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AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

NO TRÂNSITO
I- apto: quando o desempenho apresentado é condizente
O que é avaliação psicológica no para a condução de veículo automotor.
contexto do trânsito?
II- inapto temporário: quando não é apresentado
A Avaliação Psicológica no contexto do Trânsito é uma
desempenho condizente para a condução de veículo
exigência do Código de Trânsito Brasileiro e do Conselho
automotor, porém o avaliado possui um tempo para se
Nacional de Trânsito. Foi regulamentada pelo Conselho
adequar e voltar a fazer o processo para a obtenção da
Federal de Psicologia e é fiscalizada pelos Conselhos
CNH.
Regionais de Psicologia, pois se trata de uma atividade
exclusiva dos psicólogos.
III- inapto: quando o desempenho apresentado não é
condizente para a condução de veículo automotor.
A Avaliação Psicológica no contexto do Trânsito é
um processo técnico-científico de coleta de dados, Por que a avaliação psicológica é
estudos e interpretação de informações a respeito
dos fenômenos psicológicos dos indivíduos. É um obrigatória para obtenção de CNH?
processo de conhecimento do outro de forma científica O ato de dirigir é complexo, envolve diversas
e especializada. Dentre os instrumentos psicológicos competências, habilidades e atitudes e requer do
utilizados para a avaliação psicológica encontram-se motorista um bom nível de maturidade emocional e
os testes, entrevistas, questionários e observações. Para capacidade intelectual, as quais lhe permitem interpretar
os candidatos a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) estímulos e reagir estrategicamente no trânsito. Sendo
a entrevista individual e os testes psicológicos são assim, a CNH não pode ser considerada como um direito
obrigatórios para a realização da avaliação psicológica. de todos, mas sim como uma permissão, um privilégio
que o Estado concede àquelas pessoas que se mostram
A etapa de aplicação de Testes Psicológicos pode ser capazes e aptas para obtê-la. Portanto, a avaliação
realizada coletivamente e possui uma duração média de psicológica tem por finalidade contribuir para promover
02 (duas) horas. A etapa de Entrevista deve ser individual a segurança dos motoristas, já que o psicólogo é um dos
e a duração média sugerida pelo Departamento Médico responsáveis pela liberação do candidato para a direção
e Psicológico do DETRAN é de 30 (trinta) minutos. Cabe de veículos automotores.
ao profissional psicólogo avaliar se o candidato necessita
realizar mais etapas de avaliação, como reaplicação de
testes, por exemplo, o que deve ser sempre explicado ao
Direitos dos Candidatos
avaliado o porquê desse procedimento.
• Ser tratado com respeito e educação;
• Realizar a avaliação psicológica em ambiente físico
Após a finalização da avaliação o psicólogo elabora
adequado e confortável, com iluminação, ventilação,
um laudo, com resultado final conclusivo. Atualmente
mobiliários e ruídos que não venham a interferir
existem três tipos de resultados possíveis:
negativamente no processo;
• Ser informado da duração do processo, bem como • Não ingira bebidas alcoólicas ou outras substâncias
das etapas que o compõe; psicoativas antes da Avaliação Psicológica;
• Receber esclarecimentos necessários para o bom • Procure concentrar-se nas atividades que lhe serão
andamento do trabalho; solicitadas;
• Ter a garantia de que seus resultados serão mantidos • Chegue para a avaliação com antecedência;
em sigilo, na medida garantida pela lei; • Desligue o celular quando entrar na sala de avaliação
• Solicitar entrevista de devolutiva, com explicação e/ou entrevista.
sobre os resultados da avaliação, a qual deve ser
gratuita. Em casos de desobediência aos padrões do
processo de avaliação ou não concordância com
Direitos dos Psicólogos o resultado obtido, o avaliado poderá procurar
o Setor de Ouvidoria do DETRAN/PR (0800643-
• Ser tratado com respeito e educação; 7373)
• Ter a sua profissão e seus instrumentos de trabalho
respeitados. Em caso de denúncia ética contra o profissional
psicólogo que aplicou a avaliação psicológica,
o avaliado poderá entrar em contato com o
Deveres dos Candidatos Conselho Regional de Psicologia do Paraná
pelo telefone (041) 3013-5766 ou pelo site
• Cumprir o horário pré-agendado; www.crppr.org.br, link “Fale Conosco” para o
• Respeitar e tratar o profissional cordialmente; destinatário Orientação e Fiscalização.
• Ter cuidado para com o material do psicólogo, sem
rasurar ou danificar os cadernos utilizados para
aplicação dos testes psicológicos. Legislação
• Resolução CFP nº 007/2009: institui normas e
Deveres dos Psicólogos procedimentos para a avaliação psicológica no
contexto do Trânsito.
• Possuir a capacitação condizente a atuação da • Resolução CFP nº 009/2011: altera o Anexo II da
Psicologia no Trânsito; Resolução CFP 007/2009.
• Atuar de forma ética; • Nota Técnica CFP nº 001/2011: esclarece os
• Cumprir o horário pré-agendado com os avaliados; psicólogos acerca do conceito de atenção da
• Prestar atendimento respeitoso e cordial frente aos Resolução CFP 007/2009.
avaliados e demais envolvidos; • Resolução CFP nº 003/2007 - Capítulo II - Da
• Repassar de forma clara e objetiva todas as avaliação Psicológica para Carteira Nacional de
informações pertinentes à Avaliação Psicológica; Habilitaçao.
• Informar o avaliado sobre o direito à Entrevista • Resolução CFP nº 016/2002: dispõe acerca do
Devolutiva Gratuita; trabalho do Psicólogo na avaliação psicológica de
• Manter sigilo sobre as informações recebidas nas candidatos à Carteira Nacional de Habilitação e
avaliações. condutores de veículos automotores.
• Resolução CFP nº 006/2010: altera a Resolução
CFP 016/2002.
Informações gerais aos candidatos • Resolução CFP nº 007/2003: institui o Manual
de Elaboração de Documentos Escritos produzidos
pelo Psciólogo, decorrente da avaliação psicológica
• Procure dormir bem na noite anterior à avaliação; e revoga a Resolução CFP 017/2002.
• Alimente-se de forma leve e saudável; Estas e outras resoluções estão disponíveis para
• Procure vestir uma roupa confortável; download em www.crppr.org.br, link “Legislação”.
POLÍTICA NACIONAL DE TRÂNSITO: POSSIBILIDADE DE
INTERVENÇÃO PELA VIA DA EDUCAÇÃO

Diuslene Rodrigues da Silva1

RESUMO: O trabalho objetiva discutir a questão da mobilidade nos espaços urbanos, a


partir da perspectiva da legislação nacional. Considera para tal, que, há a necessidade
urgente do enfrentamento para a redução dos acidentes de trânsito, onde todos estão
envolvidos sob diferentes aspectos. As relações no trânsito envolvem valores e
princípios fundamentais para um convívio social saudável. Trata-se de uma pesquisa
social, de tipo descritivo-exploratória, que compreende o uso da revisão de literatura e
da análise documental. Sinalizando para a necessidade da interdisciplinaridade através
da via da educação formal de todos os níveis de forma a abordar a Educação para o
Trânsito como um elemento constitutivo da sociedade contemporânea.

PALAVRAS-CHAVE: PNT; Municípios; Educação;

INTRODUÇÃO

Locomover-se é uma prática essencial aos seres humanos e dela depende


grande parte da realização das demais necessidades humanas. Ao longo da história, os
progressos científicos e tecnológicos, impulsionaram a busca por melhores meios de
locomoção com vistas a aprimorar e aumentar a possibilidade dos fluxos de pessoas, de
mercadorias e das próprias inovações que se consolidavam.
Ademais, na atualidade, aumentou expressivamente a necessidade da
locomoção para atender aos afazeres do cotidiano. Por isso, a ocupação dos espaços
urbanos e sua intensa movimentação revelam os conflitos que aí se estabelecem. Essa
mobilidade necessária traduz o significado da palavra trânsito, o qual pode ser
entendido como o conjunto de todos os deslocamentos diários feito pelas calçadas e vias
das cidades, formando a movimentação geral de pedestres e veículos
(VASCONCELLOS, 1998).

1
Professora Assistente do Curso de Serviço Social da UNIOESTE/Campus de Toledo. Doutoranda do
Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Desenvolvimento Regional e Agronegócio/Unioeste -
PGDRA. e-mail: diuslene.fabris@hotmail.com. Telefone (45) 9823-8844. Endereço Residencial:Rua da
Faculdade 362, Jd. La Salle ,Toledo/Paraná/Brasil.
No campo jurídico, o trânsito é conceituado como sendo qualquer
movimentação ou deslocamento de pessoas, animais e veículos de um local a outro
(RIZZARDO, 2004). Nos termos do Código Nacional de Trânsito brasileiro em seu
artigo 1º, § 1º, o trânsito é a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados
ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e
operação de carga e descarga (Brasil, 1998). Essa definição é mais abrangente e inclui
não só pessoas e automóveis, mas também as cargas ou mercadorias como elementos
que devem ocupar parte do espaço com prioridades reservadas. Como bem argumentou
Santos (2012), ao abordar a economia do espaço da cidade capitalista ao entender que
não se constitui exclusivamente de temas considerados clássicos, mas também de novas
contradições.
As mudanças na forma dos deslocamentos, exigem que o trânsito adquira
caráter que transcende ao universo de deslocamentos pelo espaço geográfico e passa a
ser permeado por aspectos do sistema socioeconômico.
Rizzardi (2004) e Vasconcellos (1998), afirmam que o trânsito compõe a vida
de homens e mulheres desde os primórdios das civilizações. Contudo, o acelerado
desenvolvimento social e, especialmente, econômico, inerente à própria aceleração da
atividade industrial, aliada à proliferação do automóvel, fez com que os movimentos e
rotas fossem se modificando, que forçou um ordenamento e estabelecimento de normas,
assim, surge a ideia do trânsito como um regulador do espaço. Portanto, a introdução do
veículo automotor alterou as formas de deslocamentos e de tempo. Ele se tornou um
elemento indicador da condição econômica de cada indivíduo.
Nesse sentido, os veículos automotores mais sofisticados são fabricados de
forma a oferecer a maior quantidade de tecnologias disponíveis no quesito segurança.
Inversamente, no Brasil, os classificados como "carros populares", de menor custo,
apresentam motores de menor potência e poucos itens de segurança disponíveis na
fabricação2. Na verdade, essa situação se traduz em grave problema em diferentes

2
Como exemplo, pode-se citar que somente em 1998 o CONTRAN estabelece como regra de fabricação
dos carros os cintos de três pontas (Resolução 048/98 de 21 de maio); Resolução 277 de 28 de maio de
2008 , para atender aos artigos 64 e 65 do Código de Trânsito Brasileiro - dispõe sobre o uso obrigatório
de sistema de retenção para crianças menores de 10 anos; outro item de segurança que foi reiterada muitas
vezes exigido e posteriormente revogado ou com implantação adiada foi a exigência do air bag e freios
ABS- O Código de Trânsito Brasileiro foi alterado pela Lei nº 11910 de 18 de março de 2009, que
acrescentou ao seu artigo 105, o inciso VII juntamente com os parágrafos 5º e 6º a obrigatoriedade do air
bag e freios ABS- Resolução 311 de 03 de abril de 2009 foi revogada pela Resolução 394/11 . No
decorrer do processo, a utilização do sistema ABS de freios na fabricação de todos os veículos nacionais
separou-se do equipamento air bag na Resolução do CONTRAN nº 380 de 28 de abril de 2011.
espectros, principalmente, pelo abrupto aumento da frota sem que as cidades tenham
desenvolvido condições para suportá-la e também na medida em que esse tipo de
veículo passou a ocupar o espaço precário; não obstante, as ocorrências dos acidentes
provam que as condições de proteção aos passageiros transportados não são as mais
seguras.
Fato é que cada vez mais a utilização do automóvel tem se tornado a primeira
opção para as locomoções de curtos e médios trajetos.
Evidentemente que esse direcionamento da forma de locomoção implica na
ampliação de problemas vividos nas cidades que se relacionam à mobilidade e ao
aumento dos riscos e de violência. Logo, requer mais atenção e intervenção do estado
como agente mediador e regulador dos conflitos.
O aumento expressivo das frotas agrava os problemas de circulação e acresce
elementos que comprometem o cotidiano das cidades e a qualidade de vida das pessoas.
O aumento do fluxo de locomoções no espaço, traz inúmeras consequências: faz
aumentar os índices e volume dos sons, provoca estresse, poluição ambiental,
congestionamentos e, muitas vezes, gera um ambiente propício aos acidentes de trânsito
que vitimam pessoas de todas as classes sociais e faixas etárias.
Desse modo, o trânsito deixa na sociedade sua marca e chama a atenção pelo
fato de que não se trata de um mero problema de ordem técnica. Mas abrange questões
sociais, econômicas e políticas que requerem a interferência jurídica para normatizar e
legalizar os usos dos espaços e das condutas no trânsito. A compreensão do trânsito
como um objeto passível de controle político e a regulação legal, torna-o
responsabilidade de todos, através de recursos de planejamento que incorporem a
gradual participação cada vez maior da sociedade.
Nessa lógica, entender o trânsito em toda sua extensão é o primeiro passo para
buscar solucionar os problemas por ele causados, para entender o papel de cada um
nesse processo. O trânsito não vai ser eliminado nas sociedades modernas, porém
necessita de soluções práticas e eficientes de forma a reduzir ao máximo os seus danos a
fim de melhorar a mobilidade urbana e a vida das pessoas.

1.2 A GESTÃO DO TERRITÓRIO E A MUNICIPALIZAÇÃO DO TRÂNSITO

Sancionada em 2014 a obrigatoriedade destes itens deverá gradativamente ser implantada na fabricação
dos veículos nacionais.
As cidades contemporâneas têm se constituído como ambientes construídos por
numerosos conjuntos de estruturas físicas destinadas a darem continuidade e a
impulsionarem os processos de desenvolvimento. A complexidade do modo de
produção capitalista produziu ecos na vida em sociedade. As relações sociais, as
instituições e o espaço urbano, gradativamente, agregaram novas necessidades e exigem
respostas tecnológicas.
A propósito, o espaço de circulação como estrutura de mobilidade atua como
elemento integrante do complexo espaço urbano, onde se impõe a necessidade da
minimização do conflito através da regulamentação do uso. Sobre a complexidade que é
inerente ao espaço urbano, Santos (2006, p. 63), afirma que "[...] o espaço é formado
por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório de sistemas de objetos
e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como um quadro único[...]"
onde a história se desenrola.
Na perspectiva da regulação do espaço da circulação e da mobilidade, as
normas jurídicas estão para regular as relações que se estabelecem neste espaço e que o
Estado deve ser o responsável por criar as normas que irão influenciar na organização
do espaço geográfico. A finalidade é de garantir aos cidadãos o direito de ir e vir,
imposto pela Constituição Federal de 1988 como um dos princípios fundamentais.
Para atender à prerrogativa constitucional, em 23 de setembro de 1997 foi
promulgado o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), registrado sob a Lei n° 9.503, a
qual define no artigo 24, inciso II, a responsabilidade dos órgãos e entidades municipais
de trânsito em "planejar, proteger, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de
pedestres e de animais e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança do
ciclista". Assim, as municipalidades estão incumbidas de realizarem atribuições
relativas ao planejamento e à operação do trânsito.
Para que os municípios exerçam seus deveres no que concerne à política de
trânsito, precisam de se adequarem institucional e financeiramente. Contudo, para
muitos deles é uma tarefa inviável, razão pela qual muitas cidades deixam de se inserir
adequadamente ao Sistema Nacional de Trânsito (SNT).
O fato de haver municípios, fora do processo ou precariamente incluídos,
torna-se fator de preocupação, uma vez que, este constitui um dos maiores desafios do
planejamento de transportes e trânsito. Nos países em desenvolvimento, como é o caso
do Brasil, é preciso viabilizar politicamente a redistribuição do espaço de circulação.
Cabe destacar ainda, a importância da gestão municipal ou local do trânsito, a
qual deve ser feita de acordo com os princípios norteadores da construção dos Planos
Diretores de Transporte e Mobilidade, invocados no trabalho editado pelo Ministério
das Cidades , os quais podem e devem ser observados quando da elaboração de
projetos de leis e planos de ação referentes ao trânsito, são eles: melhorar a qualidade de
ambiental; fazer prevalecer o interesse público; combater a degradação de áreas
residenciais ocasionada pelo trânsito intenso de veículos dentre outros.
Um dos objetivos da implantação da municipalização do trânsito, é oportunizar
a estes o empoderamento em torno das questões do trânsito em assuntos tais como:
elaboração de estratégias para redução do número de viagens motorizadas;
reorganização do desenho urbano; circulação de veículos; desenvolvimento e incentivo
aos meios não motorizados de transporte; valorização; incentivo e reconhecimento da
importância do deslocamento de pedestres; equipar as estruturas de circulação com
elementos que favoreçam a mobilidade das pessoas com necessidades especiais e
idosos; dar total prioridade para a implantação organização e expansão do transporte
coletivo de qualidade.(BRASIL, 1998)
O mais importante nisso tudo, diz respeito ao fato de que a gestão municipal do
trânsito deve ser feita e compreendida pelos municípios como uma política que exige
responsabilidade, a qual pode possibilitar aos municípios: o desenvolvimento urbano
das cidades através de políticas de estacionamento, programas de sinalização, de
orientação do trânsito, faixas exclusivas para ônibus, políticas de operação de descarga
de mercadorias, retornando como melhoria à qualidade de vida da população
(DENATRAN, 2000).
No entanto, a municipalização requer orientações para a implantação e a
manutenção do sistema. Por isso, vários órgãos públicos gestores e responsáveis pelo
trânsito e transportes têm de se manifestar expedindo normas e critérios que facilitem a
gestão do processo, seguindo as determinações impostas pela Constituição Federal
(1988) e pelo Código Brasileiro de Trânsito (1997).
Como parte das ações de apoio e incentivo aos municípios, no ano de 2003, o
Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), em parceria com o Ministério das
Cidades e o Ministério da Justiça, produziu uma cartilha intitulada "Municipalização do
Trânsito - roteiro para implantação." Nesse registro, há orientações sobre o passo a
passo do processo de municipalização o qual deveria ter início com a criação de
estrutura administrativa local: para promoção da fiscalização; da educação; da
engenharia e julgamento de multas. A integração do município no Sistema Nacional de
Trânsito (SNT), da etapa inicial até a etapa final é de inteira responsabilidade da
autoridade municipal.

1.3 A POLÍTICA NACIONAL DE TRÂNSITO

A Resolução n° 166 do CONTRAN, de 15 de setembro de 2004, instruiu a


Política Nacional de Trânsito (PNT), a qual tem como objetivo reduzir o número de
acidentes com vítimas fatais, criando para isso, condições de se praticar um trânsito bem
integrado ao uso do solo, ao desenvolvimento urbano e regional. Para tanto, precisa
articular as diferentes modalidades de transportes e suas interações com o meio
ambiente e às condições de saúde.
A PNT pretende melhorar a qualidade de fluidez e segurança para o trânsito de
forma a reduzir os riscos 3. Com base nos fundamentos apresentados pelo CTB em seu
artigo 6,° a PNT apresenta cinco objetivos principais, quais sejam: a) preservação da
vida, da saúde e do meio ambiente, que para se realizar exige que o trânsito seja
planejado, organizado e dinâmico evitando acidentes graves com a redução da
frequência destes; busca remover também a redução dos ruídos sonoros, poluição
atmosférica promovendo mudanças no âmbito da saúde pública e do meio ambiente; b)
Efetivação de educação contínua para o trânsito não somente em campanhas focais, mas
em caráter permanente; c) Relacionar o trânsito com noções de cidadania e participação
popular; d) Estimular a mobilidade e acessibilidade a todos os cidadãos, garantindo a
todos o direito constitucional de ir e vir em segurança; e) Promover a qualificação da
gestão dos órgãos e entidades de trânsito de forma contínua (BRASIL, 1998).
Em síntese, a PNT se apresenta como um conjunto de ações que têm como
premissa melhorar as condições de locomoção da população, a fim de que a sociedade
possa ter acesso a todos os serviços de trânsito de forma eficiente e com qualidade.

1.4 AS ATRIBUIÇÕES DOS MUNICÍPIOS SOBRE O TRÂNSITO

3
Art.6º. São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito: I- estabelecer diretrizes da Política
Nacional de Trânsito, com vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para
o trânsito e fiscalizar seu cumprimento; II - fixar, mediante normas e procedimentos, a padronização de
critérios técnicos financeiros e administrativos para a execução das atividades de trânsito; III- estabelecer
a sistemática de fluxos permanentes de informações entre os seus diversos órgãos e entidades, a fim de
facilitar o processo decisório e a integração do Sistema . Lei Federal nº 9.503/97. (BRASIL, 1997.)
O município se constitui em pessoa jurídica com competência para propor
normas e leis que tratem de suas questões internas e de assuntos do interesse local.
Nesta perspectiva, é possível ao município controlar eventos e movimentos que ocorrem
nos seus limites geográficos, de tal forma que, fica possível a intervenção no trânsito
local a partir da definição de um plano local de fluxos, que seja capaz de atender às
particularidades do seu espaço.
Segundo o DENATRAN (2003), a atribuições dos municípios referentes ao
trânsito não devem se limitar à colocação de placas ou à aplicação de multas, mas
necessita constituir-se num sistema voltado à organização da ocupação do espaço das
cidades e dos seus fluxos.
Considerando que a própria dinâmica da cidade traz intrinsecamente a questão
do trânsito, o DENATRAN (2003), defende que as prefeituras municipais devam
interferir nos fluxos e no uso das vias urbanas, pautando-se sempre nos princípios,
regras e normas estabelecidas pelos órgãos de trânsito. Essa entidade pressupõe que
nenhum município é pequeno demais ao ponto de se eximir da preocupação ou do trato
da questão que envolve veículos e pedestres.
A vida urbana não se realiza de forma adequada se o trânsito não tiver fluidez e
não oferecer segurança. Sendo, portanto, elemento muito importante inclusive para o
desenvolvimento das cidades e de uma região. Neste sentido, o DENATRAN (2003),
explica que a criação de órgão municipal executivo de trânsito constitui-se numa forma
de garantir ao gestor condições para atender às necessidades da população de forma
integral e integrada.
A medida que a legislação passa a responsabilizar os municípios pelo cuidado
com a questão do trânsito e, consequentemente, da mobilidade, qualquer incidente ou
acidente que ocorra em espaço urbano, de responsabilidade municipal por falta de
sinalização, pode ser encarado como negligência do Poder Executivo local, ficando
sujeito às sanções legais previstas no art. 1°, § 3°, do CTB. Porém, o poder público
municipal pode estabelecer parcerias com órgãos estaduais e/ou federais para garantir as
boas condições de trafegabilidade, fluidez e segurança nas vias públicas, permanecendo
ainda assim como o principal responsável:

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos


Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no
âmbito de suas atribuições;
II - planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de
pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e
da segurança de ciclistas;
III - implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os
dispositivos e os equipamentos de controle viário;
IV – coletar dados estatísticos e elaborar estudos sobre os acidentes de
trânsito e suas causas;
V - estabelecer em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de
trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;
VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas
administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento
e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de
Polícia de Trânsito;
VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por
infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste
Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;
VIII - fiscalizar, autuar e aplicar as penalidades e medidas
administrativas cabíveis relativas a infrações por excesso de peso,
dimensões e lotação dos veículos, bem como, notificar e arrecadar as
multas que aplicar;
IX - fiscalizar o cumprimento da norma contida no art. 95, aplicando
as penalidades e arrecadando as multas nele previstas;
X - implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo
pago nas vias;
XI - arrecadar valores provenientes de estada e remoção de veículos e
objetos, e escolta de veículos de cargas superdimensionadas ou
perigosas;
XII - credenciar os serviços de escolta, fiscalizar e adotar medidas de
segurança relativas aos serviços de remoção de veículos, escolta e
transporte de carga indivisível;
XIII - integrar-se a outros órgãos e entidades do Sistema Nacional de
Trânsito para fins de arrecadação e compensação de multas impostas
na área de sua competência, com vistas à unificação do licenciamento,
à simplificação e à celeridade das transferências de veículos e de
prontuários dos condutores de uma para outra unidade da Federação;
XIV - implantar as medidas da Política Nacional de Trânsito e do
Programa Nacional de Trânsito;
XV - promover e participar de projetos e programas de educação e
segurança de trânsito de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo
CONTRAN;
XVI - planejar e implantar medidas para redução da circulação de
veículos e reorientação do tráfego, com o objetivo de diminuir a
emissão global de poluentes;
XVII - registrar e licenciar, na forma da legislação, ciclomotores,
veículos de tração e propulsão humana e de tração animal,
fiscalizando, autuando, aplicando penalidades e arrecadando multas
decorrentes de infrações;
XVIII - conceder autorização para conduzir veículos de propulsão
humana e de tração animal;
XIX - articular-se com os demais órgãos do Sistema Nacional de
Trânsito no Estado, sob coordenação do respectivo CETRAN;
XX - fiscalizar o nível de emissão de poluentes e ruído produzidos
pelos veículos automotores ou pela sua carga, de acordo com o
estabelecido no art. 66, além de dar apoio às ações específicas de
órgão ambiental local, quando solicitado;
XXI - vistoriar veículos que necessitem de autorização especial para
transitar e estabelecer os requisitos técnicos a serem observados para a
circulação desses veículos.
§ 1º As competências relativas a órgão ou entidade municipal serão
exercidas no Distrito Federal por seu órgão ou entidade executivos de
trânsito.
§ 2º Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os
Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito,
conforme previsto no art. 333 deste Código. (BRASIL, 1997, s.p).

Com a municipalização do controle do trânsito, de forma a atender a realidade


local, o poder público municipal, conforme determinam os artigos de número 24 e 21 do
CTB, o município está obrigado a municipalizar o trânsito, de forma a atender a
realidade local. Deve ainda assegurar a cada um dos seus munícipes transitar em
segurança, atendendo às solicitações do art. 734 e 755 do CTB.
Conforme preconiza o art. 74 do CTB6, os municípios devem dar prioridade à
educação no trânsito, cabendo-lhes no âmbito jurídico legal, adequar as vias no sentido
de facilitar os fluxos de locomoção e trânsito, conforme definem os artigos 937, 948 e
959 do CTB. Além das atribuições de cuidado e proteção da circulação, é dever do

4
Art. 73 Os órgãos ou entidades pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito têm o dever de analisar as
solicitações e responder, por escrito, dentro de prazos mínimos, sobre a possibilidade ou não de
atendimento , esclarecendo ou justificando a análise efetuadas e, se pertinente, informar ao solicitante
quando tal evento ocorrerá.
5
Art. 75. O CONTRAN estabelecerá, anualmente, os temas e os cronogramas das campanhas de âmbito
nacional que deverão ser promovidas por todos os órgãos ou entidades do Sistema Nacional de Trânsito,
em especial nos períodos referentes às férias escolares, feriados prolongados e à Semana Nacional de
Trânsito.
6
Art. 74. A educação para o trânsito é direito de todos e constitui dever prioritário para os componentes
do sistema Nacional de Trânsito.§1º É obrigatória a existência de coordenação educacional em cada órgão
ou entidade componente do sistema Nacional de Trânsito. §2º Os órgãos ou entidades executivos de
trânsito deverão promover, dentro de sua estrutura organizacional ou mediante convênio, o
funcionamento de Escolas Públicas e Trânsito, nos moldes e padrões estabelecidos pelo CONTRAN.
7
O Art. 93 encontra-se no capítulo VIII - da engenharia de tráfego, da operação, da fiscalização e do
policiamento ostensivo de trânsito e que define: Nenhum projeto de edificação que possa transformar-se
em polo atrativo de trânsito poderá ser aprovado sem prévia anuência do órgão ou entidade com
circunscrição sobre a via e sem que do projeto conste área para estacionamento e indicação das vias de
acesso adequadas.
8
Art. 94 Qualquer obstáculo à livre circulação e à segurança de veículos e pedestres, tanto na via quanto
na calçada, caso não possa ser retirado, deve ser devida e imediatamente sinalizado. Parágrafo único. É
proibida a utilização das ondulações transversais e de sonorizadores como redutores de velocidade, salvo
em casos especiais definidos pelo órgão ou entidade competente, nos padrões e critérios estabelecidos
pelo CONTRAN.
9
Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres,
ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito
com circunscrição sobre a via. § 1º A obrigação de sinalizar é do responsável pela execução ou
manutenção da obra ou do evento. § 2º Salvo em casos de emergência, a autoridade de trânsito com
circunscrição sobre a via avisará a comunidade, por intermédio dos meios de comunicação social, com
quarenta e oito horas de antecedência, de qualquer interdição da via, indicando-se os caminhos
alternativos a serem utilizados. § 3º A inobservância do disposto neste artigo será punida com multa que
varia entre cinquenta e trezentas UFIR, independentemente das cominações cíveis e penais cabíveis. §
município fiscalizar o trânsito, utilizando agentes próprios ou da Polícia Militar, por
meio de convênio, autuar e aplicar os requisitos previstos nos artigos 24, 23 e 21 do
CTB.
Diante da abrangência de suas competências, o município deve se preocupar
com a criação de um órgão municipal de trânsito que regulamente os fluxos, adequando-
os à realidade e às necessidades daqueles que precisam se deslocar, o art. 8º10, do CTB.
Depois de criado o órgão municipal de trânsito, cabe ao município instituir também sua
Junta Administrativa de Recursos de Infrações (JARI- art. 16, CTB), a qual está
destinada à observação da correção da aplicação das multas, possibilitando a
contestação por parte do cidadão, que na realidade se torna também um instrumento de
controle do processo de autuação e multa.
No aspecto financeiro, os municípios devem reverter os recursos obtidos com
as multas em projetos de trânsito, com a obrigação de repassar 5% do montante
arrecadado para programas nacionais, conforme prevê o art. 320, do CTB. A utilização
desses recursos deve estar voltada à otimização de resultados e redução de índices de
acidentes de trânsito. Uma parte desses recursos, conforme definem os artigos 16 e 337,
do CTB, deve servir para o apoio financeiro à JARI e ao Conselho Estadual de Trânsito
para propiciar maior interação entre os órgãos de trânsito.
Para além das atribuições legais, financeiras e institucionais, os municípios têm
também as atribuições técnicas, que dizem respeito à promoção do planejamento,
organização e operação do trânsito em todas as esferas de circulação, incluso paradas e
estacionamentos, ademais, a implantação e manutenção da sinalização de trânsito
(BRASIL, 1998).
O art. 95 do CTB, define que compete ao município autorizar e fiscalizar obras
nas vias públicas, controlar a circulação de veículos especiais, e analisar projetos de
polos geradores11 (art. 93 do CTB), considerando que estes são geradores de tráfego e
alteram a ocupação do espaço da cidade. Fato que torna fundamental a papel da

4º Ao servidor público responsável pela inobservância de qualquer das normas previstas neste e nos arts.
93 e 94, a autoridade de trânsito aplicará multa diária na base de cinquenta por cento do dia de
vencimento ou remuneração devida enquanto permanecer a irregularidade.
10
ART. 8º Os estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão os respectivos órgãos e entidades
executivos de trânsito e executivos rodoviários, estabelecendo limites circunscricionais de suas atuações.
11
Os polos geradores de trânsito intenso podem ser: um supermercado; uma loja de departamentos; um
shopping center; um estádio de futebol ,uma universidade um clube, uma fábrica e tantos outros
equipamentos sociais e econômicos.
municipalidade ao avaliar projetos com estas características a fim de evitar problemas
futuros, tanto para os veículos como para os pedestres e moradores de uma dada região.
Em síntese, a função dos municípios mediante o CBT a PNT e ao SNT, vai
muito além da mera tarefa de pintura de sinalizações, ou preocupação com a instalação
de equipamentos de punição. Ela deve se respaldar na busca pelo bem-estar e
preservação da vida das pessoas que estejam motorizadas ou não.
1.5 COMPORTAMENTOS SOCIALMENTE SIGNIFICATIVOS NO TRÂNSITO: A
INTERVENÇÃO PELA VIA DA EDUCAÇÃO.

