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Capacidade de desenvolvimento da Inteligência Emocional a partir

da prática da Comunicação Não Violenta e da Justiça Restaurativa

Júlia Silva Kneipp

RESUMO: Este artigo apresenta o resultado de uma ação social realizada com sujeitos à
margem da sociedade, utilizando-se das teorias da Comunicação não violenta e da
Justiça restaurativa com o objetivo de gerar transformação individual, desenvolvimento
de empatia e habilidades de Inteligência emocional, de forma que reflita nas relações
interpessoais dos participantes, promovendo contribuições de bem-estar.

PALAVRAS-CHAVES: Empatia; Comunicação; Círculo; Inteligência emocional; Fala.

INTRODUÇÃO

Neste artigo é apresentada e discutida a ação de círculos restaurativos realizados


semanalmente, aos sábados, entre os meses de setembro a novembro do ano de
2023 na Penitenciária Estadual de Londrina-PR e em uma casa de passagem da
mesma cidade. Foram participantes homens de faixa etária variada, porém em sua
maioria possuindo problemas com álcool e outras drogas, envolvidos com a
criminalidade, ex-moradores de rua, além de idosos abandonados pelas próprias
famílias.
Nestas práticas circulares, uma psicóloga formada foi a preceptora e condutora,
sempre levando previamente um tema a ser trabalhado, além de providenciando
todos os materiais a serem utilizados, visando sempre alcançar a interação dos
participantes e promover acolhimento.
Portando, partindo do pressuposto da teoria da Comunicação Não Violenta
de Marshall Rosemberg, juntamente com a prática da Justiça Restaurativa, mais
especificamente dos círculos de paz, acrescidos da visão de Daniel Goleman sobre
Inteligência Emocional, será apresentada a eficácia das ações realizadas em relação
ao desenvolvimento de habilidades emocionais nos participantes.
DESENVOLVIMENTO

Segundo Marshall Rosenberg, o psicólogo criador desta teoria, a Comunicação


Não Violenta se encaixa mais como uma abordagem pacífica de comunicação,
uma vez que esta comtempla desenvolver e utilizar das habilidades de se
expressar e ouvir sem julgamentos, ou seja, de forma passiva e empática
viabilizando que todos se entreguem de coração e criem conexões não só entre
si, mas também consigo mesmos. Para isso, ele estabeleceu em seu livro 4
pilares para a prática de uma Comunicação não violenta, são eles:
1) Observação: esta etapa sugere que analisemos a situação escutando
verdadeiramente o que está sendo dito não só com palavras, mas com ações
também, sendo uma parte reflexiva, introspectiva e racional;
2) Sentimento: é claro que toda essa observação vai gerar algum sentimento,
podendo ser positivo ou negativo, então gastaremos algum tempo nomeando o
que estamos sentindo, e para ter êxito nesta etapa o autor deixa claro a
necessidade de desenvolver a vulnerabilidade;
3) Necessidades: uma vez que sabemos o que estamos sentindo, procuraremos
entender quais são nossas necessidades reais por trás do sentimento, pois
sabendo que a necessidade configura uma falta, buscaremos entender o que
precisamos ou gostaríamos de receber para lidar melhor com este sentimento;
4) Pedido: por fim, o pedido é uma solicitação específica ligada a ações que deve
ser feito a outra pessoa, neste momento a linguagem utilizada vai ser muito
importante, portanto sempre realizar afirmações, evitar ambiguidades ou
qualquer explicação que deixe brechas para outras interpretações da parte do
outro, focando sempre em falar em primeira pessoa, pois você estará
sintetizando todo o processo que você realizou nos passos anteriores, ou seja,
nunca utilizar uma linguagem de culpa ou ofensa para como o outro, uma vez
que a intenção é justamente expressar o que você está sentindo e o que poderia
ser feito para melhorar ou resolver a situação.
Apesar de todo o passo a passo deixado pelo autor, a prática é complexa e
difícil, ele mesmo explica em seu livro um dos maiores motivos para tal. Por
estarmos inseridos em uma sociedade permeada por leis moralizantes e uma
justiça punitiva, temos como “normal” uma comunicação violenta, uma vez que
ela gera culpa, exigências, julgamentos, comparação, negação, depreciação e
rotulação uns para com os outros, Marshall chama isto de “Comunicação
Alienante da vida”.

“Quando a consciência se concentra naquilo que de fato precisamos, somos naturalmente impelidos a
agir em direção a possibilidades mais criativas para que aquela necessidade seja atendida. Ao
contrário dos julgamentos moralizadores de quando nos culpamos, que tendem a obscurecer tais
possibilidades e a perpetuar um estado de autopunição.”

Rosenberg, Marshall. Comunicação não violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos


pessoais e profissionais. Editora Ágora, 2006

Considerando tal dificuldade, nos primeiros encontros de cada instituição foi


inserida a metáfora da Girafa e do Chacal, apresentada também por Marshall em
seu livro. Eram levados bichos de pelúcia para representar cada um e suas
características eram reforçadas verbalmente pela preceptora do círculo, de modo a
deixar claro que aquele ambiente era justamente para desenvolver o “lado girafa” de
cada um.

A Justiça restaurativa é uma nova forma de lidar com conflitos que surgiu em
meados de 1970, como objetivo de resolução de problemas a partir do foco em
pessoas, à vítima e os relacionamentos. Diferentemente da Justiça Tradicional que
enfoca o Estado e o ofensor, envolvendo culpa, castigo e punição, resultando assim,
numa forma de resolução de conflitos muito mais violenta.

