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GRUPO COM MENINAS VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL: PRÁTICA DE

INTERVENÇÃO A PARTIR DA PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA

Amailson Sandro de Barros


Universidade Federal de Mato Grosso, Doutor em Educação pela UFPR
Ana Beatriz Domingues da Rocha Reis
Universidade Federal de Mato Grosso, Discente de Psicologia

Resumo
Trata-se da sistematização de uma intervenção na modalidade grupo, realizada com
meninas vítimas de abuso sexual. Esse grupo fez parte das atividades de estágio
supervisionado específico de psicologia em contextos socioeducativos realizado em
uma delegacia especializada de defesa dos direitos da criança e do adolescente. O grupo
foi composto por três meninas e teve a duração de seis encontros. O grupo se reunia
semanalmente com duração de cada encontro estabelecida em uma hora e trinta
minutos. O referencial teórico apoiou-se na psicologia social comunitária e os resultados
obtidos indicam a potencialidade do trabalho em grupo, fortalecimento da rede social e
afetiva entre as participantes, compreensão da dinâmica do abuso sexual e sua
ressignificação.
Palavras-chave: grupo com meninas; abuso sexual; psicologia social comunitária

Introdução

O objetivo deste texto é apresentar a sistematização de uma prática de


intervenção psicossocial via o trabalho com grupo desenvolvido a partir dos aportes
teóricos da Psicologia Social Comunitária (LANE,2004; FREITAS, 2014; MARTÍN-
BARÓ, 1988, 2017; MONTERO, 2006). O trabalho é parte de uma atividade de estágio
supervisionado específico de psicologia em contextos socieducativos.
O grupo foi pensado enquanto instrumento de intervenção psicossocial que
atendesse a uma prática psicoeducativa (BARROS E FREITAS, 2016), reflexiva e
crítica (FREITAS, 2014, 2015; MONTERO, 2006) sobre o contexto de situações
violência sexual.
Sem desconsiderar aspectos subjetivos das vivências particulares das meninas
participantes da intervenção, o trabalho desenvolvido buscou possibilitar práticas
dialogadas, solidárias e participativas, capazes de romper com ideias fatalatistas,
individualizantes e psicologizantes das questões que envolvem a violência sexual.
De acordo com os aportes dessa psicologia, a intervenção na modalidade Grupo
pode contribuir para a conscientização (FREIRE, 2005, FREITAS, 2010) sobre as
questões que envolvem o fenômeno da violência nas relações familiares e domésticas.
O processo de conscientização, segundo Freire (2005) contribui para a
intensificação da capacidade das pessoas desvendarem a realidade e descobrirem-se
ativas e criativas, potencializando suas possibilidades de compreensão do mundo e das
relações de opressão e exploração a que estão submetidas. Nesse sentido, Martín-Baró
(2017) defende que o trabalho com grupos deve permitir e possibilitar posturas
libertárias e emancipatórias, que não perpetuem o assistencialismo e o recebimento
passivo de serviços.
O planejamento dos encontros foi flexível, de modo que a formulação de cada
encontro considerou os acontecimentos e conteúdos manifestados nos encontros
anteriores. O trabalho desenvolvido com as meninas seguir a especificidade do grupo
fechado.

Método
O método adotado para a realização dos encontros do grupo seguiu as premissas
da intervenção psicossocial “Oficinas em Dinâmica de Grupo”, proposta por Afonso
(2002). De acordo com essa autora, a Oficina “pretende ser um local de elaboração onde
os sujeitos trabalharão a experiência, através da comunicação, e envolvidos de maneira
integral: sentir, pensar e agir” (p. 44). Esta elaboração destina-se a um foco – tema-geral
do grupo – isto é, de uma demanda que o uniu, que será trabalhado gradualmente, a
partir do enquadre – temas-geradores – de cada encontro.
Os encontros foram norteados por três momentos distintos. 1º Momento -
preparação do grupo para o encontro, utilizando-se de atividades lúcidas para o
aquecimento e relaxamento das participantes dos encontros, visando o fortalecimento de
vínculos sociais e afetivos entre elas; 2º Momento – Realização das atividades
preparadas para o encontro, reflexão sobre os sentimentos e ideias experimentadas nas
atividades, expansão da discussão e reflexão do tema central do encontro para o
cotidiano das meninas; 3º Momento - a sistematização e avaliação do trabalho do dia em
conjunto.
O grupo foi formado por meninas vítimas de abuso sexual que foram
primeiramente atendidas pela Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente – DEDDICA, do município de Cuiabá, Mato Grosso e que na
sequência do atendimento foram convidadas a participar do grupo.
Os encontros do grupo foram realizados semanalmente, aos sábados de manhã,
em uma sala de aula do Instituto de Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso.
Cada encontro teve a duração de uma hora e trinta minutos. O grupo foi composto por
meninas de faixa etária entre 10 e 13 anos. O grupo foi composto por três meninas.

