Você está na página 1de 23

DIMENSÓES DO BRASIL - 2

CONSELHO CONSULTIVO: Crônica do Brasil


Arthur Cézar Ferreira Reis (Presidente)
Barbosa Lima Sobrinho - Gilberto Freyre
José Honório Rodrigues - Luiz Viana Filho
Colonial
Manuel Diegues Júnior - Paulo Mercadante
(Apontamentos para
Peregrino Júnior - Viana Moog

COLABORADORES:
a História do Maranhão) "
Adonias Filho - Afonso Arinos de MeIo Franco
Alexandre Eulálio - Aliomar Baleeiro
Aderbal Jurema - Américo Jacobina Lacombe -=-~L JOÃO FRANCISCO LISBOA
Evaristo de Morais Filho - Fernando Sales Introduções de:
Djacir Menezes - Josué Montello
PEREGRINO JONIOR E GRAÇA ARANHA
Ivan Cavalcanti Proença - José Augusto Guerra
Marlan Rocha - Wilson Lins
Romão da Silva - Peregrino Júnior
Odylo Costa, filho - Francisco de Assis Barbosa
Haroldo Bruno - Antônio Vieira de MeIo
RacheI de Queirós - R. Magalhães Júnior
Pedro Calmon - Eduardo Chuahy
Alberto Dines - Hélio Pólvora .

DIREÇAO EDITORIAL:

Hildon Rocha

Capa: Paulo de Oliveira

L75c
Lisboa, João Francisco.
Crõnica do Brasil colonial: apontamentos para
l!l
PETRÓPOLIS
a história do Maranhão; introduções de Peregrino Editora Vozes Ltda.
Júnior e Graça Aranha. Petrópolis, Vozes; Brasilia, em convênio com o
INL, 1976.
631p. 21cm. (Dimensões do Brasil, v. 2) iNSTITUTO NACIONAL DO LIVRO
MINISTÉRIO DA EDUCAÇAOE CULTURA
Bibliografia.
1. Maranhão - História - Período colonial. 1976
1. Instituto Nacional do Livro. II. Titulo. II!. Tí·
tulo: Apontamentos para a história do Maranhão.
IV. Série.
CDD- 981.203
CDU- 981.21"15/18"
CCFjSNEL/RJ·76·0169

ONICAlVlp
TECA (
Direitos desta edição reservados à SUMARIU
Editora Vozes Ltda.
25.600 Petrópolis, RJ
Brasil
*
© Copyright das seleções e respectivos títulos,
introduções e bibliografias,
título da coleção e notas, EPfGRAFESjINTRODUÇAO /BIBLIOGRAFIA, 17
da Edítora Tropicália Ltda., Rio de Janeiro.
João Francisco Lisboa, Vida e Obra j Peregrino Júnior, 21
Bibliografia, 40
João Francisco Lisboa, o historiador e o estilista / Graça Aranha, 46

CRONICA DO BRASIL COWNIAL

PRIMEIRA PARTE

APONTAMENTOS PARA A HISTóRIA DO MARANHÃO

Introdução do Autor, 55

Descobrimento da América e do Brasil - Primeiras tentativas


para o descobrimento do Maranhão - Naufrágios de Aires
da Cunha e de Luís de MeIo - Narrações de João de Barros
e de Severim de Faria - Conjeturas sobre a época e lugares
destes naufrágios, e sobre as forças da expedição
de Aires da Cunha - Erros dos antigos exploradores e dos
seus cronistas - O novo mundo dividido entre os reis de
Portugal e de Espanha - Famosa bula de partilha do papa
Alexandre VI - Fórmulas singulares das doações .de ,',
capitanias e dos autos de posse, 67
elas si f. 1....
9.j... ~...
~º.,2....
Autor L,._---
......
<o ~ _--_.l'..r~_._
.... .... ..__ .
11

Invasão francesa
V . ,- -",--_ E x.. Expedição de Riffault e de Ravardíere - Ocupação; 'da -,Ilha- do
Ex. Maranhão pelos franceses - Novas tentativas dos portugueses

~i'~rll=-:
para o mesmo fim - Expedição de Jerônímo d' Albuquerque ~-
Batalha de Guaxenduba - Tréguas - Expedição de Alexandre
de Moura - Capitulação e evacuação definitiva dos franceses, 87

111

Invasão holandesa
-l2Q·",,º?t:.J. ..~(L_....
_..__ O almirante holandês João Cornelles entra no porto do Maranhão
com uma armada, e à traição se apodera da cidade e

9
fortaleza - Prisão do governador português, saques, extorsões com o povo - Dificuldades que encontram os primeiros
e deportação dos principais habitantes - Insurreição popular jesuítas para se estabelecerem em S. Luís e em Belém - Anuem
contra o domínio estrangeiro - Surpresa e tomada dos às condições impostas pelo povo com restrições mentais -
engenhos, e do forte do Calvário no Itapicuru - Matança dos Primeiros tumultos por causa das leis de liberdade dos
holandeses - Combate do Oiteiro da Cruz - Os portugueses põem indios - Chegada do P. Antônio Vieira em janeiro de 1653 -
cerco à cidade e depois o levantam - Guerra de excursões, Posto que nascido em Portugal, passou este homem
surpresas e guerrilhas - Devastações, incêndios, suplícios e extraordinário mais da metade da sua vida no Brasil,
atrocidades de todo gênero - Expulsão dos holandeses, 127 e pertence à nossa história, 269

IV Notas

Paralelo das invasões francesas e holandesas, 140 Nota A, 279


Nota B: Sumário de Ravardiere, 281
V Nota C: Carta de pero Vaz de Caminha, 284
Nota D: Os índios e o descobrimento do Brasil, 295
Iruiios I Nota E: A origem dos selvagens da América, 323
Nota F: As leis sobre os índios, 326
Admiração dos primeiros exploradores à vista das costas Nota G: Os índios Barbados, 326
do Brasil - Aspecto primitivo do país - Infinidade de tribos
errantes - índole e costumes - Gabriel Soares Simão de
Vasconcelos, Vaz de Caminha, Fernão Denis - Diversas
SEGUNDA PARTE
questões acerca dos aborígenes e dos invasores europeus - Qual
era a população indígena provável no tempo da descoberta? -
Prólogo à Segunda Parte, 333
Como definhou e se extinguiu enfim? - Legislação portuguesa
e bulas papais acerca dos índios - Os selvagens na
América setentrional, 153 1

VI O regime do absolutismo e da liberdade - Primeiros ensaios


de colonização - Doações de capitanias - As primeiras
Iruiios II expedições para o Maranhão malogradas - Indicação sumária
dos sucessos ocorridos desde a fundação de São Luis e de
Bulas dos papas e legislação portuguesa sobre a liberdade e Belém até a primeira expulsão dos jesuítas, 339
escravidão dos índios - Substância das leis e abreviada
notícia de sua promulgação e execução, 198 11
VII Governo de Rui Vaz de Sequeira e seus sucessores até Inácio
indios e jesuítas I Coelho da Silva - Cãmaras gerais - Destruição dos Tapuias
do Urubu, e dos Taramambeses de Tutóia, 356
Idéia geral das missões - Inácio de Loyola, fundador da Companhia
de Jesus - Teor da vida, doutrina e princípios do mestre e dos 111
discípulos - Missões de S. Francisco Xavier ao Oriente, 234
Considerações gerais sobre a legislação colonial - Sistema primitivo
II das doações - Seus inconvenientes, mau êxito e efêmera duração, 370

Primeiros jesuítas no Brasil - Contemporâneos da fundação IV


da cidade de S. Salvador - Missões pelos arredores da Bahía,
e por outras capitanias vizinhas - Primeiras lutas com os Fundação do governo geral da Bahia - Modificação considerável
colonos pela liberdade dos índios - Colégio de Piratininga - da legislação anterior - Regimentos dos governadores
Nóbrega e Anchieta - Guerra com os franceses e Tapuias gerais - Suas atribuições e poder imenso - Despotismo
- Trabalhos sublimes dos missionários - Catástrofe em que e corrupção - Testemunho do P. Antônio Vieira
pereceram o P. Inácio de Azevedo com mais trinta e nove Berredo igual aos outros, 374
padres - Idade de ouro da Companhia de Jesus, maculada por
um crime atroz - Suplício do protestante João Bolés, 252 V

lU A magistratura e o clero - Opinião do Doutor Martins acerca


das ordens religiosas no Brasil - Sermões sediciosos,
Missões dos capuchos, carmelitas e mercenários ao Maranhão excomunhões - Perturbações que excitavam
- Desavenças de Fr. Cristóvão de Lisboa, custódio dos capuchos, - Corrupção e decadência, 382

10 11
VI XV

Senados ou câmaras - Juntas gerais - Seu poder Caráter e precedentes de Manuel Bequimão - Jorge de S. Paio,
imenso - Donde originado - Guedes Aranha, procurador Tomás Bequimão e outros revolucionários - Suposta ~
e publicista do Estado do Maranhão, 385 conspiração do engenho Santa Cruz no Mearim - Publicidade com
que em S. Luís se dispõem as coisas para o movimento -
.VII Conciliábulos freqüentes, pasquins e sermões sediciosos - Indolência
e inépcia das autoridades, 443
Os moradores das capitanias - Classes e castas - Nobres
e plebeus - Privilégios de cidadãos do Porto XVI
Nobreza antiga e moderna, 391
Último conciliábulo na cerca de Santo Antônio - Revolução
VIII _ Adesão unânime do povo - Prisão do capítão-mor, e
dos padres da Companhia - Deposição do governador - Abolição
Diversos elementos de povoação - Degradados - Legislação do estanco - Governo revolucionário - Guarda cívica e
criminal, ord. do L. 5. - Expedições militares - Colonos outras medidas - Eloqüência e popularidade do Bequimão - Te
das ilhas e do continente do reino - Leis severas contra Deum e regozijo geral - Missões malogradas a Alcântara
a emigração, e os estrangeiros - Os moradores bloqueados,. 397 e Belém - Manejos dos padres reclusos - Protesto do povo
para sua expulsão - Resignação hipócrita - Cenas
IX tocantes da despedida e embarque, 453

índios e africanos - Legislação sobre catequese, escravidão, XVII


liberdade - Guerras de extermínio - Resultados
do princípio da escravidão, 406 O povo começa a fatigar-se do serviço militar, e a queixar-se
do abandono das roças e engenhos - Firmeza e atividade
X do Bequimão - Procura reanimar os fracos e tímidos - Sua
integridade, desinteresse e dedicação - Rejeita a anistia,
Agricultura, indústria, comércio, navegação - Leis restritivas e outros dons oferecidos para corrompê-to - Cresce entretanto o
e proibitivas - Monopólios, estancos, companhias gerais, descontentamento público - Dissolução da guarda cívica, e
privilégios - A coroa mercadejando, 413 reorganização da infantaria em sentido reacionário - Tomás
Bequimão parte para o reino como procurador
XI do povo - Desgosto e retiro do irmão, 461
Fazenda real Impostos - Donativos voluntários - Venalidade
dos cargos Avidez do fisco - Contribuições enormes, 418 XVIII

Viagem dos missionários expulsos - Chegam alguns a


XII
Lisboa - Espírito de vingança que os anima - Requisições
Governo direto da metrópole - Centralização excessiva exorbitantes e iníquas - Hesitações da corte - Resolve-se afinal
Regulamentação minuciosa e vexatória - Desmazelo - Ignorância o castigo dos sublevados - Prisão de Tomás Bequimão - O
- Delongas - Corrupção do conselho ultramarino - Acusações novo governador Gomes Freire de Andrade parte de
dos próprios governadores, 421 Lisboa com uma pequena força, 467

XIII XIX
Recapitulação - Estado de miséria das colônias - Governo absurdo Chegada da expedição a S. Luís - A revolução completamente
e funesto - Favor visível da Providência - Lei do progresso desmoralizada - O Bequimão tenta em vão reanimar os
humano - Pouco mérito dos colonizadores, 425
companheiros - Gomes Freire desembarca sem resistência e
toma posse do governo - Demonstrações de regozijo,
XIV adulações e denúncias - Prisões de alguns dos chefes, restauração
do estanco e outras medidas - Terror e fuga da população
Causas da revolução de 1684 - Novas leis acerca dos índios _ A cidade quase deserta - Bando de perdão do governador,
- Estanco por conta da coroa, e por contrato com excetuando os cabeças - Prêmios prometidos pela prisão
assentistas - Abusos enormes na sua introdução e execução
do Bequimão, que conseguira escapar-se - Banquete do governador
Prevaricações do governador Sá de Menezes - Ruína do
--;.- _ Consulta com as câmaras de S. Luís e de Belém - Abolição
comércio e da lavoura - Queixas e exasperação do
povo - Sintomas precursores da sublevação, 430 do estanco - O Bequimão vagueia algum tempo pela ilha,

12 13
e afinal refugia-se no seu engenho do Mearim - Traição
de Lázaro de MeIo - Prisão e resignação da vítima - Processo
e sentença - últimas palavras e morte corajosa de Bequimão, 473

xx
EP1GRAFES/INTRODU'ÇÃO
Volta dos jesuítas - Seu triunfo, opulência e corrupção - Governo
de Gomes Freire - Suas idéias sobre a administração da BIBLIOGRAFIA
colônia - Escravidão de índios - Guerras que empreende contra
eles - Sua partida para a corte - As câmaras mandam vir
do reino o seu retrato - Seus últimos dias - Destino ulterior
das outras personagens da revolução e da família de Bequimão -
Fim desastroso do traidor Lázaro de MeIo - Considerações finais, 481

Notas

Nota A: A legislação colonial e os costumes do Maranhão, 491


Nota B: Instruções do Ministro de Ultramar, 576
Nota C: A escravidão e Varnhagen, 577
Nota D: A demanda das formigas, 605
L
Nota E: Capitães, generais e presidente, 608
Nota F: Acerca do governador Berredo, 619
Nota G: Polêmica sobre o Canal de Arapapaí, 623

14

História não tanto dos indivíduos como da Nação;
história que não ponha à luz do presente o que se deve
ver à luz do passado; história, enfim, que ligue os elementos
diversos que constituem a existência de um povo em
qualquer época, em vez de ligar um ou dois desses
elementos, não com os outros que com ele coexistem,
mas com os seus afins na sucessão dos tempos, grudados
pelos topos cronológicos com massa de papel feita das
folhas da Arte de Verificar as Datas.

