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Deontologia

Profissional do
Advogado:

Teoria e Prática

Formação CE2023/2024

Moura Santos
Advogado e formador do Conselho Regional de
Lisboa da Ordem dos Advogados

(mourasantos-6649l@advogados.OA.pt)
Bibliografia

➢ Fernando Sousa Magalhães – Estatuto da Ordem dos Advogados - Anotado


e Comentado;
➢ Orlando Guedes da Costa – O Direito Profissional do Advogado;
➢ António Arnaut - EOA Anotado e Iniciação à Advocacia;
➢ Carlos Mateus – Deontologia Profissional – Contributo para a formação dos
Advogados Portugueses;
➢ Manuel Ramirez Fernandes - Direito Profissional do Advogado (Quid Juris);
➢ Valério Bexiga – Manual de Deontologia Forense (esgotado);
➢ Alfredo Gaspar – EOA Anotado (esgotado);
➢ Deontologia Profissional dos Advogados, Conselho Regional de Lisboa,
2019.

Legislação imprescindível para acompanharem as sessões:


➢ EOA, respectivos Regulamentos e legislação complementar;
➢ CDAE;
➢ CPC;
➢ CPP;
➢ Lei 10/2024 (Regime Jurídico dos Actos Próprios dos Advogados e
Solicitadores)

Nota: os presentes apontamentos não dispensam a consulta das obras originais e


constituem um meio auxiliar de estudo com base nas aulas práticas de formação,
contendo, nalguns casos e por se acharem relevantes, reproduções expressas,
alusões e paráfrases das obras e autores citados, pelo que todas as contribuições
de outros autores estão devidamente assinaladas e referenciadas.

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Índice

Siglas e Abreviaturas 4
Agradecimento 7
1. A deontologia profissional 8
2. O advogado 9
3. A advocacia como actividade de interesse público e de utilidade social 14
4. A deontologia na vertente dos direitos profissionais 15
5. O direito de protesto 18
6. O princípio da integridade 18
7. O dever de isenção 19
8. O princípio da confiança 22
9. O princípio da independência 25
10. As fontes da deontologia profissional 27

11. A advocacia e as demais profissões liberais 34


12. O trajo profissional 36
13. Santo Ivo como padroeiro dos advogados 38
14. Enquadramento institucional da advocacia 40
15. Tipos de advocacia 41
16. A OA como associação pública profissional 42
17. Estrutura orgânica e órgãos sociais 48
18. Os actos próprios da profissão de advogado 53
19. O segredo profissional 86
20. O regime legal das buscas e apreensões em escritórios ou
sociedades de advogados 113
21. O branqueamento de capitais e o segredo profissional 115
22. As sociedades de advogados 128
23. As sociedades multidisciplinares 131
24. As limitações ao exercício da advocacia durante o estágio 140
25. A advocacia sob subordinação jurídica 148
26. O exercício especializado da advocacia 157
27. A incapacidade para o exercício da advocacia 160

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28. As incompatibilidades e os impedimentos 161
29. O conflito de interesses 170
30. Os honorários 184
31. Valores, documentos e fundos dos clientes 195
32. Os deveres de reserva, cooperação, lealdade, urbanidade e solidariedade no
relacionamento do ADV com a Ordem, Tribunais, os Clientes e os Colegas
196
33. A publicidade 206
34. A discussão pública de processos pendentes 213
35. A acção, responsabilidade e tramitação do processo disciplinar 223
36. A responsabilidade civil profissional do advogado 233
37. A previdência dos advogados 241

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Siglas e Abreviaturas

Todas as referências aqui feitas à legislação, sem se mencionar o diploma


respectivo, respeitam ao Estatuto da Ordem dos Advogados, adiante designado
pela abreviatura EOA.
A referência a Advogado e a Advogado estagiários é feita pelas abreviaturas ADV
e AE, respectivamente.
ASAP – Associação das Sociedades de Advogados de Portugal
AdC – Autoridade da Concorrência
APP – Associação Pública Profissional
BCFT – Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo
CC- Código Civil
CDAE – Código Deontológicos dos Advogados Europeus
CDAPA – Comissão de Defesa dos Actos Próprios dos Advogados
CG – Conselho Geral
CPC – Código de Processo Civil
CP – Código Penal
CPP – Código de Processo Penal
CRC – Conselho Regional de Coimbra da OA
CRL- Conselho Regional de Lisboa da OA
CRPt – Conselho Regional do Porto da OA
CRP – Constituição da República Portuguesa
CT – Código de Trabalho
EM – Estado Membro da União Europeia
LAPAS – Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores
LAPP – Lei n.º 2/2013 de 10 de janeiro, alterada pela 12/2023, de 28-03 (Lei das
Associações Públicas Profissionais)
LOSJ – Lei nº 62/2013 de 26-08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário
LSP – Lei das Sociedades Profissionais, Lei nº 53/2015 de 11-06, que estabelece
o regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais
que estejam sujeitas a associações públicas profissionais
RDSP – Regulamento de Dispensa do Segredo Profissional

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RJAAS – Regime jurídico dos Actos de Advogados e Solicitadores, Lei nº 10/2024
de 19-01
RLH – Regulamento dos Laudos dos Honorários
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
TRC – Tribunal da Relação de Coimbra
TRE – Tribunal da Relação de Évora
TRG – Tribunal da Relação de Guimarães
TRL – Tribunal da Relação de Lisboa
TRP – Tribunal da Relação do Porto

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Agradecimento:

“São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses
guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais
desejaria transmitir-lhes: a de não se conformarem”.

Agostinho da Silva, Sete Cartas a um Jovem Filósofo

Ao Dr. Fevereiro Mendes, meu patrono, meu mestre, pela disponibilidade,


oportunidade e colaboração nos primeiros, mas decisivos (e muitos mais)
passos do meu trilho profissional, pela partilha de conhecimentos e ideias,
que marcaram o meu percurso e me ajudou a crescer a todos os níveis na
vida. Sem ele não estaria aqui.

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1. A Deontologia Profissional

“Há inconvenientes da vida em que o silêncio ou o abandono são mais cruéis que
a própria vida. Nesses momentos, o Advogado convertido numa sombra de
lealdade e de companhia, desempenha uma das mais subtis e espirituais facetas
da sua missão sempre eminentemente humanista.”
Martinez Val, in El Abogado, Alma y Figura de la toga

Etimologicamente, provém do grego “Deon/logos” e significa conhecimento de


deveres.
Mais tarde a mesma palavra ganhou um sentido mais amplo, passando a usar-se
por oposição a ontologia, como antítese entre ser e dever ser.
Foi o filósofo e jurista britânico Jeremy Bentham (1748-1832) que usou
originalmente essa expressão, como teoria moral do dever ser, ou seja do que
deveria ser feito pelos cidadãos para se relacionarem em sociedade.
O primeiro Código de Deontologia Profissional foi elaborado na área da medicina,
nos meados do séc. XX, nos EUADV
O juramento de Hipócrates que é feito solenemente pelos médicos tradicionalmente
por ocasião da sua formatura e em Portugal aquando da sua admissão como
membro da Ordem dos Médicos, é um exemplo de alguns dos deveres
deontológicos daquela profissão: o respeito pela vida humana, pela integridade e
dignidade do doente, ou a assistência aos doentes.
A Deontologia é essencial na formação do Advogado. E porquê?
A sua importância pode ser medida desde logo pelo número de participações contra
advogados que estatisticamente eram, até ao início da pandemia, na ordem de 8
por dia no Conselho de Deontologia de Lisboa, sendo que em 2020 o número anual
de queixas foi de cerca de 2000 e em 2021, talvez por força da mesma pandemia
e das consequentes paragens do movimento dos processos em tribunal, estados
de emergência e confinamentos, foi de 914 procedimentos disciplinares. A 5 de
janeiro de 2022 já haviam sido instauradas 20 apreciações liminares e estavam 30
por instaurar!
Atente-se que para um ADV condenado num processo disciplinar podem resultar
sanções gravosas, como a expulsão, suspensão da actividade profissional ou multa
(art. 130º).
Os dados do Painel de Avaliação da Justiça na União Europeia (2021) são claros:
Portugal é o sexto país da OA com maior número de advogados por 100 mil
habitantes (cerca de 315), só ultrapassado pelo Chipre (com mais de 450), pela
Lituânia, pela Eslovénia, por Itália e por Malta. França ou Holanda, por exemplo,
têm pouco mais de 100 advogados por cada 100 mil habitantes. Em Portugal, para
comparação, temos sensivelmente 19 juízes por cada 100 mil habitantes (o que
coloca o país num modesto 16.º lugar). Isto significa que, proporcionalmente,

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existem cerca de 16 vezes mais advogados do que juízes num universo de 100 mil
habitantes.
A Deontologia é um código de conduta ética profissional (conjunto de normas
jurídicas) que regulam a conduta do ADV no acesso e exercício da profissão junto
da sociedade e também o seu comportamento cívico e público.

2. O Advogado
“Onde reina a força, o direito não tem lugar”.
(provérbio popular)

O que se espera essencialmente de um juiz? Imparcialidade.


E de um advogado? Confiança.
E o que defende o ADV?
“Ad-vocatus”, remonta ao direito romano e provém do latim: aquele que é chamado
para defender.
Logo é essencialmente um defensor (termo usado em P. Penal – art. 64ºdo CPP).
Isso vinca o carácter humanista da profissão e a sua vocação de conselheiro do
cliente.
Antes de haver advogados já havia crime. Nesse tempo o juiz era o senhor, o rei, o
imperador, que julgava pessoas de classe inferior. Nessa altura não havia distinção
entre crime e ilícito civil, e as pessoas julgadas não se sabiam defender. Sendo a audiência
pública, as pessoas da assistência podiam intervir. As que o faziam, actuavam
gratuitamente, motivados por um espírito de solidariedade, e faziam parte das
classes superiores, pois só assim seriam respeitadas. Foi precisamente assim que
surgir a figura do advogado defensor-orador. Mas já naquele tempo, aquelas pessoas
tinham regras. Surgiram os primeiros advogados, cuja função era fazer justiça.
Em Portugal, o início da advocacia seguiu dentro dos mesmos parâmetros. Os
primeiros advogados eram conhecidos por arrazoadores (apresentavam as suas razões)
ou vozeiros (davam voz àqueles que não se podiam defender).
O ADV lida com direitos, interesses vitais dos clientes, pessoas singulares ou
colectivas, que lhe confiam a honra, a liberdade e a fazenda.
“Abbati, medico, potrono que intima pande.”:
(“Ao médico, ao advogado e ao padre se dever dizer sempre a verdade...”) lá diz o
provérbio.
O ensinamento é antigo e sábio. Ao médico diz-se a verdade para que este lhe
cuide do corpo, ao padre para que lhe cuide da alma e ao advogado para que
preserve o património e a liberdade.

9
Giuseppe Agnelli (1921-2003), o famoso milionário patrão da FIAT, não obstante
se ter destacado mundialmente como um poderoso empresário do ramo automóvel,
gostava de ser apelidado de “L´Avvocato”, apesar de apenas ter sido licenciado em
direito, nunca tendo exercido advocacia.

Foi com o Decreto 15:344 de 12-04-1928 (Estatuto Judiciário) que o ADV começou
a identificar-se com uma cédula profissional.
No dia 1 de novembro de 1923, inscreveu-se no Conselho Distrital de Lisboa da
Ordem dos Advogados a Dr.ª Regina Quintanilha, primeira advogada portuguesa.

Nas palavras de António Arnaut, “Para ser advogado, em toda a compreensão da


palavra, que remonta ao direito romano e está carregada de um profundo sentido
moral, é preciso compreender plenamente a responsabilidade histórica da função,
de relevante interesse público. O advogado serve a justiça mais do que o direito, e
o direito mais do que a lei. A advocacia é um humanismo e uma magistratura cívica.
Mas é necessário que o advogado assuma, por inteiro, a honra, a dignidade e a
independência da função, cumprindo escrupulosamente os seus deveres ético-
sociais. a advocacia é um humanismo e uma magistratura cívica.” In Iniciação À
Advocacia.

• A função dos advogados – Luiz Menezes Leitão


“No passado sábado, José António Saraiva publicou no jornal SOL um artigo
questionando a função dos advogados. O artigo é, a vários títulos, lamentável,
primeiro porque pretende reduzir a advocacia à defesa de causas, quando nunca
foi essa a sua exclusiva função, e segundo porque acha que, mesmo na defesa de
causas, o advogado, afinal, nem sequer deveria defender a causa, mas antes
defender a verdade, não pedindo a absolvição do seu constituinte quando ele fosse
culpado.
Há neste artigo enormes confusões. Em primeiro lugar, o art.º 1.o da lei 49/2004,
de 24 de Agosto, é claríssimo no sentido de que os actos próprios do advogado
não abrangem apenas o mandato forense e a consulta jurídica, mas também a
elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à
constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos (designadamente os
praticados junto de conservatórias e cartórios notariais), a negociação tendente à
cobrança de créditos e o exercício do mandato no âmbito de reclamação ou
impugnação de actos administrativos ou tributários. E ainda bem que assim sucede
pois, se esses actos fossem praticados por profissionais não qualificados nem
sujeitos a uma deontologia própria, os cidadãos seriam altamente lesados pela sua
actuação.
Já relativamente à defesa das causas, José António Saraiva parece esquecer que
o arguido só tem o dever de responder com verdade às perguntas sobre a sua
identidade (art.º 61º, nº 6, b) CPP) e que o advogado tem por lei um dever de sigilo
profissional (art.º 92º do EOA), não podendo naturalmente actuar em tribunal em
sentido contrário à posição do seu constituinte, que lhe compete defender. E por
muito que José António Saraiva apreciasse ver os arguidos sumariamente
condenados, apenas porque a opinião pública fez esse juízo com base em notícias
de jornais, num Estado de direito, os julgamentos fazem-se nos tribunais, com todas

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as garantias de defesa. E a primeira garantia de uma defesa é precisamente a de
que os cidadãos sejam representados competentemente por um advogado, que
efectivamente os defenda, em vez de ajudar à sua condenação.
Pelo contrário, ao Ministério Público compete exercer a acção penal orientada pelo
princípio da legalidade, sendo para esse efeito que apresenta a acusação. Mas o
Ministério Público é composto por magistrados, que têm o dever de inclusivamente
propor a absolvição dos arguidos se não houver provas de que praticaram o crime.
É por isso que vemos com grande apreensão a recente notícia de que foram dadas
instruções a magistrados para que não pedissem a absolvição dos arguidos nos
processos mediáticos, como se o facto de um processo ser mediático justificasse
uma alteração do comportamento processual de um magistrado perante as provas
produzidas em julgamento.
Só que a função dos magistrados é diferente da dos advogados e a estes compete
defender o seu constituinte, independente do juízo que a opinião pública faz dele.
Já houve muitos processos em que o arguido estava condenado na comunicação
social e na opinião pública e foi depois absolvido em tribunal, porque teve um
advogado que o soube defender. Recordemos o dramático caso de Asia Bibi, a
mulher cristã condenada à morte no Paquistão porque tinha bebido água de uma
fonte reservada a muçulmanos, o que foi considerado um acto de blasfémia, que
suscitou indignação geral. Essa mulher passou oito anos no corredor da morte e só
foi libertada no início deste ano porque o seu advogado Saif-ul-Malook, muçulmano,
conseguiu reverter a sua condenação com fundamento na insuficiência de provas.
É essa a função nobre do advogado: lutar pela justiça e defender o seu cliente,
mesmo quando uma turba pretende a sua condenação.
É preciso, por isso, que todos respeitem o trabalho dos advogados em defesa dos
seus constituintes, independentemente da avaliação que a opinião pública faça dos
factos pelos quais os visados são acusados. Ninguém está livre de um dia ter
qualquer problema judicial e, nessa altura, quererá seguramente ter um advogado
que o defenda eficazmente em tribunal”.

Jornal I, 03/12/2019
https://ionline.sapo.pt/artigo/678892/-a-funcao-dos-advogados?seccao=Opiniao_i

“Os advogados protegem a verdade?


Os advogados hoje não se empenham em fazer ‘melhor justiça’ mas sim em ‘iludir
a justiça’. Atafulham os tribunais com papelada, defendem causas que sabem ser
erradas.

A profissão de advogado, como muitas outras, começou numa ‘necessidade’ mas


transformou-se numa ‘extravagância’.

Os advogados, dito de uma forma simples, tornaram-se necessários para defender


os cidadãos de condenações injustas – demonstrando a sua inocência ou, pelo
menos, apresentando atenuantes para ações à margem da lei.

Era esta a função ‘nobre’ da advocacia.

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Mas com o passar do tempo os advogados passaram a criar ‘necessidades’.
A inventar formas de se tornarem necessários em todos os assuntos.
E agora para tudo é preciso um advogado: para fazer um contrato, para tratar de
um negócio, para levantar um processo disciplinar, para negociar um
despedimento, para tratar de um divórcio, para fazer uma partilha, para reivindicar
uma herança, para meter um requerimento, para fazer uma queixa, para discutir a
tutela de um cão, etc., etc., etc.

Hoje, até é de ‘bom-tom’ as pessoas dizerem «o meu advogado», como dizem «o


meu médico».

A função nobre da advocacia – a defesa de causas – ocupa uma ínfima parte do


trabalho dos advogados. Por isso, há jovens que se sentem enganados quando
começam a exercer a profissão: imaginavam-na como nas séries televisivas, com
os advogados de defesa e acusação a fazerem brilhantes alegações em salas de
tribunal repletas de gente atenta e expectante, e acabam a fazer trabalho
burocrático metidos num minúsculo gabinete.

Além desta ‘desvalorização’ do papel do advogado, houve uma ‘degeneração’ da


função do advogado.

A lógica da advocacia era possibilitar que se fizesse ‘melhor justiça’.


Defendendo o ponto de vista do acusado, o advogado possibilitava ao juiz ver os
dois lados do problema e decidir melhor.
Mas os advogados hoje não se empenham em fazer ‘melhor justiça’ mas sim em
‘iludir a justiça’.

Primeiro, metem requerimentos e mais requerimentos para atrasar ao máximo os


processos. Atafulham os tribunais com papelada, dificultando o trabalho dos juízes.
E depois defendem causas que sabem ser erradas.

É claro que todas as pessoas – mesmo os criminosos – têm direito a um advogado


que as defenda.

Mas uma coisa é tentar mostrar o ponto de vista do arguido, apresentar as


atenuantes de um crime, outra coisa muito diferente é defender o indefensável,
fazer do tribunal parvo, usar argumentos nos quais nem eles próprios acreditam.

Fiquei estupefacto ao ouvir Mónica Quintela defender a inocência de Pedro Dias. É


impossível que ela achasse que Pedro Dias era inocente. Assim, estava
simplesmente a representar um papel. E a tentar objetivamente que não se fizesse
justiça. Estava a baralhar o juiz, tentando que se absolvesse um homem
responsável por crimes brutais – como ela própria não poderia deixar de achar.

Do mesmo modo, não acredito que a juíza da ‘viúva Rosa’ acredite na sua
inocência. A tese de que foram uns angolanos a matar o marido roça o patético. O
seu fingimento a colar papeis nas paredes dando o marido como desaparecido,

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quando já sabia que ele estava morto, é suficientemente eloquente para mostrar o
seu caráter e a sua culpabilidade.

Também não acredito que a advogada que defendeu a mulher que matou a mãe
adotiva acreditasse na sua inocência; ou que os advogados dos energúmenos que
foram a Alcochete acreditem na inocência dos seus clientes; ou que os advogados
de Sócrates achem que ele é inocente.

Julgo que todos eles representam um papel.

Cabe na cabeça de alguém que um indivíduo, por muito amigo que seja de outro,
lhe passe para as mãos centenas de milhares de euros sem qualquer documento
comprovativo? E que a mãe de Sócrates tivesse um milhão de contos fechado num
«enorme cofre» e lhe desse aos 10 mil euros para ele ir de férias (numa altura em
que ela própria vivia com dificuldades)? E que ele fosse para férias com 10 mil
euros em notas nos bolsos? Alguém pode acreditar nesta história?

Julgo que estes advogados, e outros, estão a fazer um mau papel. Em vez de
contribuírem para se fazer melhor justiça, estão a tentar que não se faça justiça.

Estão a desacreditar-se.

Se apresentassem argumentos justificativos de certas ações dos seus


constituintes; se mostrassem um ponto de vista diferente da acusação levando o
juiz a considerar circunstâncias atenuantes, tudo isso seria legítimo e
compreensível.

Mas pedirem a absolvição de réus que são obviamente culpados, isso é que não
faz sentido.

Ao fazerem-no, perdem toda a credibilidade.

E ao fazerem-no em todos os casos, tornam esse pedido irrelevante.


Pedirem ou não pedirem a absolvição torna-se igual ao litro.
Desvalorizam a defesa e acabam no limite por não ajudar os constituintes.
É já o que se passa com os advogados de Rosa Grilo e José Sócrates.”

José António Saraiva, 03-12-2020


https://sol.sapo.pt/artigo/678960/os-advogados-protegem-a-verdade-
Decidiu o Ac. do STJ de 16-12-2016 que “nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do Código
de Processo Penal, o ofendido que seja advogado e pretenda constituir-se
assistente, em processo penal, tem de estar representado nos autos por outro
advogado.” Prevaleceu o entendimento de que é “inegável que o ofendido
assistente, embora advogado, estará em princípio pior colocado para intervir serena
e desapaixonadamente no processo, em comparação com outro advogado que o
estivesse a representar.”

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https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/15-2016-105322293

3. A Advocacia como actividade de interesse público e de utilidade social


“Os que deturpam a verdade, moldando-a aos seus interesses mesquinhos, ou
tripudiam o ordenamento com interpretações tendenciosas, são verdadeiros
contrabandistas do foro, mais perigosos do que vulgares falsificadores, porque
estes traficam mercadorias e assumem o risco da descoberta, enquanto os outros
ofendem os valores sagrados da Justiça e movem-se com total impunidade.”

António Arnaut, in “Ossos do Ofício”

(cfr. também o Preâmbulo do CDAE).


Num estado de direito moderno, a função jurisdicional acompanha a legislativa, por
ser essencial à aplicação da lei e à defesa daqueles que recorrem à justiça,
socorrendo-se do serviço do advogado. A justiça é, enquanto valor supremo de
uma sociedade pluralista, democrática e pacífica, um pilar da vida em sociedade,
que necessita de ser protegida.
Já Francisco Salgado Zenha dizia que “ninguém sabe o que é a Justiça. Mas todos
sabem o que é a injustiça.”
Logo, o ADV deve ser recto e cumpridor da lei, quer no plano profissional, quer no
plano pessoal, visto ser indispensável à boa administração e ao acesso à justiça, e
pelo conhecimento dos direitos, liberdades e garantias, que são elementos
estruturantes do Estado de Direito e à sua defesa.
O interesse público justifica a obrigatoriedade de inscrição numa Associação
Pública Profissional (OA) para que possa exercer (art. 66º), não poder recusar o
patrocínio ou defesa oficiosa sem motivo (art. 90º, nº 2, al. f), não recusar a
orientação do estagiário, como patrono (arts. 91º, f) e 90º) e, em geral, o respeito
pelos deveres para com a Comunidade e a Ordem (o ADV como servidor da justiça
e que deve obediência à lei).
Vejam-se também afloramentos do princípio do interesse público nos arts. 3º. 7º,
70º, 72º, 100º, nº 2, 110º e 120º.
O ADV é essencial para a defesa do Estado de Direito.
Atente-se que a advocacia é a única profissão liberal a ter acolhimento na CRP
(arts. 20º, 32º e 208º - que devem ser relacionados com os arts. 66º, nº 3, 69º, 81º,
nº 1 e 12º da LOSJ e a ter deveres para com a comunidade (art. 90º EOA).
Por isso, a liberalização da profissão na vertente do exercício da profissão por
terceiros não advogados, independentemente de possuir ou não uma licenciatura
em Direito e estando apenas subordinada a um código de conduta) defendida por
entidades como a OCDE e a Autoridade da Concorrência, que teve acolhimento
legal recentemente, embora obrigando os profissionais não advogados a respeitar
a deontologia profissional da advocacia), com vista à liberdade de acesso e de

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exercício da profissão, coloca a discussão de saber se constitui a melhor forma de
defesa dos interesses e direitos fundamentais dos cidadãos, ou se atenta contra a
essência da advocacia.
A defesa não pode ser assegurada por qualquer um. Não é meramente técnica e
burocrata; é de causas e tem um carácter humanista. É independente.
Logo, o estatuto tem de garantir a competência técnico-ciêntifica, independência,
honorabilidade, dignidade e responsabilidade profissional (por exp. na questão dos
honorários).
A essencialidade social do Advogado é evidente na necessidade de intervenção de
Advogado em praticamente todas as causas cíveis (artigos 32º e 60º do Código de
Processo Civil) e, como defensor do arguido, em todos os processos criminais
(artigos 61º, nº 1, al. d), 62º e 64º do Código de Processo Penal), bem como na
jurisdição administrativa. Cfr. ainda o art. 32º da CRP.
O ADV exerce essa função social enquanto representante dos cidadãos junto da
administração da justiça e da administração pública.
Quando actuam sem o acompanhamento e aconselhamento do advogado, os
cidadãos cometem erros e sofrem os prejuízos inerentes, quando não mesmo a
perda da causa, que normalmente não incorreriam se tivessem sido aconselhados
do ponto de vista jurídico.
Um processo judicial desenrola-se em obediência a normas jurídicas. Daí decorre
a exigência de representação dos cidadãos por pessoa idónea legalmente
habilitada no conhecimento do direito – por via de regra o advogado – que possa
agir com zelo na defesa dos interesses do seu representado.

4. A Deontologia na vertente dos direitos profissionais

Mas a Deontologia Profissional do Advogado não é só constituída por deveres, mas


também por direitos e prerrogativas, criados para permitir o livre exercício da
profissão.
Exemplos:
- arts. 20º e 208º da CRP;
- Arts. 12º e 13º da LOSJ;
- arts. 66º, nº 3, 69º, 72º, nº 1, o de alegar sentado e em bancada própria (72º, nº
2) pois é um elemento essencial na administração da justiça, - - prioridade no
atendimento, direito de ingresso nas secretarias (hoje em dia em desuso por
questões práticas) e à consulta dos processos (art. 79º);
- o regime de imposição de selos, arrolamentos e buscas em escritórios ou
sociedades de advogados, bem como o de apreensão documentos com vista à
preservação do segredo profissional (arts. 75º e 76º);
- o direito de comunicar pessoal e reservadamente com os presos (art. 78º) – cfr.
hipótese de exame de 02-11-2020;

15
- o direito de protesto (art. 80º), caso contrário: Juiz não permite que o ADV faça
um requerimento para o ofender (art. 150º CPC);
- art. 184º (direito de reunião nas salas dos tribunais);
- direito à renúncia ao mandato;
- Ver ainda o conteúdo informativo constante do verso da cédula profissional do
ADV
O ADV pode requerer a intervenção da OA para defesa dos seus direitos ou dos
legítimos interesses da classe, como por exemplo, a dignidade da advocacia (arts.
71º e 5º).

“COMUNICADO | REVISTAS A ADVOGADOS/AS NOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS


Ilustres Colegas,

Na sequência de exposição apresentada por uma Ilustre Colega, o Conselho Geral


teve conhecimento de que estariam a ser realizadas revistas abusivas nas
entradas/ visitas das Senhoras Advogadas no Estabelecimento Prisional de Angra
do Heroísmo.

Em concreto, aquando a entrada no EP e perante o aviso sonoro do pórtico de


metais, era exigido às Senhoras Advogadas que retirassem o soutien, de modo a
averiguar o motivo do sinal.

Assim que tomou conhecimento desta situação, a Senhora Bastonária da Ordem


dos Advogados interpelou a Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais,
de modo a terminar de imediato com esta prática violadora da dignidade profissional
das Exmas. Colegas que, no exercício da profissão, se dirigem aos
Estabelecimentos Prisionais.

Em resposta à exposição apresentada pela Senhora Bastonária, a DGRSP emitiu


despacho onde concluiu que os/as Advogados/as que se desloquem ao EP em
exercício profissional, atento as especiais perrogativas das suas funções, não
devem ser sujeitos às regras de revista pessoal e dos bens particulares reservadas
pela lei às visitas presenciais dos reclusos.

Aproveitamos o ensejo para encorajar todos os Ilustres Colegas a reportarem ao


Conselho Geral e/ou à Comissão dos Direitos e Prerrogativas da Advocacia toda e

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qualquer violação dos Direitos e Prerrogativas da profissão, pois só uma Advocacia
atenta, unida e interventiva poderá defender devidamente a Dignidade da profissão.

A Bastonária e o Conselho Geral

A Comissão dos Direitos e Prerrogativas da Advocacia

Lisboa, 14 Março de 2023”

Em 01-03-2021, pág. do CRL:

Comunicado – Impedimento do Exercício da Advocacia

“Transportadora aérea impediu trabalhador de se fazer acompanhar por advogado


nas negociações com vista à revogação do contrato de trabalho

A Direção de Recursos Humanos da TAP impediu recentemente um Advogado de


acompanhar o seu constituinte na defesa dos seus direitos. Trata-se de um
tripulante de cabine que está em processo negocial no âmbito das “medidas
voluntárias” anunciadas pela companhia aérea, mais concretamente uma
“revogação por mútuo acordo”.
Após manifestar a intenção de se fazer acompanhar pelo seu advogado, o
trabalhador recebeu, por telefone, a seguinte nota da Direção de Recursos
Humanos: “Não falamos com advogados”.
Perante esta situação, que condenamos, foi reportada ao Conselho Regional de
Lisboa da Ordem dos Advogados pelo Ilustre Colega que foi impedido de cumprir o
dever perante o seu cliente.
Nos termos da Lei Fundamental, assiste a qualquer cidadão a possibilidade de se
fazer acompanhar por Advogado perante qualquer autoridade, independentemente
da sua natureza pública ou privada. A nossa Constituição é bastante clara e não
deixa margem para segundas interpretações.
Também os artigos 66.º, n.º 3 e 69.º do Estatuto Profissional da Ordem dos
Advogados materializam tal direito ou prerrogativa.
Torna-se evidente, olhando para conjugação dos invocados Enquadramento legal
legais, que, por um lado, o cidadão tem o direito a fazer-se acompanhar por
Advogado perante qualquer autoridade e, por outro, que o Advogado tem
consignado o direito correspondente de acompanhar qualquer cidadão perante
qualquer autoridade, pública ou privada.
Já a TAP não tem o direito de impedir que tal aconteça.
Neste contexto, e por entender que os factos que nos foram reportados
consubstanciam, por um lado, violação dos invocados comandos legais e, por
outro, violação de um direito dos cidadãos conferido pela Constituição, o CRLisboa
dirigiu uma comunicação à Direção de Recursos Humanos da TAP para que sejam
tomadas medidas por forma a que, doravante, esta situação ilícita e que põe em
causa a administração da justiça que ao Advogado incumbe não volte a ocorrer e,
em particular, por forma a que o Ilustre Causídico possa exercer cabalmente o
mandato de que foi incumbido (…).

