calor também contribuem para que as actividadea
realizadas no interio r de espaços retringidos sejam mais intensivas. É PGr
este conjunto de ratões que, quanto maior fo r a necessidade de abrigo <co-
quedependefü ndamentalmentedascondiçõesambientais), maio r deve rat._
a diferenciação no uso do espaço provocada pelos condicionalismos relaciona.
dos com a iluminação.
As consequências da existência de restrições que condicionam o uso do
espaço são bastante visíveis na observação relatada por J ohn Yellenª, de que
os bosquímanos Kung andam de um lado para o outro durante o dia, embol'I
realizando sempre essencialmente as mesmas actividades, o que se deve b
mudanças que vão ocorrendo na posição da sombra. Um tal uso extensivo do
espaço só é possível não havendo quaisquer outras restriç6es relacionadas
com a adequação dos düe rentes lugares à realização de tarefas de curta dur• ·
ção e que ocupem pouco espaço. Dado que o único problema que têm de resoJ.
ve r é o de manter uma relação vantajosa entre o seu espaço de trabalho e a
sombra, os bosquímanos podem ir adaptando a disposição desse espaço de tra.
balho à distribuição da sombra. Este exemplo sugere que, quanto mais espe.
cíficas fo rem as necessidades de espaço exigidas por uma determinada taN!fa,
mais intensa ser:i a concentração do trabalho nos lugares que oferecem as con. Consequências d o trab a lho oom grandes quantidades
dições necessárias à sua realização. O espaço doméstico na casa de Palanga.
na é um exemplo disto.
Quaisque r que sejam as condições ambientais, o grau em que as dife ren. Os resíduos resultantes da execução das diferentes tarefas podem _ser mais
te1 tarefas realizadas exigem um uso e1ttensivodo espaço é variável. Uma pea- ou menos volumosos, e esta é outra coisa importante a ter e.m consideração
soa pode, por exemplo, executar uma gra nde variedade de tarefas sem de ixar quando se examina a organização do uso do espaço. Quer &eJa de_ curta quer
=~~:: ~~~f:e~;~:~º~~::tiª~~ddea:~;:~~:~:~:fa:o:~~~~d~::~~es:e~
de permanecer sentada no mesmo lugar, desde que essas tarefas não se sobre-
ponham no tempo {questão que adiante voltarei a referir). Por outro lado, u
tarefas cuja execução requer quantidades de espaço muito diferentes tendem u ecução como também após o seu termo, uma vez q_ue, ~nquant.o. o hxo não
a apresentar uma distribuição espacial independente. Já anteriormente for limpo, a sua presença pode impedir que a superfic1e seJa aproveitada para
vimos, neste mesmo capítulo, que as lareiras em fossa, por exemplo, são ins- outras actividades. Esta é uma constatação que n~o sofreq~alquer: alteração
talações que ocupam cerca de 17 m1 a 24 m' , e que modificam consideravel· pelo facto de a tarefa em questão poder ser realizada muito r_ap1damente.
mente a superfície do terreno (nomeadamente pela acumulação de carvão), Quando, na altura da colheita, os índiosJe~ez preparam o milho Pll;ra ser
::inadz:~:to~ç~ ~~~~~~~=:a~~~~:ºife~:!J:~d:u~~~~~~=~~on~ã~e~~!c~:::
não permitindo, por isso, que o mesmo local sirva para outras actividades. De
um modo geral, as actividades deste género terão, portanto, lugar em áreas
especialmente reservadasparaoefeito. pela desfolhada não for limpo, a área onde esse trabalho foi realizado não
poderá ser aproveitada para outros fin~.

• Yellen,1977,p.92..
Fig. 125. -SUi-0 df ab<m t t$1/ ""rt(iamt111Q tU mribu•, tliluodo na wri.11i. 11orK do rW
AnoJiliqto.u.i:..AnMWuul:Pau,Ala.....(V•r('6.53paroalocoUzaç4ouocta.)Nu'"1Uioqiu114o
•prw'Wra•r...,ul1Ji..wdo,1Mtr{~<kuq""rUjom•11/oupoJAodaspoU,looal.tdo1implu·
,_.,i. aballdon"""-.M111•'"•lllo.tUfullçdoidl11til:aW1C1da.dff,,,.,,,,,.,pofi1i.,.,,o.-•a1
lta&U•df....,.ior din1t111áoláortealhi4otl•queimadoo.

mais pontual 2'. A figura 125 mostra um sítio funcionalmente equivalente à


posição de caça e sRio de esquarteja mento de Anavik. Este último tinha sido
limpo, visto tratat-Se de um local usado com certa frequê ncia, mas o outro
ti nha sido abandonado no estado documentado pela fotografia, uma vei: que
não se pensava que viesse a ser necessário voltar a utilizá-lo. Em resumo, os
sítios em que o trabalho envolve grandes volumes de mate rial permitem mos-
?e ~~;~:~s!en~~:!ªdeb;::7J:i~~~~=~q~=~~~~j!~~~~~s :::::
trar duas coisas. Primeiro, que o tamanho da área necessária e a quantida-
de de refugo que se prevê vir a ser produúdo podem ser os factore s determi-
mtens1vamente usadas, e que o lixo não chegue a ser limpo Mas qua ndo u
ocupações são prolongadas, até mesmo estas áreas de activÍdade'periféricu ~:~~ Jrme;~~~hda~~~~!!d:;cii~dad~~i~i::~~ ~~~~~~:!ii~ra~~~·r~:~
~S:~oS:S:o~~~~:~~~~~::;ºd~~~:1~;~:. ~:;;~~:r~~~ ~~~r~=~:e~:::
que é que os Nun~m1ut limpavam os seus grandes sítios de caça da Primave-
periférica, é determinado tanto pelas expectativas de reutilii:açAo futura da
área como pela durabilidade dos resíduos.
ra e do Outono, situados a grande distância da sua aldeia. Explicaram-me
então que as gran~es quan_ti~ades de ossos e has tes dispersas pelo chão em
res!-'ltadode antenores act1vidades de esquartejamento em massa eram pro-
pícias a causar aci d~nte s. !'~r isso, fora da época da caça ao caribu, 08 os BOI
espalhados J.>elos sítio~ mais importantes, mais sistematicamenteutilizadoe,
"'VerBinford, 1978-<>, p. 462, rtg.9.1,puaum• IOt.ogn.liade"'íUSo••rqueLmadanum
eram recol hidos e queimados, o que não acontecia nos sítios usados de fo rma loi:.ldeabateepl'Clpanoçio.
Estratégias de limpeza 19f1tl! entre ettas duas situações é a escala das áreat que estAo a ser objeeto
~~n~(osel:a~:ªse~~do~';;f:e:;~d~~v::~: ' io~;:1d~r:~:~:::e~Ü~
~: s~;~%~:c u~:~r!~rt!~ef;;d~~S:~tii~~s~~n:~r:eá;~~ c~~~~:e~~
0

lfO das relações organizacionais entre os diversos objeetos recolhidos num


_.,ção arqueológica depende, por isso, da identificação de padrões estrutu-
,.isnosdados observadosen.Aodeumasimplesaeparaçãofonnalentrerefugo
pri;:~~!=~~~~°i:·evidente que, não havendo variação nos outros faeto-
rea. 0 euidado posto na manutenção de uma á re~ estai:á relacionado eom a
bitensidade eom que é usada. As áreas usadas intensivamente são as que
ttrão uma manutenção mais completa, e estarão por isso assoeiadas a áreas
,qeciais para despejos. Mas a veracidade desta asserção está também depen-
dente, por outro lado, da duração dessa utilização intensiva-a manutenção
de locais usados de forma intensiva mas por poueo tempo é mínima. Isto signi-
(lca, portanto, que é possível prever a existência, nas áreas de uso intensivo,
de um conjunto muito forte de relações entre o investimento feito na sua ma-
outenção e a duração da respectiva ocupação. Além disso, quanto mais pro-
longada for a ocupação maior deverá ser a diversidade das actividades exe-
cutadas, pelo que deve haver igualmente uma correlação entre a duração da
ocupação e o número de áreas de actividade especializada, ou entre a duração
da ocupação e a quantidade de grandes áreas de manutenção euidadosa situa-
das na periferia da área de actividade principal. Tanto o meu próprio traba-
lho como as observações feitas por J ohn Yellen entre os bosquímanos Kunif'
parecem constituir documentação suficiente para que a validade desta últi-
ma proposição, pelo menos no que aos sitios residenciais diz respeito, possa
.er considerada como amplamente assegurada.

Construção de uma teoria da estrutu ração dos sítios

Já se disse o suficiente, embora de forma preliminar, acerca do pen:uno


que os meus ensaios de construção teórica têm seguido no que respeita às
questões relacionadas com a estn•t..1raçlo dos sítios. Sendo a luz e o calor
factore&que variam de forma regllar à escala do globo, deve ser possível, por-
tanto, começar a propor correlações entre a estruturação dos sítios e as varia-

•Schlrrer, 1976,p.57, íornece&!irun• criléri"'formaiaparao reconh.ecimentodol"l!íugo


NCUndJ.rio:.Ol"l!fugo..,.,..,,d' rioéconalilu!dopormaterillia g.. t.oioepartidoaeocomode um
.....doge,..] em dop6&it.oiodeii:r-nde denlli.U.dce divo,..id&do9 m•IA!ri&L•Compoo,._ •IA idebi
comadeocriçãoícit.aporYellco (l977,p.l09)d•exiMnciade•l"l!Íugoprim'rioooauua1•'n>H
oQ..,,.•.
• Yellcn.1977, pp.81-llll. Éde ootarquc,ernbont.enclofei11;1obaervaçóeev'lidu, Yellen
•l.tlllt.o.!""'nt.ecr.-adon1•u•1c.ribulçlo 1 Wh1lhmo1mlmdclipologiu•rlgid.a.. de1ftioo.Vo-
jl--onou.lOdcoot.ecapfwlo.
fJ1BUSCAD01'ASSAD0

variabilidade na composição dos conjuntos (tal como exemplificada pela


.questão moustie rense>o), em fu nção da organiz.ação interna dos sistema. do
passado. Os exemplos ;nterpretativos e as ge neralizações deles resulta ntes
que aqui se a presentaram devem ser considerados como procurando ilwtrar
modo de operação de uma dete rminada estratégia de investigação, embora,
espero.
0 tenham também podido demonstrar o potencial desta abordage m
para o estudo da estruturação dos sítios. Escusado será dizer, porém, que há
i inda muito a fazer antes que possamos ~econstruir, a partir de uma distri-
buição de artefactos, os contextos dinãm1cos que deram origem à res peetiva
formação.
Nesta parte do livro, a controvérsia acercadoMoustierensefoi usada para
elernplificarum problema muito mais ge ral, e que os arqueólogos pura e sim-
plesmente se têm recusado a enfrentar, ou seja, o de que os critérios basea-
dos em semelha nças não são suficientes para delimitar as frontei ras entre os
sistemas culturais do passado. Recordemos por alguns momentos os diferen-
tes ti pos de sítios a que se fe:r. refe rência no capítulo vt: eles demonstram de
for ma sistemática o facto de que um sistema vivo é composto de lugares, de
forfSS de trabalho e de conjuntos de t.ácticas difere nciados inte rnamente. Os
srqueólogostêmde reconhecerquecomplexosarqueo\ógicosdiferentespodem
constituir expressões da diferenciação funcional existente • no interioP de um
mesmo sistema, e não necessariamente expressões da diferença«e ntre• siste-
mas diversos. Se nos limitarmos a organizar agru pamentos de coisas pareci-
das, podemos ter a certeza que nunca chegaremos a ve r um sistema como ele
na realidade é. Precisamos de métodos que nos permitam juntar de maneira
fidedigna os diferentes aspectos arqueológicos de que se pode revestir um
mesmo sistema.
Estas considerações representam um desafio fundamenta\ à metodologia
arqueológica. Mas há outras imp\ica~sdo estudo da estruturação dos sítios
que afectam a disciplina como um todo. No capitulo m, abordei as dificulda-
des experimentadas pelos a rqueólogos no reconheeimento da expres!õão ma·
terio.l de certos tipos de jazidas importantes do passado, tafa como os acam·
pamentos-base. O próprio conceito de acampamento-base, por exemplo,
acarretapressupostossobre ofactodeosseusocu pantescomeremedormirem
no mesmo lui;sr, sobre o papel desempenhado pelo sexo e pela idade na orga-
nização das tarefas sociais, sobre o modo como se faz a obtenção e a manuten·
ção da tecnologia adaptativa - tudo actividades que esta riam focalizadas no
habitat. A compreen!õão das consequências espaciais estáticas do modo como
estas diferentesdimensões di nâ micasda organização se encontravam funcio·
nalmente integradas é condição prévia de um reco nhecimento correcto desta
ou de qualquer outra classe de sítio arqueológico. Esta capacidade de reeonhe·
cer características que se pensa reflectirem as t ransformações que imprimi-
ram novos ritmos à história da evolução humana é de uma importAncia cru-
cial para uma discussão realista dessa mesma evolução. As convenções
actualmente utilizadas - baseadas nas densidades dos artefactos ou nas
associações ent re ossos e artefactos - derivam, essencialmente, de raciocf·
niosem que se tomam os desejos pela realidade, e não constituem critério sufi -
ciente para a formulação de diagnósticos. Temos de abandonar a ideia de que
o significado que atribuímos às observa~s arqueológicas pode ser justifica-
l..EWISR.B/NFOllO