ALEXANDRE HERCULANO

Quando, volvendo os olhos para os tempos remotos,


indagamos a história de nossos antepassados e da terra
em que nascemos, a primeira pergunta que nos ocorre para
fazermos às tradições e monumentos é naturalmente a seguinte'
onde, quando, e como nasceu este indivíduo moral
chamado a Nação? O berço da sociedade deve ser,
D com efeito, a primeira página da sua história.

ALEXANDRE HERCULANO

Por uma invencível cegueira, de que a história nos oferece


tantos exemplares, teimam muitos dos que a escrevem,
e sobretudo os que governam as sociedades, em não
ver nas revoluções o resultado de causas gerais, e da
exasperação de um povo todo inteiro; antes procuram
complacentemente a sua explicação nessas conjurações e
planos traçados de assento, que quando realmente existem,
não são de ordinário mais do que sintomas daquelas
causas, e a simples ocasião dos movimentos, fazendo em tudo
o mesmo ofício que a mecha aplicada à mina já
de antemão disposta.
JOÃO FRANCISCO LISBOA

Parece-me gente de tal inocência, que seriam logo cristãos,


se os nós entendêssemos, e eles a nós; porque não têm
nem entendem de crença alguma, segundo parece.
Certo esta gente é boa e de boa simplicidade, e
imprimir·se-á ligeiramente nela qualquer cunho, que lhe
quiserem dar; e pois que Nosso Senhor lhes deu bons
corpos, e bons rostos, como a bons homens, e por aqui nos
trouxe, creio que não foi sem causa.

PERO VAZ DE CAMINHA

17
Uma boa parte do que escrevemos a propósito do sonho da vida campestre. Foi nesta crise de espírito que
Maranhão é aplicável a todo o Brasil. João Francisco Lisboa travou relações com Herculano;
encontravam-se, falavam pouco e esse pouco era em tom
JOÃO FRANCISCO LISBOA
elegíaco, de forma que o escritor maranhense, que sentia já
os primeiros ataques da doença de rins e bexiga, que
o traziam apreensivo, dizia em uma carta referindo-se às
relações com Herculano - "é um macambúzio pior
A reunião dos escritos de João Francisco Lisboa em
do que eu". - Vê-se, que embora se encontrassem
quatro grossos volumes compactos tem prejudicado a
casualmente lá de dois em dois meses, a alma de Herculano
popularização de sua obra, que deveria ser disposta em cinco
permaneceu incomunicável àquele espírito ávido de luz
volumes distintos. As Eleições formariam um livro à parte;
que tanto o admirava, e a quem podia ter fortificado.
os Discursos e Escritos Políticos - outro; a Vida do
A visita feita por João Francisco Lisboa ao norte de Portugal
Padre Vieira - outro; os Apontamentos para a História do
Maranhão - outro, devendo destes apontamentos ser em 1861 parece-nos ter sido sugerida por Herculano, que
ainda acreditava nos homens da província do nortjb
destacados os capítulos que ocorrem no 39 volume
da edição atual, de II! a XII!, para constituírem obra como não contaminadas pela regime político e
separada, sob o título de O Brasil Colonial. Seria um capazes de uma ação enérgica.
livro de ouro que deveria andar em todas as mãos, como o TEóFILO BRAGA
mais perfeito resumo dos três primeiros séculos de nossa --:,.~
história. São onze capiiulos que valem por outras
tantas monografias. Formam um completo programa da
história político-social brasileira e põem em toda a luz a Achamos superior a obra histórica de João Francisco
multidão de problemas estudados pela grande escritor. Lisboa. Por ela é que ele tomou assento entre os mais
eminentes escritores brasileiros, ocupando o posto de príncipe
SíLVIO ROMERO dos nossos historiadores. Os méritos dessa obra são: a
v beleza do estilo, claro, conciso, correto, vibrante, por vezes;
a erudição, sempre de primeira mão; o espírito liberal e
humanitário; a análise percuciente, seguida de rápidas e
O "Jornal de Timon" encaminhava-o para cs investigações lúcidas sínteses: a atenção que deu aos problemas etnográficos
históricas; nasce-lhe no espírito a aspiração de uma História na formação da população; a inquirição acerca do estado
da Província do Maranhão. Tinha qualidades para essa jurídico do povo e das condições da administração colonial;
empresa de uma história local, conhecendo profundamente a referência segura ao estado econômico dos colonos, as
os dois tipos generativos da sociedade brasileira, os condições de trabalho, ao drama pungente da escravidão dos
municípios e as capitanias; conhecia a importância dos índios, às lutas dos colonos com os jesuítas, às vacilações
estudos etnológicos das raças indígenas e dos costumes do governo da metrópole nas mais graves questões, à
populares, os anais das lutas com o elemento holandês e capaciâaâe e aos desmando dos funcionários e magistrados,
francês, e as memórias manuscritas dos tempos coloniais. ainda os mais notáveis.
João Francisco Lisboa, apesar de conhecer as formas Até hoje é o único historiador nosso em cujas páginas se
superiores da História, a que a elevaram Thierry, Guizot, sentem palpitar algumas das agitações da alma popular,
Michelet e outros, não visava a escrever uma história geral algumas das pulsações do coração da nacionalidade
do Brasil; ninguém se achava então mais habilitado, que se ia e vai formando.
pois que o erudito era esclarecido pela homem prático, e SíLVIO ROMERO
dirigido por uma tendência filosófica. Ele contentava-se com
pouco; ambicionava a História da sua província, que
efetuaria dignamente se a morte não atalhasse esses
planos, truncando uma tão fecunda existência. A História do Brasil Colonial, é em grande parte, um lento
Compreende-se que João Francisco Lisboa, que tanto se processo de expansão territorial de posse da terra sem dono,
interessava pela doutrina histórica do MunicípiO tratasse de de sujeição indígena e negra, de integração a uma futura
aproximar-se de Alexandre Herculano. Encontravam-se aí unidade política que se forjava desde o começo da descoberta.
ao Chiado, na loja de livros dos velhos Bertrands, escura, Este processo dura até hoje e une, sem quebra de
trescalando a bafio de papéis úmidos, e silenciosa continuidade, os descobridores aos bandeirantes, desbravadores
segundo os hábitos do antigo comércio; havia ali um banco e sertanistas atuais. Um longo processo de incorporação,
comprido de pau de pinho pintado em que Herculano manchado de sangue e violência contra índios 'e negros,
se assentava com o lenço vermelho do rapé sobre o joelho apesar da obra pacífica de jesuítas, missionários, religiosos
e aí dava expansão a um ou outro monossílabo pejorativo ou leigos. No século XVII não é o período holandês,
e autoritário.
pessimismo
Herculano estava em um estado de
crescente e pensava em deixar Lisboa pelo
-- apesar do brilho da administração
elemento capital do processo.
nassoviana, o

JOSÉ HONóRIO RODRIGUES


18 19
fJ

É sobretudo pelo seu culto que a história se chamou mestra


da vida. Bem que, contra um axioma mais pretensioso
que verdadeiro, as diversas fases da existência do gênero
humano se reproduzam a espaços, geradas e reconduzidas
constantemente pelas mesmas paixões, as circunstâncias
todavia variam e se disfarçam por tal modo sob os
acidentes externos dos fatos, que escapam de ordinário
JOÃO FRANCISCO LISBOA:
à observação perspicaz, e tornam a lição erudita do VIDA E OBRA
passado inteiramente inútil para o presente e para o futuro.
O ensino da história resulta portanto, mas é da infusão
dos sentimentos de justiça e de moral, da aprovação e
louvor constante da condenação inexorável do mal. PEREGRINO JÚNIOR
Radicando-se profundamente nos ânimos, e perpetuando-se
de uma a outra geração, estas noções devem servir a
prevenir, e tornam difícil, senão impossível, o regresso aos
erros e crimes do passado. É assim que compreendemos INFANCIA DE JOÃO FRANCISCO LISBOA
a missão auçusta e sacrossanta da história, cuja indulgência
e compaixão, condenável em relação aos algozes, mesmo NASCEU Lisboa a 22 de março de 1812 - dez anos antes
para com as vítimas nunca deve ir até ao silêncio. ..,
da proclamação da Independência - em Pirapema, - o
JOÃO FRANCISCO LISBOA mesmo vilório humilde mas afortunado que viu nascer também
Viriato Correia - à margem do Itapicuru, na Freguesia de
N. S. das Dores do Itapicuru-mirim. Descendendo de família
As duas primeiras partes do Jornal do Timon revelam em 1\ importante, filho e neto de fazendeiros, ele conhece na infância
João Lisboa um pensador político e um moralista, no a abastança e a alegria da vida rural da Província. Seu pai,
sentido literário dado hoje a este vocábulo, como não temos
talvez outro. Os seus Apontamentos, Notícias e Observações
João Francisco de Melo Lisboa, morreu cedo, deixando na or-
para Servirem à História do Maranhão, que constituem fandade quatro filhos, dos quais era ele o mais velho. A mãe,
a terceira porção da obra, confirmando-lhe as qualidades dona Gertrudes Rita Gonçalves Nina, mulher corajosa e reso-
literárias, descobrem-lhe peregrinos dotes de observador, luta, foi viver com os filhos na fazenda do pai. Logo que João
de erudito e de crítico, e fazem lastimar que como
historiador não nos deixasse mais que essa curta obra
Francisco chegou à idade escolar, ela partia para São Luís,
fragmentária e a Vida do Padre Antônio Vieira. A história matriculando-o numa escola de ler e escrever. Mas o menino,
do Brasil, como ela vinha sendo feita aqui, até, se não de compleição débil e saúde precária, não suportou os estudos,
mormente, pelo mesmo Varnhagen, história burocrática nem a "vida agitada" da Capital. Aos 11 anos voltou para a
e oficial, ainda com o feitio de crónica ou anais, sem
imaginação, filosofia ou estilo, desanimada e tediosa, dava
fazenda, "a fim de beber nos pátrias lares - diz Henriques Leal
João Lisboa nova feição com a sua arte de fazer viver - o ar puro das nossas matas". Essa circunstância, que o afastou
as personagens e os sucessos, aproveitando algum rasgo da escola quando mal aprendera a ler, contar e escrever, além
mais saliente deles com que os caracterizasse, descobrindo-lhes das noções da gramática de Lobato, teve afinal de contas, como
algum aspecto mais pitoresco ou lhes engenhando com
bom gosto e justo senso das cousas históricas. Mas
observou Teófilo Braga, múltiplas vantagens: restaurando-lhe a
sobretudo com sentimento brasileiro mais íntimo e perfeito saúde e robustecendo-lhe o corpo, retardou-lhe a formação cul-
que o de Varnhagen, muito maior sensibilidade artística tural, com evidente proveito para a espontaneidade do caráter
e capacidade literária de expressão, e, também, compreendendo e autonomia da personalidade. Libertou-o sobretudo da influên-
melhor do que nenhum dos seus problemas os aspectos
sociais e psicológicos da História e a importância do povo
cia da velha educação lusitana, que, segundo Capístrano, "redu-
nela. Certos rasgos ou questões da nossa, como respeitante zia-se a expungir a vivacidade e a espontaneidade da alma dos
aos índios, processos de colonização portuguesa, feições pupilos". Na intimidade da Natureza, vivendo a vida livre da
e caracteres diversos da vida colonial, ninguém aqui ainda fazenda, conheceu João Francisco na infância as melhores ale-
os encarara com igual compreensão da sua importância, com
tanta capacidade e inteligência como João Francisco Lisboa. grias do interior brasileiro: a delícia do banho de rio, as pesca-
rias de canoa, os passeios a cavalo, o balanço da rede na fresca
JOSÉ VERfSSIMO do alpendre, os namoros da igreja nas noites devotas de nove-
nas e missões. .. Tudo isso lhe fez um grande bem, porque lhe