17
João Massano
Presidente”

5. O Direito de Protesto

Art. 80º (regulamenta o direito, os seus termos e os efeitos).


É um direito/dever quando ocorre o impedimento do exercício do direito de
patrocínio por parte do ADV
O requerimento pode vir a ser deferido ou indeferido pelo juiz, mas não pode ser
recusada a sua formulação. Se recusada a sua formulação, então é que deverá ser
exercido o acto de protesto, que não pode deixar de constar da acta.
É um acto formal de arguição de uma nulidade e não um acto de desabafo mais ou
menos veemente por parte do ADV
Vale desde logo como arguição da nulidade consubstanciada no impedimento ao
exercício do seu dever de patrocínio, mas também pode valer como arguição da
eventual nulidade que pela via do requerimento se pretendia arguir. Atente-se que
há irregularidades cometidas na audiência que devem ser arguidas de imediato,
sob pena de perda de eficácia e ficar suprida (art. 123º CPP).
Aliás, o impedimento ao exercício do patrocínio constitui uma irregularidade (art.
123º CPP). Por isso, no protesto deve constar a matéria do requerimento e o
objecto que tinha em vista.
O direito de protesto vale para todos os actos e diligências em que o ADV
intervenha, quer perante o juiz, quer perante o ministério público.
Arts. 66º, nº 3, 69º, 89º, 100º, nº 1, al. b) – dever deontológico;
Arts. 12º e 13º da LOSJ (Lei nº 62/2013 de 26-08); e
Art. 362º, nº 2 do CPP:
“2 – O presidente pode ordenar que a transcrição dos requerimentos e protestos
verbais seja feita somente depois da sentença, se os considerar dilatórios”.
(o que obriga o juiz a ouvir o protesto, consignar em acta a sua decisão e ordenar
a sua transcrição depois da sentença, se considerar que o mesmo é dilatório –
Germano Marques da Silva, Direito de Protesto, Protesto ao abrigo da lei,
disponível na net).
As situações previstas nos arts. 150º CPC e 326º CPP, excluem o exercício do
direito de protesto, sob pena de tudo valer para o exercício do patrocínio.
Cfr. hipóteses de exame: 18-12-2015; 07-12-2022.

6. O Princípio da Integridade

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Como refere António Arnaut (EOA Anotado, pág. 89, nota 5), “A conduta do ADV
pode afectar a sua dignidade profissional, quando for publicamente desprimorosa,
desonrosa ou lesiva da classe”.
Ver art. 88º - dever de integridade/comportamento público.
A actuação do ADV em cumprimento das regras éticas-sociais, prestigia o próprio
e a profissão.
O ADV não é um super-homem e como ser humano tem as suas próprias
fragilidades.
Contudo, a seriedade do ADV é, sem dúvida, a par da sua competência técnica-
profissional, um elemento essencial para poder ser respeitado e procurado pela
comunidade e fazer assentar a relação com o cliente na base da confiança.
O contrário representa o descrédito da pessoa, da classe e da justiça perante os
cidadãos.
(exemplos: advogado assassino, alcoólico, burlão, chantagista, arruaceiro, etc.),
que trazem a conduta desonrosa do ADV fora do exercício da profissão para o
campo da falta disciplinar, como já se referiu.
A advocacia livre, porque praticada em concorrência, encerra em si um perigo: se
não existirem regras de conduta colectivamente assumidas, pode pôr em causa a
profissão. O ADV existe para servir a justiça e para isso tem de haver regras.
“O ADV serve a justiça. Se não, é um mercenário.” (António Arnaut).
O ADV que se vende por dinheiro e para isso desvaloriza a sua consciência
Veja-se o art. 90º, nº 2, al. b), inserido no elenco dos deveres para com a
comunidade e que visa proteger o dever de integridade (art. 88º).
Os tribunais e quaisquer autoridades devem dar conhecimento do ADV à OA de
todos os factos suscetíveis de constituir infração disciplinar praticados por
advogados: arts. 121º e 150º, nº 4 CPC, por força do sistema colegial da advocacia
que vigora em Portugal.
O nosso Estatuto contempla um processo especial administrativo de averiguação
de inidoneidade para o exercício da profissão (arts. 177º a 179º e 188º), sempre
que estiver em causa o dever de integridade ou probidade a que se refere o art.
88º.

7. O Dever de Isenção

O ADV tem de ser isento a par da sua integridade, que deve acompanhar a
assunção plena do patrocínio técnico-jurídico, por forma a assegurar a confiança
necessária dos cidadãos no funcionamento da justiça.
Exemplos da isenção do ADV: arts. 81º, 110º, nº 2, ou ser testemunha do colega
que patrocina a parte contrária para prova da obstaculização pelo juiz do exercício
do direito de protesto.

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Decorre também do dever de isenção a proibição de falar com as testemunhas de
forma a distorcer a prova e alterar a verdade dos factos.
A independência e a liberdade do ADV são essenciais para a defesa dos direitos
humanos – arts. 81º, nº 1 e 90º, nº 1 – liberdades e garantias dos cidadãos – pelo
que está a sua actividade subordinada a normas imperativas e éticas (arts. 83º, nº
1, 88º, 89º, 97º, 106º e 110º, nº 2).
“Em contrapartida das prerrogativas concedidas, a lei impõe aos advogados não
apenas uma adequada idoneidade científica e técnica, mas também deontológica,
que se encontra devidamente regulada. Vale isto por dizer que as prerrogativas
conferidas têm como reverso exigências de disciplina profissional imposta e
controlada por razões de interesse geral”, Santos, Filipe Matias, in “O Advogado
interno (in-house lawyer): estatuto e particularidades do segredo profissional, in
Estudos sobre Law Enforcement, Compliance e Direito Penal, Almedina, 2018, pág.
181.”
Por isso a Deontologia é um ramo de direito profissional autónomo, com normas
tipificadas e não um simples regulamento de deveres, sendo uma lei emanada da
AR (art. 165º, nº 1, al. s) CRP) e as correspondentes infrações dão origem a um
processo disciplinar, que é da competência exclusiva do OA. Essas normas
jurídicas estão explanadas, designada e principalmente nos arts. 66º 60º e 88º a
113º.
A responsabilidade disciplinar do ADV (art. 115º e segs.) é um imperativo da tutela
do interesse público prosseguido.
O ADV é o intermediário entre os cidadãos e a função jurisdicional do Estado,
evitando conflitos extrajudicialmente (cfr. art. 100º, nº 1, al. c) ou representando o
seu patrocinado em juízo, com competência e com consciência ética e integridade.
O advogado tem, assim, um papel importante na paz e equilíbrio social.
O ADV faz a ponte entre o cliente e a Justiça, bem como a administração pública.
Não deve fazer entre aquele e o mundo criminal.
Daí decorre que o respeito pela função social do ADV é uma condição essencial
para a garantia do estado de direito democrático (por isso o consagrado no art. 208º
CRP, sendo que a Justiça é uma das áreas de soberania do Estado.
Se os tribunais são o garante de um Estado de Direito, o advogado desempenha
um papel essencial para esse desiderato, sendo considerado constitucionalmente
como elemento essencial à administração da justiça (art. 208º). É um elemento
coadjuvante da função da soberania da Justiça que compete ao Estado.
Contudo, o ADV não faz parte do aparelho judiciário, mas do sistema judicial, isto
é, os Advogados fazem parte dos Tribunais enquanto órgãos de soberania, sendo
necessários ao seu funcionamento (cfr. arts. 12º e 13º da LOSJ).
“Fazemos parte da identidade de um Estado de Direito são e seguro. Por isso,
reiteramos a importância do papel do Advogado enquanto operador judiciário e
agente da Justiça, o qual é determinante para os cidadãos e, por conseguinte, para
toda a sociedade!” – Comunicado do CRL de 18-01-2021.
Para isso o ADV tem de ser sério, ter autoridade moral (exp. do ADV que emite
cheques sem provisão: choca a comunidade; que se embriaga publica e
20
frequentemente: não se pode esquecer que a nossa actividade é normalmente
exercida nos tribunais e outros locais públicos. Estamos assim sujeitos ao juízo
crítico dos demais intervenientes na lide. O ADV não perde a sua qualidade à mesa
do restaurante.
Assim, os actos da vida privada do ADV em princípio só a ele dizem respeito: só
podem desencadear um processo disciplinar se constituírem um comportamento
público que implique desconsideração, lese a profissão e a Ordem (ver art. 88º, nº
1), sob pena de se pôr em causa o direito constitucional à protecção da intimidade
da vida privada ou o direito ao livre desenvolvimento da personalidade (art. 26º
CRP).
Também daí decorrem os deveres de urbanidade e o de correção (arts. 95º e 110º),
que são o contraponto do direito consagrado no art. 69º.
A defesa da Advocacia faz-se pela valorização da profissão e da imagem do
Advogado. Cabe ao próprio ADV a responsabilidade de dar o melhor contributo
para melhorar a reputação e dignidade da classe.
No dia a dia, o ADV encontra obstáculos no exercício da sua missão.
A dicotomia interesse dos cidadãos versus ideais da justiça que são o leitmotiv da
profissão nem sempre se harmoniza entre si, colocando o ADV numa situação
dilemática.
Por um lado, está mandato para defender o cliente, a sua causa. Não pode actuar
contra este; por outro, está subordinado a normas imperativas e éticas arts. 88º, nº
1, 60º, 97º, 106º e 110º, nº 2. Nesse dilema tem especial acuidade o princípio da
independência do ADV de que se abordará mais tarde.
Acresce que o ADV enfrenta a má vontade por parte de alguns funcionários e
magistrados.
O ADV não deve ser visto como um empecilho, pois não pode ser cego, mudo nem
surdo.
Afastar o ADV (através da desjudicialização, entendida como a criação de
instrumentos e formas de resolução de conflitos não jurisdicional em que os
cidadãos estão desacompanhados de técnicos de direito, podendo aqueles ficar
fragilizados na resolução do conflito e que é justificada por razões de combate à
morosidade e à elevada pendência processual) traz sempre prejuízos para o
cidadão e para a própria justiça, menorizando-o.
É, pois, necessária uma mudança de mentalidades (exp.: juiz que folheia o
processo ou conversa com o colega alheio ao que o ADV, naquele momento, alega)
e, como forma de não diminuir os direitos das partes, garantir que o recurso a
sistemas alternativos de resolução de conflitos possibilite a presença obrigatória de
Advogado ou Solicitador.
No entanto, existe outro problema na Justiça, que tem a ver com as custas judiciais
(taxas de justiça, perícias, etc.), que é aquilo que o cidadão e as empresas pagam
quando recorrem aos serviços dos tribunais do Estado e que é exorbitante.
Exceptuando as situações de apoio judiciário, verifica-se que é a classe média a
mais atingida por esses custos.

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Tito Arantes Fontes, in:
https://www.publico.pt/2023/01/29/economia/entrevista/falacia-dizerse-existe-
justica-administrativa-portugal-2036507

“Por exemplo, as custas de um processo em torno dos 300 mil euros, para quem o
perde com um recurso, ascendem a cerca de 10 mil euros, mais honorários dos
advogados. O valor a pagar pode ultrapassar os 25 mil euros. As pessoas
assustam-se e desistem de meter processos na Justiça, nem procuram advogados.
Se o valor for de 500 mil ou de um milhão, as custas judiciais pulam para 20 mil ou
para 50 mil, isto sem honorários de advogados, e as PME não aguentam.”

8. O Princípio da Confiança

É uma matéria que deve ser complementada com a que será aflorada adiante a
propósito da relação entre ADV e cliente.
Voltamos à pergunta atrás formulada: de que esperamos do advogado? A
confiança.
A confiança, por um lado, nasce da autoridade que lhe advém do conhecimento
técnico (arts. 81º nº 1, 98º nº 2 e 100º, nº1, al. b).
Por outro, o de estar vinculado à deontologia (por exemplo, respeitar o segredo
profissional) sendo que o exercício da profissão está regulamentado em função da
confiança (arts. 97º e 98º).
A integridade do ADV (art. 88º) é essencial para assentar a relação de confiança
(por exemplo na fixação dos honorários, na prestação atempada do dever de
informação ao cliente, em não o iludir quanto às possibilidades reais de vencimento
da causa, etc.).
Sem essas qualidades do ADV não há confiança.
Acresce que só pode existir confiança se a honorabilidade, a honestidade e a
integridade do ADV existirem perante o cliente.
Para além de virtudes profissionais, são obrigações profissionais (cfr. também o art.
2.2. CDAE).
A confiança ou se tem, ou não se tem.
O ADV não é apenas um defensor de causas, pleiteando-as; é também um
conselheiro e confidente do cliente.
Decorre do art. 97º que o ADV não pode agir como agente encoberto, no âmbito da
investigação criminal (ver Parecer do CDL, consulta nº 29/2009, em que se
pretendia ver esclarecida a seguinte questão: Em que circunstâncias, e sob que
regras, um advogado no exercício da sua actividade profissional pode actuar em
concertação com as autoridades judiciárias, desempenhando o papel de agente
“encoberto”, em processo pendente onde está formalmente constituído
mandatário?).

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A confiança é, por conseguinte, indissociável do dever de integridade, que proíbe
uma actuação oposta aos compromissos do ADV para com o Direito e a Justiça
(art. 88º): exp.: proposta desonesta do cliente ao ADV que vai contra o Direito e a
Justiça (defender um sequestro praticado pelo cliente – se o ADV aceita, está a
violar esse dever, bem como os deveres para a com a comunidade (art. 90º, nº 1 e
2, als. a), c) e d).
A confiança é também o suporte essencial do segredo profissional (ponto 2.3.1. do
CDAE).
A confiança começa na livre escolha do mandatário – arts. 97º, 98º, nº 1, 67º, nº 2
e 90º, nº 2, al. h), estando vedado ao ADV a aceitação do patrocínio quando este
não tenha sido pessoal e livremente mandatado pelo seu cliente, nomeadamente
para evitar a angariação de clientela.
Obviamente que essa regra sofre a excepção no tocante ao regime das nomeações
de advogados oficiosos, decorrentes do instituto do acesso ao direito.
Correspectivamente, o advogado tem o direito de escolher livremente os seus
clientes, com base na confiança que deve existir entre aquele e estes, não sendo o
escritório de advogado um estabelecimento comercial de contacto directo com o
público.
Ao aceitar um patrocínio, estão cumulativamente a desempenhar um papel
essencial na administração da justiça e na realização do interesse público (arts. 88º
e 90º).
O ADV deve manter uma relação pessoal com o cliente, tendo em vista garantir,
nomeadamente, os deveres deontológicos de informação, acompanhamento e
tratamento do caso com zelo e diligência, aconselhamento e harmonização do
conflito (art. 100º).
Mais vale um mau acordo do que uma boa demanda, diz o provérbio popular.
O Advogado deve aconselhar o cliente não só para facilitar como para procurar que
as partes se componham, aconselhando-lhe prudência e moderação, acalmando-
lhe os seus ódios e paixões.
É livremente revogável o mandato (arts. 1170º CC e 47º CPC), mas já não a
renúncia ao mesmo por parte do ADV, que só o poderá fazer com um motivo
justificado (art. 100º, nº 1, al. e).

Artigo 1170.º
(Revogabilidade do mandato)
1. O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante
convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
2. (…)
Ao passo que o ADV só pode renunciar ao mandato quando exista motivo
justificado (art. 100º, al. e) face ao interesse público da profissão.
O mandato forense é um contrato típico, com especificidades, como o limite à
publicidade, à discussão das questões pendentes, proibição da angariação de
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clientela, o regime de impedimentos e incompatibilidades, a proteção do segredo
profissional, regras sobre honorários, obrigatoriedade de inscrição na AO, deveres
para com a comunidade, etc.

Artigo 47.º CPC


Revogação e renúncia do mandato
1 – A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e
são notificadas tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.
2 – Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação,
sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente
notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número
seguinte.
3 – Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte,
depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20
dias:

a) Suspende-se a instância, se a falta for do autor ou do exequente;


b) O processo segue os seus termos, se a falta for do réu, do executado ou do
requerido, aproveitando-se os atos anteriormente praticados;
c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer
ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante.
4 – Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou o
requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos
termos do n.º 3 do artigo 51.º.
5 – O advogado nomeado nos termos do número anterior tem direito a exame do
processo, pelo prazo de 10 dias.
6 – Se o réu tiver deduzido reconvenção, esta fica sem efeito quando for dele a falta
a que se refere o n.º 3; sendo a falta do autor, segue só o pedido reconvencional,
decorridos que sejam 10 dias sobre a suspensão da ação.
É motivo justificado de renúncia ao mandato a salvaguarda dos deveres que
decorrem, nomeadamente, para com a integridade, independência e para com a
comunidade (arts. 88º, 89º e 90º) – cfr. hipótese de exame de 16-10-2020, bem
como a falta de pagamento de provisões a título de honorários e ou despesas).
No entanto, o ADV é livre de aceitar clientes, dado ser um profissional liberal e face
à sua independência.
O cliente pode pedir uma segunda opinião jurídica, mas tal pode ser motivo
justificativo para cessar o patrocínio, se o ADV não sabe, nem autorizou, podendo
ocorrer ainda por parte do ADV que emitiu a segunda opinião um acto de
deslealdade e de falta de solidariedade para com o primeiro.
Cfr. Carlos Mateus, Segunda Opinião Jurídica, in
https://www.oa.pt:6443/upl/%7Bb9dbbfd0-449a-4c4c-bc2e-dfdcec92d674%7D.pdf,
em que conclui:
“a segunda opinião jurídica é lícita desde que o primeiro advogado tenha esgotado
a sua intervenção na consulta que o cliente lhe solicitou, ou, se foi incumbido do

24
assunto, desde que o primeiro advogado o consinta, por desígnio próprio ou a
solicitação do cliente.
Se o cliente consultar outro causídico sem o consentimento expresso do advogado
constituído, pode entender-se como quebra da confiança e violação da convenção
jurídica estabelecida entre ambos, motivo de cessação justificada do patrocínio.
Sempre que aparecer um cliente a solicitar uma segunda opinião, o advogado deve
perguntar-lhe primeiro se a consulta se realiza com o consentimento expresso do
advogado constituído.
Na falta desse consentimento, deve o advogado abster-se de intervir, excepto se
aceitar tomar conta do assunto em substituição do anterior colega, caso em que
deve primeiramente cessar a relação jurídica constituída e lançar mão do disposto
no art. 107.º, n.º 2 do EOA.
O advogado que der uma segunda opinião consentida deve proceder com a maior
correcção e urbanidade, abstendo-se de qualquer ataque pessoal, alusão
deprimente ou crítica desprimorosa, de fundo ou de forma relativamente ao colega
titular do assunto – arts. 90.º, 106.º e 107.º, n.º1, a) do EOA. 1.”

Cfr. também hipóteses de exame de 18/12/2015 e 30-10-2020.

9. A Independência do Advogado
“A advocacia é a mais bela profissão do mundo.”
Voltaire

Certamente que quando o afirmou, no contexto histórico em que viveu,


Voltaire pensava na liberdade da profissão, o que correspondia ao valor do
indivíduo na Declaração dos Direitos do Homem de 1789, em liberdade, no sentido
de independência.
Numa carta dirigida ao marquês de Argenson em 1739, o mesmo Voltaire diz:
“O que me desgostou na profissão de advogado foi a profusão de coisas inúteis
com que quiseram carregar o meu cérebro. Vamos aos factos! — é a minha
divisa”. E, no Dicionário Filosófico, ele escreve: “Um advogado é um homem que,
não tendo fortuna bastante para comprar um destes brilhantes cargos sobre os
quais toda a gente tem os olhos, estuda durante três anos as leis de Teodósio e
Justiniano para conhecer o costume de Paris, e que enfim, estando inscrito, tem o
direito de pleitear por dinheiro, se tiver boa voz.”

Art. 89º:
O advogado deve agir de forma livre de qualquer pressão, designadamente do seu
cliente.

25
Quanto a este deve defender os legítimos interesses, mas sem prejuízo das normas
legais e deontológicas que regem a sua actividade profissional – art. 92º, nº 2 EOA.
Os advogados mais antigos costumam dizer que o principal adversário do ADV é o
cliente. Sem querer generalizar, é um facto que muitas vezes deparamos com
atitudes de ingratidão e de má índole da parte deles. Se o desfecho da sua causa
lhe fôr favorável, o ADV é elevado aos píncaros. Mas se tal não acontece, mesmo
por razões alheias à actuação do ADV, arriscamo-nos a ouvir que este foi
“comprado” pela parte contrária, ou agiu, em qualquer caso, contra os interesses
do cliente e por isso foi prejudicado.
Existem clientes que parecem fazer da litigância modo de vida, mesmo contra os
seus advogados. O Conselho de Deontologia de Lisboa tem situações em que uma
mesma pessoa apresenta compulsivamente participações contra vários
advogados, chegando a haver quem o fez 43 vezes (!) contra outros tantos
advogados.
O ADV confronta-se igualmente com a falta de pagamento dos seus honorários e
despesas por parte de alguns desses clientes.
O ADV deve obediência à lei (art. 90º) é um servidor da justiça, tendo deveres para
com a comunidade (exp. não aceitar patrocínios de causas que considere injustas
(art. 90º nº 2 a) e b) ou de não entorpecer a descoberta da a verdade, proibição da
quota litis (art. 106º), goza de autonomia técnica (art. 76º nº 1) e pode exercer o
direito de protesto (art. 80º).
A independência e a liberdade do ADV perante qualquer entidade pública ou
privada são essenciais para a defesa dos direitos humanos – art 81º, nº 1 –
liberdades e garantias dos cidadãos.
A liberdade de expressão e de actuação no exercício do patrocínio e do mandato
forense é um instrumento dessa mesma independência do advogado (art. 110º, nº
2 e 150º, nº 2 CPC e 326º CPP) e que decorrem das imunidades necessárias ao
exercício eficaz do mandato, constitucionalmente consagradas.
A actividade do ADV não pode reger-se por princípios de subordinação ou de
vinculação hierárquica nem por deveres de obediência, que possam coarctar a
liberdade e independência no momento de tomar decisões e na forma de actuar
(artigo 81º n.º 2). O exercício da advocacia será, então, incompatível com
actividades ou funções que possam coarctar a independência do Advogado.
A independência é diferente da imparcialidade – característica que não é do
advogado, pois defende a causa do cliente – mas o ADV deve exigir correcção por
parte do cliente, sendo isento (art. 97º, nº 2).
Deve ser independente perante o cliente, magistrados, colegas, etc., actuando
sempre segundo a sua consciência e os valores éticos da sociedade.
Daí resulta a confiança do cliente e da comunidade.
O Advogado não o é do cliente, mas dos interesses legítimos do cliente.

26
Veja-se também, como corolário do princípio da independência, o estatuído nos
arts. 66º, nº 3, 69º, 73º, 81º, nº 2 e 4, 100, nº 1, al. a), c) e d), pontos 2.1. e 1.2. do
CDAE e arts. 12º, nº 3 e 13º, nº 1 e 2 da LOSJ.
Cfr. as hipóteses de exame: 18-12-2015, 30-10-2020;09.06.2022

10. As Fontes da Deontologia Profissional


“Tudo evolui; não há realidades eternas: tal como não há verdades absolutas.”
Friedrich Nietzsche

Onde está corporizado esse acervo de normas que o interesse público e utilidade
social da profissão justificam?

1) Constituição da República Portuguesa (a partir da IV Revisão Constitucional)

Artigo 20º, nº 2: Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva


Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio
judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

Art. 208º: A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício


do mandato e regula o patrocínio forense como essencial à administração da justiça
(atente-se que a advocacia é a única profissão liberal a ter acolhimento na CRP).

https://www.ministeriopublico.pt/iframe/constituicao-da-republica-portuguesa
Acerca dos limites dessas imunidades, veja-se o Ac. do TRE de 22/02/2012, in:
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/55cf452f705839c
d80257de10056f76a?OpenDocument
2) Lei da Organização do Sistema Judiciário (L. 62/2013 de 26-08):

https://www.pgdlisbOA.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1974&tabela=leis
Art. 12º:
1 – O patrocínio forense por advogado constitui um elemento essencial na
administração da justiça e é admissível em qualquer processo, não podendo ser
impedido perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou
privada (no art. 88º EOA diz-se “indispensável”).

2 – Para defesa de direitos, interesses ou garantias individuais que lhes sejam


confiados, os advogados podem requerer a intervenção dos órgãos jurisdicionais

27
competentes, cabendo-lhes, sem prejuízo do disposto nas leis do processo, praticar
os atos próprios previstos na lei, nomeadamente exercer o mandato forense e a
consulta jurídica.
3 – No exercício da sua atividade, os advogados devem agir com total
independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-
se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias
da profissão.

Artigo 13.º
Imunidade do mandato conferido a advogados

1 – A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício dos atos


próprios de forma isenta, independente e responsável, regulando-os como
elemento indispensável à administração da justiça.

2 – Para garantir o exercício livre e independente de mandato que lhes seja


confiado, a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias a um
desempenho eficaz, designadamente:

a) O direito à proteção do segredo profissional;

b) O direito ao livre exercício do patrocínio e ao não sancionamento pela prática de


atos conformes ao estatuto da profissão;

c) O direito à especial proteção das comunicações com o cliente e à preservação


do sigilo da documentação relativa ao exercício da defesa;

d) O direito a regimes específicos de imposição de selos, arrolamentos e buscas


em escritórios de advogados, bem como de apreensão de documentos.

Artigo 14.º

Ordem dos Advogados


A Ordem dos Advogados é a associação pública representativa dos advogados,
que goza de independência relativamente aos órgãos do Estado e é livre e
autónoma nas suas regras, nos termos da lei.
Artigo 15.º
Solicitadores
1 – Os solicitadores participam na administração da justiça, exercendo o mandato
judicial nos casos e com as limitações previstos na lei.

2 – No exercício da sua atividade, os solicitadores devem agir com total


independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-

28
se apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias
da profissão.
3 – A lei assegura aos solicitadores as condições adequadas e necessárias ao
exercício independente do mandato que lhes seja confiado.

Artigo 16.º

Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução


A Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução é a associação pública
profissional representativa dos solicitadores e dos agentes de execução.

Artigo 17.º
Instalações para uso da Ordem dos Advogados e da Ordem dos Solicitadores e
dos Agentes de Execução

1 – A Ordem dos Advogados e a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de


Execução têm direito ao uso exclusivo de instalações nos edifícios dos tribunais
desde que estas lhes sejam reservadas, podendo, através de protocolo, ser
definida a repartição dos encargos em matéria de equipamentos e de custos com
a respetiva conservação e manutenção.

- ver art. 184º.

3) EOA (Lei 145/2016, alterada pela Lei nº 6/2024 de 19 de janeiro) – arts. 88º a
113º (a parte deontológica por excelência) e arts. 66º a 80º;
Contém, nomeadamente, princípios gerais, os deveres para com a comunidade, o
segredo profissional, a discussão publica de questões profissionais pendentes, a
publicidade, os deveres de urbanidade e lealdade para com os clientes, o tribunal
e os advogados.
O EOA assenta estruturalmente na relação do ADV com o cliente.

4) Regulamentos (publicados na 2ª série do DR):

(Ver índice de FSM – EOA Anotado e Comentado – sobre os diversos


regulamentos). Exemplos:
- Laudos de Honorários;
- Disciplinar;
- Nacional de Estágio;
- Geral das Especialidades;
- Dispensa de Segredo Profissional.

29
5) CDAE (consagra o princípio da dupla deontologia – ver. art. 207º EOA e 1.3 e
2.4 do CDAE):
Data de 28-10-1988, tendo sofrido alterações em 1998, 2002 e 2006.
Foi integrado na ordem jurídica nacional pela Deliberação nº 2511/2007 da OA.

Regula a actividade transfronteiriça – toda a relação profissional de um ADV de um


Estado-Membro com ADV de outros EM e a actividade profissional de um ADV num
EM, mesmo que o ADV aí não se desloque.
A integração europeia e a actividade transfronteiriça do ADV no espaço europeu,
bem como a defesa do interesse publico, tornam necessária a uniformização das
regras aplicáveis a todos os ADV nessa actividade transfronteiriça, qualquer que
seja a Ordem dos ADV a que pertençam.
Repare-se que a EU agrega actualmente 27 Estados Membros, todos com
regulamentação própria sobre a organização representativa da profissão dos ADV
e o exercício da advocacia – arts. 203º e segs. EOA.
O ADV está obrigado a estar inscrito na OA (arts. 66º e 88º, nº 1 EOA).
As atribuições e competências da OA são extensivas aos ADV e AE nela inscritos
no exercício da respectiva profissão fora do território português (art. 2º, nº 2 EOA).
Em caso de conflito dos códigos deontológicos do país de origem e do país de
acolhimento, vigora a regra estabelecida no art. 1.3 – 2 do CDAE que refere que
“Após a adopção das regras do presente Código como vinculativas na actividade
transfronteiriça, o advogado continuará sujeito à observância das regras da Ordem
de advogados a que pertence, na medida em que estas sejam conformes com as
do presente Código.

6) Lei de acesso ao Direito e aos tribunais n.º 34/2004, de 29-07 ((normas que
impedem o A de aceitar o mandato formal do assistido, por excepção ao princípio
consagrado no art. 98º, nº 1 EOA) alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28-08:
https://www.pgdlisbOA.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=80&tabela=leis
&so_miolo=
Decorre do disposto no citado art. 20º CRP.
Artigo 3.º
[...]
2 – O Estado garante uma adequada compensação aos profissionais forenses
que participem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais.
3 – É vedado aos profissionais forenses que prestem serviços no âmbito do
acesso ao direito em qualquer das suas modalidades auferir, com base neles,
remuneração diversa da que tiverem direito nos termos da presente lei e da
portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º
Artigo 42º:

30
1 - O advogado nomeado defensor pode pedir dispensa de patrocínio, invocando
fundamento que considere justo, em requerimento dirigido à Ordem dos
Advogados.
2 - A Ordem dos Advogados aprecia e delibera sobre o pedido de dispensa de
patrocínio no prazo de cinco dias.
3 - Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se
para os actos subsequentes do processo.
4 - Pode, em caso de urgência, ser nomeado outro defensor ao arguido, nos termos
da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º
Artigo 43.º:
[...]
2 – O defensor nomeado não pode, no mesmo processo, aceitar mandato do
mesmo arguido.

Em novembro de 20221 foi divulgado que o Estado paga em média 389 euros aos
advogados oficiosos.
O valor encontra-se ligeiramente abaixo da média europeia, de acordo com o
Relatório da Justiça 2015-2020.
O número de apoios judiciários por 100.000 habitantes é de 1503.
Neste momento, os advogados nomeados são pagos por uma tabela que remonta
a 2004 e que nunca foi actualizada.
https://jornaleconomico.pt/noticias/estado-portugues-paga-em-media-389-euros-
aos-advogados-oficiosos-810892

Cfr. hipótese de exame de 11.12.2023.