O atual Código de Trânsito Brasileiro (CTB), dedica a educação para o trânsito


todo o seu capítulo VI. No art. 74, estabelece que a educação para o trânsito é direito de
todos e constitui dever prioritário para os municípios que compõem o Sistema Nacional
de Trânsito (SNT). A educação para o trânsito consta como matéria incluída nos
currículos escolares em todos os níveis da educação básica.
O art. 76 do CTB define também que a educação para o trânsito deva ser
promovida em todos os níveis de ensino, através de ações planejadas e coordenadas
entre órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), da Educação, da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios em suas respectivas áreas de
ação.
Já o art. 78 do mesmo Código, determina que os Ministérios da Saúde,
Educação e do Desporto , do Trabalho, dos Transportes e da Justiça, por meio do
Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), desenvolverão e implementarão
programas destinados à prevenção de acidentes.
O art. 79 por sua vez sugere que os órgãos e entidades executivas de trânsito
poderão firmar convênio com os órgãos de educação da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos municípios com o objetivando o cumprimento das obrigações
estabelecidas no respectivo capítulo VI.
A Lei de Diretrizes e Bases Nacional n° 9394/96, em seu artigo 27, inciso I,
coloca que os conteúdos curriculares da educação básica deverão observar "a difusão de
valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito
ao bem comum e à ordem democrática".
O Ministério da Educação e do Desporto/Secretaria de Educação Fundamental
em documento do ano de 1998, propõe nesta direção, o desenvolvimento dos temas
transversais: ética, saúde, meio ambiente, pluralidade cultural, orientação sexual,
trabalho e consumo, componentes dos Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação
Básica (MEC/SEF, 1998).
Rodrigues (2000), destaca que o trânsito deve ser concebido de maneira ampla,
como um sistema de comunicação que assegura uma rede de relações entre os espaços,
entre as pessoas e o espaço e entre as pessoas.
Esse tema transversal está vinculado a questões sociais, à construção da
cidadania e da democracia, já que envolve diferentes aspectos da convivência coletiva,
promovendo a interação de questões da vida cotidiana e dos saberes escolares.
Nesta perspectiva de intervenção, insere-se a educação ético-social, a qual
engloba a educação para o trânsito, estando ambas inseridas na educação social, que
subsidia com fundamentos teóricos e metodológicos , até porque a educação social é
entendida como um conjunto de disciplinas que constroem o conhecimento sobre o
homem e suas relações sociais, que pode e deve trazer contribuições e fundamentos
éticos, sempre quando o seu ensino se efetue a partir dos pressupostos ativos e
renovadores dos seus princípios definidores.
Para Rodrigues (2000), os estudos realizados no campo da educação para o
trânsito confirmam a necessidade da inclusão do tema nos currículos integrais,
envolvendo os conhecimentos da vida social por parte do aluno, a criação e prática de
hábitos, atitudes e comportamentos coerentes.
O surgimento de novas tecnologias e sua imensa possibilidade de informações
coloca as pessoas frente a uma situação contínua de escolha entre distintas opções e
tomada de decisões referentes a aspectos para os quais eles não foram preparados, como
a degradação ambiental, a crescente violência, e até mesmo as constantes mortes por
acidentes de trânsito.
Em verdade, as sociedades, especialmente as ocidentais tem se deparado com
muitos problemas relacionados ao planejamento e também a necessidade de melhoria
dos sistemas educacionais voltados as questões que envolvem o trânsito, de forma a
educar os cidadãos para a liberdade e a responsabilidade.
Educar para a liberdade com responsabilidade exige a escolha de um enfoque
humanista (Mizukami, 1986), que prioriza uma educação para o trânsito, visto que este
é elemento que compõe a realidade cotidiana das sociedades atuais de forma marcante.
Para Hoffmann e Luz Filho (2003), a educação para o trânsito é mais um
capítulo da educação ético-social que não tem sentido independente, mas deve estar
organizada sistematicamente nas ciências sociais e também das ciências naturais, uma
vez que integra o homem, o meio ambiente e a realidade social.
A autora salienta ainda que, não se trata somente de oferecer conteúdos de
instrução, ou recomendações práticas, mas que principalmente crie e exercite com os
alunos hábitos e atitudes que favoreçam a convivência e a aceitação das normas sociais,
estimulando a formação de um cidadão responsável, capaz de respeitar aos demais em
seus diversos papéis sociais:pedestre, condutor e passageiro.
Nesta perspectiva a educação para o trânsito deriva da educação social e moral
da pessoa, sendo um aspecto a mais da educação ético-social, entendida como um
conjunto de valores, normas, princípios, hábitos, que determina e ajuda a possibilitar a
convivência social entre as pessoas, com conteúdo próprio. na realidade, se trata de um
enquadramento atual nas ciências sociais e engloba temas relativos ao desenvolvimento
econômico e sociocultural das sociedades avançadas, ao estudo do meio ambiente e seus
problemas ou evolução tecnológica e suas consequências sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A complexidade da produção e reprodução da vida social , no contexto da


sociedade atual, sem dúvidas requer que as questões de trânsito, sejam estudadas a
partir do contexto da intervenção multidisciplinar. Pensar soluções para os problemas
que se apresentam no dia a dia, como: mortes violentas, aumento crescente das frotas;
precariedade das vias entre tantas outras questões , não pode se limitar a ótica da
engenharia.
A existência de um Código de Trânsito Nacional, elaborado por especialistas e
renomados juristas, não pode por si só dar conta das questões impostas no dia a dia, no
ambiente das cidades onde circulam pessoas, mercadorias e toda a vida social. Para
além das faixas de sinalização e semáforos, é preciso trabalhar com motoristas e
pedestres, a simbologia e seu significado social do trânsito.
Nessa perspectiva, que contempla a multidisciplinaridade como um caminho a
ser construído e fortalecido, o trânsito não se coloca para além da ótica da segurança
pública, apresentando-se como uma política que considere a mobilidade e a
acessibilidade em seus diversos aspectos, principalmente, em relação à saúde, à
educação e ao lazer.
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outubro 1988. 38.ed. atual, São Paulo: Saraiva, 2006.

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Justiça José Gregori. DENATRAN, 2000.

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Psico-USF, Bragança Paulista, v. 19, n. 3, p. 457-466, set./dez. 2014 457

Autoeficácia para dirigir, desengajamento moral e impulsividade em motoristas

Jocemara Ferreira Mognon – Universidade São Francisco, Itatiba, Brasil


Acácia Aparecida Angeli dos Santos – Universidade São Francisco, Itatiba, Brasil

Resumo
O objetivo deste estudo foi verificar possíveis diferenças nos escores dos instrumentos que avaliam a autoeficácia para dirigir, o
desengajamento moral e a impulsividade em razão de variáveis como sexo, faixa etária, tempo de habilitação e frequência com
que se dirige, bem como analisar a predição destes construtos para envolvimento em multas e acidentes de trânsito. Participa-
ram 500 motoristas em processo de renovação da CNH, com idades entre 23 e 78 anos, sendo 60,4% do sexo masculino. Os
instrumentos utilizados foram a Escala de Autoeficácia para Dirigir (EADir), a Escala de Justificativas de Motoristas (EJM) e a
Escala de Avaliação da Impulsividade (EsAvI-A). Os resultados indicaram diferenças significativas para todas as variáveis socio-
demográficas e que os construtos predizem multas e acidentes de trânsito. Esses achados contribuem para a compreensão de
alguns comportamentos dos condutores e reforçam os indícios de que infrações e acidentes de trânsito são multideterminados.
Palavras-chave: Autoeficácia; Trânsito; Avaliação psicológica.

Self-efficacy to drive, impulsivity and moral disengagement in drivers

Abstract
The aim of this study was to investigate possible differences in the scores of instruments that assess the efficacy to drive, impul-
sivity and moral disengagement because of variables such as sex, age, time of driver license and the driving frequency, as well as
analyzing the prediction of these constructs for involvement in fines and traffic accidents. 500 drivers participated in the process
of renewal of CNH, aged 23-78 years, 60.4% male. The instruments used were the Self-Efficacy Scale to Drive (EADir), Scale
justifications drivers (EJM) and the Scale for Assessing Impulsivity (EsAvI-A). The results indicated significant differences
for all sociodemographic variables and that the constructs predict fines and traffic accidents. These findings contribute to the
understanding of some driver behavior and reinforce the evidence that violations and traffic accidents are multidetermined.
Keywords: Self-efficacy; Transit; Psychological evaluation.

La eficacia de la unidad, la impulsividad y lo desenganje moral de los conductores

Resumen
El objetivo de este estudio fue investigar las posibles diferencias en las puntuaciones de los instrumentos que evalúan la eficacia
de la unidad, la impulsividad y la desenganje moral debido a variables como el sexo, la edad, el tiempo de activación y la frecuen-
cia con la que se dirige, así como el análisis de la predicción de estos construcciones para la participación en multas y accidentes
de tránsito. 500 pilotos participaron en el proceso de renovación de la CNH, con edades entre 23-78 años, el 60,4% hombres.
Los instrumentos utilizados fueron la Escala de Autoeficacia para Conducir (EADir) Escala Justificaciones de conductores
(EJM) y la Escala para la Evaluación de la Impulsividad (EsAvI-A). Los resultados indicaron diferencias significativas para todas
las variables sociodemográficas y los construtos predicen multas y accidentes de tránsito. Estos resultados contribuyen a la
comprensión de algunos comportamientos del conductor y refuerzan la evidencia de que las violaciónes y accidentes de tránsito
multideterminadas.
Palabras clave: Auto-eficacia, Tránsito, Evaluación psicológica.

O trânsito tem se tornado um problema de saúde Estima-se que o fator humano seja o principal
pública em virtude dos números e das consequências responsável, visto estar presente em cerca de 90% dos
dos acidentes automobilísticos, já que dados da Orga- acidentes, sendo causados por erros ou violações à lei
nização Mundial da Saúde (OMS), do ano de 2009, (Hoffmann, 2005; Rozestraten, 1988). As condutas
indicaram que 1,3 milhão de pessoas morreram no que podem gerar riscos e os fenômenos psicológicos
mundo por acidentes de trânsito. Em relação ao Brasil, envolvidos na condução de veículos são de interesse
o Ministério da Saúde (2010) contabilizou mais de 40 da Psicologia do Trânsito, definida como o estudo
mil óbitos por acidentes de trânsito e 145,9 mil pessoas, dos comportamentos das pessoas neste contexto, bem
a maioria homens jovens e adultos da Região Sudeste, como dos fatores humanos externos ou internos que as
foram tratadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em motivam (Rozestraten, 1988). No que se refere à ava-
decorrência dos acidentes de trânsito, com um custo de liação psicológica pericial, a psicologia do trânsito tem
187 milhões de reais. como objetivo atuar de forma preventiva, buscando a
Disponível em www.scielo.br http://dx.doi.org/10.1590/1413-82712014019003008
458 Mognon, J. F. & Santos, A. A. A. Autoeficácia, desengajamento, impulsividade em motoristas

diminuição da possibilidade dos motoristas se envolve- para a construção da habilidade de dirigir, sendo impor-
rem em situações de risco (Lamounier & Rueda, 2005). tante que o seu papel seja mais bem compreendido, já
Desde 1962 a avaliação psicológica pericial é requisito que é indispensável para o processo de aprendizagem,
obrigatório para obtenção da Carteira Nacional de mas também é preciso entender a extensão que essas
Habilitação (CNH) e desde 1953, quando o motorista crenças podem refletir em uma avaliação irrealista e
exerce atividade remunerada (EAR). contribuir com a emissão de comportamentos de riscos.
Entretanto, além das habilidades tradicionalmente Corroborando essa ideia, Horsthuis (2011) identificou
investigadas na avaliação pericial, as crenças desses a autoeficácia como melhor preditora para o cometi-
motoristas sobre o trânsito e o respeito às normas mento de erros na direção, lapsos e violações do que as
sociais também podem ser relevantes para compreen- variáveis sexo e idade.
der os motivos dos acidentes de trânsito. Uma crença Os comportamentos de risco e consequentes
que precisa ser investigada é a autoavaliação dos transgressões às normas de trânsito são preocupantes,
motoristas sobre a sua capacidade para dirigir com visto que os condutores que não respeitam os limi-
segurança, a qual é denominada de autoeficácia para tes de velocidade e a sinalização e não usam cinto de
dirigir e embasada pela Teoria Social Cognitiva. Para segurança se envolvem mais com acidentes de trânsito
Bandura (1997), as crenças de autoeficácia referem-se (Magalhães & Loureiro, 2007). Estudos têm mostrado
ao julgamento pessoal sobre as suas capacidades para que não faltam aos motoristas atenuantes sociais ou
produzir os resultados esperados em uma determinada motivos exculpatórios que fazem parecer que o seu
tarefa. Vale lembrar que o construto de autoeficácia tem próprio comportamento não seja substancialmente
sido estudado em diversos contextos, como organiza- relevante para controlar a ocorrência de acidentes (Per-
cional, saúde, educacional e esporte (Bandura, 1997). feito & Hoffmann, 2003; Thielen, 2010).
No entanto, Delhome e Mayer (2004) já destacavam A interpretação dos resultados de comportamen-
que poucos são os estudos de autoeficácia relativos à tos e de julgamentos feitos nessa situação também
condução veicular. tem sido estudada pela Teoria Social Cognitiva em
Nesse sentido, as poucas pesquisas investigando a referência ao fenômeno denominado de desengaja-
autoeficácia para dirigir foram realizadas no exterior. O mento moral. Esse construto é entendido a partir das
fator idade pode ser entendido como importante ao se ideologias morais criadas pelas pessoas para justificar
avaliar a autoeficácia para dirigir, pois os resultados das seus comportamentos com objetivo de convencer a si
pesquisas (MacDonald, 2007; Stacey & Kendig, 1997) mesmo e aos outros que tais atitudes ou pensamentos
com motoristas com idades acima de 60 anos mostra- não são inadequados para determinada situação (Ban-
ram baixos níveis de autoeficácia, associados também dura, 1990).
com a baixa quantidade de quilômetros percorridos. O desengajamento moral tem sido estudado em
Ademais, no estudo de Taubman, Ari, Mikulincer e contextos desde processos de execução penal, práti-
Iram (2004), as altas pontuações em autoeficácia para cas terroristas e ações militares, degradação do meio
dirigir foram relacionadas à condução imprudente nos ambiente, até ações no mundo corporativo em que há
motoristas jovens. Com base nos resultados dos dois o uso de processos de produção prejudiciais à saúde
estudos, pode-se afirmar que o excesso de confiança humana (Azzi, 2011). No Brasil, os estudos com base
nas habilidades de dirigir nos jovens tende a contri- na teoria do desengajamento moral são recentes e apa-
buir com comportamentos de risco, enquanto para os recem relacionados a diversas temáticas, inclusive ao
motoristas idosos, há a falta de confiança em dirigir trânsito, remetendo especialmente ao cometimento de
com segurança. infrações (Iglesias, 2002; Luiza Neto, 2009).
No estudo de Delhome e Meyer (2004), os prin- Dentre os resultados da pesquisa de Iglesias
cipais resultados indicaram que os motoristas com (2002) com 100 motoristas do Rio de Janeiro, foi
escores baixos em autoeficácia para dirigir foram os identificada correlação positiva e significativa, de mag-
que cometeram mais erros, quando comparados aos nitude moderada entre o desengajamento moral e as
que apresentaram altos escores, enquanto os motoris- infrações de trânsito. No mesmo sentido, o estudo de
tas menos experientes na direção, mas que acreditavam Luiza Neto (2009) com 161 policiais do Distrito Fede-
muito na sua capacidade para dirigir, cometeram mais ral permitiu inferir que as justificativas morais mais
erros do que os motoristas com baixas crenças de recorrentes dadas pelos motoristas mascaravam o ato
autoeficácia. Para os autores, a autoeficácia contribui infracional, tornando-o menos repreensível. Ainda
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 19, n. 3, p. 457-466, set./dez. 2014
Mognon, J. F. & Santos, A. A. A. Autoeficácia, desengajamento, impulsividade em motoristas 459

nesse mesmo estudo, foram analisados os recursos da impulsividade, as pesquisas nacionais são escassas. O
interpostos junto ao Departamento Estadual de Trân- único estudo publicado que focalizou a impulsividade
sito, sendo verificado que predominavam justificativas em motoristas foi o de Pasa (2013), em uma amostra
atribuindo a responsabilidade pela multa ao aparelho de 158 condutores infratores e 181 não infratores da
medidor, à sinalização, ao órgão de trânsito, ao policial cidade de Porto Alegre. Os autores verificaram que a
e aos outros motoristas. impulsividade, bem como comportamentos de ingerir
Contudo, Iglesias (2008) ressalta que pessoas pací- bebida alcoólica, assumir infrações de outro condutor,
ficas também podem cometer atos antissociais, desde solicitar que outro condutor assumisse suas infrações
que legitimadas por algum pensamento que lhe sirva e a frequência com que o condutor dirige foram pre-
como justificativa. No entanto, no trânsito, não apenas ditores para o cometimento de infrações no trânsito.
circunstâncias momentâneas explicam os compor- Por outro lado, também se evidenciou que possuir mais
tamentos dos motoristas, já que dentre as principais anos de estudo representou um fator de proteção à dire-
variáveis preditoras de comportamento de risco no ção segura. As outras pesquisas encontradas buscaram
trânsito estão os traços de personalidade do condutor avaliar a personalidade de forma geral, e encontraram
(Pasa, 2013). alguns resultados relativos especificamente à impulsivi-
Em acréscimo, Santos, Boff e Konflanz (2012) dade, demonstrando que os motoristas com acidentes e
realizaram uma revisão de estudos internacionais que vítimas apresentam maiores médias para impulsividade
incluiu 13 artigos publicados entre os anos de 2000 a e que ela está associada com infrações de trânsito (Alves
2011, em que foram encontradas evidências de que a & Esteves, 2004; Lamounier, 2005).
avaliação dos traços de personalidade facilita a identi- Com base em Pasa (2013), alguns aspectos sociode-
ficação de motoristas com perfis de alto risco para o mográficos, como sexo, idade, escolaridade, frequência
envolvimento em infrações e acidentes de trânsito. Um com que dirige, tempo de CNH e fatores relacionados
dos traços de personalidade que se mostra relevante no ao funcionamento da personalidade, estão comumente
trânsito é a impulsividade, que se encontra diretamente associados à direção insegura. Assim, o objetivo deste
relacionada com comportamentos de risco (Araújo, estudo foi verificar possíveis diferenças nos escores dos
Malloy-Diniz & Rocha, 2009; Ryb, Dischinger, Kufera instrumentos que avaliam a autoeficácia para dirigir, o
& Read, 2006;). desengajamento moral e a impulsividade em razão de
A impulsividade, segundo Wickens, Toplak e variáveis como sexo, faixa etária, tempo de habilitação
Wiesenthal (2008) refere-se à busca intencional de ris- e frequência com que se dirige, bem como analisar se
cos e emoções e está diretamente ligada às violações. alguns desses construtos predizem multas e envolvi-
Diferente dos dois construtos já mencionados, a impul- mento em acidentes de trânsito.
sividade faz parte da Teoria do Traço e é definida por
Pueyo (2003) como a falta de autocontrole sobre os Método
processos emocionais e automáticos e tendência a atuar
de forma rápida e sem reflexão. Participantes
Pesquisas publicadas no exterior revelaram que a Participaram 500 motoristas em processo de
impulsividade está relacionada com a percepção e com- renovação de CNH em duas clínicas credenciadas ao
portamentos de risco no trânsito, como abuso de álcool DETRAN/PR da cidade de Curitiba. As idades dos
e excesso de velocidade (Ryb e cols., 2006); erros e participantes variaram entre 23 e 78 anos (M=40,61;
violações agressivas (Constantinou, Panayiotou, Kons- DP=12,88), 60,4% (n=302) era de sexo masculino e
tantinou, Loutsiou-Ladd & Kapardis, 2011); ainda, 88,2% (n=441) com escolaridade de ensino médio a
com multas e envolvimento em acidentes (González- pós-graduação. O tempo de habilitação dos condutores
-Iglesias, Gomes-Fraguela, Romero & Sobral, 2012). Os variou de 5 a 56 anos (M=16,82; DP=11,86), 62,2%
dados dessas pesquisas reafirmam a importância de se (n=306) declararam não ter tido multas nos últimos
focalizar a impulsividade no trânsito e a relevância da 12 meses e apenas 38,8% (n=192) tiveram de uma a
sua avaliação nos comportamentos dos condutores. 10 multas no último ano. No que se refere ao envolvi-
No entanto, apesar dos dados empíricos dos estu- mento em acidentes de trânsito, verificou-se que 174 do
dos recuperados e da resolução 425/2012 do Conselho total dos pesquisados já haviam sofrido, 102 (58,6%)
Nacional de Trânsito (CONTRAN) apontar que um dos declararam que apenas um durante o tempo que pos-
aspectos esperados do motorista é o controle adequado suem a CNH; 63 (36,2%), de dois a três; e apenas 9
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 19, n. 3, p. 457-466, set./dez. 2014
460 Mognon, J. F. & Santos, A. A. A. Autoeficácia, desengajamento, impulsividade em motoristas

(5,2%) mais de quatro acidentes. Contudo, 107 (61,5%) denominado de Reconstrução da conduta (com 10 itens
relataram ter sido vítimas dos acidentes, ou seja, ter- e α de 0,82) – referindo-se à racionalização da conduta
ceiros foram os responsabilizados pela situação. Já 38 em uma boa ação; o segundo fator denominado de Jei-
(21,8%) informaram terem sido responsabilizados pela tinho – possui itens referentes tanto aos mecanismos
ocorrência e 29 (16,7%) relataram ter sofrido mais de de Reconstrução da conduta como aos de Distorção
um acidente, sendo em algum momento vítima e, em do agente de ação (possui 11 itens e α de 0,82) – rela-
outro, responsabilizados. ciona-se à atribuição de culpa ao outro pelo seu ato e
racionalização da conduta; e o terceiro – predominân-
Instrumentos cia dos mecanismos de Distorção do agente da ação (7
itens e α 0,70) – refere-se a atribuição da sua culpa ao
Questionário Sociodemográfico outro.
Para obtenção de informações como sexo, idade,
escolaridade, estado civil, rendimentos mensais, tempo Escala de Avaliação da Impulsividade – EsAvI-A (Rue-
de carteira de motorista e categoria da CNH. Foi tam- da & Ávila-Batista, 2013)
bém perguntada a frequência com que dirige, além do O instrumento avalia a impulsividade e apresenta
número de multas nos últimos doze meses e o envolvi- propriedades psicométricas adequadas. Possui 36 itens
mento em acidentes de trânsito. divididos em quatro dimensões, nomeados como: fator
1 – falta de concentração e de persistência (composto
Escala de Autoeficácia para Dirigir (Mognon & Santos, por 14 itens e α=0,87) – que se refere à incapacidade
no prelo) que o indivíduo apresenta de manter o foco em uma
Tem como objetivo avaliar a crença dos motoristas determinada tarefa ou atividade por um tempo prolon-
em sua capacidade para dirigir veículos com segurança. gado sem se dispersar, assim como dar continuidade
Possui 28 itens distribuídos em uma escala com pontua- a algo que tenha iniciado; fator 2 – controle cognitivo
ção do tipo likert de 1 (pouco confiante) a 10 (totalmente (composto por 9 itens e α=0,85) – refere-se a quanto o
confiante). O resultado da análise fatorial exploratória indivíduo procura refletir sobre suas ações, buscando
indicou estrutura unifatorial e a confiabilidade, verifi- avaliá-las antes de agir ou responder aos estímulos
cada por meio do alfa de Cronbach, foi de 0,94. externos ou internos; fator 3 – planejamento futuro
(composto por 7 itens e α 0,78) – o qual avalia a capa-
Escala de Justificativas de Motoristas – EJM (Iglesias, cidade de planejar ações cujos efeitos não se restringem
2002 adaptada por Luiza Neto, 2009) ao momento presente; fator 4 – audácia e temeridade
O objetivo da escala é avaliar o cometimento de (composto por 6 itens e α 0,62) – refere a incapacidade
atos antissociais pelos motoristas e são avaliados por de avaliar situações que possam envolver algum risco,
meio de justificativas. Foi elaborada por Clark, Igle- bem como refletem a busca por sensações novas.
sias e da Silva (2000, apud Iglesias, 2002) com base na
Multifaceted Scale of Mechanismsof Moral Disengagement de Procedimento de coleta de dados
Bandura. Os itens do instrumento original foram sub- Com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa,
metidos a um processo de tradução e retradução por a autorização do DETRAN/PR e das proprietárias das
um pesquisador bilíngue, adaptando-os à temática do clínicas iniciou-se a coleta dos dados. Os candidatos
comportamento infracional no trânsito. Inicialmente à renovação que tiveram resultado de “apto” na ava-
composta por 57 itens, representava cada um dos qua- liação de aptidão física e mental eram encaminhados,
tro esquemas de desengajamento moral. A versão final individualmente, pelo médico, a uma sala previamente
de coleta, no entanto, apontou inconsistência em 20 preparada para a realização da pesquisa. Então, a pes-
dos 57 itens, mantendo-se um formato de 37 itens, os quisadora se apresentava, informava que o resultado no
quais foram avaliados por meio da análise de cinco juí- exame médico havia sido “apto”, bem como os motivos
zes especialistas em psicologia social, ambiental e do para o candidato ter sido encaminhado até a sala. Com
trânsito, indicando a necessidade de efetuar alterações isso, apresentava os objetivos da pesquisa e, principal-
de ordem semântica e a exclusão de um item ambíguo. mente, ressaltava que a participação era voluntária, que
Luiza Neto (2009) investigou as qualidades psi- os dados seriam mantidos em sigilo, que os procedi-
cométricas do instrumento e os resultados indicaram mentos do DETRAN e da pesquisa eram distintos e
uma versão final com 28 itens, sendo o primeiro fator independentes e que a avaliação não era obrigatória, e
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Mognon, J. F. & Santos, A. A. A. Autoeficácia, desengajamento, impulsividade em motoristas 461

caso não aceitassem participar não haveria nenhuma da normalidade. O método utilizado para seleção do
consequência no seu processo de renovação. Os con- melhor modelo foi o forward stepwise, pelo critério de
dutores que aceitaram participar da pesquisa assinaram máxima verossimilhança (Likelihood Ratio – LR). A ade-
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a quação do modelo de regressão logística foi verificado
pesquisadora explicava a forma de realização de cada pelo o teste Wald e o resultado foi significativo ao nível
instrumento. O tempo aproximado de cada aplicação de 5% (p<0,05), rejeitando-se a hipótese nula de que as
foi de 15 minutos. variáveis independentes avaliadas não produzem efeito
sobre as variáveis dependentes.
Procedimento de análise de dados
Os dados foram tabulados e analisados com o soft- Resultados
ware estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences),
versão 18.0. Depois, foram submetidos a procedimen- Considerando os objetivos estabelecidos, pri-
tos de estatística descritiva, sendo analisadas diferenças meiramente foram investigadas diferenças atribuídas
decorrentes de variáveis sociodemográficas com o teste à variável sexo. A Tabela 1 mostra os resultados das
t de Student, quando se compararam homens e mulhe- análises.
res, e com a ANOVA, para a comparação da amostra Os dados da Tabela 1 mostram as diferenças
de acordo com faixas etárias, tempo de experiência do estatisticamente significativas na EADir, e nas três
condutor e frequência com que dirige. Para a análise e dimensões da EJM, na dimensão Audácia e temeridade
regressão logística, seguiram-se alguns procedimentos e na variável envolvimento em acidentes sendo as maio-
padrão, como a verificação de ausência de multicoli- res médias para os homens, enquanto, no fator Falta
nearidade entre as variáveis por meio da correlação de concentração e persistência da EsAvI-A, as maiores
de Spearman, em razão da ausência do pressuposto médias foram para as mulheres.

Tabela 1. Análise para a variável sexo na EADir, EJM, EsAvI-A, multas e envolvimento em acidentes (N=500)
Sexo N Média Desvio padrão t p
EADIR M 302 242,26 31,118 0,001
F 198 229,69 37,399 4,042
Reconstrução da conduta M 302 11,78 3,915 0,053
F 198 11,13 3,245 1,946
Jeitinho M 302 15,35 5,055 0,027
EJM

F 198 14,35 4,840 2,235


Distorção do agente da ação M 302 7,65 2,718 0,019
F 198 7,15 2,440 2,013
Falta de concentração e persistência M 302 21,98 6,077 0,001
F 198 23,72 5,738 -3,237
Controle cogntivo M 302 29,32 4,801 0,639
EsAvI-A

F 198 29,12 4,518 0,476


Planejamento do futuro M 302 13,12 3,300 0,942
F 198 13,10 3,082 0,073
Audácia e temeridade M 302 13,48 3,439 0,042
F 198 12,84 3,338 1,962
Multas M 302 0,73 1,152 0,162
F 198 0,58 1,221 1,400
Acidentes M 302 0,75 1,644 0,003
F 198 0,39 0,703 2,937

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462 Mognon, J. F. & Santos, A. A. A. Autoeficácia, desengajamento, impulsividade em motoristas

Para a variável idade foram estabelecidos grupos Buscou-se também avaliar diferenças para a
com maior risco de acidentes de trânsito, segundo dados variável frequência com que os motoristas dirigiam
do Ministério da Saúde de 2010. Assim, os grupos foram semanalmente e aplicou-se a ANOVA. Os resul-
divididos, compreendendo o primeiro idades entre 23 a tados indicaram diferença significativa na EADir
29 anos; o segundo, de 30 a 39 anos; o terceiro, de 40 a 49 [F(2,497)=42,032; p<0,001] para multas [F(2,
anos e o último grupo com idades acima de 50 anos. Os 497)=8,941; p<0,001] e envolvimento em acidentes
resultados indicaram diferenças estatisticamente signifi- [F(2, 497)=11,816; p<0,001]. O post-hoc de Tukey indi-
cativas nos escores da EADir [F(3,496)=5,706; p<0,001] cou que os motoristas que dirigem uma vez ou mais
com menor média para os com mais de 50 anos; e nas por dia apresentaram escores em autoeficácia para
dimensões da EsAvI-A – Falta de concentração e Per- dirigir, número de multas e envolvimento em aciden-
sistência [F(3,496)=4,106; p=0,006], Planejamento do tes maiores que os que dirigem uma vez por semana e
futuro [F(3,496)=8,947; p=0,001] e Audácia e temeri- este, maior que os que raramente dirigem.
dade [F(3,496)=7,626; p=0,001] com maiores médias Com o objetivo de compreender se os construtos
para os motoristas mais jovens, enquanto, na dimensão de autoeficácia para dirigir (EADir), desengajamento
Controle cognitivo [F(3,496)=6,103; p=0,001], a maior moral (EJM) e impulsividade (EsAvI-A) predizem o
média foi para os motoristas acima de 50 anos. número de multas nos últimos doze meses e o envolvi-
Quanto à variável tempo de obtenção da CNH, mento em acidente de trânsito, utilizou-se a regressão
julgou-se pertinente realizar a comparação conside- logística. Os resultados indicaram que, na EADir, o
rando-se o efeito da variável idade. Foram incluídas a modelo prediz o número de multas (OR=1,62; IC 95%
autoeficácia para dirigir, os fatores da EJM, as dimen- 1,28-2,05) e envolvimento em acidentes (OR=1,42;
sões da EsAvI-A, número de multas e acidentes. Para IC 95% 1,13-1,78), enquanto, para a EJM, a dimensão
tanto, recorreu-se à MANOVA, cujos resultados indi- Reconstrução da conduta (OR=1,29; IC 95% 0,98-
caram diferenças estatisticamente significativas apenas 1,66), o envolvimento em acidentes e o fator Jeitinho
nos escores da EADir [Wilks’λ=0,921, F(3,496)=5,20, na predição de multas (OR=1,33; IC 95% 1,02-1,72).
p< 0,002; η2=0,032). Na Figura 1 é possível verificar a Por fim, a dimensão Falta de concentração e persis-
separação dos grupos para tempo de CNH quanto às tência da EsAvI-A contribui com a predição de multas
pontuações na EADir. (OR=1,25; IC95% 0,97-1,56). Os resultados indicam
A Figura 1 traz os dados obtidos na EADir, visto que pessoas que acreditam muito na sua capacidade
que foi a única que apresentou diferença significativa, como motorista apresentaram uma probabilidade
quando se considerou tempo de CNH e se controlou o aproximadamente 50% maior de terem multas e envol-
efeito da idade. Os resultados indicaram que a autoefi- vimento em acidentes. Os motoristas que se utilizam
cácia para dirigir aumenta conforme aumentam os anos mais de justificativas baseadas na Reconstrução da
de obtenção da CNH. conduta têm maiores chances de envolvimento em
acidentes. Já em relação ao cometimento de multas, as
pessoas que julgaram utilizar justificativas baseadas no
fator Jeitinho apresentaram probabilidade maior, bem
como as que pontuaram mais em Falta de concentração
e persistência.