20 21
movimento liberal complicado de ressentimento nativista", des-
temperou o caráter, ínoculando-lhe na alma o sentimento da fez o equívoco do 7 de setembro, ratificando a nossa autonomia.
terra e o amor da liberdade que nunca mais o abandonaram. "A abdicação correspondeu, por isso, à realidade do processo
político, sendo alijada a monarquia, que continuou, em estado
potencial, com um imperador menor, em nome do qual gover-
JUVENTUDE nariam sucessivas regências, trinas e unas, na fase mais tor-
mentosa da existência brasileira, quando, abertas as comportas,
Aos 15 anos, em 1827, retomou Lisboa à Capital da Província. pela transição para a autonomia, correntes desencontradas, re-
Conduzia-o a ambição honesta de ganhar a vida. Estava um rapaz fletindo ânsias diversas, buscaram impor-se, no quadro político
_ e não desejava continuar a viver às expensas da mãe e do e social, de sorte a atirar o país na incerteza de situações que
avô. Empregou·se então no comércio, como caixeiro da casa a crise econômica tornava mais grave". Mas nos dias agitados
de Francisco Marques Rodrigues. A precoce circunspecção e a que se seguiram à abdicação as crises que gravemente abalaram
dedicação ao trabalho captaram-lhe desde logo a confiança do a vida brasileira, cujas raízes profundas se nutriram nos mül-
patrão. Mas, dois anos passados, em 1829, "desgostoso não da tiplos problemas gerados em três séculos de existência colonial
casa, senão da profissão, que não se compadecia com o seu e que permaneceram sem solução, tiveram como origem apa-
caráter", João Francisco despediu-se da firma Francisco Marques rente o choque das correntes que disputavam o poder e a lide-
Rodrigues. Não suportara Lisboa a cinzenta monotonia da vida rança política do país: a dos revolucionários puros; a dos mo-
comercial e com um invencível tédio à literatura enfadonha do derados, cautos e hesitantes; a dos restauradores reacionários e
"Diário" e do "Razão" e sem olhar mais nem um minuto as a dos oportunistas, aproveitadores solertes de todas as situações.
colunas disciplinadas dos lucros e perdas, deu por encerrada No Rio e nas províncias, a inquietação que já fermentava no
aquela triste aventura de caixeiro, foi cuidar de outra vida. tempo de Pedro, intensificou-se e generalizou-se. O ano de 1831
Fechado no silêncio de prodigioso autodidatismo, sem treqüen- foi, assim, talvez em toda a nossa história política, "o período
tar o bilhar nem a botica, começou a estudar .sem pausa, ma- culminante da indisciplina dos quartéis". O Norte não foi indi-
nuseando os livros com mão diurna e noturna. Queria "con- ferente a essa contagiosa fermentação revolucionária. A 7 de
quistar as esporas de cavaleiro pelo estudo", informa Antônio agosto de 1831, com efeito, o Partido Caramuru do Pará tenta
Henriques Leal. Fazia seu preparo de humanidades, treqüen- um movimento restaurador, depondo do governoo Visconde de
tando com assiduidade e proveito as "aulas públicas" da cidade. Goiana e matando, oprimindo e perseguindo a fina flor do Par-
Concluídos estes estudos, cuidou de aperfeiçoar o seu Latim, e tido Liberal da. Província. A notícia desse reacionário levante
para isto procurou o maior mestre da época e do lugar, o cedo chegou ao Maranhão, onde foi recebida com geral índígna-
ilustre Francisco Sotero dos Reis, que o iniciou nos segredos de ção. E refletindo a emoção e o mal-estar unânime, o povo e a
Cícero e Vergílio. Longe estava decerto Sotero dos Reis de íma- força pública sublevaram-se, na noite de 13 de setembro, levando
ginar que aquele "discípulo adolescente e obscuro dentro de ao presidente da Província, Araújo Viana, mais tarde Visconde
alguns anos viria a ser o seu êmulo nas mais ásperas campa- de Sapucaí, uma representação incisiva e severa - o "manifesto
nhas da imprensa, medindo forças com ele, em polêmicas me- dos brasileiros" - em que se pleiteava, entre outras medidas a
moráveis, com a agilidade e o brilho de um mestre autêntico. destituição de vários empregados do governo e a deportação de
alguns portugueses. Era a reação, ostensiva e viril, contra o
movimento restaurador do Pará, e era, sobretudo, uma confissão
INQUIETAÇÃO POLíTICA I
pública de sentimento nativista e zelo autonomista. Nomes os
mais preclaros e respeitáveis assinaram essa proclamação subver-
Ainda inseguro da sua Independência, o Brasil vivia naquela siva. E entre eles aparece, pela primeira vez, num documento pú-
época dias inquietos de incerteza e ansiedade. Não tendo a blico de significação histórica, o de um jovem obscuro, até então
independência, feita como foi, resolvido a maioria dos proble- completamente ignorado no Maranhão e fora dele: João Francís-
mas essenciais do país, era natural que eles continuassem a co Lisboa. O rapaz de 19 anos já revelava destarte a sensibilidade
provocar situações de inquietação constante, repontando em nacionalista, a vocação política, a precoce bravura cívica - qua-
rebeldias e motins, sob pretextos e motivos os mais diversos, lidades essas que lhe madrugando tão cendo no espírito, lhe
como observa Nelson Werneck Sodré. O 7 de abril que, na marcaram, com fidelidade exemplar, o ritmo de toda a vida.
exata observação do Sr. Otávio Tarquínio de Sousa, "foi um
23
22
,.
o presidente da Província, impotente para resistir, fingiu "INTERMEZZO" SENTIMENTAL
conformação e cordura: aceitou as imposições do povo. Mas,
na verdade, não perdoou nem esqueceu. Esperou apenas uma De repente, no dia 29 de outubro de 1833, sobrevém um ines-
oportunidade para vingar-se dos signatários do "Manifesto dos perado colapso na atividade jornalística de João Francisco Lis-
Brasileiros". A desforra tardou um pouco, mas veio. Foi assim boa. É interrompida a publicação do Pharol Maranhense, que
que no dia 13 de novembro - sessenta dias apenas depois da estava no seu nv 352, e Lisboa retira-se da cena, para repousar
rebelião dos brasileiros - são presos dois oficiais liberais, e o espírito e esquecer os dissabores na velha fazenda de sua
os líderes da oposição são ameaçados de prisão e degredo, mãe. Por que afinal ensarilhara as armas o jovem lidador?
sob a acusação de estarem conspirando contra a ordem pública. Algum desgosto político? algum motivo de ordem pessoal? No
Sobreveio, como era natural, um movimento de reação contra seu artigo de despedida ele se confessa em crise de tédio e
essas medidas, e os chefes liberais, reunidos em clubes no- saturação: "enjoado da tinta e da pena ... " Contudo, analisando
turnos e encontros secretos, tentaram articular uma insurrei- mais atentamente a sua biografia, é talvez possível ir encontrar
ção, que fracassou lamentavelmente na noite de 19 de novembro a causa dessa atitude num motivo de ordem sentimental. Fre-
em virtude da traição e da defecção de alguns conspiradores. qüentando assiduamente a casa do fundador do Pharol, Lisboa
Dez foram as vítimas escolhidas pelo governo para sacrificar encontrou ali várias vezes uma cunhada de Morais e Silva, a
em holocausto à sua sede de vingança e repressão. Uma delas cujo sortilégio feminino não foi indiferente sua sensibilidade
era o intrépido, o generoso jornalista José Cândido de Morais
de rapaz. Os encontros, de princípio, eram fruto do acaso -
e Silva, redator do famoso Pharol Maranhense, o qual, avisado
e o acaso, observa Afrânio Peixoto, é às vezes o resultado de
a tempo, foge e se homizia em lugar seguro, para não ser preso,
duas vontades que se conjugam ... No caso deles o acaso foi
humilhado e maltratado como alguns dos seus companheiros
de conspiração. Calou-se destarte subitamente uma das vozes um pseudônimo de Deus, colocando na encruzilhada do destino
mais corajosas e populares da imprensa liberal do Maranhão: duas almas irmãs pela sensibilidade e pela inteligência. João
o Pharol Maranhense. Lisboa passou, entretanto, a colaborar com o acaso, no propó-
sito deliberado de ver mais freqüentemente a cunhada de José
NASCE UM JORNALISTA EM SAO LUíS Cândido, que era espiritual e formosa, e se chamava Violeta
Luíza da Cunha. Foi esse silencioso e inesperado romance que
Mas aquele jovem e bravo adolescente, que assinara em 1831 o
de fato retirou Lisboa da imprensa militante por dois anos.
"Manifesto dos Brasileiros", não se conformou com esse pro-
Logo no ano seguinte, a 20 de novembro de 1834, D. Violeta
cesso brutal de fazer calar a imprensa. E como revide à su-
pressão do Pharol Maranhense, que tinha em São Luís um e João Francisco se casam. Encantador, esse "intermezzo" sen-
prestígio tão amplo como o da Aurora Fluminense, no Rio, e timental marca o ponto de partida de uma nova e intensa ati-
o do Argos, em Minas, João Francisco Lisboa funda o seu vidade na vida política e jornalística de Lisboa. O casamento,
primeiro jornal: O Brasileiro. Nascia assim no Maranhão um pondo-lhe ritmo e harmonia moral no trabalho, abre-lhe largos
jornalista de temperamento e de fé, que voluntariamente vinha horizontes de triunfos. E João Francisco Lisboa, animado e
colocar sua pena jovem e intrépida a serviço da liberdade e da contente, aos estímulos da felicidade doméstica, começa uma
autonomia da sua Pátria. Durante três meses, sem hiatos, man- fase nova, que é fecunda e vitoriosa. A felicidade doméstica de
teve Lisboa o seu jornal, cujo lema era um programa: "Jorna- João Francisco, entretanto, não foi completa. Nem haverá talvez
listas do mundo inteiro, despedi-vos de preconceitos nacionais, felicidade completa na face da terra. A nuvem que trazia um
denunciai os crimes, nomeai os criminosos". Morrendo, porém, pouco de sombra à doce, à tranqüila alegria daquele casal aus-
Morais e Silva em novembro de 1832,resolveu Lisboa suspender tero e ilustre, era a ausência de filhos. Afetuoso e sensível, não
a publicação de O Brasileiro, para fazer reaparecer o Pharol se conformava João Francisco Lisboa com a melancolia daquela
Maranhense. Recolhendo a tradição de bravura e independência esterilidade, que o mergulhava na tristeza da solidão. Sentindo
de Morais e Silva, deseja Lisboa, com essa iniciativa, manter- necessidade de repartir com os filhos as generosas reservas de
lhe sempre viva a lembrança e sempre presente o exemplo. ternura que guardava no fundo do coração, João Francisco ado-
A legenda do seu jornal terminava assim: "acabou o reinado tou, em 1816, uma filha do seu amigo Olegário José da Cunha,
do engano, e já agora só ficará em pé o que se fundar na justiça --r- chamada M"aria. Assim "os vagidos da criança, as ledices in-
e na razão" (Jouy). fantis, os cuidados da criação, o amor sem limites que ambos
24
25
devotavam à filha adotiva, vieram animar a solidão doméstica, e na bravura com que defendia todas as coisas J~stas e nobres.
quebrando-lhe a monotonia, e estreitando mais os laços que Com a paixão da causa pública, o seu coração e a sua inteli-
uniam estas almas tão consoantes". Mas apenas um ano efêmero gência se colocavam invariavelmente ao lado dos oprimidos e
durou a ilusão daquela felicidade. Maria morreu, e diz Antônio dos humilhados, dos sofredores e perseguidos, e isso explica
Henriques que diante da pequena morta viu João Lisboa "acur- -, todas as constantes morais da sua vida e da sua obra - a
vado pela dor, debulhado em prantos, e tão profundamente serviço das vocações históricas do Brasil: da Liberdade, da
sentido, como só um pai estremoso se apaixona e desespera pela Justiça, da Independência, da Democracia.
morte de um filho". Não tardou que viesse outra filhinha O ano de 1834é para ele um ano feliz. Funda um novo jornal
do mesmo amigo ocupar o lugar daquela na afeição e nos - Eco do Norte, que traz como legenda (não havia jornal na
carinhos do casal. "Para que fosse mais perfeita a substituição, época que não tivesse a sua legenda) uns versos de Ferreira.
fê-Ia batizar com o mesmo nome da primeira, refinando em
zelos de amor para com esta a ponto de ocultar-lhe quais seus "Aquela proveitosa liberdade
De mostrar de mil erros a verdade,
pais, e crescendo em desvelos e estremecimentos tais que se E do mais livre povo já sofrida
amofinava aos menores incômodos que lhe alterassem a saúde, E do mais poderoso receada,
e não havia capricho por mais pueril que lhe não procurasse Por que entre nós será mal recebida?"
"'J
satisfazer, sem contudo deixar de dar-lhe esmerada e cultivada
educação. Se assim se mostrava para com a família, não menos
desvelado era para com os amigos, sendo que para servi-los ATIVIDADE PARLAMENTAR
nunca os mediu, nem o embaraçaram os sacrifícios, praticando
rasgos de generosidade e dedicação, superiores muitas vezes E como uma alegria nunca vem só, João Francisco Lisboa em
aos seus recursos, e com prejuízo de sua elevação e futuro
te 1834 foi eleito deputado à primeira Assembléia Provincial, que
político". 1
durou três anos. Inaugurando seus trabalhos numa atmosfera
de respeito e confiança, a Assembléia congregava o que havia
Era assim o temperamento desse ciclotímico, de boa natu- de melhor, como inteligência e cultura, na vida provinciana, e
reza sintônica e coração generoso e puro: trazia dentro de si
serviu de palco à vocação parlamentar de Lisboa, que a 'ela foi
infinitas reservas de solidariedade e comunicação humana, que
reconduzido em 1848.Temperamento de tribuno, João Francisco
na vida particular se exprimiam na efusão com que amava a Lisboa ilustrou a Asembléia com a eloqüência da sua palavra
família e os amigos, e na vida pública, no calor, na sinceridade
serena e clara, colocando-se sistematicamente na defesa dos in-
1. "No meio mesmo de suas viagens e labores nunca o abandonaram saudades teresses do país e dos direitos do povo. Nas duas legislaturas
deles e da terra onde nascera e consumira quase toda a vida. Suas cartas o atestam,
e o confirmam as minuciosas averiguações a que procedia, indagando dos passageiros
para que foi eleito ocupou-se principalmente do problema do
que iam daqui para a cidade de Lisboa ainda os mais insignificantes incidentes e rato- ensino, da nacionalização do comércio, da extinção das ordens
zinhos de província, que serviam-lhe depois nas cartas de pasto a motejos e ditos
picantes e chistosos. religiosas, do saneamento do meio circulante, da criação dos
Tanto o pungiram saudades da pátria, que não pôde mais ter-se que não voltasse prefeitos, da organização municipal. Pertencendo ao Partido Li-
às nossas plagas a 5 de junho de 1859, onde ansiavam por. sua boa vinda poucos,
mais sinceros amigos. Seis meses demorou-se aqui, repartido o tempo entre a doce beral, pronunciou Lisboa na Assembléia, em 12 de novembro
convivência da amizade e as mais sérias investigações históricas. Regressou segunda
vez para Portugal a 11 de dezembro desse mesmo ano para continuar com mais ardor de 1849,um discurso que se tornou famoso, pleiteando a anistia. 2