Uma das ferramentas de mediação utilizadas pela Justiça restaurativa são os


Círculos de paz ou Círculos Restaurativos. É realizado de forma a promover
respeito, horizontalidade, diálogo, responsabilidade, igualdade, empatia, conexão e
pertencimento a todos os participantes. Para isso, inicia-se pedindo a todos que se
acomodem de forma a gerar um círculo, no centro do círculo, normalmente no chão,
ficam alguns objetos como uma toalha e outros objetos que estarão relacionamos,
embasando o tema a ser discutido. Também temos o objeto da palavra, ele será a
chave para a fala, portanto, a pessoa que o estiver segurando tem o direito da fala,
ele vai sendo passado um a um por todo o círculo. É um grande auxílio na
participação de todos, promovendo e incentivando um ambiente de fala e escuta.
Todo círculo possui também o facilitador, será uma pessoa responsável por mediar e
intervir (se necessário), coordenando as práticas e os temas, ajudando a guiar as
pessoas rumo a um objetivo em comum de resolução.

As teorias até então apresentadas foram utilizadas na ação social promovida na


PEL II (Penitenciária Estadual de Londrina) e em uma Instituição de acolhimento
em Londrina nos períodos de setembro a novembro de 2023, realizando círculos
restaurativos semanalmente. Os participantes possuíam idades variadas, entre
20 e 60 anos aproximadamente.
Foi perceptível uma mudança no comportamento dos participan+-tes ao longo do
processo de realização dos círculos. Inicialmente, apesar da presença do objeto
da palavra, havia alguns cortes na fala, poucas pessoas se sentiam confortáveis
para se abrir e expor sentimentos mais profundos, alguns possuíam uma feição
abatida e amarga e em suas falas era presente o pessimismo e a intolerância.
Alguns participantes não foram assíduos. Porém, do meio para o final da ação, o
círculo já possuía participantes assíduos e empolgados que esperavam ansiosos
pelo tema da semana seguinte. Agora eles já se sentiam confortáveis para contar
histórias de suas vidas e sofrimentos mais íntimos, aparentemente um vínculo
entre as pessoas que participavam do círculo vinha se formando. Neste
processo, muitos demonstraram arrependimento por suas condutas passadas e
expressavam desejo em viver de forma diferente, afirmando que muito do que
fizeram foi em decorrer de não controlar suas emoções antes de realizar alguma
ação diante de um determinado ocorrido e apesar de desde o início
demonstrarem grande apreço pela Girafa, nas primeiras semanas não foi uma
tarefa fácil imitá-la, mas gratificantemente, próximo ao fim das práticas, muitos já
pareciam ter enraizado as teorias e modo girafa de ser, possuindo mais atitudes
de girafa sem tanto esforço.
No último círculo realizado, os participantes tinham falas mais positivas e
carregadas de esperança, além de testemunhos de mudanças já realizadas,
também falavam mais em primeira pessoa do que no início. Foi observado um
melhor convívio entre os participantes, não apenas durante o grupo, mas fora dele
também. Portanto, considerando os 5 pilares apresentados por Goleman em seu
livro “Inteligência Emocional”, 1) Autoconsciência; 2) Autorregulação; 3)
Automotivação; 4) Empatia; 5) Habilidades Sociais, podemos concluir que as
práticas contribuíram de alguma forma na iniciação de desenvolvimento de
inteligência emocional destes participantes, com base na evolução de seus
compartilhamentos e observação de seus comportamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta ação social foi trabalhada a comunicação não-violenta, juntamente com a


escuta e as práticas circulares restaurativas, tendo como objetivo proporcionar aos
participantes um ambiente seguro e acolhedor, para poderem se expressar livre de
julgamentos, trabalhar a empatia e fortalecer vínculos. O resultado das práticas
semanais das atividades circulares, foi a criação de um vínculo grupal, além de
melhora na forma de se expressarem e se relacionarem mesmo fora do ambiente do
círculo, ou seja, desenvolvimento da Inteligência emocional. Os participantes
assíduos foram desenvolvendo confiança de se expressar cada vez mais íntima e
profundamente naquele ambiente, a ponto de sentirem alívio e conforto. Percebia-se
que a cada encontro que passava, era trabalhada a aceitação, preocupação e o
cuidado para com os outros também. Logo, estavam sempre ansiosos questionando
quando e qual seria o tema do próximo encontro, de certa forma isso evidencia o
sucesso na tentativa de criar um espaço acolhedor e gerador de empatia.
Sendo assim, foi muito interessante poder concluir que a ferramenta da
comunicação não violenta realmente ajudou os indivíduos em relação a controlar
melhor seus próprios pensamentos e emoções, levando a uma melhora de conduta
do agir e do falar, despertando o cuidado para consigo mesmos, refletindo assim em
empatia para com os outros, criando a longo prazo, uma maior inteligência
emocional nos mesmos. Porém também acredito que isto só foi possível através do
exercício circular de forma restaurativa aliado a comunicação não violenta, pois foi
assim que criamos um ambiente delimitado, mas igualmente acolhedor e
transformador de vidas. Assim como nos atendimentos clínicos, é perceptível um
tratamento que ocorre através das conexões e relações humanas ali estabelecidas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

Pranis, Kay. Processos Circulares


Morrison, Jean. A linguagem da Girafa
Rosenberg, Marshall. Comunicação não violenta
Zehr, Howard. Justiça Restaurativa
Goleman, Daniel. Inteligência Emocional
https://napratica.org.br/comunicacao-nao-violenta/
https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/justica-restaurativa/

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