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PALOMBINI, Analice de Lima (et al).

Acompanhamento
Terapêutico na Rede Pública: a clínica em movimento. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 2004. 152p. ISBN: 85-7025-
794-5.
nalice de Lima Palombini e seus A hipótese apresentada (e muito bem
A colaboradores promovem um ato! Há
que se concordar com Miriam Chnaiderman,
sustentada) é a de que as dimensões do
espaço e do tempo confluem para pontos
em seu prefácio desse livro, ao destacar, de contato a serem construídos pelo par
entre outros, esses dois pontos: um ato, na acompanhante/acompanhado nos espaços
história da clínica do AT no Brasil, realizado da cidade, ao consolidar uma clínica na/da
de forma coletiva, democrática, em que cidade. Sustenta a idéia de que essa clínica
esforços oriundos de distintas esferas subverte o modo capitalista e/ou fálico de
versam para a criação e o registro da funcionamento do fluxo urbano, pois a
implementação do AT na Rede Pública de proposta é a de utilizar o espaço urbano
Saúde Mental da Cidade de Porto Alegre. como um espaço transicional – espaços que
Fruto de parceria entre a Universidade possibilitem ensaios, inscrições singulares
Federal do Rio Grande do Sul e a rede, a serem construídas sem preocupação com
envolvendo acompanhantes terapêuticos, o certo ou o errado.Também subverte o
estudantes e profissionais da rede nesse tempo, não mais o da produção sustentada
esforço, que possibilitou democratizar na máxima time is money, mas a partir
saberes, promover transformações no olhar do tempo da psicose, de sua errância,
dos técnicos sobre si mesmo e seu trabalho, acompanhar o tempo subjetivo e testemunhar
fazer circular o corpo e a palavra de os efeitos que a circulação promove no
usuários, entre outros. Uma experiência tratamento. A fundamentação teórica, dada
marcante, acredito, para todos que nela à complexidade do fenômeno em questão, é
participaram, e também marcante àqueles também apoiada em teóricos como Winnicott
que se aventuram nesse livro. AT na rede, e Calligaris, quando se pensa a relação entre
movimentos, circulação em territórios, o par acompanhante/acompanhado e os
efeitos clínicos... Testemunho de um espaços de circulação.
desbravar fronteiras, um terreno até então Porém, seu argumento avança em
inexplorado. Vamos a ele. direção a outros questionamentos, como:
O livro é organizado em duas partes. qual é o sentido de uma cidade, uma casa ou
A primeira delas, denominada “A clínica da um quarto, ao se pensar a subjetividade
psicose no espaço e tempo social: o AT entre humana? Sennet e Berman descrevem o
a instituição e a rua”, parte da interrogação processo histórico de formação das cidades
proveniente ao movimento que essa clínica para se pensar que os espaços urbanos
se lança: como lidar com a complexidade foram construídos para favorecer a lógica
de fatores envolvidos na saída de um capitalista. Os efeitos dessa organização
usuário da instituição para a cidade? espacial incitam a fragmentação do homem

Psychê — Ano X — nº 18 — São Paulo — set/2006 — p. 187-188


188 | Resenha

em sua subjetividade, próprios da trabalhadores. Relatos lindos em que, por


contemporaneidade. Bollnow teoriza acerca exemplo, são descritos os efeitos em
do valor subjetivo de uma casa, ao afirmar Conceição, auxiliar de enfermagem, que
que esta é, para o homem, o centro do mundo reluta contra o excesso de trabalho, para
onde ele pode se enraizar, constituindo aí que o mesmo não se torne mecânico ou
suas referências espaciais. A cama é descrita desprovido de sentido. Ela vive o paradoxo
como o ápice de sua proteção, onde o dormir entre dar conta da demanda excessiva
e o acordar favorecem o descanso, o e a transgressão de lançar um olhar mais
abandono das preocupações da vida cuidadoso ao usuário. Efeitos como esse só
cotidiana. Questionamentos importantes, confirmam que a estratégia adotada em
visto que muitos casos de acompanhamento relação ao curso de formação, não poderia
terapêutico começam e perduram nesses ser melhor.
espaços, em que muitas vezes as referências Para finalizar, seguem os relatos de
espaciais e de proteção se confundem experiências clínicas, também comoventes,
com a clausura e o pavor do laço social. As mesclados com reflexões teóricas. Temas
referências teóricas incluem Oury, Foucault, como o fazer clínico e a descrição de
entre outros, que também compõem essas e experiências, reflexões sobre o AT
outras articulações teóricas importantes como dispositivo da Reforma Psiquiátrica,
sobre o acompanhamento terapêutico. pontuações acerca do dispositivo grupal
A segunda parte do livro, intitulada “A atrelado às atividades de passeios na cidade,
cena pública da clínica”, traz relatos tocantes e interrogações sobre o lugar da psicanálise
sobre os efeitos da experiência de formação na instituição de tratamento das psicoses
e implementação do acompanhamento permeiam as páginas ali impressas.
terapêutico na rede de saúde mental. Tem- Enfim, o livro merece ser lido e relido,
se aí um relato de experiência sobre o sendo de interesse não somente para os
processo de formação de AT aos profissionais profissionais da área psi, mas a todos que
da rede. Salta aos olhos a aposta que os de alguma forma transitam nas experiências
autores desse projeto sustentam em priorizar do campo da Reforma Psiquiátrica, pois
o pessoal de nível médio como público alvo. como já foi dito: “tudo vale a pena se a alma
A despeito de qualquer reserva de mercado não é pequena”.
ou de privilegiar hierarquias institucionais, a Maurício Castejón Hermann
estratégia adotada atinge efeitos incríveis, na
medida em que auxiliares de enfermagem, Psicanalista; Acompanhante Terapêutico;
monitores de abrigos, entre outros, puderam Doutorando em Psicologia Clínica (USP); Docente
e Supervisor Clínico (Universidade Metodista de
ressignificar a práxis, redimensionando o São Paulo); Membro da EPFCL-SP.
sentido que o trabalho do corpo-a-corpo com
a psicose assume na subjetividade desses e-mail: mauhermann@uol.com.br

Psychê — Ano X — nº 18 — São Paulo — set/2006 — p. 187-188

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