na sua missão de colher documentos para os arquivos brasileiros, a qual no entanto,


deu o governo por finda em julho de 1862. As mágoas da ausência, porém, o traziam Aliás, tratando, de outra feita, no Jornal de Timon, do
sempre em cruéis agruras, e quase que não há carta que escrevesse depois desse mesmo assunto, definiu-o nestes termos: "O que é anistia? O
regresso, em que não transpirem desejos veementes de voltar à província, a despeito
do tédio e nojo que dele se apoderavam de atentar nas intrigas e manejos mesqui- esquecimento do passado, o sono das leis, o perdão desses
nhos da polftica de campanário. Ainda a 9 de junho de 1862 escrevia ••... vêm-me
às vezes guinadas de embarcar, de repente para o Maranhão, e confesso-lhe agora movimentos populares, desses grandes fatos coletivos, que a
que ao embarcar na praia do Caju, em 11 de dezembro de 1859, vendo cerca de lei qualificava criminosos e mandava punir. Inventada a crimi-
quarenta pessoas de minha verdadeira amizade à roda de mim, em lágrimas, tive
ímpetos de desmanchar a viagem, e ficar. Era uma resolução em aparência, dis- nalidade política, foram bem depressa conhecidas as suas fu-
paratada, mas já as eu tenho tomado de repente, que parecem tais, e com que me
não tenho dado mal. Assim mesmo não lhe afianço que num belo dia de calor e nestas conseqüências; e então, em vez de romper-se abertamente
poeira não arrebente por ai, sem ser esperado, pois não farei aviso prévio ... " e de frente com o erro, abolindo-a, inventou-se também a anistia,
Todas estas belas e tão apreciáveis qualidades de J. F. Lisboa eram, todavia,
anuviadas por maneiras, as mais das vezes, rudes e desabridas, para o que muito
contribuía o seu temperamento bilioso e nervoso, facilmente irritável, que com a j-
. 2. Esse discurso de permanente valor histórico aparecerá no segundo livro de J. F.
progressão dos males físicos, iam cada vez mais aumentando, até que por último LIsboa, a ser incluído nesta Coleção.
trouxe o arrefecimento de algumas amizades antigas e verdadeiras".

26 27
~
para atenuá-Ia e embaraçá-Ia. A anistia é, pois, uma denegação "O sangue derramado nesses cadafalsos, o luto, a tristeza,
da criminalidade política - como poder concedido ao chefe do a longa impopularidade, os ódios que ele gerou, não seriam por
Estado para suspender ou anular as leis que punem. A nossa ventura a causa primeira dessa funesta abdicação, que deixou
Constituição quando confere esta atribuição ao monarca, no o país entregue a tantas outras facções e revoltas, durante uma
exercício do poder moderador, diz em modo de restrição - longa menoridade?
que ele usará dela - em caso urgente, e quando assim o acon- "Mas não basta estabelecer a anistia em princípio, e pro-
selhem a humanidade e o bem do Estado. Quer isto dizer, nem mulgá-Ia em decretos, sempre que a ocasião se ofereça; é mister
mais nem menos, que em certos casos a justiça política é que na execução da medida se não desnature o princípio.
bárbara e prejudicial ao Estado - ou em termos mais claros "Primeiramente, não se há de confundir a anistia, medida
- que não é justiça, senão verdadeira iniqüidade. Quanto ao essencialmente política, com os indultos concedidos aos crimes
caso urgente, esta expressão não significa outra coisa senão o privados, ainda que de um caráter geral, e dos quais a nossa
perigo, ou a impossibilidade de exercer o direito de punir. história oferece muitos exemplos; e muito menos com o perdão
"A história comemora ainda honrosamente outras anistias, de criminosos já sentenciados, ato' que ordinariamente prende
sobretudo as de Henrique IV; e quanto ao nosso próprio país, em circunstâncias particulares e pessoais, ou nalgum motivo de
especialmente durante o atual reinado, e há vinte anos a esta regozijo público, e remitindo a pena, reconhece e firma por
parte, as anistias são como uma medida permanente, e os res- isso mesmo a criminalidade; quando a anistia, na generalidade
pectivos decretos concorrem não pouco para avolumar as nossas da sua aplicação, tem menos que ver com os indivíduos, que
coleções de leis. E prescindindo dos decretos excepcionais, o com o grande ato em que eles tomaram parte, e bem fora de
nosso próprio código criminal é quase uma anistia permanente, consagrar a existência do crime pelo mesmo perdão dele,
pois em certos e determinados movimentos políticos só pune os tem antes por fim direto e principal aniquilar e apagar toda a
cabeças ou fautores. Todas as opiniões as têm alternativamente idéia do crime".
concedido e recebido, e dado que os interesses de partido tenham
muitas vezes clamado contra elas, preconizando os sistemas fa-
lazes de severidade e rigor, a alta prudência e humanidade do GOVERNO E POLíTICA
monarca, e a brandura do caráter nacional têm posto insupe-
rável barreira ao triunfo de tais sistemas, que traria em resul- A vocação do serviço público tinha forçosamente que conduzir
tado a recíproca ferocidade dos caracteres e das instituições. o jornalista ao Parlamento e à Política. Era inevitável. E foi o
"Mas o sistema de brandura que hoje voga não se encarnou que sucedeu. A sua atuação desassombrada e lúcida na Assem-
nos nossos costumes, formando quase uma espécie de direito bléia Provincial cercou-lhe o Dome de respeito e admiração.
consuetudinário, sem que no primeiro reinado se fizessem alguns Embora militando ele na oposição, o Presidente Antônio Prado
ensaios terríveis em sentido contrário. Por ocasião da célebre da Costa Ferreira - futuro barão de Pindaré - não hesitou
revolta de 1824, em Pernambuco, o decreto de 7 de março de em convocá-lo para o serviço do Estado, entregando-lhe a Secre-
1825, que só por uma cruel irrisão se chamou de anistia e cle- taria do Governo. E Lisboa, que altos serviços prestou no cargo,
mência, mandou executar prontamente todos os réus senten- onde atuou com lealdade, competência e dedicação, explicou
ciados pelas comissões militares, sentenciar os pronunciados e democraticamente, com a mais límpida franqueza, os motivos
dar livres e absolutos tão somente os que não tivessem sido por que aceitara o posto: "Mais de um lugar havemos rejeitado,
até então pronunciados, isto é, os inocentes poupados até pela e quanto ao de secretário, aceítamo-lo: 19 - porque nos julga-
sede insaciável dos tribunais de sangue, que substituíam na-
mos com capacidade para bem desempenhá-lo: 29 - para termos
queles calamitosos tempos as justiças ordinárias.
de que viver honestamente; 39 - porque o governo com que
"A Corte, Bahia, Pernambuco e Ceará presenciaram então
vamos servir merecia a nossa estima e confiança". Mas a fer-
sanguinolentas execuções. Seis anos e um mês depois, dia por
mentação dos ódios partidários no Maranhão era tão dramá-
dia, em 7 de abril de 1831, o imperador D. Pedro descia do
trono como paralisado e impotente ante a oposição brilhante tica, que as vinganças pessoais e políticas, com seus assaltos,
e vitoriosa de Costa Carvalho, Vasconcelos, Carneiro Leão, Ca- incêndios e assassínios, se tornaram não só consentidas, mas
valcante, Regos Barros, e tantos outros, hoje viscondes e barões, estimuladas como elemento normal de persuação e castigo ...
glória e sustentáculo do reinado atual". FOi assim que, certa noite, o grande chefe liberal Raimundo

28 29

Teixeira Mendes, após conversar alegremente com os amigos visao antecipadora - um exemplo digno de uma página de
no bilhar, ao voltar tranqüilo e contente para casa, foi assaltado romance: o bacharel Afrânio - "destituído de talento e sobre-
e assassinado, depois de desesperada resistência, em pleno Largo modo ignorante; mas, posto que inimigo do trabalho recolhido
da Matriz. Como o Presidente da Província não tivesse revelado e solitário, que requeria o estudo de sua profissão, era dotado
maior empenho em apurar o crime e punir os assassinos, João daquela atividade inquieta e vaga que constitui uma das primei-
Francisco Lisboa imediatamente abandonou o cargo e fundou ras qualidades dos que se dão ao mister da política".
um novo jornal de oposição: a Crônica Maranhense, onde
passou a fazer a crítica ao governo com gravidade, isenção e
elegância. Após essa melancólica experiência, fez Lisboa uma JORNALISTA E ESCRITOR PÚBLICO
nova tentativa política em 1840: apresentou-se candidato a depu-
tado geral. Mas, antes das eleições, retirou sua candidatura, A desilusão política teve em última análise uma utilidade: res-
"nauseado e triste das manobras dos amigos políticos"... - tituiu Lisboa às atividades jornalísticas, devolvendo-o ao debate
Deus me livre dos meus amigos, que dos meus inimigos eu dos problemas literários e culturais. Retoma em 1838 seu posto
me livrarei! poderia ele repetir, com carradas de razão. A car- de "escritor público", com a Crônica Maranhense, cujo custeio
reira política de Lisboa - após essas duas experiências malo- consome toda a herança paterna, e a seguir funda o Publicador
gradas - ficou definitivamente truncada - e isto lhe amargu- Maranhense, que vive três anos, neutro, imparcial e austero
rou a vida. Mas, bem examinadas as coisas, era natural que como um juiz. A imprensa do Maranhão, naquele tempo, era das
assim sucedesse. Temperamento autônomo e indomável, natu- mais ilustres e prestigiosas. Ignotus (pseudônimo de Joaquim
reza ardente e apaixonada, espírito irônico e livre, Lisboa não Serra), na sua curiosa monografia - "Sessenta anos de jorna-
podia de forma alguma adaptar-se às exigências da nossa me- lismo", publicado em 1883, comenta com mal dissimulado orgu-
diocridade política. Sempre houve entre nós a abusào de que lho: "A imprensa brasileira é, sem dúvida alguma, adiantada e
"homem de grande talento não serve para governar". A inteli- numerosa. A ela pertenceram os nossos principais estadistas.
gência, no Brasil, compromete e atrapalha. .. Foi o caso de Rui. Quase que poderíamos dizer, como há pouco o fizera, cheia de
Foi o caso de Alencar. E foi o caso de Lisboa. De modo geral, orgulho, uma revista colombiana: "Todos os presidentes da Co-
_ segundo nota Gilberto Amado - "o que nós prezamos e pre- lômbia, desde Santander a Núfí.ez, saíram do jornalismo!" E
ferimos, na direção dos negócios públicos, é o temperamento acrescentava com muita razão: "A imprensa da Província do
ponderado, a mediocridade serena e polida, as virtudes medi- Maranhão é uma das mais notáveis do Império, quer pela im-
nos das e seguras". Os homens de inteligência são geralmente con- portância política que exerceu, quer pelo valor literário dos
cons siderados homens de mau caráter. De Bernardo Pereira de que nela militaram". E, para documentar a sua tese, cita os
ensa Vasconcelos se dizia: - "É quase um gênio, mas que cará- exemplos mais ilustres: o Argos da Lei (1825) é dirigido por
revo ter!" O mesmo se havia dito de José Bonifácio, acusado de Odorico Mendes; O Maranhense (1825) tem na sua direção
1825, prepotente e cruel. "No Segundo Reinado, sob Pedro lI, havia Sotero dos Reis; o Pharol Maranhense (1828) é sucessivamen-
mên um sagrado horror por tudo aquilo que não fosse reserva,
ciad te editado por José Cândido de Morais e Silva e João Francisco
circunspecção, soturna sisudez, gestos pausados, sobrecenho tris- Lisboa; O Constitucional é fundado por Sotero dos Reis e
dar
te, movimentos lentos e medidos, lábios cerrados, palavra pru- Odorico Mendes em 1830; João Francisco Lisboa funda e dirige
até
dente". Todos os grandes espíritos da época tiveram situação seguidamente O Brasileiro (1832), o Eco do Norte (1834), a
sede
quel secundária no Segundo Reinado: Montezuma, Alencar, Tavares Crônica Maranhense (1838) e inicia a publicação do seu famoso
Bastos, Ferreira Viana. Esse rançoso preconceito veio do Im- e admirável Jornal de Timon em 25 de junho de 1852; Sotero
pério e, transpondo as fronteiras da República, chegou até nós dos Reis publica em 1836 O Investigador e em 1840 a
_ perdura ainda hoje. E é, no fundo, resultado da nossa for- Revista. O Publicador Maranhense, fundado por Lisboa em
mação portuguesa. A velha palmatória lusitana tinha faculdade 1842, foi sucessivamente dirigido por Sotero dos Reis em
singular de matar a vivacidade do espírito e embotar a espon- 1856, por Temístocles Aranha (pai de Graça Aranha) em 1863,
taneidade do coração. Criou entre nós legiões conselheiras de por Gama Lobo e Henriques Leal em 1864 e afinal por Franco
mediocridades, espessas e solenes: a progênie vitoriosa de Pa- de Sá em 1865. Era com gente dessa categoria que se fazia
checo e Acácio. Lisboa deu-nos aliás do gênero - com a sua imprensa no Maranhão. Entretanto, o Professor Hélio Viana, na

