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Reflexão crítica: Fatores de proteção e fatores de risco num caso de luto


prolongado face a uma perda perinatal
Enquadramento do caso
Maria, 35 anos, casada e com um filho de 5 anos, perde o segundo filho aos 8
meses de gestação. A Maria tinha sofrido 2 episódios prévios de contrações fortes e
dores intensas, durante os quais se tinha deslocado ao hospital. Em ambas as ocasiões, a
Maria foi mandada para casa e recomendado o repouso. Não foram efetuados quaisquer
exames nem outras recomendações para além do repouso.
Na terceira ocasião de contrações e dores intensas Maria chamou uma
ambulância e foi para o hospital. Entrou em trabalho de parto, com bastantes
complicações e o bebé não sobreviveu. Maria acredita ter existido negligência médica,
mas não processou o hospital. Passado quase 1 ano é diagnosticada com depressão. Está
de baixa médica e quase não sai de casa. Diz que não era suposto sair do hospital sem
um bebé e não aceita a morte. A família da Maria e a família do marido vivem muito
perto e têm sido uma grande fonte de apoio, cozinhando refeições e ajudando a tomar
conta do filho.
Luto prolongado, fatores de risco e fatores de proteção
O luto prolongado, também conhecido como luto complicado, refere-se a um
processo de luto que se estende por um período significativamente mais longo do que o
esperado, com intensidade e persistência de sintomas que interferem nas atividades
diárias e no bem-estar emocional da pessoa (APA, 2022). A perda de um bebé é
particularmente considerada um fator de risco no desenvolvimento de um luto
complicado (Flack et al., 2022).
Existem diversos fatores de risco e fatores de proteção associados ao
desenvolvimento do luto prolongado no caso da Maria.
Relativamente aos fatores de risco, podemos identificar neste caso o vínculo
existente na relação. Quanto mais próximo e significativo era o relacionamento com a
pessoa falecida, maior pode ser o impacto do luto e o risco de prolongamento do
processo. Neste caso, o vínculo é entre mãe e um feto quase de termo, considerando-se
este um vínculo forte.
As circunstâncias da morte, neste caso uma morte inesperada, podem aumentar o
risco de luto prolongado, devido ao impacto emocional e à dificuldade de aceitação
relativamente à perda. Para além disso, a suspeita de negligência médica torna a
situação ainda mais traumática. Reconhecer e aceitar a morte como parte do ciclo
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natural da vida é um passo importante no processo de luto, permitindo à pessoa integrar


a perda de forma gradual e construtiva o que, neste caso, ainda não aconteceu. A morte
prematura de um bebé quebra a própria lógica do ciclo de vida (Flach, 2022).
Quanto aos fatores de proteção, podemos identificar a rede conjugal e o suporte
familiar. A Maria tem uma rede de apoio compreensiva e presente durante o processo de
luto (a família dela e a do marido), o que é fundamental para a ajudar a lidar com a
perda e a ajustar-se à nova realidade. O facto de ter outro filho é também um fator
importante. Um outro fator de proteção é o acesso a recursos de saúde mental. Procurar
acompanhamento psiquiátrico, como foi o caso, pode auxiliar na elaboração do luto e na
prevenção do seu prolongamento.

Bibliografia
American Psychiatric Association. (2022). Diagnostic and statistical manual of mental
disorders (5th ed.). https://doi.org/10.1176/appi.books.9780890425787
Flach K., Gressler N., Marcolino M., Levandowski D. (2022). Complicated grief after
the loss of a baby: A systematic review about risk and protective factors for
bereaved women. Trends in Psychology. Jan 10:1–35. doi: 10.1007/s43076-021-
00112-z.

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