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QUINTA-FEIRA, 15 de setembro de 2005

POLÍTICA CULTURAL-Fundação Cultural cobra na Justiça documentos de propostas ligadas à


Lei de Incentivo

Projetos na mira da justiça


Confira a lista completa dos projetos aqui
(necessita de Adobe Acrobat Reader, que pode ser instalado aqui)A Fundação
Cultural de Curitiba vai cobrar na Justiça documentos que comprovem como
foi gasto o dinheiro destinado pelo município à Lei de Incentivo à Cultura. Os
responsáveis por 95 projetos que foram (ou deveriam ter sido) financiados
com verba de impostos serão processados civilmente. O valor total da
execução das propostas está estimado em mais de R$ 6 milhões. Nem todo
esse dinheiro vem de incentivo fiscal. Alguns projetos custam mais de R$
100 mil. Pela atual lei municipal, apenas R$ 88 mil de cada proposta podem
ser financiados por meio do sistema de mecenato.
Os projetos que ainda não prestaram contas à fundação vêm das mais
diversas áreas: cinema, teatro, literatura, música, museus, entre outros.
Além de prestar contas, os produtores poderão ter de pagar uma multa.
Enquanto não regularizarem sua situação, também ficarão impedidos de
receber novamente dinheiro por meio da prefeitura.
A decisão de enviar a cobrança para a Justiça é do presidente da FCC,
Paulino Viapiana. Desde que assumiu o cargo, no começo do ano, ele
resolveu mudar as regras do processo de incentivo à cultura. Ele está, nesse
momento, preparando os retoques finais da revisão da lei. Ao mesmo tempo,
tentou acabar com a fila de projetos que esperavam financiamento, para dar
início a uma nova seleção, começando do zero, em 2006. Para completar o
processo, resolveu cobrar os documentos de quem ainda estava com
pendências com o poder público.
A partir de agora, Viapiana diz que a cobrança judicial será um mecanismo
comum para exigir que os empreendedores cumpram com o que está escrito
no contrato. “Ao ter o projeto aprovado, eles se comprometem a prestar
contas”, diz ele. Pela lei, o responsável pela idéia tem dois anos para arranjar
o dinheiro a partir do momento em que sua proposta foi aprovada pela
comissão municipal. Depois disso, precisa realizar o projeto e, em 30 dias,
levar à FCC os documentos que comprovam o bom uso do dinheiro. “Em
muitos casos, isso não está acontecendo”, afirma Viapiana.

Os nomes dos empreendedores que estão em dívida com a prefeitura foram


levados há duas semanas para o procurador-geral do município, Ivan
Bonilha. Ele é o responsável por dar andamento aos processos. “As ações
vão correr nas varas da Fazenda”, comenta ele. Para o procurador, em cada
caso há duas possibilidades. Ou o realizador levou o projeto até o fim, e só
não prestou contas, ou nem mesmo tocou o projeto. O segundo caso é
considerado muito mais grave, já que o dinheiro chegou a ser captado. Quem
tiver ficado indevidamente com dinheiro, terá de devolvê-lo, mesmo que
precise vender os próprios bens materiais. No entanto, o procurador acredita
que o número de projetos não-realizados seja pequeno.
Prazo

Alguns empreendedores que estão na lista levada à procuradoria questionam


os prazos dados pela prefeitura. Eles afirmam que nem sempre é possível
fazer tudo dentro dos limites impostos pela lei e que, por isso, ainda não
levaram as suas prestações de contas à fundação. “O prazo é muito
pequeno”, diz Maurício Appel, produtor cultural responsável pelo projeto
Serenatas com Músicas Folclóricas em Curitiba. Ele afirma que ainda não
conseguiu captar todo o dinheiro para sua proposta, aprovada em 2001, e
conta que pediu prorrogação de prazo à fundação. “Mas eles querem que a
gente faça de qualquer jeito”, comenta.

Marino Júnior, ator e produtor da Companhia Máscaras de Teatro, concorda


que às vezes possa ser difícil cumprir os prazos legais. A companhia, ligada
ao Teatro Lala Schneider, tem três projetos próprios na lista de
inadimplentes. Segundo Marino, Pinóquio e A Guerra Dentro da Gente já
foram realizados – nesse caso só falta reunir os documentos. Já a situação
de Grease – É a Magia dos Anos 50? é diferente. “Demoramos para conseguir
empresas que bancassem o projeto”, comenta ele. Depois disso, o grupo
ainda precisou esperar uma época em que o elenco estivesse todo disponível
para fazer o espetáculo, que está atualmente em cartaz, quase dois anos
depois do prazo.

Há quem seja mais crítico com a decisão da Fundação Cultural. É o caso do


cineasta Eduardo Sigaud. Ele é co-responsável por três filmes aprovados pela
lei municipal: Tubo, Notícias de um Mundo Distante e Asas de Curitiba. Todos
estão prontos ou em fase de finalização. Tubo já foi apresentado no Festival
de Brasília. Sigaud admite que errou ao não cumprir os prazos, mas diz que
isso aconteceu devido a problemas de saúde na família dele. “Sei que estou
errado”, afirma. “Mas o problema é que tratam a gente sempre como
suspeito, como bandido”, diz o cineasta, que afirma estar pensando em ir
morar em outra cidade. “Estou há oito anos aqui tentando fazer filmes bons,
mas não dá”, conta.

Para a Fundação Cultural, porém, as regras são definidas e precisam ser


cumpridas. O presidente da instituição, Paulino Viapiana, pensa inclusive em
deixar o regulamento mais rígido. “Queremos que quem deixe de apresentar
a documentação, fique numa espécie de quarentena. Serão quatro anos, por
exemplo, em que o produtor não poderá se inscrever de novo no programa
de incentivo”, afirma.

Como funciona

A Lei Municipal de Incentivo à Cultura é um mecanismo de renúncia fiscal


que permite às empresas bancar projetos culturais. A cada ano, a prefeitura
permite que as empresas instaladas na cidade deixem de pagar em impostos
o equivalente a 2% de sua receita em IPTU e ISS. Atualmente, isso equivale
a cerca de R$ 10,5 milhões.

Para receber a verba, os produtores culturais precisam apresentar seus


projetos à Fundação Cultural de Curitiba. A primeira etapa é o julgamento e
seleção dos projetos. Quem fica responsável por esse processo é uma
comissão de sete integrantes nomeada pelo prefeito.

Depois de aprovado, o produtor tem dois anos para ir à luta e conseguir


convencer as empresas a destinar o que pagariam em imposto para o projeto
culrural. Com o dinheiro na mão, o produtor tem a obrigação de realizar seu
projeto e de prestar contas ao município, para mostrar como o dinheiro foi
aplicado.

Números

95 projetos
financiados pela Lei de Incentivo à Cultura estão sendo levados para a
Justiça.

R$ 10,5 milhões
é o total de verba que a prefeitura estima que haverá para a cultura no
município em 2006.

R$ 88 milé o valor máximo que cada projeto pode receber por meio da Lei
Municipal de Incentivo à Cultura.

Rogério Waldrigues Galindo

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