30 31

maior fama conquistou-a ele nas batalhas da advocacia crimi-
sua excelente Contribuição à História da Imprensa Brasileira nal. Encontrei na Biblioteca Nacional um trabalho de Lisboa
0812-1869), estuda largamente a imprensa da Bahía, do Recife, como advogado: "Exposição". E embora não lhe consiga aqui-
de Olinda, de Ouro Preto, do Estado do Rio, mas, esquece por latar o valor jurídico, posso dizer que é escrito com a limpidez
completo a de São Luís, que não foi nada inferior àquelas, e correção com que ele sabia escrever. Mas as atividades fo-
nem no brilho literário, nem no sentido político. De resto, mais renses não lhe tomavam todas as horas do dia, e alguns ins-
grave foi a omissão do eminente historiador quando esqueceu tantes de ócio lhe sobraram para uma nova iniciativa cultural
quase integralmente João Francisco Lisboa, citando-o apenas de - a mais importante e durável da sua carreira de "escritor
passagem numa nota de pé de página, quando dedicou largo e público", a publicação do Jornal de Timon.
minucioso estudo ao Visconde de Cairu, a Cipriano Barata, a A 25 de junho de 1852 apareceu em São Luís - e foi uma
Luís Augusto May, a Antônio Borges da Fonseca, que, não nota perturbadora de sensação política e literária na placidez
obstante o importante papel que desempenharam na imprensa da vida provinciana - o primeiro fascículo do Jornal de Timon
do seu tempo, foram, como jornalistas e panfletários, infinita- - um folheto de 100 páginas, em oitavo francês, impresso com
mente inferiores ao autor do Jornal de Timon, cuja obra [or- discreta elegância. Daí por diante saiu pontualmente um exem-
nalística se incorporou à história do nosso pensamento político plar do Jornal de Timon todos os meses, até o 59 número,
e chegou até nós, viva e admirável. quando sobreveio uma pausa, para no fim de 1853 sair. então
Lisboa, aliás, embora discreto e grave, tinha consciência um grosso volume de 116 páginas, contendo os nOS.6 ao 10. Os
do papel que representara na renovação da imprensa maranhen- nOS.11 e 12 - outro sólido tomo de 427 páginas, - estes já
se. "Quando comecei a escrever, diz ele no nv 445 do Pharol foram editados em Portugal. Esta é a sua obra fundamental
de 29 de outubro de 1833, não havia opinião pública no Mara- e definitiva. Observa agudamente Álvaro Lins que "ligado ao
nhão". Cita fatos. Acumula exemplos. E depois conclui: "Escrevi, nome de João Francisco Lisboa, como o seu título de glória e
e logo tive o gosto de ver a parte mais sã da Província abraçar explicação de sua presença na posteridade, como retrato do seu
a minha opinião, segundo claramente O· mostrou nas eleições caráter de homem e revelação da sua personalidade literária,
gerais, que desenganaram a moderados, a portugueses, e direi quem está é o Jornal de Timon, a sua obra principal corpo
também a todos quantos são amigos de desordens. E agora que moralista e escritor político. Este livro em que o Timon ma-
deixo a redação, também folgo, lembrando-me que ainda os pa- ranhense se declara "antes amigo contristado e abatido do que
triotas preponderam por toda parte". E "Ignotus" afirma com inimigo cheio de fel e desabrimento", principia em 1852 e ter-
justiça: "Foi João Francisco Lisboa o primeiro dos jornalistas mina em 1858; e escreveu-o Lisboa num período ao mesmo
maranhenses, e não vemos razão para deixar de dizer que, em tempo de perfeita maturidade e de absoluta disponibilidade.
todo o Brasil, nenhum outro se lhe avantajara no primor da Ele se achava naquele estado especialmente propício a tudo
forma, na erudição e na substância dos escritos. Tinha a elo- ver, compreender e explicar somente possível quando se atinge
qüência e o sabor de Sales Torres-Homem, o aticismo e ameni- a liberdade interior dessa deliberação - nenhuma ideologia
mên dade de Francisco Otaviano. Era uma poderosa organização sistemática, nenhum partido, nenhum grupo, nenhum precon-
ciad ceito. Então, o espírito crítico, quando existe, lança-se em campo
jornalística" .
dar e opera como um demônio em ação. João Francisco Lisboa, que
até participara intensamente da atividade partidária, que tomara
sede ADVOCACIA partido muitas vezes no período agitado pelo calor e tensão
quel do clima revolucionário da Regência, isola-se por ocasião da
Com um incoercível tédio à controvérsia política e à agitação Maioridade. Dir-se-ia que com a ordem política do Segundo
sang partidária, Lisboa abandonou a Imprensa e o Parlamento. De- Reinado também ele conquistava uma espécie de ordem interior
dia, para a sua inteligência".
votou-se de' corpo e alma aos trabalhos do Foro, onde, embora
tron não fosse bacharel formado, era respeitado pela cultura jurídica, O próprio Lisboa assim define o seu Jornal:
e vit pela probidade profissional e pela terrível lucidez do espírito.
valca "Desde a origem do mundo, o bem e o mal, em luta in-
Aconselhando-se com o Dr. Francisco de MeIo Coutinho de Vi- cessante e permanente, pleiteiam o seu domínio. Sem dúvida,
glóri lhena, notável jurisconsulto da época, adquiriu Lisboa no foro os dois princípios opostos, inerentes à natureza do homem
civil e eclesiástico um prestígio extenso e sólido, mas a sua
33
32
andam sempre com ele de companhia; mas segundo as resis- Vieira. Examinando com isenção e clareza a obra da Compa-
tências e obstáculos, o favor e indulgência que encontram, ora nhia de Jesus no Brasil, Lisboa divide a obra jesuíta entre nós
prepondera o mal, ora o bem, revelando-se sob aspectos dife- em duas fases: tempos heróicos, ou período áureo; e segundo
rentes, e sofrendo variadas modificações, conforme os tempos período, ou da ambição coletiva, da influência política e do
e os lugares, as sociedades em massa, ou os indivíduos isolados poder temporal. "No primeiro período - o de Nóbrega e An-
sobre que atuam". chieta - quase tudo quanto se oferece às vistas do observador
é puro e sem mácula". No segundo, encarnado em Vieira _
Pintura nítida e severa dos nossos costumes políticos, o "em quem se resumiu todo o lustre e interesse daqueles tem-
"Jornal de Timon" expõe e debate os problemas fundamentais pos", as ambições políticas de mando e de riqueza sobrelevam
do Maranhão, que são, em verdade, os problemas do Brasil: às virtudes evangélicas, e sobrevêm, nefastas e perturbadoras,
os nossos processos eleitorais, os nossos hábitos partidários, as contínuas desavenças entre colonos e jesuítas, entre estes e
os vícios insanáveis da nossa política e da nossa administração, as autoridades civis. Ao fixar a vida de Vieira, o que Lisboa
as tristezas e mazelas da vida municipal, e os grandes painéis pretende, em última análise, é desenvolver o estudo da história
históricos da nossa formação, da nossa autonomia, da nossa das raças indígenas sob a dominação portuguesa. O tema é,
estruturação econômico-social. E, ao lado disso, como conse- para ele, de tal importância que lhe inspira a sua última obra,
qüência das linhas gerais desse roteiro da história nacional, deixada inédita e com a determinação expressa de que "os
com que admirável lucidez examinou ele o problema do índio originais deviam ser queimados antes de serem lidos": a Vida
e o do trabalho servil! Nos Diálogos das Grandezas se diz que do Padre Antônio Vieira.
o Brasil se povoou primeiramente "por degradados e gente de
Aliás, nestes originais, consignara ele ainda uma advertência
mau viver". Lisboa corrige, e procura tirar motivo de orgulho
de ordem pessoal: "ler e reler todas as obras do padre Vieira
do esforço e da qualidade dos nossos primeiros povoadores ...
antes de dar o juízo final". Da importância fundamental desta
Estuda a nossa formação econômico-social e vê com lucidez os
motivos que retardaram o nosso progresso e a nossa autonomia. obra póstuma e inacabada dá-nos exata medida o apreço em
Do Brasil, como confessa Calmon, saía o melhor do orçamento que a tem o maior biógrafo moderno do Padre Vieira, João
de Portugal, "a moeda circulante, o grosso da exportação". O Lúcio de Azevedo, que a inclui entre as de maior vulto'. Re-
Brasil, de fato, sustentava indústria, comércio, religião e no- conhece J. Lúcio de Azevedo que Lisboa renovou as fontes de
breza de Portugal. Não podiam, pois, os portugueses sofrer de informação sobre Vieira, que eram até então o livro de André
bom grado a nossa Independência ... Era natural. E Lisboa o de Barros e a carta do Padre José Antônio Andreoni, Reitor do
explica, e o explica com lucidez de um sociólogo que vivesse COlégio da Bahia, e todos compostos de acordo com o pensa-
no nosso tempo. Longo estudo, compreensivo e atento, lhe me- mento e os documentos da Companhia de Jesus. João Lisboa,
recem aqueles nossos ameríndios - os donos primitivos da' segundo o historiador português, alargou as investigações, pes-
nossa terra - de cuja língua Vieira dizia carecer de três letras: quisando nos arquivos do Castelo-Melhor e da casa do Marquês
F. L. R. - de "F" porque não tinham fé; de "L" porque não de Niza, de modo a esclarecer muitos ângulos da vida de Vieira
tinham lei; de "R" porque não tinham rei", "gente de tão e da História nacional.
pouco cabedal que uma árvore lhe bastava para o necessário
da vida; com as folhas se cobriam, com o fruto se sustentavam,
com os ramos se armavam, com o tronco se abrigavam, e sobre OUTROS TEMAS
a casca navegavam" ... Mas como João Lisboa compreendeu e
sentiu o drama desses proprietários inocentes e incômodos da Outro assunto que apaixonou Lisboa: o problema da escravidão.
nossa terra! e como soube defender-Ihes as prerrogativas hu- Tendo estudado a matéria com inteligência e coração, interessou-
manas, o direito elementar à líberdade e à vida! se de tal forma por ela, que chegou a planejar um romance
histórico sobre o tema. Mas, infelizmente, não levou a cabo essa
obra, por ter aparecido o livro famoso de Henriette Beecher
A VIDA DO PADRE VIEIRA
Stow - A Cabana de Pai Tomás, o qual, no seu entender,
O assunto apaixonou-o tanto, que Lisboa o retoma com mais esgotara o assunto. A crônica da Festa de N. S. dos Remédios
largueza e profundidade ao escrever a vida do Padre Antônio mostra-nos com nitidez, porém, que reservas de poder criador,

34 35
como romancista, escondia o espírito deste agudo comentador Francisco Otaviano inclina-se pelo estudo da história dos
da vida política e social do Brasil. O Jornal de Timon é a índios e das invasões européias, que ele fazia "como um Guizot,
grande obra de Lisboa. Tudo aí é clareza, elegância, concisão. ou um Thyerry o poderia fazer". A verdade é que a obra de
Nada há que revele as hesitações e as incertezas da juventude. Lisboa, embora variada e numerosa, é perfeitamente homogênea
É obra de maturidade, equilibrada e sólida. E é a obra que no pensamento e no estilo. É a obra de um pensador político
autoriza Veríssimo a classificar Lisboa como um "clássico por
excelência".
T 1
e é a obra de um escritor autêntico. E de um historiador
notável.