~!:!'!ª0~~=:~~ 0i;:~~l~:=~~q~:~;er' le plausibilidadt_

per~~~~~:f:~~~~~ C:o~~=r~1r ;~~hé~~~i:s•Qu1:~~:i~?»~~co:•


porém, teynos de adoptar o métoc;io «Científico. que consiste na investigruw,
0
';;!_j.":~.~e~:~~ d':~~~::~~~~;~~~r:i~~~~:~:~:ia~~~~~~r::~::
~i~~j~!~:~;~~~d~~dna~~ªr~d~:~:~~~~~~Ad:~:::::~ d:~~!::.:E • PARTE III
~~~c~:'~ ~~~d~~~ ::s~~~~r:tii~;r s:~Je:~~:ºd~:::!~:i~ªc~~ ~~TJero POR QUE ACONTECEU?
como a mvestigação se deve movimentar entre os três domínios seguin~
1) O reconhecimento de padrões no registo arqueológico;
2) A formu1ação de perguntas sobre •Que significa?»; Há certas coisas que todos temos a certeza de te rem acontecido no passa·
do. É pordemaisevidente,porexemplo,que,em determinada altura, todos fo-
3) A condução de e~tudos ·~ctualfsticos», com o objectivo de dese nvoJ. mos caçadore1-recolectores; depois, onde e como que r que isso tenha aconte-
~:!::!º:Sd~:~ê~~!o\ur~ ~=::e:~~ter respostas à prova de cido, é certo que as pessoas começaram a domesticar as plantas e os animais.
É também razoavelmente óbvio que em determinada altura toda a Humani-
dade se encontrava organizada em grupos pequenos, móveis, com poucas ou
Qua?do começarmos a conheeer os processos de formação do registo ..-.. nenhumas superestruturas sociais do tipo das instituições políticas e r~ligio-
~:: :~cceº.:Ce;~~~:~:~n~~~a~;!~::d!i~!:fld:~~~~s:i~:.firmaçõescor.
1

tiveram lugar os acontecimentos em causa.


A formulação de questões como estas não tem sido um exelusivo dos cien-
tistas: desde que é um ser cultural e desenvolveu capacidades de apreciação
cognitiva, que o homem tem procurado e11.plicações para acontecimentos
conhecidos ou imaginados. Uma das principais formas de variabilidade cu1-
tural que se pode reconheeer no mundo de hoje é, aliás, a discrepância exis-
ten te nas predisposições intelectuais subjacentes a diferentes estilos de expli-
eação. Determinados acontecimentos podem, por exemplo, ser explicados por
um marxista como o resultado inevitável da interacção dialéctica das forças
aoeiais; porém, um criacionista pode conceber esses mesmos acontecimentos
como manifestação da omnipresença da mão de Deus; e os partidários de
outras convicções culturais poderão fazer ressaltar o papel causal desempe-
nhado pelas escolhas humanas, pela pressão demográfica, ou pelolooping ci-
bernético. Todas estas e11.plicações se baseiam na indicação de ligações neces-
sárias entre determinados conjuntos de condições. São argumentos acerca
dos tipos de causas que se pensa estarem a agir por detrás dos fenómenos.
Assim que um problema {como as origens da agricultu ra, ou as causas que
levaram à formação de sociedades complexas, por exemplo) é isolado, as pre-
disposições culturais podem ser por si só suficientes para fornecerem o enqua-
dramento de que um dado argumento explicativo sempre necessita. Mesmo
possuindo apenas uma compreensão limitada do modo como o mundo funcio-
na é possível arranjar uma explicação post-lwc para os factos «problemáti-
LEWISR.BtN

~:ci!!:::e ~s~~ ~r~~fe~:~n~er:i~~:1~~;:a 0~ d~~~:i~ p~s i~~:~~!~~


0 0 1

da pela citação de factos seleccionados, de observações re<:rutadas a favor0q


co n~ra ~s~ ou aquele po n_to de vista acerca_ do modo como o mundo funcio1111.
e cu)O s1gmficadoé assumido como sendo eVJdente po r si mesmo. Uma vez QQe
toda essa argumentação assenta e~ postulados acerca do modo como o muri.
do func ionou no passado, torna-se impossível chegara conclusõesacercadet.

~lp~r~~ª::;:e~~çS:!~~ ::~:~~,;~;:a!~~Uvr:t~i!~~ ~~eqh:vS:r~:n~


explicações para o passado quantas as diferenças fundamentais nas premia-
sas básicas existentes num determinado momento. A1; argumentações qu.
procuram mostrar a plausibilidade das suas inferências mediante o recurao
a factos que nelas não se encontravam originalmente incluídos não faze m.._
não imitar a publicidade: são reclames da cutilidade• do modo de pensamen.
to que se defende'. A maior parte das vezes, este recurso aos factos presta .....
a equívocos, porque os significados atribuídos a essas observações não são ju.
ti ficados de forma independente da argumentação em relação com a qu al &lo
invocados como indícios.
Há um acerta ironia no facto de muitas das teorias gerais empregues pelo.
a rqueólogos terem sido originadas, ou pelo menos estimuladas, pelo estudo de
fe nómenoscultur aiscontemporAneosouhistoricamentedocumentados. Ten-
do vindo a defender, como tenho, o carácter crucial do papel desempenhado
pelos estudos •actualísticos• no desenvolvimento dos nossos métodos de inf&-
rência2 não posso, evidentemente, estar em desacordo com essa situa~o. Mu
é preciso que se note que teoria geral e teoria de nível médio não são ames-
ma coisa. A teoria geral consiste na formulação de argumentos para explicar
por que foi o passado como parece ter sido. A maior parte das proposições teó-
ricas geradas pelo estudo de sociedades contemporAneas envolve especula-
ções acerca das sequências de acontecimentos que poder Ao ter caracterizado
a transformação de um sistema noutro, e toma a forma de extrapolações de
um estado do sistema para outro, acompanhadas de a rgumentos sobre o me.-
do como se operou essa transformação 3• Aquilo que o teórico observa numa ai-
tuaçAoetnográficacontemporAnea é, porém, o funcionamento de um sistema

1
E.i.adeb!lldadeuim •ido reconhecida porout.roA, oomo poruemplo Lambcrg-Karlovü,
(1975), oom cvJu 10luç&I para o probl11m.111oeot.ou, pcrim, de acordo. Quanto' Ideia blur-
radequeépoN{wolded\IU-•implicoçõeltestáwol•• para pror:edimeni..queviHma•tribu~
de •ignlncado b obaervaÇ(>H arquoológk.. atnv6• da ut.l!iuçlo dH própria• obsorv•ç."lell • ..
quoolÓjj"icao,verBinfurd,1977-a.
'Binford,1981-<>,eopecialmentepp.21-30.

...e1~~:::P':':,':x~~mq:~,:-:X~:;t:.,~~tri;;fi~~:'io":'.f:~~;o~~:"u'l::
maia1nt.lga.(por~emplo,Iouceba..:,l975J.Le•keyel.ewin(l978),porHemplo,argume11·
~m(pora11•l1J111acom .. Kun1S.n)que•rocolecçioeramuitoimport&nt-Oparaohomem pri-

~ti~::1li'.;.':~":':J~~'.'~,':=d:=1~dcde~~.Í:\:.~~ ~::~=:..:~1!:~"::
PatShlpman (da.JohnHopldn•Univenity)emqueelaexplicavaque• ... itl!nciadet&ntumar-
cudeCIOl"teDmmetápoo;iHdmungu]•doitda1juidu m•i1•nt.l1HdeÁfrica""d11vi•aoÍIK'to
lEWfSR.BINFOittJ

médio-umaáreaemqueasobservaçõeshistóricaseetnográficas repreae
~Í:r~~cla~~:~f~~~~e~~:1~it::, ;:r:s~fer~:!~-;t:sn;su;:~sn~é8~0~·
1 6

~7i:~~~=~se~~~~::~S:r!~~;~J:i;;;fob~:~~;i~:!t.'qª't
tões do tipo •porque aconteceu?• U-.
CAPÍTULO VIII

ACERCA DAS ORIGENS DA AGRICULTURA

Tive um proíessor que certa vez observou que podemos paBBar a vida in·
teira a tentar explicar por que é que o mundo é plano sem nunca o conseguir·
mos. Tinha toda a raz.ão: uma questão tola pode fazer-nos perder muito tem·
po. Procurarei, por isso, neste capitulo, começar por esboçar em linhas gerais
alguns dos principais modelos que t.êm sido adoptados pelos a rqueólogos e pe·
los antropólogos na abordagem do problema das origens da agricultura-um
fenómeno global que nalgumas regiões teve o seu início há cerca de 10 000
anos. Procurarei igualmente mostrar quais os pontos fracos que, na minha
opinião, existem nesses argumentos, e em seguida tentarei delinear algumas
pistas de investigação que me parecem interessantes. Essas ideias novas não
constituem de forma alguma uma argumentação acabada; trata-se apenas de
ten tativas de sondagem preliminar do problema. Parece-me, mesmo assim,
que elas de ixam transparecer algumas modificações ligeiras, mas significa·
ti vas, no modo como as questões devem ser colocadas.

As diferentes abordagens do problema das origens da agricultura

As especulações sobre a origem da agricultura devem ser t.Ao antigas quan-


to a nossa consciência de que temos uma história. Os trabalhos de Charles
Darwin 1 e de H. L. Roth 1 constituem talvez as primeiras tentativas sérias de
lidar com o problema que surgiram no seio da nossa própria tradição cultu·
ral. Mas, por muito penetrantes que tenham sido as suas intuições em biolo-
gia, as que Darwin teve em matéria de origem da agricultu ra não foram de mo-
do algum de qualidade idêntica. Num trabalho em que especulava sobre as
razões que poderiam te r levado o homem a aperceber-se de que a plantaçtio
deu ma semente daria origem ao crescimento de uma plan~ . Darwin aborda·
va o problema partindo do princípio de que o factorcritico e determinante para
o começo da agricultura era o •saber-. Ou seja, ele pensava que a prática da
agricultura era urna consequência inevitável da aquisição do conhecimento

•l)uwin,1875.
'Rolh,1887.
l.EW/SR.BINFOftD

de que de uma semente plantada no ao lo nasceria uma planta. E ate ponto de


vista erT6neo sobreviveu ao próprio Darwin. Com efeito, há muita gente qUCI
ainda se encontra disposta a defender que a agricultura é um modo de Produ.
ção com vantagens tilo evidentes que seria forçosamente adoptado pelo
homem assim que dele tivesse conhecimento.
Foi na Inglaterra que pela primeira vez apare<:eu uma forma inicial de
argumento mecanicista, que começou por se popularizar através dos escrito,
de Peake e Fleure3 e, mais tarde, de V. Gordon Childe•. Era um argumento da.
rwinist.a (no sentido que o termo tem em biologia) visto que se procurava ima.
ginar quais as condições do passado que poderiam ter obrigado o homem a e1 •
perimentar novoa modos de produção. Até que ponto o homem foi obrigado a
mudarosseU!lcomportamentossob apressAodocolapsodasauasestratégias?
Até que ponto foi sob a acção de determinadas pressões que o homem se viu
obrigadoaenfrentarproblemasnovos,afazerexperii!nciascomoseuambien.
te, e a acabar por se tornar agricultor? Ea Childe que se deve adi vu lgaçãodea.
tas importantes ideias iniciais(com as quais, aliás, ainda hoje temos de lidar),
bem conhecidas sob a designação de -Teoria do oásis•. O cenário proposto
(que, apesa r da sua indubitável atracção, nos parece hoje em dia algo ingénuo)
era o de que a dessecação progressiva do deserto do Saará e de outras regiõeg,
que teria acompanhado o final da última glaciação, teria desencadeado UID
processo gradual de agregação dos animais (incluindoo homem) nos vales nu. 1o~·l26cm~..:'c~,::':'W.a"'t"Y::;.;:df;.:'°a;:':J=::;..::z-;:-S:,.~:
viais. Isto teria provocado uma •enchente• (como as dos comboios suburbanos (/,.G~moMW1di<ú.(FoUJ(JrofialiradocmJunho<hl95JfX't"E.Santryn<>decunodOl!1"'"'.,..__
à hora de ponta), em resultado da qual as pessoas e os animais, amontoadoa i6oCMÍW1/c,(>)m<1°"k/l"J
em cima uns dos outros, se teriam visto obrigados a encontra r uma form a de
entendimento que lhes permitisse resolver os respectivos problemas. Segun.
do Childe, a prática da agricultura nestes ambientes favorecidos, onde cres-
ceriam todas as espécies de plantas, permitiria, evidentemente, que os ani- tratégia adoptada por Robert Braidwood e pelos seus colegas do lnsti~uto
maisdepastodispusessemdeumalimentoabundante-orestolho.Ohomem Oriental de Chicago, no ataque que lançaram ao~ argume_ntos de Ch1lde
mudaria assim do modo de vida parasita de eaçador-recole<:tor para uma es- baseados numaagTegação mecanicista'. Para averiguar se tinha realmente
pécie de simbiose entre plantas e animais, que Childe pensava ser caracteris- havido mudanças no ambiente antes do aparecimento~ agri~ltura no Pró--
tica do modo de vida agricola'. idmoOriente, Braidwood utilizou uma variedadede~cmcas, ta JS como ~aná­
Este argumento correspondia mais ao que o filósofo da ciência Carl Hem- lise po\ínica e a sedimentologia. A conclusão essencml a que chegou foi a de
pel' teria designado como um «esboço de eitplicação• do que a uma eitplicação que não tinha de facto havido nenhum grande período de dessecação'. Sendo
propriamentedita. lstoporque incluíaalgumas variáveis e algumas ideias re-
lacionadas com mecanismos, embora combinadas com um modelo histórico. ass~m;~;'J~~l~~~~r~i~fee~!~d:P~~d;;iopróprioBraidwooderaessencial·
Uma das condições fundamentais para a construção de bons modelos é, po- mente idealista, visto que ele também partilhava a i~eia de 9-ue o saber era
rém, a de que todos os acontecimentos propostos têm de ser verdadeiros Cal· um factor \imitativo. Argumentava que, no final do Phstocémco, O h?mem se
go que não é uigido pelas teorias). Quando se combinam variáveis com acon· havia já familiarizado com o seu ambiente ao ponto de ter con~gu1do obter
tecimentos incorre-se no risco de se ser atacado pelos dois lados: pode vi r a os conhecimentos que lhe permitiam manipulá-lo em seu proveito. No fundo,
provar-se que os factos históricos estão errados, ou a concluir-se que as va-
riáveis não são as mais adequadas. E, quando uma dessas coisas acontece, :~~~:J::a1:;~~~~:!~~~===~~~~:e~~ã~~~~~~=~~~~~;1~~~;
costuma dar-se igualmente a rejeição da outra. Foi precisamente esta a es-

'Braidwood.1963.
'PeakeeF10...n1,J927. •Bnidwoodellowe,1960.
'Childe,1928. ' BnidwoodeWilkiy,1962(nrg.),pp.132-46.
'll>id~ p.2. '" Bno.idwnod e Reed,1957.
'lkmpel,1965.
Vale rá a pena a~ inal ar a inda que na bibliografia idea1ista do pré e do pós-
-guerra se encontrava também frequentemente implícito um outro elemento
adicional. Os que teorizavam sobre as origens da agricultura, segundo as
linhas de raciocínio a que acaba de se fazer refe rência, eram por vezes confron-
tados com contra-exemplos etnográficos em que, por exemplo, um grupo
humano que habitava numa á rea onde existia milho selvagem não tinha,
porém, feito a sua domesticação. Uma das explicações que se avançava para
este tipo de situações era a que se tratava de gente estúpida e com dificulda-
des de ap rendizagem. In'lersamente, um grupo que praticasse a agricultura
numa área onde isso não seria de esperar tinha de ser considerado como um
grupo de excepção, uma vez que uma das variáveis determina ntes de que
dependia a teoria era a da qualidade do agente- isto é, a sua capacidade de
aprendizagem.
A abo rdagem childeana, que tinha em consideração a flutuação das pres-
s6eS selectivas, foi assim completamente substit.uida pelo ponto de vista de
Braidwood de que a agricultura era um processo emergente - um ponto de
vista que não encontrava oposição de monta na bibliografia arqueológica dos
anos 50. Títulos começados por •A emergência de[. ..]• eram, aliás, muito
comuns nessa época, durante a qual também se disc utiu muitoace rcadograu
de•incipiência• de vários fenómenos (sendo, inclusivamente, definidas diver-
sas fases - •incipiente-, •epi-incipiente• e •pós-incipiente•). A ideia geral
era a de uma Humanidade ignorante, aguardando a aurora da iluminação e
vagueando pela paisagem enquanto experimentava esta ou aquela solução
provisória. O desafio me nor que eu próprio coloquei ao ponto de vista de Brai-
dwood, num t rabalho publicado em 1968 1' , acabou por ter algum impacte
sobre a disci plina. A sua publicação coincidiu, a liás, com o aparecimento de
out ras posições em que também se argumentava que o crescimento demográ-
fico tinha tido um papel fundamental tanto no processo de inovação tecnoló-
gica" como no processo de desenvolvimento de formas mais complexas de sis-
temas sócio-politicos15• Esse meu ponto de vista acabou por aer adoptado para
a interpretação dos dados vindos do Próximo Oriente10 e durante algu m tem-
po go:i;ou de uma cer ta popularidade. A verdade, porém, é que ele padecia de
algumas das mesmas fraquezas que se encontravamjá patentes na argumen-
ta ~o de Childe, nomeadamente no que respeita ao facto de ae tratar de uma
combinação de teo ria e de história conjectura!, de um •esboço de explicação-.
Eu tentara usar algumas variáveis que pensava terem sido muito importan-
tes no quadro de um modelo baseado na visão do passado que existia nessa
época. Infelizmente, eHa visão do passado estava errada, o que fez que não

"Binford, 19611-o. Ant.ecipandougumenlol que oerlo • preaent.adoo m• i• •diante. pi.a·


ria de ..tin.aluque uma d.at ma iOJft clebilid.adc9 dolta• p,.;,,..,;,.... idelueraoco<><:elt.ode peo
que.-.J•rdi1111 do Ptra1-emque • populaç•c,.e t.eria """""otndo e que pouihilitavam um
C1'e«imeo1.0 PC19ulo.ciona\ ma l• IC>gllro. O. preMupoet.os a doptad.. eram em parte Oll doo me.,.
p~110...,.,embon.l"oit9"m ai:......,nt.ad.. •l,gullll•rgumentoo noV'Oltobre • t.enAio ..1ecti-
vaprovoc• d a pel•e•truiur• da dlnlmica da1 populaçõe&.
"Braldwood,1963,p.110. "0...rnond,1965;Bo.el"\lp,1965.
"HfgguJ•rm•n,1969; Higg• (org.),l972,!97$. "Smlih e Young,1972.
"Flaoncry,1969.
UWISR.BINF~ EMBUSCA.D()PllSSA.DO

tenha ~i~o muito difícil desconsidera~ a i!"portância das va riáveis que eu u.


nha utihzado. E, de facto, após um pnme1ro período de popularidade, OI cha.
~=~::~;e~~~~=::i~~!~~:':o~ºs~i!r~:s:e~;~~~dso~~~~~::
quado1 ou simplesmente mgénuos 11•

de~*~~::;'e~:~~'!e~ªS:;~ro;!;:à~1:°J:: q~;~~n:!a ~~: ~ªJ!°ret


a agricultura era uma forma de ganhar a vida, uma solução que se havia~
~a~.~:ap:~~7t:~::d~~:~~~~~:.nd~~~: :~ ~ro~::;~:~. :ª;:~~:'~
práticas de povos não agr1colas, parece razoável supor que o seu surgi me nlo
~::;:~d;:!:~;;:odsº~ºd;~~~~:::i.~~!1~~~~~~à:ne~:!~hl~~;~~~!~~=
~~:i:~~~ :;~~~~;ã~~Zi:1~~!~,q~:~ !;~~r0es~~!e~;=:::~~~i~:;:j~
ca d.o ambiente em mteracção com o homem. Será que os animais estão onde
deVJam estar? E será que estão em quantidades idênticas às do costume? Eu
plantas, estarão a ser superex~loradas? Por outras palavras, qual é a in~rac­
ç~o entre o homem e o seu. ambiente? E_s~s questões levaram, com toda aju•
t1ficação,a um período~e mteresse_mu1to mtenso pela análise ambiental, com
trabalh~s cada vez mais pormenom:ados. Os arqueólogos continuavam a ser
graduahstas, mas trabalhavam já no interior de um contexto ecológico.
Q_uando, nesta época, acontecia que alguém se apresentasse numa confe-
rênc.•a e pergu~tasse, por ex.em pio, algo como •por que é que os índios da Cali-
fórma não praticavam aagncultura?•, as reacções eram muito interessantes
O orador i;iodia, por seu turno, responder com uma outra pergunta, por ex em:
pio: _·Q~a1s a~ plantas ~ue eles tmham?• Ao que a audiência prontamente
~epl~cana: •Tinham muitas bolotas.• E a resposta à pergunta acabaria por ser sim, acabou por se entrar num jogo mui lo interessante, em que os peritos em
iludida com.ª observação de que.os índios nã~ precisavam de praticar a agn. etnografia defrontavam os peritos em ecologia das origens da agricult':'ra,
cultura,devidoaocarácterluxunantedoamb1enteemqueviviam.Estasitua- jogo que ao longo dos últimos anos tenho visto ser jogado muitas e muitas
ção hipotética exemplifica bem um tipo de argumentação que se generaliza. vezes.
vacada vez maia, tanto ao vivo como em letra de forma, e a que costumo cha· Se alguém sugerisse, por exemplo, que a diminuição da quantidade de pis·
mar a •tese do~ardim do Paraíso-_. Aocont~ário do que vem naBlblia, porém, lácio podia ter desempenhado um papel importante nas origens da agricultu-
parece que haVJa não um mas mu1tosJardmsdo Paraíso (e o seu número não ra entre os caçadores- recolectores do Próximo Oriente, observando, por outro