7) Os usos, costumes e tradições – decorrem de uma longa praxe forense:


- art. 104º;
- art. 105º nº 3 (fixação de honorários);
(posses dos clientes, qualidade do ADV da parte contrária, o não ser um cliente
habitual, trabalhar em férias – critérios que, contudo, não são os mais importantes,
ao contrário do tempo gasto e da dificuldade do assunto).
- art. 88º;
- Relações entre advogados:
AA., nota 3, pag. 130;
FSM, nota 17 do art. 112º.

31
(por exp. as reuniões entre advogados devem realizar-se no escritório do mais
antigo inscrito na OA).

8) Lei dos Actos próprios dos Advogados (Lei 10/2024 de 19 de janeiro que
revogou a Lei nº 49/2004 de 24-08): ver ponto 18; e os arts. 66º a 69º EOA.

9) Regime Jurídico das Sociedades de Advogados – arts. 212º-A;

10) Art. 326º CPP (que deve ser articulado com o art. 110º, nº 1 EOA):
Conduta dos advogados e defensores

Se os advogados ou defensores, nas suas alegações ou requerimentos:


a) Se afastarem do respeito devido ao tribunal;
b) Procurarem, manifesta e abusivamente, protelar ou embaraçar o decurso normal
dos trabalhos;
c) Usarem de expressões injuriosas ou difamatórias ou desnecessariamente
violentas ou agressivas; ou
d) Fizerem, ou incitarem a que sejam feitos, comentários ou explanações sobre
assuntos alheios ao processo e que de modo algum sirvam para esclarecê-lo;
são advertidos com urbanidade pelo presidente do tribunal; e se, depois de
advertidos, continuarem, pode aquele retirar-lhes a palavra, sendo aplicável neste
caso o disposto na lei do processo civil.

- art. 66º. Nº 1, al. f) CPP.

11) Art. 150º CPC (que deve ser articulado com o art. 110º, nº 1 EOA):

Actos dos magistrados

Manutenção da ordem nos actos processuais


- A manutenção da ordem nos atos processuais compete ao magistrado que a eles
presida, o qual toma as providências necessárias contra quem perturbar a sua
realização, podendo, nomeadamente, e consoante a gravidade da infração, advertir
com urbanidade o infrator, retirar-lhe a palavra quando se afaste do respeito devido
ao tribunal ou às instituições vigentes, condená-lo em multa ou fazê-lo sair do local,
sem prejuízo do procedimento criminal ou disciplinar que no caso couber.

2 – Não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações indispensáveis à


defesa da causa.
3 – O magistrado faz consignar em ata, de forma especificada, os atos que
determinaram a providência.

4 – Sempre que seja retirada a palavra a advogado, a advogado estagiário ou ao


magistrado do Ministério Público, é, consoante os casos, dado conhecimento

32
circunstanciado do facto à Ordem dos Advogados, para efeitos disciplinares, ou ao
respetivo superior hierárquico.

5 – Das decisões referidas no n.º 1, salvo a de advertência, cabe recurso, com


efeito suspensivo da decisão.
6 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, o recurso da decisão que retire
a palavra a mandatário judicial ou lhe ordene a saída do local onde o ato se realiza
tem também efeito suspensivo do processo e deve ser processado como urgente.

7 – Para a manutenção da ordem nos atos processuais, pode o tribunal requisitar,


sempre que necessário, o auxílio da força pública, a qual fica submetida, para o
efeito, ao poder de direção do juiz que presidir ao acto.

12) Arts. 7º, 8º 9º, 417º, 542º e 545º do CPC.


13) Lei nº 12/2023, de 28-03 (Lei das Associações Públicas Profissionais).
Alterou a Lei 2/2013 de 10-01 (cfr. nomeadamente os arts. 5º, nº 3 e 27º quanto às
sociedades multidisciplinares) o nº 2, al. a) do art. 8º no que toca à redução do
estágio profissional para 12 meses e a Lei nº 53/2015.

14) Lei n.º 53/2015, de 11-06, que estabelece o regime jurídico da constituição
e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a
associações públicas profissionais (LSP).

15) Lei n.º 64/2023 de 20-11 que veio alterar a referida LSP.

Destacam-se os seguintes artigos:

Artigo 52.º-A
Constituição de sociedades multidisciplinares de profissionais
Podem ser constituídas sociedades multidisciplinares de profissionais para exercí-
cio de profissões organizadas em associações públicas profissionais, juntamente
com outras profissões organizadas ou não em associações públicas profissionais,
quando, cumulativamente:
a) Garantam, estatutária e funcionalmente, o cumprimento dos regimes de incom-
patibilidades e impedimentos aplicáveis;
b) Garantam procedimentos e mecanismos destinados a identificar, evitar, gerir,
acompanhar e divulgar a ocorrência de conflitos de interesses, designadamente
entre os interesses dos seus clientes e os interesses dos seus sócios, titulares dos
órgãos da sociedade, trabalhadores e prestadores de serviços;
c) Os responsáveis pela orientação e execução de funções de interesse público
sejam profissionais qualificados;

33
d) Garantam a independência técnica, a proteção de informação de clientes e a
observância, incluindo pelos sócios, dos deveres deontológicos aplicáveis a cada
atividade profissional desenvolvida e em conformidade com a lei;
e) Disponham de um sistema interno de salvaguarda do sigilo profissional;
f) Garantam uma função permanente de controlo de risco com competência para
implementar a política e os procedimentos de gestão de riscos de incompatibilida-
des, impedimentos, conflitos de interesses, a independência técnica e a proteção
de informação de clientes e de salvaguarda do sigilo profissional.

Artigo 52.º-E
Deveres
1 - Todos aqueles que exerçam funções na sociedade multidisciplinar de profissio-
nais encontram-se vinculados a deveres de lealdade, de confidencialidade, de sigilo
profissional e de prevenção de conflitos de interesses, bem como aos deveres de-
ontológicos que correspondam ao exercício de cada profissão organizada em as-
sociação pública cuja atividade integre o objeto da respetiva sociedade, e sujeitos
à jurisdição e regime disciplinares da respetiva associação pública profissional.
2 - O disposto no número anterior não obsta à partilha, entre aqueles, das informa-
ções necessárias à organização do trabalho e à realização de atos profissionais no
interesse dos clientes.

11. A Advocacia e as demais profissões liberais

A matriz fundamental, o paradigma da profissão é a independência e a autonomia


técnica do ADV
O objecto é o resultado e não a actividade manual ou intelectual “o facere”.
O ADV escolhe como executar o serviço. Desta forma, o cliente não pode dizer-lhe
como deve prestá-lo, mas pode dizer-lhe o que ele quer e supervisionar o decurso
do trabalho e expressar suas preferências em relação ao resultado.

Mas o ADV não precisa alcançar um resultado específico, pois a natureza do seu
serviço limita-se à necessidade de usar todos os meios razoáveis ao seu alcance
para fornecer o serviço.

A sua obrigação não é a de um resultado específico, mas de meios.

Por exemplo, um advogado que representa um cliente num determinado caso, deve
tomar todos os meios razoáveis para o ganhar, mas não tem que garantir que
vença.

34
Face ao grau de grande qualificação técnica e à complexidade da função, a
prestação de serviços é organizada pelo prestador, em escritório individual ou
partilhado, o que difere do regime de contrato de trabalho.
A advocacia é uma actividade intelectual exercida com independência, baseada na
relação de confiança profissional e pessoal com o cliente, em que há liberdade de
escolha por parte deste e está sujeita a deveres específicos mediante
regulamentação de acesso por uma associação públicADV Nisso reside a essência
da actividade liberal do advogado.
Elementos exclusivos da profissão forense:
- lealdade processual, porque pressupõe a existência de partes - arts. 108º, 112º
d) para com os juízes, clientes, colegas, árbitros, peritos, solicitadores e 3ºs)
cumprir as obrigações legais, não sendo falso, actuar com honra, decência e
verdade, não omitir informações.
E normas costumeiras (ver anotação A. Arnaut, nota 3, pág. 130).
O ADV cumpre os seus compromissos, é recto, com honra e decência, não deve
ser falso, nem omitir informações e mesmo com a inscrição suspensa, em que
continua sujeito à jurisdição disciplinar - art. 114º nº 3 EOA (ver anotação ao
respectivo artigo in A. Arnaut, ob.cit.).
- dever de urbanidade – art. 95º;
- dever de probidade – art. 88º;
- consciência moral – actuar na prática de acordo com a consciência.
Compete-lhe de forma exclusiva, com as excepções previstas na lei, o patrocínio
das partes (art. 66º, nº 3). Daí decorre a obrigação de constituição de mandatário
na maioria dos processos judiciais, em que o mandante não pode praticar os actos
(só o mandatário), ao contrário do contrato tipo do mandato. Mas goza de
autonomia técnica não tem que actuar necessariamente segundo as instruções do
mandante (art. 110º, nº 1 EOA e 1161º CC). É independente.

Artigo 1161.º - (Obrigações do mandatário)

O mandatário é obrigado:
a) A praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do
mandante;

b) A prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão;


c) A comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não
tiver executado, a razão por que assim procedeu;

d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir;

e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício


deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.

35
O ADV pela actuação dialéctica que dá ao contraditório, participa na decisão
judicial, é um impulsionador do processo e um fiscal da lei e da sua defesa
(mediante a reclamação e o recurso).
O interesse público assim o justifica.
Por isso a OA é uma associação de direito público e o advogado está obrigado a
estar inscrito nela: arts. 66º, 88º, nº 1 e 2 EOA e 14º LOSJ, ver pág. 8.
Excepções:
➢ ADV Honorário (art. 70º, nº 2 EOA);
➢ Magistrados, em causa própria, do cônjuge ou descendentes – decorre de
normas dos próprios estatutos profissionais.

12. O Trajo Profissional

A “alma da toga” expressa bens jurídicos, éticos e sociais que, desde que
assumidos com honra, fazem falta à nossa vida quotidiana e à nossa relação com
os outros; o da toga do advogado, como a que ou está incita – ou deveria estar –
em todos aqueles que têm o dever de cultivar a justa autoridade democrática. Sabe-
se quanto, hoje, estão desvalorizados, entre nós, os símbolos que foram outrora,
os faróis das civilizações mais civilizadas.
António Vilar

Referência legal: art. 74º.

Decálogo VIII de António Arnaut:

“Lembra-te que a toga não é um privilégio, é uma responsabilidade, porque te impõe


o rigoroso cumprimento dos deveres deontológicos, despe-a se não te sentires
advogado.”

A Beca para os magistrados, a capa para os oficiais de justiça e a toga preta para
os advogados e solicitadores são obrigatórias nas salas de audiências de
julgamento e outras diligências, formais (“em que os advogados pleiteiem
oralmente”) ou cerimoniais.
Cumprem, pela paramentação, protocolo e liturgia a que estão associadas, uma
função simbólica e cerimonialística, sendo uma imagem de marca da identidade
judiciária.
A razão da sua existência prende-se com o princípio da igualdade, uma vez que
todos os intérpretes, perante a justiça, têm os mesmos direitos, independentemente
da sua condição económica ou profissional e por isso se vestem de forma idêntica
para esses actos.
Essas vestes conferem, perante o cidadão comum, uma imagem de dignidade,
solenidade e respeitabilidade, aos actos praticados e seus intervenientes.
A toga surge no século XIX, após as revoluções liberais, quando a profissão ganha
independência e estatuto próprio, com a “Novíssima Reforma Judiciária de 1841”,
artigos 8º, 10º, 31º, 33º, 58º, 75º, 88º e 112º, Portaria do Ministério da Justiça, de
11 de fevereiro de 1843.

36
É um bem cultural, portador de carga afectiva para um advogado que se preze.
Procedimentos hoje em desuso e não já obrigatórios, como os advogados falarem
em juízo, usando a expressão “com a devida vénia” ao juiz (que significa que o
advogado fazia uma ligeira mesura de cabeça ao juiz e de seguida lhe pedia a
palavra) e alegarem de pé, correspondiam a uma solenização e protocolo dos actos
judiciais, segundo a tradição tribunícia das alegações romanas, que emprestavam
aos advogados do período clássico a exibição de dotes oratórios e em que os juízes
conduzem os actos.
Foi em setembro de 1926, através do Decreto 12:334, que se instituiu a
obrigatoriedade de uso da toga.
O Advogado tem direito a tribuna própria na sala de audiências e o Estatuto
Judiciário de 1944 veio conferir-lhe o direito de alegar sentado (actual art. 72º).
\
A expressão “alma da toga” relaciona-se, assim, com a missão de interesse
público e a função social que a profissão, na sua globalidade, prossegue.

Nos Julgados de Paz primam a simplicidade, adequação, informalidade, oralidade


e absoluta economia processual, bem como a mediação e conciliação, que se
manifestam, nomeadamente, na falta de forma processual dos processos que
correm os seus termos nos Julgados de Paz, considerando Cardona Ferreira que
“o que deve prevalecer é o conteúdo dos actos e a sua razão de ser e não a sua
forma.
Deste princípio, a que se associa a obrigatoriedade das partes terem de estar
presentes, resulta ainda a não utilização de becas, pelos juízes de paz, ou togas,
pelos advogados, durante as audiências de julgamento, tal como a disposição do
mobiliário da sala de audiências visando garantir uma maior proximidade entre
partes, possíveis representantes e juiz de paz. Todos estes princípios permitem
cumprir o objectivo de criar uma justiça de proximidade nos Julgados de Paz, com
vista a uma justa composição do litígio ao serviço e por acordo dos cidadãos (cfr.
“Mediação e Conciliação nos Julgados de Paz”, Ana Laura Faustino Miranda, pág.
16).
O Regulamento do Trajo e Insígnia Profissional, Regulamento n.º 31/ 2006, foi
publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 81 de 26 de Abril de 2006

Regulamento n.º 31/ 2006. – O Conselho Geral da Ordem dos Advogados em


sessão plenária de 17 de fevereiro de 2006, deliberou, ao abrigo do disposto na
alínea g) do n.º 1, do artigo 45.º e do artigo 69.º, ambos do Estatuto da Ordem dos
Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, aprovar o seguinte
Regulamento:

REGULAMENTO DO TRAJO E INSÍGNIA PROFISSIONAL nº 31/2006

Artigo 1.º
Trajo profissional
O trajo profissional do advogado e do advogado estagiário compõe-se da toga e do
barrete.
Artigo 2.º
Toga

37
A toga, de cor preta, terá a forma do modelo publicado em anexo, que é parte
integrante do presente Regulamento.

Artigo 3.º
Barrete
O barrete é também preto, de formato octogonal, com 11 centímetros de altura e
uma cercadura de veludo, de 3 centímetros, sobreposta de outra de cetim
carmesim, de 1 centímetro, ambas na base da copa, tudo conforme o modelo
publicado em anexo.

Artigo 4.º
Uso do trajo
É obrigatório para o advogado e para o advogado estagiário, quando pleiteiem
oralmente, o uso da toga, e facultativo, o do barrete.
Artigo 5.º
Dever de zelo
É dever do advogado e do advogado estagiário, sob pena de procedimento
disciplinar, zelar pela completa compostura e asseio do trajo profissional.

Artigo 6.º
Insígnia
1 – A insígnia é constituída pela medalha da Ordem dos Advogados em que se
destaca:
a) A conhecida representação gráfica das tábuas da lei, de esmalte branco com
letras douradas, sobre a cruz de Cristo – símbolo do sacrifício – de esmalte
encarnado e branco, a significar o dever de obediência aos princípios da moral e
da lei;
b) Os dizeres de «Ordem dos Advogados Portugueses», «Bastonário»,
«Presidente do Conselho Superior», «Presidente do Conselho Distrital», «Conselho
Superior», «Conselho Geral», «Presidente do Conselho de Deontologia»,
«Conselho Distrital», «Conselho de Deontologia» e «Delegação», conforme a
categoria dos membros da Ordem, com relação a estes cargos.
2 – A medalha será de esmalte encarnado com dizeres dourados, em campo
dourado, para o Bastonário, o Presidente do Conselho Superior, os membros do
Conselho Superior, os membros do Conselho Geral e para os presidentes dos
conselhos distritais; em campo prateado, para os presidentes dos conselhos de
deontologia, os membros dos conselhos distritais e os membros dos conselhos de
deontologia; e em campo de cobre polido para os restantes membros da Ordem.
3 – Para suspender a medalha usará o Bastonário, sobre o peito, um colar dourado,
formado daquelas tábuas da lei, de esmalte branco com letras douradas; e os
restantes membros da Ordem, uma fita vermelha de 6 centímetros de largura.

Artigo 7.º
Uso da insígnia
É facultativo o uso da insígnia.

Artigo 8.º
Uso da medalha
O advogado poderá usar a medalha correspondente ao cargo mais elevado que
tenha desempenhado na Ordem.(…)

38
Para um conhecimento aprofundado da história dos trajes judiciários, ver
http://www.trl.mj.pt/PDF/Trajes.pdf

13. Santo Ivo: padroeiro dos Advogados

Nascido no seio de uma família da pequena nobreza rural e cristã a 17 de outubro


de 1253, na Bretanha, França, recebeu o nome de Yves Helouri de Kermatin. Aos
14 anos foi enviado para a Universidade de Paris (Sorbonne), onde estudou Artes
Liberais e Teologia e onde, entre outros, teve como professor S. Tomás de
Aquino. Mais tarde, foi para Orleães, onde se especializou em Direito Civil e Direito
Canónico, voltando posteriormente para a sua terra natal. Foi juiz, padre
franciscano e advogado, o que era possível naqueles tempos.

Após ter concluído os seus estudos em Direito, assumiu funções como magistrado
eclesiástico, lutando pelas causas da verdade e da equidade, com fidelidade à
oração e ao trabalho. Foi Juiz Episcopal na cidade de Rennes, capital do Ducado
da Bretanha, e depois em Tréguier, perto da sua terra natal. Cabia-lhe julgar todo
o tipo de litígios, processos matrimoniais, contratos e heranças (excepto processos
crime).

Paralelamente à sua acção como magistrado, Yves pôs a sua sabedoria e riqueza
ao serviço dos numerosos pobres, inaugurando verdadeiramente um serviço de
assistência judiciária e assim se transformando também em advogado dos fracos,
dos miseráveis, dos órfãos e das viúvas, a quem passou a defender nos tribunais
seculares da Bretanha e até no Parlamento em Paris e suportando do seu próprio
bolso as causas daqueles.

Pregando, orientando, consolando, escutando, reconciliando, decidindo,


distribuindo o seu dinheiro aos pobres, atendendo os doentes, edificando uma casa
para abrigar os abandonados, levando à sepultura os mortos, Yves granjeava uma
cada vez maior admiração entre os seus contemporâneos. À sua clientela ensinou
ainda os rudimentos da religião e a ler e a escrever.

Viveu de forma humilde, apesar da sua condição social, profissional e económica


abastada.

A sua imagem é representada com uma bolsa na mão direita por todo o dinheiro
que ofertou aos pobres, e um papel enrolado na outra, por causa de seu ofício de
advogado e magistrado. Outra representação do Santo é entre um homem rico e
um pobre.

Umas de suas grandes frases era:

“Jura-me que sua causa é justa e eu a defenderei gratuitamente.”

Foi canonizado pelo Papa Clemente VI em 1347, quarenta e quatro anos após a
sua morte, ocorrida em 19 de maio de 1303, com 50 anos de idade, e o seu culto

39
alastrou-se rapidamente da Bretanha a toda a Europa. Sepultado na Catedral de
Tréguier e declarado santo patrono da Bretanha, era já no Século XVI
particularmente venerado na França, na Alemanha e em Portugal.

Em maio de 2003, o Papa João Paulo II, proferiu uma mensagem no VII centenário
do nascimento de Santo Ivo. Dessa mensagem, retira-se que os valores propostos
por Santo Ivo conservam uma actualidade surpreendente: a Europa dos direitos
humanos deve prevalecer no fundamento das leis positivas.

O dia 19 de maio, data da sua morte, ficou para sempre assinalado em muitos
países como o Dia do Advogado, sendo comemorado com a realização de diversas
cerimónias oficiais, por ser um bom exemplo e um modelo a seguir para todos os
que procuram honrar a nobre profissão de advogado.

A 19 de maio de 1992, sendo Bastonária Maria e Jesus Serra Lopes, comemorou-


se, pela primeira vez, o Dia do Advogado, Dia de Santo Ivo, com a presença do
Presidente da República, Dr. Mário Soares, que, na ocasião, distinguiu a Ordem
dos Advogados com o título de Membro Honorário da Ordem da Liberdade.
Reza a lenda que um pobre, não possuindo dinheiro para comprar comida,
aproximava-se diariamente, na hora do almoço, da janela da cozinha de um
restaurante e, com o saboroso odor inalado, dava-se por satisfeito. Uma ocasião, o
dono do restaurante o interpelou sobre o seu repetido e suspeito comportamento
e, ouvindo a cândida explanação do miserável, exigiu dele pagamento como se ele
tivesse de fato comido uma refeição. Santo Ivo assumiu a defesa do pobre e, no
Tribunal, fez soar aos ouvidos do acusador as moedas que exigia, dizendo-lhe:
“Considera-te pago com o som dessas moedas”.

Na sua pedra tumular está escrito: “Santo Ivo era bretão; era advogado mas não
ladrão; coisa admirável para o povo”.

Daí que se entenda que o instituto do apoio judiciário e do acesso ao direito é uma
consagração decorrente dos ensinamentos de Santo Ivo no que se refere à
necessidade de protecção económica e de assistência jurídica dos pobres.

14. Enquadramento institucional da Advocacia

A OA não é um sindicato.
É uma pessoa colectiva de direito público sob a forma de associação pública de
entidades privadas (advogados e sociedades de advogados) e pertence à
administração autónoma do Estado (administração mediata ou indirecta) que confia
nos próprios interessados a regulação da actividade, o seu acesso e o seu
exercício.

40
Enquanto associação pública profissional, tem um estatuto constitucional, pelo que
é de exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização
do Governo, conforme os artigos 165.º n.º 1 alínea s) e 267.º n.º 3 da CRP.
O governo não tem poder de orientação. Apenas tutela a legalidade das decisões
dos seus órgãos e actos administrativos praticados no exercício dos poderes
públicos (ver art. 14º da LOSJ).
Recurso hierárquico (art. 6º). O Contencioso é através dos tribunais administrativos,
nos termos gerais de direito.
Não há recurso jurisdicional para os Tribunais Administrativos dos actos que
tenham por objecto a dispensa do segredo profissional (mas cabe recurso para o
Bastonário), pois isso seria permitir a devassa do segredo que se quer guardar,
dada a natureza pública do processo judicial; e do laudo sobre os honorários, que
é um parecer ou juízo técnico, opinativo, de discricionariedade técnica, elaborado
por um órgão colegial de natureza consultiva, logo não sindicável pelos tribunais.
Não é um acto definitivo e executório passível de recurso contencioso.
Atento o interesse público da profissão, todas as entidades públicas, autoridades
judiciárias e policiais devem colaboração à OA (art. 8º).

Arts. 121º, 184º, 116º CPP e 150º, nº 4 CPC – decorrem do interesse público da
profissão.

O Tribunal deve comunicar à OA o exercício irregular da profissão e a prática de


quaisquer atos que sejam passiveis de responsabilidade disciplinar, e isto, por-
quanto, a Ordem dos Advogados seja, nos termos do disposto no artigo 3º, alínea
g) e 114º, nº 1, ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados, seja a única que pode
exercer o poder disciplinar sobre os advogados.

15. Tipos de Advocacia

a) Colegial – Sistema que remonta ao Direito Romano e que predomina


largamente na Europa Ocidental, África, Ásia e América do Sul.
Foi o imperador Justiniano quem criou o primeiro Colégio e obrigou à inscrição dos
profissionais do foro.
Consiste no agrupamento obrigatório dos ADV num ou mais organismos
profissionais, os quais chamam a si, com relativa autonomia e independência, a
disciplina jurídica da profissão.
É a AO quem concede, em exclusivo, o título profissional de advogado.
Em Portugal o legislador optou por este sistema Chamou ao diploma EOA e não
Estatuto dos Advogados Portugueses.
O Estatuto jurídico começa precisamente pelo enquadramento administrativo e
orgânico da OA (arts. 1º a 65º).

b) Livre – (EUA, Suíça, Finlândia e Noruega).

41
A colegialidade é facultativa e o conteúdo do exercício da profissão – desde a
inscrição dos ADV até à competência disciplinar sobre eles – acha-se confiado aos
juízes.
Sacrifica-se o principio da independência (autonomia na disciplina do exercício da
profissão) e prevalece a liberdade de associação.

c) Do Estado – (antigas repúblicas soviéticas, Coreia do Norte, Vietname e


China).

Sistema inaugurado na Prússia, em 1781, Com Frederico, “O Grande”.


É obrigatoriamente colegial, mas está na dependência do governo (Ministério da
Justiça, em particular), numa relação hierárquica típica do funcionalismo público.
Predomina o interesse público da profissão.

16. A OA como Associação Pública Profissional

Breve história
A Ordem dos Advogados, criada pelo Decreto n.º 11 715, de 12 de Junho de 1926,
remonta à primeira metade do séc. XIX, tendo origem na Associação dos
Advogados de Lisboa, cujos Estatutos foram aprovados em 1838.
Após vários projectos não concretizados, deve-se ao Ministro da Justiça, Prof.
Doutor Manuel Rodrigues, o impulso decisivo que conduziu à criação da Ordem
dos Advogados Portugueses.
O Ministro da Justiça encarregou a organização da Ordem ao Presidente da
Associação dos Advogados de Lisboa, Dr. Vicente Rodrigues Monteiro, que viria a
ser o seu primeiro Bastonário, no triénio de 1927-1929.
O Decreto n.º 13.809, de 22 de junho de 1927, que aprovou o Estatuto Judiciário,
no art. 42.º das suas disposições transitórias integrou no âmbito deste o regime
legal estatutário da Ordem dos Advogados Portugueses com assento no seu
CAPÍTULO II – Da Ordem dos Advogados (arts. 704º a 781.º).

A Ordem dos Advogados, inicialmente instalada na sede da Associação dos


Advogados de Lisboa, na Rua da Emenda, arrendou, em 1936, à Companhia dos
Tabacos de Portugal, o 1.º andar do Palácio Regaleira, edifício setecentista, sito no
Largo de S. Domingos, em Lisboa. Três anos mais tarde, a 24 de maio de 1939, aí
seria inaugurada, em cerimónia solene, a nova Casa dos Advogados Portugueses,
com a presença do Chefe de Estado, General Carmona.
Em 1931, teve início a publicação do Boletim da Ordem dos Advogados; em 1932
foi aberta a Biblioteca, que viria a tornar-se numa das primeiras bibliotecas jurídicas
portuguesas; em 1939, foi criado o Instituto da Conferência e atribuído, pela
primeira vez, o título de Advogado Honorário; em 1941, começou a publicar-se a
Revista da Ordem dos Advogados; em 1947, foi criada a Caixa de Previdência da

42
Ordem dos Advogados que, em 1960, passou a integrar também os Solicitadores,
designando-se, desde 1978, Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
Na comemoração do XXV aniversário da fundação, em 1951, a Ordem dos
Advogados foi condecorada, em sessão solene presidida pelo Presidente da
República, com o Grande Oficialato da Ordem de São Tiago de Espada.
Por deliberação do Conselho Geral, de 10 de Novembro de 1989, foi instituída a
Medalha de Ouro da Ordem dos Advogados, e atribuída aos Presidentes da
República Dr. Mário Soares e Dr. Jorge Sampaio; aos Bastonários Prof. Doutor
Adelino da Palma Carlos e Dr. Angelo d’Almeida Ribeiro, aos advogados Dr.
Salgado Zenha, Dr. Francisco Sá Carneiro, Dr. Roberto António Busato, ao Dr.
Cezar Britto, aos Profs. Doutores Jorge de Figueiredo Dias, Germano Marques da
Silva, Jorge Miranda, J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, ao Tribunal
Constitucional e às Dras. Leonor Beleza e Isabel Moreira.
A 19 de Maio de 1992 comemorou-se, pela primeira vez, o Dia do Advogado, Dia
de Santo Ivo, com a presença do Presidente da República que, na ocasião,
distinguiu a Ordem dos Advogados com o título de Membro Honorário da Ordem
da Liberdade.
Por deliberação do Conselho Geral, de 16 de Abril de 2004, foi criada a Medalha
de Honra da Ordem dos Advogados, atribuída pela primeira vez ao Presidente
do Conseil des Barreaux de l’Union Européenne, Hans Jurgen Hellwig.
O Estatuto da Ordem dos Advogados regulamenta os mais importantes aspectos
relacionados com a organização e funcionamento da Instituição representativa dos
Licenciados em Direito que exercem a Advocacia e estabelece o quadro
deontológico do exercício da actividade.
A existência de um código deontológico constitui uma garantia para a sociedade,
uma vez que comporta em si mesmo o mecanismo adequado para o fazer cumprir
e respeitar por parte dos seus membros.
O Estatuto actualmente em vigor foi aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de
setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 6/2024 de 19 de janeiro.
A Ordem dos Advogados é uma associação pública independente dos órgãos do
Estado, sendo livre e autónoma nas suas regras – art. 14º da LOSJ.
In https://portal.OA.pt/cidadaos/o-que-e-a-ordem/resumo-historico/

A OA tem como atribuição primeira defender o Estado de Direito, defender os


direitos, liberdades e garantias dos cidadãos/ãs e colaborar na boa administração
da justiça.
Para além disso, a OA tem também como atribuições zelar pela dignidade e
prestígio da profissão de advogado, garantir o respeito pelos valores e princípios
deontológicos, representar a profissão de advogado e defender os interesses,
direitos, prerrogativas e imunidades dos seus membros, promover o acesso ao
conhecimento e aplicação do direito, e contribuir para o desenvolvimento da cultura
jurídica e aperfeiçoamento da elaboração do Direito.

43
“A função das ordens profissionais
As Ordens Profissionais são associações profissionais de direito público e de
reconhecida autonomia pela Constituição da República Portuguesa, criadas com o
objetivo de promover a autorregulação e a descentralização administrativa, com
respeito pelos princípios da harmonização e da transparência.

As Ordens Profissionais são criadas com vista à defesa e à salvaguarda do


interesse público e dos direitos fundamentais dos cidadãos e, por outro lado, a
autorregulação de profissões cujo exercício exige independência técnica.

Apenas podem ser constituídas para a satisfação de necessidades específicas,


estando expressamente afastado o exercício de funções próprias das associações
sindicais.

Adicionalmente, constituindo expressão da administração autónoma do Estado,


estão dotadas de uma organização interna baseada no respeito dos direitos dos
seus membros e na formação democrática dos seus Órgãos.

Através do recente diploma aprovado pela Lei nº 2/2013, de 10 de janeiro, o


legislador instituiu o regime jurídico geral aplicável a todas as associações públicas
profissionais, considerando os fundamentos constitucionais das Ordens.

Este regime veio estabelecer um quadro legal harmonizador que define os aspetos
relacionados com a criação de novas associações profissionais e que estabelece
as regras gerais de organização e funcionamento de todas as associações públicas
profissionais, respeitando os direitos fundamentais constitucionalmente
consagrados.

