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em Cuidados Paliativos:
Sobrecarga e Desafios
Janete A. Araujo
Elizabeth Maria Pini Leitão
sidade da inserção de Cuidados Paliativos na falta de outra opção, podendo, também, ocorrer
atenção à saúde dos pacientes oncológicos, con- de um modo inesperado para um familiar que,
siderando que muitos deles são diagnosticados ao se sentir responsável, assume este cuidado,
em fase avançada e que mais da metade falece mesmo não se reconhecendo como um cuida-
em decorrência do câncer.2 Assim, os serviços dor”. 7
de saúde, nesses casos, devem visar não a cura, O cuidador também poderá ser classificado
mas sim à busca por uma melhor qualidade de de acordo com o cuidado que irá prestar: Primá-
vida por meio de intervenções que considerem rio se assumir as responsabilidades diretamente
não somente aspectos biológicos, mas também relacionadas aos cuidados mínimos como
psicológicos, sociais e espirituais dos pacientes.3 higiene e alimentação; Secundário aquele que
O movimento de Cuidados Paliativos faz-se auxiliar em eventuais necessidades do paciente,
notório também por buscar garantir-lhes a sendo caracterizado como não primordial para
dignidade e a autonomia no processo de morrer. a recuperação do paciente.1
A Organização Mundial da Saúde3 descreve São diversos os motivos que levam à
Cuidados Paliativos como ações voltadas aos delegação do cuidador: este pode ter grau de
pacientes que possuem doenças que ameaçam a parentesco ou afim, ter relação afetiva, estar
continuidade da vida e aos seus familiares, com mais próximo do ambiente em que se encontra
o intuito de prevenir e tratar problemas bioló- o paciente, a falta de outra possibilidade, auto
gicos, psicológicos, sociais e espirituais e, con- delegação, entre outras.
sequentemente, melhorar a qualidade de vida. Se o cuidador for informal e, além do grau
A fase terminal é tida como a mais difícil de parentesco, ainda exercer a função de cuidar
e angustiante. Os principais problemas dos do doente, seu estado emocional poderá ficar
pacientes, geralmente, são: administrar a dor, mais comprometido, seja pela dor de presenciar
a insuficiência respiratória, a confusão mental, o sofrimento do ente querido, seja pelo senti-
seguidos dos quadros de ansiedade e depressão.4 mento de incômodo, de se sentir obrigado, entre
As repercussões causadas pelo câncer ao outros motivos.1
paciente e à sua família já são bem conhecidas, Há significativos estudos sobre o comporta-
havendo, na atualidade, uma tendência para mento e as necessidades do cuidador no período
que seja transferida para a família a responsa- de adoecimento do paciente com câncer, desde
bilidade com os cuidados do paciente, mesmo o diagnóstico, passando pelo tratamento inicial,
diante do aumento da sobrecarga de cuidados, recidivas da doença, “retratamento”, sucessivas
especialmente quando a doença está em seu internações, até o encaminhamento para os
curso avançado.5 Neste contexto, surge o cuida- cuidados paliativos. Essa etapa final, em geral,
dor informal: pessoa responsável por auxiliar o é árdua e penosa, motivada por esperança de
paciente dependente no seu dia a dia, entre ou- cura, mas também com desilusões, sofrimentos
tras tarefas, e, em geral, proveniente do próprio e importante carga de trabalho dispensada ao
núcleo familiar. Os cuidadores informais são os paciente, vivências que tendem a se intensificar
familiares, amigos, vizinhos, membros de gru- com a evolução da doença.8
pos religiosos e outras pessoas da comunidade. Rezende9 investigou 133 cuidadores de
São voluntários que se dispõem a cuidar, porém, pacientes sem possibilidades de cura, avaliando
sem formação profissional específica.6 a frequência de ansiedade e depressão desses
Um estudo de famílias de “pacientes depen- cuidadores. Observou-se, entre outros fatores,
dentes mostra que a escolha do cuidador não que 84% referiram mudança na rotina pelo fato
costuma ser ao acaso e que a opção pelos cui- de cuidar. A ansiedade foi detectada em 99 % dos
dados nem sempre é do cuidador, mas, muitas cuidadores principais e a depressão em 71%. O