Discussão e Considerações finais

O trânsito tem se configurado como um ambiente


propício para investigações empíricas da psicologia, já
que o número de acidentes é crescente e a causa humana
(Hoffmann, 2005; Rozestraten, 1988) aparece como
responsável por maior parte dessas ocorrências. Com o
propósito de ampliar a compreensão sobre aspectos do
fator humano, foram avaliadas as diferenças relativas às
variáveis sexo, idade, tempo de habilitação e frequência
Figura 1. Tempo de CNH e pontuações na EADir com que dirige. Foi também analisado se os escores de
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Mognon, J. F. & Santos, A. A. A. Autoeficácia, desengajamento, impulsividade em motoristas 463

medidas de autoeficácia para dirigir (EADir), de desen- estudo de Taubman e cols. (2004), o excesso da auto-
gajamento moral (EJM) e de impulsividade (EsAvI-A) confiança na capacidade para dirigir foi relacionadas à
podem predizer multas e envolvimento em acidentes condução imprudente nos motoristas jovens. Diante
de trânsito. disso, estudos futuros deverão ocorrer para melhor
No que se refere à variável sexo, verificou-se que esclarecer o papel do fator idade e dos aspectos cogni-
os homens apresentaram médias significativamente tivos na autoeficácia para dirigir.
maiores em Autoeficácia para dirigir, nos fatores Recons- Na EsAvI-A, as diferenças foram significativas
trução da conduta, Jeitinho e Distorção do agente da nas dimensões Falta de concentração e persistência,
ação da EJM, na dimensão Audácia e temeridade da Planejamento do futuro, e Audácia e temeridade, com
EsAvI-A e na variável envolvimento em acidentes. A maiores médias para os motoristas com idades entre 23
partir dos resultados, é possível inferir que os homens e 29 anos. Contudo, na dimensão Controle cognitivo,
acreditam mais na sua capacidade para dirigir e se valem a maior média foi obtida por motoristas de 50 anos ou
de mecanismos para transformar o seu ato prejudicial mais. Com base na descrição do que representa cada
no trânsito em uma boa conduta, distorcendo os seus dimensão, pode-se afirmar que os motoristas mais
efeitos maléficos por meio de justificativas socialmente jovens foram os que declararam apresentar maior difi-
aceitas com objetivo de evitar penalidades em benefício culdade para manter o foco em determinada atividade
próprio. Apresentam, também, incapacidade de avaliar por um tempo prolongado, bem como em dar con-
as situações que envolvem risco e tendem a buscar por tinuidade a algo que tenham iniciado. Apesar disso,
sensações novas, consequentemente tendem a ter maior declararam que planejam suas ações futuras, mas não
envolvimento em acidentes de trânsito. avaliam as situações que podem envolver risco e buscam
Há congruência desses achados com os resul- por sensações novas, enquanto os mais idosos declara-
tados da revisão realizada por Magalhães e Loureiro ram que procuram refletir sobre suas ações. Aspectos
(2007) e dos dados de 2010 do Ministério da Saúde, referentes à idade são importantes para compreen-
nos quais os homens integram o grupo de risco, sendo são dos comportamentos dos motoristas no trânsito,
a maioria nos acidentes de trânsito. Embora não haja embora não tenham sido encontradas diferenças signi-
estudos que corroborem os dados sobre o desengaja- ficativas no número de multas e de envolvimento em
mento moral, aqui encontrados, a pesquisa de Luiza acidentes. Contudo, este achado, em especial, deve ser
Neto (2009) identificou predomínio dos homens nas avaliado em novos estudos, já que, segundo dados de
solicitações de recursos aos órgãos de trânsito contes- 2010 do Ministério da Saúde, os jovens entre 24 e 35
tando as multas recebidas, o que pode ser indicativo anos são os maiores envolvidos com acidentes de trân-
da não aceitação da ocorrência, com possível autojul- sito, e a literatura tem destacado que pessoas impulsivas
gamento positivo sobre a habilidade no trânsito ou apresentam mais comportamentos de riscos e obtêm
pela justificação de sua conduta ao volante. Quanto mais multas (Araújo e cols., 2009; Ryb e cols., 2006)
à impulsividade, González-Iglesias e cols. (2012) não e maior envolvimento em acidentes (Alves & Esteves,
encontraram diferenças significativas para a variável 2004; Constantinou e cols., 2011; Lamounier, 2005).
sexo. Mas, os resultados da presente pesquisa refor- Tanto no que se refere ao tempo de obtenção
çam a necessidade de se investigar essa variável, pois da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) como
além dos fatores biológicos e inatos, aspectos culturais à frequência com que os motoristas dirigem, foram
e contextuais ligados às diferenças entre os sexos no identificadas diferenças significativas nos escores da
trânsito precisam ser explorados. EADir e no número de multas e acidentes. Tais resul-
No que se refere à faixa etária, foram identificadas tados revelaram que a autoeficácia para dirigir aumenta
diferenças significativas na EADir, com menor média gradativamente com o tempo que se possui a CNH, che-
para os motoristas da faixa etária acima de 50 anos, gando a níveis bastante altos quando se tem 24 anos de
indicando que eles acreditam menos na sua capacidade habilitação. Também, quanto mais a frequência sema-
para dirigir com segurança. Este resultado assemelha- nal que o motorista dirige mais confiante se sente na
-se aos de Stacey e Kendig (1997) e McDonalds (2007), direção, o que pode contribuir, consequentemente, com
o que possibilita deduzir que, ao perceber a diminui- maior número de multas e envolvimento em acidentes.
ção das capacidades cognitivas, os motoristas sintam-se Assim, esses resultados indicam que a autoeficácia para
menos confiantes e evitem dirigir. Mas, vale ressaltar dirigir está atrelada à aquisição de habilidades e expe-
que, quanto à idade, há dissenso na literatura, já que, no riência. Com isso, pressupõe-se que ações no sentido
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464 Mognon, J. F. & Santos, A. A. A. Autoeficácia, desengajamento, impulsividade em motoristas

de prolongar o treinamento nos centros de formação refletem as crenças que têm sobre o trânsito, as normas
de condutores (autoescolas) podem contribuir para que e os outros motoristas, que podem sofrer interferência
os futuros condutores sintam-se mais autoeficazes para da cultura e do contexto no qual estão inseridos.
dirigir. Além disso, é importante, também, que sejam No que diz respeito ao fator “Jeitinho”, verifi-
feitos estudos que busquem compreender o quanto a cou-se que os motoristas que mais recorreram a esse
autoeficácia para dirigir pode contribuir para que os esquema, que é a busca por resolução de problemas por
motoristas assumam comportamentos de risco. meio da influência social, combinando-a com truques
Com objetivo de compreender essa última indaga- de esperteza e quebra das regras sociais, apresentam
ção, aplicou-se a regressão logística nos dados. Assim, maiores chances de ter multas. Luiza Neto (2009) tam-
verificou-se que os motoristas com escores altos em bém identificou que esse esquema está presente nas
autoeficácia para dirigir têm maiores chances de ter justificativas dos motoristas tanto no momento das
multas e envolvimento em acidentes. Outros estudos abordagens dos policiais como nos recursos de multas
já apontavam a autoeficácia para dirigir como preditora interpostos ao DETRAN, quando são usados argu-
para a frequência de arriscar-se na direção e compor- mentos que variam desde a sensibilização da polícia e
tamentos de risco no trânsito, como violações, erros agentes de trânsito, invocação de prestígio até a ameaça.
perigosos, atenção inadequada e lapsos (Horsthuis e Para as dimensões da Escala de Avaliação da
cols., 2011; Taubman e cols., 2004). Com isso, eviden- Impulsividade (EsAvI-A) somente foi encontrada
ciou-se a necessidade de novos estudos nacionais, visto predição para a dimensão “Falta de concentração e per-
que estudos estrangeiros, como o de Delhome e Meyer sistência” com multas, indicando que as pessoas com
(2004), já apontaram que a autoeficácia contribui para o dificuldade para manter o foco por tempo prolongado
aprimoramento da habilidade de dirigir, mas, também, em algo têm maiores chances de cometer multas. Nesse
que o excesso de confiança nesta habilidade pode levar caso, a distração parece estar mais implicada com o erro
os motoristas a superestimar o controle que podem do que com a imprudência. Esse resultado é em parte
exercer sobre as situações de condução e tornar-se esperado, já que a atenção é essencial no contexto do
uma possível ameaça para multas e acidentes. Adicio- trânsito, tanto que a avaliação deste construto é obri-
nalmente, seria conveniente que investigações fossem gatória nos processos de avaliação psicológica pericial.
realizadas com amostras ampliadas e diversificadas, pre- Mas o resultado encontrado na pesquisa não identificou
ferencialmente recorrendo a outras estratégias, como o as outras características da impulsividade avaliadas pela
uso de simuladores de direção, a fim de verificar a auto- EsAvI-A como preditoras para o envolvimento em aci-
percepção do motorista e compará-la com dados reais dentes de trânsito, diferindo do estudo de Pasa (2013).
de como ele dirige. Todavia, Araújo e cols. (2009) já haviam concluído, em
Os resultados da análise de regressão indicaram seu estudo de revisão da literatura, que a relação entre
ainda maior probabilidade de envolvimento em aciden- impulsividade e acidente de trânsito é controversa.
tes também para os motoristas que utilizam o esquema Assim, dada a importância que esse construto repre-
“Reconstrução da conduta”. O uso desse esquema visa senta na avaliação pericial no trânsito, esses achados
transformar o ato prejudicial em uma boa conduta, merecem ser retomados em estudos futuros.
podendo ser utilizado pelos motoristas para minimizar Não se pode deixar de apontar as limitações deste
o efeito negativo da ação transgressora sobre si mesmo. estudo. A primeira refere-se ao uso de instrumentos de
No estudo de Iglesias (2002) já havia sido apurada autorrelato, bem como ao uso para apuração do envol-
correlação de magnitude moderada entre esse mesmo vimento em multas e acidentes, visto que os resultados
fator com infrações de trânsito. Igualmente, Luiza Neto podem não corresponder à realidade, pois a desejabi-
(2009) identificou o uso recorrente desse esquema na lidade social estava muito presente, dado o cenário da
justificação às infrações de trânsito. Ressalta-se que não pesquisa, em uma clínica de avaliação pericial para o
houve como comparar com os resultados encontrados trânsito e em processo de renovação da CNH. Embora
no que se refere ao envolvimento em acidentes, já que tenham sido tomados cuidados no momento da abor-
essa variável não foi contemplada nas pesquisas citadas, dagem para a participação da pesquisa, é importante
que focalizaram apenas as multas. No entanto, parece que haja cautela na interpretação dos dados.
que essas variáveis estão diretamente relacionadas Conclui-se que os fatores envolvidos na ocor-
entre si, como verificado no estudo de Constantinou rência de comportamentos de risco que resultam em
e cols. (2011). Mas são necessários novos estudos, já multas e acidentes são multideterminados. Apesar disso,
que as justificativas morais fornecidas pelos motoristas espera-se que os resultados encontrados nesta pesquisa
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Mognon, J. F. & Santos, A. A. A. Autoeficácia, desengajamento, impulsividade em motoristas 465

possam contribuir com o avanço da psicologia do Hoffmann, M. H. (2005). Comportamento do condu-


trânsito e instiguem pesquisadores e profissionais inte- tor e fenômenos psicológicos. Psicologia: Pesquisa e
ressados pelo comportamento humano neste contexto Trânsito, 1(1), 17-24.
à realização de novos estudos. Pois, para a psicologia do
Horsthuis, S. M. G. M. (2011). De bijdrage van demografische
trânsito, é importante que sejam identificadas as carac-
en psychologische determinanten aan riskant rijgedrag door
terísticas humanas associadas aos comportamentos dos
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motoristas que poderão ser consideradas nos processos
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Nota das autoras:

Este artigo se deu com base na dissertação de mestrado da primeira autora intitulada “Estudos para construção da
Escala de Autoeficácia para dirigir (EADir)”, e as autoras agradecem à CAPES pelo financiamento da pesquisa.

Sobre as autoras:

Jocemara Ferreira Mognon é psicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia na área de concentração Avaliação Psi-
cológica na Universidade São Francisco-Itatiba/SP e bolsista CAPES.

Acácia Aparecida Angeli dos Santos é Psicóloga, doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano
pela USP e docente da Graduação e do Programa de Pós-Gradução Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São
Francisco –Itatiba/SP.

Contato com as autoras:

Dra. Acácia A. Angeli dos Santos – Universidade São Francisco – Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Rua
Alexandre Rodrigues Barbosa, n. 45
CEP: 13251-040. Itatiba/SP.
E-mail: acacia.angeli@gmail.com
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 19, n. 3, p. 457-466, set./dez. 2014
wwwSVLFRORJLDFRPSW
Docum ent o produzido em 22- 10-2006


$9$/,$d­236,&2/Ï*,&$'(&21'8725(6
'(9(Ë&8/267(55(675(612%5$6,/
(2006)

&DUROLQD%DUWLORWWL
Psicóloga Especialista em Avaliação Psicológica.
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia UFSC – Brasil
Pesquisadora do Laboratório de Psicologia do Trabalho e Ergonomia e Núcleo de Avaliação
e Perícia Psicológica – UFSC (Brasil)

(YkQHD-RDQD6FRSHO
Psicóloga
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia UFSC – Brasil
Pesquisadora do Laboratório de Psicologia do Trabalho e Ergonomia e Núcleo de Avaliação
e Perícia Psicológica – UFSC (Brasil)

3DXOD&ULVWLQD*DPED
Psicanalista e Especialista em Avaliação Psicológica

&RQWDFWRV
evanea@terra.com.br

5(6802

No dias atuais, é indiscutível a importância dos automóveis e dos sistemas de transporte no


dia a dia das pessoas. Praticamente todos nós interagimos de alguma forma com o trânsito, direta
ou indiretamente seja como pedestre, passageiro ou condutor, sendo a via o espaço público mais
utilizado por todos os seres humanos. Segundo dados publicados pelo Departamento de Trânsito
de Santa Catarina, em 2001 o número total de condutores habilitados no Brasil era de
33.500.000, em 2002 passou a 35.099.960 e em 2003 já eram 37.144.993 de condutores
habilitados no país. Desta forma, uma grande parcela da população está diretamente envolvida
com o trânsito, mais especificamente desenvolvendo papel de condutores de veículos
automotores.

3DODYUDVFKDYH avaliação psicológica, instrumentos de medida, PPET, trânsito

Carolina Bunn Bartilotti; Evanea Joana Scopel; Paula Cristina Gamba 1


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Ser pedestre e passageiro é um direito; todos nós temos o direito de ir e vir pelas ruas sem
ter que portar nenhuma autorização. Porém, ser condutor é uma concessão; e para que as pessoas
possam conduzir veículos automotivos é necessário cumprir algumas exigências impostas pelo
Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), especificadas na Resolução nº. 080/98 –
CONTRAN. Nesta Resolução, estão elencados os exames exigidos para obtenção da Carteira
Nacional de Habilitação (CNH), são eles:

• Exame Clínico Geral: este inclue avaliação oftalmológica; otorrinolaringológica;


neurológica; cardio-respiratória e do aparelho locomotor. Além disso, podem ser
solicitados exames complementares ou especializados a critério médico.

• Avaliação Psicológica (A.P.): esta avaliação deve ser feita por um Psicólogo Perito
Examinador do Trânsito (PPET1) que aferir psicometricamente as características
psicológicas referentes à área percepto-reacional, motora e nível mental; do equilíbrio
psíquico e habilidades específicas.

Muitas características envolvidas na ação DIRIGIR envolvem, além de habilidades físicas e


motoras, alguns (muitos) fenômenos psicológicos, tais como: atenção, percepção, tomada de
decisão, motricidade, reação, nível mental, dentre outros que podem ser mensurados de diferentes
maneiras (Dagostin, 2006). O objetivo deste artigo é apresentar à comunidade portuguesa quais
instrumentos de medida psicológica estão sendo utilizados no Brasil para avaliação de condutores
de veículos terrestres.
A área percepto-reacional e motora deve aferir os fenômenos que seguem. A DWHQomR, é o
processo psicológico através da qual concentramos a nossa atividade psíquica sobre um estímulo
específico, seja este estímulo uma sensação, uma percepção, representação, afeto ou desejo, a fim
de elaborar os conceitos e o raciocínio. Ou seja, realizar uma atividade. No caso dos condutores,
é esperado que demonstrem um nível de atenção capaz de discriminar estímulos e situações
adequados para a execução das atividades relacionadas à condução de veículos.
A atenção pode ser, basicamente de 3 tipos: concentrada, difusa e discriminativa. Por
atenção concentrada entende-se que é a função em que os interesses de focalização (dos
estímulos) são dirigidos a um centro onde existe apenas um estímulo ou onde estão reunidos um
grupo de estímulos que tenham características em comum. A atenção difusa é a função mental

1
Para que o psicólogo possa atuar como Perito Examinador do Trânsito (PPET), ele deve fazer um curso de Perito
Examinador do Trânsito, com duração de aproximadamente 80 horas.

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que focaliza, de uma só vez, diversos estímulos que estão dispersos espacialmente, realizando
uma captação rápida de informações e fornecendo um conhecimento instantâneo para o
indivíduo. A atenção discriminativa é a função mental que ao focalizar dois ou mais estímulos
diferentes, necessita realizar uma discriminação, uma separação, para tornar em consideração
somente o estímulo de seu interesse e assim emitir uma resposta específica (Tonglet, 1999).
Na resolução 080/98 está descrito que o perito examinador do trânsito deve avaliar a
atenção (na área percepto-reacional) e a atenção concentrada (habilidade específica). Desta forma
a informação descrita na resolução não é precisa quanto a avaliação da atenção; não está claro se
o psicólogo deve avaliar o construto atenção em seus 3 tipos, ou somente a atenção concentrada.
A SHUFHSomR é o processo mental através do qual a informação sensorial é organizada e
integrada significativamente, podendo, desta maneira, ser reconhecida. “A vivência
fenomenológica das percepções não corresponde exatamente à influência direta do meio externo
sobre os receptores do sistema nervoso, mas sim à maneira particular como o cérebro organiza e
representa essa influência” (Bastos, 2000).

A moderna psicologia da percepção (...) considera a percepção como um processo


ativo da busca da correspondente informação, distinção das características essenciais
de um objeto, comparação das características entre si, criação de uma hipótese
apropriada e, depois, comparação desta hipótese como os dados originais (Luria,
1979).

O processo psicológico deWRPDGDGHGHFLVmRpode ser definido como sendo a escolha entre


duas ou mais alternativas de ação que possibilite o resultado esperado, ela constitui uma ação que
requer conhecimento técnico, lógica, dados e informações disponíveis, equacionando as
alternativas possíveis.
No que se refere à PRWULFLGDGH, ela engloba os aspectos psicológicos, organizativos e
subjetivos do movimento. A UHDomR é o resultado ou resposta a um estímulo ativado por um
agente estranho ao organismo. Nos seres vivos superiores há três reações emocionais tidas como
básicas: reação de choque, reação agressiva e reação afetuosa. A reação ao choque é a resposta
emocional de susto, com forte contração muscular. A reação agressiva é àquela resposta
caracterizada por comportamentos agressivos ao estímulo. Já a reação afetuosa caracteriza-se por
relaxamento muscular, movimentos mais calmos, podendo ser acompanhada de expressões de
satisfação.
Outro aspecto importante na área percepto-reacional e motora que deve ser avaliado é a
FRJQLomR. Esta caracteriza-se por uma representação global da realidade, que é entendida como

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um ato de conhecimento da consciência. Os fatos oferecidos pelo mundo à nossa volta resultarão
numa representação única e individual para cada um de nós, e será esta representação que
constituirá a realidade particular de cada indivíduo. Desta forma, a representação da realidade
(mais importante que a própria realidade) será tão mais completa, global e integrada quanto
maior a capacidade de consciência que a pessoa tem dos fatos ao seu redor.

A área do equilíbrio-psíquico abrange os seguintes fenômenos psicológicos:

a) ansiedade e excitabilidade
b) ausência de quadro reconhecidamente patológico;
c) controle adequado da agressividade e impulsividade;
d) equilíbrio emocional;
e) ajustamento pessoal-social;
f) demais problemas correlatos (alcoolismo, epilepsia, droga adição, entre outros), que
possam detectar contra-indicações à segurança do trânsito.

Segundo a Resolução 080/98 CONTRAN, estas características devem se avaliadas por


meio de técnicas psicológicas, entrevistas e observação durante os exames.
Por último, na área das habilidades específicas, o psicólogo deve avaliar, por meio de
testes psicológicos, os seguintes fenômenos/processos: WHPSR GH UHDomR UDSLGH] H UDFLRFtQLR
DWHQomRFRQFHQWUDGDHUHODo}HVHVSDFLDLVA relação espacial é a função psíquica que se encontra
em íntima relação com o estado de consciência e com a capacidade cognitiva. Define-se pelos
pontos básicos de espaço e tempo (orientação alopsíquica).
Desta forma, diante de tantos fenômenos e processos psicológicos que estão envolvidos
no ato de dirigir, é indiscutível que haja uma preocupação de se avaliar de forma precisa estes
construtos. Para isso, o psicólogo brasileiro tem à disposição diversas técnicas de exame que
poderão auxiliá-lo no seu processo de avaliação dos condutores. Faz-se importante esclarecer que
o Anexo II da Resolução 080/98 CONTRAN, apesar de descrever de forma detalhada quais
elementos devem ser mensurados no processo de avaliação psicológica de condutores, ela não
define quais instrumentos devem ser utilizados. Sendo assim, os PPET têm uma margem de
manobra bem ampla na escolha do instrumental que fará uso durante as avaliações. Na tabela 1
pretende-se fazer um breve levantamento dos testes comercializados no Brasil e apresentar sua
aplicação na avaliação de condutores.

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(GLWRUD
  
      
 
        
d2 Avaliação da atenção concentrada visual e, em CETEPP
sentido mais amplo, da capacidade de concentração.
TACOM A e TACOM B Investiga, avalia e mensura a Atenção Concentrada Vetor
de motoristas.
BFM 4 Mensura a atenção concentrada através de um Vetor
modelo de avaliação complexo permitindo que se
possa avaliar com maior profundidade e sob uma
maior pressão de tempo, os candidatos à obtenção da
C. N. H. e motoristas em geral
BGFM-2 Mensura a atenção concentrada com enfoque Vetor
neuropsicológico sobre a atenção e a emoção.
Atenção concentrada Possibilita tanto a visualização dos percursos
cerebrais das vias corticais e subcorticais como
também as interferências das emoções nos sistemas
atentivos
AC Avalia a capacidade que o sujeito tem de manter a Vetor
sua atenção concentrada no trabalho durante um
período.
AC 15 Avalia a capacidade que o sujeito tem de manter a Vetor
sua atenção concentrada no trabalho durante um
período. Além disso permite avaliar fadiga, a
resistência à monotonia e de modo indireto o
interesse pelo tipo de trabalho realizado
Deve ser avaliada através de técnicas psicológicas.

BGFM-1 Avalia a atenção difusa. Vetor


Atenção difusa TADIM e TADIM 2 Investiga, avalia e mensura a Atenção Difusa de Vetor
motoristas.
Atenção discriminativa
TADIS 1 e TADIS 2 Investiga, avalia e mensura a Atenção Discriminativa Vetor
de motoristas.
,
+ Percepção Não há testes específicos.
* )'$ Tomada de decisão Não há testes específicos.
Motricidade e reação Não há testes específicos.
") O TEMPLAM foi elaborado com a finalidade de Vetor
& #'% ( investigar, avaliar e mensurar tanto a memória de
$" Cognição (Memória) BFM - 2 (TEMPLAM)
curto termo como a memória de longo termo dos
candidatos à obtenção da C. N. H. e motoristas que
! "# estão mudando de categoria, bem como aqueles que
estão renovando os exames.

É uma bateria multidimensional padronizada de


avaliação das habilidades cognitivas que oferece
estimativas tanto do funcionamento cognitivo geral Casa do
BPR-5
quanto das forças e fraquezas em cinco áreas mais psicólogo
específicas: raciocínio abstrato, verbal, visual-
Habilidades Cognitivas espacial, numérico e mecânico
É uma bateria de avaliação das habilidades cognitivas
que oferece estimativas em cinco áreas mais
BRD específicas: Raciocínio Verbal (VR), Raciocínio LabPam
Numérico (NR), Raciocínio Abstrato (AR), Raciocínio
Mecânico (MR) e Raciocínio Espacial (SR).
BFM 3 O TRAP - 1 foi elaborado com a finalidade de Vetor
investigar, avaliar e mensurar o raciocínio lógico de
motoristas.
R1 Avaliar a inteligência geral; é usado principalmente Vetor
para examinar motoristas e caracteriza-se por ser
uma medida não-verbal de inteligência.
O teste das matrizes progressivas de Raven – Escala
Geral – avalia aspectos importantes do potencial
Nível mental
intelectual. As matrizes se constituem num teste que
Raven CEPA
demonstra a capacidade que o examinando possui,
no momento da testagem, para desenvolver um
método sistemático de raciocínio.
G-36 Avalia a inteligência de forma geral e foi construído Vetor
com base nas Matrizes Progressivas de Raven. É
uma medida não-verbal de inteligência.
G-38 O G-38 é baseado nos mesmos princípios do G-36. Vetor

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(GLWRUD
  
      
 
        

Inventário de Ansiedade de Avalia a presença ou ausência de ansiedade e Casa do


Ansiedade e excitabilidade
Beck mensura sua intensidade. Psicólogo
Controle adequado da Avalia aspectos da personalidade do sujeito, inclusive
agressividade e PLG características de controle da agressividade e Vetor
impulsividade eimpulsividade.
Avalia aspectos da personalidade do sujeito, inclusive
Equilíbrio Emocional PLG Vetor
características de equilíbrio emocional.

* $'0
Ajustamento pessoal - Avalia aspectos da personalidade do sujeito, inclusive
PLG Vetor
social características de ajustamento pessoal e social.
1 /%3
O PLG é capaz de apontar indício de intoxicação por
PLG Vetor
*' Demais problemas
substâncias psicoativas e sinais de epilepsia.
,12* # 0 correlatos (alcoolismo, O PMK é uma prova de expressão gráfica que se
epilepsia, droga adição, propõe a explorar a personalidade, estudando sua
"/ entre outros), que possam fórmula atitudinal mediante a análise das tensões
.' detectar contra-indicações PMK musculares involuntárias, que revelam as tendências Vetor
- ")#
à segurança do trânsito fundamentais de reação, constituído por suas
peculiaridades temperamentais e caracterológicas. É
capaz de detectar sinais de intoxicação e epilepsia.
O EFN tem como objetivo avaliar a personalidade a
Testes de personalidade Casa do
EFN partir do levantamento de Traços de Personalidade e
em geral psicólogo
os resultados podem ser equiparados ao DSM-IV
Há testes que avaliam o
Rapidez de raciocínio raciocíonio, porém nenhum
avalia a rapidez de raciocínio.

Atenção concentrada Testes disponíveis já descritos.

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&216,'(5$d®(6),1$,6

Apesar do sistema trânsito ter muitos elementos comuns em todos os países, cada federação
têm seu próprio Código de trânsito com suas especificidades. Porém, as habilidades do condutor
devem ser semelhantes seja num condutor brasileiro ou japonês independentemente da tecnologia
empregada nos veículos. Não importa se há sensores de velocidade no automóvel, se este é
hidramático ou não; o condutor terá que ter algumas habilidades essenciais para operar o
automóvel (analisar os fatores de risco da situação, tomada de decisão, concentração, atenção,
etc). Sendo assim, o objetivo deste artigo foi apresentar à comunidade portuguesa quais são os
fenômenos psicológicos que devem ser avaliados no processo de avaliação psicológica dos
condutores brasileiros e quais instrumentos de medida são utilizados pelos Psicólogos Peritos
Examinadores de Trânsito no Brasil.

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5()(5Ç1&,$6

Bastos, Cláudio Lyra. (2000). Manual do exame Psíquico: uma introdução prática à
psicopatologia. Rio de Janeiro: Revinter.

Luria, A.R. (1979). Curso de Psicologia Geral (Vol. 1). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira.

Tonglet, Em. (1999). Bateria de Funções Mentais para motoristas. São Paulo: Vertor
Editora Psicopedagógica.

Dagostin, C. (2006). Características do processo de trabalho dos psicólogos peritos


examinadores de trânsito na avaliação das condições psicológicas para dirigir. Dissertação de
Mestrado (Programa de Pós-graduação em Psicologia – UFSC). Florianópolis: UFSC.

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Ciências & Cognição 2011; Vol 16 (2): 013-029 <http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição
Submetido em 08/11/2010 | Revisto em 17/05/2011 | Aceito em 22/07/2011 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de agosto de 2011

Artigo Científico

Funções psicológicas e cognitivas presentes no ato de dirigir e sua


importância para os motoristas no trânsito
Psychological and cognitive functions in the act of driving and its importance for drivers in
traffic

Amanda B. Balbinota,, Milton A. Zarob,  e Maria I. Timmc


a
Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil; bPrograma de Pós-
Graduação em Neurociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil; cCentro Nacional de Supercomputação
(CESUP), UFRGS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Resumo

Este artigo tem por objetivo apresentar as funções psicológicas e cognitivas que motoristas
utilizam ao dirigir e suas implicações em relação a segurança no trânsito. O tema merecer
atenção, frente aos dados estatísticos preocupantes de acidentes no trânsito, que vitimam
pessoas todos os dias e ressaltam a necessidade eminente de pesquisas e investimentos nesta
área. A condução de um veículo envolve múltiplos estímulos cognitivos e atitudes do
motorista, sendo uma atividade complexa, que muitas vezes não é compreendida em todas as
suas dimensões. O estudo realizado é de cunho teórico e exploratório. A compreensão e
identificação das principais funções psicológicas e cognitivas do ato de dirigir favorecem
a avaliação de fatores preditores de comportamentos de risco, assim sua relevância em
corroborar para a efetividade de intervenções preventivas no trânsito. © Cien. Cogn.
2011; Vol. 16 (2): 013-029.

Palavras-chave: funções psicológicas; funções cognitivas; dirigir; motoristas.

Abstract

This article aims to present the psychological and cognitive functions that drivers use to drive
and its implications for traffic safety. The subject deserves attention, facing the troubling
statistics of traffic accidents, killing people every day and highlight the perceived need of
investment and research in this area. Driving a car involves multiple cognitive stimulation and
behavior of the driver, being a complex activity that is often not understood in all its
dimensions. The study is of theoretical and exploratory. The understanding and identification
of predictors of risk behavior in traffic have relevance for to the effectiveness of preventive
interventions. The understanding and identification of major psychological and cognitive
functions of driving favor the evaluation of predictors of risk behaviors, and their relevance to
corroborate the effectiveness of preventive interventions in traffic. © Cien. Cogn. 2011; Vol.
16 (2): 013-029.

 - A.B. Balbinot - Endereço para correspondência: Av. Paulo Gama, 110 - prédio 12105, 3º andar, sala 332.
Porto Alegre, RS 90.040-060, Brasil. E-mail para correspondência: ambalbinot@gmail.com. M.A. Zaro - E-mail
para correspondência: zaro@ufrgs.br.

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Keywords: psychological functions; cognitive functions; drive; drivers.

1. Introdução

O ato de dirigir envolve um complexo processo de interação das funções psicológicas


e cognitivas. Os motoristas estão expostos no trânsito a fatores de risco, e conduzir um
veículo envolve memória, atenção, tomada de decisões em um ambiente repleto de
informações, como tráfego de pedestres, de outros veículos, diversidade de sons e imagens. A
multiplicidade de fatores, envolvidos no ato de dirigir influenciam o comportamento dos
indivíduos e, conseqüentemente, sua forma de conduzir um veículo. Uma causa relevante,
apontada na ocorrência de acidentes de trânsito, refere-se ao comportamento dos condutores.
O fator humano é, muitas vezes, considerado o principal responsável por eles (Rozestraten,
1988).
No Brasil, os acidentes de trânsito, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (IPEA), apresentam custos sociais, ambientais, psicológicos e financeiros,
destacando-se a demanda por leitos hospitalares, o impacto psicológico em acidentados e
familiares, as faltas ao trabalho, as indenizações e os gastos materiais. Estima-se que as
despesas com os acidentes nas rodovias brasileiras sejam de R$ 22 bilhões, o que representa
aproximadamente 1,2% do PIB brasileiro (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas,
2006).
Percebe-se um número crescente, mas ainda tímido, no Brasil de pesquisas científicas,
na área de trânsito, enfocando o comportamento de condutores (Balbinot, Zaro, Timm &
Balbinot, 2010; Bottesini & Nodari, 2008; Stocoo, Leite & Labiak, 2007; Macêdo, 2004;
Thielen, 2002; Rozestraten, 1988). Os estudos apontados tratam de questões sobre os
comportamentos de risco no trânsito, comportamentos e o seu possível envolvimento em
acidentes, excesso de velocidade, o fator humano e possíveis soluções.
A aprendizagem veicular exige do aprendiz a manifestação de capacidades e a
aquisição de habilidades motoras, sensoriais, cognitivas e de informações sobre o trânsito,
com suas implicações técnicas, preventivas, defensivas e punitivas. As funções cognitivas,
quando relacionadas à direção veicular, incluem “memória, atenção, avaliação sistemática do
ambiente e outras habilidades visuoespaciais, verbais e de processamento de informações,
tomada de decisões e resolução de problemas. Estas funções devem se processar de modo
dinâmico” (Pirito, 1999, p. 27). Percebe-se, assim, que o ato de dirigir um veículo pode
parecer uma atividade simples, quase automática, mas exige uma complexa articulação de
funções do condutor. Sem a pretensão de esgotar o tema, seguem alguns componentes que
constituem esse cenário.
Pretende-se, então, levantar os aspectos envolvidos no ato de dirigir, as funções
psicológicas e cognitivas presentes nesta atividade que, principalmente nas grandes cidades,
pelo número crescente de condutores e pelo caos que vêm se configurando o trânsito, merece
atenção. Dirigir demanda do condutor ações que envolvem vários campos funcionais. Por
isso, os aspectos abordados neste trabalho tentam abranger essa demanda.

2. Dimensões do trânsito e dos motoristas

Para o estudo do comportamento dos condutores, deve-se compreender o ambiente em


que estes se inserem ao dirigir. Conforme o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seu
Artigo 1.º, parágrafo 1.º, por trânsito se entende “a utilização das vias por pessoas, veículos e

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animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada,


estacionamento e operação de carga ou descarga” (Brasil, 1997).
O trânsito é considerado um movimento essencialmente social. Rozestraten (1988)
descreve-o como um sistema com a função comum de deslocamento, organizado por normas
que possibilitam a comunicação entre seus usuários e asseguram a integridade dos mesmos. A
autora caracteriza três eixos fundamentais no trânsito: a via, que indica a pista, englobando o
tipo de perímetro, a sinalização e todo o ambiente que rodeia o veículo ou o pedestre; o
veículo – caminhão, automóvel, moto –, com seus dispositivos próprios para determinar
direção, regular a velocidade e frear, e ainda como meio de comunicação, uma vez que o
condutor manifesta suas intenções ao acionar pisca-pisca, luz de freio, buzina, etc.; e o
comportamento do participante, o subsistema considerado mais complexo.
Em meio a esse ambiente com normas, procedimentos e deslocamentos, o Código de
Trânsito Brasileiro diz, em seu Art. 28: “O condutor deverá, a todo o momento, ter domínio
de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito”.
Para Günther (2003), no contexto de trânsito, deve ser priorizado o comportamento adequado
e seguro. O autor distingue três dimensões prévias para predizer o comportamento no trânsito:

• grau de conhecimento – conhecimento das regras de trânsito e de certas leis da física,


devendo estes serem colocados em prática;
• prática – habilidade adquirida com o tempo;
• atitudes – prontidão, presteza ou disposição na utilização do conhecimento e na prática em
benefício do comportamento no trânsito que priorize não pôr em perigo outras pessoas ou
prejudicá-las (Günther, 2003, p.51).

A relação estabelecida entre o trânsito e o condutor requer deste último


responsabilidade, conhecimento e atitudes. De acordo com o manual para avaliação
psicológica de candidatos1 à CNH, anexo da resolução CFC n.º 012/2000, o perfil psicológico
do candidato à CNH e do condutor de veículos automotores deve considerar:

“Nível intelectual capaz de analisar, sintetizar e estabelecer julgamento diante de


situações problemáticas; nível de atenção capaz de discriminar estímulos e situações
adequados para a execução das atividades relacionadas à condução de veículos; nível
psicomotor capaz de satisfazer as condições práticas de coordenação entre as funções
psicológicas e as áreas áudio-vísio-motoras; personalidade, respeitando-se as
características de adequação exigidas por cada categoria; nível psicofísico,
considerando a possibilidade de adaptação dos veículos automotores para os deficientes
físicos.” (Resolução CFC n.º 012/2000, p.1)

Segundo Hoffmann e Gonzáles (2003, p.379), as principais funções psicológicas do


condutor em atividade ao dirigir são:

• a correta capacidade perceptiva e atencional, para captar o que ocorre ao redor, identificar
e discriminar os estímulos relevantes de situações e problemas de trânsito a serem
resolvidos;
• perceber a situação, interpretá-la corretamente e avaliá-la;
• tomar uma decisão sobre a ação ou manobra mais adequada;
• executar a decisão com a rapidez e precisão possíveis – a capacidade de resposta do
condutor, a performance se referem às atividades sensório-motoras e psicomotoras que o
condutor utiliza para o controle do veículo;

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• devem-se considerar também os processos e variáveis mediacionais, como personalidade,


inteligência, estilos cognitivos, motivação, aprendizagem, experiência, memória, que
modulam o funcionamento dos processos psicológicos.