pára de aumentar, à medida que vai igualmente aumentando o número de lado, que não pode haver sociedades complexas baseadas na caça e na reco-
pessoas que escreve sobre as origens da agricultura). Deixem que me expli· lecção, logo alguém do auditório assinalaria que na América Central, um ~os
que. ÍOl:OS de invenção da agricultura, não havia pistácios, ou que na Califórnia e
Há inúmeros relatos etnográficos da época da exploração e da colonização na costa noroeste americana se tinham desenvolvido sociedades complexas
do mundo que se referem a povos não agrícolas. Sempre que se avançava com que não praticavam a agricultura! Nessa altura, o orador confessaria que não
uma argumentação sobre as razões da adopção da agricultura era possfvel le· tinha tomado essas questões em consideração, mas não deixaria de assinalar
vara cabo um rápido teste lógic? do tipo ·~isso é verdade, então por que é que na América Central havia um outro recurso que se pensava estar a dimi·
que este ou aquele povo não praticava a agricultura?• Este constante ensaiar nuir, e que na Califórnia e na costa noroeste havia tanta bolota e tanto salmão
de hipóteses era possibilitado pela existência de muito material etnográfico que não tinha sido necessário inventar a agricultura. Isto é, se vivessem em
que, no entanto, era muito pouco conhecido dos especialistas do ambiente. Al;- ambientes altamente produtivos, em pequenos «Janiins do Paraíso~ onde os
alimentos eram abundantes, as pessoas nãoadoptariam a agricultura. Deum
modo geral, parte-se também do princípio que, em tais condições, as pessoas
tenderão a sedentariur-se e a abandonar a itinerãncia. O exemplo que se
segue é um bom resumo do ponto de vista consensual partilhado por muitos
lEWISR.8/NFOR/)

arqueólogos: ..-Temos partido do princípio de que, de um modo geral, a vida


sedentária é mais favorável do ponto de vista da sobrevivência da raça huma-
na do que a vida nómada, e que, não havendo outros factores a considerar 11
transição de uma para outra será feita sempre que a ocasião se pro pici~r
r.. .1·"·
Esta tese corresponde ao que eu gosto de designar como o •princfpio da pre-
guiça•: para conseguir a sua refeição, o homem não faz nada para além do
estritamente necessário. Se não precisar de andar, deixa-se estar sentado. Se
houvermuitacomida num determinado lugar, como, por exemplo, num banco
de moluscos, é aí que se instalará. É evidente, no Jardim do Parafso o homem
não teria de andar de um lado para o outro... Estas duas ideias, a•tesedoJar-
dim do Parafso• e o ·Principio da preguiça•, têm vindo a ser combinadas de
forma a produzir um interessante cortejo de argumentações.
Por exemplo, chegou-se ao ponto de sugerir, recentemente, que teria ha-
vido um Jardim do Parafso propiciador da vida sedentária no topo dos An-
des l'1° Proposição semelhante foi igualmente avançada para o caso da Great
Basin,da AméricadoNo rte,o ndeosgrandespântanosexistentesaolongo das
dive rsas bacias hidrográficas produzem quantidades enormes de tábuas
(Typho latifolÚlJ. uma planta semiaquática comestível, e podiam, portanto,
ter constituído um outro Jardim do Paraíso. Não sei quantas tone ladas des-
sas plantas existiriam num raio de duas horas de caminho a partir do sítio em
questão, mas não hádú vidadeque se se quisesse passar a vida inteira a comê-
-las talvez se pudesse de facto conceber o lugar como um Jp.rdim do Paraiso.
Seja como for, a verdade é que se defendeu com toda a seriedade que um tal
recurso teria constituído a base do sedentarismo e da vida aldeã na regiãon.
Outra ideia, recentemente avançada por Perlmania, é a de que os •verda-
deiros- Jardins do Pa raíso seriam os recursos aquáticos e estuarinos. O que
se defende é que as estratégiasseleccionadas serão sempre as que tendam pa-
ra a optimização do trabalho pela minimização do esforço e do risco. O •Prin-
cípio da preguiça• impõe que haja uma gravitação em torno dos produtivos 50 a causa da invenção da agricultura, há alguns arqueólogos que tê~ defe n-
Ja rdins do Paraíso que, nesta versllo da teoria, se identificam com os am bien- dido precisamente essa posição. Kent Flannery, porexemp~o, descobnu o seu
tes costeiros. Devo, aliás, admitir que eu próprio havia ocasionalmente par- J ardim do Paraíso na Turquia. Depois de Harlan~ ter publicado o seu co~he­
tilhado postulados semelhantes na época em que construi o meu modelo so- cido trabalho sobre a existência de campos de trigo selvagem nessa região,
bre as origens da agricultura em zonas marginais:a. Mas há já algum tempo FJannery'" sugeriu que esses campos podiam ter constituído u~a base de
que abandonei esse tipo de posições, porque me pareciam levar inevitavel- apoio suficiente para o sedentarismo e, aparentem.ente, não teráJul~d~ qu~
mente à ideia de que alguns povos eram mais •perspicazes• ou •espertos• do fosse necessário proceder a uma argumentação m_ais.elaborada. Esta ide1! foi
que outros: porque se assim não fosse de que outro modo poderia mos e:cplica r mais tarde relacionada por Hassan• com a ocorrencia de mudanças amb1en-
que alguns se tivessem apercebido Uio cedo da grande verdade da lei do me- laisque teriam provocado o apa recimento nalguns locais d~J ardin~ ~º.~a raí-
nor esforço enquanto os outros continuavam a ignorar as suas tão evidentes so contendo recursos caracterizados por uma cada vez maior preVIs1b1hdade
vnntage ns? sazonal e espacia1 27• Esses alimentos eram anteriormente concebidos apenas
Apesar de estes argumentos nilo implicarem necessariamente que tenha
sido o idílico sedentarismo propiciado por um determinadoJardim do Par aí-
"'Hulan.1967.

:::~[f~~~~;;3;g;~gª~á!iE~~;:~
'"Bcardlloy, 1956,p.134
• Rick,1980.
"Mad..,n,1979.
•Perlman,1980.
ªBinrord,19611-a.
como recurso para tempos de fome mas, nas novas condições ambientais, o leu,
verdadeiro valor acabou po r ae r reeo nh ecido e a utilização, suscitada pelo ara. den tariiaçAo. Presume-se, nesse caso, que a agricultura leva as peS!loas a
biente, destes recur sos altamente produtivos criou condições propfcia a l assentar, dado o maior grau de confiança que suacita, implicando, de acordo
aedent.ariz.ação e acabou po r dar origem à agricultura. eom o •princípio da preguiça•"", que se tome a decisão de abandonar a itine-
Um outro exemplo deste tipo de posições é o constituído pelo trabaJbo rtncia.
recentemente realizado por Niederberger'. Nas escavações que fei num d. Subjacente a todos estes pontos de vista encontra-se o gradualismo, sob
tio situado nas margens do lago Texcoco, no México, ela encontrou r estos de 15 suas diversas formas. Além disso, trata-se em todos os casos de ideias
pato, de veado, e de tábuas-ou aeja, vestígios de todos os recursos de que wn teleológicas. A mudança contínua mas gradual em direcção à utilização de
homem precisaria para viver, e todos concentrados num Unico lugar. N1o recursos fiáveis, a adopção de técnicas conducentes ao sedentarismo, pressu-
havia raiões para que um sítio como este fosse abandonado. E assim tem°' posto como objectivo absoluto, ou a tendência pa ra a redução do esforço são
perante nós todo um conjunto de argumentos sobre as origens da agricultu. nOÇões que se baseiam no postulado de que a evolução do homem está orien-
ra. Primeiro, o homem to rn ou-se sedentário porque encontrou um pequeno tada para uma dete rminada finalidade, e que, por isso, se ca racte riia por um
Jardim do Paraíso. Depois de já se ler acostumado à vida sedentária, ascoi.., progresso inevitável em direcção a esse objectivo final. Note-se que as abor-
a certa altura co meçaram a correr-lhe mal. Os patos, por exemplo, poderio dagens propostas pelos marxistas-estru.turalistas e pelos partidários da teo-
ler deixado de vi r em tão grande quantidade, obrigando-o assim a reeorrer• ria geral dos sistemas, que se debruçam sobre os processos de morfogénese,
formas de produção suplementar (isto é, à agricultura). Mas se é desta fol1?lll não são afinal muito diferentes dos primeiros ponto• de vista gradualistas,
que o sedentarismo leva à agricultura, então voltamos ao principio: por que visto a mudança também ser por eles concebida como um acontecimento ine-
é que os povos da Califórnia e da costa noroeste não adoptaram a agriculb,i. vitável. Tanto num como noutro destes dois estilos de discur so mais recentes
ra? Esta forma de argumentação ignora, aliás, uma parte importante doa se parte, com efeito, do principio de que o •sistema cultural contém proprie-
dados empíricos: de facto, enquanto a agricultura parece nalmente vir•de. dades autotra nsformadoras [. ..] Em vez de estarem em equilíbrio, as socieda-
pois• da sedentarização no Próximo Oriente, na Mesopotâmia, e até no Peru, des estão em constante devir L.J.. 31 Segundo estes pontos de vista, as trans-
a matéria de facto à nossa disposição para os casos da América Central eda formações da sociedade são fundamentalmente função das opções feitas pelos
América do Norte indica que nessas regiões a adopção de plantas domestica. homens, opções sob re como investir o tempo de cada um, ou sobre como usar
das terá "Pttcedido• o aparecimento de modos de vida sedent.ário121 • o rendimento dos investimentos produtivos: •L .. J como é que podemos ter a
Exiatemoutrosargumentos.Masosqueacabeideesboçarconstituemoe.. pretensão de falar em causação material das acções humanas, quando o que
aencia\ das explicaçõe1 até hoje propostas para as origens da agTicultura. A está em jogo em praticamente todas as situações éa imprevisibilidadeeacria-
tese gradualista defende que o bom em dese nvolve a agricultura porque se tor- tividade da mente humana?~33
na maia sabedor. A tese do Jardim do Pa raíso dii que isso acontece mais ra. Há ainda uma outra fo rma de gradualismo em que a propriedade vital que
pidamenteem ambientes ricos, que favorecem o sedentarismo, o qual, po r seu causa a mudança para a agTiculturaé vista não como vinda do interior do sis-
lado, é visto como encorajando a intensilicação da produção, ou a experimen- tema mas como resultado da acção de uma •força primordial externa•, uma
tação de modos de produzir quantidades suficientes de com ida no lim itadoea- pressão contínua do ambiente. Um bom exemplo deste ti pode argumentação
paço existente em redor de um povoado pennanente {ou seja, a agricu l tur1~ é a tese demográfica de Cohen:i;:,, em que o aumento da população é concebi-
Um possível ponto de vista alternativo (mas que ignora completamente 1 do em lermos de um malthusianismo quase puro: dado que as populações cres-
questão) é que é a adopção da agricultu ra que exige uma cada vez maior ... cem continuamente e sem co ntrolo, há uma pressão contínua e incessante em
favor da busca de novos métodos que permit.am melhorar o aprovisionamen-
to alimentar.
A minha opinião é que devemos começar a olhar com muito mais atenção
d.."~:;::,~~rc~:~:t~~=~~~n:v~Ii~~.:'e~:!'~:~:1~~r:::t.':11~::".:
para formas de argu mentação de tipo darwinista, em que as forças promoto-
ras da mudança silo consideradas como residindo na interacção entre o am-
pC!ito de> ambiente. Oquo Haydcn dcxrcvei:omo recu,...,., tiávci • •de sclOCf.le>'R'• e.lo prceia-
mcnt.c,,. que pe>dcm ...,. cxpforadc. tom um mini mo de infor mação llClbrc o •mblon\.O, d•do 1.eit-
bie nte e o sistema adaptativo em causa. Numa perspectiva deste tipo, o sis-
dercm a ""r""t.ade>n6ri01 e agrcgadc.. N.lo del11 porisoo dc scr curi.,.., que scjam prcciu. mett· tem a adaptativo pode passar por períodos relativa mente estáveis, de duração
tee.te1oorocu,...,.,que Haydenpcn.. queohomemi:omcçaaexplorar l rnedidaqlM!Hval tor-
nandoma!t «1nh"""dorodol<!uamblcnte.
•Nicderbcrger,1979
• MacNei1h, 196<1, 1971. 1972. !A~ lmpOrtantcob...rvaç.lo foi rceonhecida pOT PlanJ>el)' • Porcxempk>. lt.yden, 1981. p. 5'1-4: ·P•rcce-meevidente que. mantendo-... Hl'fftanla
(1973)e porBender(l978), e lgtie>n.danumlr•h•lholbrecentettnn<>odeHu11n(l98l). N.lo <oodiÇ'Õffinalu.nd.. ,01uç•dnrt.-rccolcrtol'ff adnpUrllle.tn~•1queenW>lvamummfnl·
tcohe>d6vidu de'!ue ff• ... n provavelmentti argumentariaqueOI HWI ll'ICldekil pan .. origeall -demovi mento.•
da produção de ahmenu. oóaaplkam 1 Paletll n1,e que devem aerenconlrad'" nplicaçM .,Be..der,1978,p.207.
partX:ulal'ff paral.Cld..1111utl"H~. ªBennet,1976-G.p.848.
•eot.en,1977.
254
LEWIS R. BINFORD EM BUSCA DO PASSADO 255

vari~vel, durante os quais consegue enfrentar com êxito as perturbaçõe d tem essa experiência como muito traumatizante. Na prática, acabam por
ambiente. A mudança torna-se selectivamente vantaJ· osa quando as táct~ 0 estar sempre a escapulir-se, realizando grandes viagens pelo seu território e
.
an te normen te em pregues pe lo sistema
. - podem contmuar
nao . a ser usadaicas regressando com longas narrativas acerca do que observaram: quantas pis-
. - .am bºient ais
qu ªd ro d as novas con d içoes · entretanto cnadas.
. A origem dess no tas de alce viram, onde é que os patos estão, qual a qualidade da lenha numa
mudança pode estar nos efeitos acumulados ao longo da história do pró ~ certa área, se houve fogos na floresta, se há neve acumulada sobre a super-
· te_ma, mas ess~s efie1tos
s1s · ~esu lta~, por su~ vez, d~ acumulação de transfor.
Pno fície gelada dos lagos, qual a espessura do gelo nos lagos utilizados para a pes-
~a.çoes .na~ r.elaço.es ecológicas, e .nao da acçao contmuada de quaisquer Prin. ca, etc. Tudo informações de importância crucial, sem as quais não se pode
c~p1os v~ta1s mter1ores ou de quaisquer pressões incessantes vindas do exte. tomar decisões sobre o que fazer no caso de haver alterações na situação de
r10r. Childe fez um pequeno avanço em direcção a uma abordagem deste tipo segurança em que se supõe que as coisas se encontram - por exemplo, o que
mas aca?o~ ~or ser derrotado com b~s~ e.m argumentos de natureza estrita~ faz er no caso de os ursos pardos conseguirem penetrar num esconderijo e a
mente h1stonca. Parece-me que sena util retomar uma vez mais esse camj. carne aí armazenada se perder. A sobrevivência depende inteiramente da
nho. tomada de decisões acertadas, a quaJ, por sua vez, se baseia em informações
recolhidas numa área muito vasta. E por isso que a maior parte das desloca-
ções feitas por estes esquimós não era motivada pela «ausência» de comida
mas sim pela sua «existência». O facto de haver comida em quantidade num
A itinerância como opção de segurança entre determinado lugar significava que esse era um lugar a que se poderia regres-
os caçadores-recolectores sar sempre. Deslocar-se para longe em busca de recursos mais falíveis torna-
va-se, nesse caso, uma estratégia segura, de baixo risco. Na realidade, a
maior parte das deslocações relaciona-se com situações de abundância de
A m~ioria dos argumentos anteriormente referidos tem em comum 0 facto comida, e não se vê como é que uma tal situação poderia ser explicada como
de pa:tilhar un;i mesmo pre~suposto: o de que o homem procura evitar as des- manifestação de obediência ao princípio da preguiça.
locaçoes e deseJa o sedentansmo34• Será que esta suposição é justificada e se Registei exactamente o mesmo tipo de comportamento no deserto central
s~m, porquê? D_o ponto de vista de ~ma espécie como a nossa, em que o ob1ec- da Austrália. Estava a trabalhar com um grupo numa área com elevada den-
bvo é a obtenç8:o de um modo de VIda seguro, por que é que a itinerância há- sidade de caça: no decurso de uma deslocação a pé pudemos, por exem pio, con-
-de ser .um~ co1s~ má e permanecer no mesmo lugar uma coisa boa? tar nada menos de oitenta e cinco cangurus durante as quatro horas da sua
. A pnme1ra coisa que me impressionou foi uma simples observação empí- duração. Se a tese do Jardim do Paraíso fosse correcta, podia supor-se que o
.,.nca:\wrmrgv\r-c:fÜi~a-üecaàa, s.erfao desde há mâis tempo ainda, tanto eu grupo ime-diatamente se estabeleceria nesse sítio até acabar com os cangurus.
com~ os meus alunos tivemos ocasião de passar por uma série de experiências No entanto, o que se passou foi precisamente o contrário. A abundância de
de VI da e de t~abalho entre povos itinerantes-esquimós do Centro--Norte do caça deu-lhes a segurança necessária para se deslocarem até ao outro extre-
Alasca, abor1ger:ies do de~e!to central da Austrália, bosquímanos Kung, do mo do território, que já não visitavam há bastante tempo; se alguma coisa cor-
Botswana, horticultores itmerantes do Norte do México. Nenhum destes resse mal podiam sempre regressar à situação conhecida e segura. Estou con-
povos pensava que a itiner~nc~a fosse uma coisa má. E, no caso dos caçado- vencido de que todos os sistemas baseados na caça e na recolecção funcionam
res-~ecolectores «puros», a ideia de que uma tal avaliação fosse possível era deste modo. Os caçadores-recolectores não têm por costume estabelecer-se
considerada uma loucura rematada, e por uma razão muito simples, bem nos locais onde os recursos alimentares são abundantes e deixar-se «embe-
expressa nesta frase de um velho esquimó : «Enquanto permanecer aqui no bedar» de comida. Pelo contrário, aproveitam a circunstância de deparar com
mesmo lugar, não conseguirei saber o que se está a passar nos outros lad~S». situações desse tipo para se deslocarem para outras áreas, na maior parte dos
Este mesm~ esquimó explicava ainda que ter um modo de vida seguro era algo casos com o objectivo de recolher informações. Para que um sistema se seden-
que dependia totalmente da tomada de decisões acertadas sobre as desloca- tarize é, portanto, preciso, penso eu, que se dê o surgimento de um determi-
ções a fazer, a qual depend!a p~r sua vez do conhecimento do que se estava a nado conjunto de circunstâncias que, por um lado, torne esse tipo de informa-
pa.ssar em toda uma vasta area, de momento não explorada directamente. Ou ção desnecessário e que, por outro, faça que a deslocação no interior de um
SeJa, para obter o conhecimento suficiente para a tomada de decisões pruden- território na sua maior parte desabitado deixe de ser uma opção realista.
tes acerca dos recursos e do seu desenvolvimento era necessário manter sob Chegados a este ponto, vejo-me obrigado a lembrar uma vez mais a «esca-
observação uma vasta extensão de território. la»em que funcionam os sistemas baseados na caça e na recolecção: nem todos
~uando, ent!e os esquimós contemporâneos, os homens são forçados, por são grandes, mas não há nenhum que seja realmente pequeno. Vimos no capí-
razoes burocráticas de natureza diversa, a permanecer no mesmo lugar, sen- tulo VI que os caçadores de caribu com quem trabalhei (que, é verdade, cons-
tituem um caso extremo) concebem o seu território em função dos ciclos de vi-
14
Ver as notas 19 e 28.
da. Um grupo de cerca de três dúzias de pessoa~ pode chegar a utilizar uma
área de cerca de 22 000 km 2 durante a sua vida. E uma área enorme, mas que
U:WISR.BINFOltJ)