Descrição dos encontros


Primeiro Encontro - Meu nome, minha história
Objetivos
• Promover a integração grupal
• Estabelecer as regras de funcionamento do grupo
• Levantar os temas de interesse para discussão nos encontros
1º Momento
O primeiro encontro iniciou com a apresentação pessoal de cada participante, a
partir da atividade “História do nome”. Nessa atividade, individualmente as meninas se
apresentavam ao grupo relatando a história que envolvia o seu nome. O que sabia sobre
seu nome? Quem escolheu? Que sentimentos tinha em relação a ele, por exemplo. O
intuito da atividade foi iniciar a reflexão com as meninas de que cada uma tinha uma
história, vivenciou experiências boas e ruins, porém observando a partir de seus relatos
as semelhanças entre elas. Durante a atividade, as meninas relataram gostos pessoais,
rotina escolar e convivência familiar. Todas relataram situações de conflitos na
convivência pais e filhas e o fato de não serem escutadas dentro de suas casas.
2º Momento
No segundo momento, foi realizada a atividade do “Jogo de Balões”, que
consistiu em uma atividade lúdica na qual as meninas escreviam em pequenos papeis os
temas que gostariam de discutir nos encontros e suas expectativas em relação ao grupo.
Após, os papeizinhos foram colocados em balões enchidos pelas meninas. Na
sequência, os balões eram lançados para o alto devendo assim permanecer. Para isso, as
participantes, com o uso das mãos, batiam levemente nos balões. O balão que caísse no
chão era estourado e o papel lido em voz alta.
As temáticas de interesse para discussões e expectativas em relação aos
encontros trazidas pelas meninas foram família, amizade, escola, brincadeiras, falar
sobre a violência sofrida, respeito, muita conversa e “que o grupo ajude a todas a
esquecerem a situação do abuso” (sic).
Após, as meninas construíram um Calendário do Grupo. Esta atividade foi
pensada para disponibilizar um recurso visual dos encontros do grupo e atividade de
vinculação. Enquanto os calendários eram enfeitados e transformados em ímãs de
geladeira, o diálogo entre as participantes prosseguiu livremente. Enquanto realizavam
essa atividade, as meninas escolheram um nome para o grupo, que passou a ser
chamado de “Grupo das Meninas”.
Ao serem questionadas sobre todas terem vivenciado algum tipo de violência
sexual, as meninas demonstraram certa confusão sobre os tipos de violência sexual e
curiosidade de saber sobre como foi a situação de violência sofrida por cada uma delas.
Estabeleceu-se com o grupo que um dos encontros seria para discutir as diversas formas
de violência sexual praticadas contra meninas e meninos.
3º Momento
No momento de fechamento do encontro, foi retomado as discussões elaboradas
durante o encontro e escolhido o tema-central para o próximo encontro. O tema
encaminhado foi “Família”. Também, realizou-se uma breve avaliação do encontro, e as
meninas foram unanimes em relatar que vieram para o grupo a contragosto, mas que
haviam gostado da experiência e que retornariam na semana seguinte.
As atividades do dia foram encerradas com um lanche coletivo.