Estas instituições visam melhorar o funcionamento do setor das profissões


regulamentadas, especificamente, no que diz respeito ao reconhecimento das
qualificações profissionais, à eliminação das restrições ao uso de comunicação
comercial (publicidade) e à eliminação dos requisitos ao acesso e exercício de
profissões regulamentadas que não se mostrem justificados ou proporcionais.

São atualmente Autoridades Competentes em cada setor, que visam facilitar o


exercício das liberdades fundamentais de estabelecimento e livre prestação de
serviços, garantindo simultaneamente aos consumidores e aos beneficiários dos
serviços abrangidos uma maior transparência e informação, proporcionando-lhes
uma oferta mais ampla, diversificada e de qualidade superior.

As associações profissionais são entidades de direito público e representam


profissões que por imperativo de tutela do interesse público prosseguido, justificam
o controlo do respetivo acesso e exercício, a elaboração de normas técnicas e de
princípios e regras deontológicos específicos e um regime disciplinar autónomo.”

In https://www.cnop.pt/sobre/funcoes/

44
Em suma, as APP são cridas em respeito aos princípios constitucionais da
necessidade e da proporcionalidade, devem representar e defender a profissão,
apostar na formação e informação dos seus associados, regular o acesso, o
exercício e a disciplina da profissão.

Ordens profissionais existentes em Portugal (20):

▪ Ordem dos Advogados (a mais antiga)


▪ Ordem dos Arquitectos
▪ Ordem dos Biólogos
▪ Ordem dos Contabilistas Certificados
▪ Ordem dos Despachantes Oficiais
▪ Ordem dos Economistas
▪ Ordem dos Enfermeiros
▪ Ordem dos Engenheiros
▪ Ordem dos Engenheiros Técnicos
▪ Ordem dos Farmacêuticos
▪ Ordem dos Médicos
▪ Ordem dos Médicos Dentistas
▪ Ordem dos Médicos Veterinários
▪ Ordem dos Notários
▪ Ordem dos Nutricionistas
▪ Ordem dos Psicólogos
▪ Ordem dos Revisores Oficiais de Contas
▪ Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução
▪ Ordem dos Fisioterapeutas
▪ Ordem das Assistentes Sociais.

O Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) é a associação (de direito


privado) representativa das profissões liberais regulamentadas, cujo exercício
exige a inscrição em vigor, numa Ordem profissional.
A partir de 1998, generalizou-se a designação de “Ordem” quer para as
associações profissionais já existentes, quer as que foram, entretanto, criadas. O
número de inscritos nestas organizações, é actualmente de cerca de 430 mil.
Actualmente estão na ordem do dia as alterações ao regime jurídico das
associações públicas profissionais.

Lei n.º 12/2023, de 28 de março: alterou a Lei 2/2013 de 10-01, que estabelece o
regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas
profissionais,.

Art. 1º - Princípio da Unicidade:


À profissão de ADV corresponde uma única APP.

Artigo 2.º
Associações públicas profissionais

45
Para efeitos da presente lei, consideram-se associações públicas profissionais as
entidades públicas de estrutura associativa representativas de profissões que
devam ser sujeitas, cumulativamente, ao controlo do respetivo acesso e exercício,
à elaboração de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos
e a um regime disciplinar autónomo, por imperativo de tutela do interesse público
prosseguido.

Artigo 3.º
Constituição

1 – A constituição de associações públicas profissionais é excecional, podendo


apenas ter lugar quando:

a) Visar a tutela de um interesse público de especial relevo que o Estado não possa
assegurar diretamente;

b) For adequada, necessária e proporcional para tutelar os bens jurídicos a


proteger; e

c) Respeitar apenas a profissões sujeitas aos requisitos previstos no artigo anterior.

2 – (…)

3 – A cada profissão regulada corresponde apenas uma única associação


pública profissional, podendo esta representar mais do que uma profissão,
desde que tenham uma base comum de natureza técnica ou científica.

Artigo 4.º

Natureza e regime jurídico

1 – As associações públicas profissionais são pessoas coletivas de direito público


e estão sujeitas a um regime de direito público no desempenho das suas
atribuições.

2 – Em tudo o que não estiver regulado na presente lei e na respetiva lei de criação,
bem como nos seus estatutos, são subsidiariamente aplicáveis às associações
públicas profissionais:

a) No que respeita às suas atribuições e ao exercício dos poderes públicos


que lhes sejam conferidos, o Código do Procedimento Administrativo, com
as necessárias adaptações, e os princípios gerais de direito administrativo;

b) No que respeita à sua organização interna, as normas e os princípios que regem


as associações de direito privado.

➢ As sociedades multidisciplinares – art. 27º da LAPP.

➢ Princípio da territorialidade e da personalidade – art. 66º EOA.

As normas e princípios aplicam-se a todos os advogados nela inscritos, nacionais


e estrangeiros, bem como os estagiários, quer exerçam a sua actividade no país
ou fora dele.
46
Art. 70º - a denominação de advogado está exclusivamente reservada aos
advogados com inscrição em vigor na OA (ver os diversos títulos na EU – art. 203º).
Não posso ser “Abogado” se não estou inscrito num Colégio de advogados
espanhol.

➢ estagiários – art. 193º e 196º, nº 3 (devem indicar sempre essa qualidade).

Cfr. Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários (Reg. nº


232/2007 de 4 de setembro de 2007 – Cap. III).
- Arts. 36º e 37º da LAPP.

➢ estrangeiros – arts. 61º e 201º a 212º e ponto 5.2.3 CDAE

Princípio da Dupla Deontologia: estão sujeitos às regras profissionais e


deontológicas da OA (art. 2º, nº 2) e ainda às vigentes no país de origem ou de
acolhimento: CDAE (1.3 e 2.4) e 207º, 209º e 66º EOA.

Art. 3º - Resulta do fim de interesse público prosseguido pela OA., consagrando um


compromisso para com o Estado e a sociedade civil (ver deveres para com a
comunidade – art. 90º).
Destacar a al. d) – formação inicial e permanente dos advogados.
Al. e) ver art. 46º, nº 1, al. u) – C. Geral.
Al. g) auto-regulação em matéria disciplinar (ver arts. 114º a 166º quanto ao modo
de exercício e Regulamento Disciplinar nº 873/10), conferindo-lhe poderes de
autoridade para o exercício de funções públicas que, em princípio, pertenceriam ao
Estado e que pode ir até à aplicação de sanções como a expulsão.
Ver, nesse sentido, ainda o disposto nos arts. 121º EOA, 116º, nº 3 CPP e 150º, nº
4 CPC.
Nas suas atribuições, consagradas no próprio Estatuto, a AO tem por um lado uma
ligação intrínseca à defesa do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e
garantias dos cidadãos, por lado, o dever de colaboração na administração da
Justiça, e ainda, o dever constitucional de assegurar o acesso ao direito e aos
tribunais por parte dos cidadãos.
Estas atribuições posicionam a AO enquanto parceiro interveniente de relevo no
sistema de Justiça em Portugal. No que respeita ao exercício da Advocacia a OA
assume igualmente um papel determinante, na atribuição do título profissional de
advogado e certificação da qualidade de advogado estagiário, bem como na
regulamentação do acesso e exercício da profissão.
À OA cabe ainda zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de
Advogado, promovendo a formação inicial e permanente dos Advogados e o
respeito pelos valores e princípios deontológicos, assim como, representar a
profissão de Advogado e defender os interesses, direitos, prerrogativas e
imunidades dos seus membros, denunciando perante as instâncias nacionais e
internacionais os atos que atentem contra aqueles.
47
O reforço da solidariedade entre os Advogados, bem com o exercício, em exclusivo,
do poder disciplinar sobre os advogados e advogados estagiários, são outras das
atribuições da AO cujo elenco se encontra enumerado no Artigo 3º do EOA.

Art. 7º - Prerrogativa que decorre da natureza pública e função social da AO,


gozando de um poder de autoridade sobre os cidadãos (juiz depõe como
testemunha nas instalações do Conselho).

Art. 8º - dever de colaboração – o infractor incorre em responsabilidade disciplinar


e eventualmente de crime de desobediência, favorecimento pessoal, denegação de
justiça, prevaricação. Se fôr um particular, para além da desobediência, não poderá
prevalecer-se da sua pretensão.

17. ESTRUTURA ORGÂNICA E ÓRGÃOS SOCIAIS

Nos termos do EOA a “Ordem dos Advogados é representada em juízo e fora dele
pelo bastonário, pelos presidentes dos conselhos regionais e pelos presidentes das
delegações ou pelos delegados, conforme se trate, respetivamente, de atribuições
do conselho geral, dos conselhos regionais ou das delegações.” - Art. 9º do EOA
O projecto de lei de alterações à LAPP, aprovado na AR e declarado constitucional
pelo TC, no que aos órgãos se refere, prevê a criação de um órgão (conselho) de
supervisão que vai assumir funções de verdadeira auto-regulação genérica,
incluindo o “controlo da legalidade”, integra pessoas que, na sua maioria, não
pertencem à respectiva associação profissional, embora a solução legal final tenha
consagrado que são democraticamente eleitos pelos respectivos associados.
O Conselho de Supervisão, que zela pela legalidade da actividade e execre
poderes de controlo e regulação da profissão, será composto por 40% de
representantes da profissão, 40% oriundos da academia da área e não inscritos na
ordem e 20% cooptados, também externos à ordem e que sejam personalidades
de reconhecido mérito (art. 15º-A, nº 3 da LAPP).
A integração de personalidades de reconhecido mérito e de fora da profissão,
sobretudo quando os seus órgãos exercem funções disciplinares ou avaliam os
jovens profissionais no acesso à profissão visa dar maior transparência e isenção
nas funções das associações públicas profissionais;
Existem também funções de natureza disciplinar, de avaliação de final de estágio
ou até de provedor do Destinatário dos Serviços (os cidadãos) que passam a ser
atribuídas a pessoas que não estão inscritas na respectiva associação profissional,
com competência para recorrer em matéria disciplinar e impugnar os regulamentos
das Ordens. Na prática, o provedor dos advogados pode ser um nutricionista ou um
professor de matemática.
Os órgãos disciplinares, de uma forma geral, serão compostos também por
personalidades de reconhecido mérito com conhecimento e experiência relevantes
para a actividade, que não sejam membros da ordem profissional.

48
Os juízes do TC defenderam que “carece de fundamento constitucional um ‘direito
à auto-regulação de classe’”, em resposta à principal dúvida do Presidente da
República e das próprias ordens. Lembram que Vital Moreira defende a integração
de membros externos à luz do princípio da democraticidade e que há, noutros
países, associações públicas de profissionais com órgãos exclusivamente
compostos por “leigos”. “No balanço entre interesses representativos de classe e
realização do interesse público, é lícito ao legislador democrático oferecer maior
peso a este último”, lê-se no acórdão.
Actualmente, a lei em vigôr, com as alterações introduzidas pela LAPP e Lei nº
6/2024, dispõe o seguinte:

I – Órgãos nacionais (art. 9º, nº 2):

• O Congresso dos Advogados Portugueses – arts. 27º a 32º.


Apenas pode aprovar recomendações, que ao Bastonário cabe implementar (art.
40º, nº 1, al. e).
No mandato do Bastonário Ângelo d’Almeida Ribeiro, teve lugar em Lisboa, entre
16 e 19 de Novembro de 1972, o I Congresso Nacional dos Advogados, que voltaria
a realizar-se em 1985 (II Congresso, Lisboa, 19 a 22 de Dezembro); em 1989 (I
Congresso Extraordinário, Lisboa, 4 a 7 de Maio); em 1990 (III Congresso, Porto,
25 a 28 de Outubro); em 1995 (IV Congresso, Funchal, 18 a 21 de maio); em 2000
(V Congresso, Lisboa, 17 a 20 de maio), em 2005 (VI Congresso, Vilamoura, 17 a
19 de Maio) em 2011 (VII Congresso, Figueira da Foz, 11 a 13 de novembro), em
2018 (VIII Congresso, 14 a 16 de junho, Viseu) e em 2023 (IX Congresso, 14 a 16
de julho, Fátima).

• A Assembleia Geral – arts. 33º e 38º.


A Assembleia Geral da Ordem dos Advogados é constituída por todos os
advogados com inscrição em vigor. Tem competência para se pronunciar sobre
todos os assuntos que não estejam compreendidos nas competências específicas
dos restantes órgãos da Ordem.
Cabe-lhe fixar o valor da quota mensal, uma vez que tem competência exclusiva
para aprovação de regulamentos, sob proposta do Conselho Geral (art. 46º, nº 1,
al. m).
• O Bastonário – arts. 39º e 40º.
É o presidente da Ordem dos Advogados e, por inerência, presidente do
Congresso, da Assembleia Geral e do Conselho Geral. Representa a Ordem dos
Advogados, designadamente perante os órgãos de soberania. Assegura o
cumprimento da legislação respeitante à Ordem dos Advogados e respectivos
regulamentos e zela pela realização das suas atribuições.
• O Presidente do Conselho Superior – art. 41º.

49
• O Conselho Superior – arts. 42º a 44º.
É o supremo órgão jurisdicional da Ordem dos Advogados. Tem competência para
julgar os recursos das decisões dos Conselhos de Deontologia em matéria
disciplinar e para dar laudo sobre os honorários a pedido dos tribunais, dos
advogados ou dos seus constituintes e o de se pronunciar sobre propostas
legislativas.
De entre os seus 22 membros, 9 são personalidades de reconhecido mérito com
conhecimentos e experiência relevantes para a advocacia, não podendo ser
advogados inscritos na OA., sendo o presidente e os vice-presidentes são sempre
advogados (art. 42º e al. e) do nº 2 do art. 15º da Lei 12/2013).
Reúne em secções.
• O Conselho Geral – arts. 45º a 47º.
É presidido pelo Bastonário.
Reúne em plenário.
É, por excelência, o órgão executivo, a nível nacional, que exerce poderes de
direcção e gestão.
Cabe-lhe ainda a elaboração de propostas de diversos regulamentos, previstos na.
Al. h) do nº 1 do art. 46º.
• O Conselho de Supervisão – arts. 47º-A a C. Dá acolhimento ao disposto
nos art. 15º, nº 2, al. c) e 15º-A da Lei nº 12/2013 (LAPP) que reforçou os seus
poderes. sendo um órgão inovador na estrutura orgânica da OA.
É o órgão responsável por zelar pela legalidade da actividade exercida pelos órgãos
da OA. e exerce poderes de controlo, nomeadamente em matéria de regulação do
exercício da profissão.
Tem como missão genérica determinar as regras dos estágios profissionais, intervir
na criação de especialidades, avaliar o exercício do poder disciplinar e fixar
algumas taxas.
Cabe-lhe, em concreto e designadamente, a aprovação de regulamentos de
estágio, das especialidades (mediante parecer com carácter vinculativo), do
provedor dos destinatários dos serviços, da remuneração dos membros dos órgãos
que lhe sejam submetidos por outros órgãos, sem prejuízo da competência da
Assembleia Geral nessa matéria (art. 33º, nº 2, al. d).
Compete-lhe a verificação da não sobreposição das matérias a lecionar no período
formativo e, eventualmente, a avaliar em exame final com as matérias ou unidades
curriculares que integram o curso conferente da necessária habilitação académica,
nos termos da primeira parte do n.º 5 do artigo 8.º, após parecer vinculativo da
Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, a emitir no prazo de 120
dias a contar do pedido, bem como acompanhar regularmente a atividade do órgão
disciplinar, designadamente através da apreciação anual do respetivo relatório de
atividades e da emissão de recomendações genéricas sobre os seus
procedimentos e a actividade formativa da associação pública profissional, em
especial a realização dos estágios de acesso à profissão, e a atividade de
reconhecimento de competências obtidas no estrangeiro, designadamente, através
50
da apreciação anual do respetivo relatório de atividades e da emissão de
recomendações genéricas sobre os seus procedimentos.
Tem ainda competência para decidir acerca do pedido de renúncia ao cargo e
suspensão temporária do exercício de funções (art. 16º).
Propõe ao bastonário o nome do provedor dos destinatários dos serviços.
É eleito através do sistema de representação proporcional (art. 47º-A, nº 4).

É composto por 15 membros com direito de voto, nos seguintes termos:


a) Seis membros advogados inscritos na Ordem dos Advogados;
b) Seis membros oriundos de estabelecimentos de ensino superior que habilitem
academicamente o acesso à profissão, sem inscrição na Ordem dos Advogados;
c) Três membros cooptados pelos membros referidos nas alíneas anteriores, por
maioria absoluta, de entre personalidades de reconhecimento mérito, com conhe-
cimentos e experiência relevantes para a advocacia, sem inscrição na Ordem dos
Advogados.
Os membros do conselho de supervisão elegem o presidente de entre os membros
não inscritos na Ordem dos Advogados.
Os membros do conselho de supervisão referidos nas alíneas a) e b) são eleitos
por sufrágio universal, direto, secreto e periódico e por método de representação
proporcional ao número de votos obtido pelas listas candidatas.
O presidente do conselho de supervisão tem voto de qualidade.

• O Conselho Fiscal – arts. 48º a 50º.


A sua criação decorre das exigências legais emergentes da LAPP.
Compete ao conselho fiscal acompanhar e controlar a gestão financeira da Ordem
dos Advogados bem como dar pareceres, fiscalizar e pronunciar-se sobre assuntos
nos domínios orçamental, contabilístico, financeiro e fiscal.
• O Provedor dos Destinatários dos Serviços – art. 65º
Anteriormente designado por provedor de clientes, pela redação inicial da LAPP, a
sua existência decorre do disposto na als. p) do nº 1 do art. 8º da Lei 12/2023 e f)
do art. 15º da LAPP, sendo obrigatoriamente uma personalidade independente e
não inscrita e nomeada pelo bastonário, sob proposta do conselho de supervisão.
Cabe-lhe analisar as queixas apresentadas pelos destinatários dos serviços dos
advogados e emitir recomendações para a sua resolução e para o aperfeiçoamento
do desempenho da OA, podendo participar factos suscetíveis de constituir
infração disciplinar.
Essa competência é redundante na medida em que o estatuto prevê a existência
de órgãos disciplinares, independentes, que zelam pelo exercício deontológico do
advogado e, nessa perspectiva, cuidam também dos interesses dos queixosos,
destinatários dos serviços daquele, que é de interesse público e,
consequentemente, garantindo a qualidade dos serviços prestados do ponto de
vista deontológico.

51
É, por inerência, membro do conselho de supervisão, sem direito a voto (art. 47º-
A, nº 7).
• Os Colégios de Especialidade, quando existam.

II – Órgãos regionais (art. 9º, nº 3):

• As Assembleias Regionais – arts. 51º e 52º.


• Os Conselhos Regionais – arts. 53º e 54º.
O CRL é o conselho que reúne mais de metade dos 32.000 advogados inscritos.
• Os Presidentes dos Conselhos Regionais – art. 55º.
Têm, nomeadamente, um papel importante na decisão sobre o pedido de dispensa
do segredo profissional, sobre o pedido de pronúncia pública de questões
profissionais (art. 93º, nº 2) e na realização das buscas domiciliárias ao escritório
de advogados (art. 75º, nº 2).
• Os Conselhos de Deontologia – arts. 56º e 57º.
Introduzidos pela Lei nº 80/2001.
Em cada um dos sete distritos funciona um Conselho de Deontologia. Exerce o
poder disciplinar em primeira instância relativamente aos advogados e advogados-
estagiários com domicílio profissional na área do respectivo distrito.
Com o EOA/2024 passa a integrar personalidades de reconhecido mérito com
conhecimentos e experiência para a advocacia que não estejam inscritos na OA.,
na proporção estabelecida no art. 56º, nº 2 (cfr. al. e) do nº 2 do art. 15º da Lei
12/o013)..
É eleito através do sistema de representação proporcional, nos círculos regionais
definidos nos estatuto.
Um dos problemas práticos com que se debate é o da sua falta de autonomia
orçamental e independência funcional.
• Os Presidentes dos Conselhos de Deontologia – art. 59º.
A sua competência ficou consagrada no Estatuto de 2005.

III – Órgãos locais:


- As Assembleias Locais – art. 60º.
- As Delegações – art. 61º.
- Os Delegados – art. 62º.
- Agrupamentos de Delegações – art. 63º.

52
A hierarquia protocolar dos titulares dos órgãos da OA é a seguinte: (art. 9º, nº 4)
a) O Bastonário;
b) O Presidente do Conselho Superior;
c) O Presidente do Conselho de Supervisão;
d) O Presidente do Conselho Fiscal;
e) O Provedor dos Destinatários dos Serviços;
f) Os membros do conselho superior, do conselho geral, do conselho de
supervisão e do conselho fiscal;
g) Os Presidentes dos Conselhos Regionais e dos Conselhos de Deontologia;
h) Os membros dos conselhos regionais e dos conselhos de deontologia;
i) Os Presidentes das Delegações e dos Delegados.

O referendo (art. 26º decorre do art. 21º da LAPP), podendo ter carácter vinculativo
ou meramente consultivo.
A 26.03.2021, a Assembleia Geral de Advogados aprovou a realização de um
referendo vinculativo para decidir a previdência: ou manter a atual Caixa de
Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) ou mudar para o regime geral
da Segurança Social, alterando-se a redacção do art. 4º EOA.
A sua execução compete ao bastonário (art. 40º, nº1, al. f).
O regime electivo está previsto no arts. 10º a 14º, sendo que o EOA/2024 introduziu
a possibilidade de serem eleitos ou designados para os órgãos da OA s ujeitos não
advogados com inscrição em vigor, para além dos Revisores Oficiais de Contas
que integrarem o Conselho Fiscal, que já existia. (art. 11º, nº 1).
O voto por correspondência foi eliminado, podendo ser exercido pessoalmente por
meios electrónicos (art. 14º, nº 2).
A remuneração de cargos, para além da prevista para o cargo de bastonário,
quando em dedicação exclusiva e para o agora criado provedor dos destinatários
dos serviços, passou a ser possível nos demais órgãos em função do volume de
trabalho, nos termos do regulamento a aprovar pelo conselho de supervisão,
mediante proposta do conselho geral aprovada e assembleia geral (art. 15º, nº 2).
Finalmente, cumpre destacar o dever de exercício de cargos e prossecução dos
fins da OA (art. 91º, al. b) e de diligência assiduidade no desempenho de funções
(art. 17º, nº 1).

18. Actos próprios da profissão de Advogado

“O primeiro homem que defendeu o seu semelhante contra a injustiça, a violência


e a fraude, com as armas da razão, foi o primeiro advogado”

53
Desmarest
Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?

Enquadramento legal:
Lei nº 10/2024 de 19 de Janeiro;
Lei nº 12/2023 de 28.03, art. 30º, nº 4;
Arts. 66º a 68º do EOA.

Breve enquadramento histórico

O que existia antes? O disposto nos arts. 53º e 56º do DL. 84/84, primeiro Esta-
tuto da OA e que foram revogados pela Lei 49/2004.

Artigo 53.º
(Do exercício da advocacia em território nacional)
1 - Só os advogados e advogados estagiários com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados
podem, em todo o território nacional e perante qualquer jurisdição, instância, autoridade ou
entidade pública ou privada, praticar actos próprios da profissão e, designadamente, exercer o
mandato judicial ou funções de consulta jurídica em regime de profissão liberal remunerada.
2 - O exercício da consulta jurídica por licenciados em Direito que sejam funcionários públicos
ou que a exerçam em regime de trabalho subordinado não obriga à inscrição na Ordem dos
Advogados.
3 - Exceptuam-se do disposto no n.º 1 os solicitadores inscritos na respectiva câmara, nos
termos e condições constantes do seu estatuto próprio.
4 - Os docentes das faculdades de Direito que se limitem a dar pareceres jurídicos escritos não
se consideram em exercício da advocacia e não são, por isso, obrigados a inscrever-se na
Ordem dos Advogados.
5 - Não pode denominar-se advogado quem como tal não estiver inscrito, salvo os advogados
honorários, desde que seguidamente à denominação de advogado façam a indicação dessa
qualidade.

Artigo 56.º
(Escritório de procuradoria ou de consulta jurídica)
1 - É proibido o funcionamento de escritório de procuradoria, designadamente judi-
cial, administrativo, fiscal e laboral, e de escritórios que prestem, de forma regular
e remunerada, consulta jurídica a terceiros, ainda que, em qualquer dos casos, sob
a direcção efectiva de pessoa habilitada a exercer o mandato judicial.
2 - Não se consideram abrangidos pela proibição os gabinetes formados exclusiva-
mente por advogados ou por solicitadores e as sociedades de advogados.

54
3 - A violação da proibição estabelecida sujeita as pessoas que dirijam o escritório,
os advogados ou solicitadores que nele trabalhem e os que facultem consciente-
mente o respectivo local à pena prevista no n.º 2.º do artigo 400.º do Código Penal
e determina o encerramento do escritório pela autoridade policial, a requerimento
do respectivo conselho distrital da Ordem dos Advogados.
4 - Da decisão do conselho distrital que determine o encerramento cabe recurso,
com efeito suspensivo, para o conselho superior da Ordem dos Advogados.
5 - Para efeito da aplicação da pena cominada no n.º 2.º do artigo 400.º do Código
Penal, o procedimento criminal é instaurado pelo ministério público, a requerimento
do conselho distrital que houver proferido a decisão.
6 - Não ficam abrangidos pela proibição do n.º 1 os serviços de contencioso e con-
sulta jurídica mantidos pelos sindicatos, associações patronais ou outras associa-
ções legalmente constituídas, sem fim lucrativo e de reconhecido interesse público,
destinados a facilitar a defesa, mesmo judicial, exclusivamente dos interesses legi-
timamente associados.

Ver arts. 1º a 4º EOA

A LAPAS veio, no fundo, consagrar o regime legal da procuradoria ilícita e assim


se poderia chamar, definindo, em concreto, os actos de procuradoria ilícita, como
adiante melhor se explicará.
Por outro lado, veio atribuir à OA a legitimidade para se constituir assistente no
processo crime contra os arguidos, estabelecer um regime contra-ordenacional e
reforçar a responsabilidade civil dos autores dos actos ilícitos.
Por outro lado, a LAPAS visou obrigar à inscrição na OA. do consultor jurídico, que
ressalta do interesse público da profissão da boa administração da justiça, sobre-
tudo para quem se encontra em regime de contrato subordinado (cfr. art 1º, nº 1 da
LAPAS), afastando de tal prática os meros licenciados em direito, assim se revo-
gando o disposto nonº 2 do citado art. 53º do EOA de 1984.
O consultor jurídico, ao não estar inscrito, não está submetido à autoridade, disci-
plina da OA, bem como aos deveres dos ADV (v.g. o segredo profissional) nem
poderá ver asseguradas as suas prorrogativas.
Normas como os seus arts. 2º, 4º e 5º foram transpostas, com mais ou menos
adaptações, para os arts. 67º, 69º e 70º todos do EOA de 2005.
Por outro lado, os arts. 66º a 69º do EOA de 2005, que contêm disposições gerais
sobre o exercício da advocacia, remetem para esta Lei.

• Quem pode praticar?

55
São actos próprios dos advogados e dos solicitadores aqueles que só podem ser
prestados a terceiros, respectivamente por:
advogados, advogados-estagiários ou solicitadores (em prática isolada ou integra-
dos em escritório ou gabinete composto exclusivamente por advogados, advoga-
dos-estagiários e solicitadores) e por sociedades de advogados.
Quanto aos advogados estagiários, face às limitações do seu exercício, decor-
rentes do art. 196º EOA e das normas processuais, tem-se entendido que a viola-
ção dessas normas constitui um exercício irregular e não um exercício ilegal de
profissão, gerador de responsabilidade civil e não penal.
Os AE só podem praticar consulta jurídica e os actos da competência dos solicita-
dores, sendo que os demais actos só quando acompanhados pelos patronos ou
quando a lei processual o permita (arts. 40º, 42º e 58º do CPC).
Iremos aflorar as implicações desta Lei só quanto aos ADV e aos AE, deixando de
parte a situação dos Solicitadores.
Contudo, importa só realçar a incompatibilidade decorrente da prática cumulativa
de ambas as profissões (advogados e solicitadores) salvo nos casos previstos no
art. 85º EOA.
Os actos de simples procuradoria conexos com os actos de mandato judicial, re-
presentação e assistência, podem ser praticados por ADV e AE desde que não se
lhes dedique habitualmente, para não constituir concorrência desleal aos solicita-
dores (Ver Orlando Guedes da Costa, ob. citada).

A prática dessas actos está reservada só aos licenciados em Direito (em Portugal
ou no estrangeiro) com inscrição em vigor na OA, o que decorre do modelo de
advocacia colegiada entre nós instituído – art. 1º, nº 1 da LAPAS e actual art. 2º do
Regime Jurídico dos Atos de Advogados e Solicitadores.
Consagra-se, assim, o princípio da exclusividade para a prática de actos pp. da
advocacia, sendo que só podem ser inscritos os advogados estagiários e advoga-
dos, o que exclui à partida e desde logo os que tenham a inscrição suspensa (art.
186º e 199º).
Os actos próprios dos advogados, de acordo com o regime da LAPAS (entretanto
revogada pela Lei 10/2024 de 19 de janeiro) são:
Art. 5º a) consulta jurídica;
b) o exercício do mandato forense;

Art. 6º a) A elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes


à constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente os pra-
ticados junto de conservatórias e cartórios notariais;

b) A negociação tendente à cobrança de créditos;

56
d) O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos
administrativos ou tributários.
Art. 9º - Todos aqueles que resultem do exercício do direito dos cidadãos a fazer-
se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

Resulta do Artigo 20º, nº 2 da CRP: acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.

Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio
judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

Os actos têm que ser no interesse de terceiros e no âmbito da actividade profissio-


nal (ver nº 7 do art. 1º).
• Razão de fundo:
A prática de atos próprios das profissões dos Advogados e Solicitadores é consi-
derada de especial interesse público.

Ao consagrar a obrigatoriedade de inscrição na Ordem dos Advogados para a prá-


tica de atos próprios de advogados, o legislador visou exatamente o interesse pú-
blico e devolveu-a àquela associação para que a regulamente e fiscalize e a activi-
dade.