Fig. 190. - Al><>rlgm"• .N101<11,jorn.mudomkldt<1CU1t1pat1Un/<I no• 1t10nlanltos Warbu,-.


l<ln. d0Au• lrdliaoci<Unúú,p0rvol1<1<k 1935. Em oonlTMl<!oomo modo<k uldaH<hn/árioos. Te1tl1órlot do• Nun t mlu~ tnlu e depol t d1
IJOciod-06<111riadlura.,a oulros H lraUgiaa int..naiuos dcobt..nçõod.,aJim.fnW.,"" cnçndort•· qu eb rt na popultçto dec.,ibu t
~...:l<ln•~ ..,..linuam.fnt..obrVJado.artP""ki011ar__.,no,.uOMb/<!nt...(FolctJro{la Ealatl'\,,.._
thN. B. 1tndalt, ""'1Wo,,..W Dtpanam.fn/od.,Anlropologio, Uni~rRdadc da Colifórn;,,, cm
Lo.An/lflc-.)

os homens conhecem bem: sabem onde se localizam os esconderijos, os locais

~t~EE}Ef~~i~§~.?
para atravessamento dos cursos de água, as pistas seguidas pelos animais de
caça, etc. Uma das coisas que fiz durante o meu trabalho de campo constitui
um bom exemplo desse saber exaustivo. Depois de ter fe ito um inventário dos
esconderijos de utensílios, perguntei aos caçadores de dois bandos, cujos te r-
ritórios se sobrepunham parcialmente, quais eram as respectivas localiza-
:;::~::::::::::!az'.,'!;::::.':!iwromao«11 ...ododLui<ladc~•ilintrontaow
inl<!rior.
ções: não houve praticamente nenhum que não fosse capaz de me fornece r
uma listagem exacta dos esconderijos de utens11ios existentes numa área de
quase 250 000 km 2• É uma informação que não se pode obter se se levar uma
vida sedentária! Na realidade, todo o sistema edu cativo dos Nunamiut esta·
va voltado para a aprendizagem de tudo o que se relacionava com esse vasto
espaçoedasváriasalternativasdevidaqueneleeram possíveis.
É fácil de compreender, com efeito, que num espaÇQ de tão grande dimen-
são existem vá rias alternativas possíveis quando se verifica uma quebra nos
recursos proporcionados por um determ inado mic ro-ambiente. Em 1910, por
exemplo, a população de caribus do Centro-Norte do Alasca sofreu uma que-
LEWISR. BINFORD
f;M8USClo DOPloSSMJQ

Alguns subiram o rio Colville para pescar e armazenar peixe; outros i nicia.
rama caça sazonal de carneiros da montanha no vale Dietrich, uma zona do
seu território que ultimamente não vinha a ser utilizada; outros começaram
a competir com os índios Athapaskan pela exploração de um outro rebanho de
caribus oom territórios de Inverno e de procriação diferentes; outros ainda
foram para a costa caçar focas. Nenhuma destas estratégias a lter nativas teve
de ser aprendida. Os homens já conheciam ejá tinham experimentado todas
:::~~;~té~~sof~~~~:C~~~i:o~ev~~?:~=~~i~~::~o~ss~~!çS::: ;_:~1;:~:
bilidade•-mobilidade que lhes permitiu a acumulação de um banco de infor.
mações, com base no qual se procedeu à selecção das alternativas-que lhes
foipossívelobteresseconhecimento.
Regressemos agora à nossa questão inicial acerca das origens da agricul.
tura, mas encarando-a a partir de um ponto de vista diferente. O que é que
poderia obrigar um grupo de pessoas a mudar de um sistema baseado num
•banco de informações• (a caça e recolecção) para um sistema baseado nu m
• banco de trabalho· (a agricultura)? Permanecer no mesmo sítio a tomar
conta de plantas é um modo de ganhar a vida totalmente diferente das estra-
tégias itinerantes que acabei de definir em linhas gerais. Na minha opinião,
o papel decisivo na explicação dessa mudança deve caber a um qualquerfactor
que terá impedido o funcionamento da itinerãncia como opção de segurança,
o que me leva a retornar um oonjunto de ideias que apresentei há já algu ns
anos: apesar de o conceito estar actualmente fora de moda em determinados Fig. 133. - Tm" spl1111ta"do "'bo" W.. d~ arroz para ""a rrozais (Naga OhiMwa, 1951).
quadrantes, continuo a estar convencido de que o aumento da população deve
ter um papel de relevo nesta questão.

O aumento da população
e as opções de subsistência
doscaçadorcs-recolectores

O registo arqueológico mostra que a mudança generalizada d; estratégias


decaçae recolecção para estrat~giasagricolas é, em grande medida, um fenó-
meno do periodo pós-plistocémco.
Seserecorreràperdadeopçõesdeitinerânciaernconsequênciadoaurnen-
to da densidade populacional como argumento para explicar essa mudança,
é-se necessariamente obrigado a encarar o problema de saber por que é que
o aumento da população só fez sentir as suas consequências numa época tão
recente da evolução humana.
Ê um assunto que está longe de ser bem compreendido, mas parece-me
que uma parte do problema residirá no facto de termos partido do pressupos-
to (em minha opinião erróneo) de que as explicações que damos para os acon-
tecimentos posteriores à emergência do homem sapiens moderno, há cerca de
30 000 anos também devem ser válidas para as épocas anteriores. Como já
sugeri (nos ~ps. 11 e 111 ), o homem pré-moderno pode ter sid_o muito difere n-
te d~ nós, tanto em termos biológicos como comportamentais. .
E sabido que todas as espécies têm uma zona onde as suas condições de
EJI BUSCADOPASSADO
LEWISR.BINFOIUJ
tem peraturas médias terrestres (temperatura média efectiva:l5) andam por
vol ta dos 14,4-C -ou seja, na zo na temperada, e não nas florestas tropicais
húmidas nem nos desertos. Parece, portant.o, que é na zona temperada que o
homemsapiens moderno se reproduz de maneira mais eficie nte, coisa em que
não acredito no caso do homempré-6apien1. O homem primitivo não habitou
=:::sª:o~~i::!f:; :O~~~~~~ed: ~::~r:e\,';!d~tv:d~~~~~"roC:~dr~
no seja muito mais elevado em certas regiões da zona temperada quente que
em qualquer outra parte ~o mundo.
Foi a partir do momento em que a iona temperada foi ocupada por seres
h umanos com esse potencial que deve ter começado a dar-se um aumento da
população. Como é evidente, as flutuaçõe s climáticas da Idade do Gelo devem
ter compl icado bastante o processo, dado terem sido seg-.1rament.e responsá-
veis por muitas extinções locais. Em muitos sítios, no entanto, esse aumen-
to deve ter sido suficiente para pôr a funcionar efeit.osdependent.es da densi-
dade. Em termos biológicos, esta explicação parece inteiramente razoável:
nos_trópicos o p~incipal mecanismo de regulação parece ser a mortalidade e
no Arctico a fertilidade, funcionandoambos na uma temperada. É interessan-
te assinalar que a taxa de crescimento populacional em ambientes equato-
riais semelhantes foi muitíssimo mais rápida no Novo Mundo do que no Velho
Mundo, o que se deve ao facto de no primeiro não existirem organismos infec-
ciosos nativos. Com efeito, na época em que o homem penetrou no Novo Mun-
do, tinhajá atrás de si um longo passado de evolução em contacto com os orga-
nismos infecciosos do Velho Mundo, ti nhajá, portanto, passado por um .filtro
Densidades populsclonals atingidas pelos de doenças• que permitiu uma explosão populacional ao chegar às zonas equa-
caçadore t-recolecto res toriais do Novo Mundo. É isto que explica a grande truncatura que aí existe
em diferentes zones ambientais na cronologia do desenvolvimento culturol, dos caçadores-recolectores às
sociedades estatizadas, algo que se relaciona tanto com a nutrição como com
taxasdecresciment.opopulacionalintrinsecamentediferentesemambientes
dife rentes (apesar de os mecanismos ainda não serem conhecidos). De qual-
quer forma, o que é importante sublinhar é Que não podemos pensar que o
potencial reprodutivo do homem te rá sido •constante• em todos os ambientes.
Se se partir do princípio de que em certos ambientes os caçadores-recolec-
tores tenderão a te r um crescimento populacional perceptível, pode então
levantar-se a questão de saberquaisasconsequênciasque um tal crescimen-
to poderá ter sobre a sua estratégia normal de subsistência. Tomemos como
exemplo uma situação vulgar: um grupo de cerca de trinta pessoas que ocupa
um território anual •A,. durante cerca de dez anos, e em que o território vita-
lício é composto de cerca de cinco unidades destas. À medida que o número de
pessoas do grupo vai aumentando, começa a haver discussões relacionadas
com as obrigações de parentesco. Haverá talvez demasiadas bocas para ali-
reprodução são as melhores: o milho, por exemplo, cresce melhor no Iowa do mentar com o peixe que foi possível arrnaienar e, apesar da ética de recipro-
que em qualquer outro sítio. Por que é que a mesma coisa não pode ser ver- cidade generalizada, há alguém que começa a não cumprir com a sua obriga-
dade no caso dos grupos humanos de caçadores-recolectores? Para tentar res- ção de alimentar um parente. Uma ou duas famílias zangam-se e decidem
po~der .ª es~ q_ues!Ao, procurei ve rií'icar até que ponto as densidades popu-
deslocal'-&e para o território anual •B•. Estão no seu direito, é território seu
lac1ona1s a_trngidas entre os caçadore&-re<:olectores das diversas partes do
mund~vanavamemfunçãodoseuambiente.Oresultado,consideravelmente •Balley,1960.
resumido, é o de que em geral as densidades máximas se dão quando as bio-
U:WfSR.BIHFORO EJIBUSC100PASS.4I>O

que nesse momento está desabitado. Em condições nor mais, porém, o grupo caçador que dantes caçava alce!' e armazenava a sua carne v~ agora obri-
inteiro só para lá iria daí a mais cinco ou dez anos, pelo que esta mudança de
uma parte do grupo é de certo modo prematura. Quando os recursos do te r- ~:~~~:~~~~:i:~::. ~~mr:~~::~s;~~~':s~;;~:~~:;:;~e~:~:;:~:
ritó rio •A> começarem a aproximal'-se do esgotamento, o resto das pessoas mais ele aerá obrigado a concentral'-6e em ammBls de _pequ~no t;amanho, ~ca­
que continuam zangadas com os seus parentes, vai para o território •C. e~ ba ndo inevitavelmente por ter de se afastar dos própnos amma11 e de se vu ar

bª~!aj~~~nJ!se~~;;;i;:~~~eª~~r~e:~~;;~~t;:~~:~:~~f:sl~~~~:
vez de ir para o ·B•. Ao fim de um espaço de tempo relativamente curto pas-
sa a haver dois grupos de parentesco em vez de um, ambos utilizando (corn
toda a legitimidade) áreas diferentes do mesmo territó rio vitalício, mas em completamente diferente. Em pnme1ro lugar, haverá um~ mudança para a
simultAneo. Em vez de usado de foram sequencial, corno aconteceria na exploração de outras espécies animais, .geralmente aquát1caa (e, de facto, a
ausência de pressão populacional, o território passa a ser usado de fonna primeira resposta ao aumento populacional na zona temperada par~e ter
saltitante em consequência da separação e da segmentação provocadas pela sido a viragem para os recursos aquáticos). Em segundo lugar, haverá um au-
competição no interior do sistema. A continuação do aumento populacio nal mento da dependência dos vegetais. Ji'.• em terceiro l~ar, à medida qu_e ~
provocará a ocorrência de mais conflitos (tenho bons exemplos registados população continua a crescer num amb1ent.e em que deixou de haver poss1b1-
etnograficamente), e enquanto o grupo do território •B• se desloca, por exem- lidades de expansão, o aumento da procura d~s con~umidores, no qu.adro de
plo, para.[),., o que estava em •C• volta a dividir-se, desta vez em dois gru. um espaço de limites mais restritos, torna obngatóna a adopção de sistemas
pos que se evitam mutuamente e que se instalam em .E,. e •F•. Quando o gru-
po que está em ·O. dá a volta completa e regressa aoter ritório•AI-, muitos dos
r~ursos n~essários para que lá se possa viver não te rão ainda recuperado-
de b:"1~~~~ ~:~:~~~:o~:ió~~t::~~~ª~delo de densilicação• é algo c.om
no Árctico, por exemplo, os salgueiros utilizados como lenha precisam de um que pode ser difícil trabalhar. De que modo poderão os arqueólogos med_1r o
tempo de recuperação de cerca de quarenta e cinco anos. Em condiç()es nor-
mais, isso não constituiria problema porque os grupos, em princípio, não ::~~~:~1:-~~~~~!~~~:aºsf::::::ddêen~fc:s~~:a~~d~~~;ecee:t~dS::!~~~'.
regressariamaomesmoterritórioantesdepassadosunsbonsquarentaanos. tomas para tentar identificar a doença. Um dos •sintomas- CUJa ~amfestação
Mas é evidente que haverá dificuldades se o regresso se íizer ao fim de a pe- nos poderia levar a suspeitar estarmos pera_nte um caso de func1 on~ mento do
nas doze anos. modelo de dens ificação seria o de a domesticação das plantas ter sido prece-
À medida que a região se começa a encher, os bandos começam a ter pou- dida de tentativas dos caçadores par~ co~seguirem um c?ntrolo das manadas,
casou nenhumas opções de mudança: a sua mobilidade sofre restrições, e a ou até mesmo a domesticação dos animais. Parece que é 1ssoque aconte.ce naa
exploração dos recursos torna-se mais concentrada. De facto, o aumento da sequências arqueológicas do Peru, onde cobaias e ca~eHdeoa domesticados
densidade populacional a.mtraria frontalmente a estratégia normalmente aparecem cerca de 2000anos antes das plantas dome~t1cada~. Do mesmo mo-
utilizada pelos caçadores-recolectores, de usar a itinerãncia como uma opção do 0 trabalho de Dexter Perkins e de outros no Próximo Onente sugere que
de segurança. Uma das respostas interessantes que podem surgir em situa- ta:Obém aí a domesticação das ovelhas e das cabras terá sido ~nte~or à daa
çõea de ate tipo é o aumento das visitas individuai& inter-regionais(uma vez plantas•. Alguns factos deste género, que até há pouco eram d1fíce1s de com-
que deixa de ser possível que grupos inteiros se deloquem de região para
região, como acontecia anteriormente). Este fenómeno pode estar relacio na- pregc~~~~:d~c~: :~1:~: :i~~z:ds:nn~~~·é outro sintoma interessante.Já
do, por um lado, com tentativas de superar dificuldades ocasionais ou, por ou- anteriormente referi que um dos grandes contrastes entre o Velho M~ndo e
tro, com a intenção de educar as crianças no conhecimento do território como Peru, por um \ado, e a América Central edo Norte, por outro, éo qu~ diz res-
um todo, coisa que é, porém, completamente irrealista, dado que elas nunca 0
peito à ordem por que se deu o aparecimento de po~oados seden_tár~os e doa
te rão oportunidade de se mudarem para as outras partes do território. Bas- primeiros indícios da utilização de plantas domesticadas: no pnme1r.o caso'.
tante mais significativas são, no entanto, as respostas que surgem no que res- são os povoados sedentários que apa recem antes ~as planta~ domest1ca~as,
peita à •natureza• dos recursos alimentares uti liudoa. no segundo caso, passa-se exactament.e o contrário. Se partirmo~ d? pnncf-
Existe uma relação aimples entre o tamanho de um animal e o espaço de pio de que as proteínas animais desempenham, com toda a veros1m1lhan~a,
que neceasita para se alimentar. O espaço neces!}á rio para alimentar um a ni-
mal com 50 kg a 60 kg é bastante grande (e no Arctico é mesmo muito gran- um papel importante tanto no que respeita à nutrição como no que respeita
de). Se o caçador tiver à sua disposição uma área de 20 000 kmt a 25 000 km 1 à reprodução humanas.ri, somos obrigados a concluir q~e a agricultura -~ão•
é provável que consiga abater regularmente alces e caribus. Se, no entanto, pode por si só resolver o problema da densificação. Alimentos alternativos,
essa área se limitara um espaço com cercade80km de lado, pode ser que mes-
mo assim continue a poder caçar caribus (se houver alguma rota de migração
que atravesse o seu território), mas já não terá possibilidade de apanhar 01
alcei, porque o território destes animais é muito maior do que seria o seu. O
UWISR.8/NFOR{) l!/tf/JUSCltDOPASSADO

tais ~orno os recursos aquáticos" e a domesticação de animais, ajudam a in. tão limitados e a caçadas de rn ve rno tão más que o marisco se torna o único
te ns1ficar a produção para uso humano de alimentos de origem não vegetal alimento acessível logo desde o início da Primavera.
N e~sas condições, o des_envolvimento das tendências sede ntárias pode se r a n: Odesenvolvimentodetodasestas ideias poderá vir a revelar-se muito pro-
ter1or à a d opção da agricultura, a qual, apesar de poder vir a aumentar de irn. veitoso. Mas há outra coisa que é import.ante sublinhar : é que não há nenhu-
port.Ancia como estratégia de •obtenção de calorias•, não chega para resolver ma forma de põr directamente à prova, confront.ando-as com o registo a rqueo·
o desequilíbrio nutricional entre alimentos animais e vegetais. Na Amé rica lógico, todas estas teo rias ou modelos sobre o porquê das ~isas. Pratica mente
Ce~tral e do Norte e na~gumas regiões da Europa temperada, a adopção da todas as teorias a que anteriormente se fez referência no contexto deste
agncultu~~ parece ters1do antecedida de uma tendência para a sedentariza . debate atribuem significados diíerentes ao facto, arqueologicamente demons·
ç~~· prop1c1ada pela ~xploração _dos recursos aquáticos. Por outro lado, no, trável, de que o consumo de recursos alimentares cada_ vez -~ais pequenos e
s~t1os em que i:ião ~avia al~rnallvas aquáticas e em que não se deu a domu. estacionários foi aumentando ao longo do tempo. Menc1one1Já que Flannery
ticação dos amm~1s, a ag;i~ltura ~ ntinu ou a ser apenas uma est ratégia de designa isto como constituindo a •revolução do espectro amplo•, uma adapta·
obtenção de calonas, e a 1tmerãnc1a permaneceu como única forma de asse- ção dos caçadores à vida fora do Jardim do Paraíso. Para Hassan, este padrão
gurar a aquisição de comida animal (em grande medida de origem continen- resulta da compreensão, adquirida como consequência das modi~cações am-
tal~ não aq~ática). Nestas circu.nstancias, a sedentarização só resulta forçosa bientais, das vantagens inerentes à exploração de recursos fiáveis. Segundo
n:iu1todepo1s da adopção da agncultura como estratégia de•reíorço• , e numa Cohen, estes mesmos factos constituem bons indícios da existência de um a
situação em que os patamares de densificação são já muito mais elevados. ligação entre as estratégias de subsistência e a pressão demográfica em geral,
Um outro sintoma consiste no que Flannery"' chamou a •revolução do ou seja, do facto de a quantidade de comida disponível aumentar me~os qu.e
espectro amplo.o. Na realidade, porém, tratou-se antes de uma •depressão- do a procura dos consumido res, obrigando a que se recorra cada vez mais à uti-
espectro amplo, não de uma revolução. A medida que a densidade populacio- lização de alimentos menos •desejáveis•. Hayden considera, po r sua vet, que
nal dos caçadore&-recolectores que habitavam uma determinada região ia o aumento da utilização de recursos •de selecção 'R'•- aqueles que se repro·
aumentando, eles viam-se obrigados a concentrar-se nos animais de meno r duzem rapidamente e em grande abundância-é uma consequência da sabe-
tamanho, a aumentar a variedade das espécies exploradas, a usar quantida- doria acumulada por populações que estiveram sujeitas a uma tensão contí-
des cada vez maiores de pacotes alimentares cada vez mais pequenos, de for- nua e incessa nte 40 . Eu próprio tenho vindo a deíender aqui que estes factos
m~ ~compe n sarem a inviabilização das estratégias mais especializadas que r eflectem uma táctica de intensificação. O funcionamento dos mesmos meca-
utihzavam quando a caça ndoestava constrangida por peias espaciais. Es ta nismos homeostáticos que fazem que os grupos locais de caçadores-recolec-