A observação do comportamento de condutores e a avaliação, frente às inúmeras


características inerentes ao ato de dirigir, demandam estratégias que possibilitem averiguar a
dinâmica desses fatores. Dentro dessa perspectiva, a utilização de recursos tecnológicos no
processo de avaliação de condutores torna-se de grande valor, por possibilitar a utilização de
sons e imagens, a caracterização de situações de trânsito que possibilitem, a partir da
interação do condutor com esse meio, averiguar a sua capacidade perceptiva e atencional, suas
decisões e sua performance. Hakamies-Blomqvist (1996) estrutura um esquema
correlacionando as funções psicológicas e sua demanda ao dirigir (adaptado e apresentado na
tabela 1).

Campo Funcional Tarefas Demandadas


Detectar objetos;
Percepção. Perceber movimentos;
Estimar velocidade.
Focar a atenção;
Varredura do campo perceptivo;
Atenção.
Atenção seletiva;
Reagir a eventos inesperados;
Desempenhar manobras com alto;
nível de complexidade (por exemplo,
estacionar o carro numa vaga de difícil
Habilidades Motoras.
acesso);
Manuseio dos diferentes controles do
veículo;
Prever o comportamento dos outros usuários
Outros processos cognitivos e da via a partir da observação;
comportamentais envolvidos na interação Comportar-se de maneira previsível;
com outros usuários do ambiente viário. Capacidade de negociar a entrada num fluxo
ou nma interseção.
Tabela 1 - Principais tarefas envolvidas no desempenho dos motoristas (Adaptado de
Hakamies-Blomqvist, 1996).

As situações de trânsito exigem dos condutores atitudes que demandam atenção,


percepção e habilidades motoras. Como, por exemplo, reagir a eventos inesperados,
repentinamente, um buraco na pista. Nesse caso, a variável velocidade também deve ser
considerada, pois quanto maior ela for menor será o tempo para a reação do motorista. Os
fatores envolvidos no tempo de reação que favorecem a compreensão do processo de reação
frente a um objeto na via serão abordados, mais detalhadamente, no item sobre Fatores de
alteração da atenção.
Os novos condutores, conforme Konstantopoulos e Crundall (2008) estariam sob
maior risco de acidentes, e uma das hipóteses considerada é a de que eles ainda não
desenvolveram estratégias para oportunizar a procura visual como o faz motoristas mais
experientes. Uma possível explicação seria de que as demandas cognitivas presentes no ato de
dirigir são elevadas, e os jovens não seriam capazes de priorizar um adequado domínio

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cognitivo visual devido à sobrecarga. Referem, ainda, que a propensão ao cometimento de


erros também é atribuída à inexperiência de condutores.
Os acidentes de trânsito em muitos casos são consequências, de acordo com Stradling
e Meadows (2000), da falta de habilidade por parte dos condutores. Portanto, uma forma
eficaz para reduzir o número de acidentes é proporcionar uma melhor formação ou reciclagem
em reparação às competências do condutor.
As leis, as normas são formas de regulação da vida em sociedade, das condutas
individuais e das relações sociais. No entanto, a norma não se transforma imediatamente em
ação pelas pessoas sujeitas a ela. Conforme Thielen (2002), a percepção da norma vai orientar
as decisões acerca do comportamento no trânsito dos condutores, os aproximando ou
afastando do que seria desejável para a segurança de todos. No Brasil, a autora, ao entrevistar
motoristas com e sem multas de velocidade, conclui que os condutores, ao cometer infração,
percebem os riscos envolvidos no excesso de velocidade.
Conforme mencionado anteriormente, os fatores humanos são os grandes responsáveis
pelo envolvimento em acidentes, e para Rozestraten (1988, p. 95) isso se deve a "um
comportamento falho, relacionado a alguma deficiência na ação do condutor, mais do que da
agressividade deliberada ou da irresponsabilidade". Hoffmann e González (2003) ressaltam
que, entre as falhas humanas que possam levar o condutor a sofrer um acidente, estariam as
causas diretas e indiretas. Nas causas diretas estariam envolvidos:

• o problema ou erro de reconhecimento e identificação – sinais de trânsito, distâncias,


obstáculos;
• erros de processamento – o CTB que regula a circulação;
• erros de tomada de decisão, ou erros de execução da manobra.

Quando os autores elencam as causas indiretas, referem-se às condições e aos estados


do condutor que afetam suas habilidades na utilização de processamento da informação,
imprescindíveis ao desempenho no dirigir. As causas humanas indiretas envolvem fatores
como:

• o uso de substâncias tóxicas;


• comportamentos interferentes (falar, ligar o rádio, telefonar);
• a busca intencional de riscos e emoções intensas (exteriorizadas, geralmente, pela
velocidade).

São considerados, ainda, os agentes inibidores da prudência (veículos que incitam


comportamentos temerários, o superestimar a habilidade como condutor, a subestimação da
própria velocidade), a inexperiência e os problemas de aprendizagem, os condutores com
pouca experiência, por serem mais suscetíveis a sofrer acidentes (Hoffmann & González,
2003). Os aspectos levantados pelos autores apontam fatores que influenciam a forma de
condução de motoristas e aumentam a possibilidade de envolvimento em acidentes. Sendo
assim, merecem ser considerados na abordagem sobre os comportamentos de risco no
trânsito. A busca intencional de riscos e emoções que está diretamente ligada às questões de
violação, conforme abordado no limite aceitável de risco por Wilde (2005). A utilização de
telefone celular ao dirigir e os erros por possíveis problemas de reconhecimento e
identificação também compõem ações de risco no trânsito. Esses dados corroboram com a
abordagem que vem sendo delineada sobre os comportamentos de risco no trânsito e os
fatores humanos presentes, muitas vezes, nos acidentes.

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Frente à vasta gama de funções psicológicas envolvidas no ato de dirigir, os aspectos


atencionais podem ser considerados um dos mais importantes. Na análise realizada por
Rozestraten (1988) sobre acidentes de trânsito, são apresentadas como principais deficiências
na ação do condutor: falta de atenção, 23%; demasiadamente rápido, 12,7%; olhou, mas
falhou na observação, 12%; distração, 8,5%; inexperiência, 7,4%; falta de observação, 5,3 %;
dentre outros.
A atenção pode ser entendida como a atitude psicológica em que há a concentração da
atividade psíquica em um estímulo específico, seja este uma sensação, uma percepção, uma
representação, um afeto ou desejo, a fim de elaborar conceitos e o raciocínio. Uma definição
de atenção proposta por Sternberg (2000, p. 78): "Fenômeno pelo qual o ser humano processa
ativamente uma quantidade limitada de informações do enorme montante de informações
disponíveis através dos órgãos dos sentidos, de memórias armazenadas e de outros processos
cognitivos". Pode ser considerada ainda a capacidade de o indivíduo selecionar e focalizar
seus processos mentais em algum aspecto do ambiente interno ou externo, respondendo
predominantemente aos estímulos que lhe são significativos e inibindo respostas aos demais
estímulos (Lima, 2005).
A percepção é um processo relacionado à atenção, e muitas vezes estas são
confundidas. O processo de interpretar, selecionar e organizar as informações obtidas
sensorialmente refere-se à percepção. Esse é o construto que propicia sentido, a partir de
conhecimentos passados, aos objetos captados pela atenção (Rozestraten, 1988).
Conforme Gerhard (2005), a atenção e a consciência são ativadas quando o cérebro se
defronta com acontecimentos ou problemas que julga importantes e novos. Com a ajuda de
vários tipos de memória, o cérebro classifica as percepções conforme a sua importância, se
mais ou menos conhecidas. Uma informação importante, mas conhecida, ativa processos já
lidados no passado. Dessa forma, o cérebro pode executar atos rotineiros com um nível
mínimo de consciência. No entanto, ao deparar-se com um acontecimento importante e novo,
ao solucionar um problema complicado ou ao aprender uma nova habilidade motora, os
sistemas da consciência e da atenção são totalmente ativados.
Percebe-se, assim, que possibilitar aos indivíduos se depararem com situações novas e
desafiadoras possibilita a criação de novos recursos e informações, processos que poderão ser
ativados quando necessário. Em relação ao trânsito, vivenciar diversas situações, uma
aprendizagem que demande mais do condutor como simulações que exijam tomadas de
decisão, podem vir a favorecer o desenvolvimento de estruturas que auxiliem nas decisões e
escolhas realizadas por condutores frente a ocorrências reais de trânsito.

3. Tipos de atenção

A atenção é um processo psíquico fundamental no trânsito, principalmente para o


condutor, ao dirigir, por este se encontrar em um ambiente com muitos estímulos, como
pedestres, ciclistas, sinalizações, sons diversos. A discriminação de estímulos é um fator de
alerta na verificação de indícios de perigo ao se conduzir um veículo. Conforme Sternberg
(2000), a atenção possui quatro funções principais:

• atenção seletiva – a capacidade de selecionar um estímulo dentre vários, permitindo checar


previsões, geradas a partir da memória, de regularidade passadas no ambiente (ex: estudar
ouvindo música). Capacidade de concentrar a atenção em alguns estímulos em detrimento
de outros (Jou, 2006);
• vigilância – a expectativa de detectar o aparecimento de um estímulo específico. Touglet
(2002) também a denominada como atenção concentrada ou sustentada;

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• sondagem – procurar ativamente estímulos particulares (ex: procurar chaves perdidas);


• atenção dividida – é a possibilidade de o indivíduo manter sua atenção em estímulos
diferentes para executar mais de uma tarefa simultaneamente (ex: conversar facilmente
enquanto dirige). Esse tipo de atenção indica que, para a divisão da atenção, uma das
informações deve estar sendo mediada pelo processamento automático; a outra, por meio
de esforço cognitivo, pelo processamento controlado.

Dalgalarrondo (2000) acrescenta que a atenção sustentada é a capacidade de o


indivíduo manter o foco atencional em determinado estímulo ou sequência de estímulos
durante um período de tempo para o desempenho de uma tarefa. O autor aborda, também, a
atenção alternada, não descrita anteriormente, a capacidade de o indivíduo alternar o foco
atencional, ou seja, a capacidade de manter o foco de atenção ora em um estímulo, ora em
outro. Um exemplo seria ouvir música e estudar; diferentemente da dividida, em que um dos
processos deva ser mediado pelo processamento automático da tarefa.
A atenção concentrada é abordada em testes de atenção para avaliação psicológica de
motoristas como TACOM A e B (Tonglet, 2002). Neves e Pasquali (2007) a definiram como
sendo a capacidade de selecionar apenas uma fonte de informação dentre outras que se
encontram ao redor num determinado momento e manter o foco nesse estímulo alvo ou tarefa.
A atenção concentrada consiste na capacidade de selecionar o estímulo relevante do meio e
dirigir sua atenção. No caso do motorista uma informação recebida de forma contínua são as
placas de sinalização, em que deve concentrar sua atenção, sem ocasionar prejuízo aos outros
tipos de atenção.
Conforme Strayer, Drews e Johnston (2003), a atenção é o processo cognitivo no qual
seletivamente concentra-se o foco sobre um aspecto do ambiente, ignorando outros. Exemplos
incluem ouvir atentamente o que alguém está dizendo, ignorando outras conversas em uma
mesma sala ou ouvir uma conversa telefone celular enquanto estiver dirigindo um carro. Este
último exemplo, conforme os fatores de alteração da atenção, prejudica a performance do
condutor.
A varredura do campo perceptivo é importante no ato de dirigir. A atenção seletiva,
com sua capacidade de seleção de estímulos e objetos específicos, determina uma orientação
atencional focal, estabelecendo prioridades diante do conjunto amplo de estímulos ambientais,
presentes no trânsito.
Vários fatores podem alterar a atenção e a performance do condutor no trânsito. Um
estudo realizado por Campagne, Pebayle e Muzet (2004) para verificar os efeitos da fadiga,
refere que, ao dirigir por muito tempo monotonamente e à noite, a maioria dos motoristas
testados em simulador mostra progressivamente sinais de fadiga visual e perda da atenção
sustentada.
A atenção, ainda com relação à sua natureza ou origem, pode ser considerada
voluntária e involuntária. Seria identificar o que chama a atenção e por quê. A atenção
voluntária envolve a seleção ativa e deliberada do indivíduo em uma determinada atividade,
ou seja, está diretamente ligada às motivações, interesses e expectativas. A atenção voluntária
é mediada pelo processamento controlado das informações, no qual os efeitos facilitadores da
tarefa desempenhada são acompanhados pelos efeitos inibidores sobre as atividades
concorrentes (Dalgalarrondo, 2000; Macar, 2001).
A atenção involuntária é suscitada pelas características dos estímulos, ou seja, ocorre
pela vigência de um estímulo que atrai a atenção para si sem esforço consciente e voluntário
no direcionamento, o que normalmente ocorre diante de eventos inesperados no ambiente, em
que o indivíduo não é autor da escolha de sua atenção. Algumas características dos estímulos
são: intensidade, tamanho, cor, novidade, movimento, incongruência e a repetição. É um tipo

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de atenção mediada por processamento automático das informações e não requer controle
consciente do indivíduo (Macar, 2001).
A atenção pode ter como foco diferentes eventos, além dos estímulos sensoriais que
chegam pelos sentidos. Ela pode dirigir-se a processos mentais, tais como as memórias, os
pensamentos e a execução de cálculos mentais. Quando o foco é voltado para o ambiente
externo, também pode ser chamada de percepção seletiva; e quando é voltada ao ambiente
interno, pode ser chamada de cognição seletiva (Gazzaniga, Ivry & Mangum, 1998).
Um condutor, ao dirigir, em seu percurso rotineiro pode reduzir sua atenção seletiva e
distrair-se com seus pensamentos ou preocupações em sua cognição seletiva. Percebe-se, ao
dirigir, que algumas vezes determinado trecho do caminho não foi percebido ao ser
percorrido, pois sua atenção não estava focada no trajeto.
O cérebro capta e processa muitas informações, que não chegam todas à consciência –
podem vir a se tornar conscientes, através da atenção, da focalização consciente de algumas
informações ou de partes da realidade. Inicialmente, a execução de muitas tarefas é realizada
por processos controlados, conscientes e posteriormente automáticos. Muitas tarefas,
principalmente aquelas que requerem prática, precisam ser inicialmente percebidas
conscientemente.
Aprender a dirigir requer concentração, assim como para andar de bicicleta ou tocar
piano. Com a prática, se reduz o nível de concentração e alerta. Depois disso, prestar atenção
aos detalhes pode até mesmo atrapalhar o progresso da ação. Sternberg (2000) avalia a
execução de muitas tarefas e observa que, inicialmente, são executadas por processos
controlados, conscientes, que posteriormente tornam-se automáticos. Por exemplo, a ação de
dirigir um carro, com o passar do tempo e a prática, deixa de ser controlada e passa a ser
automática, sem a consciência de todos os movimentos, que mesmo assim são executados,
permitindo, assim, que a atenção possa ser direcionada para o trânsito.
Dessa forma, os processos atencionais estão inter-relacionados com a memória de
trabalho e a memória de longo-prazo. A memória de curto prazo é acionada pelo tempo
necessário para a informação ser utilizada. Por exemplo, qualquer conteúdo que é decorado
para uma prova permanece no cérebro até o término dessa tarefa. Essa informação poderá se
tornar uma memória de longo prazo se encontrar vínculo com outra informação já armazenada
ou pela repetição. A memória de longo prazo é aquela que permanece por mais tempo no
cérebro. Quando conservada por anos, torna-se memória remota, a consolidação como
conhecimento apreendido (Bear, 2002).
Existem distinções entre os tipos de memória. A distinção considerada importante no
processo de aprendizagem veicular é entre as memórias declarativa e não declarativa.
Segundo Bear (2002), a memória declarativa, episódica ou autobiográfica guarda os fatos
vividos pelo indivíduo, no geral algo inesperado que tenha acontecido, uma situação que
despertou algum tipo de emoção, resultando de esforços conscientes, de um modo geral
disponíveis para evocação consciente. A memória não declarativa divide-se em diversas
categorias, destacando-se, para os propósitos deste estudo, a memória de procedimentos para
habilidades motoras ou sensoriais e comportamentais, como andar de bicicleta e dirigir.
Muitas vezes, pela observação e pelo treinamento, esses conhecimentos são arquivados de
maneira implícita, sem que haja consciência do aprendizado. Requerem repetição e prática,
com menor probabilidade de serem esquecidas, mas de modo geral não estão disponíveis para
evocação.
Conforme Wickens, Toplak e Wiesenthal (2008), a experiência de condução é baseada
em associações e longa aprendizagem de comportamentos automáticos, desencadeados por
situações que exigem tempos rápidos e julgamentos rápidos. Assim, muitos comportamentos
têm de se tornar automáticos, a fim de que o aprendiz se torne um condutor habilidoso. A

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regulação da atenção, ou seja, a consideração de opções de ações e resultados também é


importante durante a condução. Por exemplo, processos analíticos podem ser acionados para o
condutor perceber a necessidade de desacelerar, após sair de uma rodovia para uma zona de
velocidade reduzida.
Huang, Treisman e Pashler (2007) caracterizaram os limites da consciência visual
humana, considerando que a consciência momentânea de uma cena visual é muito limitada.
Estudaram a hipótese de que a percepção visual humana funciona com base num sistema,
rotulado de booleano, definido enquanto um enlace de apenas um valor da característica por
uma dimensão, que seria a visão funciona percebendo apenas uma característica por vez em
cada ponto do espaço. Para cada local, se perceberia conscientemente uma cor (por exemplo,
verde) e um movimento (por exemplo, para a direita) por vez. (por exemplo, a cor é verde e o
movimento é para a direita). Ao processar a informação de uma cena complexa, o cérebro
faria uma opção: poderia captar, ao mesmo tempo, dois objetos em movimento e suas
posições, mas não conseguiria captar com a mesma clareza as cores deles, ou a direção e
velocidade de seu deslocamento. Segundo os autores, a visão humana apresenta dificuldades
em captar o movimento de dois ou mais objetos ao mesmo tempo, assim como mais de uma
cor ou orientação espacial simultaneamente. Desta forma, apenas se tem a impressão de estar
visualizar uma cena complexa por inteiro.
Outros estudos já se referiam que a capacidade de perceber uma imagem, depende em
grande parte das porções de imagem nas quais as pessoas estão depositando sua atenção
consciente. Em um experimento psicológico realizado por Chabris e Simons (1999), foi
solicitado aos participantes assistirem a um vídeo e acompanhar os jogadores – metade de
camisas brancas e a outra metade de camisas pretas – através da contagem do número de
passes feitos. Após 45 segundos, uma pessoa vestida de gorila passa no meio dos jogadores, e
muitos observadores não conseguiram ver a mudança. O que caracteriza, segundo os
pesquisadores, a cegueira por inatenção – apesar de estarem concentrados no vídeo, os
participantes não conseguiram ver algo tão estranho como um gorila. Isso sugere que a
atenção é instável, inconstante e seletiva, mesmo quando estamos focalizados em algo.
No mundo, existe uma quantidade ilimitada de informações, mas a capacidade de
processá-las é bastante limitada. O trânsito é um ambiente propício para, de certa forma, a
ocorrência da cegueira por inatenção ou desatenção, devido às diversas informações as quais
o condutor está sujeito. Uma frase típica pode caracterizá-la: “Olhou, mas não viu”, quando o
condutor presta a atenção ao fluxo da via, ao entrar em um cruzamento ou realizar uma
conversão, e não nota a presença de outras pessoas ou veículos, quase colidindo.
A partir do levantamento realizado das funções psicológicas presentes no ato de
dirigir, os conceitos dos tipos de atenção, as questões do meio, revelam como o ato de dirigir
está sujeito ao incorrimento de riscos, principalmente com relação ao comportamento do
condutor, suas escolhas e prioridades. Perceber movimentos e objetos é fundamental para
evitar acidentes, bem como a varredura do campo perceptivo.
Uma situação comum nas vias públicas são os acidentes por atropelamento, muitas
vezes caracterizada pelo “aparecimento” do pedestre de forma repentina, saindo por entre
árvores, placas, postes ou outros obstáculos à visão do condutor, dando a este pouco tempo e
espaço para reação. Um exemplo seria o de crianças que surgem correndo por entre carros
estacionados ao longo do meio-fio. São em vias urbanas que ocorrem 78,5% dos
atropelamentos (Rede Sarah, 2008). No entanto, se o condutor estiver em alta velocidade, as
consequências serão piores.
O Departament of Transport Traffic britânico comprova a relação entre a velocidade
do veículo no impacto e a gravidade das lesões em 11 estudos que demonstram: a 32km/h, 5%
dos pedestres atingidos morrem, 65% sofrem lesões e 30% sobrevivem ilesos; a 48km/h, 45%

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morrem, 50% sofrem lesões e 5% sobrevivem ilesos; a 64km/h, 85% morrem e os 15%
restantes sofrem algum tipo de lesão (Traffic Advisory Unit, 1993). Esses fatores ratificam a
relação velocidade e a gravidade dos riscos, neste caso em relação aos pedestres.

4. Fatores de alteração da atenção

A pouca concentração ou a falta de concentração ao conduzir um veículo altera o


tempo normal de reação – comportamento que ocasiona riscos no trânsito. A alteração da
concentração e o retardo nos reflexos podem estar relacionados a alguns fatores, como:

• Consumir bebida alcoólica;


• Usar drogas;
• Usar medicamento que modifica o comportamento;
• Ter participado, recentemente, de discussões fortes com familiares, no trabalho, ou por
qualquer outro motivo;
• Ficar muito tempo sem dormir, dormir pouco ou dormir muito mal;
• Ingerir alimentos muito pesados, que acarretam sonolência (Departamento Nacional de
Transito, 2005, p. 9).

Para uma performance mais segura no trânsito, o condutor deve observar os fatores
relacionados, os quais devem ser evitados ao dirigir, principalmente no que diz respeito à
bebida alcoólica ou a drogas, pois além de reduzirem a concentração, afetam a coordenação
motora, mudam o comportamento e diminuem o desempenho, o que limita a percepção de
situações de perigo, reduzindo a capacidade de ação e reação. Para Marín e Queiroz (2000), o
consumo de álcool é o fator mais associado a acidentes, pois dificulta a tomada de decisões e
entorpece as habilidades psicomotoras.
O desvio de atenção, seja por qualquer atividade, como a mais simples de acender um
cigarro ao dirigir, representa momentos decisivos, pois segundos fazem a diferença entre
colidir ou não. A tabela 2 expõe alguns desvios de atenção relacionados ao tempo e à
distância percorrida.

Tempo gasto Distância percorrida à


Ação do motorista
(estimado) 100 km/h
Acender um cigarro 3 segundos 80 metros
Beber um copo de água 4 segundos 110 metros
Sintonizar o rádio 4 segundos 110 metros
Procurar objeto na carteira Mais de 3 segundos Mais de 80 metros
Consultar um mapa Mais de 4 segundos Mais de 110 metros
Discar número de telefone 5 segundos 140 metros
Tabela 2 – Desvio de Atenção. (Volkswagen apud site DETRAN/MT - Departamento
Estadual de Trânsito de Mato Grosso).

Compreende-se, assim, que o desvio de atenção, mesmo que breve a distância


percorrida, pode ocasionar um acidente. A utilização do telefone celular, segundo a Tabela 1,
consumiria provavelmente 5 segundos, o que, conforme a Figura 1, a seguir, sobre o processo
de reação, significa o dobro do tempo entre a percepção e a reação, que é de 2,5 segundos.

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Vanderbilt (2009) descreve um estudo realizado em Washington por Virginia Tech


Transportation Institute, que equipou 100 carros com câmeras, unidades de GPS e outros
dispositivos de monitoramento. O estudo revelou, após 43 mil horas de dados, que quase 80%
das colisões e 65% das quase-colisões envolveram motoristas que não estavam prestando
atenção ao trânsito por até três segundos antes do evento.
O condutor, ao dirigir, está sujeito a imprevistos constantemente e deve decidir sobre
os procedimentos a serem tomados, da forma mais rápida possível, ou seja, o processo de
reação, como ao depara-se com um obstáculo na pista. Segundo Khisty e Lall (2003), o
processo de reação envolveria a percepção – processo pelo qual um indivíduo extrai uma
informação necessária do ambiente como insumo à sua tomada de decisão. Assim, é útil
avaliar-se o tempo requerido desde a percepção até a reação. A percepção envolveria, então, o
atraso na percepção (tempo entre visibilidade e ponto de percepção) e o intervalo de
identificação de risco (tempo para conhecer que há possibilidade de acidente).
Sendo assim, a reação compreenderia o componente de tempo para análise e a tomada
de decisão, mais o tempo efetivo de resposta, por exemplo, colocar o pé no freio. Os autores
destacam que o tempo comumente utilizado entre percepção e reação é de 2,5 segundos. Um
modelo simples para compreender a relação entre o comportamento do motorista e a
possibilidade de antecipar um acidente está apresentado na figura 1.

Figura 1 - Processo de reação (Adaptado de Vanstrum & Caples (1971)2 apud Khisty & Lall,
2003, p.104).

Conforme esses processos descritos por Khisty e Lall (2003), o desempenho do


motorista depende da decisão sobre qual ação tomar e sobre o momento em que ela será
tomada, envolvendo a posição do obstáculo, a velocidade relativa do motorista e as
características físicas da via entre o motorista e o obstáculo. As representações na Figura 1
são descritas da seguinte forma:

• Distância 1- tempo de percepção;


• Distância 2 - tempo necessário à tomada de decisão;
• Distância 3 - tempo de reação;
• Distância 4 - distância mínima de parada;
• M - ponto crítico considerado pelo motorista (último ponto no qual ele acha que deve
tomar uma ação);
• T - ponto de irreversibilidade do acidente (último ponto no qual se pode tomar uma ação
para evitar o acidente). Se o obstáculo se move - T também se move;
• A - ponto onde começa a ação do motorista;

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• AM - margem de segurança do motorista;


• MT - erro de percepção do motorista;
• AT - efetiva margem de segurança.

Conforme Azeredo (2007), engenheiro e especialista em direção defensiva em


Campinas/SP, uma das colisões mais frequentes no trânsito é a traseira, devido justamente ao
erro no processo de reação. Se o motorista da frente reduz a velocidade de seu veículo, o
motorista de trás deve fazer o mesmo, evitando assim o choque. O autor refere-se a três
fatores principais, isolados ou simultâneos, que contribuem para estas ocorrências: a falta de
atenção, a velocidade incompatível e o não manter a distância de segurança.
Thielen, Hartmann e Soares (2008, p.133) elaboraram um esquema sobre o
comportamento que resulta em violação de trânsito, especificamente para o excesso de
velocidade, indicando que os riscos precisam ser detectados, decodificados, além de serem
significativos, para que o indivíduo tome decisões no trânsito compatíveis com a situação de
risco em questão ver figura 2. O condutor, ao não perceber o risco, incorre em decisões e
comportamentos que não são compatíveis com a segurança que a situação demanda.

Figura 2 - Ilustração de um sistema de comportamento que resulta em excesso de velocidade


(Baseado em Thielen et al., 2008, p.133).

Percebe-se, assim, que a tomada de decisão sobre o excesso de velocidade ocorre em


segundos, bastando acelerar, mas envolve vários fatores. Thielen et al. (2008, p.137), ao
avaliarem a percepção dos riscos e o excesso de velocidade, referem que, no processo de
tomada de decisão sobre ser multado ou não, a fiscalização eletrônica apresenta resultados
melhores que os da placa de limite de velocidade como forma de orientação ao
comportamento do motorista em seu processo decisório. Constata-se, assim, que a utilização
da fiscalização eletrônica torna-se um instrumento útil para coibir o excesso de velocidade.

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Na percepção dos motoristas infratores, seria por imposição; na percepção dos motoristas não
multados, por aceitação de um mecanismo regulador que orienta o trânsito.
Muitos fatores podem vir a reduzir a capacidade de concentração do motorista ao
dirigir, tais como: o uso do celular, mesmo que acionada a viva voz; assistir a televisão no
interior do veículo em deslocamento; e escutar som em volume que não permita ouvirem-se
os sons do próprio veículo e externos (Departamento Nacional de Transito, 2005).
Wickens et al. (2008) referem, quanto à segurança dos condutores, que esta pode ser
comprometida pelo potencial de distração causado pelo uso de telefones celulares, MP3
players, mensagens de texto e outros dispositivos eletrônicos por condutores. A utilização
desses dispositivos pode colocar em risco aqueles que os utilizam, ao dirigir, por distração e
aumento na carga cognitiva. Vários estudos vêm sendo desenvolvidos nessa área, e parte da
dificuldade em entender o risco relativo a esses aparelhos, segundo os autores, deve-se talvez
ao fato de não existirem dados conclusivos. Mas o Código de Trânsito Brasileiro (CTB)
proíbe o uso do aparelho celular ou de fones de ouvido conectados à aparelhagem sonora.
Primeiramente, acreditava-se que o uso de celulares por motoristas tornava-se
perigoso, por limitar movimentos e pelo fato de uma das mãos não estar ao volante. No
entanto, estudos apontam ser mais complexa a situação, considerando a utilização de viva-voz
também perigosa. Na Universidade de Utah, no Laboratório de Cognição Aplicada, Drews,
Pasupathi e Strayer (2008), por meio de um simulador de direção, estudaram os efeitos de
conversas em telefones celulares por motoristas. Os participantes deveriam dirigir sob uma
variedade de condições, falando com um celular na mão e pelo viva-voz. Dentro do
simulador, os motoristas tinham de completar tarefas simples, como dirigir diversos
quilômetros ao longo de uma estrada e encontrar uma saída em particular, ou dirigir por ruas
locais em que precisariam frear em semáforos, mudar de faixa e prestar atenção aos pedestres.
A velocidade, a capacidade de se manter na faixa e o movimento dos olhos foram
cuidadosamente monitorados.
Os autores concluíram que o ato de dirigir faz a pessoa olhar instintiva e
continuamente para os lados. Conforme os autores, com a utilização do telefone, a tendência
do motorista foi de fixar o olhar em um ponto à frente. A tendência de fixar o olhar afeta a
dirigibilidade e a atenção do condutor no trânsito, pois limita a varredura do campo
perceptivo, importante ao dirigir. Os apontamentos levantados reforçam que a utilização do
celular ao dirigir transforma-se em um problema que pode gerar um acidente e multa; no
entanto, encontra-se entre as infrações mais cometidas em Porto Alegre.
Uma medida direcionada à violação considerada uma das principais causas de
acidentes – dirigir após a ingestão de bebidas alcoólicas – foi a aplicação, no Brasil, da
chamada Lei Seca, de julho de 2008. A apresentação de uma fiscalização ostensiva motivou
mudanças de comportamento de condutores, como a maior utilização de táxis à noite, à saída
dos bares, o rodízio do motorista – um integrante do grupo não consume bebida alcoólica para
dirigir. Em Porto Alegre, um estudo realizado pela Escola de Administração da (UFRGS)
com 857 motoristas sobre o impacto da Lei Seca constatou que os motoristas estão preferindo
beber mais em casa ou em estabelecimentos próximos a ela, e que 53,8% dos entrevistados se
consideram mais conscientes que, depois de ingerir bebidas alcoólicas, não devem dirigir
(Jornal Zero Hora, 15/04/2009). No entanto, após meio ano, houve uma redução das
fiscalizações, diminuindo assim o impacto sobre os motoristas (Jornal Zero Hora,
12/02/2009).

5. Conclusões

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A volição corresponde à atividade psíquica de direcionamento para atos voluntários. A


vivência da escolha e decisão define a vontade ou as ações do arbítrio. Naturalmente que
nesta atividade psíquica intervém uma série de outras funções psíquicas, como a percepção, o
pensamento, o humor e os sentimentos. Um ato somente é considerado voluntário quando é
praticado com previsão e consciência da finalidade. A capacidade de entendimento alicerça-se
na capacidade que possui o indivíduo para conhecer as condições e consequências dos seus
atos, das penalidades, as consequências sociais e legais, experiência, atenção, memória e
consciência.
É notório que todo o condutor deva conhecer as leis de trânsito, as normas de
condução e saber conduzir seu veículo. Mas conhecer as especificidades de sua conduta, suas
deficiências, pode favorecer a elaboração de medidas educativas e permitir que o condutor, ao
identificar suas falhas, possa modificá-las. Segundo Rocha (2005), o conhecimento da
etiologia e a distinção entre as modalidades de infrações poderão possivelmente proporcionar
um melhor direcionamento das ações das autoridades e dos educadores nas questões de
trânsito.
Os estudos que procuram avaliar o comportamento no trânsito, conhecer quais
condutores são mais propensos ao cometimento de erros e infrações, possibilitam também, a
construção de estratégias direcionadas para os riscos de condução. Como por exemplo, os
erros, que constituem falhas de ações, incluindo falhas de observação e de julgamento de
ações. Os erros demonstram muito do despreparo do condutor, os quais em alguns casos são
pela falta de experiência.
No Brasil, entrou em vigor a resolução 285 do Conselho Nacional de Trânsito
(Contran), que previu um aumento na carga horária dos cursos de formação de condutores, em
vigor a partir do início do ano de 2009. Foram ampliadas as aulas teóricas de 30 para 45 horas
e o curso de direção veicular de 15 para 20 horas (DENATRAN). Estas são algumas medidas
tomadas na tentativa de ampliar o período de formação de condutores e propiciar, um pouco
mais, de experiência aos futuros condutores com habilitação. Frente à complexidade dos
riscos e as ocorrências crescente de acidentes, entretanto, existe muito ainda a ser feito pela
segurança no trânsito.
Os estudos na área de Trânsito sobre os comportamentos de condutores, as funções
psicológicas e cognitivas presentes no ato de dirigir, os aspectos de segurança no trânsito e os
investimentos, nesta área, tornam-se essenciais na tentativa de um controle maior deste
cenário caótico no qual se encontra o trânsito de cidades e rodovias brasileiras. A procura de
respostas para os problemas de trânsito vêm ao encontro da busca por possíveis soluções. Não
se pode atribuir apenas ao condutor a responsabilidade dos acidentes e sim considerar um
complexo sistema envolvendo conservação e construção de vias, aspectos meteorológicos,
fiscalização dentre outros. No entanto, o fator humano possui um papel de fundamental
importância frente aos riscos no trânsito.