Segundo Encontro – Famílias, afetos e violência


Objetivos
• Discutir o tema “Família”
• Refletir sobre as diversas configurações familiares
• Discriminar os tipos de violência na relação pais e filhos
1º Momento
O encontro iniciou com a atividade de aquecimento “Apresentação para a
Boneca”, que consistiu em promover uma nova apresentação e integração entre as
meninas. A atividade consistiu na seguinte comanda. Uma boneca foi levada para o
encontro e apresentada ao grupo pela estagiária. Após, cada integrante se apresentava
para a boneca fazendo um gesto na mesma. Os gestos que surgiram foram aperto de
mão, tapinhas nas costas e uma cambalhota dada na boneca. Na sequência, foi solicitado
que o gesto realizado por elas na boneca deveria ser repetido na colega a direita. Notou-
se que as meninas embora constrangidas em repetir o gesto, cumpriram com a tarefa.
2º Momento
Encerrada a atividade de aquecimento foi trabalhado o vídeo “Era uma vez uma
família”. O objetivo da atividade foi ilustrar as possíveis formações de famílias e os
tipos de violência familiar. Após assistirem ao vídeo, as meninas discutiram sobre o
conteúdo do mesmo. As meninas falaram sobre a configuração de suas famílias e
puderam perceber diferenças entre elas. Relataram já terem vivenciado situações de
violência física e psicológica por parte dos pais e de outros adultos da família.
Chamou a atenção delas, o fato de as crianças apresentadas no vídeo ficarem
metaforicamente pequenininhas em situações em que são humilhadas e ignoradas, o que
relataram já terem experienciado situações como essas na família. Inclusive, uma delas
apontou o suicídio como forma de solucionar situações nas quais a pessoa é ignorada.
Sobre a convivência familiar, uma das meninas disse ter se identificado muito
com o vídeo, especialmente na relação agressiva que um dos pais (personagem da
animação “Era uma vez uma família) estabelece com o filho mais velho. De acordo a
participante, essa relação assemelha-se a relação dela com o pai.
À despeito de uma figura familiar conciliadora apresentada no vídeo, que era
representada pela avó, as meninas disseram que, pelo contrário, suas avós criam
situações conflituosas entre elas e os pais, e que não há outro membro na família que
desempenhe esse papel conciliador. Foi discutido o fenômeno da intergeracionalidade
da violência e sua construção socio-histórica. As meninas narraram histórias
compartilhadas na família de violência de seus avós contra os seus pais, quando esses
ainda eram crianças e adolescentes.
3º Momento
No momento de fechamento do encontro, foi retomado as discussões elaboradas
durante o encontro e escolhido o tema-central para o próximo encontro. O tema
encaminhado foi “Tipos de violência”, como forma de aprofundar as discussões.
As atividades do dia foram encerradas com um lanche coletivo

Terceiro Encontro – Tipos de violência


Objetivos
• Aprofundar as reflexões sobre as diversas formas de violência
• Compreender o fenômeno da violência e sua justificação social
1º Momento
Neste encontro participou apenas uma menina. As duas que faltaram justificaram
posteriormente que não puderam frequentar esse encontro porque os pais estavam sem
dinheiro para pagar as passagens de ônibus.
Como apenas uma das meninas esteve presente no terceiro encontro, o
aquecimento/relaxamento ocorreu da seguinte forma: A participante escolheu uma
música de preferência dela, a qual foi tocada e conversado sobre o conteúdo e estilo.
2º Momento
Para este momento, foi realizada a modelagem de uma pessoa com massa de
modelar. O objetivo da proposta foi o de trabalhar a intensidade da força e as relações
de poder que permeiam as situações de violência. Apesar de inicialmente animada com
a proposta, a participante ficou muito ansiosa com a própria produção, dizendo não ser
capaz de realizá-la ou concluí-la. Neste sentido, foi conversado que o que ela produzisse
seria suficiente e de que não havia um jeito “certo” ou “melhor” de fazer. Concluída a
modelagem, a atividade prosseguiu de forma que primeiro, a participante fez um
carinho na pessoa de massinha, seguida de uma ‘encostadinha’ de leve, depois um tapa
e progressivamente aumentando a força, observando que esses gestos deixavam marcas
profundas.
Para a discussão, conversamos primeiro sobre a violência física através do que
havíamos feito na atividade, correlacionando outros tipos de violência (psicológica,
sexual e negligência). O tema foi sempre a partir do que a participante compreendia e
tinha conhecimento sobre cada tipo de violência, complementando com informações
necessárias à respeito de como elas se manifestam na vida cotidiana. O uso da violência
física e psicológica foi justificado pela participante a partir imediaticidade dos adultos
em colocar limites e educar as crianças, fazendo-as obedientes a eles. A participante
relatou violência entre os pais e deles para com ela. Falou também sobre as
consequências da revelação da violência sexual para ela e sua família. Citou que alguns
familiares não acreditaram nela e outros a culpabilizaram pela violência sofrida. Como
finalização desta atividade, foi proposto que ela contasse também momentos de carinho
e de alegrias vividos com a família, assim como o primeiro gesto feito por ela na pessoa
de massinha.
3º Momento
No fechamento do encontro, conversamos sobre a atividade do dia e a
participante relatou que havia ficado angustiada por ter que representar violência na
pessoa de massinha. Também, que sentiu falta das demais meninas no encontro. O tema
encaminhado para o próximo encontro foi “revelação do abuso sexual”. O encontro foi
encerrado com um lanche.