mudanç~ constitui talvez, em si mesma, uma das nossas melhores pistas para tores se possam manter na situação óptima, que é a de serem de pequena
o entendimento dos processos que levaram ao aparecimento da agricultura. dimenstio, tem igual mente como consequência que o território que cada grupo
Estou convencido de que já não íalt.ará muito para que - utilizando como individualmente considerado efectivamente tem à sua disposição vá dimi·
índice a r azão entre a diversidade e o t.amanho das espécies - venhamos a nuindo. A medida que os grupos vão sendo cada vez mais numerosos, o leque
estar e~ condições de predizer com precisão em que ponto das sequências ar- de localizações alterna tivas por que cada um dos grupos pode optar vai-setor-
queológic_as dev;rão começar a aparecer os primeiros sina is de estratégias de nando cada vez mais reduzido, obrigando a um uso intensificado de segmen·
trabalho intensivas. Pelo menos no que à cost.a leste da América do Norte diz tos de habitat cada vez mais pequenos.
respeito, os estudos desse tipo parecem estar a dar bons resultados. É possí- Todas estas teorias deíendidas por diferentes arqueólogos não são mais do
vel demonstrar, por exemplo, que qualquer grupo de caçadores que tives8(! que maneiras diferentes de atribuir significado a um mesmo padrão empfri·
sido forçado a subsistir com base no marisco logo a partir do mês de Feverei- coque pode ser observado no registo arqueológico. E tenho a certeza de que,
r o estaria a caminho, a cu rto prazo, da adopção da agricultura. Por outras além destas, muitas outras interpretações poderiam ser propost.as. Também
palavras, parece possfvel afirma r que o cultivo do milho está iminente sem- tenho a certeza de que, utilizando outros padrões empirfcos (també m eles
pre que a pressão sobre os recursos dá origem a armazenamentos de Outono sujeitos à ambiguidade das interpretações), seria ainda possível desenvolve.r
linhas de argumentação alte rnativas, em que as causas propostas para as o~­
gens da agricultu ra seriam r:iuito diíerentes destas. De que modo deve ser íe1·
• O.born(l917Jpl'OC\lroudemon.t.nrqooo.rccunooaq"'bto.nlooon11tillM:'m.Judin. ta a opção por uma ou outra dessas várias interpretações alternativas dos
~p....,.r-. Yc.ne1(1980Jroeonhtte.exiltl!ncladewnproblem•hlol6rico:•H•1Wt1nooaqd- mesmos íactos? De que modo deve ser íeita a opção por uma das várias teo-
::-r!"':,":i~"':::O~°:.c:".:o~•=?t'.':,~=:.:e~':!~":~t;fe•,::~e:~ rias, e por um ou outro dos conjuntos de pressupostos em que elas assentam?
Nos casos aqui apresentados, as regras de cognição de rivam, de um modo
~dHregiOOI001le1fQcomo0>:emploode•th.pt.ações•oen'rio.euepcion•lment.epro­ geral, das teorias propostas. rsto é, os significados dados às observações ar -
~ut1..,.,Mqu•l1pe~\en!m 1idom uitomai1mm un1noJl'IHldo.A1u1idciade q""U"m1
bgaçloentn11 malor d1ve,.ld1dedoo n!CUl'-<'o m1iorocdcnt.11.riamoverificado n<'11.eo local1
e.UI....i;.C:::.~~ =·nconoelto de •N"llluçlodocspoctro •mpl.,..
• A1 roforGndu1lo dadu nu not.as 17, 26,33 e 39.
~ CAPÍTULO IX

OS CAMINHOS DA COMPLEXIDADE

As sociedades complexas e as civilizações surgiram em épocas diferentes


e em sítios diferentes do mundo, quase sempre a seguir ao desenvolvimento
da agricultura. O modo como surgiram é uma área de investigação quedes-
de há muito me interessa. A minha própria tese de doutoramento, já lá vão
mais de vinte anos, foi, aliás, dedicada precisamente ao estudo do apareci-
mento de sistemas sociais complexos no Leste da América do Norte 1, assunto
em que, no entanto, nunca mais me voltei a empenhar de forma directa. Ape-
sar disso, tenho procurado manter-me a par da bibliografia {que tem vindo a
crescer a ritmo acelerado), porque continuo a ter um interesse muito grande
pelo problema, sobretudo nos seus aspectos metodológicos, ou seja, nosaspec-
tosrelacionadoscom as estratégiasquetêm vindoa ser seguidas pelosarqueó-
logos na explicação desses fenómenos. E devo desde já dizer que não estou de
acordo com a maior parte das coisas que tenho lido sobre este assunto. Talvez
seja interessante, por isso, da ruma rápida vista de olhos pelas limitações que
considero existirem nos padrões de pensamento hoje em dia prevalecentes.
Primeiro de tudo é necessário que ponhamos inteiramente de parte algu-
mas ideias acerca das origens dos sistemas complexos, que, por vezes, ainda
aparecem na bibliografia contemporânea, e que no passado chegaram a ter al-
guma influência. Por exemplo, era corrente entre as gerações mais antigas de
antropólogos a defesa de que, à semelhança do que havia acontecido com as
origens da agricultura, o saber tinha sido um factor limitativo: assim, para
explicar a emergência da civilização não era preciso mais do que tentar ima-
ginar o que teria levado o homem a inventar a arte, a filosofia, os sistemas
legais complexos, etc. Houve mesmo historiadores e arqueólogos que chega-
ram a defender, não há muito tempo, que essas grandes conquistas só se
haviam tornado possíveis a partir do momento em que houve homens livres
dispondo de tempos de lazer em que se podiam dedicar a actividades «pensa-
doras•; o que também é profundamente erróneo, uma vez que, ao contrário do
que este raciocínio pressupõe, as pessoas têm, de um modo geral, mais tem-
pos livres nas sociedades de caçadores-recolectores do que nas sociedades
complexas. Há ainda, também, argumentos do tipo ortogenético, segundo os
quaisalgumasculturashumanassecaracterizariamporumaespéciededinâ-

'Binford,1964-a.
LEWISR. BINl'ORD
EMBUSCA OOPASSADO

uma dessas correntes, enquanto o Marshall Sahlins acabou por seguir a ou-
tra1.
Eu estava convencido de que a origem do Poder residia na eJ:ist.ência de
cmonopólios- de produção, e que esses monopólios correspondiam em grande
medida a respostas funcionais dadas por sociedades dependentes do armaze-
namento e cujos recu rsos alimentares apresentavam uma distribuição espa-
cia1 descontínua e muito concentrada. Os dados arqueológicos e etno-histó-
ricos referentes ao Leste da América do Norte pareciam, com efeito, indicar
muito claramente que os peixes anádromas (isto é, os peixes como o salmão,
que vivem no mar mas sobem os rios para desovar em água doce) eram um
recurso crítico para os grupos humanos que de pendiam do a rmazenamento.
Tratava-se, porém, de um recurso cuja acessibilidade se encontrava restrin-
gida a locais muito específi cos, uma vez que são peixes dificeis de apanharem
ágUas profundas e que, quando chegam às zonas de pouca água,já estão num
estado em que o seu valor nutritivo é tão baixo que não vale a pena pescá-los.
Só a partir de pontos determinados do ambiente é que se padia ter acesso a
esse recurso. Os grupos que viviam junto a essas cjanelas de acesso- dispu-
nha m, portanto, de um eíectivomonopólio de recursos críticos, oqua1 podiam
explorar em seu proveito para fins políticos regionais.
Continuo a pensar que este modelo simples fu nciona muito bem para
quase todas as sociedades norte-ame ricanas de base despótica e com uma
grande hierarquização sócio-política que se conhecem. Na sua maior parte,
tratava-se de unidades políticas de pequena dimensão, raramente exceden-
do as três mil pessoas, o que é muito interessante'. As unidades políticas de
maior dimensão tinham, com efeito, um tipo de integração muito diíerente,
que recorria à coníedcração ou a outras formas políticas mais •democráticas•.
Poderes de vida e de morte verdadeiramente ditatoriais, como os exercidos
pelos indivíduos que de tinham posições de chefia nesses sistemas de peque-
na dimensão baseados na monopolização de recu rsos, não existiam nos outros
tipos de sociedades nativas da América do Norte. Nas grandes alianças polí-
mica interna, de ten~ênc~a intrínseca para o crescimento progressivo: ou seja, ticas, as decisões sobre a guerra ou sobre a resolução dos conflitos dependiam
os grupos que à partida tinham adoptado o rumo certo tinham muito mais hi- normalmente do aco rdo unl.inimede conselhos em que se encontravam repre-
póteses de se tornarem civilizados do que os que despe rd içavam as suas vidas sentados dive rsos segmentos sociais e grupos de parentescoi. Os sistemas
a íazer c_oisas que os mantinham arastados do caminho directo para a civili- organizativos deste tipo podiam ser mesmo muito grandes, havendo hegemo-
zação ocidental! Nãoédificil de perceber que estes pontos de vista não servem nias políticas que chegavam a cobrir mais de 750 000 km 1 e a integrar para
para nada, e não vale por isso a pena perder mais te mpo com eles. cima de duzentas mil pessoas. O registo etnográfico norte-americano a pre-
senta, portanto, grandes contrastes: por um lado, confederações políticas
muito extensas, em que o poder era investido em organizações de tipo conse-
lho e não em posições de estatuto social elevado preenchidas a título indivi-
Monopolistas, aJtruístas e grandes homens

'So.hlln1,1958.
Naépocae!11'1-uecom~eiaestudarasorigensdossi stemascomplexos(es­ •No Atnfric1 do Nort<i.o podrio de i-1ucn11 chefatun.1 baM1da1 no poder a que oqul..,
tudo que real~e.1 a partir de uma perspectiva marcadamente americana, a fu nforfncia IA!m uma dittribuiçioCO!Slein., começ1nclo na b1f1 de Chetap,..kee pmlonpn-
qual é, sem ~uvida nenhuma, bastante responsável pela coloração própria d-p1n.1ul, 11>lonrodatofotaaUlotira(dcle fnoodo"*'rt<igrupo1como.,.Gu11e),daoclod&-
poi11vol"" i f'C11'i'oda Flnl'id1echcgando1~00GolfocloMéKico. Embon 1lgun11iotemH..,..
que c.ar~cte_ru:a os meus pontos de vista), havia duas correntes de pensamen- meli..nt.eneeot.endeuempolnv1le doMiuiuippilcima,t.nrnu1m-.e muit.n..,..~nlJ"Olaolon·
to pnnc1pa1s. Nas teses de doutoramento que então preparávamos, eu segui rod1portedotof.UcloGo1r..1itwul1a"""1.edaro..cie.teno.
•J>orcoemplo,Cearing,1962.
l.EWJSR.BINl'ORrJ !M BUSCADOPASSllDO

dual; e, por outro lado, sistemas internamente hierarquizados, clássicos, de


pequena dime nsão e baseados na monopolização de recursos de subsistência
çrlticos.
O ponto de vista adoptado por Sahlins foi difere nte. O seu ponto de parti·
da, que se baseava num marxismo simplista, era o de que nas sociedades eom-
plexasem emergêneia todos oschefcseram empresáriosdespóticos queexplo-
ravam as massas; o seu trabalho de campo na Polinésia, hoje em dia célebre,
foi concebido para prova r essa ideia. Mas o que acabou por lá encontrar foi al-
go de muito diferente. Os chefes não pareciam afinal ser empresários malva-
dos, mas sim tipos simpáticosealtrufstas: indivíduos muito atarefados, sem-
pre em busca de aliança& baseadas em laços comerciais externos, forma por
~~lfn~uJ::eªn~of:;;~u:~:~d~aC:~c !~~~i~~~~e~~~ J~~!~!!~~od;~5~~
5

levando-o a afirmar que a génese das chefaturas e dos estatutos sociais inves-
tidos de poder estava fundamentalmente relacionada com comportamentos
altruístas, ou seja, com a prática da redistribuição dos bens, directamente
realizada {ou pelo menos organizada) pelos indivíduos com posições de chefia,
de forma a que todos os membros da população tivessem acesso igual aos
di ve rsos produtos fabricados nas diversas regiões vizinhas. Este modelo,
como é óbvio, pressupunha a existência de populações sedentárias. O seden-
tarismo, por sua vez, era visto, em combinação com a diversidade ambienta),
como a base mecânica da diversidade produtiva eidstente a nível regional
(uma vez que tornava impossível que pessoas que viviam em sitiosdiferentes
pudessem produzir coisas idênticas). Esta dive~idade podia fazer que a cur-
to prazo algumas pessoas ficassem em posição de vantagem sobre as outras.
Para que se pudesse manter sem competição, o sistema tinha de ter no seu
topo um •altruísta bondoso•, alguém que tivesse poder suficiente para cha-
mar a si a produção excedentária de uma determinada área e para a redistri-
buir por outras áreas menos produtivas, ou em que os produtos obtidos fossem
outros•.
A origem deste elássico•modelo de redistribuição• está, portanto, relacio-
nada, pelo menos em parte, com o facto de Sahlins ter chegado à conclusão de
que gostava dos chefes da Polinésia em vez de os odiar! Os artigos críticos•
começaram a. aparecer logo após a ap resentação destas ideias como tese de

)
doutoramentope\aUniversidadedaCo\úmbia. Essascríticasargumentavam
que os próprios dados usados por Sahlins mostravam que o seu modelo não
tinha sentido. Com efeito, nas ilhas do Pacifico com grandes elevações de ter-
Sim bolos reno e em que a diversidade ambiental égrande{elemenl.o que se encontrava
•• POYC>ado implícito na argumentação de Sahlins), os territórios políticos encontra·
~· AIOOia

1 E..., 6lüm• que.i.60(• produüvidtde d iferencial) nunca chegou• Hr adequ.damcnl.e ,,,. ••


balhad•p<>TS.hlina.Ooeueona!itode•reciprncidadedeoproportio1mU1•,poruemplo,referi•·
-aeapc>n,.. bcoodiçõeadocurt.o pruoda lroca.Nenhuma daa maiaconhecid ... diKU~ "°"
breoo mod.ooredill.rlbuü-deorganinçiot.ntou ainda de fonna 1&ú1fattirlaa oiluaçlo(maia
vero.fmll)emqueonfunerododeoequiHbrlooperma""nt.eaexiAl.enteonolnteriordeumade1.er·
minada regi lo ÍOISI! muit.o maior, dando aa1im origem a uma dHproporçlo1i1tem,tica no nu·
1odoben1.
• VerFinney, l966;Earkl,1977.
LEWIS R. BfNFORD EMBUSCllDOPllSSIJ)()

etnográficos que ofereciam boas oportunidades de ensaiar o modelo. Na Nova


AAMl?fl•~mlóco
Guiné e em Bornéu, por exemplo, havia, é facto, indivíduos de estatuto social
elevado, mas os sistemas económicos em que se encontravam inseridos«não•
b
Chel<1dopasu:lo
eram de tipo redistributivo. Segundo Sahlins, os agentes de redistribuição al-
truístas eram pessoas que se devotavam à promoção do bem da comunidade
como um todo, e que adquiriam um determinado estatuto social através des-
se comportamento desinteressado, estatuto esse que constituía o fundamento
do seu poder. A consistêncja desta argumentação dependia, portanto, de for-
ma crucial, da existência conjugada de estatutos sociais elevados e desiste-
mas redistribuitivos. Não parece, porém, que seja esse ocaso em certas áreas
daMelanésia.
A resposta deSahlins a este desafio foi entrar num jogo de palavras: o pro-
b\ema foi eliminadomedianteuma simples operaçãoderedifinição. Num arti-
go intitulado de forma engenhosa («homem pobre, homem rico, grande
homem, chefe[ ... ]•"), Sahlins defendeu que estas sociedades da Nova Guiné
não eram sistemas de redistribuição verdadeiramente hierarquizados e
baseados no poder: a sua organização hierárquica era mais aparente do que
real. A conclusão a que chegou era a de que representavam um outro tipo de
sistema completamente diferente, que ele designou como «sistema dos gran-
des homens•. Apesar disso, tanto Sahlinscomo a maior parte dos arqueólogos
continuaram a interessar-se principalmente pelas chefaturas de redistribui-
ção.Parece-me a mim, porém, que é sobretudo nas sociedades organizadas
emtornodosgrandeshomensquedevemosprocurarencontrarasorigensdas
sociedades complexas.
De forma muito resumida, o funcionamento de um sistema de grandes
homens é o seguinte: ao chegarem à maturidade, os homens começam a com-
petir com os seus pares pelo estabelecimento de alianças externas com indi-
víduos pertencentes às outras unidades sociais dispersas pelo território. O
que está em causa é, na realidade, uma forma de troca recíproca diferida. Al-
vam- se dispostos em rel~ção à costa de f~rma perpe.ndicular e não paralela, guém que pretenda atingir o estatuto de grande homem estabelece uma alian-
d.e ta.l forma q~e não havia nenhuma entidade política em cujo domínio ter- ça mediante a oferta ao seu novo parceiro de um penhor ou símbolo do seu
ntonal não estivessem representadas todas as diversas situações ecológicas acordo - uma presa de javali esculpida, uma concha do litoral ou qualquer
ex!st~ntes na região. Sendo assim, não se vê como é possível defender que a outro objecto por si obtido anterionnente através de uma outra aliança qual-
principal função dos chefes e das alianças que eles estabeleciam entre si fos- quer. Enquanto usar ou guardar consigo esse penhor, o parceiro gozará assim,
se a da criação de uma simbiose regional que assegurasse a todos um acesso dentrodedeterminadoslimites,dodireitodesolicitaraograndehomemcomi-
igual. a todos os produtos. Os factos não pareciam, portanto, estar em concor- da e hospitalidade para si e para os membros do seu grupo. Os seus seguido-
dância com ~s pressupos~os adoptados.po! Sahlins para o caso polinésio. res ganham segurança, e o grande homem vê o seu prestígio aumentado. Se
Como se~ade µ_rever, isso não consbtu1u qualquer espécie de impedimen- a posição que este grande homem detém no ambiente for privilegiada e pro-
to a que muito rapidamente o modelo de Sahlins fosse aceite de braços aber- dutiva, e se ele for bem sucedido na negociação de alianças com indivíduos dis-
tos pelos arqueólogos7 . Começaram a aparecer por todo o mundo sistemas persos por toda a região, pode acontecer que só muito raramente tenha de usar
redistributivos pré-históricos organizados por agentes centrais com posições os presentes simbólicos que foi juntando para em troca obter comida para o
de che~a, gente.simpática que fazia circular os bens e que, de um modo geral, seu grupo. Assim se vai acumulando uma grande quantidade de segurança,
garantia uma vida segura aos seus seguidores. a qual pode oferecer aos que consigo se aliarem e viverem na mesma aldeia.
Entretanto, alguns antropólogos repararam na existência de certas áreas Em sistemas como este compete-se por «pessoaS>o, e o que deles resulta é a
do Pacífico (nomeadamente a Me\anésia) em que se podiam encontrar casos transformação da vizinhança dos grandes homens num pólo de atracção, em

'Flannmy e Coe, 1968; também Sandcr! e Prke, 1968. 1 88.hJiM,1963,1965.


LEWIS R. BINFOR/) EM BUSCll DO PllSSllDO

torno do qual se dará uma gravitaçil.o residencial das pessoas. Quanto melho. nião de que só se pode falar verdadei r amente em pode r quando estamos pe-
;~ ~~::d!d~ºens~ç:~i~s:~rd~~:~aS:f~~~3!::0ddeº~~r:~~;:,°!:~t;:: rante situações em que é possível renegar impunemente uma relação social.
Por exemplo, nós fazemos um acordo: •O que é meu é teu, o que é teu é meu.•
vado ~rá o estatuto social. de que se.goza. E se por acaso os problema& com aa Se, perante quaisquer dificuldades eventualmente sobrevindas, me for pos-
colheitas acabam por surgir, os seguidores de um determinado grande homem sível ignorar pura e simplesmente esse acordo e não sofrer as respectivas con-
dispõem efectivamente da protecção de curto prazo que lhes é dada pelo fac- sequências, isso significa que acabei de dar o meu primeiro passo em direcção
to deele poderusarassuaa alianças paraobtere-0mida paraosa1imentar. Maa ao poder. Esta é uma noção negativa do poder, o qual é normalmente conce-
assim que as alianças forem invocadas e o crédito a elas inerente for liquida- bido como o •instituir- de.regras que nos beneficiem; na prática, pelo menos