vezes, expressão de um desejo do paciente, ou processo de cuidar de paciente na fase terminal
levou a altas taxas de ansiedade e depressão. tanto físico quanto psíquico, com uma maior
Proot et al.,10 analisando os relatos de 13 carga de estresse; menor satisfação com a vida;
cuidadores de pacientes em cuidados paliativos perda do emprego, rupturas de vínculos, iso-
terminais, encontraram, como achado nuclear, a lamento e diminuição da participação social e
“vulnerabilidade” destes cuidadores. Os autores perda do poder aquisitivo para a família, com
compreendiam por “vulnerabilidade” uma si- o passar do tempo.15-18 Em relação ao compro-
tuação que colocava em risco estes cuidadores metimento psicossocial na vida do cuidador, há
de adoecerem por fadiga severa, a despeito da numerosos estudos que identificaram casos de
coragem e da força demonstrada pelos mesmos. depressão, distúrbios do sono, medo, maior uso
Desde a década de 1970, pacientes com câncer de psicotrópicos, ruptura de vínculos, isolamen-
na fase avançada da doença, juntamente com to, solidão, diminuição da participação social,
seus familiares ou amigos, chamados aqui perda de suporte social, menos satisfação com
cuidadores informais, têm sido considerados a vida.18 Todos esses exemplos denotam a real
como uma unidade e, cada vez mais, esses necessidade de se adotar, de fato, os princípios
cuidadores formam uma variável significativa dos cuidados paliativos, já bem descritos pela
para a assistência.11 Organização Mundial da Saúde (OMS), onde
A Organização Mundial da Saúde considera o entorno familiar também deve ser objeto de
o atendimento às necessidades dos cuidadores interesse e cuidado da equipe que atende esse
um dos principais objetivos dos cuidados pa- grupo de pacientes.
liativos e determina que se disponibilize um Diversos são os desafios que se apresentam
sistema de apoio para ajudar a família durante no cotidiano do cuidador tais como a dificul-
a doença do paciente e no processo do luto.3 dade para lidar com os quadros de agitação
Existe um interrelacionamento entre sinto- e de agressividade do ser cuidado, com a de-
mas psicológicos apresentados pelo paciente e ambulação constante (especialmente noturna)
pela família. A família é afetada pela doença e a provocada pelas alterações nos hábitos de sono
dinâmica familiar afeta o paciente. e repouso, além disso, com o esquecimento,
Depressão no paciente pode desencadear a repetitividade, a teimosia e as solicitações
depressão no cuidador, e vice-versa.12 Desta constantes.
forma, os cuidadores têm um papel muito im- Os cuidadores apresentam essas dificulda-
portante nos aspectos práticos, sociais, físicos e des principalmente porque convivem com as
emocionais do paciente, bem como nas decisões limitações. Sentem-se envolvidos emocional-
a serem tomadas no fim da vida.13 mente na situação. Além de desempenharem
O foco de atenção na prática profissional, novos papéis e tarefas associadas ao problema
na maioria das vezes, é o indivíduo doente, ca- do paciente, os cuidadores informais frequen-
bendo ao cuidador uma posição mais à margem temente relatam um sentimento de sobrecarga.
dos acontecimentos. Ainda hoje, os cuidadores As crenças em um ser superior, a fé, a espi-
familiares são percebidos como recurso em ritualidade e as práticas religiosas são percebidas
pelos cuidadores como estratégias muito efica-
benefício do indivíduo, mas não como um alvo
zes de enfrentamento da sobrecarga do cuidado,
de atenção da equipe de saúde. É um indivíduo
da angústia, do estresse e da depressão decorren-
“rotulado”, para ajudar neste processo de cuidar.
tes do processo de cuidar. Para Goldstein,19 as
Espera-se que ele cuide “naturalmente”, mas o crenças existenciais, espirituais ou religiosas não
cuidador também é uma pessoa que está neces- só auxiliam no enfrentamento das dificuldades,
sitando de auxílio e apoio.14 mas dão sentido à vida, à velhice, à dependên-
Há, nesta área de estudos, um número cia e ao cuidar. Contribuem também para que
significativo de trabalhos relacionando a dete- os eventos sejam interpretados de forma mais
rioração da saúde e adoecimento do cuidador, positiva e enfrentados de forma mais eficaz.