Decorre directamente da configuração do advogado como elemento essencial da


administração da justiça e garante da legalidade (cfr. artigo 208.º da CRP).
É, com efeito, a função social da advocacia que explica por que razão é obrigatória
a inscrição na Ordem dos Advogados para o exercício de certos actos, e, por sua
vez, por que têm estes actos de ser necessariamente praticados por advogados,
que obedecem e seguem regras de conduta ética e deontologicamente exigentes,
sendo responsáveis perante a Ordem dos Advogados, nomeadamente os deveres
para com a Ordem e para com a comunidade.
A advocacia representa o exercício privado de uma função pública.
Um Estado de Direito pressupõe que o mandato forense, o aconselhamento jurídico
e as demais funções atribuídas aos advogados sejam prestadas por quem disponha
de certa qualidade e idoneidade para o seu exercício, por forma a assegurar a con-
fiança necessária dos cidadãos no funcionamento da justiça, sobretudo quando po-
dem estar em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
Logo, o estatuto tem de garantir a competência técnico-ciêntifica, independência,
honorabilidade, dignidade e responsabilidade profissional (por exp. na questão dos
honorários).
A essencialidade social do Advogado é evidente na necessidade de intervenção de
Advogado em praticamente todas as causas cíveis (artigos 32º e 60º do Código de

57
Processo Civil) e, como defensor do arguido, em todos os processos criminais (ar-
tigos 61º, nº1, al. d), 62º e 64º do Código de Processo Penal), bem como na juris-
dição administrativa.
Não esquecer os casos de constituição obrigatória de advogado, que resulta do
interesse público da boa administração da justiça, sendo que às partes falta sere-
nidade e conhecimentos técnicos necessários à boa condução da causa.
O que interessava com este normativo, que define o sentido e o alcance dos actos
próprios dos advogados e dos solicitadores, era desde logo sancionar a prática
ilegal da advocacia e de solicitadoria, por exigência da dignidade e interesse público
da profissão e para barrar a concorrência desleal que essa prática configura.
Assim, o que o legislador pretendeu foi afastar o risco que acarreta para a realiza-
ção da justiça a permissão do exercício da advocacia e da prática de certos actos
próprios desta profissão por quem não apresente aquela qualidade e idoneidade
(habilitação/capacitação) para o exercício da profissão e para a prática de certos
actos, como tem sido infelizmente uma prática diária por parte de quem não tem
competência quer legal quer profissional.
Casos exemplificativos e conhecidos de procuradoria ilícita: os praticados por agên-
cias funerárias, empresas de contabilidade e consultoria, de sobre-endividamento,
condomínios, agências imobiliárias e burlões em geral e de cobrança de créditos
em particular (matéria diferente da negociação – o Ac. TRL 18-09-2015.
Ver também o caso do “Rei das penhoras” in Comunicado | CDAPA - Ordem dos
Advogados (OA.pt)
• Excepções:
Desde logo, funciona a excepção prevista no art. 200º, nº 5 EOA para a consulta
jurídica (juristas de reconhecido mérito, mestres e doutores em direito, desde que
inscritos na OA) e também para os pareceres escritos dos docentes das faculdades
de direito – nº 2 e 3 do art. 1º da LAPAS, sendo que estes últimos não têm que
estar inscritos na OA.

No entanto, estes últimos estão vinculados ao segredo profissional quando a ela-


boração do parecer decorre de um pedido do ADV (art. 92º, nº 7).
Como já se referiu, os actos têm que ser no interesse de terceiros e no âmbito da
actividade profissional (ver nº 7 do art. 1º).
A este respeito vale a pena salientar que uma pessoa que aja no seu próprio inte-
resse, não pratica atos de procuradoria ilícita.
Apenas se dirá a esse propósito que hoje em dia, o cidadão sabe que é possível
descarregar, designadamente e de forma gratuita e livre da internet minutas de
contrato de trabalho, de arrendamento ou de promessa de compra e venda e dessa
forma resolver o seu problema sem ter que pagar a um advogado para o efeito. Não
sabe que está a auxiliar e a praticar actos próprios de advogados.

58
As causas para o agravamento deste fenómeno prendem-se essencialmente com
a perceção errónea de que os procuradores ilícitos são mais económicos e efica-
zes que um advogado ou solicitador e de que certos actos são de resolução fácil,
não necessitando aconselhamento jurídico profissional.
A lei também excluiu deste universo de actos ilícitos todos os atos praticados pelos
representantes legais, pelos empregados, pelos funcionários ou agentes de pes-
soas singulares ou coletivas, públicas ou privadas, enquanto nessa qualidade, não
os considerando como actos praticados no interesse de terceiros, e como tal não
sendo actos próprios de Advogados.
Esta regra é válida excepto tratando-se de atividade de cobrança de dívidas, caso
em que os actos praticados pelos funcionários de pessoa que tenha como principal
atividade a cobrança de dívidas são considerados praticados no interesse de ter-
ceiros, passando assim estes funcionários a responder por actos ilícitos de procu-
radoria mesmo que a empresa empregadora seja a detentora dos créditos a recu-
perar, muitas vezes adquiridos em negócio simulado (cfr. nº 7 e 8 do art. 1º da
LAPAS).
Um empregado de um privado não está a trabalhar para um terceiro (cfr. nº 8 do
art. 1º) não tendo que se inscrever na OA. O mesmo acontece com o chamado
advogado de empresa, que presta consulta apenas em benefício desta.
Decorre do nº 7 do art. 1º que os notários, os solicitadores de execução, os admi-
nistradores de insolvência, Rocs e Tocs, nomeadamente, podem dar consulta jurí-
dica no quadro das suas actividades definidas pelo seu estatuto.
No Código do Notariado no seu art.º 1.º, n.º 1 confere-se a possibilidade de o No-
tário prestar assessoria às partes na expressão da sua vontade negocial para efei-
tos de conferir forma legal e fé pública aos atos jurídicos extrajudiciais. Ou seja, o
Notário pode prestar assessoria às partes desde que a mesma se prenda com a
prática do ato notarial, cuja autenticação se pretende (cfr. a esse propósito o Co-
municado do CRL de 16-11-2020 sobre a consulta prestada por Notários para es-
clarecimento “de dúvidas jurídicas”.
Estão também excluídos desta regra os sindicatos e as associações patronais,
desde que os atos praticados o sejam para defesa exclusiva dos interesses comuns
em causa e que estes sejam individualmente exercidos por advogado ou advogado
estagiário, e ainda as entidades sem fins lucrativos que requeiram o estatuto de
utilidade pública, desde que cumpram alguns outros requisitos.
O Estado, enquanto pessoa colectiva de direito publico, sem prejuízo de poder ser
representado pelo Ministério Público, poderão ser representados por licenciados
em direito com funções de apoio jurídico, ficando vinculados às obrigações dos
deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da
outra parte – art. 11º, nº 1 e 2 do CPTA.
A Fazenda Pública é defendida nos tribunais tributários por representantes seus
(funcionários superiores licenciados em direito).
Também os magistrados, em causa própria, do cônjuge ou descendentes podem
praticar tais actos, como decorre das normas dos seus próprios estatutos (arts. 19º
59
e 91º do Estatuto do Magistrados Judiciais e dos Magistrados do Ministério Público,
respectivamente). Tal já não acontece no caso de serem, eles próprios, arguidos
em processo penal.
• O crime de procuradoria ilícita:
A LAPAS veio também tipificar o crime específico de procuradoria ilícita (art. 7º)
punível até 1 ano de prisão ou multa até 120 dias que se aplica a quem não está
inscrito na OA ou, estando-o, tem a sua inscrição suspensa ou cancelada.
Esse crime é semi-público pois, para além do lesado, são titulares do direito de
queixa a Ordem dos Advogados e a Ordem dos Solicitadores, tendo também legi-
timidade para se constituírem assistentes no procedimento criminal.
Deve ser relacionado com o de usurpação de funções (art. 358º CP), que é um
crime público e que se afigura ser mais exigente no preenchimento dos seus ele-
mentos constitutivos típicos.
Veja-se, a título de exemplo, o Ac. do TRE de 14-06-2005 in
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/f20cd7f9caf56f89
80257de100574827?OpenDocument
“Dando de barato, que as arguidas praticassem alguns actos próprios de advoga-
dos e solicitadores (procuradoria ilícita [1] ) o certo é que não está suficientemente
indiciada que, mesmo de forma implícita, se fizessem passar por advogadas ou
solicitadoras, ou que tivessem habilitações para tal.

Não consta que as arguidas tivessem agido convencendo as pessoas que tinham
condições legais para praticar a profissão ou os actos e que tenham agido delibe-
rada, livre e conscientemente, cientes da ilicitude de tal conduta.
Ora, um dos fundamentos do despacho de não pronúncia pelo juiz de instrução é
a insuficiência dos indícios da verificação dos pressupostos fácticos de que de-
pende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança (art. 308 n.º
1, do CPP).
Assim, conclui-se conclui-se que o recurso não pode deixar de naufragar, pela dita
impossibilidade de se alcançar a reclamada pronúncia das arguidas.
DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal


da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pela assistente
Ordem dos Advogados, mantendo-se, em consequência, a decisão de não pronún-
cia.

[1] É procurador ilícito aquele, não sendo advogado, nem solicitador, que presta
serviços a particulares na área dos registos predial e comercial, requer a legaliza-

60
ção de prédios, a constituição de sociedades e suas alterações, intervém em pro-
cessos de partilhas de heranças, redige contratos de arrendamento, de trespasse,
de trabalho, de promessa de compra e venda, entre outros.”
Ac. do TRC de 19-02-2020:

I – O crime de procuradoria ilícita tutela a integridade ou a intangibilidade do sistema


oficial instituído para a prática de atos próprios das profissões dos Advogados e
Solicitadores, por se considerarem de especial interesse público.

II – Ao consagrar a obrigatoriedade de inscrição na Ordem dos Advogados para a


prática de atos próprios de advogados, o legislador visou exatamente o interesse
público subjacente à incriminação da procuradoria ilícita e devolveu-a àquela asso-
ciação para que a regulamente, e fiscalize.

III – O crime em questão pode ser preenchido:

– relativamente a atos que apenas podem ser praticados através de advogado ou


solicitador, arrogando-se o arguido essa qualidade que não tem;

– relativamente a atos em que, embora não sendo obrigatória a constituição de


advogado ou solicitador, o agente pratica atos de representação de terceiros, fa-
zendo dessa prática um exercício de natureza profissional.

IV – Por isso que, e pese embora de acordo com a Lei da Nacionalidade não seja
obrigatória a constituição de advogado para apresentar a declaração da sua atri-
buição ou efetuar o preenchimento de declaração com os dados pertinentes do
requerente, estando em causa a utilização, pelo arguido, de pelo menos 11 procu-
rações, de outros tantos cidadãos brasileiros, emitidas a seu favor, por ele apre-
sentadas perante a mesma Conservatória do registo Civil, para representá-los no
processo de atribuição da nacionalidade portuguesa, verificam-se os pressupostos
da procuradoria ilícita, impondo-se, por isso, a procedência do recurso.

Assim, no caso relativo à prática ilícita de atos próprios da advocacia, também po-
deremos estar perante tal crime de procuradoria ilícita, crime que se encontra numa
relação de especialidade (concurso aparente) com o de usurpação de funções
quando estas funções dizem respeito ao exercício da advocacia.
A legitimidade da OA para se constituir assistente decorre do entendimento de ser
a instituição legalmente competente para defender a profissão e, simultaneamente,
garantir as boas práticas no interesse dos cidadãos.
Decorre também por se entender está coberta pela alínea a) do n.º 1, do artigo 68.º
do Código de Processo Penal, havendo que ter em conta a ressalva de lei especial
que consta desse n.º 1 desse artigo: (“além das pessoas e entidades a quem leis
especiais conferirem esse direito”).

61
Também do art. 49.º do Regime das Associações Públicas Profissionais (Lei n.º
2/2013, de 10 de janeiro) decorre a legitimidade das associações públicas profis-
sionais (entre as quais se conta a Ordem dos Advogados) para intervirem como
assistentes em processos penais relacionados com o exercício da profissão que
representam. E é isso que sucede no caso em apreço, relativo ao exercício da ad-
vocacia.
Por outro lado, a Ordem dos Advogados também tem legitimidade ex vi de outra lei
especial (o n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto) para se constituir
assistente em caso de eventual prática de crime de procuradoria ilícita, p. e p. pelo
n.º 1 desse mesmo artigo.
Assim, ainda que a jurisprudência não reconheça a legitimidade da Ordem dos Ad-
vogados para se constituir assistente quanto ao crime de usurpação de funções, p.
e p. pelo artigo 358.º, b), do Código Penal, sempre se verificará tal legitimidade
quanto ao crime de procuradoria ilícita, crime que, estando em causa a prática de
atos próprios do exercício da advocacia, está numa relação de especialidade (con-
curso aparente) com tal crime de usurpação de funções.
Pode ver-se, neste sentido, o acórdão da Relação de Évora de 4 de junho de 2019,
proc. n.º 599/09.6TAOLH-B.E1 (acessível em www.dgsi.pt).
No entanto e quanto ao pagamento de custas judiciais, a jurisprudência vai no ca-
minho de considerar que, no caso da Ordem dos Advogados, integra-se, nas suas
atribuições, a de colaborar na administração da justiça (art.º, 3º, al. a), do EOA).
Contudo, mesmo aí será mera colaboradora, não lhe cabendo, legal ou estatutari-
amente, a defesa direta e imediata de interesses difusos, mas sim de direitos cole-
tivos.
Deve considerar-se que a Ordem dos Advogados atua diretamente na defesa de
uma classe profissional (os advogados) e do cumprimento de uma sanção por ele
própria imposta. Ainda que possa afirmar-se que está simultaneamente (ainda que
de forma indireta) a defender a boa administração da justiça, o que a lei exige é
que atue exclusivamente para defesa daqueles direitos fundamentais dos cidadãos
ou de interesses difusos relacionados com aquelas áreas e que essa atribuição
(exclusiva) lhe seja atribuída pelo seu estatuto ou por lei que legitime a sua inter-
venção. Essa “lei que legitime a sua intervenção” não se confunde com a lei que
lhe atribui a legitimidade para se constituir como assistente, mas que lhe permita
intervir na defesa de interesses difusos.
Desse modo, não deve a Ordem dos Advogados ser declarada isenta de custas,
nomeadamente pela constituição de assistente.
Cfr. nesse sentido o Ac. do TRP de 25-11-2020.
No seio da OA funciona a Comissão de Defesa dos Actos Próprios dos Advogados
(CDAPA) que tem como objetivo definir, incentivar e coordenar a nível nacional a
ação de divulgação dos atos próprios dos Advogados, de prevenção e combate à
procuradoria ilícita e de promoção da Advocacia preventiva.

62
Para combater a violação ilícita da actividade de advocacia, foi criada a Secção de
Procuradoria Ilícita junto dos C. Regionais (cfr. o art. 54º, nº 1, al. u) e o respectivo
Regulamento nº 441/2011).
Segundo dados da OA, só o Conselho Regional de Lisboa tem actualmente 326
processos pendentes, na secção de procuradoria ilícita, nos quais, em 90% dos
casos, os visados são empresas de consultadoria, de gestão de condomínios, de
cobrança de dívidas, gabinetes de contabilidade, TOCS, sociedades de mediação
imobiliária e advogados com inscrição suspensa e ou cancelada.

Para se ter uma ideia, só nos primeiros quatro meses de 2022, foram recepciona-
das 118 participações que levaram à instauração de 104 processos de procuradoria
ilícita e averiguação preliminar.

No ano de 2022, foram recebidas 216 participações que motivaram a instauração


de 139 processos de procuradoria ilícita e de averiguação preliminar enquanto em
2020 foram recebidas 285 participações que deram origem a 160 processos.

No decorrer do ano de 2017, de forma a reforçar o estatuto e autonomia das Or-


dens profissionais do setor e das entidades fiscalizadoras e controlar as situações
de procuradoria ilícita, o Ministério da Justiça, a Ordem dos Advogados e a Ordem
dos Solicitadores e dos Agentes de Execução criaram um sistema que verifica, de
forma automática, a qualidade de mandatário e de administrador judicial. Em con-
formidade, os mandatários que estejam suspensos pelas respetivas ordens pro-
fissionais deixam automaticamente de aceder ao portal Citius, assim como os Ad-
ministradores Judiciais, através de comunicação da Comissão para o Acompa-
nhamento dos Auxiliares de Justiça.

Foram proferidas várias decisões judiciais condenatórias, designadamente, pela


prática dos crimes de procuradoria ilícita e usurpação de funções, designada-
mente o Acórdão emitido e já transitado em julgado, no processo nº
109/19.7SLLSB, que correu no Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 5, no qual,
o arguido foi condenado pela prática de 14 crimes de usurpação de funções, numa
pena de 1 ano e 3 meses de prisão, por cada crime, que em cúmulo jurídico com
outros crimes, resultou numa pena única de 8 anos de prisão.
As acções instauradas ao abrigo do n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 49/2004, de 24.08,
relativas à fiscalização de situações de procuradoria ilícita, são da competência dos
tribunais administrativos.

Acórdão nº 1/2018 , do Supremo Tribunal Administrativo:


O Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se, ao abrigo do disposto no artigo
152.º do CPTA, fixando jurisprudência no sentido de que a entidade competente
para determinar o encerramento de um escritório de procuradoria ilícita, a que alude
a norma do n . 2 do artigo 6.º da Lei n.º 49/2004 , de 24 de agosto, é a jurisdição
administrativa, ou seja, os Tribunais administrativos.
Esta interpretação assenta no entendimento de que o encerramento do estabeleci-
mento de procuradoria ilícita é um acto autónomo em relação ao crime de procura-

63
doria ilícita, não constituindo uma sanção acessória, sendo o pedido de encerra-
mento um ato da competência exclusiva da Ordem, mais propriamente dos Conse-
lhos Regionais, em razão do interesse público que prossegue a instituição.

Cfr. o Ac. do TRL de 07.11.2018 in


https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/1d728f3bda30c6
ab802583890031da72?OpenDocument
que se debruça sobre um caso em que a conduta da arguida se traduziu numa
declaração a agentes policiais “de que era Advogada e acompanhava o amigo (co-
arguido), que apenas num primeiro momento terão convencido as autoridades po-
liciais e o ofendido da sua qualidade, mas que ao ser-lhe pedida a identificação e a
mesma ter recusado, acabou por não ter objectivamente surtido nenhum efeito prá-
tico, que se evidenciasse e traduzisse a prática de uma acto próprio e exclusivo da
profissão de advogado.”
O Tribunal decidiu que não ocorreu in casu a prática nem de um crime de usurpação
de funções, nem de procuradoria ilícita, ao referir: “É certo que não deixa a sua
conduta de merecer a tutela penal, mas apenas no que respeita a outro tipo de
crime pelo qual foi acusada ou seja, o de falsas declarações, p. e p. pelo art. 348º-
A, nº 1, do cód. penal.
A conduta da arguida M… C… R… V… não chegou sequer a preencher os elemen-
tos do tipo, de cada um dos crimes acima referidos. Não produziu um resultado
especificamente abrangido pelo âmbito de proteção daquelas normas, o que afasta
a imputação objetiva.
Ao contrário do que refere o recorrente no seu recurso, não resultou indiciado que
a arguida:
– Tivesse prestado declarações em nome do seu cliente às autoridades policiais,
mas apenas que o acompanhou no dia 01/08/2015 e lhes disse que era Advogada,
sabendo que tal não correspondia à verdade;
– Que a arguida tivesse formalizado a queixa em representação do arguido;
– Que tivesse, na qualidade invocada de advogada prestado declarações em nome
do seu cliente, mas apenas que o acompanhou, bem como às autoridades na dili-
gência de fiscalização e com eles trocou palavras, o que é bem diferente;
– Parece que de facto pediu ao Sr. V… que para abrir a porta a fim de as autorida-
des fiscalizarem a obra. Mas este acto, em si, é totalmente irrelevante.

Os actos que praticou não configuram actos próprios do exercício da Advocacia, no


contexto em que ocorreram, pois qualquer pessoa sem ser Advogado o poderia
fazer na qualidade de amigo de outro. Tratou-se mais de uma apoio nessa quali-
dade, do que propriamente da prática de actos típicos e exclusivos do exercício de
uma profissão que não exerce. O facto de invocar a qualidade de Advogada perante
as autoridades e o recorrente, só por si não tem a virtualidade de alcançar a pre-
tensão que este lhe quer dar. Antes nos parece ter servido apenas para reforçar

64
esse tipo de “apoio de amiga”, perante terceiros, o que não deixa de ser crime, mas
apenas de falsas declarações como atrás referimos.
Estes factos em nada se relacionam com o exercício da advocacia; as imputadas
condutas não se mostram minimamente atinentes ao exercício pelo Advogado das
suas funções profissionais, não traduzem a prática de qualquer acto próprio do ad-
vogado, pelo que não se pode sustentar, de modo algum, a indiciação pelos crimes
de procuradoria ilícita e de usurpação de funções. Não se vislumbra nenhum ele-
mento que se relacione directa ou indirectamente com o exercício de funções pro-
fissionais do Advogado, em particular com o exercício de funções de representação
do mandante (em juízo ou em negociações) ou de aconselhamento jurídico. Nem
tão pouco existe, qualquer elemento factual, que demonstre o exercício de funções
de representação forense ou negocial.”

a) Mandato forense

E de representação perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou


privada – arts. 1º, nº 5 e 2º da LAPAS, constituindo o acto por excelência do advo-
gado.

A definição do mandato forense é mais ampla no art. 67º, pelo que se deve entender
como acto próprio da profissão o que desta Lei consta, ou seja o mandato judicial
conferido para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comis-
sões arbitrais e os julgados de paz – cfr. FSM, ob. citada, em anotação a este pre-
ceito. Mas o uso da expressão do legislador “sem prejuízo” não parece excluir essa
amplitude.

É o mandato acompanhado de outorga de poderes de representação em juízo a


um profissional do foro (mandato judicial): ADV, AE ou solicitador (Ana Prata, Dici-
onário Jurídico), bem como representação perante qualquer jurisdição, autoridade
ou entidade pública ou privada – art. 1º, nº 5 e 2º da Lei e 67º;

O mandato forense traduz-se num mandato judicial conferido para ser exercido em
qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz
e acompanhar e representar os interesses de terceiros, em todos os tribunais e
também junto da administração pública e fiscal, cartórios, conservatórias autar-
quias, repartições, entidades privadas e praticar actos notariais (reconhecimentos
presenciais e por semelhança, certificar, autenticar.
Mas o mandato forense está sujeito ao princípio de livre escolha do ADV pelo cli-
ente (art. 67º, nº 2). Decorre do princípio da confiança – art. 97º, nº 1 e também do
princípio da não angariação de clientela – art. 90º, nº 2, al. h).

b) Consulta jurídica

Definição - art. 3º da Lei e 68º EOA de 2005.

65
Actividade de aconselhamento jurídico que consiste na interpretação e aplicação
de normas jurídicas mediante a solicitação de terceiros.

Não é exclusiva do advogado ou solicitador no caso previsto no art. 200º nº 5, desde


que inscritos na OA.

E também pode ser prestada no caso dos pareceres jurídicos por docentes das
faculdades de direito– arts. 2º e 3º da LAPAS.

No nº 7 do art. 1º prevê-se, nomeadamente, que os notários, os solicitadores de


execução, os administradores de insolvência, os ROCS e os TOCS possam dar
consulta jurídica no quadro das suas actividades definidas pelo seu estatuto.
Também são legais as consultas jurídicas gratuitas de advogados a cidadão de um
determinado município, mediante protocolo entre a OA e este.
É permitida a consulta por meios electrónicos? Sim, desde que ocasional, para não
desvirtuar o princípio do contacto pessoal e directo, como decorre dos usos, tradi-
ções e costumes profissionais (parte final do n.º 1 do art.º 88º e n.º 1 do art.º 97º) e
acautelar o segredo profissional, a publicidade e proibição de angariação de clien-
tela – Cfr. Parecer nº G-3/2007 do Conselho Geral da OA
Acresce ainda o dever de verificação da identidade dos clientes e seus represen-
tantes (alínea c) do n.º 2 do art.º 90º).

Reflexão: consulta através dos meios de comunicação social.

Supremo Tribunal Administrativo, Acórdão de 19 Abr. 2007, Processo


0970/06

MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA. Anulação da deliberação que ordenou o encerramento


de estabelecimento por inexistência de procuradoria ilícita, e da prática de actos
próprios dos advogados. A simples minuta de alguns contratos promessa de com-
pra e venda e de arrendamento, a intervenção em actos de justificação notarial, e
a constituição de propriedade horizontal, assemelham-se a actos de consulta jurí-
dica e não a actos de procuradoria, e enquanto tal, somente poderiam justificar
uma deliberação de encerramento por parte da Ordem dos Advogados, se pro-
vado de forma consistente que a agência mediadora praticava regularmente estes
actos.

c) Os actos previstos no nº 6 do art. 1º da LAPAS

“São ainda actos próprios dos advogados e dos solicitadores os seguintes:


a) A elaboração de contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à
constituição, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadamente
os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais;
b) A negociação tendente à cobrança de créditos;

c) O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos


administrativos ou tributários.
66
• A Cobrança de Créditos:
A interpelação para cobrança de créditos, de terceiros, a sua negociação e co-
brança são actos próprios dos ADV.

A cobrança e a simples interpelação unilateral têm vindo a considerar-se por al-


guma jurisprudência, como estando fora dos actos próprios. O RNPC tem vindo a
aceitar pactos sociais de empresas que incluem essa actividade.

Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, Sentença de 25 Jun. 2013, Pro-


cesso 940/11.1BEALM
PROCURADORIA ILÍCITADV COBRANÇA DE CRÉDITOS. A negociação ten-
dente à cobrança de créditos constitui uma atividade que a lei reserva aos advo-
gados e solicitadores, sendo que aquele que pratica atos próprios de advogado
e solicitador sem que para tal esteja habilitado incorre em procuradoria ilícitADV
Sucede porém que das diligências instrutórias efetuadas no processo adminis-
trativo levado a cabo pela Ordem dos Advogados não resulta provado que a so-
ciedade ora impugnante, que tem por objeto a recuperação de créditos, proceda
também à negociação do pagamento destes.
Com efeito, o processo instruído assenta numa denúncia apresentada por um
cidadão interpelado por essa sociedade através de uma carta de interpelação
para pagamento de uma dívida, e em factos mais gerais, que se poderiam ter
apenas como indiciários, como sejam os dizeres da página da internet onde a
sociedade anuncia os seus serviços ou a sua certidão comercial.
Assim, de nenhum desses elementos de prova resulta que a sociedade negoceie
o pagamento do crédito mas apenas que se dedica a cobrar extrajudicialmente
os créditos de terceiros, cabendo a estes, apenas, aceitar ou rejeitar qualquer
proposta de pagamento que não se traduza na regularização imediata e a pronto
da totalidade da dívida e dos juros.
Deste modo, não resultando provado que a sociedade em apreço negoceia a
cobrança de créditos, deve ser anulada a deliberação da Ordem dos Advogados
que considerou estar em causa a prática de atos próprios da profissão de advo-
gado e que, por isso, decidiu requerer o encerramento da atividade.

Ao aceitar-se tal, esquece-se que esses actos abrangem a prática de actos de con-
sulta jurídica, procuradoria e contencioso.

• Contra-ordenações – art. 8º
O regime contra-ordenacional consagrado na LAPAS destina-se a sancionar a prá-
tica de promoção, divulgação e publicidade dos actos de procuradoria ilícita, muitas
vezes camufladas e sob a capa de actos altruístas mas com intuito de ocupar es-
paço de intervenção profissional com carácter lucrativo e mediante angariação de
clientela.
A circunstância da aplicação de coimas pelas suas consequências patrimoniais,
também pode ter efeitos dissuasores da prática da procuradoria ilícita.
67
Ver o DL. 433/82/ de 27 de outubro – Da contra-ordenação e da coima em geral.
http://www.OA.pt/cd/Conteudos/Artigos/detalhe_ar-
tigo.aspx?sidc=31634&idc=8351&idsc=21852&ida=131003

O art. 190º regula as consequências processuais no caso de exercício ilegal do


mandato forense junto dos tribunais.
• Sociedades multidisciplinares
O art. 6º, nº 1 da LAPAS proibia as chamadas sociedades multidisciplinares, só
sendo admissíveis escritórios compostos exclusivamente por advogados e
solicitadores – arts. 210º e 213º, nº 1, 5 e 7º EOA. E não com outros profissionais
como mediadores, contabilistas, consultores, agentes de seguro e de execução, etc
e cuja estrutura organizativa ampla de oferta de serviços visa dominar o mercado
tão cobiçado da advocacia, constituindo ainda uma forma ilícita de angariação de
clientela (art. 90º nº 2, al. h), a salvaguarda dos princípios da independência e
integridade do advogado (arts. 89º e 88º respectivamente) e pontos 2.1., 2.2. e 2.3.
do Código de Deontologia dos Advogados Europeus (CDAE) e pondo ainda em
risco o segredo profissional.

Cfr. o art. 27º, nº 4 da LAPP, entretanto alterado pela Lei nº 12/2023 de 30 de março
e o art. nº 10º, nº 1, al. c) da Lei nº 6/2024 de 19 de janeiro fundamentada na
necessidade de cumprir com as recomendações nacionais e internacionais
e por se revelar essencial para o cumprimento de uma das reformas com
maior relevo no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Esta reforma
das profissões reguladas já vinha sendo reclamada pela Comissão
Europeia, pela OCDE e pela Autoridade da Concorrência.
Mas isso não significa que os solicitadores possam constituir uma sociedade de
advogados, que é exclusiva dos ADV inscritos na OA; podem partilhar gabinetes
ou escritórios e integrar sociedades multidisciplinares.
A prática cumulativa advogado-solicitador é proibida, salvo nos casos previstos no
art. 85º EOA.
Nos escritórios comuns, com a entrada, o gabinete do ADV deve ser uma divisão
autónoma (em causa o segredo de justiça e o princípio da não angariação de
clientela).
Reflexão a fazer: o caso do escritório em open space.
Contudo, o projecto de lei relativo às ordens profissionais que altera questões como
as condições de acesso a algumas profissões, introduz estágios profissionais
remunerados e cria uma entidade externa para fiscalizar os profissionais, acabou
mesmo por ser aprovado pelo Parlamento a 22-12-2022.
A 1 de fevereiro de 2023 o Presidente da República pediu a fiscalização preventiva
da constitucionalidade desse diploma por considerar que algumas das suas normas
poderiam ferir os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da auto-
regulação, como sejam: a inclusão de personalidades externas às ordens

68
profissionais em maior proporção do que internas na avaliação de estágios
profissionais, nos órgãos disciplinar e de supervisão e como provedor, assim como
a incompatibilidade de funções de dirigente na ordem e na função pública.
Por decisão tornada pública em 27 de fevereiro, o TC não considerou
desrespeitados quaisquer princípios ou normas constitucionais, não se
pronunciando consequentemente no sentido da inconstitucionalidade de nenhuma
das disposições fiscalizadas.
Nessa sequência, veio a ser publicada a Lei nº 12/2023 de 28 de março e a Lei
10/2024 de 19 de janeiro (art. 10º), permitindo a existência de sociedades
multidisciplinares que integrem advogados, bem como a alteração ao EOA de 2005,
com a Lei nº 6/2024 (art. 212º-A).
• Responsabilidade civil pelos danos causados (art. 11º da LAPAS):
reforçada pela inversão da presunção de culpa que cabe aos presumíveis autores
da procuradoria ilícita e pela legitimidade conferida à OA para propor as
competentes acções judiciais.
Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 30 Nov. 2016, Processo 31/13
USURPAÇÃO DE FUNÇÕES. CRIME CONTINUADO. O número de crimes de-
termina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos ou pelo nú-
mero de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
No caso em apreço, o arguido não agiu no quadro da solicitação de uma mesma
situação exterior que diminua consideravelmente a sua culpa. Com efeito, o ar-
guido, estando suspensa a sua inscrição como advogado na Ordem dos Advo-
gados, arrogou-se perante terceiros como tal, intervindo em processo judicial na
qualidade de mandatário forense, assim como interveio em diligência judicial, de-
pois de ter sido expulso da Ordem. Ora, considerando que a simples circunstân-
cia de o agente ter sido bem sucedido da primeira vez não pode representar uma
circunstância exterior que diminua consideravelmente a sua culpa, pela que a
prática de vários atos forenses configura diversas resoluções criminosas, nome-
adamente a prática de três crimes de usurpação de funções. INDEMNIZAÇÃO
CÍVEL. A legitimidade da Ordem do Advogados e do assistente para intentarem
ações de responsabilidade civil, tendo em vista o ressarcimento de danos decor-
rentes da lesão de interesses públicos, é aplicável apenas ao crime de procura-
doria ilícita. Ora, tendo em conta que a responsabilidade civil conexa com a res-
ponsabilidade criminal diz respeito somente a direitos e interesses juridicamente
protegidos que possam ser individualizados, tal legitimidade não aplicável analo-
gicamente ao crime de usurpação de funções.