Agradecimentos

Ao apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico


(CNPq).

6. Referências bibliográficas

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Notas

(1) Disponível: http://www.crppr.org.br/download/165.pdf


(2) Vanstrum, R. & Caples, B. (1971). Perception Model for Describing and Dealing wiht Driver
Involvement in Highway Accidents. Washington: Highway Research Record.

29
“EU ANDO PELO MUNDO E OS AUTOMÓVEIS CORREM PARA QUÊ”? :
UMA REFLEXÃO PSICANALÍTICA SOBRE A RELAÇÃO TRÂNSITO,
CIDADE e SUBJETIVIDADES.

Aline Miranda Schwartz de Araújo


Mariana Paula Oliveira
Maria Lúcia Castilho Romera

Esse trabalho parte do diálogo entre as autoras, iniciado em grupo de estudos de

Psicanálise, sobre as vivências no trânsito em nosso cotidiano, diálogo esse motivado

pelas idéias de Fabio Herrmann sobre o mesmo tema. Nossas experiências enquanto

motoristas, passageiras ou pedestres nas ruas de nossa cidade nos acarretaram

desconfortos que alimentaram a discussão e a tentativa de ampliar os sentidos de tais

experiências a partir do método interpretativo.

A Teoria dos Campos, pensamento crítico e reflexivo sobre a Psicanálise,

iniciado com o autor acima citado, nos possibilita romper com os muros do consultório

padrão e colocar o divã a passeio, ou seja, ela devolve à Psicanálise o seu estatuto de

pensamento sobre a psique humana, independentemente das limitações impostas por um

setting padronizado. Se o que produz os sentidos que permeiam nossas relações são os

campos inconscientes, nosso método consiste em tencionar esses campos de forma a

rompê-los, para que surjam novos sentidos produzidos pelo desvelamento de suas

regras.

Quanto ao tema do trânsito que ilustra o método nesse trabalho, trazemos três

situações: uma que elucida a sensação de risco de morte experienciado nas ruas, outra

que, dada nossa condição feminina, aponta para um imaginário que determina

preconceitos ainda sofridos nesse meio e, ainda, uma terceira relativa à supervalorização

do automóvel, que transforma o ato de dirigir em um desfile de desejo e poder.

Conquistar a carteira de motorista é mudar de status, é tornar-se independente. Mas


caminhando pela cidade nos é revelada uma forma diferente de nos relacionar com a

cidade e com as pessoas, uma forma mais livre. Já que, por sua vez, no automóvel

estamos presos a quatro rodas, sujeitos às direções previamente orientadas. Nele, os

olhares são direcionados à qualidade da máquina, revelando nessa “pseudo-liberdade” o

reflexo da sociedade do consumo. Assim, a partir de nosso mal-estar, nos propomos a

interpretar nossa relação com o trânsito, buscando ampliar os sentidos desse assunto,

através da psique do real.

A relação do pedestre com a cidade nos revela a tentativa de uma re-construção

social apreendida pela percepção; faz-se um processo de identificação com outras

pessoas em um lugar, numa busca por relacionamentos e alteridades que se dão no

encontro ou desencontro. Por isso, a cidade promove um processo relacional e histórico

entre pessoas e lugares, construindo novas formas de se pensar o futuro. O pedestre

tradicional procura se adequar ao tempo da máquina, ao espaço da faixa em zebra que

lhe é destinada, mas, também, por questões práticas, conflui com as representações

mecânicas e institutivas neste universo. Quando este pedestre passa a usar rodas, a

relação de competição e força se evidencia. O mal-estar se instala. Em um mundo

maquínico, o volante torna-se uma arma a mais nesta luta de forças que se instala.

De repente uma caminhonete enorme sai da pista da direita e vem para a

esquerda, em uma avenida principal da cidade de Uberlândia, bastante movimentada.

Para fazer esse movimento, o motorista avança, com o carro, o espaço que estava sendo

ocupado por um carro pequeno, um Fiat Uno, mais precisamente. Para evitar a colisão, a

motorista do Uno precisa frear imediatamente, cedendo espaço à caminhonete. No

susto, acreditando que não foi vista, ou para chamar sua atenção (no sentido de “dar

uma bronca”, mesmo), ela buzina. O motorista da caminhonete, em uma atitude


provocativa, freia bruscamente. Por sorte ou reflexo e aliviada por seus freios se

encontrarem em excelente estado, a motorista do Uno consegue brecar a tempo de, mais

uma vez, evitar outra colisão ainda mais desastrosa, em que talvez não sobrevivesse

para relatar essa experiência, visto que seu carro cabia quase inteiro sob a carroceria da

imensa caminhonete.

Tanta pressa em vão. No sinaleiro no final dessa avenida, os dois carros param

pareados. O motorista da caminhonete ainda provoca verbalmente a motorista do Uno.

Essa, posteriormente, relata que usou de todos os seus recursos para não agredir

fisicamente aquele homem que lhe tinha oferecido tantos riscos, e fica transtornada em

se dar conta de que, caso tivesse uma arma em seu porta-luvas, provavelmente a teria

usado.

Tal narrativa nos conta de uma ruptura no fluxo natural do dirigir cotidiano.

Diariamente, quando dirigimos, temos que dividir o espaço nas ruas com outros

motoristas, pedestres, ciclistas, assim como com as regras de trânsito e de boa

convivência. Na estória acima, o motorista da caminhonete pôs no limite tanto as regras

de trânsito, como, e principalmente, aquelas da boa convivência, que nos protegem das

brigas verbais, físicas, e até da morte; regras-freios emocionais.

Com essa ruptura na rotina do trânsito, a situação acaba revelando a fragilidade

das regras citadas, ou mais que isso, revela que a proteção por nós atribuída à elas são

na verdade uma crença ilusória, que esconde que a loucura do nosso dia-a-dia, e de

nosso trânsito, nos lançam no risco de nos matarmos a qualquer momento, ou de

atropelarmos e sermos atropelados, considerando aqueles outros – pedestres, ciclistas,

etc. – que coabitam com os motoristas o espaço das ruas. A esse propósito, Fábio

Herrmann (1999) pontua:


Do ponto de vista da lógica de concepção do real, entretanto, carros
são seres feitos, entre outras afinidades, para atropelar. Não fora
assim, seria impensável a coabitação nas ruas de carros e pessoas –
que passam a ser chamadas de pedestres. As ruas seriam talvez
esteiras rolantes, ou, ainda melhor, andaríamos a pé até o trabalho, que
nunca distaria mais que algumas centenas de metros. Quer dizer, a
realidade carro é uma representação de certas regras da psique do real,
que contemplam com benevolência o atropelamento, desde que a
serviço do aumento da produção e do consumo. Este é um campo do
real. (p. 147) (grifos do autor)

Pensando na Contemporaneidade, o trânsito nos inspira também a pensar em

outra problemática. Temos nos deparado com conceitos arcaicos que ainda perduram

nos dias atuais, e na “pseudo-liberdade” tão pregada pelos homens. Seguindo esta idéia

e refletindo sobre a cidadania, paramos para pensar na construção da identidade de

gênero que têm sido conceituada pela sociedade há muito tempo. O modelo construído

sempre impôs uma delimitação ao caminho a ser percorrido pela mulher. Quando esta

adquire a carteira de motorista é conseqüentemente relacionado à liberdade. Liberdade

esta, em que a mulher em sua construção tanto social como pessoal vem buscando

através dos tempos, o transformar, o criar e o enveredar por outras trilhas que não as

determinadas por sua categoria de gênero.

Mesmo na contemporaneidade a mulher se encontra no marginal. Na verdade,

ainda busca um espaço para desenvolver seu potencial criativo, sua competitividade,

uma busca constante de conquistas, no mais amplo sentido do termo, abrindo

expectativas de re-conhecimento, em busca de estabelecer sua identidade.

Para que realidade e identidade valham-nos de defesa adequada, devem ambas

parecer naturais: uma vinda do mundo, a outra, do interior do sujeito. A lógica de


concepção que cria as imagens de mim mesma e de meu mundo deve operar em

surdina; do contrário, tais imagens de mim não seriam críveis, se fosse eu exposto

simultaneamente à consciência de que estou a inventar, ao mesmo tempo em que sou

inventado. (HERRMANN, 2006)

O feminino inventa e reiventa-se, na busca de ampliar um espaço que talvez se

encontre em um movimento de baliza, não dentro de um carro, mas sim dentro de si e

de si para o mundo.

Encontram-se aqui a mulher, o pedestre e a máquina traçando seu caminho pela

cidade, pelo trânsito, nos revelando à fabricação de um quotidiano que levou o homem

comum à ruptura com a própria natureza, construindo um mundo onde a lei é: “diga o

que consomes que te direi quem és!”

Numa palavra: quando o homem recria o mundo à sua imagem e este mundo
vai recriando, vai produzindo seu homem, é como se estivéssemos diante de
um relógio sem ponteiros, cujo eixo só serve para dar corda e volta para o
mecanismo, ou diante de um jogo de espelho sem corpo a refletir. A rigor, o
relógio mostra algo e algo é refletido pelos espelhos, mas isto que se patenteia,
sendo miolo do projeto humano, simplesmente não pode ser reconhecido pelo
próprio homem, pois é a denuncia de seu desconhecimento interno, da falta de
proporção entre o que deseja para si e o que lhe convém” (HERRMANN,
2001, p.21)

A partir do mal-estar instaurado pelas construções humanas, o homem e a

mulher contemporânea se vêem emblematicamente como o pedestre lançado no tráfego

caótico da cidade, um ser solitário, lutando contra um aglomerado de massa e energia

pesadas, velozes, mortíferas. Eles se vêem lançados nesse caos, às voltas com seus

próprios recursos, obrigados a explorá-los à exaustão caso queira sobreviver. E os

automóveis correm para quê?


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HePsiché, 1999.

_______________ Andaimes do Real: Psicanálise do quotidiano. São Paulo: Casa do


Psicólogo, 2001

______________. Andaimes do Real: Psicanálise da Crença. São Paulo: Casa do


Psicólogo, 2006.

SOBRE AS AUTORAS
Aline Miranda Schwartz de Araujo. Psicóloga, Psicopedagoga, Bailarina
Contemporânea. Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Aplicada da Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Membro do Grupo de Estudos
e Pesquisa em Teoria dos Campos – CETEQ- CNPq.

Mariana Paula Oliveira. Psicóloga clínica, especialista em Psicoterapia Psicanalítica.


Atualmente mestranda em Psicologia Aplicada na Universidade Federal de Uberlândia,
e docente do Instituto de Psicologia na mesma universidade. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Teoria dos Campos – CETEQ- CNPq.

Maria Lúcia Castilho Romera. Psicóloga, Psicanalista, Membro Associado da SBPSP,


Membro do Centro de Estudos da Teoria dos Campos-CETEC, Professora Associado do
Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Aplicada da
Universidade Federal de Uberlândia, Doutora em Psicologia Escolar pelo Instituto de
Psicologia da USP e Pós-Doutorado pelo Centro de Estudos da Teoria dos Campos-
CETEC PUC-SP.
Comportamento humano no trânsito: reflexões acerca
da aplicabilidade da penalidade de advertência por
escrito como medida educativa

Márcia Fraga Ayres¹


Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul – DETRAN/RS
Divisão de Infrações
Profa Dra. Rosa Maria M. de Almeida2
Engenharia de Produção e Transportes, UFRGS
Departamento de Psicologia, UFRGS

Resumo

As normativas que regem o trânsito no Brasil estão em constante


processo de inovação e adequação em todas as áreas que envolvem esse
contexto. O que exige das autoridades de trânsito responsáveis, e da
sociedade, de modo geral, a necessidade de análise das implicações propostas
a cada medida instituída.
Com a publicação da Resolução 404/2012 do Conselho Nacional de
Trânsito – CONTRAN, que entre outras disposições regulamenta o artigo 267
do Código de Trânsito Brasileiro - CTB, instituído pela Lei 9.503/97, este estudo
apresenta reflexões acerca da aplicabilidade da penalidade de advertência por
escrito, como medida educativa, a autuações leves e médias, quando o
condutor não for reincidente, na mesma autuação, num período de doze
meses.
O estudo tem por objetivo subsidiar uma melhor análise acerca das
proposições que envolvem este tema.

Palavras-chave: Advertência por Escrito; Autuação de Trânsito;


Comportamento no Trânsito; Educação; Penalidade.
Comportamento Humano no Trânsito 2

Abstract

HUMAN BEHAVIOR IN TRAFFIC: REFLECTIONS ON


THE APPLICABILITY OF THE PENALTY OF A WRITTEN
WARNING AS AN EDUCATIONAL MEASURE

The regulations governing transit in Brazil are in constant process of


innovation and adaptation in all areas involving this context. What requires
traffic authorities responsible, and society in general, the need to analyze the
implications proposals every measure instituted.
With the publication of Resolution 404/2012 of the National Traffic
Council - CONTRAN, which among other things regulates article 267 of the
Brazilian Traffic Code - CTB, established by Law 9.503/97, this study presents
reflections on the applicability of the penalty warning written as an educational
measure, the light and medium assessments, when the driver is not a repeat
offender on the same claim, within twelve months.
The study aims to support better analysis about propositions
involving this topic.

Keywords: Written Warning; Assessment Transit; Behavior in Traffic;


Education Fee
Comportamento Humano no Trânsito 3

1. INTRODUÇÃO

Em março de 2010, foi instituída “A Década de Ações para a Segurança


no Trânsito”, pela Organização Mundial das Nações Unidas - ONU, com o
propósito de reduzir os índices de acidentalidade em 50%, no período de 2011
a 2020, em todos os países membros da Comissão Global para Segurança no
Trânsito, os quais foram convocados a implantarem medidas imediatas de
educação e prevenção contra a violência no trânsito.
O Brasil, como membro desta Comissão, assumiu o compromisso de
atingir a meta estipulada, considerando que o trânsito no país é um dos mais
violentos do mundo, conforme estudo realizado pela Organização Mundial da
Saúde – OMS, ele aparece em quinto lugar entre os países recordistas em
mortes no trânsito, precedido por Índia, China, EUA e Rússia e seguido por Irã,
México, Indonésia, África do Sul e Egito. Juntas, essas dez nações são
responsáveis por 62% das mortes por acidente no trânsito do planeta.
Mostra disso são os dados divulgados pelo Centro Brasileiro de Estudos
Latinos Americanos – CEBELA, através da publicação do mapa da violência
2013: acidentes de trânsito e motocicletas, no qual foi constatado que o Brasil
registrou entre os anos de 1980 a 2011 um total de 980.838 mortes no trânsito,
mantendo um percentual médio de 3,7% de aumento a cada ano, tendo sido
registrado em 1980 um total de acidentes de trânsito de 20.203 e em 2011 o
número chegou a 43.256 mortes no trânsito, representando um aumento de
mais de 100% no número de mortes no período observado.
Além desses dados, um estudo realizado pelo Observatório Nacional de
Segurança Viária – ONSV (2012) mostrou que 98% dos acidentes de trânsito
ocorridos no Brasil são causados por erro ou negligência humana, o que
comprova a necessidade de investimento em políticas publica nos três pilares
clássicos do sistema de tráfego, a saber: engenharia, fiscalização e educação.
Os números mostraram que o trânsito brasileiro tem muito a melhorar
em todos esses aspectos, principalmente no quesito educação. Considerando
que este interfere de maneira significativa nos demais. Segundo Vasconcelos
(1998), as causas dos acidentes de trânsito são variadas e complexas. Os
principais fatores são o comportamento humano, as condições da via e do
veículo e as características do ambiente de circulação. Motivo pelo qual os
Comportamento Humano no Trânsito 4

governantes, as autoridades competentes e a sociedade como um todo, devem


se valer da legislação de trânsito e de todos os mecanismos possíveis para
exercer suas gestões de maneira implacável no tratamento das mazelas do
trânsito, com intuito de priorizar a segurança, a mobilidade urbana e o direito a
preservação da vida.
O estado do Rio Grande do Sul demonstrou estar sensibilizado com a
causa, pois nos últimos três anos foram adotadas políticas públicas que
reduziram o índice de acidentalidade no Estado, conforme dados divulgados no
site do CETRAN/RS, o Estado registrou uma redução de 25,7% no índice de
mortes a cada 10 mil veículos de 2010 a 2013, passando de 4,75% a 3,5%. O
índice é uma medida utilizada internacionalmente para avaliar os impactos da
violência no trânsito, já que relaciona as mortes a um indicador de exposição
de risco dos participantes do trânsito.
O fato de o comportamento humano ser o principal desencadeador
desse panorama do trânsito de certa forma não surpreende, pois sem esse o
trânsito não existiria. Motivo pelo qual, o ser humano, não pode ser analisado
separadamente. O homem tem sua história, personalidade, interesses,
necessidades e busca satisfazê-la, gerando conflitos no trânsito, pois interpreta
as regras estabelecidas conforme sua visão de mundo, Nesse processo,
alguns condutores agem de acordo com a lei outros não o que reflete de forma
significativa para os resultados obtidos, Vasconcelos (1998).
Assim, este artigo tem por objetivo analisar a estimativa da aplicabilidade
da penalidade de advertência por escrito, como medida mais educativa, para
mudança de comportamento do condutor, considerando a publicação da
Resolução 404/2012 do CONTRAN, em vigência desde o dia 01 de janeiro de
2014, que entre outras disposições regulamenta o artigo 267 do CTB, no que
se refere à possibilidade de aplicação deste tipo de penalidade aos infratores.
Este estudo se faz necessário, considerando que as autoridades de
trânsito, no âmbito das suas competências, terão que analisar e se posicionar
em relação aos enfrentamentos que envolvem as questões pertinentes a
penalidade de advertência por escrito, aplicada às infrações de trânsito,
graduadas como leves e médias, quando não houver reincidência do infrator na
mesma infração num período de doze meses.
Comportamento Humano no Trânsito 5

O presente artigo está organizado em quatro seções, além dessa


introdução. A seção 2 apresenta a revisão teórica acerca do conceito de:
trânsito, comportamento humano, infração versus penalidade de advertência e
a seção 3 aborda a metodologia aplicada no estudo. A seção 4 apresenta a
análise e interpretação dos dados. Por fim, na seção 5 são apresentadas as
considerações finais do estudo e apresentadas às sugestões para trabalhos
futuros.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 – Conceito de Trânsito:

O Código de Trânsito Brasileiro - CTB, em seu art. 1º, parágrafo 1º,


considera trânsito como a utilização das vias por pessoas, veículos e animais,
isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada,
estacionamento e operação de carga ou descarga. Porém se observa que o
trânsito é muito mais complexo.
Conforme posicionamento de Rozentraten (1988) o trânsito consiste em
uma constelação de três eixos – o comportamento do participante do trânsito,
da via, e do veículo.
A complexidade do trânsito, no que tange a abordagem deste artigo,
pode ser melhor compreendida pela definição de que o trânsito é uma disputa
pelo espaço físico, que reflete uma disputa pelo tempo e pelo acesso aos
equipamentos urbanos, é uma negociação permanente do espaço, coletiva e
conflituosa. E essa negociação, dada as características de nossa sociedade,
não se dá entre pessoas iguais: a disputa pelo espaço tem uma base
ideológica e política; depende de como as pessoas se veem na sociedade e de
seu acesso real ao poder, Vasconcelos (1998).
Nessa disputa pelos espaços surgem divergências de ideias, de valores,
de cultura, e a negociação que deve ocorrer no trânsito nem sempre ocorre,
neste sentido a legislação de trânsito tem o papel de balizar esta disputa.
Corroborando com esta questão Hoffmann (2011), afirma que o trânsito
de um país é, provavelmente, o espelho das normas de conduta da sociedade.
A educação, os costumes e valores desta se refletirão na obediência ou
desacato dos cidadãos aos códigos estabelecidos.
Comportamento Humano no Trânsito 6

Todos os conceitos e definições acima legitimam a definição dada pelo


Ministério das Cidades, para quem o trânsito deve ser compreendido de uma
forma mais ampla, considerando-se o importante papel social e econômico que
desempenha. Isso porque, conforme esse Ministério, o trânsito diz respeito ao
cotidiano de todos os cidadãos, à sua liberdade de se locomover para
satisfazer suas necessidades ou para “seu bem-estar e o da comunidade em
que vive.” (BRASIL, 2004a, p.13).
Desta forma, verificou-se que qualquer estudo destinado ao trânsito
deve mensurar suas implicações, de maneira que um maior número de
aspectos relacionados seja contemplado.

2.2 - Comportamento Humano no Trânsito:

Para que haja uma análise aprofundada das questões que motivam as
ocorrências de transgressões no trânsito se faz necessária a compreensão dos
fatores humanos que envolvem o comportamento do indivíduo neste contexto.
Segundo Vasconcellos (1998), o comportamento de cada indivíduo no
trânsito é determinado pelas condições do momento. A cada situação dada,
reações, comportamentos e atitudes diferentes se apresentam. Tudo depende
de uma complexidade de fatos, ligados aos fatores de necessidades e
interesses pessoais, diversificando esses comportamentos.
O comportamento humano pode ser definido operacionalmente como a
soma de atividades (sejam elas ações externas – atos – ou internas –
pensamentos) com que uma pessoa reage ou responde a uma situação. O
homem ou a mulher ao volante é um ser humano que, além de uma série de
aptidões, de uma personalidade, hábitos e atitudes definidos, possuem
necessidades fisiológicas (alimento, sono, descanso), necessidades
psicológicas e socioculturais (segurança, comodidade, auto realização,
aceitação). O equilíbrio entre estas várias instâncias e a necessidade da
capacidade para supri-las, superá-las ou adaptar-se a elas permitem o
funcionamento psicofísico normal do indivíduo, Hoffmann, Cruz e Alchieri
(2011).
Cada ser humano tem uma experiência diferente de vida, cultura, ideais
e valores, que carrega para o trânsito. Além de se inserir de distintas formas,
Comportamento Humano no Trânsito 7

não apenas pelo modo como transitam, mas pelos recursos que possuem para
inserir-se de forma autônoma e competente no trânsito.
Assim, conforme explicitado acima, pode-se perceber que o
comportamento humano no trânsito sofre as influências das necessidades dos
indivíduos, das diferentes personalidades e condições que se apresentam no
cotidiano de cada um.

2.3 - Infrações de Trânsito Versus Penalidade de Advertência por


Escrito:

O Código de Trânsito Brasileiro - CTB traz em seu artigo 161 a definição


de infração de trânsito como sendo a inobservância de qualquer preceito do
código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, sendo o
infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada
artigo infracional.
As infrações de trânsito estão classificadas de acordo com a natureza da
gravidade em: gravíssima, grave, média e leve e cada qual recebe uma
pontuação de acordo com a gravidade: sete, cinco, quatro e três pontos, que
serão registrados no prontuário do infrator de forma acumulativa.
Estão sujeitas a penalidade de advertência por escrito somente as
autuações leves e médias. Conforme estipulado no artigo 267 do CTB:

”Poderá ser imposta a penalidade de advertência por


escrito à infração de natureza leve ou média,
passível de ser punida com multa, não sendo
reincidente o infrator, na mesma infração, nos
últimos doze meses, quando a autoridade,
considerando o prontuário do infrator, entender esta
providência como mais educativa."

Para uma melhor compreensão desse artigo é importante distinguir o


conceito de Autoridade de Trânsito: “dirigente máximo de órgão de trânsito ou
entidade executivo integrante do Sistema Nacional de Trânsito ou pessoa por
ele expressamente credenciada” e Agente da Autoridade de Trânsito: “pessoa,
civil ou policia militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício
Comportamento Humano no Trânsito 8

das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou


patrulhamento”, anexo I da Lei 9.503/98 – CTB.
No Brasil, o Art. 22, XIII, do CTB, estabelece, entre outras disposições,
que compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados se
integrarem a outros órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito - SNT
com vistas à celeridade das transferências de prontuários de condutores de
uma para outra unidade da Federação.
Situação que, caso não ocorram na forma estipulada, podem vir a
comprometer a análise dos prontuários dos condutores pelas autoridades de
trânsito, pois nem todos os Órgãos de Trânsito que compõem o SNT estão
integrados a ele, o que prejudica a consistência da totalidade das informações
constantes nos prontuários dos condutores. Visto que, muitas vezes, os
registros apresentados são incompletos, informados fora do prazo ou até
mesmo não registrados. Estas questões estão intimamente relacionadas à falta
de padronização dos procedimentos operacionais e tecnológicos adotados
pelos Órgãos responsáveis e, principalmente, pela postura apresentada por
seus governantes em relação às políticas públicas aplicadas nas áreas do
trânsito de cada Estado brasileiro.
Para melhor compreensão das implicações que envolvem a aplicação da
penalidade de advertência por escrito, como medida educativa, é importante
esclarecer que esta não pode ser imposta pelo Agente Fiscalizador da
Autoridade de Trânsito, no momento em que foi constata a transgressão
cometida pelo infrator que insurgir em infração de trânsito, e sim pela
Autoridade de Trânsito.
O CTB também estabelece que ocorrendo infração prevista na
legislação de trânsito deverá ser lavrado o auto de infração de trânsito – AIT, e
que a Autoridade de Trânsito, na esfera da competência estabelecida no
código e dentro de sua circunscrição, deverá julgar a consistência de seus
autos de infração aplicando a penalidade cabível.
Este entendimento, inclusive, é reforçado pelo Manual Brasileiro de
Infração de Trânsito, aprovado pela Resolução 371/2010 do CONTRAN. O item
quatro do referido manual ao tratar do Agente da Autoridade de Trânsito prevê
que “A lavratura do AIT é um ato vinculado na forma da Lei, não havendo
Comportamento Humano no Trânsito 9

discricionariedade com relação a sua lavratura”. Assim, não cabe escolha, uma
vez constatada a infração lavrar-se-á o respectivo auto na forma da lei.
Porém, é necessário considerar que esse entendimento foi estabelecido
após a publicação do atual Código de Trânsito Brasileiro, pois somente a partir
da publicação da Resolução 149/2003, já revogada pela Resolução 404/2012,
ambas do CONTRAN, foi instituída a fase para defesa da autuação, na qual a
legislação prevê uma série de requisitos a serem observados pela Autoridade
de Trânsito antes da imposição da penalidade, tais como: homologação da
consistência do auto de infração; emissão da notificação da autuação no
máximo em trinta dias contados da data da autuação; três tentativas de entrega
para notificação e no impedimento notificação por edital público, devendo ser
garantido o prazo mínimo de quinze dias ao infrator para interposição de
defesa da autuação. Assim, somente após o prazo estipulado, será possível
que a autoridade se manifeste em relação à penalidade que irá aplicar ao
infrator, no caso das autuações passíveis de penalidade de advertência por
escrito, seja de oficio, por critério da autoridade, ou a pedido do cidadão as
regra exigidas tornam mais distante a sua aplicabilidade em relação à data da
constatação da transgressão.
Com isso, outro fator determinante para a escolha da penalidade a ser
aplicada às infrações, são os campos obrigatórios a serem preenchidos no AIT,
estipulados atualmente pela Portaria 59/2007 do Departamento Nacional de
Trânsito - DENATRAN. Muitas vezes esses dados são insuficientes para
esclarecer as circunstâncias da constatação da infração, se realmente houve
por parte do infrator um simples lapso ou uma transgressão, que mesmo
graduada como leve ou média, acarretou ou poderia vir acarretar em prejuízos
para os demais participes do trânsito.
As autoridades de trânsito devem de maneira imperiosa analisar o
prontuário do infrator e, além desse, certificar-se do contexto socioambiental
em que este está inserido, antes de aplicar a penalidade cabível, primando pela
medida que a seu critério irá contribuir para a mudança de comportamento
individual e coletiva.
Outra questão a ser observada, refere-se ao custo que a aplicação
desse tipo de penalidade acarretará aos cofres públicos, pois não haverá
ressarcimento de valores referente ao processamento das autuações
Comportamento Humano no Trânsito 10

penalizadas com advertência por escrito, visto que as autuações advertidas


são isentas de pagamento. Situação que poderá vir a comprometer os
investimentos para aprimoramento do trânsito previstos no artigo 320 do CTB:

”a receita arrecadada com a cobrança de multa de


trânsito será aplicada, exclusivamente, em
sinalização, engenharia de tráfego, de campo,
policiamento, fiscalização e educação de trânsito.”

De acordo com Hoffmann (2011), a intervenção social educativa requer


partir da realidade de que o comportamento de segurança tem uma definição
coletiva e, por isso, normativa, que não deve limitar-se a uma consideração
genérica, mas enfatizar a importância do processo de decisão individual e
múltiplo.
Como exemplo cita-se o trabalho da fiscalização realizado nas vias de
todo o país, que mesmo sendo em número insuficiente ao necessário, registra
anualmente milhares de autuações, flagrando condutores e pedestres nas mais
variadas situações de risco, permitindo que as autoridades, conforme a
competência, possam tomar medidas necessárias para coibir, penalizar e
realizar campanhas educativas para conscientização dos maus feitores do
trânsito.
Cabe salientar que o CTB, em seu artigo 148, parágrafo 3º, prevê
tolerância aos condutores permissionários, quando ao final de doze meses da
permissão para dirigir, possibilita a concessão da carteira nacional de
habilitação - CNH ao condutor com registro de autuações leves e uma média
sem reincidência. Tal medida se justifica para o período inicial de adaptação as
normas de circulação e conduta a qual o condutor principiante está sujeito no
trânsito.
As medidas educativas aplicadas no trânsito devem ter o propósito de
permitir aos seus usuários a aquisição de conhecimento sobre a forma de se
comportarem no trânsito e a conscientização quanto à importância de se ter um
comportamento adequado. A educação só será efetiva quando as pessoas
sentirem que o comportamento adequado será recompensado e o inadequado
será punido, Vasconcelos (1998).
Comportamento Humano no Trânsito 11

Aprofundando essa questão Da Matta (2010) afirmou que qualquer


legislação está destinada ao fracasso, caso a sociedade que a recebe não
necessite ou não esteja preparada para suas inevitáveis implicações
disciplinadora. O autor diz que, quando se implementa uma mudança que vai
afetar o comportamento de todos os membros da coletividade, essa tem que
ser, em primeiro lugar, preparada para a mudança.
No caso da penalidade de advertência por escrito, este será o principal
desafio das Autoridades de Trânsito, pois além de analisarem isoladamente o
prontuário do infrator terão que considerar a contribuição desta para a
coletividade, se este tipo de medida educativa irá tornar o trânsito no Brasil
mais humano e nossos condutores mais responsáveis ou se este tipo de
sanção irá reforçar a impunidade as transgressões no trânsito.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para esse estudo foi utilizado o banco de dados do DETRAN/RS,


mantido pela Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio
Grande do Sul - PROCERGS, pertinente ao número de autuações inseridas no
sistema integrado de infração de trânsito – SIT no período de 2009 a 2013,
contendo o quantitativo das autuações, classificadas por natureza de
gravidade, cometidas no perímetro urbano e nas rodovias estaduais,
excetuando as registradas nas rodovias federais, visto estas não serem
inseridas na mesma base de dados-SIT.
Primeiramente, foi analisado o quantitativo das autuações quanto à
natureza da gravidade. Após foram analisados os dados percentuais das
autuações de natureza leve e média que estariam passíveis de serem
advertidas no período citado, bem como os dados representativos das
principais incidências infracionais, passíveis de serem penalizadas com
advertência por escrito.

4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS:

0s dados apresentados na Figura 1 contém o quantitativo das autuações


inseridas no SIT, classificado por natureza da infração ao ano e revelaram que
as autuações de natureza média foram as de maior incidência cometidas pelos
Comportamento Humano no Trânsito 12

condutores nos últimos cinco anos no Estado, em segundo lugar as autuações


de natureza grave, em terceiro as de natureza gravíssimas e em quarto lugar
as autuações de natureza leve. Com esses dados é possível identificar que as
autuações de natureza média, passíveis de penalidade de advertência por
escrito, contribuem de maneira significativa para o contexto das transgressões
identificadas no trânsito e para a banalização com que a legislação de trânsito
é desrespeitada pelos infratores. O que demonstrou que as autoridades
competentes não devem negligenciar as campanhas educativas de prevenção
ao cometimento de qualquer tipo de autuação, de maneira a conscientizar e
internalizar nos condutores e pedestres a responsabilidade dos seus atos no
trânsito e o quanto comportamentos inapropriados podem ser nocivos para a
segurança da coletividade.
Os números revelam que, mesmo com desculpas de uma fiscalização de
trânsito ineficiente, foram inseridas no sistema um montante expressivo de
autuações de todas as naturezas de gravidade, o que comprova que as
autuações cometidas no trânsito do Estado estão aquém de poderem ser
analisadas de maneira tolerável.

