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SUMÁRIO
MÓDULO 03
1
INTERDISCIPLINAR - CIÊNCIAS SOCIAIS
MÓDULO
UNIDADE DE APRENDIZAGEM 4
OBJETIVOS
03
1 Discutir o que é a esfera pública e o lugar da religião
Estamos vendo ao longo da disciplina de Ciências Sociais que as religiões continuam vivas
e atuantes em todos os Continentes do planeta. Diante disso, sendo as religiões atores sociais
importantes é natural que surja o debate sobre o lugar delas na esfera pública. Faremos uma
breve distinção conceitual dos termos para, em seguida, situar essa discussão no Brasil.
Trata-se da arena de debate público em que os assuntos de interesse geral podem ser
discutidos e as opiniões podem ser formadas, o que é necessário para a efetiva participa-
ção democrática e para o processo democrático. Espera-se que processo culmine na for-
mação da opinião pública que, por sua vez, age como uma força oriunda da sociedade civil
em direção aos governos no sentido da transformação em legislação e políticas públicas
da vontade da população.
O debate sobre o lugar da religião na esfera pública tem sido um tópico de grande inte-
resse. A religião, enquanto parte integrante da vida de muitas pessoas, inevitavelmente se
entrelaça com a política e a sociedade. No entanto, a natureza dessa interação é complexa
e com perigos para as próprias religiões.
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Dois séculos mais tarde, os cristãos viram com gratidão e alívio a conversão do im-
perador Constantino, o qual conferiu status de proteção ao cristianismo, que logo se
tornou a religião oficial do estado. Ao longo do milênio seguinte na Europa, a igreja e
o estado interagiram como um par de dançarinos, ora presos num forte abraço, ora
jogando um ao outro no salão de baile. A propagação global do cristianismo introdu-
ziu novas variações no relacionamento igreja/estado em lugares como a África e as
Américas. (Yancey, P. 2015, p. 234)
O debate sobre o lugar da religião na esfera pública parece ter chegado ao seguinte
ponto: a religião é importante demais para fazer de conta que ela não existe, entretanto,
por outro lado, as perspectivas religiosas são múltiplas e muitas vezes discordantes entre
si e, além disso, é preciso levar em conta aquelas pessoas que não são religiosas. Como
é possível colocar pessoas com perspectivas tão diferentes ao redor de uma mesa para
conversar sobre o bem comum? Como fazer isso? O teólogo Miroslav Volf, mencionado no
módulo anterior, nos ajuda. Assim ele escreve:
Sugeri que cada pessoa deveria falar na arena pública tendo sua própria
voz religiosa. Mas o que significa ter voz própria quando se fala? [...]
Falar na voz da própria religião é falar a partir do centro da fé pessoal.
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Falar numa voz cristã é falar com base nestas duas convicções funda-
mentais: que Deus ama todo mundo, incluindo os transgressores, e que
a identidade religiosa está circunscrita por fronteiras permeáveis. Qual-
quer outra coisa que se diga sobre qualquer tópico deve ser dito levando
em conta essas convicções. Quando isso acontece a voz que fala será
propriamente cristã, mas poderia conter, mesmo assim, os ecos de mui-
tas outras vozes, e muitas outras vozes repercutiram com ela. É óbvio
que, às vezes, a a voz não encontrará nenhum eco, apenas contestação.
Esse é o material de que são feitas as boas discussões, tanto em conta-
tos pessoais como na esfera pública. (Volf, 2018, p. 159-160)
Reflexões como acima abrem caminho para inserção mais madura das religiões no
debate na esfera pública. De um lado pessoas religiosas têm o direito de falar sobre os
temas públicos a partir de suas convicções de fé e a separação entre Estado e religião não
significa um “cala-boca” para argumentos que nasçam no campo religioso. Entretanto, a
maturidade nesse debate também exige da religião o respeito à pluralidade de atores que
participam do debate público.
Já vimos o que é a esfera pública e o lugar das vozes religiosas nessa esfera. Vejamos
agora o que é o poder público. Trata-se do conjunto dos órgãos com autoridade para realizar
os trabalhos do Estado, constituído de Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. A
noção de poder público abarca todos os poderes que são próprios do Estado. O Estado exerce
o poder legislativo (cria e modifica leis), o poder judicial (aplica essas normas) e o poder execu-
tivo (desenvolve políticas de governo) através de diversas instituições. Na esfera pública cada
grupo faz ouvir sua voz, seu ponto de vista e seus interesses, porém, o poder público representa
a todos. Um equívoco comum no debate atual sobre a separação entre religião e Estado é julgar
que porque a maioria da população é cristã o Estado deva sê-lo também. Na esfera pública o
Poder público deve ouvir a todos, sem distinção, porém enquanto órgão estatal ele não deve
impor ponto de vista ou representar simbolicamente nenhuma religião.
Propomos abaixo uma leitura que problematiza o tema da laicidade nos contornos que
vem assumindo no Brasil nas últimas décadas. Todavia, o sociólogo José de Souza Martins
retoma pontos importantes e caros aos protestantes na discussão da separação entre reli-
gião e Estado no Brasil.
“ BÊ-Á-BÍBLIA
autor:JOSÉ DE SOUZA MARTINS -
Fonte: O ESTADO DE S. PAULO, 26 Julho 2014
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Existe uma vontade de Deus para a sociedade democrática? Se existe, como podemos
conhecê-la? Qual o papel do Estado na implementação da vontade de Deus para socieda-
de? Os reformadores, especialmente Martinho Lutero e João Calvino, trataram de separar
Estado e Igreja, separar a esfera de governo temporal da esfera de governo espiritual. Esse
assunto é conhecido como teologia dos dois reinos na teologia luterana. Deus é um só,
mas ele decidiu governar o mundo por meio do Estado e da Igreja. Tudo o que diz respeito à
convicção pessoal, espiritual e eterna é remetido ao reino espiritual; tudo o que é externo ao
indivíduo e trata da vida em sociedade diz respeito ao Estado, portanto, ao reino temporal.
Mas, se no Antigo Israel havia coincidência entre a lei civil e a lei religiosa, ou seja, aqui-
lo que era imoral era também ilegal, qual é a visão cristã do papel do Estado na nova alian-
ça? De diferentes modos o Novo Testamento enfatiza que o papel do Estado é a promoção
da justiça e não a promoção da fé. Na expressão de Paulo no texto dirigido ao jovem Timó-
teo (1 Timóteo 2.1-7), isto aparece nas orações que devem ser feitas em favor de todas as
autoridades para “que tenhamos uma vida tranquila e pacífica” na sociedade. Na Carta aos
Romanos, capítulo 13, Paulo afirma que a existência de autoridades é da vontade de Deus
e que a missão delas é a promoção da justiça.
Por fim, cabe registrar, ainda que todos admitam ser a promoção da justiça o dever
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maior do Estado, definir o que é ou não justo não é nada fácil e, por isso, requer diálogo, tole-
rância e boa vontade de todos. À luz da fé a participação política numa sociedade democrá-
tica, como a brasileira, deve ocorrer em torno da busca da justiça para todos os cidadãos.
Na leitura do Antigo Testamento não se deve buscar inspiração para invenção de uma teo-
cracia tupiniquim sob o tosco argumento que cristãos são maioria na sociedade brasileira e
logo seu estilo de vida deve prevalecer sobre os demais. Cristãos envolvidos com a política
numa sociedade democrática oferecem bom testemunho do Evangelho quando lutam pela
justiça e não quando pregam moralidade. Do Antigo Testamento, a teocracia foi superada,
mas a busca pela justiça permanece: “Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei
ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas. (Isaías 1.17)
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