A ARTE DE ESCREVER
AS OBRAS DE LISBOA
Crítico e historiador, estilista e sociólogo, doutrinado r político
e fixador de costumes, João Francisco Lisboa tinha, antes de Completando o Jornal de Timon, que lhe deu fama no Brasil
tudo, sobre os seus contemporâneos, uma superioridade incon- ínteiro, o autor dos Apontamentos, Notícias e Observações para
testável: a arte de escrever. Na sua obra não há nenhum dos Servirem à História do Maranhão, deixou ainda algumas crô-
resíduos do mau gosto e do desleixo verbal que tanto compro- nicas primorosas - Festa de N. S. dos Remédios e Procissão
meteram o prestígio literário dos seus contemporâneos. Digo dos Ossos, a Biografia de Odorico Mendes. Projetou também
com Alvaro Lins: "que se compare a prosa do autor de Jornal uma História do Maranhão, que não chegou a escrever toda.
de Timon, pelo senso estilístico e pela estrutura literária, com Essas obras foram afinal reunidas em livros e delas temos duas
a dos seus contemporâneos, com a de Varnhagen, com a de Nor- edições: uma, a 1'1-, de 1864, em três volumes, coligida e prefa-
berto de Sousa, com a de Sotero dos Reis, com a de Pereira ciada por Antônio Henriques Leal e tendo como editores e revi-
da Silva, com a do cônego Fernandes Pinheiro, com a dos ro- sores o mesmo Henriques Leal e Luís Carlos Pereira de Castro;
mânticos em geral, sem excluir José de Alencar. a outra, a 2\ editada em Lisboa, em 1901, em 2 volumes apenas,
com uma "Apreciação crítica", de Teófilo Braga. Nesta edição,
1 porém, se diz ser ela a 3~,mas a 2~ nos é desconhecida. Teófilo
A OPINIÃO DOS CRÍTICOS Braga, afirmando que a obra de Lisboa era a glória de' uma
literatura, disse uma verdade. Sem mestres e sem precursores,
Os críticos não foram unânimes na seleção do que havia de pintando os costumes da sua província, no tempo da Regência,
melhor na obra de Lisboa. Sílvio Romero preferia nele o his- ele nos deu, num estilo escorreito e terso, um panorama da
toriador, e dizia com muita razão: "Até hoje é o único histo- paisagem política do Brasil de todos os tempos.
..••......
riador nosso em cujas páginas se sentem palpitar algumas das
agitações da alma popular, algumas das pulsações do coração
da nacionalidade que se ia e vai formando". LISBOA HOMEM DA PROVÍNCIA
Já Gonçalves Dias optava pelos seus estudos político-sociais:
"E, porque isto nele é o que mais me cativa, acho-o incompa- Lisboa foi, porém, antes e acima de tudo, um homem da Pro-
ravelmente superior aos outros, os seus primeiros folhetos, víncia. No Brasil ainda despovado do começo do século XIX,
quando trata dos costumes políticos do Maranhão, que o são "sem fáceis comunicações, em lugares separados por sertões
de todo o Brasil e, mudadas as cenas, de muitos países onde de léguas e léguas, e por mares a perder de vista", floresceu
prevalece o regime constitucional". João Francisco Lisboa na sua remota província do Norte - e
Para Pedro Lessa a obra-prima de Lisboa é a Vida do nela viveu, solitário e grande, até aos 43 anos de idade, sem
Padre António Vieira. "Neste trabalho - diz Pedro Lessa - e ter tido mestres nem orientadores, sem freqüentar escolas nem
no que acerca do mesmo padre escreceu no Jornal de Timon, universidades, se fez pelo esforço próprio, silencioso e obscuro,
depara-se-nos o bastante para ficarmos bem conhecendo, não jornalista, advogado, parlamentar e escritor. Só em 1855 deixou
só o biografado, como a época e o meio em que viveu este". pela primeira vez a sua província para visitar a Corte, onde
Teófilo Braga, também, considera a Vida do Padre António passou seis meses. Mas já era naquele tempo um publicista fa-
Vieira a obra capital de Lisboa. moso, que todos os jornais do Rio louvavam e todos os críticos

36 37
.do país conheciam. Era tal o seu prestígio literário, que mal a Antônio Henriques: "Já ouvi uma vez ao Pirelli, grande pia-
.chegou à Corte, foi convidado a colaborar no Jornal do Co- nista italiano, que dá concertos em São Carlos. É um teatro
mércio e no Correio Mercantil. Isto equivale a dizer que ele cosido em ouro e esplêndido de luz, mas chegamos ali, e fe-
era já um nome consagrado. O Imperador agraciou-o com a chamo-nos no nosso camarote. Quando vou à platéia superior,
Ordem de Cristo, o Instituto Histórico e Geográfico elegeu-o lá encontro meia dúzia de literatos do meu conhecimento, mas
para o seu quadro, e a Academia Real das Ciências de Lisboa com quem não posso entrar em conversação nem eles comigo,
o convocou para a sua ilustre companhia. Coincidindo com a ocupados como estão com suas idéias e interesses, tão diversos
sua viagem ao Rio, sobrevém o convite do Governo, por indi- dos meus. Deles ouço sempre com satisfação ao Alexandre Her-
cação de Gonçalves Dias, e talvez também por influência de culano, homem de caráter, e pelo talento, muito conforme ao
Varnhagen, para que substituísse o poeta dos "Timbiras" na meu modo de pensar, porém isto está muito longe do que se
comissão que este exercia em Portugal. Aceita a nomeação, logo chama amizade". Teófilo Braga descreve-lhe os encontros com
partiu Lisboa para a Europa a fim de entregar-se à missão de Herculano. Eles gostavam de conversar, vez por outra, sobre a
recolher, selecionar e copiar documentos de interesse para a doutrina do Município. Mas Herculano, mergulhado em negro
nossa História. Em ·1859, pungido de saudade, voltou ao Ma- desalento, andava tão triste e sorumbático quanto Lisboa. En-
ranhão, para rever os amigos. Depois partiu novamente para contravam-se na loja de livros dos velhos Bertrand, no Chiado.
Lisboa e, aproveitando a oportunidade, viajou toda a Europa, Uma sala escura e fria, trescalando a bafio de papéis úmidos,
percorrendo a França, a Inglaterra, a Espanha, a Itália e a onde havia um duro banco de madeira, a um canto silencioso
Bélgica, e em 1861visitou o Norte de Portugal. e sombrio. Herculano sentava-se no banco, abria sobre os joe-
lhos o seu largo lenço vermelho de Alcobaça, e ficava ali, calado,
horas a fio, a fungar o seu rapé. Lisboa chegava, apertava-lhe
TEMPERAMENTO, ENFERMIDADE E MORTE a mão com uma cordialidade fria e respeitosa, e sentava-se ao
seu lado, para uma hora comum de silêncio. Falavam pouco
Grosso de corpo, cabelos negros e corredios, .tez morena, barba - e esse pouco era em tom elegíaco, sendo que o autor do
espessa, rosto cheio e redondo, olhos pardos e vivos, lábios Eurico, o Presbítero, de quando em quando, fulminava a lite-
rasgados, ombros largos, estatura abaixo um pouco de meà, ratura portuguesa com um monossílado pejorativo. A alma de
tal como o descreve Antônio Henriques Leal, ele era o tipo Herculano permaneceu tão incomunicável ao frio e agudo es-
acabado do pícnico. Tinha, pois, que ser por força um ciclo- pírito de Lisboa, que este, descrevendo-o, dizia: "é um macam-
tímíco, ondulando docemente entre os pólos da alegria e da búzio pior do que eu". Doente e triste, o provinciano Lisboa
tristeza, da animação e da apatia, do entusiasmo e da frieza ... não esquecia a sua província. Ele possuía aquele bairrismo de
Reportado, recolhido e estudioso, era motejador e chistoso no que nos fala Gilberto Freire, e confessava que "à sua ambição
trato íntimo, mas severo em suas relações sociais, levando a sobejava a atenção do pequeno recanto do mundo onde viera
lealdade e a franqueza até às fronteiras da rudeza... De uma à luz". "Ora, o bairrismo é quase sempre um sinal de firmeza
simplicidade nobre e elegante no trajar, trazia na fisionomia de caráter". Sua obra e sua vida foram integralmente consagra-
estampada a rigidez de seus princípios e a austeridade de seus das, com um devotamento comovente, à sua terra e à sua gente.
costumes. Nos últimos tempos, já doente da afecção hepática "Entretanto, perguntava ele, qual é o mérito real destes traba-
que o matou, andava arredio e triste, às vezes irritadiço, não lhos históricos, restritos ao Maranhão, a que nos temos dedi-
raro esquivo e intratável, o que o afastou de muitos amigos e cado?" Mas ele mesmo explicava: "Uma boa parte do que es-
lhe grangeou fama de orgulhoso. Data talvez desse tempo a crevemos a propósito do Maranhão é aplicável a todo o Brasil".
divergência que o separou de Varnhagen e que este nunca es- "Estudando o seu passado, aprendemos a conformar-nos com
queceu nem perdoou. o presente, e a esperar melhor futuro". Sabia ele, como o velho
É que, à sombra insidiosa da enfermidade, o tédio - a Silvestre Bonnard, que o Futuro é feito do Passado... E expli-
aranha silenciosa de Flaubert - ia-lhe tecendo a sua teia no cava sua atitude: "quem assim procura subtrair-se aos interesses
recesso de todos os recantos do coração. Em Portugal - longe do presente, e às preocupações do futuro, para entregar-se às
da Pátria e dos amigos - a sua hipocondria se acentuou. Ele investigações do passado - tarefa que a poucos tenta entre
mesmo nos dá um quadro do seu estado de alma numa carta nós - parece-nos pelo menos digno de indulgência"... A His-.
38 39
tória era a porta de evasão do seu temperamento político. Ou bliográfica: "Contém este volume quatro números do Jornal
como prefere o Sr. Otávio Tarquínio de Sousa: era a forma de Timon, correspondendo o 1Q número à página 1; o 2Q à
por que o político se realizava retrospectivamente. página 163; o 3Q à página 281; e o 4Q à página 419".
Sentindo agravar-se-lhe a doença, Lisboa só pensava numa
coisa: em voltar ao Maranhão: "Vêm-me às vezes guinadas de 11: Apontamentos, notícias e observações para servirem à
embarcar de repente para o Maranhão"... E escrevia a Hen- História do Maranhão. No fim, a Nota Bibliográfica: "Contém
riques Leal: "Assim mesmo, não lhe afianço que num belo dia este volume cinco números do Jornal de Timon, corresponden-
de calor e poeira não arrebente por aí, sem ser esperado, pois do o 59 número à página 9, e os números 69, 79, 89 e 99 e prin-
não farei aviso prévio". .. A volta do exílio, às vésperas da mor- cípio do 109 à página 165 em vante".
te, era a sua idéia fixa. Um dia, já muito mal, titubeante e
tardo, encaminhou-se com penoso esforço para o seu gabinete 3. Vinte e Seis Cartas ao Sr. F. A. Varnhagen, desde 9 de
e implorou à esposa com voz amargurada: - "Não quero mor- maio de 1856 até 30 de julho de 1857.
rer aqui! Desejo morrer na minha terra!"
Dias depois, às 2 horas da madrugada de 26 de abril de Publicadas por Varnhagen como documentos justificativos
1866, fechava os olhos para sempre, mas sua alma, à hora
na sua obra: "Os índios Bravos e o Sr. Lisboa", "Timon 39"
da morte, não permanecia decerto com ele, diante do Tejo, - Pelo autor da História Geral do Brasil - Apostila e nota
estava sem dúvida, como a de Gonçalves Dias, "a espreguiçar-se G aos n.O 11 e 12 do Jornal de Timon; contendo 26 cartas iné-
B

nas vagas de São Marcos, a rumorejar nas folhas dos mangues, ditas do jornalista, e um extrato do folheto "Diatribe contra
a sussurrar nos leques das palmeiras: lá estaria ele nos sítios a tímoníce", etc. (Em parte agora de novo reimpressos. Livr.
que seus olhos sempre viram, nas paisagens que amou, onde Imprensa Liberal, 1867). 89 de IV, 124 p.
avistara a palmeira esbelta, o cajazeiro coberto de cipós, e o Esse trabalho responde ao que João Francisco Lisboa es-
pau d'arco coberto de flores amarelas. Ali, sim, estaria ela, creveu na 2~ ed. do vol. III n.O 11 e 12 do Jornal de Timon,
B

desfeita em lágrimas nas folhas das bananeiras" ... Que aquilo nota C, p. 147, "Sobre a escravidão e a História Geral do Brasil
tudo era a sua província e era o seu mundo. pelo Sr. Varnhagen".

4. Biografia de Manuel Odorico Mendes. In: Revista Con-


BIBLIOGRAFIA DE temporânea, C, IV, nv VII (outubro de 1862), p. 329 a 353 e
JOÃO FRANCISCO LISBOA in Rev. do Instituto Histórico e Geogr. Brasileiro, C. XXXVIII,
2~, p. 303.
1. Projeto Apresentado à Assembléia Legislativa Provincial do
Maranhão, pedindo a S. M. o Imperador anistia geral para os 5. Obras I de I João Francisco Lisboa, I Natural do Ma-
nossos irmãos pernambucanos. Discussão na tribuna e na im- ranhão; I Precedidas de uma notícia biográfica I pelo I Dr.
prensa, etc. Rio de Janeiro, 1850, In. 4Q de 24 páginas. Antônio Henriques Leal. I - I Editores e revisores I Luiz
Carlos Pereira de Castro e o Dr. A. Henriques Leal. I Volume
2. Jornal de Timon. Imp. União Tipográfica, 1852-[1855].
r. I - I São Luiz do Maranhão. I - I 1864.
Gr. in - 89
Essa publicação interrompeu-se com a saída do seu autor 4 vols. Gr. in - 89, de CCIII - 518, 517 e I in. de Errata
do Maranhão, em 1855. Saíram 10 números. ao 19 volume 579; 764 p.
Nas Obras de João Francisco Lisboa, ed. de Antônio Hen- Os 4 vols. contêm: I - Jornal de Timon (publicação men-
riques Leal (864), vols. I e II vem reproduzido o Jornal de sal) abrangendo: "Edições na Antigüidade", "Partidos e eleições
Timon, acompanhado de notas bibliográficas explicativas. no Maranhão"; II e III - "Apontamentos para a História do
Jornal de Timon, publicação mensal. Periculum dicendi non Maranhão"; IV - "A vida do padre Antônio Vieira", "Biografia
recuso. (Cic. In Anton.). de Manuel Odorico Mendes", "A Festa de N. S. dos Remédios",
I: Eleições na Antigüidade; Eleições na Idade Média e "Teatro São Luís", "Discurso sobre a anistia aos pernambuca-
Tempos Modernos; Partidos e Eleições no Maranhão; Timon e nos revoltosos", "A festa dos mortos ou a procissão dos ossos",
seus leitores; Considerações gerais. No fim, traz uma Nota Bi- "A questão do Prata", "Notas".