do, o grande homem começará a perder estatuto (o qual, na realidade, signi- de um ponto de vista evolucionista, parece-me, porém, que o poder terá mais
fica apenas te r o poder de oferecer segurança). Os seus seguidores começa.rio a ver com o •infringir- as regras em beneficio próprio e safar-se sem proble-
a afastar-se e procurarão acolher-se sob a protecção de outro grande homem
que lhes pareça capaz de oferecer mais segurança. mas. Talve:t devêssemos, por isso, concentrar a nossa atenção nas condiçGes
que, no contexto de organi:tações baseadas na existência de grandes homens,
O resultado deste sistema eficaz e interessante é uma contínua movimen-
tação das populações através do seu habitat, numa adaptação quase perfei- poderiam dar aio a que isso acontecesse.
ta às flutuações da produção nas diversas áreas do território. Ao e-0ntrário do Seja como for, é importante que tenhamos uma noção clara das diferenças
que se pas_sa ria nos hipotéticos sistemas de chefatura de Sahlins, em que o ea- entreoschamadossistemasredistribuitivoseossistemasdegrandeshomen•.
~tuto social estaria relacionado com a distribuição de bens de consumo, noa Os primeiros não devem ser de detecção muito fácil no mundo das culturas
s1s~mas de grandes homens são as •pessoas~ que ci rculam, não os • bens-. O. primitivas; aliás, talvei nunca tenham sequer existido, excepto na imagina·
efeitos das flutuações de curto prazo verificadas na produção são anulados ç!lode Sahlins. A movimentação institucionalizada de bens em grandesquan-
pela existência de estatutos sociais diferentes, em consequência dos quais a tidades é, afinal de contas, uma característica das sociedades estatais indus-
distribuição da populaçil.o pelo ambiente vai sendo constantemente actuali· triali:tadas e não das sociedades primitivas' . Por outro lado, o registo etnográ-
zada em funçil.o dos níveis de produção efectivamente existentes. fico parece indicar que os sistemas em que se verifica um reajustamento con-
~arece óbvio que, nos ambientes estáveis (com diferenciais de produção tínuo da distribuição dos consumidores (e não dos ben• ) aos diferenciais de
m11_1s o.u menos permanentes, determinados pelo ecossistema), a emergênda produção pareeem estar muito difundidos, e, de facto, sabemos já bastante a
de md1vfduos com estatuto social elevado, que nunca precisem de invocar as seu respeito. Não terão eles sido igualmente comuns no passado pré-histó-
suas alianças, deveria em principio ser mais fácil, podendo constituir a base rico?
a partir da qual a manutenção de distribuições diferenciais de população e de
estatuto social viesse a ganhar uma certa continuidade no interior de uma de-
termi na~a região -isto é, a partir da qual começasse a surgi r nessa região
uma sociedade complexa, com poder institucionalizado e desigualdades de Intensificação e cspcdalização
riqueia. No entanto, não parece ser esse o caso. As alianças de um grande
homem são negociadas a título individual e não podem se r transferidas para
outras pessoas, nem mesmo para os próprios filhos. Quando um grande Vejamos agora o que se passa com uma outra ideia acerca das origens das
h omem bem sucedido morre, as suas alianças desaparecem com ele, do que
sociedades complexas que goia hoje em dia de uma certa popularidade. O ar-
resulta um estatuto social acrescido para os seus rivais. A morte de indivíduos
de estatuto social elevado está por isso inevitavelmente associada à desloca- gumento é simples. Em certos sistemas de produção de subsistência é possf-
ção para outros lugares de pessoas que habitavam na sua aldeia. Se a varia· ve l obter aumentos do rendimento marginal mediante acréscimos no inves-
bilidade am bient.al existente na região for muito marcada, é provável que não timento em trabalho, ou mudar e melhorar a tecnologia de produção para
seja necessário esperar muito para que os descendentes do grande homem aumentar a produtividade, ou ainda mudar o carácter da produção em si mes-
estejam em condições de negociar novas alianças favoráveis e de atrair nova- ma através de diversas outras formas"'. Essas mudanças, por sua vei, toma-
mente as pessoas. Com o passar do tempo, poder-se-ia observar o apareci- rão posslvel o apa reciment.odeuma produçlloexcedentáriaem relaçãoàssim-
mento de padrões de afluxo ede reíluxo populacional, centrados em pontos de pies necessidades dos próprios produto res. Assim que isso acontece, fica abe r-
produção segura, nos quais se verificaria a presença contínua, de uma gera· to o caminho para que se torne possível suportar pessoas que não se enc:on-
ção para a outra, de indivíduos de estatuto social elevado. Suponho que isto trem di rectamenteenvolvidas na produçãodesubsistência -metalurgistas,
pode ser consid~rado como uma espécie de monopólio, embora muitodiferente
dos que &e baseiam no acesso privilegiado a determinados recursos críticos.
~e que modo um sister_na deste tipo poderia evolui r de fo rm a a ge rar uma 'VerSandcn.,dal., 1979,c.Jl"cl•lmentepp.~Ol panoumad!.cuso&nd.,..quutJin.
sociedade complexa clássica, baseada num poder a sério? Sempre fui de opi· " BOllC!rup,1965.
l..EWISR. 8INFOR/)

oleiros, especialistas políticos, etc. 11 - , constituindo essa especialização de não for objecto da acção de forças externas à sua própria organização enquan-
tarefas a base natural para um maior desenvolvimento da complexidade. to sistema. Sempre que me vejo obrigado a encarar a questão de saber po r que
Neste modelo, a compreensão dos sistemas complexos envolveduasquest6es se formaram os sistemas complexos, a minha primeira reacção é, portanto,
fundamentais: perguntar qual o problema para cuja resolução estavam a ser usados os novos
métodos. Em princípio, com efeito, a experimentação de formas novas de fazer
1) Quais os incentivos que podem levara uma produção superior às ne- as coisas só deverá ser proveitosa a partir do momento em que surja um pr o-
cessidades imediatas; blema para o qual as soluçlles anteriores não sejam consideradas satisfató-
2) De que modo são esses excedentesefectivamente usados no proces- rias. ~
so de fonnação das sociedades complexas. A ideia de que o aumento da produção constitui a razão de ser do apare<:i-
mentodas sociedades complexas leva-me, assim, a procurar saber qual o pro-
Como, no essencial, sou um darwinista, sinto uma grande dificuldade em blema que se queria ver resolvido pelo aumento da produção. Quais são as difi-
lidar com raciocínios deste tipo. Estou convencido de que a transformação dos culdades enfrentadas por um grupo de pessoas que podem fazer que a mudan-
sistemas culturais é condicionada pela selecção natural, que eles são objecto ça teenológica, a intensificação do trabalho e o aumento da produção sejam
da acção de forças contraditórias que os empurram em direcÇÕes opostas, e compensadores em termos de segurança? Por que razão essas pessoas são
que a forma co ncreta que a transfonnação acaba por assumir é função do mo- levadas a desenvolver estas e outras estratégias novas? Não penso que a mo-
do como na prática as pessoas acabam por resolver os problemas. O que todos tivação seja simplesmente de natureza psicológica, algo como uma tentativa
os adaptacionistas--quer os que operam no quadro de paradigmas idealis-
0 pré-histórica de não se deixar ultrapassar pelo vizinho do lado. E as explica-
tas, como é o caso de Bennett11, ou materialistas, como é o caso de Harris" ções vitalistas - de que a sociedade •quer crescer» ou está pronta a •tornar-
quer os que se deixam fascinar pelos princípios do •menor esforço.. 14, ou da •re'. -tie civilizada• - também não são aceitáveis.
dução do risco,.H, ou da •teoria da forrageação optimizada•'' - acabam por fa- Apesar de menos merecedoras de objecção, detenninadas fonnas de vita-
zer é construir explicações teleológicas das tendências que crêem detectar na lismo não deixam mesmo assim de ser igualmente ortogenéticas, dado pres-
história da evolução. Sou de opinião, no entanto, de que o princípio que para suporem a existência de uma •força primordial• interna. No caso de aborda-
nós se torna mais prático de adoptarquando elaboramos uma teoria é algo de gens como a da teoria da forrageaçao optimizada, esse pressuposto é o de que,
análogo ao princípio da inéreia 17: um sistema pennaneeerá estável enquanto no que diz respeito à energia, a minimização dos gastos em relação aos retor-
nos aumentará automaticamente o •ajustamento ao meio• e será por isso
favorecida pela selecção. São pressupostos que, no fundo, correspondem a
"Como,,.nW.ouU...,e.temodelopreuu~um•e.iplit•çioteleolótric•,iA!Qé,•nllll!ri­
princípios vitais de dinâmica interna, e que são referidos como os grandes res-
ci• de um qu•lquer principio 1K>gundo o q""l o homem, tendo • poaibllid.de de o rucr, procu- ponsáveis pela moldagem das trajeetórias evolutivas". Em minha opinião,
Porém, é pr eciso que o sistema se encontre de alguma fonna sob tensão, que
~:~~~~~r,:';.,~:"r:~::1!'.~~~~':.,~ :~:~É:i~";:;:;;:,~T;~,!~~~d;,~~': se veja obrigado a lidar com um detenninado problema. Os proponentes das
e IH,• form u do que Trigger(l~I, p. 150) c•nctcrh:ou como•• conv\cçio. própri• do llumi· teorias de intensificação-especialização ainda não deram nenhuma sugestão
nllmo, deque • inovaçio 1.eenol6ii:oc•éum proce1110autónomodc•ut,.,....pcrfeiçoamentoraci<>-
nal e a fOJf• m.,.,,.. que ...U portrú d•evoluçiocul~u ..l•. adequada sobre qual teria sido a na tu reia dessas tensões e desses problemas.
" Bcnnet.t.,lln&-a. O pressuposto pareee ser o de que todo o homem •racional• tem por objecti-
gm~, ~~~:·;:! .;,~:e~p~d;,v!~..l'.1i~~:·1:::1~!~ni::~tt'~e~;.,~~1':.,%ª~r'.,~
9 vo o lucro!
O que acima se disse não é afinal senão uma outra maneira de fazer res-
m• de a rgumcnW. de euat.o>-bene licio, oo qu• is prea upõcm que• mclhori• cio n!vel de vid• ou, saltarofactode quase todas as nossas teorias sobre a emergência de sistemas
~Eil~z~:ti~.~i:,-p';.".:.~:.~~=::.::::.~~m.:~~:.:.~:.~: sócio-políticos complexos não passarem, no fundo, de fonna& de argumenta-
ção derivadas dos vários tipos de filosofia económica, e levadas ao exagero.
"Amclhortxplicitaç1od•lcidomcnorc1forço4;1d0Zipí(l949). Estamos a cometer ofauxpas metodológico de propor argumentos funcionais
"<Alei do riocominimo1l1rnificaquco homem, qua ndo po&to pennte • ncceaid•dedeop-
tar, eAOOlhenl 1 IOluçâoque ee U'1duza p0r um ri""" mfnlmo- (Sandc.., d oJ., l979, p. 360).
"Py~,d oJ .• 1977; Chunov, 1976.
"Nioque"'com inodiurqueeu próprio nl.o~nh• •lgumuveZffln.b•lh•dotom propo- W.• de refloct.i r ..,.,.,,. do fulcro do. p....,.,._ evolutivo.. Quem quiKr ver• din&mlu do um
1iç&!A económku DDm01e el•1 foosem princlpioo de evotuçlo, p0rque e1\ou convencidoque • 1letem• como IK>ndo •pcnu um• elmple• gencr•l~.çio do comporU.men1.0 norm•tivo da& que

§g~~~~~~~~}?:~~~ê~§
ceio p.,1.icipam, pMuráoomplotamcele •ol•doduqueet.&•relacion•ducom •org•nizaçlo
dN•rtkulaçõcr.ocológlea1entreel•t.emu.
"Apr-euupo&lçi<>datxWtl!ncl•deum1 dci.crmln..U.dinlmiu inl.em•lemCU111.it.1:fdopar·
te bbleae fundamental da maioria dN po&iç&!s l'iloaõroc.. UICICiadaa l p•l•vra .-oluçlo- ou
df.nci.. llOciai•. Ve r Dunnell, 1980-a. Em rel~lol minh• •rg>.1.menl..çlo, butaete mai1 an-
tiga, em favor da uma pooiçio .ek!cc:ienitt.a, veja...., Binfonl, 197~.
Fia;.l39.-Umo1•11<llK~"wqjo50kaamM "l'.o~.~rlod.o&dloltt.no~"'fKJ'°
uollo.UNowmbrodtl935.(Foú>oedida~loMu.oruMruwell.UAnl~daUuw,..;11o .
.UdoNO<JOMúia>J
Fig. 138.-Umojo«m<UMiyolio, illuuRyuAyu,(ozt ndoalJ.fecioa<UcuUlriaparo11"1>00.(Fr;
lt>flrofia lira4o t m Ju11hode 1953 po~F.:. Sc<11lry11odttUno do uma miudooo1tju1tUl com o <>U·
wJ

sobre o funcionamento int.erno dos sistemas modernos como explicação para


as mudanças ve rificadas nos sistemas do passado. Embora este seja um pro·
blema fundamental, não é o único, mesmo no caso de se optar por uma posi-
ção gradualista e de se adoptar como teoria uma ou outra das várias formas
de funcionalismo eeonómico. Por exemplo, o apared mento de artífices espe·
cializados é frequent.ementecitado como um passo decisivo no caminho para
os sistemas «1mplexos; apesar disso, nunca consegui perceber por que é que
essa especialização dos oficios há-de ler desempenhado um papel significa-
tivo. Em África, por exemplo, a metalurgia (sobre a qual temos dados muito
interessantes) é praticada por proscritos. As pessoas envolvidas na produção
especializada de cerâmica, como, por exemplo, os ceramistas da região de
Tarascan, no México, são muitas vezes os membros mais desíavorecidos da
sociedade, privados de di reitos cívicos, sem te rra e sem acesso à produção de
a1imentos. Na realidade, a maio r parte doa casos concretos de especialização
de que tenho conhecimento no registo etnográfico do Novo Mundo, Ásia e
África, indica que estes especialistas são indivíduos que lutam por todos os
meios para alcançar uma posição segura na sociedade. Esta é uma situação
que difere significativame nte das conjecturas alimentadas por muitos a r-
LEWIS R. BINFORD EM 8USCA 00 PASSADO

queólogoa aob_re a ocorrência de mudanças na própria organização da socieda- Ao lo ngo doa últimos anos, alguns dos meus colegas e alunos têm vindo a
de que tornariam ponfvel, e encorajariam, o aparecimento dos especialiataa trabalhar com grupos de caçadores-recolectores do Botswana que, por r azões
quase à maneira do que se passou no Renascimento. Estaa observações vin'. de natu reza diversa, se têm vindo a tornar agricu1torea e criadores de gado se-
dasdoTerceiro_Mundoem desenvolvimento podem ou não ser relevantes para dentários e auto-suficientes. Há um largo espectro de situações intermédias
o problema. SeJa como fo r, a verdade é que continuo a não estar convencido entre a caça e a r ecolecção e as adaptações completamente sedentárias, mas,
de que os arqueólogo& estejam actualmente em condições de começar a formu- nestecontexto ,saoos gruposqueseencontramprecisamente~meiocamin_ho,
lar mode los sobre o modo co~o os artesãos e os outros especialistas poderão osquenãosAonemumacoisanemoutra,queapresentamummteressema1or.
ter desempenhado um papel importante na causação do desenvolvimento da Esses grupos estão per ante um dilema. Nas sociedades de caçadores-reco\ec-
complexidade cultural. tores, é a reciprocidade generalizada que guia a ética do comportamento, iato
Sempre fu~ de opinião ~ue as ÇTandes mudanças nas formas sociais, taia é, as pesaoas partilham com os seus parenu:s sem esperar ~ue em troca lhes
como o a~recimento da h1erarquu:ação e da estratificação, devem constituir seja imediatamente dado algo de valor idêntico. Mas, à med1daqu_e se vão to r-
rupturas importantes com os padrões de crescimento anteriores". Entre 01 nando cada vez mais sedentárias, as pessoas terão de começar a d~erque ~o
grupos de caçadores-r ecoleetores, po r exemplo, o padrão de crescimento en- aos seus parentes quando estes lhes vê m pedir uma cabra para O Jantar, pois
volve a ~uplicação da unida~e básica de produção cooperativa - o bando ou de outro modo não poderAo manter os seus rebanhos e assim acrescentar a sua
a famíha, conforme a organu:ação do grupo em questão. O crescimento da propriedade. Os antropólogos chegaram à conclusão de que só os indivíduos
população acarret;a _u~ aumento do ta~anho da unidade local, até que esta que conseguem romper os seus laços sociais, que conseguem fazer frente à
acaba por se subd1v1d1r em duas ou mais unidades semelhantes, que se esta- pressão social para que partilhem a sua riqueza e não sejam avarentos, é que
bel~c~m de form.a independente, tanto no que respeita à localização como àa são bem sucedidos. Para capitalizarem a sua própria produção ~ m de se
act•.VJdades reahiadas. Até mesmo entre os horticu1tores,em que as unidades transformarem dissidentes na sua própria sociedade. Mas, uma ve:r. 1solados,
básicas de produção co rrespondem frequentemente à fam11ia ou à familia ganham uma liberdade de manobra que os que ainda ~ guiam ~las regras
alargada, o crescimento parece consistir na duplicação destas unidades bási- da sociedade nunca terão possibilidade de alcançar. Assim que VJram as coa-
cas. Formam-se mais famílias, as quais necessitam de arranjar mais «espa- taaà reciprocidade generalizada, a fonte da sua segurança deixa de residir nos
ços• em que possam funcionar como unidades de produção É esta estrotura \aços de parentesco que desdenharam,~ passa a depender apenas do seu pró-
geral de cre~imento que (como se referiu no capítulo vm) dá origem a proble- prio engenho. De facto, tomam-se rapidamente empresários, e com~çam a
mas d_e densificaçdo, e tem como consequência o aparecimento de contextos negociar de várias formas com as pessoas que se encontram no «extenor- do
selec~1vosemqueasdive raastácticasdeintensificaçãosãofavorecidas.Ade­ sistema. São sempre eles os primeiros a tenta r negociar com os antropólo~B
tern:i1nada altura da trajectória de intensificação, deverá dar-se, parece-me quando estes chegam, ou com os representantes do governo que querem .abn r
a mm:i, uma ruptura estrutural significativa com as formas de crescimento poços. Por outras palavras, a sua segurança pa.s~a a ter de ser org~m:r.ada
anter1.ores .. Em vez de se ~ubdividirem, estas unidades básicas de produção e através de meios exteriores ao sistema a que onginalmente pertenciam.
de recip rocidade generalu:ada {nos termos de Sahlins) começam a desenvol-
ve r.convenções para a exclu~ão de indivfduos; ou seja, há pessoas que são ex-
clu1das, de modo a que a unidade mantenha basicamente o mesmo tamanho
e permaneça localizada no espaço de maneira estável. Nestas condiçõea, o

~§~~g~~;'.j~f{~fª§§f.J.§.
aumento da população trará como consequência o desenvolvimento de uma
classe cada .ve:r. mais numeroaa de pessoas sem direitos, o que, por sua ve:r., al-
terará consideravelmente tanto a arena da competição como as unidades nela
envolvidas.,.

tre011 indivfd""' q"" • oompõem e que üveae a pouibili_dade de, do um momento ...,... ooull'O,
" Quero com i•lo dixer que h6 Importantes ura.:1.erílt.ica• organiucion•il n.• hi•l6rl• da mudai• din&mic•da..,lecçioemdirecç6o•umórslo-re.ieit.adoa-umd.edopequeno,poruem-
evoluçlodol1l1temQ<:U]turalmenl.eln~.htosignilia.que~ prodvelque~al"orm.u plo-...egurandodes..,modonio96aoeg11noça futUl""lld•~p«\eorigin•l m .. t.amWmo1u,..
d:e ~udanç• dra~'tk.., ou •intenni~nci&&>, em que Kverilique um• •pal"l!nt.e faJt.. da coo· gimentodeumalutacompetiliv•enln!011dcdolpequc-•••m..,para<lo9dn<:0rpolSeu"""or-
~=deque..,"•deKperarnoconte:nodeumapenipectivagn.dualiatad...p_.,..... g•nluçlo'capa.&de.., ree.t""'Ul""llr auim (eaniltureb-<>,..,mqu•1:'1""•d i1vida), ....--me
enUoque..,nldetoda•utilidadeprooederlln.....,lipçioda•p>?Priedadelldelloedomlnlode
• Duonell, 1980-o, rn .... ntemeni.. um lev•ntamentoduklcia1evoluciani1taacm &.111.m- fco>&ne11011,emYff.deocon•idenr •impic.men1.e,deform•ied"""""llt&,<:0mo•n.'lofloM1pn>-