INFRAÇÕES POR NATUREZA NO RS AO ANO

1.200.000

1.000.000

Gravissima
800.000
Grave
600.000 Média
Leve
400.000

200.000

0
2009 2010 2011 2012 2013

Figura 1: Infrações por natureza no RS ao ano


Fonte: PROCERGS – SIT - Relatório gerado em: 24/03/2014 16:35:16
Comportamento Humano no Trânsito 13

Os dados apresentados na Figura 2 referentes às autuações graduadas


como leves mesmo sendo identificadas em menor número de incidência em
relação às demais, com um montante próximo de 424.000 autuações
registradas no período de 2009 a 2013, demonstraram que estariam passíveis
à penalidade de advertência por escrito, por seus condutores não terem
reincidido no mesmo artigo infracional no período de 12 meses, o percentual de
87,5% das autuações constatadas no período analisado. O que não quer dizer
que os condutores autuados não cometeram outras infrações, devendo ser
este um fator determinante na análise do prontuário do infrator para a
concessão da penalidade de advertência por escrito, parâmetro que não é
exigido na legislação no caso da concessão ao critério de ofício, uma vez que o
artigo 267 do CTB e a própria Resolução 404/2012 do Contran mencionou
somente como impeditivo a aplicação da penalidade de advertência por escrito
à reincidência no mesmo tipo infracional, exemplo: condutor flagrado dirigindo e
falando ao celular e excedendo a velocidade em 20 % do limite permitido para
a via, sem registro de reincidência no período de doze meses, se analisados
individualmente poderá ser beneficiado com a penalidade de advertência por
escrito em ambas às infrações, quando a autoridade de trânsito opta por aplicar
este tipo de penalidade sem que haja pedido do infrator (de oficio).

INFRAÇÕES LEVES - 3 PONTOS


100.000 94.066
95.000
90.000 86.798 84.808 84.088
85.000 81.287
80.000 76.944 76.250 75.926
75.000 70.102
70.000 64.660
65.000
60.000
55.000
50.000
45.000
40.000
35.000
30.000
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
0
2009 2010 2011 2012 2013

Quantidade Total Quantidade Possível Advertência

Figura 2: Infrações leves – 3 pontos


Fonte: PROCERGS – SIT - Relatório gerado em: 18/01/2014 14:32
Comportamento Humano no Trânsito 14

As mesmas considerações propostas para análise das autuações leves


devem ser aplicadas para as autuações de natureza média, pois conforme foi
difundido ao longo deste estudo qualquer comportamento inadequado,
apresentado no trânsito pode acarretar em prejuízos irreparáveis a segurança
da coletividade, agravar o índice de acidentalidade e o estabelecimento do
sentimento de impunidade aos demais participantes no trânsito.
Na Figura 3 constam os números referentes às autuações de gravidade
média, que possibilitaram identificar que o índice de reincidência em todos os
anos do período analisado foi maior para este tipo de gravidade infracional, o
que impediria a aplicação da penalidade de advertência por escrito num
percentual de apenas 28,6% do total de autuações constatadas no período.
Todavia, há de se levar em consideração que no ano de 2013 houve uma
redução considerável no número de autuações constatadas em relação aos
anos anteriores, principalmente em relação ao ano de 2012 no qual a
incidência chegou à marca de 607.452 autuações e o índice de reincidência foi
de 30,9%, sendo que em 2013 o número de constatações dessas autuações foi
o menor nos últimos cinco anos. Situação que deve ser analisada de maneira
mais aprofundada, pois muitos são os fatores que podem ter contribuído para
esta redução. Do ponto de vista positivo, pode-se associar a intensificação da
fiscalização de trânsito por agentes das autoridades de trânsito, a politicas
públicas adotadas no âmbito do estado que contribuíram para a educação dos
participantes do trânsito e para a redução dos índices de acidentalidade no
Estado ou, de forma negativa, relacionada à ausência de controladores de
velocidades nas rodovias estaduais, conforme amplamente foi divulgado nos
canais de comunicação. Assim, é possível exemplificar o quanto é complexo
analisar o trânsito com todas as suas implicações, sendo imprescindível que as
autoridades de trânsito estejam atentas aos índices de acidentalidade
apresentados, para que possam adotar as medidas necessárias, no âmbito de
suas competências, para tornar o trânsito mais seguro e contribuir com o
propósito de reduzir os índices de acidentalidade em 50% no país, no período
de 2011 a 2020, conforme proposto pela ONU.
Comportamento Humano no Trânsito 15

INFRAÇÕES MÉDIAS - 4 PONTOS


650.000 607.452
587.457
600.000
550.000 528.641
505.045 485.988
500.000
450.000 414.450 420.045
400.000 382.117 365.541 355.686
350.000
300.000
250.000
200.000
150.000
100.000
50.000
0
2009 2010 2011 2012 2013

Quantidade Total Quantidade Possível Advertência

Figura 3: Infrações Médias – 4 pontos


Fonte: PROCERGS – SIT - Relatório gerado em: 18/01/2014 14:32

Na Tabela 1 são mostrados os códigos infracionais de natureza leve e


média de maior incidência cometida no período de 2009 a 2013, evidenciado a
necessidade de maior atenção das autoridades de trânsito para investimentos
em campanhas e medidas preventivas para coibir a prática destas infrações
pelos condutores. Os dados mostraram que seria possível a aplicação de
penalidade de advertência por escrito em índices superiores a 90% para a
maioria das autuações constatadas, visto não haver registro de reincidência no
mesmo enquadramento infracional, com exceção as infrações de natureza
média: código 74550, referente ao excesso de velocidade até 20% do limite de
velocidade da via, que registra índice de reincidência de 37,7% e a de código
73662, referente a dirigir veículo falando ao telefone celular, com índice de
reincidência de 18,4% e das autuações de natureza leve destacaram-se a de
código 55412, referente a estacionar desacordo rotativo, com reincidência de
27,8%.
Comportamento Humano no Trânsito 16

Tabela 1 - Quantitativo de Autuações Leves e Médias Com Maior Incidência no


período de 2009 a 2013 no RS.
Código Natureza Descrição conduta Total de Total % Passível
infração infracional autuações passível de de
advertência advertência
55412 Leve Estacionar desacordo-rotativo 166.683 122.045 73,2%
69120 Leve Sem doc. porte obrigatório 111.009 104.929 94,5%
55411 Leve Estacionar desacordo sinalização 49.798 48.755 97,9%
55414 Leve Estaciona local carga/descarga 27.300 26.697 97,8%
52070 Leve Dirigir sem atenção cuidado 24.084 23.793 98,8%
55415 Leve Estacionar vaga p/nec. especial 18.040 17.788 98,6%
55416 Leve Estacionar vaga idoso 10.703 10.509 98,2%
55413 Leve Estacionar ponto/vaga taxi 6.127 6.073 99,1%
56222 Leve Parar faixa pedestre 3.534 3.513 99,4%
54440 Leve Estacionar no acostamento 2.851 2.775 97,3%
56810 Leve Faixa dir-não p/tipo veiculo 2.040 2.025 99,2%
53980 Leve Estacionar afastado 50cm a 1m 1.812 1.807 99,7%
64910 Leve Buzina-prolongada/sucessivo 1.506 1.504 99,8%
64830 Leve Buzina-não toque breve 900 896 99,5%
56221 Leve Parar no passeio 798 784 98,2%
74550 Média Exc.veloc.até 20% máxima 1.923.360 1.217.023 63,3%
73662 Média Dirigir vei. Fal. telefone celular 316.589 261.441 82,6%
55500 Média Estacionar local/hora proibido 174.416 160.583 92,1%
56732 Média Parar faixa pedestre 48.595 43.270 89,0%
73400 Média Dirigir sem calçado firme 34.000 33.342 98,1%
54600 Média Estacionar entrada/saída veiculo 28.978 28.634 98,8%
72340 Média Sem luz baixa durante noite 26.849 25.681 95,6%
67693 Média Cond. veic. .lâmpada queimada 25.235 24.640 97,6%
67692 Média Cond.veic.defeito.sinalização 19.313 18.852 97,6%
55090 Média Estac. embarque/desembarque 16.454 16.014 97,3%
passageiro
67691 Média Cond.veic.defeito.ilumina 13.625 13.491 99,0%
64080 Média Placas desacordo CONTRAN 12.796 12.618 98,6%
55250 Média Estacionar na contramão 11.578 11.345 98,0%
68580 Média Transitar lotação excedente 9.872 9.671 97,6%
72850 Média Placa traseira sem iluminação 9.308 9.076 97,5%
Fonte - Procergs – SIT – relatório gerado em 18/01/2014 – 14h32mim
Comportamento Humano no Trânsito 17

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender o que é trânsito, analisar os fatores que envolvem o


comportamento humano no trânsito, e as implicações que tratam da penalidade
de advertência por escrito, deve ser fator determinante na tomada de decisão
das autoridades competentes quanto à adoção das penalidades e medidas
educativas, que tenham o propósito de coibir comportamentos inadequados e
reduzir os índices de acidentalidade no trânsito.
O estudo realizado propiciou verificar, pelo montante de autuações
constatadas no período de 2009 a 2013 no estado do Rio Grande do Sul e os
índices de acidentalidade apresentados, que a penalidade de advertência por
escrito poderia ser aplicada em índices elevados, porém não há como
constatar se realmente esta seria uma medida educativa eficaz, considerando
que mesmo não havendo reincidência nas autuações os índices evidenciaram
o quanto a legislação de trânsito é negligenciada pelos infratores.
Para que o trânsito se torne mais humano é necessário investir em
medidas educativas preventivas e políticas públicas eficazes, que tenham o
propósito de educar e conscientizar os participantes do trânsito a não
cometerem comportamentos inadequados, reduzindo o número de infrações
cometidas e os índices de acidentalidade.
A decisão de aplicar a penalidade de advertência por escrito deve
ultrapassar a análise isolada do prontuário do condutor infrator e considerar a
contribuição desta para mudança de comportamento individual e coletiva.
Como sugestão para trabalhos futuros, considera-se importante que
outros estudos sejam realizados, com base nos prontuários dos condutores
beneficiados com esse tipo de penalidade mais branda, de maneira a verificar
se haveria mudança efetiva no comportamento dos condutores infratores
quanto à prática de novas infrações.
Comportamento Humano no Trânsito 18

6. REFERÊNCIAS

Procergs – Companhia de Processamentos de Dados do Rio Grande do


Sul. Relatório de infrações gerado em 18/01/2014, disponível no
Sistema Integrado de Infração de Trânsito – SIT do Detran/RS.

Cetran/RS – Conselho Estadual de Trânsito. “Rio Grande do Sul


registra redução de 25% no índice de acidentes de trânsito”. Notícia
publicada em 21 de fevereiro 2014. Disponível em
http://www.cetran.rs.gov.br. Acessado em 06/03/2014

Da Matta, Roberto, (2010). Fé em Deus e pé na tábua, ou, como e por


que o trânsito enlouquece no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Rocco.

Denatran – Departamento Nacional de Trânsito: Resolução 404/2012 do


Contran – disponível em http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm.
Acesso 01/02/2014.
________Resolução 371/2010 do Contran. Disponível em
http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm. Acesso 01/02/2014
________Resolução 149/2003 do Contran. Disponível em
http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm. Acesso 01/02/2014
________Portaria 59/2007 do Denatran. Disponível em
http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm. Acesso 01/03/2014
________Lei 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em
http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm. Acessado em 01/03/2014

Hoffmann, Maria Helena; Cruz, Roberto Moraes; Alchieri, João Carlos


(2011). Comportamento humano no trânsito. São Paulo: Casa do
Psicólogo.

Ministério das Cidades. Departamento Nacional de Trânsito. Política


nacional de trânsito. Brasília: Denatran, 2004a. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm. Acessado em
02/03/2014.

Observatório Nacional de Segurança Viaria - ONSV – “Anuário 2012”.


Disponível em: http://www.onsv.org.br/ver/anuario-2012 - Acessado em
10/03/2014.

Rozestraten, Reinier J. A. (1988). Psicologia do trânsito: conceitos e


processos básicos. São Paulo, SP: EPU/EDUSP.

Senado Federal. “Estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS)


sobre mortes por acidentes de trânsito em 178 países é base para
década de ações para segurança”.– disponível em
http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao. Acessado em
15/03/2014.
Comportamento Humano no Trânsito 19

Vasconcellos, Eduardo A. (1998). O que é trânsito? 3. Ed. São Paulo:


Brasiliense.

Waiselfisz, Julio Jacobo: “Mapa da Violência no trânsito 2013 –


acidentes de trânsito e motocicletas” – Publicado por Cebela, disponível
em .mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013 transito.pdf.
Acessado em 15/03/2014.
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)
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176 176

A Psicologia do
Trânsito e os 50 Anos
de Profissão no Brasil
Traffic Psychology And 50 Years
Of Profession In Brazil

La Psicología Del Tránsito Y


Los 50 Años De Profesión En El Brasil

Fábio Henrique Vieira de


Cristo e Silva

Universidade de Brasília
Artigo

PSICOLOGIA: CIÊNCIA E PROFISSÃO, 2012, 32 (num. esp.), 176-193


177
PSICOLOGIA:
CIÊNCIA E PROFISSÃO,
Fábio Henrique Vieira de Cristo e Silva
2012, 32 (num. esp.), 176-193

Resumo: Em 2012, a Psicologia completa 50 anos como profissão reconhecida no Brasil, sendo esse um
momento oportuno para pensar e repensar a prática do psicólogo em suas diversas áreas. Neste artigo, analisa-
se especificamente o desenvolvimento histórico da Psicologia do trânsito, sendo abordados acontecimentos
históricos pré e pós-regulamentação da Psicologia, como a promulgação de leis, resoluções e suas respectivas
alterações, a criação do Conselho Federal, dos Conselhos Regionais e da Associação de Psicologia do
Trânsito, além da discussão sobre o veto presidencial à avaliação psicológica em futuros motoristas. Como
conclusão, cita-se algumas iniciativas que devem ser comemoradas pela categoria, como a ampliação das
oportunidades de formação profissional (cursos de perito e especializações), a participação da Psicologia
em instâncias consultivas e decisivas das políticas de trânsito e os esforços do Conselho Federal para discutir
e qualificar as ações dos profissionais com a elaboração de referências técnicas, a organização de debates,
seminários e publicações. Sugere-se, ainda, iniciativas que devem ser aprimoradas nos próximos anos,
como, por exemplo, a ampliação da discussão sobre políticas públicas de mobilidade urbana durante a
graduação e a pós-graduação, a participação ativa (individual e coletiva) nos movimentos sociais sobre o
tema e o modelo de atuação profissional, que incorpore outros paradigmas.
Palavras-chave: Atuação do psicólogo. Avaliação psicológica. Psicologia do trânsito. Políticas públicas.
História da Psicologia-Brasil.

Abstract: In 2012, psychology will be 50 years as a recognized profession in Brazil and this is an opportune
time to think over the practice of psychologists in various areas. This article examines specifically the
historical development of traffic psychology and the historical events discussed pre- and post-regulation
of psychology, such as the enactment of laws, resolutions and their amendments, the creation of the
Federal Council, Regional Councils and the Association of Traffic Psychology, besides the discussion of the
presidential veto in psychological assessment for future drivers. In conclusion we quote some initiatives that
should be celebrated by the category, such as the expansion of training opportunities (courses, expertise
and specializations), participation in advisory bodies of psychology and decisive policy of transit, and the
efforts of the Federal Council to discuss and describe the actions of professionals with the preparation of
technical references, organizing debates, seminars and publications. We also suggest initiatives that should
be improved in the coming years, for example, the expansion of the discussion on policies for urban mobility
during undergraduation and graduation, active participation (individual and collective) in social movements
on the subject and the professional role model, that incorporates other paradigms.
Keywords: Psychologist performance. Psychological evaluation. Traffic psychology. Public policies. History
of psychology- Brazil.

Resumen: En 2012, la Psicología completa 50 años como profesión reconocida en el Brasil, siendo ése un
momento oportuno para pensar y repensar la práctica del psicólogo en sus diversas áreas. En este artículo, se
analiza específicamente el desarrollo histórico de la Psicología del tránsito, siendo abordados acontecimientos
históricos pre y pos-reglamentación de la Psicología, como la promulgación de leyes, resoluciones y sus
respectivas alteraciones, la creación del Consejo Federal, de los Consejos Regionales y de la Asociación
de Psicología del Tránsito, además de la discusión sobre el veto presidencial a la evaluación psicológica
en futuros conductores. Como conclusión, se citan algunas iniciativas que deben ser conmemoradas
por la categoría, como la ampliación de las oportunidades de formación profesional (cursos de perito y
especializaciones), la participación de la Psicología en instancias consultivas y decisivas de las políticas de
tránsito y los esfuerzos del Consejo Federal para discutir y calificar las acciones de los profesionales con la
elaboración de referencias técnicas, la organización de debates, seminarios y publicaciones. Se sugieren,
asimismo, iniciativas que deben ser perfeccionadas en los próximos años, como, por ejemplo, la ampliación
de la discusión sobre políticas públicas de movilidad urbana durante la graduación y la posgraduación,
la participación activa (individual y colectiva) en los movimientos sociales sobre el tema y el modelo de
actuación profesional, que incorpora otros paradigmas.
Palabras clave: Actuación del psicólogo. Evaluación psicológica. Psicología del tránsito. Política pública.
1 Agradecimentos Historia de la Psicología- Brazil.
a Lílian de Cristo
pelos comentários
e sugestões
úteis na versão O ano 1962 foi especial para a Psicologia entrou no rol das profissões reconhecidas
preliminar deste brasileira. O Presidente João Goulart em nosso país, sendo definido com maior
artigo. Este trabalho
contou com o promulgava, a 27 de agosto, a Lei nº 4.119, clareza o seu campo de ação profissional.
apoio financeiro que dispõe sobre os cursos de formação O documento legitimou, do ponto de vista
do CNPq por
em Psicologia e regulamenta a profissão de legal, as práticas psicológicas já existentes
meio de bolsa de
doutorado. psicólogo. A partir dessa política, a Psicologia até aquele momento, impulsionadas por

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CIÊNCIA E PROFISSÃO,
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suas importantes aplicações às necessidades A primeira legislação que tratou do tema no


nos diversos setores da vida social, como Brasil foi promulgada em 1910 (Decreto-lei n°
educação, saúde, trabalho e transporte 8.324), com a aprovação do regulamento para
(Antunes, 2001). Passados 50 anos, é o serviço de transportes de passageiros ou
hora de pensar e de repensar a nossa mercadorias por automóveis. Esse documento,
prática profissional, a fim de planejarmos dentre outros assuntos, estabelecia as medidas
as próximas décadas, considerando erros e de segurança que os motorneiros (como
acertos ao longo do caminho. Neste artigo, eram chamados os motoristas) deveriam
analisa-se o desenvolvimento histórico da seguir, as penalidades e a fiscalização. Um
Psicologia do trânsito nos períodos pré e pós- dos artigos sinalizava o que já era uma
regulamentação da Psicologia como profissão preocupação naquele momento, e que seria,
no Brasil. Serão apresentados e discutidos posteriormente, um grande desafio para a
alguns acontecimentos internos e externos Psicologia do trânsito no Brasil, notadamente
à Psicologia, documentos legais e ações no período da sua inserção nesse contexto,
coletivas dos psicólogos que, de alguma o motorista: “O motorneiro deve estar
forma, constituíram, de modo específico, o constantemente senhor da velocidade de
trabalho do psicólogo do trânsito e que, de seu vehiculo, devendo diminuir a marcha
modo geral, ajudaram a compor o cenário ou mesmo parar o movimento, todas as
atual da Psicologia em nosso país. Especial vezes que o automóvel possa ser causa de
atenção será dada à avaliação psicológica de acidentes” (Departamento Nacional de
motoristas, tendo em vista que é um trabalho Trânsito – DENATRAN, 2010, p. 20).
realizado por muitos profissionais na seara do
trânsito e que possui raízes históricas fortes Um marco legal que estabeleceu
no campo que denominamos Psicologia do explicitamente as bases para a futura prática
trânsito. Ao final, sugere-se o quê comemorar do psicólogo no contexto do trânsito foi
em 2012 e o quê aprimorar nos próximos o primeiro Código Nacional de Trânsito
anos para tornar a Psicologia do trânsito cada (Decreto-lei n° 2.994/1941), que estabeleceu
vez mais útil à sociedade. os exames para obter a licença de praticagem
ou de habilitação para condutor de veículo:
Período pré-regulamentação fisiológico ou médico e psicológico. Nesse
da profissão último exame, o candidato poderia ser
“recusado” por não apresentar o mínimo
“perfil psico-fisiológico” exigido. A partir
Os conhecimentos psicológicos se inseriram
disso, instituíram-se verificações periódicas
no trânsito rodoviário de diversas formas,
das condições mínimas de capacidade
dentre elas, de leis que expressaram políticas
física e psíquica dos motoristas; dessa
de segurança e prevenção. Algumas delas,
forma, esperava-se contribuir de maneira
por sua vez, tinham – como ainda hoje
preventiva, isto é, não permitindo que pessoas
têm – a finalidade de identificar e restringir,
consideradas propensas a se envolver em
no decorrer do processo de aquisição da
acidentes (inaptas) tivessem acesso ao volante
Carteira Nacional de Habilitação (CNH), o
(ver na Tabela 1 um histórico dos nossos
acesso ao volante das pessoas consideradas códigos de trânsito e de suas respectivas
propensas, do ponto de vista psicológico, alterações).
a se envolver em acidentes de trânsito. A
raiz dessa política encontra-se em décadas Oito meses depois, um novo decreto-lei, n°
anteriores à regulamentação da Psicologia 3.651, alterou o referido código em algumas
no País. partes, criando o Conselho Nacional de

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Trânsito (CONTRAN), órgão máximo normativo e consultivo que coordena atualmente o


Sistema Nacional de Trânsito (SNT), responsável pela elaboração das regulamentações em
forma de resolução, muitas delas com impacto no trabalho do psicólogo (Brasil, 1941). Outra
mudança importante ocorreu na seção dos exames para a habilitação. A avaliação dos aspectos
psicológicos seria realizada apenas em uma circunstância específica. O art. 108 indicava que,
no caso de acidente grave na via pública e apurada a culpa do condutor, este seria submetido
a novo exame de visão, e, ainda, ao exame psicofisiológico se decorridos mais de dois anos a
contar do último a que havia sido submetido. Tal medida fez perder o caráter preventivo do
exame psicológico, conforme proposto inicialmente, para o candidato adquirir a habilitação.
De certa forma, esse pode ser considerado o primeiro veto à avaliação psicológica no processo
de habilitação, ou, então, um prenúncio do veto presidencial que ocorreu muitos anos depois,
na década de 90, conforme será discutido adiante.

Tabela 1. Códigos de trânsito instituídos no Brasil e suas alterações

Códigos Assuntos e alterações

Código Nacional Decreto-lei nº 2.994, de 28 de janeiro de 1941: institui o Código


de Trânsito Nacional de Trânsito
(1941) Decreto-lei nº 3.651, de 25 de setembro de 1941: dá nova
redação ao Código Nacional de Trânsito
Decreto-lei nº 9.545, de 05 de agosto de 1946: dispõe sobre a
habilitação e o exercício da atividade de condutor de veículos
automotores

Código Nacional Lei nº 5.108, de 21 de setembro de 1966: institui o Código


de Trânsito Nacionalde Trânsito
(1966) Decreto nº 86.714, de 10 de dezembro de 1981: promulga a
Convenção sobre Trânsito Viário. O Brasil aderiu à Convenção sobre
Trânsito Viário de Viena

Código de Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997: institui o Código de Trânsito


Trânsito Brasileiro
Brasileiro (1997) Lei nº 9.602, de 21 de janeiro de 1998: dispõe sobre legislação de
trânsito e dá outras providências (com a queda do veto, esta lei inclui
novamente a obrigatoriedade da avaliação psicológica no processo de
habilitação)
Lei nº 10.350, de 21 de dezembro de 2001: altera a Lei nº 9.503, de
23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, de forma a
obrigar a realização de exame psicológico periódico para os motoristas
profissionais

Ainda na década de 1940, foi promulgado outro decreto-lei, n° 9.545, que causou impacto na
futura profissão de psicólogo, que abordava a habilitação e o exercício da atividade de condutor de
veículos automotores, indicando as normas para o exame médico (físico e mental) de candidatos
a condutor de veículos (Brasil, 1946). O documento informava explicitamente que deveria ser

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organizado um conjunto de testes para o importante especialmente no âmbito da


exame psíquico, a critério da junta médica, avaliação psicológica de motoristas, pois
sem caráter eliminatório, até que fossem começava-se a tentar estruturar o que seria
estabelecidas as “médias normais” do perfil o perfil psicofisiológico indicado outrora.
psicofisiológico do condutor do veículo. A Psicologia também se deparou com os
primeiros dilemas e críticas concernentes a
Esse perfil psicofisiológico, todavia, nunca foi essa área: o seu elevado custo e o prejuízo
de fato estabelecido, apesar das tentativas causado com o afastamento do motorista do
de se estabelecer critérios de tomada de seu meio de vida, sem direito ao recebimento
decisão para o psicólogo, por exemplo, com de aposentadoria quando considerado
o estabelecimento de percentis mínimos e inapto, o tempo necessário para a reavaliação
tetrons (CONTRAN, 1998a). Esse perfil é do candidato inapto (que era de quatro
essencial para uma avaliação mais adequada meses), as imprecisões dos critérios para
de motorista, e sempre foi reivindicado pelos se definir um candidato apto/inapto e a
profissionais. Nem as autoridades, nem os necessidade de diferenciação nos critérios e
psicólogos tomaram para si a realização no modo de avaliar os motoristas de acordo
desse árduo, porém imprescindível, com a categoria de veículo pretendida
empreendimento. (Vieira, Pereira, & Carvalho, 1953). Alguns
desses aspectos, ainda hoje, também são
Em resumo, na década de 40, temos, problemáticos na prática do psicólogo perito
portanto, a expressão das primeiras políticas em trânsito, como a reavaliação do inapto
nacionais de segurança no trânsito, por meio que, em geral, é de 15 dias, ou ainda a
de decretos-lei que provocaram impacto na necessidade de sistematização das habilidades
futura profissão de psicólogo, ainda por ser mínimas dos motoristas que utilizam o veículo
regulamentada. automotor para atividade remunerada e para
atividades não remuneradas, para fins de
Na década de 50, o governo de Juscelino avaliação (Conselho Federal de Psicologia -
Kubitschek (1956-1961) impulsionou a CFP, 2009b).
indústria automobilística e a construção de
rodovias que interligavam o País, orientado Em suma, a década de 50 representou a
por sua política de modernização e de expansão da seleção psicotécnica e dos
interiorização (Lima Neto, 2001). Como instrumentos. Estabeleciam-se as bases para
reflexo, o automóvel começava a receber a regulamentação da profissão de psicólogo.
incentivo para sua aquisição e uso como Mas, como a Psicologia do trânsito trilhou seu
principal meio de transporte. caminho após essa regulamentação?

No âmbito da Psicologia, foram produzidas Período pós-regulamentação


as primeiras reflexões sobre a seleção da profissão
psicotécnica de motoristas e sua importância
na diminuição dos acidentes de trânsito,
Até meados da década de 60, as ações do
assim como a elaboração dos primeiros
Estado brasileiro relativas às políticas de
critérios e normas para a população brasileira
desenvolvimento urbano e de transporte
nos diversos testes usados para a habilitação
(Amorim, 1953; Antipoff, 1956; Campos, urbano, conforme o Instituto de Pesquisa
1951; Nava, 1957; Nava & Cunha, 1958; Econômica Aplicada (IPEA), caracterizaram-
Silva & Alchieri, 2007, 2008). Esse período se por serem “(...) desarticuladas, aplicadas
pode ser caracterizado como uma época por diferentes setores do governo, sem

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diretrizes ou estratégias básicas de ação no levou ao desenvolvimento da Psicologia do


meio urbano” (2010, p. 567). Essa era uma trânsito enquanto subárea da psicologia.
época de conturbações e de amplas reformas Em suas palavras: “Começamos então um
administrativas entre os governos militares, estudo extenso, de mais de dois anos, sobre
que deram continuidade ao desenvolvimento a legibilidade das placas rodoviárias, mais por
do sistema rodoviário que se delineara nas razões didáticas do que para descobrir muita
décadas anteriores (Cristo, 2011). coisa nova” (1988a, p. 128). O trabalho não
tinha o objetivo explícito de colaborar com
Em 1962, a profissão de psicólogo foi políticas públicas de segurança, tampouco era
regulamentada no Brasil, dando início ao decorrente delas; todavia, estabeleceram-se
movimento de criação do Conselho Federal contatos com outras áreas, como a Engenharia,
(CFP) e dos Conselhos Regionais de Psicologia e com instituições, como o Departamento de
(CRPs). A Psicologia do trânsito configurou-se Estradas de Rodagem (DER) de Ribeirão Preto,
como uma das primeiras áreas de atuação do SP. Dessa forma, o professor se dava conta
psicólogo desde o início do reconhecimento da dimensão comportamental no trânsito
da Psicologia no País. quando disse, em um evento:

Alguns anos depois, no âmbito da legislação Tomamos consciência do fato de que


o trânsito resulta do comportamento
de trânsito, foi instituído o segundo Código humano, e que esse tipo de comportamento
Nacional de Trânsito (Brasil, 1966). Essa está entre os mais perigosos, uma vez que
lei reorganizou o SNT e, dentre outras causa a morte anualmente de 50.000
coisas, criou os Departamentos de Trânsito brasileiros, dentre os quais 5.000 crianças.
A percepção é um componente importante
(DETRANs) como parte desse sistema. desse comportamento. Em consequência
Cada Estado brasileiro deveria implantar disso, realizei um estágio no Laboratoire
o seu próprio DETRAN, o que ocorreu de la Conduite (...) (Rozestraten, 1988a,
p. 128)
principalmente entre as décadas de 60 e 70
(Cristo, 2011; Silva & Günther, 2009). Dentro
Suas pesquisas lançaram as bases para a
de sua estrutura, deveriam ser instituídos
estruturação da Psicologia do trânsito no
obrigatoriamente os serviços psicotécnicos.
Brasil na década seguinte, implementada
Os psicólogos – agora reconhecidos como
por ele mesmo após sua volta do estágio de
tal – se inseriram efetivamente no processo de
pós-doutorado na França (1979-1980), com
habilitação dentro dos DETRANs, realizando
a publicação do livro Psicologia do Trânsito:
o exame psicotécnico em candidatos à
Conceitos e Processos Básicos (Rozestraten,
habilitação. A década de 60 caracterizou-
1988b), além das publicações sobre os sinais
se, portanto, pela organização político-
de trânsito e o comportamento seguro (e.g.,
administrativa de categoria dos psicólogos, e
Rozestraten & Dotta, 1996).
também pela institucionalização e expansão
da Psicologia nos diferentes espaços
A década de 80, no plano nacional,
de atuação, dentre eles, os DETRANs,
caracterizou-se pela redemocratização
consolidando as raízes identificadas desde o
e pela promulgação da Constituição de
período pré-regulamentação.
1988. Nesse documento, destacam-se os
artigos que estabelecem o direito à livre
Na década de 70, no campo da Psicologia, é
locomoção, aos serviços de transporte
interessante destacar os estudos do professor
de passageiros e ao transporte escolar.
Reinier Rozestraten sobre a percepção em
No período, foi promulgada, ainda, a
campo aberto, que o levaram a estudar
Convenção sobre o Trânsito Viário (Brasil,
a legibilidade das placas rodoviárias, e o

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1981), um documento que foi produto de promovidas pelo Ministério dos Transportes,
uma convenção internacional celebrada em em 1985. Vários representantes de entidades
Viena, em 1968, à qual o Brasil veio a aderir participaram dessas reuniões, e um dos
somente anos depois. Os países contratantes resultados foi a publicação do livro O Acidente
se comprometeram a facilitar o trânsito viário de Tráfego: Flagelo Nacional Evitável (Empresa
internacional e a aumentar a segurança nas Brasileira de Planejamento de Transportes,
rodovias pela adoção de regras de trânsito 1987), que sintetizou o conhecimento
uniformes. disponível e as formas de o Brasil enfrentar
os acidentes. Atualmente, a ABRAPT está
No contexto acadêmico, com a volta de inativa, embora não falte interesse de vários
Rozestraten ao Brasil, a área tomava novo profissionais e de pesquisadores em criar
fôlego com a criação, pelo pesquisador, do outra associação. Se esse anseio se tornar
primeiro grupo de pesquisa em Psicologia do realidade, terá este exemplo como modelo
trânsito, em 1983, na Universidade Federal de para inspirar novamente uma participação
Uberlândia. Esse grupo organizou congressos ativa na formulação de políticas públicas de
brasileiros de Psicologia do trânsito, criou trânsito.
um periódico científico específico, a revista
Psicologia: Pesquisa & Trânsito, atualmente Ainda nessa época, a Psicologia rediscute o
inativa2 (Spagnhol, 1985), elaborou um guia seu papel frente aos problemas do trânsito e
internacional de pesquisas em Psicologia o trânsito como expressão do uso do espaço
do trânsito (Rozestraten, 1982) e ofereceu urbano, um avanço para a época, discussão
as primeiras disciplinas na graduação e os que foi aprofundada nas décadas seguintes.
primeiros cursos de especialização específicos O número especial da revista do Conselho
da área. Também foram publicados trabalhos Federal de Psicologia (1986), por exemplo,
importantes estruturando a Psicologia debateu o tema:
do trânsito com foco em todos os seus
participantes, seja criança, jovem, adulto ou Segundo especialistas da área, os acidentes
fatais no trânsito são de tal magnitude
idoso; motorista, passageiro, pedestres ou
que estão se constituindo em problema
ciclistas (Rozestraten, 1981, 1983, 1988b), epidemiológico. A sociedade como um
em interface com várias áreas da Psicologia todo sensibiliza-se para essa questão,
e de outros campos do saber (Rozestraten, e o CPF assume a discussão. A prática
predominante dos psicólogos na área
1985), ampliando a visão da psicotécnica
do trânsito é a da aplicação dos exames
aplicada ao motorista de outrora. psicológicos para seleção de candidatos
à carteira de habilitação. Será essa uma
Em 1982, foi realizado o Primeiro Congresso boa forma de contribuir para minorar os
graves problemas do trânsito? Há outras
Brasileiro de Psicologia do Trânsito, em Porto alternativas de atuação? (p.18)
Alegre, sendo o ponto de maior destaque
a fundação da Associação Brasileira de
Em suma, a década de 80 foi uma época de
Psicologia do Trânsito (ABRAPT), cujo
grande preocupação com a segurança no
primeiro presidente foi o Dr. Enis Rey Gil.
trânsito, o que foi expresso, por exemplo, na
A partir dessa associação, a Psicologia
organização dos primeiros eventos nacionais
do trânsito teve voz ativa e influente na
elaboração de documentos que mais tarde nas diversas áreas, como Psicologia, Medicina,
embasariam políticas nacionais de segurança educação, Engenharia e legislação de trânsito.
2 A revista no trânsito. Como exemplo, destaca-se a Além disso, a Psicologia questionava o seu
publicou quatro
edições, de 1983 participação nas reuniões de trabalho em papel e tentava desenvolver novas práticas.
a 1985. prol da segurança de tráfego, que foram Na década de 90, a Associação Brasileira de