Quarto Encontro – O antes e o depois da revelação do abuso sexual


Objetivos
• Refletir a experiência do abuso sexual
• Identificar a rede de apoio afetivo e social
1º Momento
O encontro iniciou com a atividade “Imite o chefe”, que consistiu em uma das
integrantes iniciar uma dança e o restante do grupo acompanhar a coreografia. O papel
de chefe foi alternado durante a atividade até todas desempenharem essa função.
2º Momento
Com ajuda da participante presente no encontro anterior, foram contextualizadas
para as demais meninas as atividades e discussões realizadas. Foi retomado que um dos
propósitos do grupo, era o de oportunizar um espaço para falar e refletir sobre a
violência sexual sofrida por elas. Na sequência foi proposto que as participantes
realizassem um desenho que expressasse o antes e o depois da revelação do abuso
sexual.
Nos desenhos que fizeram referência ao ‘antes’ obteve-se a representação de
famílias unidas, principalmente representadas pela família materna. Nos desenhos que
representavam o “depois”, observou-se a separação da família e o afastamento de
pessoa antes mais próximas do convívio das meninas. Houve um caso em que a menina
representou ela sozinha, afastada de toda a família. Sobre a situação do abuso sexual
sofrido, todas relataram que a princípio, o agressor tinha uma relação de carinho com
elas, brincava, conversava, cuidava e dava presentes. E que o abuso foi praticado em
local privado. Relataram que a pessoa que abusou pediu segredo sob intimidação e
ameaças. Duas delas expressaram sentir raiva e outra ter somente pena do agressor,
afirmando que “ele vai morrer triste e sozinho” (sic). Relataram sentir culpa pela
violência sofrida, especialmente porque familiares disseram isso a elas. A partir daí, foi
trabalhado a dinâmica do abuso sexual, segundo estudos de Sanderson (2005) e
discutido as consequências psicossociais da violência em suas diversas manifestações
(BARROS e FREITAS, 2015).
As participantes também relataram a ida delas à DEDDICA, sendo consenso
entre elas a dificuldade de relatar a situação da violência para pessoas desconhecidas.
3º Momento
Encerrada a discussão por conta do limite do tempo, foi avaliado como havia
sido como havia sido falar sobre a situação do abuso sexual durante o encontro, ao que
uma das participantes respondeu que foi importante pra ajudar a esquecê-lo. Foi
pontuado o próximo encontro seria para continuar com essa discussão e reflexão. O
encontro encerrou com o lanche.

Quinto Encontro – Violência sexual e suas consequências psicossociais na vida


cotidiana das meninas
Objetivo:
• Discutir as consequências psicossociais da violência na vida cotidiana
1º Momento
A atividade de aquecimento realizada nesse encontro foi uma rodada de
conversa sobre os acontecimentos da semana desde o último encontro. Nessa atividade
uma adolescente contou uma série de situações familiares conflituosas entre os pais que
estavam separados e que segundo ela “contribuíam para sua depressão” (sic). Uma
participante que se manteve mais presente no diálogo, a confortou e movimentou o
grupo a buscar coletivamente alternativas para a colega superar os conflitos familiares.
As reflexões e discussões no grupo giraram em torno dos sentimentos e das lembranças
do abuso e sobre cuidados, além da importância da rede de apoio social e afetivo das
participantes, para pedidos de ajuda e de proteção.
2º Momento
A partir da atividade anterior, foi solicitado para as meninas elencar aspectos de
suas vidas em relação ao passado, presente e ao futuro. A realização dessa atividade
teve como propósito romper com ideias fatalistas e culpabilizantes (MARTÍN-BARÓ,
2017) no discurso das adolescentes, e oferecer elementos para refletir o sentido que elas
atribuem à sua relação consigo mesmas e com os fatos de marcam suas existências,
buscando romper com possíveis conformismos e resignação diante da vida.
3º Momento
Ao final, retomamos alguns pontos da discussão sobre como foi participar do
encontro e encerramos com o lanche.