~~~~:~~~i~tit~~i~~~~-=~?~~EE:=;~?:Z
Cft10peloq... ln.ge....,. .dapt.o.dolldel.ermin•mohitoreprodulivoMnlY'lll d• Hpkie, ftGMn·
t1dnliten1ldapalavraeapóeie.Ap011içiode Dunnc\lfa\hacompletamenl.en•comproenõodo
q..., . . .daptaÇÔ('• hum•.,.•tlmdeint.cren•nt.!:oí.ctodn ocrem adaptaçiJHext.n-.om,tlc..,
•q... lonouol.ema••niltura~mlevado•quoa evoluçlocu.lturlllliquei..,ladedaevoluçlo quelfmde1erentendida•emterm<>1utn.-aom,t\coe.taumtaldnm(nlode"'i•nlzaçioque
emgerlll.Segundoe1.. pe ... pectiva,•niltllradoveri•..,rnplic•da,n.loatn.~deprincfploe 1no!tu ra..,reporta.
LEWISR.BINFORD

Bugigangas e bens de troca Fig. 142.-Ruaehnuroadoemllong-Knng, 1952 . .On"880cnmi>1ho"'8uio uma IV<lCOln ·


prida, tipicanunk chinelSa {... }an.U ""podia oburVGr o /mbalho otartfodo eh ork$áoa dM v<i-
Ma romosda indústria nativa, osquai.$ vtndiom igualnunk oprodutodouu trabalho em oom·
porlim• nW.. quo ..,.,iam ao nu•ma /<mpo.U o(i.cino, eh ,,,.,,.,.Um • eh balcão eh .... nda. Aqui""
podiomwr,apinhadosn<16sua.sUtrtit.»hobi~3,ponntreorufdo0011t!nuodtM{orj<l6 • mar­
k"'6. pttqu•nosgrupos eh aronuima, l4W.ima, fobricanl<• eh bol&3, •os ferrei ma, quatro 00.
nun•molhanáoa//<m~nk nt:1big<lnla. Viom..,.• tomWmfabria>.nlnd•imag•n•, carpin-
kima. 11apokima. olfaiok•, baWUJrea eh folh<I eh"""' • eh praia. fobricanl<• eh g1J<1rda-diu
"<IS. bakdore• ehalgodõ.o. m.trcttima, droguist<l3, corwlore• d• Jad•,gro!Xl<ÚJrtS eh fll: /-03, doco-
radore'- • prof•UON:•dtM nunu"""'8ark• qlll 1Jatisfaz•m a• 11welJSida<ko •os l~ da vida chi
n<1Ja.Mai.oadiankpodiam..,..wrloja•thpinlurorom011tmballws ospollui{°"""""dOll"rtúU»
1-0aliu m uporiif&>f...} Em cada •squina, cozinh<16porlál<i.lfum<ganl<• 4 vo/14 da•qu<li•po• ·
"°"" cheias eh {ame OSpt"rtW<W> a wa ""z ch ....,,.,b<r Oll amslituink• sobomaoo eh uma rtf<i.çiio
~~:r~~::
__
::::::x~:~~~~~ei:~sga;.ga:~
· 0 ~eci..vs
de~:~~!~:~:=
parece m árvo res
que e1es usam são símbolos de re-
rápida. Pam011mai.lrica.. ""'ª""lttÇáachlnjasth•sp<cialidadeo-oomida. vinho,cM-mar·
COVG o mminho. Um pouw maio longe. uma multid&>chjogodorts dispulo<Ja""" <JenckdQnsde
lamnjas •eh gul-Osoimasun•q1J<1.11'""3ptsquadrndosde••poço. Pertoeh•k• •namtrooom..,..a•
bem farnecldasloj<ls de ponhorist<13{. .. /~(Smilh, 1847. p. 289).
" VcrRenfrow, l961l;Pa,...,n.ePricc, l97l; Rathje, l971.
U:WISR.BINFOR D