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Psicologia do Trânsito continuava ativa, sendo psicológicos poderão ser obrigatórios para
convocada, junto a outras entidades, pelas os infratores contumazes, caso em que se
torna necessária uma investigação mais
instâncias superiores do trânsito para discutir
detalhada do comportamento individual.
e avaliar o Sistema Nacional de Trânsito, Justifica-se, assim, vetar o inciso II do
conforme evidencia a Ata n° 3.681, da 26a art. 147 (...) (http://www.planalto.gov.br/
reunião ocorrida no Ministério da Justiça: ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/
“ASSUNTOS GERAIS: Com a finalidade de Mvep1056-97.htm)
colher subsídios para elaboração de um
documento que contenha as informações Com relação a essa justificativa, parece injusto
sobre a situação do Sistema Nacional de atribuir somente aos exames psicológicos
Trânsito e as expectativas para os próximos a responsabilidade na diminuição dos
tempos, o colegiado recebeu, em plenário, acidentes de trânsito, mesmo que existam
para falar sobre o assunto, os representantes poucas evidências de que é possível predizer
seguintes: (...) 12 - Associação Brasileira de o comportamento infrator ou o acidente
Psicologia do Trânsito (ABPT) Dr. RENIER de trânsito a partir de alguns instrumentos
ROZESTRACTEM (...)” (Diário Oficial, 1994, psicológicos usados no processo de habilitação
p. 15, grifos no original). Essa parece ser atualmente (e.g., Silva & Alchieri, 2007,
mais uma evidência da força da associação 2008, 2010). Os acidentes de trânsito
nacional na formulação de políticas públicas possuem causas multifatoriais que precisam
na área de trânsito. ser analisadas e que vão além do indivíduo
(Rozestraten, 2001).
Anos depois, em 1997, foi instituído o
Código de Trânsito Brasileiro – CTB (Brasil, A mobilização e a articulação política dos
2002), atualmente em vigor. Essa lei trouxe psicólogos, do CFP e dos CRPs garantiram
profundos avanços para a segurança viária que o veto fosse suplantado por nova lei que
com repercussões no comportamento do incluiu o exame (ver Tabela 1), demonstrando
brasileiro, dentre os quais a redução das a força política dos psicólogos. Algumas
mortes no trânsito (Fundação Getúlio Vargas, instituições e políticos advogaram a causa.
2007). Uma das novidades do documento Destaca-se, por exemplo, o discurso de um
foi a incorporação do tema educação como Senador da República, a 17 de outubro de
um dos elementos centrais para todos os 1997, no Senado Federal:
participantes do trânsito. É importante
Seja do ponto de vista econômico, seja
destacar que o novo código repercutiu
de saúde pública, os recursos preventivos
no trabalho do psicólogo antes mesmo de superam em muito, em eficácia, qualquer
entrar em vigor. Na época em que era um providência tomada a posteriori. E uma
projeto de lei, o Presidente da República medida antecipadora de futuros sinistros,
de comprovada serventia, é a avaliação
Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) mental do candidato à Carteira Nacional
vetou alguns artigos, inclusive o que indicava de Habilitação. E, por seu caráter científico
a obrigatoriedade do exame psicológico ao e seu enfoque especializado, de grande
acuidade na detecção de desvios de
candidato à habilitação. As razões do veto
personalidade, tendências agressivas ou
foram as seguintes: distúrbios de psicomotricidade, e mesmo
neurológicos, difíceis de surpreender ao
Países rigorosos no combate à violência exame clínico comum, o teste psicológico
no trânsito não adotam o exame não pode deixar de integrar a avaliação
psicológico para motoristas. Considera- mental do pretendente à condução de
se que os exames fisico-mentais sejam veículos automotores (Borges, 1997, p. 12,
suficientes para a análise da capacitação grifo no original)
do candidato à habilitação. Os exames

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O argumento toma por base o aspecto ainda, experiência mínima de um ano na


preventivo do exame psicológico, conforme área de avaliação psicológica para atuar
sugerem os psicólogos. O veto, de certa como perito credenciado aos DETRANs.
forma, repetiu algo que já acontecera no Esses cursos contribuíram para a formação/
passado, com a mudança na redação do reciclagem de muitos profissionais que há
primeiro Código de Trânsito, na década anos não se atualizavam, mas muitos deles
de 1940, conforme explicitado na seção se concentraram em algumas regiões, não
anterior. Desse modo, a discussão sobre a sendo encontrados facilmente no Brasil, o
inclusão ou não dos exames psicológicos que dificultou a formação de novos peritos.
no processo de habilitação parece ser um Simultaneamente, essa situação favoreceu
acontecimento cíclico. Se esse raciocínio clínicas e psicólogos de várias cidades à
estiver correto, é provável que ela se repita medida que tinham um mercado sem
na (re)elaboração dos próximos códigos. concorrência. Em parte por causa disso, após
Caso isso de fato aconteça, quais argumentos as capacitações, muitos profissionais não
utilizaremos? voltaram a se atualizar. A resolução também
previu a realização de junta especial de
Com a reinserção da avaliação psicológica saúde, constituída por três psicólogos com
no processo de aquisição da habilitação, experiência na área de trânsito, para efetuar
o CONTRAN regulamentou este exame a a reavaliação dos candidatos considerados
partir da Res. n° 51 (CONTRAN, 1998a), inaptos que solicitassem revisão do processo.
que dispunha sobre os exames de aptidão Embora se reconheça a importância dessas
física e mental e os exames de avaliação juntas, elas carecem atualmente de uma
psicológica (ver, na Tabela 2, um histórico de regulamentação que padronize e oriente
resoluções do CONTRAN sobre a avaliação os procedimentos e a organização das
em motoristas). Psicólogos participaram da atividades dos psicólogos. Ela tem sido
elaboração desta e de outras resoluções realizada de diferentes formas nos diversos
relativas ao seu trabalho. Dentre as novidades Estados brasileiros, o que compromete a
dessa resolução, estavam algumas exigências qualidade do trabalho.
para o credenciamento, como ter concluído
o Curso de Capacitação para Psicólogo Perito
Examinador (carga-horária de 120h).

Meses depois, essa resolução foi alterada pela


Res. n° 80 (CONTRAN, 1998b). Dentre as
modificações relativas à resolução anterior,
incluem-se a realização dos exames de
avaliação psicológica na mudança de
categoria de habilitação e a denominação
das áreas a serem avaliadas: a) área percepto-
reacional, motora e nível mental, b) área
do equilíbrio psíquico e c) habilidades
específicas, anteriormente denominadas área
cognitiva, práxica e do equilíbrio psíquico. A
descrição dos percentis mínimos e de outros
parâmetros dos instrumentos estabelecidos
por categoria não foi mantida. Os cursos de
capacitação continuaram, sendo exigida,

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Tabela 2. Resoluções do CONTRAN que incidem no trabalho do psicólogo

Resoluções Assuntos

n º 51, de 21 de Dispõe sobre os exames de aptidão física e mental e os exames de


maio de 1998 avaliação psicológica

nº 80, de 19 de Altera os Anexos I e II da Res. n° 51/98-CONTRAN, que dispõe sobre os


novembro de 1998 exames de aptidão física e mental e os exames de avaliação psicológica

nº 168, de 14 de Estabelece normas e procedimentos para a formação de condutores


dezembro de 2004 de veículos automotores e elétricos, a realização dos exames, a expedição de
documentos de habilitação, os cursos de formação, especialização e reciclagem

nº 267, de 15 de Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica


fevereiro de 2008 e o credenciamento das entidades públicas e privadas

nº 283, de 01 de julho Altera a Res. nº 267/2008, tendo sido alterado apenas o art. 18
de 2008

nº 327, de 14 de Altera a Res. nº 267, tendo sido alterada apenas a alínea “b” do inciso
agosto de 2009 I do art. 16

nº 300, de 04 de Estabelece procedimento administrativo para submissão do condutor


dezembro de 2008 a novos exames para que possa voltar a dirigir quando condenado por
crime de trânsito ou quando envolvido em acidente grave

Vencida a luta política para suplantar o veto, a Psicologia institucionalizou as discussões que
vinham ocorrendo sobre a ampliação da área e da atuação do psicólogo na década anterior
no âmbito acadêmico, estimulada por alguns profissionais. Assim, foi organizado o I Fórum
Nacional de Psicologia do Trânsito, realizado em 1999. Esse evento foi considerado um marco
importante na elaboração de diretrizes para as políticas e normatizações do CFP e dos CRPs na
área de trânsito, levando em conta o potencial da área em planejamento urbano e educação
(CFP, 2000a). Convém destacar o papel desse fórum ao convocar os psicólogos para desenvolver
novas práticas e se inserir em novos espaços de atuação. Foram estabelecidas as competências do
psicólogo, algumas inovadoras para a época, com enfoque na atuação ampla e interdisciplinar,
sugerindo, a partir disso, outras atividades profissionais, como, por exemplo: colaborar na
elaboração e na implantação de ações de engenharia e de operação de tráfego, participar de
3 Instância
deliberativa equipes multiprofissionais no planejamento e na realização das políticas de segurança para o
dos Conselhos trânsito, auxiliar na elaboração e na implantação de programas de saúde, educação e segurança e
Federal e
Regionais de prestar assessoria e consultoria aos órgãos públicos/privados de trânsito (CFP, 2000a). Decorridos
Psicologia. Ela 13 anos desse evento, muitas das competências explicitadas não fazem parte efetivamente das
é subordinada
às deliberações práticas da maior parte dos psicólogos (ver CFP, 2009a), embora tenham um valor pedagógico
do Congresso importante para indicar aos estudantes e profissionais o que se pode fazer.
Nacional de
Psicologia (CNP).
Ver Res. CFP n° No documento decorrente desse fórum, cujas propostas foram deliberadas pela Assembleia das
10/98.
Políticas, da Administração e das Finanças do Sistema Conselhos (APAF)3 – o Caderno de Psicologia

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do Trânsito e Compromisso Social –, a articulação entre Psicologia e políticas públicas de trânsito


e transporte começou a ser pensada explicitamente. Algumas das propostas relativas à formação
do psicólogo e à inserção em políticas públicas, foram: “(...) transformar o curso de capacitação
(...) em especialização lato sensu de Psicologia do trânsito”, “os atuais psicólogos com curso de
capacitação, supracitado, poderão fazer a complementação da carga horária exigida para o título
de especialista”, “divulgar o Código de Trânsito Brasileiro e outras legislações para a organização e
a participação nas políticas públicas de qualidade de vida e segurança no trânsito”, “que os CRPs
e CFP solicitem a inclusão do psicólogo em todos os organismos pertencentes ao Sistema Nacional
de Trânsito, visando à representação da categoria na construção de políticas públicas de segurança
do trânsito” (CFP, 2000a, p.15-16). As deliberações quanto às especializações só aconteceram em
2008, por meio da Res. nº 267 (CONTRAN, 2008a). Porém, a complementação da carga horária
não se tornou uma realidade.

Outro fruto das discussões do referido fórum foi a elaboração do Manual para Avaliação Psicológica
de Candidatos à Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e condutores de veículos automotores
(CFP, 2000b). Foi o primeiro manual dessa natureza publicado pelo Conselho Federal, e indicou as
exigências mínimas de qualidade naquele trabalho (ver na Tabela 3 um histórico de resoluções do
CFP sobre a avaliação em motoristas). O documento foi fruto de discussões no seio do CFP para
adequar o trabalho do psicólogo às exigências das resoluções do CONTRAN, que regulamentavam
os artigos referentes aos exames dos candidatos à CNH do Código de Trânsito, com repercussões
na nossa profissão.

Tabela 3. Resoluções do CFP sobre a prática da avaliação psicológica em motoristas

Resoluções e Assuntos
nota técnica

nº 012/2000 Institui o Manual para Avaliação Psicológica de Candidatos à CNH e


Condutores de Veículos Automotores

nº 007/2009a Revoga a Res. CFP nº 012/2000 e institui normas e procedimentos


para avaliação psicológica no contexto do trânsito

nº 009/2011 Altera a Res. CFP nº 007/2009

nº 016/2002 Dispõe acerca do trabalho do psicólogo na avaliação psicológica de


candidatos à Carteira Nacional de Habilitação e condutores de veículos automotores

nº 06/2010 Altera a Res. CFP nº 016/2002, que dispõe acerca do trabalho do


psicólogo na avaliação psicológica de candidatos à Carteira Nacional
de Habilitação e condutores de veículos automotores

O início do século XXI caracterizou-se, no plano político nacional, pela eleição do Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (2003-2010). Nesse período, outras leis e normatizações afetaram o trabalho
do psicólogo no que diz respeito ao seu trabalho de avaliar condutores de veículos automotores.
Em 2001, por exemplo, foi promulgada a Lei n° 10.350 (Brasil, 2001), que estabeleceu que a

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avaliação psicológica deveria ser realizada no Nessa ocasião, foi discutido o protagonismo
ato de renovação sempre que o condutor se social da Psicologia no campo da circulação
submeter o condutor que exerce atividade humana. Na conferência, tentou-se colaborar
remunerada ao veículo. para ampliar a intervenção da Psicologia do
trânsito, inserindo-o em uma discussão mais
Em 2004, entrou em vigor a Res. CONTRAN ampla relacionada à vida social, à dimensão
n° 168, que estabelece, dentre outras coisas, afetiva dos espaços de circulação (Silva, 2003).
normas e procedimentos para a realização
dos exames para a habilitação. De acordo Uma das expressões da estratégia do CFP foi o
com o documento, o processo de habilitação surgimento do Centro de Referências Técnicas
do condutor, após o devido cadastramento em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP),
dos dados informativos do candidato no em 2006, com o objetivo de consolidar a
Registro Nacional de Condutores Habilitados produção de referências para atuação dos
(RENACH), seguirá com a realização da psicólogos em políticas públicas, por meio
avaliação psicológica, exame de aptidão de pesquisas realizadas nos diversos Estados.
física e mental, curso teórico-técnico, exame No caso do trânsito, o CREPOP realizou,
teórico-técnico, curso de prática de direção recentemente, uma pesquisa nacional que
veicular e exame de prática de direção evidenciou a participação dos psicólogos
veicular, nessa ordem. Apesar disso, na eminentemente na política de trânsito por
prática, existem variações (incorretas) nessa meio da avaliação em (futuros) motoristas
ordem dos exames, por exemplo, nos casos e o desconhecimento da maior parte dos
em que a avaliação médica é feita antes da respondentes sobre os marcos lógicos e
psicológica. A resolução estabelece ainda legais relacionados a trânsito, transporte e
que a avaliação psicológica será exigida mobilidade urbana (CFP, 2009a)4, o que
quando da: obtenção da autorização para precisa ser superado.
conduzir ciclomotor (ACC) e obtenção da
CNH; renovação caso o condutor exerça Outra iniciativa que o CFP buscou para
serviço remunerado de transporte de pessoas construir e consolidar a participação da
ou bens; substituição do documento de Psicologia no âmbito da política pública foi
habilitação obtido em país estrangeiro, ou o Movimento Nacional pela Democratização
por solicitação do perito examinador. no Trânsito, que expressou “o desejo da
sociedade civil em construir políticas públicas
No plano institucional da Psicologia, o CFP voltadas para o trânsito que contemplem uma
intensificou suas ações no sentido da inserção discussão crítica, democrática e transparente
4 Os marcos lógicos do psicólogo em políticas públicas. Isso fica de forma intersetorial, interinstitucional
e legais podem
ser acessados evidente nas frases do então presidente do e interdisciplinar” (http://www.mndt.
aqui:http:// CFP à época: org.br/quemsomos.cfm). O movimento,
crepop.pol.org.
br/novo/345_ criado em 2007, e formado inicialmente
levantamento-de- O II Seminário de Psicologia e Políticas por 27 instituições que trabalham direta
mobilidade-urbana- Públicas resulta do caráter estratégico
das políticas para o futuro da profissão ou indiretamente com o tema, buscou
transporte-e-transito
A pesquisa pode ser de psicólogo. Nesse contexto, e com as desenvolver ações que objetivam a
acessada em http:// mudanças ocorridas desde a promulgação mobilidade, a cidadania, a saúde e a paz no
crepop.pol.org.br/ da Constituição de 1988, surge um novo
novo/wp-content/ trânsito; contudo, ao que parece, encontra-se
dilema: ou os psicólogos envolvem-se com
uploads/2010/11/ a construção de políticas públicas ou não atualmente desarticulado.
Descritivo-
terão perspectiva de futuro com a profissão
com-OUTROS-
Formatado. no Brasil (Silva, 2003, p. 6) Em 2008, o CONTRAN emitiu a Res. n°
pdf 300, que estabeleceu o procedimento

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administrativo nos casos em que o condutor do trânsito (CFP, 2009b). Essa resolução foi
foi condenado por crime de trânsito ou concebida para orientar os psicólogos em
se envolveu em acidente grave, devendo função da Res. n° 267 (CONTRAN, 2008a).
submeter-se a novos exames para que
pudesse voltar a dirigir, incluindo a avaliação Em três de junho de 2011, foi criada a Rede
psicológica. Latino-Americana de Psicologia do Trânsito
(Relapsitran)5, uma iniciativa cujo objetivo é
Ainda nesse ano, entrou em vigor a Res. fomentar o intercâmbio de conhecimentos,
n° 267 (CONTRAN, 2008b, 2009), que informações e ideias entre profissionais e
estabelece os seguintes processos psíquicos pesquisadores de Psicologia e de outras áreas
a serem avaliados: tomada de informação, de conhecimento. A rede tem a perspectiva
processamento de informação, tomada de de contribuir para disseminar a Psicologia
decisão, comportamento, autoavaliação do do trânsito nos países latino-americanos,
comportamento e traços de personalidade. promovendo seu desenvolvimento científico
Quanto ao resultado da avaliação, o e profissional, conta atualmente com 90
candidato poderá ser considerado: apto, participantes em diversos Estados brasileiros,
inapto temporário ou inapto. A resolução psicólogos e não psicólogos, além de
anterior previa que o candidato poderia ser psicólogos de outros países, como Argentina,
considerado, além desses resultados, apto Chile e México. São assuntos recorrentes
com restrição. A junta psicológica foi mantida. na Relapsitran o compartilhamento de
No credenciamento, dentre as mudanças, referências bibliográficas, de eventos e de
destaca-se a necessidade de se ter, no experiências profissionais.
mínimo, dois anos de formado; além disso,
estabeleceu que a carga horária do curso de Em síntese, conforme apresentado, o trabalho
perito seria aumentada para 180hs e que, do psicólogo do trânsito tem sido orientado
a partir de 2013, só serão credenciados os por decretos-lei, leis, resoluções e portarias
psicólogos portadores de título de Especialista provenientes de várias instituições. No seio
em Psicologia do Trânsito reconhecido dos DETRANs e das clínicas, a Psicologia
pelo CFP. Várias especializações têm sido construiu o seu espaço e segue seu itinerário,
criadas em todo o País, e vários psicólogos cujas bases foram lançadas na época do
estão voltando para se atualizar (ver Silva & primeiro Código de Trânsito. Anos depois,
Günther, 2009 para uma discussão crítica nas décadas de 80 e 90, a Psicologia do
sobre essa questão). Vale ressaltar que essa trânsito teve bastante influência nas instâncias
era, conforme apresentado anteriormente, de decisão da política pública de trânsito.
uma proposta do I Fórum Nacional de No século XXI, a Psicologia do trânsito
Psicologia do Trânsito, deliberada pela APAF conseguiu consolidar a sua participação
em 2000. Atualmente, o CONTRAN analisa no processo de habilitação, superando
a possibilidade de estabelecer um prazo movimentos contrários à sua obrigatoriedade,
5 A Relapsitran maior a partir do pleito dos psicólogos (e.g., e simultaneamente, vem buscando ampliar o
faz parte do Portal até 2015), contudo, até o momento, ainda foco das suas intervenções além do motorista,
de Psicologia do
Trânsito (www. não existe um posicionamento oficial sobre envolvendo-se com políticas públicas,
portalpsitran.com. esse ponto. embora ainda a passos lentos. Em 50 anos
br). Conheça a de regulamentação da Psicologia no Brasil,
Relapsitran: http://
portalpsitran.com. Em 2009, o CFP publicou nova resolução portanto, o quê podemos comemorar e o quê
br/rede-latino- que revogava a Res. nº 012 (CFP, 2000b) e podemos aprimorar?
americana-de-
psicologia-do- que instituiu novas normas e procedimentos
transito para a avaliação psicológica no contexto

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50 anos de profissão no Brasil: Merecem comemoração alguns esforços do


CFP e CRPs para discutir e qualificar ações
o que comemorar e o que
dos profissionais a partir, por exemplo, dos
aprimorar? seminários, debates, livros e seminários,
debates, livros e relatórios (e.g., CFP, 2010),
Neste artigo, foram analisados 50 anos de
apesar da necessidade de um investimento
Psicologia do trânsito, contemplando alguns
ainda maior junto à categoria nos problemas
aspectos históricos relevantes no período
enfrentados no dia a dia, na fiscalização, no
pré e pós-regulamentação da profissão,
fomento à criação de grupos de pesquisa nas
indicando as raízes mais antigas dessa área. É
universidades e à discussão de temas relativos
oportuno destacar que outros acontecimentos
e outras políticas implementadas ao longo à Psicologia do trânsito na graduação, assim
desse tempo influenciaram a Psicologia do como na promoção de maior articulação
trânsito de alguma maneira e vice-versa (e.g., entre as comissões de Psicologia do trânsito
Nascimento & Garcia, 2009). No presente dos CRPs. Merece destaque, por exemplo,
estudo, em um esforço de síntese histórica, a elaboração de Referências Técnicas para
buscou-se contemplar acontecimentos a Prática de Psicólogos em Políticas de
importantes para pensar sobre o passado Mobilidade Urbana, Transporte e Trânsito,
e que possibilite planejar o futuro da área, que em breve estarão disponíveis para os
especialmente relacionados à avaliação psicólogos. Espera-se que o documento
psicológica em motoristas. espelhe o que acontece na prática atual
dos psicólogos do trânsito, mas também
A partir da análise exposta, do ponto que aponte diretrizes para a atuação desses
de vista profissional e político, em que profissionais nas políticas públicas que
pesem as tentativas de veto nos Códigos incidem sobre a diminuição do transporte
de Trânsito anteriores, há que comemorar motorizado e suas decorrências negativas.
a continuidade da avaliação psicológica A seguir, sugere-se alguns aspectos que
no processo de habilitação de (futuros) podemos e/ou devemos aprimorar no âmbito
motoristas na política de trânsito, assim como da formação, da profissão e da ciência.
a participação da Psicologia em instâncias
consultivas ou decisivas das políticas de Na formação (graduação e pós), deve-se
trânsito (e.g., nas câmaras temáticas do estimular o conhecimento e a discussão
CONTRAN). Devemos comemorar também das políticas públicas de trânsito e do
as oportunidades de formação profissional, debate das leis e resoluções, dentre outros
como as especializações específicas em documentos, como relatórios técnicos e
Psicologia do trânsito, um fenômeno recente pesquisas científicas, seja durante as aulas,
que, embora seja uma obrigatoriedade, tem palestras, seja cursos. Além disso, o estudante
promovido, simultaneamente, a atualização deverá desenvolver competências para
de profissionais que há anos não o faziam e trabalhar em equipes multiprofisisonais
a abertura de novas perspectivas para quem e estreitar relações intersetoriais junto às
nunca teve a oportunidade de estudar trânsito organizações que lidam com as políticas
na graduação, como também a ampliação do públicas de trânsito, transporte e mobilidade
mercado para exercer a docência. Assim, urbana. O desafio na graduação consiste
espera-se que os futuros especialistas possam principalmente em atrair a atenção dos
abrir caminhos na participação em outras alunos para discutir o tema trânsito, ainda
políticas de trânsito, transporte e mobilidade, mais quando a Psicologia do trânsito, embora
assim como na ocupação de novos espaços com raízes antigas, é considerada nova ou
de trabalho além das clínicas e dos DETRANs. emergente, assim justificando-se, em alguns

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casos, a ausência completa de conteúdos psicólogo seja melhor definido e orientado de


a ela relacionados nas várias disciplinas dos acordo com as suas necessidades profissionais
cursos ou uma abordagem superficial do e de acordo com as necessidades sociais.
tema, o que deve ser superado. Na pós- Outro aspecto profissional a ser aprimorado
graduação, notadamente nas especializações, é o compartilhamento de experiências (bem
o desafio é estimular a produção científica ou malsucedidas), a fim de que o psicólogo
de qualidade dos cursos para que as colabore para a produção de conhecimento.
monografias possam ser publicadas como Sem esse intercâmbio, o aperfeiçoamento
artigos, o que ajudará a ampliar a literatura do trabalho na execução da política pública,
da área. Em muitos casos, as monografias por exemplo, torna-se mais lento. Além disso,
Na ciência,
objetivam simplesmente cumprir uma “etapa deve-se reivindicar a constante atualização e/
é necessário
burocrática” para a aquisição do título de ou elaboração de resoluções que incidem no
ampliar as
especialista; porém, isso não contribui com trabalho do psicólogo do trânsito (e.g., trabalho
pesquisas sobre
validade preditiva o avanço científico. Alunos e profissionais nas juntas psicológicas), sem prejudicar a sua
dos testes devem ser estimulados a continuarem sua autonomia e o trabalho correto.
psicológicos formação, por exemplo, fazendo mestrado
usados na e doutorado, que possibilitam uma atuação Na ciência, é necessário ampliar as pesquisas
habilitação de ainda mais sólida ao psicólogo, do ponto de sobre validade preditiva dos testes psicológicos
motoristas, uma vista teórico e metodológico. usados na habilitação de motoristas, uma vez
vez que poucos que poucos estudos tem se dedicado a este
estudos tem se Na profissão, deve-se estimular a maior tema; ou seja, deve-se buscar estabelecer
dedicado a este participação e envolvimento dos psicólogos relações entre o desempenho em um teste
tema; ou seja, nos fóruns, conferências e discussões que e o comportamento no trânsito, a fim de
deve-se buscar
visam à formulação, ao acompanhamento ou identificarmos com maior clareza qual a
estabelecer
avaliação das políticas públicas de trânsito. contribuição desta exigência na segurança
relações entre
Essa também é uma forma de atualizar-se e viária (ver Silva & Alchieri, 2010). Além
o desempenho
em um teste e o de conhecer as próximas etapas da política. disso, é necessário subsidiar a ampliação
comportamento Além disso, os psicólogos devem articular da perspectiva de atuação do psicólogo
no trânsito, a fim a criação e o fortalecimento contínuo de do trânsito. A produção de conhecimento
de identificarmos associações científicas e profissionais de deve orientar os psicólogos a atuar de uma
com maior Psicologia do trânsito. É possível tornar fortes forma mais embasada e eficaz. Os psicólogos
clareza qual a essas associações (algumas já existentes no precisam criar formas de desenvolver suas
contribuição âmbito dos estados), pois são importantes intervenções com base também em outros
desta exigência para representar a categoria nas instâncias modelos de atuação, além do que já existe.
na segurança de decisão, sendo maior a possibilidade Algumas críticas ao modelo atual que enfatiza
viária (ver Silva & de os psicólogos obterem êxito em suas um enfoque observacional-classificatório
Alchieri, 2010).
propostas ao buscar articulação junto a outras é que sua raiz remete aos primórdios da
entidades nacionais e internacionais. A Rede Psicologia científica (Monterde, 1987), isto é,
Latino-Americana de Psicologia do Trânsito grande parte dos psicólogos do trânsito limita-
(Relapsitran) pode ser um dos caminhos para se a avaliar e a classificar as respostas dos
isso. Por meio das associações, é possível candidatos para decidir se eles devem obter
também colaborar para promover melhores ou renovar sua habilitação. Em consonância
condições de trabalho para os psicólogos com essa perspectiva, a segurança ao volante
que atuam, por exemplo, nas clínicas e nos estaria à mercê fundamentalmente do nível
DETRANs (e.g., ter autonomia na escolha de habilidade do condutor para adaptar-se
dos instrumentos psicológicos a serem usados às exigências que as diferentes situações de
na avaliação), e para que o trabalho do circulação lhe impõem (Carbonell, Bañuls,

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CIÊNCIA E PROFISSÃO,
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Cortés, & Sáiz, 1995). Para os próximos seus estados emocionais, valores e normas
anos, os psicólogos do trânsito devem pessoais e suas influências na percepção
buscar implementar também um modelo subjetiva de risco, assim como na sua relação
intervencionista não só junto aos motoristas, com a tolerância ao risco na hora de tomar
como também nos usuários mais vulneráveis decisões (Carbonell et al., 1995). Alguns
do trânsito (e.g., pedestres e ciclistas). A exemplos próprios da Psicologia do trânsito
tônica neste modelo é a intervenção nos para explicar o comportamento do motorista,
processos humanos para tentar modificá- são: o modelo de risco zero (Näätänen &
los, considerando os fenômenos observados Summala, 1974), a teoria da homeostase de
como determinados pelo momento e pelo risco (Wilde, 2005) e o modelo de evitação
ambiente social (Monterde, 1987). Isso da ameaça (Fuller, 1984). Não se tem registro,
implica a adoção de outras teorias e conceitos na literatura nacional, do teste destes modelos
que têm sido estudados e/ou aplicados, explicativos. Talvez um dos grandes desafios
especialmente no contexto internacional, na área de trânsito, até o aniversário do
aos problemas do trânsito para produzir centenário da regulamentação da Psicologia
intervenção na segurança. Exemplos disso no Brasil, seja justamente aprimorar a atuação
são os modelos congnito-motivacionais profissional incorporando esses ou outros
que destacam o papel ativo do sujeito que modelos, embasando cientificamente a
é capaz de redefinir os planos de conduta execução, o acompanhamento, a avaliação ou
em função do contexto, e não apenas reagir a elaboração de políticas públicas de trânsito
a ele. Com esses modelos, a investigação com base na Psicologia, a fim de intervirmos
passa a centrar-se nas expectativas e nas com qualidade junto ao comportamento dos
motivações, por exemplo, do condutor, nos usuários do trânsito e do transporte.

Fábio Henrique Vieira de Cristo e Silva


Doutorando em Psicologia na Universidade de Brasília, especialista em Gestão de Pessoas e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, Rio Grande do Norte – RN – Brasil.
E-mail: fabiodecristo@gmail.com

Endereço para envio de correspondência:


CLN 213, Bloco D, Ed. Athenas Shopping, Ap. 219, Asa Norte – Brasília – DF. CEP: 70872-540

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A Psicologia do Trânsito e os 50 Anos de Profissão no Brasil


ISSN 1413-389X Temas em Psicologia - 2009, Vol. 17, no 1, 163 – 175

Psicologia do trânsito no Brasil: de onde veio e para onde


caminha?

Fábio Henrique Vieira de Cristo e Silva


Universidade de Brasília – DF – Brasil

Hartmut Günther
Universidade de Brasília – DF – Brasil

Resumo
Neste artigo, são abordados aspectos históricos da psicologia do trânsito no Brasil: o desenvolvimento
dos primeiros estudos psicotécnicos com motoristas para a promoção da segurança no trânsito e a
importância dos Departamentos de Trânsito (DETRANs) na institucionalização e expansão da
psicologia brasileira. Ao final, são sugeridas direções futuras de pesquisa e trabalho nesta área, em
face às novas oportunidades e desafios que emergem com maior intensidade no século XXI, na
perspectiva de melhorar a qualidade de vida urbana, prejudicada com os congestionamentos e a
poluição atmosférica.
Palavras-chave: Comportamento no trânsito, Circulação humana, Qualidade de vida urbana,
Psicologia do trânsito, História da psicologia.

Traffic Psychology in Brazil: Where did it come from and where is it


going?

Abstract
In this article, the historical aspects of Traffic Psychology in Brazil are addressed: the development of
the first studies with drivers aimed at promoting traffic safety, and the importance of the Traffic
Departments (DETRANs) for the institutionalization and expansion of (Traffic) Psychology. The
article closes with considerations regarding the future of Traffic Psychology in Brazil, in light of the
challenges and opportunities that emerge with the XXI century, such as the quality of urban life,
traffic jams and air pollution.
Keywords: Traffic behavior, Human circulation, Quality of urban life, Traffic psychology, History
of psychology.

Neste artigo, são abordados alguns salientando a sua importância na


aspectos históricos da psicologia do trânsito no institucionalização e expansão não só da
Brasil, em complementação ao que tem sido psicologia do trânsito, como também da
publicado sobre o tema (ver Spagnhol, 1985; psicologia brasileira enquanto profissão e
Rozestraten, 1988; Alchieri & Stroeher, 2002; ciência. Na terceira parte, são apontadas
Hoffmann & Cruz, 2003). Na primeira parte, direções futuras para a psicologia do trânsito no
discutiremos as raízes do modelo brasileiro de enfrentamento de alguns problemas que se
habilitação e o desenvolvimento dos primeiros intensificaram neste século, uma vez que o
estudos psicotécnicos com motoristas. Em trânsito tem impactado negativamente a
seguida, apresentaremos um breve histórico dos qualidade de vida urbana (p. ex., os
Departamentos de Trânsito (DETRANs), congestionamentos e a poluição atmosférica).
______________________________________
Endereço para correspondência: Fábio Henrique Vieira de Cristo e Silva. Endereço: CLN 213, Bloco D, Apto.
219, Ed. Athenas Shopping, Asa Norte, Brasília, DF. CEP: 70872-540. Fone Res: (61) 3526-3351e Cel. (61)
9221-1727. E-mail: fabiodecristo@gmail.com.
Agradecimentos a Marcelo de Cristo e Lílian de Oliveira pelo apoio e comentários úteis na versão preliminar
deste artigo. Ao CNPq pela bolsa de doutorado concedida ao primeiro autor e de produtividade ao segundo
autor.
164 Silva, F. H. V. C., & Günther, H.