40 41
5-A. Obras / de / João FranSClSCOLisboa / Natural do Colaboração em jornais: João Francisco Lisboa fundou O
Maranhão / Precedidas de uma notícia biográfica / pelo / Dr. Brasileiro,1832, e o Jornal de Timon e foi colaborador ou
Antônio Henriques Leal / e seguidas / de uma apreciação crí- redator dos seguintes periódicos: Farol, 1833, Maranhense, Eco
tica / Do ilustre escritor / Teófilo Braga. / - / Editores e do Norte (1834 a 1836), Crônica, O Forum, Correio Mercantil
Revisores / Luiz Carlos Pereira de Castro e o Dr. A. Henriques do Rio de Janeiro, Publicador Maranhense, Jornal do Comércio
Leal. / - / Volume I / - / Tipografia Mattos Moreira & do Rio de Janeiro, Revista Contemporânea de Portugal e Brasil
Pinheiro / 39, rua do Jardim do Regedor, 41 .I - / 1901. em 1862, e na Revisa do Instituto Histórico e Geográfico Bra-
2 vols. gr. ing. 8 de XCVI - 484; XIII - 660 p. No
Q lQ sileiro.
vol. retratos de Lisboa e do Dr. Antônio Henriques Leal.

5-B. João Francisco Lisboa / Obras Escolhidas r Seleção BIBLIOGRAFIA SOBRE


e prefácio de / Otávio Tarquínio de Sousa / Americ = Edit. / JOAO FRANCISCO LISBOA
No J. tit.: Obras Escolhidas.
S.d. 2 vols. in-Bv [15s x 90] de 249 p., e livis. de justificação Academia Maranhense. A Estátua de J. F. Lisboa, 1918.
da tiragem e de subscr., 287 p. e II virs. de justificação da A. C. Chichorro da Gama. João Francisco Lisboa (1812-
tiragem e de subscrição. 1863). In: Rev. de Língua Portuguesa, nv 24.
No J. tit.: "Copyright by 1946". Afrânio Peixoto. Noções de História da Literatura Brasi-
A obra contém: 1 vol. f. em branco; no verso dessa folha:
Q leira, Rio, 131, p. 184 e 217-218.Com retrato e firma de Lisboa.
"Coleção Joaquim Nabuco". Diretor: Alvaro Lins e relação das Almanaque do Maranhão para 1866. Joaquim Manuel de
obras publicadas nessa coleção (8 vols.): "Obras Escolhidas"; Macedo. Discurso na Rev. Inst. Hist. Geogr. Brasileiro, C XXIV,
no verso dessa folha - "Foram tiradas desta edição dez exem- p. 934-937.
plares em papel de linho "Imperial Ledger". Cinco destes Antônio Henriques Leal. Pantheon Maranhense, C, IV, p. 1.
exemplares foram marcados de A a E e os outros cinco foram a 211.
marcados de 1 a 5". Copyright by 1946. Direitos desta edição
reservados à Americ = Edit.; folha de rosto; Prefácio - Rio, Antônio Henriques Leal. Biografia nas Obras Completas,·
quer na 1'-'quer na 2" edição de 1901.
outubro de 1943. Otávio Tarquínio de Sousa.
Artur Mota. Perfis Acadêmicos. Cadeira nv 18 na Revista
6. Vida do Padre Antônio Vieira (obra póstuma) 5" edi- da Academia Brasileira de Letras. Vol. XXXI, nv 96, dezembro
ção. Rio de Janeiro, B. L. Garnier, 1891. In. 189, 388 p. de 1929, p. 434-449.Traz notícia biográfica, subsídios para um.
estudo crítico e bibliografia.
6-A. Clássicos Jackson / Volume XIX / João Francisco Clarindo Santiago. João Lisboa. Maranhão, 1929.
Lisboa / Vida do Padre Antônio Vieira / Prefácio de Peregrino Diário do Rio de Janeiro, n- 172, de 24 de junho de 1863
Júnior / W. M. Jackson Inc. Editores .I Rio de Janeiro / São (Necrológio), e ns 173, de 23 de junho de 1864, col. 2" (a res-
Paulo-Porto Alegre. peito das honras fúnebres prestadas a Lisboa por ocasião da
No f. tít.: Vida do Padre Antônio Vieira. No verso dessa trasladação dos seus restos mortais para São Luís).
folha ao pé: Impresso no Brasil / Printed in Brazil.
Eugênio Werneck. Antologia Brasileira, p. 221.
Im-8" [162-100], XXIII - 394 p., e I in. índ. Na subscr.:
"Composto e impresso nas oficinas da Gráfica Editora Brasi- Francisco Otaviano de Almeida Rosa. Jornal de Timon. In:
leira Ltda., à rua Luís Gama, 185, São Paulo, em 1948". Correio Mercantil nv 195, de 16 de julho de 1854. Noticia à
Contém: folha de rosto: frontispício dentro de uma cerca- aparecimento do 19 número desse jornal e o último número,
dura artística; "Prefácio. Significação e importância da obra no mesmo jornal, n 83, de 28 de março de 1858.
Q

de João Francisco Lisboa" (a) Peregrino Júnior; "Vida / do / Frederico Augusto Pereira de Moraes. Diatribe contra a ti-
Padre Antônio Vieira" / (Na Europa); "Síntese Cronológica da monice do "Jornal de Timon" maranhense, acerca de "História
vida de João Francisco Lisboa / 18-12-1863";"Vida do Padre Geral do Brasil" do Sr. Varnhagen. Lisboa, Tip. José da Costa.
Antônio Vieira" (Capítulo inicial da obra do Autor); "índice". 1859. Gr. nv 8 de 47 p. A propósito desse opúsculo, íníorma

42 43
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ts.
Inocêncio (op, cito IX, 398): "Tem no fim por assinatura Eras-
XXVI, 2'-'934 (1863); 2'-'303; LXXVI, 65 (1913).
mo, que é, como se vê, anagrama perfeito do apelido Moraes".
Revolução de Setembro, nv 1.267, de 11 de junho de 1856.
Futuro, nv 18, p. 594 e nv 20, p. 658. A respeito de João
Francisco Lisboa. Ronald de Carvalho. Pequena História da Literatura Bra-
sileira.
Henrique Coelho. Crestomatia Brasileira.
Sacramento Blake. Dicionário Bibliográfico Bras.ileiro, Rio
Inocêncio Francisco da Silva. Dicionário Bibliográfico, vol.
1895, 39, p. 433-435.
3 ,p. 378 e vol, 99, p. 399, vol. 109, p. 260-261,11 p. 189.
Q Q,

Sílvio Romero e João Ribeiro. Compêndio de História da


Inocêncio Francisco da Silva. Esboço biográfico de Domin-
Literatura Brasileira, 2'" ed. ref. Rio, 1909,p. 408-423.
gos José Gonçalves de Magalhães. In: Revista Contemporânea
nv VI, de 30 de setembro de 1864. Sílvio Romero. História da Literatura Brasileira, 8'" edição
aumentada, 1943, Rio de Janeiro (Coleção Documentos Brasi-
Joaquim Manuel de Macedo. Ano Biográfico, I, p. 519.
leiros, 24-d).
Joaquim Manuel de Macedo. Elogio histórico de João Fran- A respeito de João Francisco Lisboa vejam no voI. I, p.
cisco Lisboa (1863). In: Revista do Instituto Histórico e Geo- 191, 192, 193, 198, 287; vol. III, p. 30, 31, 177, 201, 285; vol. IV
gráfico do Brasil, XXVI, 2". 934. p. 66; vol. V, p. 133, 150, 162, 163, 184-193,199, 232, 236, 237,
Joaquim Serra. Sessenta Anos de Jornalismo, por Ignotus. 269, 390, 438, 439, 446, 447, 448, 449.
N. p. 26, 27, 31, 34, 79, 87, 89, 106, 107, 108, 109-119,127, 145, 152, Sotero dos Reis. V. Apêndice das Obras Completas, ed. de
153.
Lisboa.
José Veríssimo. João Lisboa, Moralista e Político. In: Es- Sotero dos Reis. Curso de Literatura de Portugal e do
tudos de Lit. Brasileira, 2" série, 1901, p. 183-210.
"Brasil (V. p. 129).
José Veríssimo. História da Literatura Brasileira, Rio, 1817, Teixeira de MeIo. Efemérides Nacionais, voI. I, p. 260, e
p. 254. vol, II, p. 175.
José Veríssimo. Estudos de Literatura Brasileira, Rio, II, p. Victor Orban. Littérature Brésilienne, p. 67.
183.
Universal (1). Paris, 1863, nv 84, de 5 a 11 de novembro.
Laudelino Freire. Clássico Brasileiro.
Tonografia: 19 vol. das Obras Completas, em ambas as
Luís Carlos (da Fonseca). Discurso de Recepção na Acade- edições; na Littérature Brésilienne, de Victor Orban; nos Clás-
mia Brasileira de Letras. N. Discursos Acadêmicos (1924-1927), sicos Brasileiros, de Laudelino Freire; na História da Literatura
Rio, 1936, vol. VI, p. 209 e seguintes. Saíra, anteriormente, pu- Brasileira, de Afrânio Peixoto; nos Autores e Livros, de Múcio
blicado na Rev. da Academia Brasileira de Letras, VoI. 23, n- Leão, vol. VI, nv 3.
61, p. 69.
Múcio Leão. Autores e Livros, ano IV, 16-1-944,vol. VI, nv 3.
Oliveira Lima. Revista do Brasil, São Paulo, nv 27.
Pedro Lessa. João Francisco Lisboa. In: Rev. da Academia
'Brasileira de Letras, vol, V, Íl9 10 e p. 297.
Pedro Augusto Carneiro Lessa. Conferência sobre João
Lisboa (1913) LXXVI, 65.
P!nheiro Chagas. Brasileiros Ilustres, p. 155.
Progresso. São Luís do Maranhão, 1852, nv 58, de 1 de Q

agosto. Noticia o aparecimento do Jornal de Timon.