Sexto Encontro – O que aprendi não cabe na despedida do grupo


Objetivos
• Promover a despedida do grupo
• Avaliar com as participantes o trabalho desenvolvido
1º Momento
O último encontro iniciou com a realização da atividade “Painel do Grupo”, que
consistiu no uso de uma cartolina dividida em três partes: na primeira parte, as
participantes escreveram coletivamente o que sabiam, aprenderam e sentiram a respeito
de discutir em grupo a violência sexual. Na segunda parte, escreveram sobre possíveis
lugares ou pessoas para pedir ajuda e na terceira parte, possíveis formas de se
prevenirem. A proposta possibilitou aprofundar mitos e verdades sobre as formas de
violência sexual e o mapeamento da rede de apoio social e afetiva das participantes.
2º Momento
Nesse segundo momento, foi realizada a atividade “Baú das Lembranças”. As
participantes confeccionaram um baú e escreveram lembranças umas para as outras. A
atividade envolveu uma grande carga afetiva, as meninas se abraçaram e disseram da
falta que fariam umas às outras. Verbalizaram que os encontros do grupo deveriam se
estender para mais dias. Foi conversado sobre as potencialidades do grupo como espaço
para falar sobre violência, entender a dinâmica do abuso sexual e estabelecer amizades e
vínculos afetivos.
3º Momento
O grupo foi finalizado com um lanche.

Algumas reflexões e considerações


Desde o primeiro encontro foi possível verificar que as integrantes do “Grupo
das Meninas” estabeleceram vínculos entre elas, sendo esse um fator essencial para que
se pudesse abordar no grupo a situação de violência sexual experienciada por cada uma
delas. O tema violência foi trabalhado com cuidado e de forma progressiva a partir do
fortalecimento do processo grupal e da confiança estabelecida entre as participantes
(LANE, 2004; MARTÍN-BARÓ, 2017). De modo geral, obteve-se um resultado
positivo do trabalho com grupo, tanto na identificação pelas participantes da expressão
da situação de violência experienciada, como no reconhecimento de sua dinâmica e
formas de proteção. Considera-se que a aceitação das meninas pelo trabalho em grupo
para tratar da violência sexual sofrida sugere, a exemplo do que Martín-Baró (2017)
observou em seu estudo, a apropriação dos objetivos e da funcionalidade do grupo por
parte delas. Foi possível verificar que as meninas estabeleceram compromisso com as
atividades do grupo e, principalmente, entre elas, operando um exercício potencial do
grupo em si para o grupo para si (idem).
Observou-se, também, que devido ao número de encontros do grupo algumas
discussões não foram refletidas e discutidas suficientemente, o que leva a compreensão
de que para experiências futuras, há a necessidade de alteração para um número maior
de encontros. Sugere-se um número de 10 a 12 encontros.
Corroborando estudos de Santos, Borges, Ruschel, Padilha, Silva e Dell’Aglio
(2010) e Sanderson (2005), o trabalho desenvolvido possibilitou às participantes a
ressignificação de ideias e conceitos quanto à violência sofrida e outras formas de
violência, atentando para suas consequências e sentimentos envolvidos, como raiva,
culpa, medo e dificuldade de revelar o abuso para pessoas desconhecidas.
O atendimento em grupo com as meninas propiciou que as participantes
expressassem suas histórias familiares e falassem sobre seus sofrimentos em relação a
violência sofrida e as questões familiares, após a revelação do abuso.
O trabalho desenvolvido demonstrou que o atendimento na modalidade grupo é
possível, importante e desafiador, no que tange o cuidado do mesmo em não se
cristalizar como um atendimento sem impactos na vida cotidiana das meninas e de suas
famílias. Estudos que se debruçam sobre o trabalho com grupos indicam que este
favorece trocas de experiências e afetos significativos para os participantes (BARROS e
FREITAS, 2016; MARRA, 2016) apresentando bons resultados no atendimento às
vítimas de violência (FONSECA, FEITOZA e LIMA, 2010).
Destacamos que a intervenção desenvolvida não se constituí modelo a ser
seguido e replicado. Consideramos que a metodologia utilizada (Afonso, 2002) para o
planejamento dos encontros com as meninas é potencialmente enriquecedora e bastante
útil em sua operacionalização.
Com o encerramento das atividades grupais, uma adolescente teve
encaminhamento para atendimento individual no Serviço de Psicologia Aplicada,
localizado na UFMT.

REFERÊNCIAS
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