Serão discutidos possíveis desenvolvimentos se chama de modelo brasileiro de habilitação


futuros no campo acadêmico e profissional, (Hoffman, 1995).
como também no campo da pesquisa e No tocante à tarefa de avaliar as condições
intervenção. Nossa expectativa é de possibilitar psíquicas dos motoristas, essa estruturação
aos psicólogos do trânsito o conhecimento de ocorreu com forte influência estrangeira,
alguns itinerários históricos que lhes permitam principalmente com os trabalhos desenvolvidos
entender de onde vieram e para onde por Tramm na Alemanha, Lahy na França,
caminham. Münsterberg e Viteless nos Estados Unidos da
América, e Mira y López na Espanha, pois não
havia no Brasil instrumentos construídos ou
De onde viemos? As raízes da validados para realizar este intento (Campos,
psicologia do trânsito e os primeiros 1951). Convém destacar que a psicologia
estudos sobre avaliação psicológica aplicada ao trânsito, nesse período, centrava a
de condutores no Brasil sua atuação fortemente no fator humano, por
meio da seleção de pessoal, orientação e
No início do século XX, os primeiros instrução profissional. Dessa forma, buscava-se
automóveis e caminhões começaram a circular identificar os indivíduos certos para ocupar os
no Brasil. Era o início de um projeto coletivo lugares certos, seja para conduzir trem ou
em que o transporte rodoviário assumiria um ônibus (Mange, 1956; Trench, 1956; Antunes,
papel fundamental nos deslocamentos. A 2001).
locomoção em massa por bondes e trens foi Nesse contexto, a teoria da propensão aos
sendo lentamente substituída pelo uso do acidentes (accident proneness) era fortemente
automóvel, fruto de opções de políticas urbanas discutida no âmbito internacional (Forbes,
na esfera federal e estadual, e da pressão das 1954; Nagatsuka, 1989). Essa teoria exerceu
elites da época que apoiavam a indústria grande influência nas disciplinas que atuavam
automobilística do país (Lagonegro, 2008). junto ao trânsito no mundo inteiro e teve fortes
Embora a produção e o uso em massa do repercussões no Brasil (Campos, 1951, 1978,
automóvel tenham contribuído sobremaneira no 1978b). Segundo essa teoria, algumas pessoas
desenvolvimento econômico do país, são mais propensas do que outras a se envolver
engendrou sérios problemas de segurança e em acidentes, o que justificava a elaboração de
saúde pública, em decorrência dos acidentes de um processo de habilitação para identificar os
trânsito que começaram a se intensificar na indivíduos propensos/não propensos aos
década de 1940 (Antipoff, 1956). acidentes – quer dizer, os indivíduos
Como conseqüência, nas décadas de 1940 aptos/inaptos para dirigir – e, desse modo,
e 1950, as autoridades buscaram desenvolver e esperava-se aumentar a segurança no trânsito
implementar medidas preventivas, dentre elas, (ver Haight, 2001).
a seleção médica e psicotécnica. Esta, por sua Nesse momento histórico, em que havia
vez, tinha a finalidade de restringir o acesso ao forte demanda social e justificativas científicas
volante das pessoas consideradas propensas a para implementar um processo de avaliação
se envolver em acidentes de trânsito. A psicológica de condutores, a psicologia
concessão do documento de habilitação passou começou a contribuir com o trânsito rodoviário
a ser considerada pelas autoridades um brasileiro. A partir da aplicação de técnicas
privilégio, em que o candidato provaria sua psicológicas nos motoristas, notadamente pelos
capacidade de conduzir com segurança, por engenheiros (considerados os primeiros
meio de uma bateria de testes e exames. “psicólogos do trânsito”), formou-se um campo
Discutia-se, ainda, a necessidade de validade de trabalho e uma área de atuação profissional
temporária e não mais permanente da que posteriormente viria a ser chamada de
habilitação, instituindo verificações periódicas Psicologia do Trânsito (Mange, 1956;
das condições mínimas de capacidade física e Rozestraten, 1988). O marco legal para a
psíquica dos motoristas; assim como, a avaliação de características psicológicas no
identificação dos critérios e da forma de âmbito rodoviário foi o Decreto-lei n° 9.545, de
avaliação dessa capacidade conforme o tipo de 5 de agosto de 1946, tornando os exames
habilitação, uma vez que diferentes categorias psicotécnicos obrigatórios para a aquisição da
de veículos exigiriam diferentes habilidades carteira de habilitação, sendo aplicado a critério
(Côrtes, 1952). Começava a se estruturar o que da junta médica, porém sem caráter
História, psicologia e trânsito 165

eliminatório (Vieira, Pereira, & Carvalho, modo de avaliar os motoristas, de acordo com a
1953; Vieira, Amorim, & Carvalho, 1956; categoria de veículo pretendida. Em outro
Spagnhol, 1985). Essa medida somente entrou estudo, Vieira et al. (1956) apresentaram
em vigor no ano de 1951, sendo um ano resultados de exames de motoristas nos testes
importante para a psicologia brasileira. PMK, Atenção Difusa, Tacodômetro e Visão
Como decorrência, foram publicadas, Noturna e Ofuscamento. Os autores também
ainda na década de 1950, as primeiras reflexões destacaram a importância de estudar a
sobre a seleção psicotécnica de motoristas e sua personalidade e os fatores patológicos que
importância na diminuição dos acidentes de aparecem com maior frequência nos exames
trânsito, bem como a elaboração dos primeiros (ver Alchieri & Stroeher, 2002, sobre as
critérios e normas para a população brasileira limitações da avaliação psicológica em
nos diversos testes usados para a habilitação motoristas).
(Campos, 1951; Amorim, 1953; Vieira et al., As pesquisas desenvolvidas pelo Gabinete
1953; Antipoff, 1956; Nava, 1957; Nava & de Psicotécnica da Superintendência de
Cunha, 1958). O desenvolvimento dos Trânsito de Minas Gerais também têm
primeiros estudos para o exercício importância histórica. Elas serviram como
fundamentado desta prática, assim como das modelo de atuação para os psicólogos
aplicações dos testes, ficou sob a vinculados aos futuros Departamentos de
responsabilidade do Instituto de Seleção e Trânsito dos estados brasileiros, conforme será
Orientação Profissional (ISOP), no Rio de apresentado no tópico a seguir (Dagostin,
Janeiro. O ISOP foi fundado em 1947 por 2006). Uma importante publicação desta
Emílio Mira y López, criador do instituição foi a Revista do Gabinete de
Psicodiagnóstico Miocinético (PMK), Psicotécnica em Trânsito, considerado o
amplamente usado nas avaliações psicológicas primeiro periódico brasileiro especializado em
ainda hoje (Vieira et al., 1956; ver Mira y psicologia do trânsito (Hoffmann & Cruz,
López, 1999). Por intermédio da Divisão de 2003). Neste órgão, foram realizadas algumas
Seleção, coordenada muitos anos por Francisco pesquisas como a de Antipoff (1956), que
Campos, o ISOP proporcionou à psicologia estudou, em 110 motoristas, a influência da
aplicada e à pesquisa psicométrica elevadas idade e da emotividade no teste de Atenção
contribuições por meio de publicações, Difusa de Lahy. Nesse trabalho, Antipoff
participações em eventos científicos, salientou a necessidade de validar instrumentos
capacitação de profissionais, validação e estrangeiros para o contexto brasileiro.
padronização de testes, técnicas e baterias O reconhecimento da profissão de
(Campos, 1973). psicólogo no país ocorreu na década de 1960,
Uma das primeiras pesquisas empíricas por meio da Lei nº 4.119, de 27 de agosto de
realizadas no ISOP sobre avaliação psicológica 1962, e sua regulamentação pelo Decreto nº
em condutores foi a de Vieira et al. (1953). 53.464, de 21 de janeiro de 1964. Nessa época,
Nesse trabalho, foram divulgados os resultados os psicólogos iniciaram o movimento de
de exames psicológicos e tabelas de testes de criação do Conselho Federal e dos Conselhos
aptidão, como: Atenção Difusa, Inibição Regionais de Psicologia. Vale ressaltar que os
Retroativa, Visão Noturna e Ofuscamento e profissionais que atuavam na avaliação das
Volante Dinamógrafo. Além disso, Vieira et al. condições psicológicas para dirigir já contavam
(1953) responderam algumas críticas feitas com a tradição de mais de uma década na
contra o exame psicotécnico, relacionadas, aplicação dos exames psicológicos (Hoffmann
principalmente, ao prejuízo causado aos & Cruz, 2003; Dagostin, 2006).
motoristas considerados inaptos, com o Em função do avanço da legislação de
afastamento do seu meio de vida sem o trânsito e da psicologia aplicada nos anos de
recebimento de aposentadoria, assim como o 1960, foi regulamentada, em 1968, a criação
elevado custo dos exames. Nesse artigo, foram dos serviços psicotécnicos nos Departamentos
identificados alguns dos problemas ainda não de Trânsito dos estados. Desde então, e com o
resolvidos até hoje, como: o tempo necessário advento do código de trânsito brasileiro em
para a reavaliação do candidato inapto (que era 1998, o psicólogo se inseriu no processo de
de quatro meses à época), as imprecisões dos habilitação nos DETRANs, realizando a
critérios para se definir um candidato avaliação psicológica pericial de motoristas,
apto/inapto e a diferenciação nos critérios e no outrora denominado de exame psicotécnico,
166 Silva, F. H. V. C., & Günther, H.

sendo atualmente um procedimento obrigatório Norte) e/ou os próprios psicólogos dos


para todos os candidatos à obtenção da carteira DETRANs realizam a avaliação psicológica.
de motorista e na renovação, no caso dos Dessa maneira, em parte por razões
condutores que exercem atividade remunerada históricas, os psicólogos que hoje trabalham
dirigindo (Vieira et al., 1956; Spagnhol, 1985; nos DETRANs continuam atuando
Brasil, 2002). prioritariamente com a avaliação psicológica de
condutores: administrando, avaliando e
analisando os resultados dos instrumentos;
Os Departamentos de Trânsito e o coordenando este serviço, desempenhando
seu papel na institucionalização e atividade administrativa, ou fiscalizando as
expansão da psicologia atividades realizadas pelas clínicas
O DETRAN, enquanto parte integrante do credenciadas. A inserção nos Departamentos de
Sistema Nacional de Trânsito, foi criado em 21 Trânsito contribuiu, também, para que os
de setembro de 1966 pelo Decreto-lei 5.108 que psicólogos assumissem outras tarefas
instituiu o segundo Código Nacional de decorrentes da evolução da legislação de
Trânsito. Em 23 de fevereiro de 1967, aquele habilitação e de novas demandas sociais: a
decreto foi modificado pelo Decreto-lei nº 237, capacitação de psicólogos peritos em trânsito,
sendo efetivamente regulamentado em 16 de capacitação de diretores e instrutores de trânsito
janeiro de 1968, por meio do Decreto-lei e elaboração/implantação de programas de
62.127. Em função dessa nova organização do reabilitação e educação de motoristas infratores
sistema de trânsito, cada estado brasileiro (Hoffmann, 2003a, 2003b).
procedeu à criação do seu DETRAN, seja pela A expansão do campo de atuação dos
estruturação do serviço que outrora não existia, psicólogos nos Departamentos de Trânsito
seja pela re-estruturação do serviço incluiu, ainda, ações para prevenir acidentes;
administrativo de trânsito existente (eis perícia em exames para motorista objetivando
algumas denominações antigas dos serviços de sua readaptação ou reabilitação profissional e
trânsito dos estados: Diretoria do Serviço de tratamento de fobias ao volante. Outro ponto
Trânsito em São Paulo, Serviço de Trânsito no que merece destaque é a inserção profissional
Rio de Janeiro, Departamento do Serviço de de estudantes de psicologia através de estágios
Trânsito no Paraná, Serviço Estadual de curriculares, propiciando experiência de
Trânsito em Belo Horizonte). Esta modificação aprendizagem (Departamento Estadual de
ocorreu na maioria dos estados nas décadas de Trânsito do Rio Grande do Norte, 2005;
1960 e 1970. Alchieri, Silva, & Gomes, 2006). Observa-se,
De acordo com aquela regulamentação, os portanto, uma diversificação das atividades da
Departamentos de Trânsito deveriam dispor de psicologia em alguns DETRANs, embora seja
um conjunto de serviços a fim de realizar suas constatado que o modelo de atuação
atribuições, dentre eles o serviço médico e profissional vigente em alguns estados é muito
psicotécnico. Esta exigência reconheceu a restrito, implicando sub-aproveitamento com
importância dos fatores psicológicos na tarefas burocráticas, de quem poderia ser um
segurança viária, principalmente para serem “psicólogo do trânsito” (Alchieri et al., 2006).
avaliados no processo de habilitação; além do A importância dos DETRANs na
mais, ampliou o mercado de trabalho para o institucionalização e expansão da psicologia
psicólogo, cuja profissão havia sido também pode ser observada no âmbito da
regulamentada em 1964. ciência, embora atualmente com menor ênfase
Os Departamentos de Trânsito assumiram, do que outrora, conforme evidenciado em
e ainda assumem, um importante papel na diversos estudos, por exemplo, Alchieri e
institucionalização e expansão da psicologia Stroeher (2002), Dagostin (2006), Mira (1984),
brasileira enquanto profissão, ao abrir espaço Spagnhol (1985), Joly, Silva, Nunes e Souza
para o trabalho dos psicólogos e, mais (2007) e Silva e Alchieri (2007, 2008). Em
recentemente, por meio do credenciamento de alguns casos, os DETRANs contribuíram
profissionais e clínicas de psicologia concedendo o material psicológico para fins de
terceirizadas, devido ao aumento da demanda pesquisas que visaram o estabelecimento de
pela carteira de habilitação. Em função disso, tabelas normativas para testes psicológicos
poucos estados possuem atualmente apenas (Chiança & Chiança, 1999a, 1999b) e para
uma clínica conveniada (p.ex., Rio Grande do pesquisar a possibilidade de prever a ocorrência
História, psicologia e trânsito 167

de infrações por meio dos resultados dos testes meio das atividades relacionadas aos exames
(Silva, 2008). Em outros casos, artigos e livros psicotécnicos. Em função disso, a identidade de
foram produzidos por profissionais dos serviços muitos psicólogos do trânsito ainda permanece
de psicologia, relacionados à: procedimentos de fortemente associada à avaliação psicológica,
adaptação e padronização de medidas de como atividade profissional, e aos DETRANs e
comportamento no trânsito (Antipoff, 1956; clínicas psicológicas, enquanto contextos de
Nava & Cunha, 1958; Miranda et al., 1984; atuação.
Sisto, Ferreira, & Matos, 2006), avaliação de Isso justifica, em parte, as tensões que
diferenças individuais e de traços de decorrem da crítica reflexiva à atuação
personalidade dos condutores infratores e profissional baseada somente na testagem
acidentados (Nava, 1957) e análise das psicológica e circunscrita a esses contextos de
contribuições científicas para mitigar os trabalho. Essa herança histórica continuará
acidentes de tráfego (Nava, 1955). servindo como elemento constitutivo da
A importância dos DETRANs também identidade da maior parcela dos psicólogos do
ocorreu, e ainda ocorre, na viabilização de trânsito no Brasil. Entretanto, a problemática da
eventos na área de trânsito (congressos, mobilidade vai além do comportamento do
seminários e encontros científicos), oferecendo motorista, incluindo todos os comportamentos
apoio financeiro e estimulando a participação dos participantes do trânsito: pedestres,
dos psicólogos lotados nos serviços de ciclistas, motociclistas, policiais, engenheiros e
psicologia, para que divulguem os seus autoridades, assim como suas relações com o
trabalhos. Cabe destacar a participação dos contexto sócio-ambiental (Rozestraten, 1988;
DETRANs de diversos estados e dos Günther, 2003).
psicólogos dessas instituições no I Encontro No plano acadêmico, esse modo de
Inter-Estadual de Psicologia do Trânsito em compreender o trânsito vem sendo difundido no
Ribeirão Preto, em 1983, e nos Congressos Brasil com maior ênfase a partir da década de
Brasileiros de Psicologia do Trânsito, 1980, fruto das reflexões sobre a efetiva
colaborando na construção de espaços férteis contribuição ou não da psicologia do trânsito na
para o desenvolvimento da psicologia rumo a segurança viária. O livro do eminente professor
um trânsito mais harmônico (ver Rozestraten, Psicologia do Trânsito: Conceitos
http://www.conpsitran.com.br; Rozestraten, e Processos Básicos, publicado em 1988,
1984). sintetiza esse pensamento. Passados mais de 20
anos, essa obra continua sendo a introdução
mais importante à psicologia do trânsito no
Para onde caminhamos? Direções Brasil. O professor Reinier Rozestraten, a partir
futuras para a psicologia do trânsito de sua presença, de suas publicações e
no Brasil traduções, influenciou e inspirou diversos
A seguir, são apontados alguns caminhos profissionais e estudantes, mesmo aqueles que
pelos quais a psicologia do trânsito poderá ou não tiveram o privilégio de um contato direto
deverá percorrer em seu itinerário. Nossa com ele. Sua morte física em junho de 2008,
reflexão se baseia no que apresentamos aos 84 anos, deixou uma lacuna que
anteriormente, no momento atual da área no dificilmente será preenchida (ver Rozestraten,
contexto nacional e internacional e nas Maciel, & Vasconcellos, 2008, para conhecer
expectativas que nutrimos, tanto no campo um pouco mais sobre sua vida e obra).
acadêmico e profissional, quanto no campo da Em 1999, o I Fórum Nacional de
pesquisa e intervenção. Essa divisão é Psicologia do Trânsito foi considerado um
meramente didática, visto que esses campos marco importante na elaboração de diretrizes
interagem mutuamente. para as políticas e normatizações do Conselho
Federal e Conselhos Regionais de Psicologia na
área de trânsito, levando em conta o potencial
Campo acadêmico e profissional da área em planejamento urbano e educação.
Como visto até aqui, algumas instituições Assim, foram elaboradas diretrizes de atuação,
colaboraram direta ou indiretamente com a por assim dizer, sugeridas pelo Conselho
emergência e expansão da psicologia do Federal de Psicologia, estimulando uma
trânsito, de maneira específica, e da psicologia atuação ampla e interdisciplinar, exigindo
brasileira, de maneira geral, especialmente por outras competências profissionais, englobando:
168 Silva, F. H. V. C., & Günther, H.

a elaboração de pesquisas no campo dos desse tipo devem tentar esclarecer com
processos psicológicos, psicossociais e objetividade: quais são as contribuições da
psicofísicos para desenvolver ações sócio- psicologia do trânsito na segurança? Em que a
educativas, análise dos acidentes de trânsito e psicologia contribuiu/contribui para
orientações para evitar ou atenuá-los, assim conhecermos o comportamento do brasileiro no
como prestar assessoria e consultoria aos trânsito? Quais propostas, baseadas em nossas
órgãos públicos/privados de trânsito (Conselho investigações, foram elaboradas para ajudar as
Federal de Psicologia, 2000; ver, ainda, autoridades a resolver os problemas do
Rozestraten, 1988, Hoffmann, 2000; para trânsito?
outras indicações de atuação e intervenção). No campo profissional, é oportuno
Atualmente, muitas dessas diretrizes servem reconhecer que existe vida fora das clínicas e
como indicações do que se pode fazer; isto é, dos DETRANs. Isso implica no desafio de
não representam efetivamente as práticas continuar expandindo as atividades do
consolidadas do psicólogo do trânsito. psicólogo, de ocupar outros campos potenciais
Apesar disso, destacam-se esforços para de atuação e desenvolver práticas inovadoras,
fazer pesquisa sobre trânsito a partir de uma porquanto novos desafios e oportunidades
perspectiva mais ampla, sendo que parcela dos emergem no início deste século, os quais os
estudos está reunida em duas importantes psicólogos também devem colaborar (Günther,
obras. Uma delas foi o número especial sobre 2003; Alchieri et al., 2006).
psicologia do trânsito da revista Arquivos A esse respeito, destaca-se a resolução n°
Brasileiros de Psicologia, publicada em 2001, 267/2008 do Conselho Nacional de Trânsito
contendo investigações associadas: ao (CONTRAN), recentemente em vigor. Ela
comportamento perigoso de meninos no estabelece algumas mudanças importantes para
trânsito (Rocha, 2001a), ao avanço do sinal o trabalho do psicólogo, dentre elas, que, até
vermelho (Rocha, 2001b), aos desafios do cego 2013, só serão credenciados os profissionais
no trânsito (Sant´Ana, 2001), aos conflitos de portadores de título de especialista em
tráfego entre pedestres idosos e veículos psicologia do trânsito reconhecido pelo CFP.
(Monteiro, 2001), à avaliação da gravidade de Essa medida é importante para que, em alguns
infrações de trânsito por motoristas e policiais anos, tenhamos profissionais mais capacitados
(Clark & Engelmann, 2001), como também para atuar em diversos problemas do trânsito,
relacionadas às representações sociais do carro desenvolvendo novas competências e ocupando
e o comportamento dos jovens (Souza, 2001). outros espaços, notadamente no contexto das
Outra importante obra foi o livro políticas públicas de transporte (nível regional e
Comportamento Humano no Trânsito, federal). As universidades terão um papel
publicado em 2003, que reuniu várias pesquisas crucial no desenvolvimento da psicologia do
e reflexões teóricas sobre: ambiente, psicologia trânsito, especialmente no início deste século,
e trânsito (Günther, 2003; Rozestraten, 2003), o preparando os profissionais do provir; isso
uso do carro como uma extensão da casa porque, as especializações deverão ser
(Corassa, 2003), marketing social e circulação oferecidas por instituições de ensino superior
humana (Perfeito & Hoffmann, 2003), de psicologia, reconhecidas pelo Ministério da
educação como promotora de comportamentos Educação.
socialmente significativos no trânsito Logo que começou a vigorar esta
(Hoffmann & Luz Filho, 2003), psicologia resolução do CONTRAN, identificou-se o
social e o trânsito (Machado, 2003) e o surgimento de vários cursos de especialização
envolvimento da comunidade para redução de no país (p.ex., em Minas Gerais, Bahia, Goiás,
acidentes de trânsito (Lemes, 2003). São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná). A
Em um futuro breve, novos livros na área perspectiva é de expansão, uma vez que novos
devem ser organizados e publicados, cursos estão em fase de elaboração. O próprio
sintetizando os conhecimentos produzidos na CFP (2009) tem sinalizado que irá realizar com
última década e/ou oferecendo um ponto de maior frequência os concursos para a concessão
vista alternativo aos já existentes. Constata-se a do título de especialista na área. Com essas
ausência de um livro texto que contenha as iniciativas, o cenário atual mudará. De acordo
principais teorias e/ou aplicações da psicologia com o Conselho Federal de Psicologia (2009),
do trânsito, direcionado aos estudantes de dos 692 psicólogos que têm este título em
graduação e de pós-graduação. As publicações psicologia do trânsito, nenhum obteve a partir
História, psicologia e trânsito 169

da conclusão de um curso de especialização. A Departamento de Psicologia da Universidade


maioria deles (657) adquiriu por comprovação Federal do Paraná e a Universidade de Nova
da experiência profissional; outra parcela (35) Iorque. Esta revista tem um papel importante, à
obteve o título a partir dos concursos de provas medida que dá visibilidade internacional à
e títulos promovidos pelo CFP. produção brasileira e possibilita o contato de
O aumento da oferta de cursos de nossos profissionais com a produção
especialização poderá ter outros estrangeira, notadamente da América Latina,
desdobramentos. Um deles é que, em vez de articulação que deverá ser cada vez mais
continuarmos preparando os psicólogos para frequente futuramente, seja através de visitas
serem exclusivamente peritos em trânsito, interinstitucionais, da criação de uma
teremos a oportunidade de formar os associação profissional ou de uma rede virtual.
profissionais para atuar nos diversos problemas O periódico está atualmente em seu segundo
do trânsito; caso contrário, continuaremos número, e espera-se que tenha longa vida, o que
seguindo o modelo anterior de formação de não aconteceu com a revista Psicologia:
psicólogos peritos, porém sob um novo rótulo, Pesquisa & Trânsito, criada em 2005, com
o de especialista. A perspectiva de preparar apenas dois números publicados, e sem
consultores pode abrir portas para outros perspectiva para a publicação de novos
mercados, visto que diversos órgãos de trânsito números.
e transporte demandam conhecimentos e No caso da pós-graduação stricto sensu,
intervenções criativas para minimizarem seus isto é, mestrado e doutorado, a expansão não
problemas. está ocorrendo com a mesma velocidade das
Talvez, a resolução n° 267/2008 do especializações. Poucos laboratórios possuem
CONTRAN também produza um movimento linhas de pesquisa específicas em psicologia do
para a criação de disciplinas obrigatórias de trânsito, como é o caso da Universidade de
psicologia do trânsito na graduação. Muitos Brasília (Laboratório de Psicologia Ambiental)
psicólogos que estão se capacitando como e da Universidade Federal do Paraná (Núcleo
peritos em trânsito nunca tiveram qualquer de Psicologia do Trânsito). Fortalecer essas
contato com a área na universidade, e, nem linhas de pesquisa e estimular a criação de
sempre (ou quase nunca), essa falta de outros laboratórios na área é fundamental para
formação é preenchida pelos cursos de perito. a consolidação da psicologia do trânsito e a
Os cursos de especialização ampliarão o produção do conhecimento.
campo de trabalho do psicólogo,
particularmente na área de ensino. A demanda
por mestres e doutores para assumirem as Campo da pesquisa e intervenção
disciplinas já está ocorrendo; mas, será que Dos vários desafios atuais, um que tem
teremos tantos profissionais para fomentar as merecido atenção de instituições internacionais,
especializações no futuro, sendo eles capazes de governos e de sociedades civis organizadas,
de operar efetivamente a mudança necessária no Brasil e no mundo, são os efeitos negativos
na área? E a produção do conhecimento, do transporte motorizado na qualidade de vida
aumentará na mesma proporção, em quantidade urbana, gerando alterações ambientais e
e em qualidade? Esta é uma oportunidade de intensificando a poluição atmosférica e a
ampliarmos a produção científica da psicologia poluição sonora (Rothengatter, 1997; Nunes da
do trânsito brasileira, senão apenas daremos Silva, 2005; ver ainda Gärling & Steg, 2007,
eco à pouca produção existente, continuando para uma compreensão sobre a ameaça do
com o discurso de que pouca coisa é publicada. automóvel à qualidade de vida urbana).
Deveremos estimular a pesquisa empírica nos De acordo com organismos internacionais
trabalhos de conclusão de curso e divulgação e nacionais, grande parte da poluição
dos resultados em congressos e revistas. atmosférica é produzida pelos automóveis que
A este respeito, em 2009, foi lançado um emitem gases poluentes e partículas em
periódico científico na área de trânsito: quantidades superiores às industriais; daí a
Transporte: Teoria e Aplicação, uma revista necessidade de pôr em evidência o controle das
interdisciplinar que publica pesquisas em emissões veiculares e do uso do carro. A
português, inglês e espanhol com acesso livre Associação Nacional de Transporte Público
(http://www.inghum.com/ojs2/index.php/TTAP (2002), por exemplo, esclarece que, nas
/index). Trata-se de uma parceria entre o grandes cidades, os veículos motorizados são
170 Silva, F. H. V. C., & Günther, H.

responsáveis por até 70% das emissões. Na investigações são realizadas, o Brasil precisa
cidade de São Paulo, conforme um relatório de resolver problemas de infra-estrutura básica de
qualidade do ar de 2007, a causa dos índices transporte de massa a fim de disponibilizar e
elevados de poluição do ar decorre, incentivar a escolha por modos sustentáveis de
principalmente, das emissões dos veículos. locomoção. Isso pode se refletir no
Nesta cidade, a poluição do ar é responsável comportamento do brasileiro, mas ainda se sabe
por muitas doenças respiratórias, gerando pouco sobre essa questão. Em face disso,
transtornos para muitas pessoas, em especial espera-se para os próximos anos que a
crianças e idosos (Marín & Queiroz, 2000; psicologia do trânsito brasileira busque também
Companhia de Tecnologia de Saneamento estudar os diversos aspectos associados à
Ambiental, 2007). escolha do modo de transporte, amparando-se
Diversas medidas têm sido implementadas na nossa realidade, com nossos matizes sócio-
a fim de reduzir os efeitos negativos do culturais e ambientais diferenciados, analisando
transporte motorizado, como a formulação de possíveis diferenças regionais e sócio-
políticas e ações estratégicas para a redução de econômicas. A seguir são oferecidas algumas
danos ambientais pelo uso de meios de sugestões de pesquisa e intervenção, como uma
transporte sustentáveis, privilegiando os modos forma de incentivar este processo de conhecer,
não motorizados e coletivos de circulação estimulando, em um futuro breve, intervenções
(Departamento Nacional de Trânsito, 2004; baseadas em evidências empíricas:
Worldwatch Institute, 2005; Ministério das • identificar o impacto das mudanças na
Cidades, 2007; Secretaria Nacional de estrutura viária e de transporte no aumento ou
Transporte e da Mobilidade Urbana, 2007; diminuição do uso do transporte público;
Worldwide Fund for Nature, 2007). Outras • entender os vínculos que se
medidas de cunho tecnológico têm sido estabelecem entre as pessoas e os seus veículos;
estimuladas e implementadas pelas autoridades • avaliar o nível de satisfação dos
e empresas automobilísticas – p.ex., a usuários com os serviços de transporte coletivo,
fabricação de carros movidos à energia elétrica, assim como os aspectos que o influenciam;
a produção de biocombustíveis e de motores • prever o comportamento de uso do
flex (Vlek, 2003). transporte público ou da bicicleta (atitude,
Em que pese a importância dessas novas hábito, possíveis diferenças de gênero etc.);
tecnologias, estudiosos do comportamento • elaborar campanhas para estimular a
consideram que elas são insuficientes para adoção de modos de transporte sustentáveis,
resolverem os problemas atuais e futuros em buscando conhecer as características dos
relação ao meio ambiente. Desta forma, indivíduos que provavelmente seriam melhores
também será necessária a redução da demanda alvos;
pelo uso do carro particular, associada à • identificar possíveis soluções
estimulação de outras alternativas menos estruturais para os congestionamentos nas
poluentes de transporte, como a bicicleta, o cidades a partir da ótica dos usuários (p.ex.,
ônibus e o metrô (Gärling, Gärling, & conhecer a vontade das pessoas que viajam de
Loukopoulos, 2002; Gärling & Schuitema, carro de casa para o trabalho para financiar
2007). Psicólogos da Europa, América do Norte melhorias no transporte público);
e da Ásia têm desenvolvido pesquisas, • compreender a efetividade,
principalmente nos últimos dez anos, buscando aceitabilidade e viabilidade política de
entender os processos psicológicos que atuam estratégias de gerenciamento da demanda de
na escolha das pessoas pelo modo de viagens para reduzir o uso do carro particular,
transporte, bem como o impacto e as especialmente de cobrança de taxas para
conseqüências psicológicas das políticas de circulação de automóveis;
redução do uso do automóvel (Aarts, • conhecer as barreiras psicológicas das
Verplanken, & van Knippenberg, 1998; Gärling pessoas em relação às tentativas para reduzir a
et al., 2002). Essas pesquisas têm subsidiado utilização do automóvel ou para mudar para o
conhecimentos relevantes para a transporte público;
implementação e eficácia das políticas de • prever possíveis consequências
gerenciamento do trânsito naqueles países. psicológicas da redução do uso do carro;
Diferentemente das nações consideradas • investigar padrões de deslocamentos
desenvolvidas, onde muitas dessas diários, potencial para mudanças e motivadores
História, psicologia e trânsito 171

que afetam decisões dos diversos usuários Alchieri, J. C., Silva, F. H. V. C., & Gomes, J.
(universitários, trabalhadores etc.) nos seus M. N. C. (2006). Estágio curricular como
deslocamentos. desenvolvimento e atualização da psicologia
Estudos nessa direção poderão contribuir de trânsito no Brasil. Psicologia: Pesquisa
na elaboração de futuras políticas públicas de & Trânsito, 2(1), 53-59.
mobilidade urbana que visem reduzir o uso do Alchieri, J. C., & Stroeher, F. (2002).
automóvel, que estimulem outros modos de Avaliação psicológica no trânsito: O estado
transporte ou possibilitem a integração entre os da arte no Brasil sessenta anos depois. In R.
diversos modais, uma vez que o Brasil deverá M. Cruz, J. C. Alchieri, & J. Sardá (Orgs.),
discutir e implementar algumas dessas medidas Avaliação e Medidas Psicológicas (pp. 234-
com maior ênfase neste século. Para a 345). São Paulo: Casa do Psicólogo.
investigação desses e de outros tópicos de
pesquisa, sugere-se a Copa do Mundo de Amorim, J. A. (1953). Normas para a prova do
Futebol em 2014 e as Olimpíadas de 2016, que tacodômetro. Arquivos Brasileiros de
serão realizados em nosso país. Grandes Psicotécnica, 5(3), 33-36.
eventos como esses intensificam os
deslocamentos e têm impacto na vida das Antipoff, D. (1956). Contribuição ao estudo das
pessoas e das cidades próximas. Se essas diferenças individuais no teste de atenção
oportunidades ímpares forem aproveitadas para difusa. Arquivos Brasileiros de
elaborar, testar e desenvolver instrumentos, Psicotécnica, 8(2), 49-60.
métodos e teorias, impulsionaremos o
desenvolvimento da psicologia do trânsito. Antunes, M. A. M. (2001). A psicologia no
Além disso, os conhecimentos produzidos Brasil: Leitura histórica de sua
poderão ser aplicados em curto-prazo. constituição. São Paulo:
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surgem a partir do aumento do uso do Campos, F. (1973). A Divisão de Seleção.
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se configurava como problema Aplicada, 25(1), 17-49.
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