• Autenticação, certificação e reconhecimento de assinaturas por advo-


gado
A lei confere aos advogados inscritos na Ordem dos Advogados de Portugal pode-
res muito amplos na área do notariado e dos registos públicos. Em 29 de março de
2006, foi publicado o decreto-lei n.º 76-A/2006 de 29 de Março, que atribuiu aos
advogados portugueses competências próprias na função notarial.

69
Os advogados são competentes para o reconhecimento de assinaturas, a certifica-
ção de cópias de documentos, a autenticação de documentos particulares e o re-
conhecimento presencial de assinaturas em escritos particulares.
A lei portuguesa reduziu a exigência da escritura pública a um muito reduzido nú-
mero de atos notariais.
Desde a constituição de sociedades comerciais, à cessão de quotas, à compra e
venda de imóveis, passando pela partilha ou pela constituição de hipotecas, todos
os atos podem ser formalizados perante os advogados, os quais podem processar
imediatamente os respetivos registos.
Tem interesse o Parecer de 19-10-2006 de que foi relator o Prof. Luis Menezes
Leitão visando esclarecer o âmbito e as formalidades destes actos.

Processo nº E-13/06
PARECER

O Conselho Geral da Ordem dos Advogados, por deliberação tomada em reunião


de 19 de Outubro de 2006, solicitou-lhe a emissão de parecer sobre a autenticação,
certificação e reconhecimento de assinaturas praticado por advogado — âmbito e
formalidades face ao disposto no Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Maio.
Cumpre apreciar.

A matéria do reconhecimento de assinaturas e autenticação e tradução de


documentos ocupa o Capítulo III do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Maio, o
qual é composto apenas por um artigo (o artigo 38º), o qual dispõe o seguinte:

Artigo 38º
Extensão do regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação
e tradução de documentos

1. Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de


comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei nº 244/92, de 29 de
Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores
podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por
semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar,
traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial.

2. Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas


entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma
força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção
notarial.

3. Os actos referidos no nº1 apenas podem ser validamente praticados pelas


câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em
sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados
são definidos por portaria do Ministro da Justiça.

4. Enquanto o sistema informático não estiver disponível, a obrigação de registo

70
referida no número anterior não se aplica à prática dos actos previstos nos
Decretos-Leis nºs 237/2001, de 30 de Agosto, e 28/2000, de 13 de Março.

5. O montante a cobrar, pelas entidades mencionadas no nº3, pela prestação dos


serviços referidos no nº1, não pode exceder o valor resultante da tabela de
honorários e encargos aplicável à actividade notarial exercida ao abrigo do Estatuto
do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 26/2004, de 4 de Fevereiro.

O registo no sistema informático previsto nesta disposição veio a ser implementado


pela Portaria nº 657-B/2006, de 29 de Junho.
Verifica-se assim que aquela disposição passou a atribuir também aos advogados
competências que anteriormente se encontravam exclusivamente reservadas aos
notários, numa evolução que já vem desde 2000.

Efectivamente, o art. 1º, nº3, do Decreto-Lei 28/2000, de 13 de Março, atribuiu


também aos advogados competência para certificar a conformidade de fotocópias
com os originais que lhes sejam apresentados para esse fim, e proceder à
extracção de fotocópias que lhes sejam presentes para certificação, adquirindo
essas fotocópias o valor probatório dos originais.

Posteriormente, o art. 5º do Decreto-Lei 237/2001, de 30 de Agosto atribuiu ainda


aos advogados competência para fazer reconhecimentos com menções especiais
por semelhança, nos termos previstos no Código do Notariado, e certificar, ou fazer
e certificar, traduções de documentos, acrescentando o art. 6º que os
reconhecimentos e traduções efectuados nestes termos conferem aos documentos
a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com
intervenção notarial.

Confrontando o art. 38º do D.L. 76-A/2006, de 29 de Março, verifica-se que o seu


carácter inovatório consiste em ter atribuído aos advogados competência para fazer
reconhecimentos de quaisquer espécie, simples e com menções especiais,
presenciais e por semelhança, bem como para a autenticação de documentos
particulares, uma vez que anteriormente já lhe tinham sido atribuídas outras
competências notariais.
As competências notariais agora igualmente atribuídas aos advogados
correspondem assim ao seguinte:
a) certificar a conformidade de fotocópias com os documentos originais
apresentados e proceder à extracção das mesmas para esse efeito.
b) fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais ou por
semelhança;
c) autenticar documentos particulares;
d) certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos.
Estas competências abrangem precisamente as competências anteriormente
reservadas aos notários no art. 4º, nº2, c), f) e parcialmente na alínea g) do Código
do Notariado.
Examinemos sucessivamente estas competências.

71
Em relação à certificação de fotocópias ela abrange a conferência de fotocópias,
prevista no art. 171º-A do Código do Notariado, mas não os certificados, referidos
nos arts. 161º e ss. CN, nem as certidões extraídas dos instrumentos, registos e
documentos arquivados nos cartórios. Efectivamente, aos advogados não foram
atribuídas as competências notariais previstas nas alíneas d) e e), nem a da
primeira parte da alínea g) do art. 4º CN, pelo que não podem certificar factos que
tenham verificado, nem passar certidões de documentos em relação a um arquivo
que organizem, uma vez que a lei não lhes atribuiu essas funções notariais. Através
da certificação de fotocópias, os advogados conferem às mesmas a mesma força
probatória resultante do documento original.

Em relação à feitura dos reconhecimentos, destina-se a mesma a atribuir aos


documentos a eficácia e força probatória estabelecida nos arts. 374º a 376º do
Código Civil, que anteriormente estava dependente de intervenção notarial.
Conforme se salientou, após o D.L. 76-A/2006, de 29 de Março, todo e qualquer
reconhecimento pode agora vir a ser feito pelo advogado, independentemente de
ser simples ou com menções especiais, presencial ou por semelhança, desde que
sejam cumpridos os requisitos previstos nos arts. 153º e ss., do Código do
Notariado e realizado o registo informático previsto na Portaria 657-B/2006, de 29
de Junho.
Em relação à autenticação de documentos particulares, trata-se da competência
anteriormente atribuída ao notário pelo art. 363º, nº3, do Código Civil, que permite
atribuir ao documento, nos termos do art. 377º do mesmo Código “a força probatória
dos documentos autênticos, ainda que não os substituam quando a lei exija
documento desta natureza para a validade do acto”. O processo de autenticação
dos documentos particulares encontra-se disciplinado nos arts. 150º e ss. Do
Código do Notariado, exigindo-se assim que as partes confirmem o seu conteúdo
perante o advogado (art. 150º, nº1, CN), o qual deve lavrar termo de autenticação
(art. 150º, nº2, CN), o qual obedece aos requisitos previstos nos arts. 150º e 151º
CN, devendo ainda ser efectuado o registo informático previsto na Portaria 657-
B/2006, de 29 de Junho.
Finalmente, compete ao advogado certificar, ou fazer e certificar, traduções, as
quais devem obedecer aos requisitos previstos nos arts. 172º e ss., do Código do
Notariado, cabendo-lhe também fazer o registo destes actos no referido sistema
informático.
Podem suscitar-se algumas dúvidas em relação a certo tipo de actos. Assim, por
exemplo, quanto ao reconhecimento presencial das assinaturas no contrato-
promessa, previsto no art. 410º, nº3, CC, embora o mesmo possa ser feito por
advogado, a verdade é que a lei exige concomitantemente a certificação pelo
notário da licença de utilização ou de construção, e a competência para essa
certificação não foi atribuída a advogados.
O reconhecimento pelos advogados das assinaturas nos contratos-promessa
suscita igualmente problemas quando a tradição da coisa determina que ocorra um
facto constitutivo da liquidação do IMT, parecendo que neste caso será aplicável
aos advogados a disposição do art. 49º, nº1, do Código do Imposto Municipal sobre
as Transmissões Onerosas de Imóveis, não podendo estes efectuar o
reconhecimento sem que lhes seja exibida declaração prevista no art. 19º CIMT,
acompanhada do respectivo documento de cobrança, que arquivarão, disso

72
fazendo menção no documento a que respeitam, sempre que a liquidação deva
preceder a transmissão (1).
Já em relação às procurações, nos termos do art. 116º, nº1, CN as mesmas podem
ser lavradas por instrumento público, documento escrito e assinado pelo
representado com reconhecimento de letra e assinatura ou por documento
autenticado. Assim, os advogados podem validar procurações através do
reconhecimento de letra e de assinatura ou da autenticação do documento por
termo, uma vez que essas competências lhes foram atribuídas. Apenas não podem
lavrar procurações por instrumento público, dado que esta é uma competência
estritamente notarial. Consequentemente, não poderão os advogados validar
procurações conferidas também no interesse do procurador ou de terceiro, uma vez
que estas devem ser necessariamente lavradas por instrumento público, cujo
original é necessariamente arquivado no cartório notarial (art. 116º, nº 2, CN).

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

Lisboa, 7 de Janeiro de 2007


O Vice-Presidente do CDL
Luís Menezes Leitão

Notas:
1- Neste sentido, cfr. PEDRO MORÃO CORREIA, “Da obrigação de cooperação e
fiscalização dos advogados relativamente ao pagamento de IMT”, em Boletim da
Ordem dos Advogados nº 43 (Setembro-Outubro 2006), pp. 24-27.

Comentário ao Acórdão n.º 117/14.4TJCBR.C1 do Tribunal da Relação de


Coimbra, de 27 de Maio de 2014: Realização de actos notariais por Advogado
Estagiário.

Manuel Sá Martins, Mestre em Direito, Advogado, Abreu Advogados:


1. O Tribunal da Relação de Coimbra veio retomar querela sobre a questão
da legitimidade dos Advogados Estagiários para a prática de reconhecimentos
simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, bem como para
a autenticação de documentos particulares, com a mesma força probatória que se
verificaria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
Conforme se pode ler no sumário do acórdão em apreço:
I – O artigo 38º do DL nº 76-A/2006, de 29/03, indica de modo taxativo as entidades
que podem, no respeito pelas leis notariais, reconhecer assinaturas, autenticar
documentos particulares e traduções.

II – É inaplicável o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 189º do EOA na medida


em que a prática dos actos, por advogado-estagiário, que a lei acomete aos
solicitadores, é supervisionada e orientada pelo respectivo patrono.
III – A autenticação de documento de confissão de dívida feita por advogado-
estagiário viola o disposto no artigo 38º do DL nº 76-A/2006, de 29.3, e o nº 3 do
artigo 363º do CC, este na interpretação de que para além dos Notários as
entidades taxativamente enunciadas naquele decreto-lei têm idênticas
competências em sede de reconhecimentos e autenticação no respeito pelas leis

73
notariais.

Tais considerações sumárias são objecto de desenvolvimento na fundamentação


jurídica pronunciada pelos Juízes Desembargadores da Relação Conimbricense,
nos seguintes termos:

“[É discutível se] um advogado-estagiário pode proceder a «reconhecimentos


simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar
documentos particulares e certificar ou fazer certificar traduções de documentos
nos termos previstos na lei notarial».
Defende a apelante que a alínea a) do nº 1 do artigo 189º do EOA – uma vez obtida
a cédula profissional como advogado estagiário, este pode autonomamente, mas
sempre sob orientação do patrono, praticar (…) todos os actos da competência dos
solicitadores – permite aos advogados-estagiários reconhecer assinaturas,
autenticar documentos e traduções.
Em nosso modesto ver, a autenticação de documento (…) de confissão de dívida
feita por advogado-estagiário viola o disposto no artigo 38º do DL nº 76-A/2006, de
29.3 e o n.º 3 do artigo 363º do CC, este na interpretação de que para além dos
Notários as entidades taxativamente enunciadas naquele decreto-lei têm idênticas
competências em sede de reconhecimentos e autenticação no respeito pelas leis
notariais.
É certo que o EOA confere ao advogado-estagiário a possibilidade de praticar todos
os actos que a lei permite aos solicitadores e daí que a apelante interprete esta
norma no sentido de lhe estender as competências que aquele artigo 38º confere
às entidades neles indicadas e nas quais se incluem os solicitadores. Todavia, a
apelante esquece-se que a competência a que faz referência a alínea a) do n.º 1
do artigo 189º do EOA não é autónoma mas antes se trata da possibilidade que a
lei confere ao advogado-estagiário de praticar os actos que o Estatuto da Câmara
dos Solicitadores possibilita aos solicitadores, mas tal prática não pode deixar de
ser supervisionada, acompanhada e orientada pelo seu patrono, o que no limite
significa que o patrono é o responsável pelos actos que o seu advogado-estagiário
pratique.
alvo melhor opinião, entendemos que o artigo 38º do DL nº 76-A/2006, de 29.3,
indica de modo taxativo quais as entidades que possam usar daquelas
competências e se o legislador não incluiu os advogados-estagiários foi justamente
por considerar a sua falta de autonomia para a prática de actos – nº 1 do artigo 189º
do EOA – e daí não o ter integrado na lista das entidades que quis taxativamente
indicar naquele norma – artigo 9º do CC.
Que o advogado-estagiário possa, orientado pelo seu patrono, praticar os actos da
competência dos solicitadores não se discute, mas que possa estender-se tal
regime – alínea a) do nº 1 do artigo 189º do EOA – ao artigo 38º do DL nº 76-
A/2006, de 29.3, não é suportado por qualquer norma – artigo 10º do CC – nem foi
essa a intenção do legislador que quis de forma expressa indicar taxativamente
quem podia reconhecer assinaturas e autenticar documentos particulares, não
cabendo na sua previsão o advogado-estagiário por se encontrar numa fase da sua
vida profissional tutelada por um advogado/a que assume a posição de «patrono»,
ou seja, a de alguém que o vai orientar e ajudar a dar, em segurança, os primeiros
passos numa carreira profissional ética e profissionalmente muito exigente”.
Observando o teor do aresto, facilmente constatamos o seu potencial impacto na
prática jurídico-forense em Portugal, pois, como é consabido, ao transitarem para

74
a fase complementar do estágio e no âmbito da sua actividade, os advogados
estagiários têm copiosamente efectuado actos relativos à certificação de
conformidade de fotocópias com os documentos originais que lhe sejam
apresentados, diversos tipos de reconhecimentos e autenticações de documentos.
Ora, caso seja acolhida a apreciação normativa acima referenciada, toda esta
actividade será posta em causa, lançando-se na treva os inúmeros actos de
reconhecimento, certificação e autenticação já praticados por advogados
estagiários, ficando estes, no futuro, (ainda mais) limitados no espectro da sua
intervenção.

2. Sendo certo que o n.º 1 do artigo 2.º do Código do Notariado determina que o
órgão próprio da função notarial é o notário, a verdade é que o artigo 3.º do mesmo
diploma legal estabelece algumas excepções a tal princípio, consagrando a alínea
d) deste preceito que “excepcionalmente, desempenham funções notariais: (…) d)
As entidades a quem a lei atribua, em relação a certos actos, a competência dos
notários”. Ora, actuando no domínio da autenticação, certificação e do
reconhecimento de assinaturas em documentos, o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de
29 de Março, no seu artigo 38.º, preceitua o seguinte:
“1 – Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de
comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de
Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores
podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por
semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar,
traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial.
2 – Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas
entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma
força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção
notarial.
3 – Os actos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas
câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em
sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados
são definidos por portaria do Ministro da Justiça (…)”.
A regra normativa em causa é um passo no sentido da simplificação, no nosso
ordenamento jurídico, do regime dos reconhecimentos de assinaturas e
autenticação e tradução de documentos, pela via da atribuição, nomeadamente,
aos advogados e aos solicitadores, as competências notariais supra melhor
identificadas.
É certo que o n.º 1 da disposição legal transcrita não se refere expressamente aos
advogados estagiários. Não obstante, haverá que reflectir sobre se não deverão os
mesmos, desde que estejam já na segunda fase do estágio e actuem sob
orientação do respectivo patrono, considerar-se incluídos naquela previsão e ter
competência para praticar tais actos.
A matéria em apreço subsume-se a uma questão de carácter profissional relativa
ao exercício da advocacia, pelo que não pode ser encarada sem a devida
ponderação dos princípios, regras, usos e praxes que fluem dos preceitos
constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante “EOA”) e
correspectivo universo normativo. Assim, cumpre invocar aqui a alínea a) do n.º 1
do artigo 189.º do EOA, nos termos da qual, estando o advogado estagiário na
indicada fase do estágio – ou seja, tendo sido aprovado nas provas de aferição e

75
obtido a respectiva cédula de advogado estagiário – e actuando sob a orientação
do patrono, pode o mesmo praticar todos os actos da competência dos
solicitadores.

Note-se que o actual EOA, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro,
precede no tempo a publicação do sobredito Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de
Março, pelo que, aquando da redacção do artigo 38.º deste segundo diploma, o
legislador insofismavelmente teria conhecimento de que todos os actos da
profissão de solicitador podem ser exercidos por advogado estagiário. Não
obstante, não optou por excluir expressamente o advogado estagiário dessa
competência.
Em face do exposto, salvo melhor opinião, não podemos sufragar o entendimento
proferido pela Relação de Coimbra, no seu acórdão de 27 de Maio de 2014,
considerando antes que a alínea a) do n.º 1 do artigo 189º do EOA – nos termos do
qual, uma vez obtida a cédula profissional como advogado estagiário, este pode,
autonomamente, mas sempre sob orientação do patrono, praticar (…) todos os
actos da competência dos solicitadores –, em conjugação com o disposto no n.º 1
do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, permite aos advogados-estagiários
reconhecer assinaturas, autenticar documentos particulares e certificar traduções.

Neste sentido, já se pronunciaram, entre outros, o Parecer do Conselho Distrital de


Lisboa da Ordem dos Advogados proferido na Consulta n.º 31/2007 (disponível
in www.oa.pt) e o Parecer n.º 67/PP/2008-P do Conselho Distrital do Porto dessa
Ordem, nos termos dos quais:
“[o legislador atribuiu], nomeadamente, aos advogados e aos solicitadores,
algumas competências anteriormente reservadas aos notários, a saber:

a. Certificar a conformidade de fotocópias com os documentos originais


apresentados e proceder à extracção das mesmas para esse efeito.
b. Fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais ou
por semelhança.
c. Autenticar documentos particulares.
d. Certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos.

Contudo, os Decretos-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março, n.º 237/2001, de 30 de


Agosto e n.º 76-A/2006, de 29 de Março nada referem quanto à legitimidade dos
advogados estagiários para a prática dos mesmos.
[É nosso entendimento] que foi vontade expressa do legislador equiparar, em
termos de competência para a prática de actos profissionais, o advogado estagiário
ao solicitador – Artigo 189º, n.º 1, a) do EOA.

[Nestes termos] o advogado estagiário, que se encontre na segunda fase do


estágio, tem competência para certificar a conformidade de fotocópias com os
documentos originais apresentados e proceder à extracção das mesmas para esse
efeito, fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais ou
por semelhança, autenticar documentos particulares e certificar, ou fazer e
certificar, traduções de documentos, ou seja, tem competência para praticar todos
os actos previstos no Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março, no Decreto-Lei n.º
237/2001, de 30 de Agosto e no Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março”.

76
Também na doutrina assim se pronunciou Edgar Valles, in Actos Notariais do
Advogado, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2009, pp. 55/56.
Igualmente na jurisprudência, o próprio Tribunal da Relação de Coimbra, em
acórdão ulterior proferido em 3 de Junho de 2014, no âmbito do processo n.º
4790/11.7TBLRADVC1 (in www.dgsi.pt), apoiou essa compreensão:

“De acordo com o artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29/03, a extensão do


regime dos reconhecimentos de assinaturas às entidades e profissionais indicados
no respectivo nº 1 – aí se incluindo os advogados-estagiários da segunda fase do
estágio que actuem sob orientação do patrono – abrange todos os reconhecimentos
de assinaturas, simples ou com menções especiais, sem qualquer exclusão (…).

Embora o n.º 1 da disposição legal transcrita [o artigo 38º do Decreto-Lei n.º 76-
A/2006] se não refira expressamente aos advogados estagiários, devem os
mesmos, desde que estejam já na segunda fase do estágio e actuem sob
orientação do patrono, considerar-se incluídos na previsão, pois que, nos termos
do artº 189º, nº 1, al. a) do Estatuto da Ordem dos Advogados, estando na indicada
fase do estágio e actuando sob a referida orientação, podem praticar todos os actos
da competência dos solicitadores e a estes é ali feita explícita menção”.

• O caso da Seguradora Fidelidade:

“Após a Fidelidade ter disponibilizado um serviço jurídico gratuito, o Conselho Re-


gional de Lisboa da Ordem dos Advogados avançou com um processo de crime de
procuradoria ilícita, uma vez que os mesmos são da competência dos advogados.

O Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados (OA) vai avançar com
um processo de crime de procuradoria ilícita contra a seguradora Fidelidade. Esta
tomada de posição surge após a Fidelidade ter disponibilizado um serviço de apoio
jurídico gratuito para ajudar mais de 1,6 milhão de clientes a compreenderem e im-
plementarem as medidas decorrentes do estado de emergência em vigor.

Em comunicado, o Conselho Regional de Lisboa garante que a atuação da Fideli-


dade, bem como dos advogados da seguradora, violam “gravemente” os direitos
dos advogados, “abrindo a possibilidade, na ausência de qualquer medida urgente
por parte da OA, do ressurgimento da figura das sociedades multidisciplinares, que
não mereceu acolhimento do legislador, aquando da elaboração do Estatuto da Or-
dem dos Advogados”.

“Muito embora as seguradoras possam contratar seguros de proteção jurídica, con-


forme, de resto, se encontra previsto no Regime Jurídico do Contrato de Se-
guro, não se pode esquecer que o seguro de proteção jurídica, enquanto eventual
parte integrante de um contrato de seguro, está diretamente associado ao risco
desse mesmo contrato. O que equivale a dizer, concatenando, nomeadamente, a
Lei dos Atos Próprios e o Regime Jurídico referido, que a Fidelidade não se encon-
tra habilitada para, de forma indiscriminada, prestar aconselhamento jurídico ou
qualquer outro serviço jurídico subsumível na Lei dos Atos Próprios. Nem mesmo,
diga-se, a divulgar – mais uma vez, enfatize-se, de forma indiscriminada – esse
mesmo serviço ou serviços”, conclui.
77
In Advocatus, 2020-04-17.

• Conclusões aprovadas no 8º Congresso dos Advogados Portugueses,


realizado em junho de 2018, na cidade de Viseu:
“Actos Próprios
1. Deve ser revogada a Lei n.º 49/2004 de 24 Agosto no sentido de separar os actos
próprios do advogado dos actos próprios do solicitador.
2. Deve ser alterado o regime dos actos próprios do Advogado no sentido de
clarificar e definir de forma mais rigorosa o âmbito do acto próprio do Advogado, de
forma a reconduzir a advocacia ao seu núcleo matricial e identitário único.
3. Deve ser considerado acto próprio do Advogado, designadamente:
a) O exercício do mandato forense, em todas as jurisdições judiciais, no âmbito
dos meios alternativos de resolução de litígios e ainda no âmbito das comissões de
protecção de menores;
b) A consulta jurídica;
c) Assessoria na elaboração de contratos;
d) A prática dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção
de negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias,
cartórios notariais, serviços de finanças ou quaisquer outras entidades públicas ou
privadas;
e) A interpelação, a negociação com pessoas singulares ou colectivas, públicas ou
privadas, tendentes à cobrança, reestruturação ou renegociação de créditos, seja
qual for a forma de contacto utilizada para a interpelação ou para a negociação;
f) O exercício do mandato no âmbito de reclamação ou impugnação de actos
administrativos e tributários.
4. A Ordem dos Advogados deve pugnar pelo reforço do regime sancionatório da
violação da Lei do Acto Próprio do Advogado, através:
a) Da criação dos procedimentos adequados à detecção e denúncia do crime;
b) Da agravação das cominações previstas para o crime de procuradoria ilícita:
b.1) Com aumento do limite máximo da moldura penal do crime para um mínimo de
5 anos;
b.2) Com a conversão da natureza do crime de procuradoria ilícita para crime
público e punibilidade da tentativa.
5. A Ordem dos Advogados deve diligenciar junto do Governo e das Autarquias
Locais pela criação de gabinetes de consulta jurídica locais, através do sistema de
acesso ao direito e aos tribunais, nomeando Advogados nele inscritos.
6. A Ordem dos Advogados deve reforçar a estratégia nacional de prevenção
das práticas ilícitas em matéria dos actos próprios dos Advogados, nomeadamente
através de:

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a) Uma campanha pública de combate à procuradoria ilícita, com vista à criação
e fortalecimento dos mecanismos de prevenção da prática do crime e do sentimento
de confiança no papel do Advogado, com enfoque, designadamente, no benefício
e necessidade de uma advocacia preventiva;
b) Um plano de formação estratégico envolvendo os serviços públicos e outras
Ordens Profissionais, a publicação periódica de artigos reforçando a importância
da advocacia na comunidade e a prática solidária e concertada dos Advogados;
c) Apresentação de queixas-crime por violação da lei;
d) Instauração de processos com vista ao encerramento dos gabinetes ilegais;
e) Articulação e criação de procedimentos céleres com as entidades que colaboram
com a Ordem nesta matéria, nomeadamente a Direcção Geral do Consumidor e o
Ministério Público.
7. Deve tornar-se obrigatória a aposição de uma vinheta jurídica, física ou eletrónica
nos actos cuja prática a lei reserva aos Advogados.
8. A aposição de uma vinheta jurídica é condição de eficácia do acto próprio de
Advogado.
9. A Ordem dos Advogados deve pugnar no sentido de serem instituídos parques
de estacionamento exclusivos e gratuitos destinados a Advogados.
10. A nota de despesas e honorários emitida por Advogado deve passar a constituir
título executivo.
11. Deve ser concedida isenção de taxas de justiça ao Advogado quando este seja
demandado em acções de responsabilidade civil no exercício da profissão.
12. Deve ser pugnado pela revogação do nº 8 do art.º 1º da Lei dos Actos Próprios
dos Advogados, proibindo cidadãos e empresas de se fazerem representar por
terceiros que não sejam advogados.
13. O artigo 48º, nº 1, alínea d), do Código do Registo Comercial e o artigo 10º,
alínea b), do Regulamento do Registo Comercial devem ser alterados no sentido
de ficar vedada a inclusão no objecto social de sociedade comercial actividades
consideradas como actos próprios de Advogados, devendo o registo ser recusado
quando ocorra violação da Lei nº 49/2004, consagrando-se a sua nulidade em caso
de realização.
14. A Ordem dos Advogados deve propor a alteração das leis de processo no
sentido de não ser permitido o exercício do patrocínio judicial por outros
profissionais, como é o caso dos licenciados em Direito com funções de apoio
jurídico no âmbito do contencioso administrativo, dos contabilistas certificados no
âmbito do processo tributário e do Ministério Público no âmbito das acções
emergentes de contrato individual de trabalho.
15. A Ordem dos Advogados deve propor uma alteração legislativa no sentido de
nos processos de divórcio por mútuo consentimento passar a ser exigida a
representação das partes por Advogado.

79
16. A Ordem dos Advogados deve pugnar pela actualização das tabelas dos
honorários do sistema de acesso ao direito e aos tribunais (SADT).
17. A Ordem dos Advogados deve pugnar pelo retorno das competências que
foram atribuídas aos designados “balcões”.
18. Importa que a Ordem dos Advogados tome uma clara e inequívoca posição
de firmeza junto do Poder Político, no sentido de se repor a legalidade, no que se
reporta às empresas de cobrança.
19. A Ordem dos Advogados deve exercer o direito de resposta sempre que os
Advogados sejam alvo de comentários depreciativos em órgãos de comunicação
social.
20. Não é de admitir nos escritórios de Advogados, a prestação de serviços, de
forma directa ou indirecta, por juristas não inscritos na Ordem dos Advogados ou
cuja inscrição se encontre suspensa, a menos que seja delimitada com rigor a
fronteira dos actos que estes últimos podem praticar.
21. A Ordem dos Advogados deve pugnar pela:

a) Simplificação dos procedimentos de encerramento de gabinetes de procuradoria


ilícita;
b) Consagração da efectiva obrigação de identificação de todos os que se
apresentem nos serviços da Administração Pública em representação de terceiros,
designadamente através da implementação de novas ferramentas informáticas,
intervindo na regulação de empresas imobiliárias, das demais entidades
autorizadas a praticar actos próprios e na eventual regulação de empresas de
cobrança de dívidas.”

No seio da OA funciona a Comissão de Defesa dos Actos Próprios dos Advogados


(CDAPA) que tem como objetivo definir, incentivar e coordenar a nível nacional a
ação de divulgação dos atos próprios dos Advogados, de prevenção e combate à
procuradoria ilícita e de promoção da Advocacia preventiva.