Publicador Maranhense, nv 120, de 28 de maio de 1864.
Rui Carvalho. Biblioteca Internacional de Obras Célebres,
p.272.
45
44
cismo afeta friamente o lusitanismo, como, mais tarde, a lin-
guagem de Rui Barbosa afetou com violência o maneirismo
vieirista.
JOÃO FRANCISCO LISBOA, João Lisboa foi um dos expoentes dessa singular cultura
maranhense, que se formou e se manteve serena no tumulto
O HISTORIADOR E O ESTILISTA brasileiro. Foi o resultado de uma disciplina aplicada aturada-
mente em um espaço restrito dentro de um longo tempo. Das
principais capitanias o Maranhão, chave da colonização do
GRAÇA ARANHA Norte, era de todas a mais próxima de Portugal. As suas rela-
ções com a metrópole foram ininterruptas. A sua política, o
seu comércio, toda a sua vida econômica dependia de Portugal.
EXCETO NO MARANHÃO,já quase toda a gente ignora o'
O Maranhão era o limite do Norte do Brasil, que ignorava o
Sul. As suas elites formavam-se nos colégios e nas academias
escritor deste nome. Alguns letrados envelhecidos ainda o
portuguesas. Nelas o sangue luso, sem mistura do sangue negro
recordam, mas não o lêem. Alguns políticos declamadores invo-
ou índio, não recebia a dosagem de desordem, de tumulto e
cam o seu discurso sobre anistia e citam trechos sarcásticos
de indisciplina característica da mestiçagem. Se apareceu um
do Jornal de Timon sobre as eternamente incorrigíveis eleições
mestiço de gênio, como Gonçalves Dias, foi logo disciplinado
brasileiras. No Maranhão, João Francisco Lisboa é um nome
pela cultura, que o conteve e talvez o deformou. O ambiente
da literatura retardada. Lembrar o seu nome, vulgarmente lusi-
artificial foi, no Maranhão, mais forte do que o ambiente natu-
tano, poderá parecer a muita gente sem informação que se
ral, numa terra ardente, a dois graus do equador, povoada em
trata de algum português contemporâneo de Camões ou de
sua grande maioria por índios e negros. Esse isolamento mara-
Fernão Lopes. E não conhecem o seu retrato de homem de 1850,
nhense manteve-se até que a atração pela capital do império
solene, atarracado, de grande cabeça possante, o rosto largo
fascinou todo o Norte do Brasil. Ainda, há cinqüenta anos,
envolvido na espessa e negra barba "passa-piolho". Português
havia maranhenses que viajavam pela Europa, e principalmente
de raça pura, foi este maranhense do Itapicuru, da aristocracia
territorial, de velho sangue europeu, em que se manteve o por Portugal, e jamais vieram ao Rio de Janeiro. Se João Lisboa
horror dos cruzamentos. Por que, então, valorizá-Io? João Fran- esteve no Rio foi apenas por seis meses, para depois ir viver
cisco Lisboa escreveu solidamente, construtivamente, com um alguns anos em Portugal, onde escreveu grande parte dos seus
ritmo que marca uma época, 'e seus trabalhos principais são estudos da história do Maranhão e a vida do Padre Antônio
a crônica das idéias e da sensibilidade do Brasil, que vêm da Vieira. Fez-se amigo de Alexandre Herculano e os dois macam-
independência e se prolongam mesmo depois da sua morte, até búzios estimavam-se como parentes espirituais.
1
1870. Daí em diante houve grande mudança,com Machado de Ainda hoje os escritores maranhenses, mesmo depois da
Assis, Castro Alves e Tobias Barrete," até o começo do século decomposição do espírito da velha escola, guardam a límpídez,
XX, quando surgiram outros renovadores. a graça e a serenidade clássica que lhes ficaram tradicionais,
Naquela época, João Lisboa foi o maior escritor brasileiro, exceto no tumultuário e extravagante Coelho Neto, que não se
como fatura, construção e repouso. José de Alencar foi o maior pode jactar de ser nem mesmo um ateniense do Maranhão.
escritor de imaginação e o maior criador de alegoria. João Essa disciplina maranhense, a princípio costumeira, encontrou
Lisboa não teve os seus desfalecimentos, as suas tiradas de afinal o seu legislador em Sotero dos Reis, que, na gramática,
prosa poética, as suas pieguices. É sereno e forte. Domina toda nas postilas, no curso de literatura, codificou as regras sintá-
matéria de que se serve. Edifica equilibradamente em constan- ticas e as prescrições da estética literária. O domínio do ma-
te energia. O classicismo do seu espírito encontra justa expres- gistério de Sotera dos Reis acabou por esterilizar a seiva dos
são no ritmo largo e tranqüilo. Certamente que a tradição é poetas e dos escritores. Em vez da inspiração, a gramática.
portuguesa, mas ela se desenvolve dentro de um ambiente novo, Toda a gente daquela Atenas entregou-se às disputas da lingua-
colorido e tropical e por isso é mais livre, menos condensada, gem. João Lisboa não sofreu dessa doença da gramática, que
mais ampla, mais luminosa. Em 1850, esse clássico é brasileiro, depois de sua morte se alastrou no Maranhão. Por isso pôde
o que nem sempre acontece com Gonçalves Dias, cujo classi- dar expansão ao seu grande talento literário, com certa liber-

43 47
dade, dentro da disciplina tradicional, que seu contemporâneo O que interessa, em João Lisboa, é a sua obra de histo-
Sotero estava regulamentando. As incorreções '\ia sua linguagem riador, sobretudo pelo sabor de crônica, que ela guarda deli-
são a marca do ambiente brasileiro, que lhe perturbou o pu- ciosamente. Crônica de uma pequena terra, em um período
rismo clássico. incipiente da formação nacional, mas que interessa e diverte
A eclosão do talento de João Lisboa coincidiu com a inde- como o romance político de uma época. A sua história não é
pendência do Brasil e ele se afirmou logo liberal exaltado, no simplesmente anedótica, ela aprofunda as causas e nenhum
jornalismo político e na ação partidária. Tomou parte nas lutas historiador do Brasil teve tão grande sentimento realista como
que se seguiram ao 7 de Abril, mas, rapidamente desgostoso, esse cronista dos tempos coloniais e dos primeiros períodos do
retirou-se da política, para confinar o mau humor nos escritos Império. É notável como João Lisboa procura apresentar as
planfetários. O pseudônimo de Timon, com o sabor clássico, é causas dos fenômenos sociais nas situações econômicas de que
um programa de misantropia e o seu "jornal" tornou-se famoso. derivam. Assim, estuda a revolução de Bequimão e, mais tarde,
No panfleto, como mais tarde na história do Maranhão e na a Revolução Praeira de Pernambuco. Para explicar aquela, mos-
vida do Padre Vieira, permaneceu João Lisboa advogado do tra a miséria da capitania do Maranhão, no século XVII, a
liberalismo. Hoje, esse liberalismo está morto. Ninguém mais luta dos interesses, a opressão do fisco e do Governo, a ins-
o entende, tudo se precipita nas ditaduras. Mas o quadro polí- tituição do estanco, pelo qual o Estado era o exclusivo nego-
tico brasileiro continua o mesmo do tempo de João Lisboa. ciante a explorar· a população já miserável. Dessa situação
Sempre a falta de representação, sempre as eleições corrom- opressiva de miséria, explodiu a revolta maranhense. A origem
pidas, sempre as opressões dos governos. João Lisboa iludiu-se, da questão da praia, para João Lisboa, foi principalmente o
por um momento, quando afirmou ter provocado o apareci- conflito entre o comércio luso e o comércio brasileiro, agravado
mento da opinião pública no Maranhão com os seus jornais. pela prepotência do Governo e pelas perseguições políticas.
Tal predomínio da opinião pública nunca existiu, nem ontem Se João Lisboa fosse do nosso tempo teria aprofundadamente
nem hoje, no Maranhão e em parte alguma deste país, salvo explicado todas essas revoltas pela fórmula da luta de classes,
em movimentos populares extremados, como" o da abolição. que, intuitivamente, assinalou. É curioso que, tratando da re-
O período dos panfletos políticos foi encerrado com a Confe- volta de Bequimão, alegue, como título da sua imparcialidade,
rência dos Divinos, de Ferreira Viana. Pelo vigor do estilo, pela a circunstância de pertencer, hereditariamente, à classe dos
solidez do argumento, pela elevação do humor, nenhum escrito opressores, que provocaram a revolta dos oprimidos.
dessa ordem vale o Jornal de Timon, nem o Timandro de Sales Em Portugal, João Lisboa escavou, na Torre do Tombo
Torres Homem, nem as Cartas de Erasmo de José de Alencar. e em outros arquivos, documentos que o levaram a escrever a
Nestes, há o amargo das decepções e uma secreta intenção de biografia do Padre Antônio Vieira, já esboçado no Jornal de
meter medo ao imperador, para serem esses panfletários cha- Timon. Não concluiu esse formidável estudo, que dramatiza a
mados aos favores da política, como o conseguiram. A simples vida do famoso jesuíta e refuta a apologética de André de
e austera nobreza de João Lisboa não lhe permitia essa tática. Barros, bispo de Vizeu. Depois da sua morte, foi encontrado,
Escrevia movido apenas pelo seu ardor de liberal e pelo en- entre os seus papéis, um maço com a determinação de ser
tranhado pessimismo, que o mergulhou na misantropia. queimado, sem ser lido. Os seus amigos não lhe cumpriram a
Se os assuntos preferidos do liberalismo de João Lisboa vontade e acharam, dentre os papéis condenados, a Vida do
ainda ocupam o espírito de doutrinadores políticos, como elei- Padre Ant6nio Vieira. Por que João Lisboa condenou essa bio-
ções, revoluções e anistias, o modo de encará-I os variou, tor- grafia? Antônio Henriques Leal, seu confidente, não pôde es-
nando inatural toda a argumentação do grande escritor mara- clarecer o mistério. Teófilo Braga procura ínterpretá-lo, nos
nhense. Ninguém hoje perde tempo em discutir o direito de seguintes termos: "João Francisco Lisboa, estudando os fatos
revolução. A revolução é um fato determinado pela insurreição históricos com sinceridade e tirando deduções francas, desven-
dos oprimidos, quando desesperados de obter satisfação das dou um Padre Antônio Vieira muito diferente desse varão apos-
suas aspirações por meios pacíficos. Não indagam, ociosamente, tólico esfumado pelo jesuíta Padre André de Barros e surpre-
se têm ou não direito de se revoltarem. A anistia é uma medida endeu-o em flagrante delito de intriga diplomática, pondo mesmo
de que se usa, não por espírito de justiça, mas por motivos em jogo a existência da nacionalidade portuguesa. Ergueu o
de conveniência política.
véu da história completamente com mão ousada, escrevendo
48 49
~
para si e no segredo da sua consciência. O dar a publicidade a
esse livro seria um ato de audácia, e deixaria a descoberto as cista que esboça um esplêndido plano do romance complexo,
traições da dinastia dos Braganças? O rótulo que impunha ardente, colorido, que seria o drama dessa revolta. Na Vida do
queimar, sem ler, mostra que antes queria sacrificar o seu tra- Padre Vieira, a figura do jesuíta, as tramas que urdira e em
balho às conveniências políticas. Mas, para proveito da história, que se envolvera são tratadas com um rigor e uma vivacidade
a Vida do Padre Vieira está publicada e forma a coroa literária encantadores. De todos os seus escritos, é onde a linguagem
de João Francisco Lisboa, tendo já merecido as honras de ser transparece mais pura, no sentido do classicismo português.
plagiada por um padre jesuíta francês que publicou uma vida Seguramente que essa purificação foi devida às correções de um
do Padre Vieira, com aquilo que mais lhe conveio aproveitar gramático da sua terra, Luís Carlos Pereira de Castro, que
'II~II
das descobertas do insigne escritor maranhense". Teófilo Braga continuou, como sucessor de Sotero dos Reis, aquela ditadura
III
acertou talvez quanto às decepções que, no correr do seu tra- gramatical, que subjugou o espírito maranhense. O estilo, po-
balho, foi tendo João Lisboa do caráter e da ação do Padre rém, conserva as grandes características de João Lisboa, a
Antônio Vieira, mas errou, quanto ao receio que o escritor linha horizontal, a planície. Mesmo carregado de invenções, de
maranhense pudesse ter de revelar traições dos Braganças. rancores e sarcasmos, o estilo de João Lisboa é plano, largo,
João Lisboa era homem destemido e escritor sem compromis- dando a sensação da serenidade. Nesse estilo, as agruras, as
sos. Sempre foi sincero, não se ocupando em agradar nem culminâncias se abrandam, as profundidades e os abismos se
temendo a ninguém. As notas inéditas, que publicamos abaixo, mascaram e tudo que é áspero e violento perde-se em tran-
resumem o seu conceito final sobre o Padre Antônio Vieira e, qüilidade, pela vastidão da frase. Hoje, o estilo é vertical,
como não tivesse tempo, por sentir aproximar-se a morte, de eleva-se em altura e penetra em profundidade. O estilo é sin-
refundir o seu trabalho, segundo a orientação a que chegara tético, somátíco, explosivo.
finalmente, preferiu que todo ele fosse queimado. *
João Francisco Lisboa pensou a história como um romance.
A sua intuição de historiador foi desse modo admirável, por-
que a história só vive como obra de arte. Faltou-lhe, porém,
a capacidade para escrever como romancista a obra que tão
acertadamente assim pensara. Quando narra a revolta de Be-
quimão, o senso artístico de João Lisboa desperta vivaz e o
historiador se eclipsa por um instante, para surgir o roman-
• Estas notas, inéditas, nos foram dadas pelo Desembargador Colates Moreira,
que as recebeu do historiador maranhense José Ribeiro do Amaral, já falecido.
Padre Ant6nio Vieira - Observações
Nunca poderia bem escrever a história, porque lhe faltava a verdadeira indepen-
dência. Dos seus caprichos e amuos fortes, mas passageiros, e das declamações
contra os vícios dos grandes e das cortes - liberdades de convenção, que se toleram
nos sermões porque não conduzem conseqüências, passava ele em suas cartas a
prostrar-se aos pés desses mesmos grandes e dos reis, cujos desvios não consta que
jamais combatesse direta e serenamente. Se fez um ou outro epigrama contra as
fraquezas de Afonso VI, foi por inimizade política e despeito, mas nada contra as
torpezas do casamento de Pedro lI, a cuja fortuna procurou sempre associar-se,
e cujos crimes partilhou ao menos por seus votos, por estar preso na Inquisição.
Da rebelião, e dos queixumes, ralhos e murmúrios (e estes, quase sempre humildes),
passava sempre à adulação servil, e humilhação. A moderação serena, e a tempe-
rança, que podem constituir a independência, nunca as teve.
Tamanho talento, dom sagrado, e um rico tesouro de eloqüência, profanados sacrí-
legamente, malbaratados pueril e pedantescamente na dissertação fútil e oca das
lágrimas de Horácio, e tão sem consciência e sem amor da verdade, e um móbil
sério qualquer que o autor estava pronto a defender a tese contrária do riso de
Demócrito.
Que plano de organização política e administrativa, que idéia de liberdade, de
reforma constitucional e judiciária, de melhoramento social, comercial e agrícola, que
sistema de filosofia se encontra nas obras do Padre Vieira? Ausência completa de
tudo, concepções quiméricas do V Império. A mesma tolerância para com os judeus o
prendia em parte num plano financeiro parcial para fazer dinhei~o com que acudir _as
-urgências do Estado, e em parte, depois, nos seus agravos pessoais contra a Inquísição,

50
51

Você também pode gostar