Fig.145.-u..... .,.,..,,.o· bairrndtUU-dtEllWvc11V,cUlotúdtPa11amd, p.,,,..,,,6. 1967.


N~t...;,gmmpG1T>oomunid<><k• oomo nloapatfirdtunidadt• ~ut6wi••il,,,,,,U,.
t moulnurq/iilf:.. OOTt<el'mtnlodtiori6fmaumeada uu moior111iivrndtpt- •,,..,.,.U..
do.unidada«>dai•tmq .... ,.....,.....,,,,. (Fol4ctdi<JaporW. ~J

lações sociais, e a sua circulação faz-se exclusivamente no contexto das alian-


ças individuais a que ante riormente fiz referência. Não é o seu valor intrín-
seco que fundamenta a t roca, e são usados como forma de informar os outros
acen:a da quantidade e variedade das alianças que um determinado indivíduo
mantém. E claro que os object.ose as matérias-primas de fácil acesso não são
muito informativos. ~po r isso que em todos os sistemas de gTandes homens
há uma gTande procura de obje<:tos exóticos (conchas do litoral, penas colori-
dasdevários tipos, matérias-primasquesóexistem emdeterminados locais):
quanto mais raros e específicos, mais informativos serão.
O registo a rqueológico do Leste da América do Norte parece apresentar
uma situação idêntica: uma sequência de desenvolvimento começada por vol-
ta de 6000 a.e., que cu] minou no período compreendido entrecerca de 250 a.e.
ecereade250d.e.,comum sistemadetrocasqueenvolviaaein:ulaçAodeuma
variedade impressionante de objectos a uma escala verdadei ramente conti-
nental Conchas do géneroBusycon, provenientes da costa do Golfo do Méxi-
co, encontram-se com frequência por toda a ui na dos Grandes Lagos, a 1500
km da sua origem, em enterramentos. Aparece cobre nativo proveniente da
margem norte do Lago Superior por todo o Midwest, em aldeias e em enter-
ramentoszz. Mica eittrafda em minas da Virgínia encontra-se ao longo de todo
ovale do Mississippi. Aparece galena extraída em minas de chumbo situadas

•Fogd,1963.
EMBUSCll()()J>llSSÂDO

Fi(.146,-G,...ndalwmm#daN-G"/Muibindo...,b"lfip"B""obüd....portroc:o•que
.;,,,bolimnoo wud~rstatuto.,aalnogrupolocol. (F"""1ro/U>CftlidaporM.Sl,...lh•rnJ

noNortedoillinoisementerrament.osdoSudeste-CarolinadoNorte,Caro-
lina do Sul e Florida23 . Pequenos botões e adornos em ferro meteorftico das
margens da planície aparecem por todo o Midwest2'. Obsidiana proveniente
do Parque Nacional de Yellowst.one, nas Montanhas Rochosas, encontrn-se
desde o Wisconsin até ao Ohio31. Trata-se de um sistema de circulação de bens
mate riais complexo e enorme, funcionando à escala de uma área geográfica
de dimensão comparável à da Europa central e ocidental juntas.

•Walt.hall,dal.,1979.
"'Pnifer,1961.
•cnmn,•lal., 1969.
288
LEWIS R. BINFORD
EM BUSCA DO PASSADO 289
Se a t!oca de b~~s const~tui, efectivamente, um estímulo ao surgimento da
complexidade pohbca, sena então de esperar, tendo em conta a escala e 0 vo- dessa autoridade central, por sua vez, só podia estar relacionada com o papel
lu~e da rede de circ~lação que e~tá documentada, que já por volta de 100 a.C. . redistribuidor por ela desempenhado. E o que é que estava a ser redistribuído?
se t~vesse desenvolVIdo, em regiões como o Ohio, algo de semelhante ao Im- Alguns pedacitos de turquesa por século, e pouco mais... no total, provavel-
pério Romano! Por outro lado, não se conhecem quaisquer sistemas de troca mente, menos objectos exóticos que os que se podem encontrar num único en-
com esta extensão nas áreas do mundo em que se desenvolveram as chama- terramento do período «Middle Woodland», mais de 1000 anos antes!
das «grandes civilizações»: não existe nada de comparável no Próximo Orien-
te, ne~ no Egeu, nem no vale do México ou nas terras altas do Peru antes do
aparecimento nessas regiões de sociedades consideradas de um m~do geral
como complexas 26• «9ualquer» modelo que recorra à importância do comércio Os caminhos da complexidade
e deformas monopolistas de troca para tentar explicar o surgimento das socie-
dades complexas terá, P.ortanto, de ser capaz de explicar também 0 qu~ acon-
teceu no Leste da América do Norte. Até agora, ainda não apareceu nenhum
que foss~ capaz de o fazer mas, apesar disso, os modelos de troca continuam O que estou a querer dizer, no fundo, é que os arqueólogos ainda não sa-
a ser ~plicados ao registo arqueológico em muitas partes do mundo. bem quais são as causas que levaram à formação das sociedades complexas.
':7e~amos, por exe!11plo, o que se passou no Sudoeste dos Estados Unidos da O argumento redistributivo não tem qualquer base factual evidente: eu, pelo
Amenc~, o.nde o penodo c~mpreendido entre cerca de 900 d.C. e cerca de 1200 menos, não tenho conhecimento da existência de agentes redistribuidores, a
d.:.C. assistm !1? des~nv~lVImento de alguns sítios notáveis, de grandes dimen- não ser em sociedades em que já existe um poder político, e duvido muito que
soes. Estes sibos nao sao apenas locais de residência: há neles uma arquitec- a simpatia possa constituir fonte de poder. Os argumentos que explicam a in-
t1:1ra ~omp~e~a e de .~ande variedade (kivas, salas grandes, etc.), associada a tensificação da produção necessária ao funcionamento de um sistema comple-
rituais .soc~ais e religiosos. A explicação que, de um modo geral, prevalece é a xo através dos incentivos económicos fazem lembrar a história «do ovo e da
que atribui a complexidade destes sistemas de pueblo às importantes funções galinha». Seja como for, continua por esclarecer por que é que as pessoas have-
por eles desempenhadas na sua qualidade de pontos nodais de redes de tro- riam de «querer» um sistema complexo ao ponto de investirem o esforço neces-
ca de lp'an_de ex~ensão 27 ••Mas as bases concretas em que este ponto de vista sário à obtenção de excedentes de produção. Seria preciso que se fizessem
se apoia sao mwto frágeis: pequenas quantidades de turquesa do Sudoeste sentir pressões para a mudança, entendidas em sentido darwinista, cuja iden-
q1:1e vão aparecendo pelo México; algumas conchas da costa da Baixa Califór- tificação continua por fazer e cujo modo de operação também continua desco-
nia que conseguem chegar até ao Norte do Novo México· motivos mexicanos nhecido. Os argumentos em que a troca é proclamada como base do poder
qu.e s; e~cont~am na cerâmica do sudoeste e que reflect~m indirectamente a acabam, de um modo geral, por soçobrar, uma vez que, na maioria dos casos
existencia de ligações. Não se pode dizer que isto implique a existência de uma concretos citados a título de fundamentação, o que está envolvido são símbo-
grande rede de trocas ma~, apesar disso, são os modelos rede-nodo deste tipo los sociais (que nos informam acerr.a das alianças sociais entre os indivíduos
que actualmente predominam no Sudoeste, e não só. Em última análise es- e não acerca da articulação económica dos grupos sociais) e não bens de con-
tes m.ode~os ~~sei;tam n:i posição originalmente defendida por Sahlins de 'que sumo valiosos.
a redistn~~çao e o ~aminho para o poder. Realizações tão complexas como os O problema reside, em grande medida, no facto de os arqueólogos terem
grandes sibos ~ue sao ospue~los só podiam ter sido conseguidas-assim reza vindo a ter em consideração um número muito limitado de modelos. Se as
a argumentaçao - sob a orientação de uma autoridade central28 • A génese ideias em que toquei são tudo o que temos, quando é provável que, na reali-
dade, tenha havido muitos estádios diferentes e muitos padrões característi-
cos de mudança associados aos diferentes caminhos da complexidade, não há
26
Ver Struever e Houart, 1972. dúvida de que a arqueologia está mesmo com problemas. Enquanto não fize-
: P~r exemplo, Judge, 197~; também Cordell e Plog, 1979, especialmente as pp. 419--424. rem uma ideia da extensão da variabilidade que pode existir nos sistemas
~ao é raro q~~ a re~erênc1a a sociedades complexas em áreas como o Sudoeste dos Esta- complexos e nas suas trajectórias de desenvolvimento, os arqueólogos estarão
dos_U n~dos da Amenca seJa_apresentada como um passo em direcção à conquista de uma «liber-
taçao• mü;lectual e~ rel~ç,a~ a um passado etno-histórico de «Opressão• em que se falava ape- em situação muito desfavorável.
nas de sociedades «1guah_tánas•. É claro que é possível, talvez mesmo certo, que tenha havido Outra grande limitação reside no facto de quase todas as abordagens à for-
no pa~s_ado fo~as de sociedade que não se encontram representadas entre as que constam das mulação de modelos de mudança se terem desenvolvido a partir de uma ou
~escnçoes relativamente ~ec.ent:es da era colonial. Não obstante, receio bem que os critérios uti- outra de entre várias percepções de dinâmicas funcionais (isto é, do funciona-
lizados para ~efender aex1stencia de autoridades centralizadas e de funções redistribui tivas im-
portantes SeJam _sobretudo o tamanho e a sofisticação arquitectónica das ruínas. Será que temos mento de sistemas vivos, tal como são vistos por alguém que os observa ou
mesmo de acreditar que a Humanidade só é capaz de realizações importantes que requeiram neles participa). Tal como já anteriormente se referiu, é a critérios funciona-
trabalho coordenado se «organizada• por uma poderosa autoridade de governo central? listas que se tem recorrido para a formulação de modelos de mudança com
transformação nas situações em que:
Forllm da História 13 - 19
1) A na tu reia da transformação não era conhecida com precisão;
2) só o critério da plausibilidade podia ser invocado para justificar a
r elevãncia da utilização de uma argumentação funcion alista no
estudo dos processos evolutivos.

O exemplo mais óbvio, e provavelme nte mais enganador, será talvez a uti·
Jização de diversas argumentações económicas vitalistas, de •busca de luero-, ~ BIBLIOGRAFIA
na formulação de modelos dos processos evolutivos. No sentido em que não h á
nenhum intelecto co ndutor nem nenh um ser sensível que co ntrole a sua dinâ-
mica, como de um modo geral pressupõem os argumento• económicos, todos
osprocessosecológicossãonãoracionais.
Tal como nos capítulos anteriores, o apeloque aqui quero deixar é um apelo
ao desenvolvimento de métodos seguros que nos permitam inferir as condi-
ções do pasaado a partir do r egisto arqueológico. Se o conseguirmos fazer,
estaremos então em condições de obter co nhecimentos seguros acerca de al-
gumas das características que permitem responder à pergunta ·Como era?•
M mesmo te mpo, temos de procura r prestar atenção ao reconhecimento de
padrlles em relação com os quais posaamos fo rmular a questão •Que signifi-
ca?• Num caso como noutro, trata-se de abordagens que se encontram depen-
dentes do desenvolvimento da investigação de nível médio.
Os leitores poderão interrogat-se a si próprios ace rca das numerosas po-
sições filosóficas que existem em arqueologia, e para cuja defesa não faltam
advogados talentosos 8 • Tenho vindo a defender que a maior parte dessas po-
sições envolve a atribuição de significado ao registo arqueológico po r meio de
•argumentos acomodat.ivospost-hoc>o"". Essas abordage ns não permitem nem
objecti vida de nem verdadeira aprendizagem, apenas o fascínio do debate sem
fim. 11• Só quando formos capazes de pôr esses pontos de vista à prova, confron-
tando-os com as propriedades do mundo externo, estaremos em condiçllesde
avaliar a utilidade das diferentes posições intelectuais. Essa co nfrontação
tem de ser feita mediante a utilização de uma linguagem de observação cons-
truida de forma científica, em que a atribuição de significado às observações
e a sua justificação se façam de forma que não dependa das próprias posições
intelectuaisquesequeravalia r.
Seja qual for o modo como encaremos o problema, a conclusão é sempre a
mesma: precisamos de métodos de inferência melhores. Não nos podemos
limitar a seguir a musa da curiosidade e especular sobre o modo como as coi-
sas acontece ra m. Temos de desenvolver métodos para avaliar as ideias qu e
criamos, e temos t a mbém de encarar seriamente a possibilidade real de as
nossas perguntas estarem mal formuladas. Para que venhamos a conseguir
fazer progressos na resposta à questão realmente importante - •Por que
aconteceu?• - precisamos de investigar simulta neamente as outras ques-
tões: •Que significa?• e ·Como era?•.

• Ve;j1-MGoulde Lcwonün, 1979. P• r• um• revi1lodq poolç&.. fll.otóflcqmrrenl.cmea·


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