Junto dos Conselhos Regionais funciona a Secção de Combate à Procuradoria


Ilícita, que tem como função receber, averiguar e processar as queixas de prática
de procuradoria ilícita recebidas (art. 54º, nº 1, al. u) EOA).
- Arts. 67º, 121º e 190º e 48º CPC: actuação do juiz.
O ADV que viola a LAPAS incorre em responsabilidade disciplinar, civil (art. 483º
CC) e criminal.
A problemática introduzida actualmente com a inteligência artificial (IA) que já
acompanha o cidadão no seu dia a dia em múltiplas actividades, sendo a mesma
definida como a “capacidade de um computador digital ou robô controlado por
computador para executar tarefas normalmente associadas a seres inteligentes.”
(Enciclopédia Britânica) poderá no futuro influenciar os actos próprios dos

80
advogados, como é o caso da gestão de conhecimento, análise de documentos,
redação de contratos, análise de contenciosos e preparação de peças processuais.
https://observador.pt/opiniao/poderao-robos-substituir-advogados-como-a-
inteligencia-artificial-transformara-a-advocacia-e-o-direito/

• Alterações introduzidas neste regime pela Lei nº 10/2024 de 19 de


janeiro, que estabelece o Regime Jurídico dos Atos de Advogados e Solicitadores,
que designaremos por RJAAS e revogou a LAPAS – art. 16º.
(Este diploma legal, que altera o paradigma no exercício da actividade jurídica,
entrou em vigor com efeitos rectroactivos a 1 de janeiro de 2024 e que o Governo
justificou como necessárias por forma a não perder fundos do Plano de
Recuperação e Resiliência (PRR) da União Europeia) depois de aprovada pela
Assembleia da República com os votos favoráveis do grupo parlamentar do PS,
obrigando assim o Presidente da República a promulgá-la, que a havia vetado.
Na Mensagem enviada ao Presidente da Assembleia da República aos 11.12.2023,
para justificar o veto à nova lei o Presidente da República considerou que “Também
a possibilidade agora concedida a outros profissionais não advogados de
praticarem atos antes próprios dos Advogados parece introduzir uma possibilidade
de concorrência desleal, na medida em que estes profissionais não se encontram
adstritos, designadamente, aos deveres disciplinares, a ter de pagar quotas para a
Ordem e às obrigações de independência, de proibição de conflitos de interesses
e de publicidade que impendem sobre os Advogados.”
De futuro, aplica-se ao advogado o regime legal das APP no sentido de que as
actividades profissionais só poderão ser reservadas aos membros das ordens
quando tal resulte expressamente de lei, fundada em razões de interesse público
constitucionalmente protegido, segundo critérios de adequação, necessidade e
proporcionalidade.
Para a OA, esta alteração tem um impacto negativo nos direitos, liberdades e
garantias e para a segurança jurídica dos/as cidadãos/ãs e empresas, entendo não
haver necessidade de alteração da lei agora revogada.
A Bastonária Fernanda Almeida Pinheiro defendeu que a profissão de
advogado “não pode ser exercida por quem não tem a competência técnica
adequada para o fazer, nem o conhecimento deontológico para a exercer”.
Caso contrário, “numa altura em que tanto se fala de uma justiça para ricos e outra
justiça para os pobres, com estas alterações quem tiver condições económico-
financeiras naturalmente que continua a recorrer aos advogados que são quem têm
competência técnico-jurídica para tratar do aconselhamento especializado, ficando
as restantes pessoas com menos dinheiro à mercê de sabe-se lá de quem.”
A nova lei, e frustrando as expectativas da OA e muitos dos seus associados, opera
uma redução dos actos próprios dos advogados, ao inserir outros profissionais na
sua esfera de actividade.
Quais são as alterações essenciais introduzidas por este diploma legal?

81
Normas como as arts. 1º, nº 1, 3, 8, 9, 10 e 11, 2º, 3º, 4º, nº 1, 5º nº 1, 3 e 5º, 7º,
nº 3, 8º, 9, 10º, 11º nº 1 e 3, 12º nº 2 e 4 da LAPAS foram transpostas para o RJAAS,
algumas com alterações de pormenor.

A consulta jurídica passa a poder ser praticada por notários, agentes de execução
e profissionais licenciados em direito (juristas), mas sem a devida habilitação pro-
fissional da Ordem dos Advogados – cfr. art. 7º;

Essa alteração assenta no pressuposto de que “ter passado pela academia”, ou


seja, ter a licenciatura em Direito, deve permitir ao profissional licenciado em Direito
poder fazer aconselhamento jurídico, elaborar contratos ou cobrança de créditos.

No entanto, existem algumas ressalvas. Assim, o exercício da consulta jurídica por


licenciados em direito que se encontrem em regime de subordinação ou de presta-
ção de serviços para outras entidades, independente da respetiva natureza, apenas
abrange as matérias compreendidas nas atribuições e competências, no objeto ou
no fim das entidades em causa;

Para poderem prestar consulta jurídica, estas entidades ficam obrigadas a celebrar
e manter um seguro de responsabilidade civil profissional;

A elaboração de contratos pode ser entregue a pessoas com licenciatura, mas não
necessariamente advogados – cfr. art. 8º;

No caso das sociedades comerciais, a elaboração de contratos apenas poderá ser


praticada como atividade acessória de atividade compreendida no respetivo objeto
social, e não como atividade principal; e

A negociação e cobrança de créditos, ainda que supervisionada por um advogado,


passa a poder ser realizada por pessoas que não sejam sequer licenciados em Di-
reito, a trabalhar em empresas de cobranças – cfr. art. 9º.

Foi eliminada a proibição de existência de sociedades mulidisciplinares que inte-


grem advogados e ou solicitadores (art. 10º nº 1, al. c) na decorrência das altera-
ções introduzidas pela Lei 12/2023 – LAPP.

A remissão nessa alínea para a Lei nº 53/2015, que estabelece o regime jurídico
da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam su-
jeitas a associações públicas profissionais, não pode fazer esquecer as alterações
resultantes à mesma pela Lei nº 64/2023.

Importa salientar que as sociedades multidisciplinares de profissionais que se es-


tabeleçam em território nacional podem dedicar-se ao exercício de profissões or-
ganizadas em associações públicas profissionais, juntamente com outras profis-
sões organizadas ou não em associações públicas profissionais.

Relativamente à consulta jurídica, a nova redação do art. 7º, com o título “Exercí-
cio da consulta jurídica por outras entidades” prevê inovatoriamente que:

82
1 – Sem prejuízo do estabelecido no artigo anterior, podem ainda exercer a ativi-
dade de consulta jurídica:

a) Os notários e os agentes de execução;

b) Os licenciados em direito.

3 – O exercício da consulta jurídica por licenciados em direito que se encontrem em


regime de subordinação ou de prestação de serviços para outras entidades, inde-
pendente da respetiva natureza, apenas abrange as matérias compreendidas nas
atribuições e competências, no objeto ou no fim das entidades em causa.

5 - As entidades referidas no n.º 1, bem como todas as pessoas que colaborem na


atividade, ficam sujeitas aos deveres de imparcialidade e sigilo, devendo organizar-
se de forma a identificar potenciais conflitos de interesses e atuar de modo a evitar
o risco da respetiva ocorrência.

6 - As entidades referidas na alínea b) do n.º 1 devem celebrar e manter um seguro


de responsabilidade civil profissional, cujas condições mínimas são fixadas por por-
taria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e das finanças.

7 – Os notários e agentes de execução ficam, no exercício da consulta jurídica,


sujeitos aos deveres deontológicos previstos nos estatutos da respetiva ordem pro-
fissional.

8 – O interessado é informado que, em caso de litígio emergente da situação objeto


da consulta jurídica, o patrocínio forense apenas pode ser exercido, por advogado
ou solicitador.

Artigo 8º: Elaboração de contratos

1 – Os atos compreendidos na alínea a) do n.º 6 do artigo 1.º podem ainda ser


praticados:

a) Por agentes de execução e notários;

b) Por sociedade comerciais, como atividade acessória de atividade compreendida


no respetivo objeto social;”

c) Os licenciados em direito.

2 – Para efeitos da alínea b) do número anterior, a prestação de serviços deve ser


efetuada por licenciado em direito que exerce as respetivas funções em regime de
subordinação ou de exclusividade.

3 – As entidades referidas no n.º 1 ficam sujeitas aos deveres constantes do n.º 5


do artigo anterior.

4 – Os órgãos sociais bem como todas as pessoas que colaborem na atividade da


sociedade referida na alínea b) do n.º 1, ficam igualmente sujeitos ao dever de sigilo

83
quanto a todos os elementos de que tenham conhecimento em função das respeti-
vas atividades.

5 – As sociedades referidas na alínea b) do n.º 1 devem aprovar um código de


conduta, que deve ser revisto a cada três anos, nos termos do qual:

a) Se garantam os deveres de sigilo e onde se prevejam mecanismos de deteção


e prevenção de conflitos de interesses, incluindo o dever de abstenção de atuação
quando estes se verifiquem;

b) Se estabeleçam o conjunto de princípios, valores e regras de atuação de todos


os dirigentes e trabalhadores em matéria de ética profissional, tendo em conside-
ração as normas penais referentes à corrupção e às infrações conexas e os riscos
de exposição da entidade a estes crimes.

6 – Para efeitos da alínea b) do número anterior, são identificadas no código de


conduta, pelo menos, as sanções disciplinares que, nos termos da lei, podem ser
aplicadas em caso de incumprimento das regras nele contidas e as sanções crimi-
nais associadas a atos de corrupção e infrações conexas.

7 – Os órgãos sociais bem como todas as pessoas que colaborem na atividade da


sociedade referida na alínea b) n.º 1, devem, mediante declaração escrita, aderir
ao código de conduta referido no número 5.

8 – As sociedades referidas na alínea b) do n.º 1 asseguram a publicidade do código


de conduta a todas as pessoas que colaborem na atividade, devendo fazê-lo atra-
vés da Intranet e na sua página oficial na Internet, caso as tenham, no prazo de 10
dias contados desde a sua implementação e respetivas revisões.

9 – As entidades referidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 devem celebrar e manter um


seguro de responsabilidade civil profissional cujas condições mínimas são fixadas
por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da justiça e das
finanças.

10 – São correspondentemente aplicáveis aos agentes de execução e aos notários


as normas constantes dos respetivos estatutos em matéria de sigilo e de conflito
de interesses.

11 – O interessado é informado de que, em caso de litígio emergente da relação


jurídica assessorada, o patrocínio forense apenas pode ser exercido, nos termos
legais, por advogado ou solicitador.

Artigo 9º: Negociação tendente à cobrança de créditos

1 – Os atos compreendidos na alínea b) do n.º 4 do artigo 4.º, podem igualmente


ser praticados por sociedades comerciais que tenham por objeto exclusivo a nego-
ciação tendente à cobrança de créditos.

2 – As sociedades referidas no número anterior podem receber de terceiros os


montantes relativos aos créditos devidos ao seu cliente.

84
3 – Para efeitos do n.º 1, a sociedade deve indicar um advogado ou solicitador com
inscrição em vigor na Ordem dos Advogados ou na Ordem dos Solicitadores e dos
Agentes de Execução, responsável pela supervisão da atividade da sociedade, o
qual deve garantir, em toda a organização, a observância das regras legais, o res-
peito pelos deveres de sigilo, a identificação de potenciais conflitos de interesses e
a atuação de modo a evitar o risco da respetiva ocorrência.

4 – São aplicáveis às sociedades previstas neste artigo os n.ºs 4 a 9 do artigo an-


terior.

5 – Para efeitos do número anterior, o código de conduta deve ainda ter em consi-
deração as normas penais referentes aos crimes contra a liberdade pessoal, bem
como a referência às sanções criminais associadas à prática daqueles ilícitos.

6 – Sempre que a sociedade detiver fundos dos seus clientes ou de terceiros no


contexto da respetiva atividade, deve observar as regras seguintes:

a) Os fundos devem ser depositados em conta da sociedade separada e com a


designação de conta clientes, aberta para o efeito num banco ou instituição similar
autorizada;

b) Os fundos devem ser pagáveis à ordem, a pedido do cliente ou nas condições


que este tiver aceite;

c) A sociedade deve manter registos completos e precisos relativos a todas as ope-


rações efetuadas com estes fundos, distinguindo-os de outros montantes por ele
detidos, e deve manter tais registos à disposição do cliente.

7 – O disposto no número anterior não se aplica às provisões para honorários efe-


tuadas pelos seus clientes.

8 – A sociedade não pode receber ou movimentar fundos que não correspondam


estritamente a assunto que lhe tenha sido confiado.

9 – A sociedade deve ainda verificar a identidade do cliente e dos seus represen-


tantes, assim como os poderes de representação, legais ou contratuais, destes úl-
timos, antes da prestação de qualquer serviço.

10 – Sempre que a sociedade suspeitar seriamente que a operação ou atuação a


promover visa a obtenção de resultados ilícitos deve, de imediato, cessar a respe-
tiva prestação de serviços.

11 – Deve ser prestada ao cliente a informação de que, em caso de litígio emer-


gente da relação jurídica de onde emergem os créditos cuja cobrança é promovida,
o patrocínio forense apenas pode ser exercido, nos termos legais, por advogado ou
solicitador.

12 – Às sociedades referidas no presente artigo aplica-se, com as necessárias


adaptações, o regime previsto na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto.

85
O art. 6º sob a epígrafe “Escritório de procuradoria ou de consulta jurídica”,
surge com uma nova redação de forma a integrar as sociedades multidisciplinares
que integrem advogados e ou solicitadores, nos termos da Lei n.º 53/2015, de 11
de junho, a quem é permitido o funcionamento de escritório ou de gabinete, consti-
tuído sob qualquer forma jurídica, que preste a terceiros serviços que compreen-
dam, ainda que isolada ou marginalmente, a prática de atos próprios exclusivos dos
advogados. e

(al. d): Não são abrangidos pelo disposto nos números anteriores os sindicatos e
as associações patronais, desde que os atos sejam praticados individualmente por
advogado, ou solicitador e para defesa exclusiva dos interesses comuns em causa.

Hipóteses de exame de 05-12-2014; 24-04-2015; 19-01-2018; 07-12-2022.

19. O Segredo Profissional

“A palavra é prata; O silêncio é ouro: Se não é conveniente, não o faças; Se não é


verdadeiro, não o digas, pois às profundezas da nossa consciência somente nós
temos acesso.”
Valério Bexiga

“Destruir o segredo profissional significará sempre e inelutavelmente a destruição


simultânea do seu próprio fundamento ético-jurídico, qual seja o princípio da
confiança e a natureza social da função forense cometida ao Advogado já que a
confiança e o sigilo não representam senão siameses cuja separação implica a não
sobrevivência de qualquer deles”.

Alfredo Castanheira Neves

Da psicologia à medicina, passando pelos serviços bancários, jornalistas e juristas,


são imensas as áreas profissionais em que a quebra do sigilo profissional não pode
acontecer.

Efectivamente, o sigilo profissional é uma regra muito usada em Portugal no


universo dos negócios, da advocacia, da política, da comunicação social, ou da
medicina. Isto porque são áreas nas quais se lida quase todos os dias com
situações muito delicadas, nomeadamente quando uma das partes envolvidas não
quer que a outra parte divulgue, de maneira nenhuma, determinadas informações
que pretende manter na base da total confidencialidade.

Quando numa relação profissional ou laboral estão em causa dados pessoais de


grande importância, é fundamental que a confiança entre as partes seja mantida,

86
sendo a confidencialidade essencial para que aquela exista – é sobretudo por esta
razão que a lei prevê a existência do sigilo profissional.

No que diz respeito aos padres da Igreja Católica, o teor das confissões por parte
dos fiéis jamais pode ser revelado. O sigilo é absoluto e inviolável. O padre, sob
pena de poder excomungado, é obrigado a manter a confidencialidade sobre tudo
o que lhe for transmitido durante as confissões dos fiéis. Isto porque o sigilo está
consagrado no direito canónico. Daí se compreenda o que dispõe o nº 5 do art.
135º CPP.

No caso da advocacia, o sigilo profissional é essencialmente um dever e não só um


direito.

Constitui um dever estatutário autónomo da profissão, tal como em outras


profissões (médicos, bancários, jornalistas, farmacêuticos, etc.), a par do da
independência e da integridade (arts. 88º e 89º).

Nele radica também a confiança (o ADV é integro, honesto e leal) - cfr. ponto 2.3.1.
do CDAE
Para além de dever ser tecnicamente preparado, está sujeito ao exercício regulado
e tutelado em função do interesse público e função social da profissão (defesa os
direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, harmonização de
conflitos e pacificação social) sendo o sigilo essencial para a boa administração da
justiça.
Desse modo, entende-se para os efeitos previstos no art. 120º, que a desistência
da participação por violação do segredo profissional não extingue a
responsabilidade disciplinar, por a falta imputada afetar a dignidade do advogado
visado, o prestígio da Ordem dos Advogados ou da profissão.
Face ao interesse público da defesa do segredo profissional, compete ao Estado
garantir as imunidades necessárias ao advogado para esse fim (cfr. ponto 2.3.1. do
CDAE, artigo 13º da LOSJ - Lei nº 62/2013 e 76º EOA).
Efectivamente, o dever de sigilo dos advogados, está conexamente consagrado
como uma das dimensões constitucionais do patrocínio forense, considerado como
“um elemento essencial à administração da justiça” (cf. art.º 208.º da CRP) sendo
que o direito fundamental e constitucional de acesso ao direito (cf. art.º 20.º da
CRP) implica, para além do mais, o correspondente patrocínio judiciário, com a
particular relação de confiança entre o advogado e o seu cliente, a defesa da
dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus
representantes.

A razão de ser do dever de guardar segredo profissional por parte dos advogados
é, por um lado, a confiança e a lealdade entre advogado e cliente e, por outro, a
dignidade da advocacia. Assim, ao lado do interesse privado do cliente, existe o
interesse público na confiança do advogado e na sua função social.

87
“O interesse público é o interesse que se relaciona com a conservação e
desenvolvimento da sociedade política e da satisfação das suas necessidades.
Ora, o sigilo, enquanto salvaguarda de uma esfera de privacidade na relação entre
o cliente e o Advogado surge edificado sobre o pilar da necessidade de paz social
e de Justiça, cuja indispensabilidade é prosseguida pelo Advogado, enquanto
técnico do direito, defensor da boa aplicação das leis e do aperfeiçoamento do
sistema jurídico. Aliás, a importância - senão mesmo essencialidade - social do
Advogado é evidente, logo ao nível contencioso, na necessidade de intervenção de
Advogado em praticamente todas as causas cíveis (artigos 32º e 60º do Código de
Processo Civil) e, como defensor do arguido, em todos os processos criminais
(artigos 61º /1 d), 62º e 64º do Código de Processo Penal), já para não aludirmos a
jurisdições especiais, como é o caso da administrativa.

Acresce que actividade profissional do Advogado não se resume à actividade de


mandatário processual das partes; são, hoje e cada vez mais, evidentes as
vertentes de informação jurídica e de aconselhamento preventivo do Advogado e
ainda de instância de resolução pacífica de conflitos. Assim sendo, o sigilo
profissional ostenta um sentido privado, reportando-se à específica relação
existente entre o Advogado e o seu cliente e aos deveres que desta relação
emergem, mas também um sentido público, aferido por referência ao interesse ético
que o sigilo possui no seio da comunidade, enquanto contributo fundamental para
a confiança no Advogado e, por via desta, para a boa administração e aplicação do
Direito.” (Catarina Luísa Pires, Deontologia Profissional).

Decorre do disposto no art. 92º, nº 1 que o ADV está legalmente obrigado ao


segredo profissional no que respeita a factos conhecidos no exercício das suas
funções, seja qual for a origem da fonte.

Diferentemente, se alguém, como cidadão (ainda que com conhecimentos jurídicos


por ser advogado) teve conhecimento de algum facto com interesse jurídico
relevante, não está abrangido pelo segredo profissional (por ex. um advogado que
presenciou na via pública um acidente de viação pode (deve) testemunhar sobre o
mesmo em tribunal).

O segredo profissional não é só para os clientes, mas um princípio geral de


deontologia profissional (mesmo que intervenha só um ADV, por a parte contrária
não ter constituído ADV).
Os factos que chegam ao seu conhecimento advêm também de outras vias e não
só por revelação dos clientes.
O segredo pode advir da contraparte, do co-interessado, ou dos advogados destes.
A comunicação de uma ADV de indicação dos seus dados e solicitação a um colega
de emissão do substabelecimento sem reserva a ser junto a um processo, não se
encontra sujeita ao dever de segredo profissional, por não se reportar a factos
transmitidos num pressuposto de confidencialidade – 2.3.1 do C.D.A.E.
Atente-se que “a obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado
ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial,

88
quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar
e a desempenhar a representação ou o serviço” – cfr. o nº 2 do art. 92º.
Em Portugal, já a Reforma Judiciária de 1837, consagrava legalmente o respeito
pelo segredo profissional, estabelecendo no artigo 114º que “os advogados,
confessores e médicos, depondo não podem ser obrigados a revelar segredos, em
razão das suas profissões”.

“Ao padre, ao médico e ao ADV deve dizer-se toda a verdade.”


(provérbio popular)

O cliente confia ao advogado a liberdade, a honra e a carteira.

Por conseguinte, o segredo profissional não é um direito, mas uma obrigação legal
do advogado e que perdura mesmo que o ADV tenha a sua inscrição cancelada,
devendo-se nessa circunstância respeitar o formalismo do nº 4 do art. 92º EOA,
embora o ADV não possa ser sancionado disciplinarmente (art. 114º, nº 3 do citado
diploma legal). Mas se dúvidas houvesse sobre essa questão, caberia ao Conselho
Geral resolver essa questão (art. 10º do RDSP).

Tem carácter social ou de ordem pública e não contratual. Não se insere, assim, no
âmbito dos direitos/deveres disponíveis do cliente e do advogado.

Não é permitido excluir ou limitar a obrigação do segredo profissional, por acordo


entre Cliente e Advogado (art. 800º CC).
Exemplos:
- Cartas entre as partes, em que o ADV não interveio: este pode revelar.

- A que foi constituído após as negociações ocorridas entre um colega e a parte


que passa a representar: o colega está em posição de desfavor – princípio de
igualdade de armas, que pressupõe que as partes se encontrem em paridade de
condições, que tenham direitos processuais idênticos e estejam sujeitos também a
deveres, ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição no processo seja
equiparável. (cfr. também o art. 20º CRP). Não deixa de estar vinculado ao segredo
profissional (arts. 92º, nº 1 e 2).
“Em tese lógica, um advogado poderá tomar conhecimento do conteúdo de
negociações malogradas por cinco vias, (i) porque delas terá tomado conhecimento
directo, (ii) porque lhe terão sido transmitidas pelo cliente ou pelo seu anterior
mandatário , (iii) porque lhe terão sido transmitidas pelo mandatário da parte
contrária ou da co-parte, (iv) porque lhe terão sido transmitidos por colega de
escritório ou (v) transmitidos por terceiros.
A sujeição a sigilo de negociações malogradas não se resume, por isso, à previsão
das alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 87º.

89
Existe submissão a sigilo quando um advogado toma conhecimento pelo seu cliente
de negociações malogradas – alínea a).
Existe submissão a sigilo quando um advogado toma conhecimento pelo anterior
advogado do seu cliente – por instruções deste - de negociações malogradas –
alínea a).
Existe submissão a sigilo quando um advogado toma conhecimento de
negociações malogradas atravéz de colegas de escritório – alínea c).
E entendemos que existe submissão a sigilo quando um advogado toma
conhecimento de negociações malogradas mesmo que seja por terceiros e aquelas
não sejam de conhecimento público.
Nunca é demais recordar que o elenco das alíneas a) a f) do artigo 87º é meramente
indicativo e que a regra é a da sujeição a sigilo a todos os factos cujo conhecimento
pelo advogado lhe advenha do exercício das suas funções. E só não estarão
sujeitos se, por natureza, os factos não sejam em si sigilosos.”

- Revelação de factos em benefício de terceiros, com autorização do cliente e sem


ser em desfavor deste: pode (com a necessária autorização do Presidente do CRL,
mas é livre de o fazer, mesmo face à decisão de dispensa, no entendimento de
Orlando Guedes da Costa, ob. cit.).

O ADV não é uma simples testemunha, que normalmente não pode ser. Participa
na administração da justiça e não é um mero auxiliar da justiça. No entanto, essa
revelação pode vir a ser pedida pelo tribunal e o Presidente do C. Regional poderá
dar autorização.
Contudo, vários autores e a jurisprudência entendem que quando esteja em causa
a defesa de terceiros e não do Advogado ou seu (antigo) cliente, deve ser indeferido
o pedido de levantamento.

Ex.: acção judicial de cobrança de honorários: o ADV não pode ser testemunha do
outro colega, pois não é do seu interesse, nem do cliente. Mas pode (deve) pedir a
necessária dispensa num quadro em que esteja quebrada a relação de confiança
com o cliente e intente ele próprio essa acção contra o seu ex-cliente.

A razão de ser do dever de guardar segredo profissional por parte dos advogados
é, por um lado, a confiança e a lealdade entre advogado e cliente e, por outro, a
dignidade da função social da advocacia. Assim, ao lado do interesse privado do
cliente, existe o interesse público na confiança do advogado e na sua função.
Segundo António Arnaud in “Iniciação à Advocacia”, pág. 66, o fundamento ético-
jurídico do sigilo profissional de advogado radica no princípio da confiança e na
natureza social da função forense.
A obrigação de segredo transcende, por consequência, a mera relação contratual,
assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do
advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria
classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral.

90
O Ac. da Relação de Évora de 18-03-2020, decidiu que deve ordenar-se o
levantamento do sigilo profissional do Sr. Advogado quando, estando demonstrado
que a prestação do depoimento não viola de forma insuportável direitos
fundamentais da ADV ou do Sr. Advogado, em contraposição ao direito
fundamental que o R. tem de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva,
como é garantido pelos artigos 18.º, nº 2 e 20.º da CRP e quando é claramente
preponderante o interesse na prossecução do interesse público da administração
da justiça e da descoberta da verdade.
https://www.direitoemdiADVpt/search/show/56335cc5e1829bb68f9f985103995353
05aba82fda0c0bcf203b697bcf2a0167
No mesmo sentido, veja-se o Ac. do STJ de 05/04/2018 em que decidiu o
levantamento do segredo profissional de dois advogados num caso em que se
investiga um crime de abuso de poder por parte de um Procurador da República.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/B92D5A2A8F2412A3802582CF003AF19E

E como garante o ADV a defesa do segredo profissional?


Fá-lo-á, seja estando indisponível para a sua revelação, seja solicitando a
necessária autorização prévia para a sua revelação, quando entenda estarem
verificados os pressupostos para o efeito.
Só o próprio ADV e não o cliente ou outro colega pode formular esse pedido (cfr.
art. 92º, nº 4 e arts. 5º e 6º, nº 2 do RDSP).
O pedido é indeferido quando um determinado facto ou acervo de factos pode ser
provado através de um meio de prova que não está sujeito a sigilo. Ou porque um
determinado acontecimento foi presenciado por outras pessoas que não apenas e
só o Advogado. Ou porque uma determinada conversa não foi mantida, única e
exclusivamente, com o Advogado ou entre Advogados. Ou porque existe
documento não sujeito a sigilo que comprove o facto.
Também dever ser indeferido se a revelação de um determinado facto sigiloso não
é essencial para a (im)procedência de determinado processo, já pendente ou a
instaurar.
Igualmente não é possível a autorização para a revelação dos factos sigilosos no
interesse da parte contrária (art. 92º, nº 4).
Nestas situações, o indeferimento pressupõe sempre uma análise
necessariamente casuística da (não) verificação dos pressupostos inerentes à
dispensa.
Deve ser sempre indeferido quando o Advogado vem solicitar o levantamento do
sigilo para poder depor contra um cliente em favor de outro cliente. Por regra, o
ADV só pode ser autorizado a depor sobre factos objectivamente favoráveis ao seu
cliente e nunca, pois, sobre factos que lhe sejam desfavoráveis. Além disso, o ADV
não deve beneficiar indevidamente e de forma ilegítima o seu novo cliente, por estar
perante uma situação de conflito de interesses, geradora de impedimento (cfr. ainda
o art. 370º do C. Penal – crime de prevaricação de advogado).

91
O pedido de dispensa do sigilo tem de ser prévio à divulgação dos factos sigilosos.
E se já foram revelados os factos, se deixaram de ser estar em “segredo”, já não
fará sentido vir, a posteriori, pedir a dispensa para provar factos que não podiam
ter sido revelados sem autorização prévia.

Obviamente que a quebra não autorizada do sigilo tem consequência ao nível da


(in)validade da prova, que constitui uma nulidade insanável por ter sido obtida por
meios ilícitos (art. 92º, nº 5 e 117º CPP e 195º, nº 1 CPP).

O ADV, nesse caso, praticou um acto gerador de responsabilidade civil (art. 483º
CC), criminal (art. 195º CP) e disciplinar (art. 115º EOA).
Ainda que o ADV seja dispensado do dever de não revelar factos a coberto pelo
segredo profissional, a verdade é que pode ainda assim manter o segredo quanto
aos mesmos nos termos do nº 6 do art. 92º, em obediência ao princípio de
independência e da reserva do advogado.
O ADV é o juiz da sua própria consciência.
Relativamente às pessoas referidas no nº 7 do art. 92º (colaboradores dos
advogados) veja-se o decidido nos Ac. do TRL de 24/11/2020 in
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/bb02c66ef7540c7
b8025863a004dc96b?OpenDocument
Já se entendeu inclusivamente que este sigilo se estende aos próprios funcionários
do organismo profissional que disciplina a atividade de advogado – cf. Acórdão da
Relação de Guimarães de 8/3/2018, Proc. n.º 3764/15.3T8BRG-ADVG1, disponível
em www.dgsi.pt.
Como resulta do disposto pelo art.º 417º, n.º 4 do Código de Processo Civil, supra-
citado, o segredo profissional não é absoluto, podendo ser dispensado através do
incidente processual de quebra do segredo profissional, nos termos das
disposições citadas, por força do princípio da prevalência do interesse
preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do
depoimento para a descoberta da verdade.
Assim, verifica-se que nesta matéria estão em causa dois interesses públicos
essenciais na administração da Justiça; por um lado o princípio da confiança no
advogado e na sua função e por outro o princípio da cooperação de todos para a
descoberta da verdade, sendo necessário em cada caso concreto fazer a correcta
ponderação das circunstâncias a fim de verificar qual o princípio preponderante em
cada situação.
O disposto no art. 135º CPP constitui uma excepção ao estatuído neste preceito
estatutário.
Os actos jurídicos praticados pelo ADV em representação do cliente, por exemplo,
as cartas que se destinam à interpelação para o cumprimento de obrigação,
consagrada em contrato ou estipulada na lei, por exemplo, de denúncia do contrato
de arrendamento, de aumento da renda, de interpelação para a outorga da escritura
de compra e venda, etc., não estão sujeitos ao segredo profissional.

92
Excluem-se também do âmbito do sigilo os factos notórios ou do domínio público,
os que se destinam a ser invocados ou alegados em defesa do cliente, os
constantes de documento autêntico e os que estiverem provados em juízo.
A nota de honorários, se discriminada ao pormenor a actividade desenvolvida, pode
envolver a divulgação de factos concretos sujeitos ao segredo profissional, na
medida em que os factos nela contidos são do conhecimento do ADV no exercício
da profissão.
Todas as informações trocadas entre o cliente e o seu advogado, devem manter-
se em sigilo profissional, sempre, e em absoluto, mesmo quando este é autorizado
pelo cliente/constituinte a quebrá-lo.
Contudo, no que diz respeito a situações de prevenção e repressão de crimes de
branqueamento de capitais e financiamento de atos de terrorismo, como se verá
mais à frente, a lei obriga os advogados, em certas circunstâncias, a deveres de
identificação, colaboração e comunicação às autoridades competentes, que podem
conduzir à revelação de informações transmitidas por clientes.
Em casos considerados como extremos, o pacto de sigilo pode ser quebrado. No
caso dos advogados, não basta que o cliente/constituinte autorize que os seus
dados pessoais sejam revelados – é preciso uma autorização prévia por parte do
Presidente do Conselho Regional (arts. 55º, nº1, al. m) e 92º, nº 4), que garantirá a
absoluta necessidade da desvinculação do segredo para a defesa da dignidade,
direito e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus
representantes.

Efectivamente, em certas situações, a quebra do segredo profissional não é uma


opção, mas uma necessidade, ou então, nomeadamente, deixa de ser segredo
para ser acto de simples oposição para dificultar a investigação, carecendo de
protecção legal.

Há outras situações em que a quebra também se justifica: um cliente confessa ao


advogado que vai cometer um homicídio. Neste caso, considerado extremo, pois
está em causa o primado da vida humana, o advogado poderá quebrar o dever de
manter sigilo profissional, e pedir autorização ao Presidente do Conselho Regional
para divulgar o facto às autoridades competentes.

Contudo, e aplicando a tese da prevalência do interesse preponderante, o segredo


profissional pode ser violado pelo advogado quando se verificar uma situação de
perigo iminente para o cliente ou para terceiros que possa ameaçar de uma forma
grave a sua integridade física ou psíquica, nos quais se incluem perigo de vida,
perigo de dano significativo, ou qualquer forma de maus-tratos a menores de idade
ou adultos particularmente indefesos, em razão de idade, deficiência, doença ou
outras condições de vulnerabilidade. Devido ao carácter urgente e iminente deste
tipo de situações, o advogado não tem necessariamente que estar dependente de
autorização do Presidente do Conselho Regional, particularmente numa tentativa
de suicídio iminente, muito comum nestes casos.

Em suma, a quebra de sigilo profissional dos advogados impõe uma criteriosa


ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a sua salvaguarda
deve ceder ou não perante outros interesses, designadamente o da colaboração
93
com a realização da justiça penal ou civil, ponderando-se a imprescindibilidade do
depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime em causa e a
necessidade de protecção dos bens jurídicos.

A imprescindibilidade, essencialidade, exclusividade e actualidade para a


descoberta da verdade são imperativos para que possa ocorrer essa quebra. (cfr.
art. 4º, nº 3 do RDSP).

• Formas de protecção legal do segredo profissional


Podem advir da violação do dever do segredo profissional, para além da
responsabilidade civil, criminal e disciplinar, também consequências no plano
processual.
- art. 13º da LOSJ;
- CDAE, ponto 2.3.;
- Art. 92º;
- Art, 94º, nº 3, al. h) (publicidade);
- Art. 99º, nº 5 (conflito de interesses);
- Arts. 75º a 77º (buscas em escritórios ou sociedades de advogados);
- Art. 113º (correspondência entre advogados);
- Lei nº 64/2023, arts. 52º-A, als. e) e f) e 52º-E, nº 1
- RDSP.

Quando o Advogado vem pedir o levantamento do sigilo profissional quanto a


correspondência abrangida pelo dever de confidencialidade estatuído no artigo
113º do Estatuto da Ordem dos Advogados, o pedido tem que ser necessariamente
indeferido, sendo uma norma que acolheu no nosso direito interno o disposto no
ponto. 5.3 do CDAE
É que os factos (sigilosos) contidos em correspondência abrangida por esse dever
– entre advogados e entre advogado e solicitador, ou seja mandatários forenses -
não podem ser revelados, seja através da sua narração escrita (num qualquer
articulado), seja através da sua narração testemunhal (se o Advogado sobre eles
prestar depoimento).
Por outras palavras, nunca este tipo de correspondência poderá ser objecto de
levantamento do sigilo profissional.
A comunicação entre advogados com a simples indicação dos seus dados e solici-
tação de emissão do substabelecimento sem reserva a ser junto a um processo
não se encontra sujeita ao dever de segredo profissional, por não se reportar a
factos transmitidos num pressuposto de confidencialidade – 2.3.1 do C.D.A.E.
Mas ainda que a comunicação contivesse factos sujeitos a segredo profissional, o
aviso de confidencialidade customizado nos e-mails dos advogados não tem o
efeito previsto no n.º 2 do art.º 113º do E.O.A, porquanto e sempre que um Advo-
gado pretenda que a sua comunicação, dirigida a outro Advogado ou Solicitador,

94
tenha caráter confidencial, deve exprimir claramente tal intenção – n.º 1 do art.º
113º do E.O.A.

Cfr. hipótese de exame de 07-12-2022.


- Art. 196º, nº 4, al. f) e art. 18º do Reg. de Estágio (estagiários);
- Regulamento de Dispensa do Segredo Profissional nº 94/2006;

Nos termos do RDSP, da decisão de indeferimento (e apenas desta), proferida em


1ª instância pelo Presidente do Conselho Regional pode ainda o Advogado
requerente interpor recurso para o Bastonário da Ordem dos Advogados.
A decisão proferida pelo Bastonário da Ordem em sede de recurso é irrecorrível,
para evitar a revelação dos factos sujeitos a segredo em sede jurisdicional, em que,
por regra, os processos são públicos.
- CDAE 2.3.1. – serve não só os interesses do cliente, como o da administração da
justiça e por isso deve gozar da proteção do Estado (por exemplo não revelar factos
ao juiz para não o influenciar);
2.3.3. – dever imprescritível: para sempre, mesmo que o ADV cancele a profissão;
- Art. 208º CRP:
Patrocínio forense
A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato
e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça;
- Artigo 13º da LOSJ (Lei 62/2013)
Imunidade do mandato conferido a advogados

1 – A lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício dos atos


próprios de forma isenta, independente e responsável, regulando-os como
elemento indispensável à administração da justiça.
2 – Para garantir o exercício livre e independente de mandato que lhes seja
confiado, a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias a um
desempenho eficaz, designadamente:
a) O direito à proteção do segredo profissional;

b) O direito ao livre exercício do patrocínio e ao não sancionamento pela prática


de actos conformes ao estatuto da profissão;
c) O direito à especial proteção das comunicações com o cliente e à preservação
do sigilo da documentação relativa ao exercício da defesa;
d) O direito a regimes específicos de imposição de selos, arrolamentos e buscas
em escritórios de advogados, bem como de apreensão de documentos.

- Art. 179º CPP:


PARTE I
LIVRO III – Da prova
TÍTULO III – Dos meios de obtenção da prova
CAPÍTULO III – Das apreensões
95
Artigo 179º - Apreensão de correspondência

1 – Sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a


apreensão, mesmo nas estações de correios e de telecomunicações, de cartas,
encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência, quando tiver
fundadas razões para crer que: (…)
c)….. A diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade
ou para a prova.
2 – É proibida, sob pena de nulidade, a apreensão e qualquer outra forma de
controlo da correspondência entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver
fundadas razões para crer que aquela constitui objecto ou elemento de um crime.
3 – O juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar
relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário, restitui-a a quem
de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever
de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver
interesse para a prova.

- Art. 497º CPC:

LIVRO II – Do processo em geral


TÍTULO V – Da instrução do processo
CAPÍTULO VI – Prova testemunhal
SECÇÃO I – Inabilidades para depor

Artigo 497º - Recusa legítima a depor

1 – Podem recusar-se a depor como testemunhas, salvo nas ações que tenham
como objeto verificar o nascimento ou o óbito dos filhos:

(…)

3 – Devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional,


ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos
factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no n.º 4 do artigo
417.º.

- Artigo 195º Código Penal:


Violação de segredo
Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado
conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte é punido
com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.;

- Artigo 196º CP:


Aproveitamento indevido de segredo
Quem, sem consentimento, se aproveitar de segredo relativo à actividade
comercial, industrial, profissional ou artística alheia, de que tenha tomado
conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte, e

96
provocar deste modo prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, é punido com pena de
prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.

O ADV pode defender-se perante um processo-crime instaurado contra si por


recusa de quebrar o segredo profissional, alegando caso de exclusão de culpa ou
de exclusão da ilicitude.
Porém, há um mecanismo legal – o do art. 135º CPP – que permite ultrapassar a
escusa invocada pelo ADV

• A quebra legal do segredo profissional


O segredo profissional não tem um valor absoluto e não pode obstar à realização
da justiça e à descoberta da verdade material, podendo correr situações em que os
valores jurídicos em causa, atenta a natureza dos ilícitos em investigação, são
manifestamente superiores aos que se pretendem salvaguardar com o sigilo
profissional de advogado, pelo que se impõe a sua quebra.

Impendendo sobre a generalidade das testemunhas a obrigatoriedade de


testemunharem, isto é, de revelarem os factos em investigação de que têm
conhecimento (art.º 131.º do C.P.P.), situações existem em que a recusa em depor
se afigura legítima, sendo uma dessas situações precisamente o caso do segredo
profissional.

- Regulamento de Dispensa do Segredo Profissional nº 94/2006 (especialmente o


art. 4º, nº 3).

Comunicação ao 8º Congresso dos Advogados Portugueses do Conselho Regional


de Coimbra, realizado em Junho de 2018, em Viseu:
“O Regulamento nº94/2006, referente à dispensa de segredo profissional, não
contempla, na enunciação dos procedimentos a desenvolver, a obrigação de
comunicação ao Colega autor/recetor da dita correspondência para que, querendo,
exerça o contraditório. Não existe formalidade que imponha a comunicação ao
outro Colega, conferindo-lhe oportunidade de pronúncia perante tal pedido, como a
concessão ou não de autorização, v.g., face à restante prova. Precisamente porque
a dispensa de sigilo decorre do preenchimento dos requisitos cumulativos da
exclusividade, essencialidade, imprescindibilidade e atualidade do meio de prova,
previstos no art. 4º, nº 3 do dito diploma que, uma vez conjugados com a exigência
do nº 4 do art. 92º do EOA, permitirão aferir ser tal
prova inequivocamente necessária, nos termos do nº 2 do seu art. 4º.

Apontam-se como argumentos, desde logo, a assunção, como verdadeiros, dos


fundamentos invocados pelo Requerente da dispensa. Ademais, a audição do
Colega com quem foi mantida a correspondência, nunca podendo vincular o
decisor, implicaria significativo gasto de tempo, podendo vir a desencadear um

97
processo/procedimento prévio de averiguações. O que não é compaginável com a
natureza e urgência de tais pedidos sendo, antes, obstaculizador da emissão de
decisões em tempo útil, e dificultador da apreciação e decisão final.

Porém, a questão deverá elevar-se a mais elevado patamar, integrando-se nos


princípios deontológicos norteadores da conduta profissional, determinando que
recaia sobre o potencial Requerente a obrigação de dar conhecimento ao Colega
da sua intenção – junção de correspondência e devido pedido de dispensa de sigilo
– por forma a que este possa pronunciar-se. Informação essa a efetuar no âmbito
das relações recíprocas, em cumprimento dos Deveres Recíprocos dos Advogados
fixados no art. 112º do EOA e em particular em função do dever de lealdade (nº1,
al. d)). Assim como, ainda/ou até, por extensão do art. 96º (Patrocínio contra
advogados e magistrados). É ainda expectável, face ao art. 95º, que o Advogado
que pretenda expor tal correspondência atue com respeito e urbanidade,
informando previamente o colega e concedendo-lhe 5 dias para que possa opor-
se.

Em conclusão: Deve ser Regulamentada a obrigação de informação prévia ao outro


Colega, para que se pronuncie em 5 dias, devendo – comunicação e resposta –
figurar como condição de admissibilidade do pedido. Assim, deverão ser aditados
novos números ao art. 3º do Regulamento nº94/2006 referentes, nesta concreta
situação, à exigência do dever de comunicação prévia ao outro Colega da intenção
dessa junção e correspondente pedido de autorização, da qual há-de constar
advertência expressa de que aquele dispõe de 5 dias para exercer o contraditório.
E que tal comunicação e resposta deverão instruir obrigatoriamente o pedido, sob
pena de rejeição liminar.”

Artigo 417º CPC


Dever de cooperação para a descoberta da verdade
1 – Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua
colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for
perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for
requisitado e praticando os atos que forem determinados.
2 – Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem
prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o
tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo
da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do
Código Civil. (Ver ainda os arts. 360º e 367º C. Penal)

3 – A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:


(…) c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo
de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.

4 – Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável,


com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto

98
no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa
do dever de sigilo invocado.

(Art. 135º CPP)

PARTE I
LIVRO III – Da prova
TÍTULO II – Dos meios de prova
CAPÍTULO I – Da prova testemunhal
Artigo 135.º - Segredo profissional

1 – Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos,


jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei
permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os
factos por ele abrangidos.

2 – Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade


judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações
necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou
requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.

3 – O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de
o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das
secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do
segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da
prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a
imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do
crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada
pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.

4 – Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do


tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com
o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na
legislação que a esse organismo seja aplicável.

5 – O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.

“Do n.º 3 deste artigo 135º deriva a possibilidade de o tribunal imediatamente


superior àquele onde o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se
ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o plenário das secções
criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo
profissional sempre que esta se mostra justificada face às normas e princípios
aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio do interesse
preponderante. Não é evidente, na formulação da lei, qual a relação entre o
procedimento previsto no n.º 2 e o que consta do n.º 3. A melhor interpretação
parece, contudo, ser a seguinte. A autoridade judiciária perante a qual o incidente
se suscite procede a averiguações sumárias. Se concluir pela inviabilidade da
escusa, tratando-se de tribunal, deve este ordenar o depoimento, o qual não pode

99
ser recusado. Mas se se tratar do Ministério Público, a decisão que ordena o
depoimento deve caber ao Juiz, que na fase de inquérito será o Juiz de Instrução
Criminal. Se a autoridade judiciária concluir pela viabilidade, prescinde do
depoimento ou, tratando-se de tribunal, requer a tribunal superior que o ordene,
usando, para isso, o processo regulado no n.º 3. No entendimento da
jurisprudência, esta última possibilidade radica no facto de tribunal poder considerar
que a escusa é viável e legítima mas que, ainda assim, atento o caso concreto,
deve ser prestado o depoimento. Nesta hipótese, o depoimento deve ser ordenado
por tribunal superior. Sempre que, de algum modo, surjam dúvida acerca da
legitimidade do segredo profissional invocado pelo Advogado, a autoridade
judiciária em causa deve ouvir a Ordem dos Advogados. Ora, não serão,
certamente, raros os casos em que surja divergências entre o entendimento
perfilhado pela Ordem dos Advogados e a visão do Tribunal.” (Catarina Luisa Pires,
Deontologia Profissional).

Pode-se colocar a questão da inconstitucionalidade do art. 135º CPP por


prevalência do interesse preponderante, por violação do EOA inerente ao Estado
de Direito Democrático (arts. 2º CRP e 96º, nº 2 EOA) na medida em que se
entender que o segredo profissional cede em nome da realização da justiça e da
segurança enquanto valores do Estado de Direito Democrático e na justa medida
em que tal se tenha por necessário, proporcional e adequado.
A decisão sobre o incidente cabe sempre a um juiz, sendo o juiz de instrução a
decidi-lo em fase de inquérito.
O estatuído no nº 3 visa garantir que os interesses em jogo foram devidamente
acautelados.
A avaliação do interesse preponderante, não depende de critérios de legalidade
estricta, antes confere alguma margem de discricionariedade técnica ao decisor.
Deve ser excepcional, imprescindível e não meramente útil por absolutamente
necessária para a realização da prova, perante a inexistência de outras provas
(regra da exclusividade) e considerando as regras sobre o ónus da prova.
Deve autorizar-se, por exemplo, para prova da interrupção da prescrição pelo
reconhecimento do direito durante as negociações malogradas e para os casos de
prova de vícios de vontade (erro, dolo, etc.).
O disposto no nº 4 (parte final) não se compagina com a Lei de Autorização
legislativa, que apenas mandava ouvir o organismo profis
Esse parecer é vinculativo ou não?
Se, desde logo, o tribunal não manda ouvir, ocorre uma nulidade.
Contra a tese do parecer ser vinculativo, cfr., a título exemplo, o Ac. da Relação
de Évora de 07-05-2019, in
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/bd780ec3558c9b
22802583fc004163e9?OpenDocument ao decidir:
“1 - Se o advogado pretende solicitar à sua Ordem a dispensa do segredo
profissional rege o nº 4 do artigo 92º do actual EOA, não havendo aí qualquer
intervenção de um tribunal por incompetência dada a patente desnecessidade face

100
à ausência de qualquer interesse público supra profissional a acautelar e a lei é
clara na atribuição à OA de competência decisória exclusiva.
2 - Mas se existe um interesse público a acautelar o incidente próprio para fazer
operar um juízo valorativo supra profissional sobre a quebra de sigilo profissional
dos advogados é da exclusiva competência dos Tribunais que forem material e
territorialmente competentes. Ou seja, a ponderação dos valores a fazer no âmbito
do artigo 135º - quebra do segredo – está muito para além das competências da
Ordem dos Advogados.
3 -As decisões da OA obtidas no âmbito decisório do artigo 92º do EOA que forem
juntas aos autos não têm valor decisório no processo judicial, sem prejuízo de a
sua fundamentação poder ter valor argumentativo.
4 - O parecer emitido pela OA nos termos do artigo 135º do C.P.P. não tem valor
vinculativo já que isso seria a negação do papel dos tribunais.”

O legislador, ao mandar ouvir, quis significar que reconhece a vocação e habilitação


do organismo profissional para se pronunciar.
A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade
dos enunciados de facto produzidos pelas partes (artº 341º do Código Civil). Aquilo
que a singulariza é o seu peculiar objecto: a percepção ou averiguação de factos
que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não
domina (artº 388º do Código Civil).
No tocante ao valor da perícia, quer se trate da primeira perícia quer da segunda,
vale, por inteiro, de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos
peritos o princípio da livre a apreciação da prova, e, portanto, o princípio da
liberdade de apreciação do juiz (artº 389º do Código Civil).
Deste princípio decorre, naturalmente, a impossibilidade de considerar os
pareceres dos peritos como contendo verdadeiras decisões, às quais o juiz não
possa, irremediavelmente, subtrair-se. Uma tal conclusão só se explicaria por um
deslumbramento face à prova científica de todo inaceitável e incompatível com os
dados, que relativamente à pericial, a lei coloca à disposição do intérprete e do
aplicador.
No entanto, convém não esquecer o peculiar objecto a prova pericial: a percepção
ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador
comprovadamente não domina (artº 388º do Código Civil).
Deste modo, à prova pericial há-de reconhecer-se um significado probatório
diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Deste modo,
se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz – já o
juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica
material e igualmente científica.
Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que
entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado
a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo
menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva (artº 607 nº
4 do CPC). Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a
juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por
procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida.

101
Atente-se que o art. 92º, nº 4 fala de “prévia autorização”. Antes falava de “prévia
consulta” (Estatuto Judiciário).

Só por motivos ponderosos deve deixar de ser seguido o parecer (por ex. erro
notório). Mesmo considerando-se que é um simples parecer, deve aplicar-se
analogicamente o art. 163º, nº 1 do CPP.

Artigo 163º - Valor da prova pericial

1 - O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se


subtraído à livre apreciação do julgador.
2 - Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer
dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.

Cabe recurso, nos termos gerais, da decisão de prestação de depoimento ou de


que julga procedente a a
Se se entender que não se está perante um caso verdadeiro de segredo
profissional, não há direito de escusa em depor com invocação de segredo que não
existe.
Artigo 360º CP
Falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução

1 - Quem, como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete, perante tribunal


ou funcionário competente para receber como meio de prova, depoimento, relatório,
informação ou tradução, prestar depoimento, apresentar relatório, der informações
ou fizer traduções falsos, é punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos ou
com pena de multa não inferior a 60 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, sem justa causa, se recusar a depor ou a
apresentar relatório, informação ou tradução.

3 - Se o facto referido no n.º 1 for praticado depois de o agente ter prestado


juramento e ter sido advertido das consequências penais a que se expõe, a pena é
de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias.

CAPÍTULO III - Dos crimes contra a realização da justiça


Artigo 367º - Favorecimento pessoal
1 - Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou
preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar
que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de
segurança, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 - Na mesma pena incorre quem prestar auxílio a outra pessoa com a intenção ou
com a consciência de total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de
pena ou de medida de segurança que lhe tenha sido aplicada.

102
3 - A pena a que o agente venha a ser condenado, nos termos dos números
anteriores, não pode ser superior à prevista na lei para o facto cometido pela pessoa
em benefício da qual se actuou.
4 - A tentativa é punível.

O princípio que rege a decisão a proferir, de determinação da prestação de


depoimento com quebra do segredo profissional ou do indeferimento do pedido, é
o da prevalência do interesse preponderante, que se aferirá, nomeadamente,
por reporte à imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, à
gravidade do crime e à necessidade de protecção de bens jurídicos.
Este é, portanto, o pressuposto substancial da quebra do segredo profissional.
Sobre o conteúdo desta norma, lê-se no Comentário do C.P.P., de Paulo Pinto de
Albuquerque, 4ª ed., 379 e segs., que a imprescindibilidade do depoimento para a
descoberta da verdade significa que esta não pode ser alcançada a não ser pelo
depoimento sobre os factos abrangidos pelo segredo e a necessidade de protecção
de bens jurídicos significa que a quebra do sigilo só é justificável se corresponder
a um interesse social premente, pelo que não há, conclui, justificação para a quebra
em casos de existência de meios alternativos para a descoberta da verdade, em
casos de causas de isenção de responsabilidade, de extinção do procedimento e
quando se trate de crime particular ou de crime punível com prisão até 3 anos.
Segundo refere Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal,
tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 795-796, este critério material do princípio da
relevância do interesse preponderante projecta-se “em quatro implicações
normativas fundamentais:

a) Em primeiro lugar e por mais óbvia, avulta a intencionalidade normativa de


vincular o julgador a padrões objectivos e controláveis, não cometendo a decisão à
sua livre apreciação;

b) Em segundo lugar, resulta líquido o propósito de afastar qualquer uma de duas


soluções extremadas: tanto a tese de que o dever de segredo prevalece
invariavelmente sobre o dever de colaborar com a justiça penal (...) como a tese
inversa de que a prestação de testemunho perante o tribunal (penal) configura só
por si e sem mais, justificação bastante da violação do segredo profissional (…);

c) Em terceiro lugar, o apelo ao princípio da ponderação de interesses significa o


afastamento deliberado da justificação, neste contexto, a título de prossecução de
interesses legítimos. Isto é: a realização da justiça penal, só por si e sem mais
(despida do peso específico dos crimes a perseguir) não figura como interesse
legítimo bastante para justificar a imposição da quebra do segredo. E isto sem
prejuízo da pertinência e validade reconhecidas a esta dirimente no regime geral
da violação de segredo (…);

d) Em quarto lugar, com o regime do artigo 135.º do CPP, o legislador português


reconheceu à dimensão repressiva da justiça penal a idoneidade para ser levada à

103
balança da ponderação com a violação do segredo: tudo dependerá da gravidade
dos crimes a perseguir.”

Assim, a decisão sobre a quebra do sigilo profissional impõe uma criteriosa


ponderação dos valores em conflito, avaliando, perante as particularidades de cada
caso concreto, a diferente natureza e relevância dos bens jurídicos tutelados pelos
deveres em confronto, segundo um critério de proporcionalidade na restrição, na
medida do necessário, de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, em
obediência ao que dispõe o art.º 18.º, n.º 2, da CRP.

No caso concreto, haverá, pois, que ponderar, a intensidade da lesão dos


interesses que fundamentam a instituição do sigilo profissional do advogado, a
concreta relevância das informações pretendidas para a investigação e a gravidade
do(s) crime)s) que constituem o objecto do processo, e o interesse público na boa
administração da Justiça, o exercício do jus puniendi por parte do Estado
relativamente a quem ofenda, de forma intolerável, a ordem jurídica estabelecida.

Ainda assim, se o Advogado, em consciência, decidir desrespeitar a ordem judicial


e não prestar depoimento, permanecendo fiel ao dever de sigilo, colocar-se-á
necessariamente a questão da prática de um crime de recusa em depor, ao abrigo
do artigo 360º n.º 2 do CP mas, ainda assim, não deve deixar de se apreciar a
pertinência de uma causa de exclusão da ilicitude (o cumprimento de um dever
imposto por lei, artigo 31º n.º 1 alínea c) 1ª parte do Código Penal) ou, se assim
não se entender, uma causa de exclusão da culpa.

Só estão abrangidos pelo segredo profissional do advogado os factos que resultem


do desempenho desta atividade profissional, excluindo-se tudo aquilo que é
comunicado ao advogado, mas que não respeite a atos próprios da advocacia, ou
seja, todos os acontecimentos da vida real que não se prendam com este
desempenho profissional, mesmo que cheguem ao conhecimento do advogado no
seu local de trabalho.

“…A eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário nunca
poderá considerar-se compreendida no exercício das funções profissionais de um
advogado, sendo violadora, para além do mais, do dever deontológico de agir de
forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento
das normas legais deontológicas.
Não pode fazer-se apelo ao sigilo profissional para encobrir a eventual prática de
actos ilícitos, de natureza criminal, por parte do mandatário, pois que, não
constituindo acto próprio da advocacia, se mostra excluída da esfera de protecção
da norma em causa… (actualmente o art. 92º da Lei nº 145/2015, 09-09)”. (Ac. do
Tribunal da Relação de Lisboa de 02/23/2017).
Nestes termos, os factos denunciados e em investigação dizem unicamente
respeito à eventual prática de ilícitos criminais por parte do próprio mandatário, que
nunca poderá considerar-se compreendida no exercício das funções profissionais
de um advogado, sendo violadora do dever deontológico de agir de forma a
defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das

104
normas legais e deontológicas. Assim, o depoimento do advogado não resulta na
violação do sigilo profissional.
“I - O princípio que rege a decisão a proferir, de determinação da prestação de
depoimento com quebra do segredo profissional ou do indeferimento do pedido, é
o da prevalência do interesse preponderante, que se aferirá, nomeadamente, por
reporte à imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, à
gravidade do crime e à necessidade de protecção de bens jurídicos.
II - Nem sempre o interesse do Estado em realizar a justiça penal, com observância
de todos os princípios jurídico-constitucionais que o integram, prevalece.
“Finalmente, e supondo ser verdade que o conteúdo da carta enviada à ANSR fosse
da exclusiva responsabilidade da advogada do arguido na altura, então a prestação
de depoimento sobre a questão sempre poderia redundar em desfavor da
advogada.” (Ac. Rel. Coimbra, 22-11-2017)
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/3dbfefa35836881
8802581e800372159?OpenDocument

“A função da testemunha no processo, com o inerente dever de comunicar ao


tribunal, de forma isenta, objectiva e verdadeira, todos os factos acerca dos quais
seja inquirida (cfr. al. d) do n.° 1 do art.º 132.°), não se coaduna com a do advogado
que, não obstante participe na realização da Justiça, se encontra sempre
condicionado pelo interesse da parte que representa e ao qual em muitos casos
tem de dar prevalência. Nessa medida, os deveres processuais do advogado - que
não raro implicam o dever de reservar factos de que tenha conhecimento quando
esteja em causa o interesse do seu constituinte, não lhe permitem desempenhar as
funções de testemunha de acordo com o figurino traçado na lei para quem ocupa
esta posição processual.
Do mesmo modo que o dever de segredo profissional é extensivo aos
colaboradores do advogado, dever igualmente ser extensivo aos funcionários da
Ordem dos Advogados e respectivas Delegações quanto a factos a ele abrangidos
que tomem conhecimento no âmbito destas funções.
E dispõe o art. 135º do C.P.P., sob a epígrafe “Segredo profissional”:
1 – Os ministros da religião ou confissão religiosa e os advogados, (…) e as demais
pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se
a depor sobre os factos por ele abrangidos.”

Ac. da Rel. de Lisboa de 09-07-2008: Ao advogado que, simultaneamente, é


arguido não é aplicável o incidente a que se reporta o artº 135º do C.P.Penal, pela
seguinte ordens de razões: I. Ao ser constituído arguido passa a não estar obrigado
a prestar declarações sobre os factos que lhe são imputados;
II. Não havendo o dever de prestar depoimento deixa de colocar-se questão da
escusa com a consequente inaplicabilidade do regime a que se refere o artº 135º
do C.P.P.;
III. O artº 135º do C.P.Penal aplica-se ao depoimento de testemunhas e não às
declarações de arguido;”

105
- Tribunal Constitucional- Ac. 293/2021 de 13-05-2021- Pº 664/2019:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210293.html

Não julga inconstitucional a interpretação normativa respeitante ao artigo 135.º,


n.os 3 e 4, do Código de Processo Penal (aplicável ex vi do n.º 4 do artigo 417.º do
Código de Processo Civil), nos termos da qual a decisão do Tribunal da Relação
que quebra o segredo profissional, invocado nos termos do disposto no artigo 135.º
do Código de Processo Penal, é irrecorrível, em virtude de proibição implícita cons-
tante daqueles preceitos Enquadramento legal.
Parecer do Conselho Regional do Porto:
“O Tribunal da Relação de Guimarães, no seu Acórdão de 18-02-2016, decidiu:
“Para a Relação decidir nos termos do nº 3 do artº 135º do Código Processo Penal
(aplicável, adaptado, por força do artº 417º nº 4 do Código de Processo Civil), o
incidente de dispensa do segredo profissional não é obrigatória a audição da
respectiva Ordem nem vinculativo o seu parecer”.
Remata o mesmo acórdão que, “no que concerne à audição da Ordem dos
Advogados, consideramos, como subjaz o entendimento do tribunal a quo, que na
verdade, da conjugação dos nºs 4 e 2 do artº 135º do CPP, resulta que só se àquele
se suscitarem dúvidas sobre a legitimidade da escusa, tal diligência faria sentido e
teria utilidade, com o fim de esclarecer e remover.
Julgando o tribunal de 1ª instância ad limine ser segura e evidente a legitimidade
da recusa, inútil seria ouvir a Ordem, mais interessada, isso sim, na preservação
do sigilo e, portanto, em corroborar tal perspectiva.”
“Proferido no âmbito de um incidente de levantamento do segredo profissional, ao
abrigo do disposto no art. 135.º do C.P. Penal, em consequência da recusa de um
nosso Colega prestar depoimento sob invocação do segredo profissional, o acórdão
em apreço, não colocando em causa a legitimidade da escusa, conclui que não é
obrigatória a audição da Ordem dos Advogados, em desrespeito do disposto no nº
4 da citada da norma processual.
Sustenta tal entendimento, por considerar que o resultado dessa audição é um
mero parecer, com função meramente instrumental e de valor livremente atribuível
aos pareceres técnicos em processo civil (arts. 426.º, 492.º e 601.º do CPC), na
medida em que limitados a auxiliar a percepção ou apreciação da realidade fáctica
difícil de captar mediante os conhecimentos de que normalmente o juiz está
apetrechado. (sic)
A pronúncia da Ordem dos Advogados, ao abrigo do nº 4 do art. 135.º do C.P.
Penal, é configurada assim como um mero acto em sede de instrução do processo
ou incidente processual que o julgador, discricionariamente, levará ou não a efeito.
O Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados não pode deixar de
manifestar a sua total oposição ao decidido pelo acórdão citado. Está em causa um
princípio fundamental da deontologia profissional do advogado: o dever de guardar
segredo profissional previsto no art. 92.º, nº 1, do EOA.

106
Os mecanismos da sua dispensa ou quebra são objecto de regulamentação legal:
Ao abrigo do disposto no art. 92.º, nº 4, do EOA, o advogado pode requerer a
dispensa do segredo profissional, quando a revelação do facto sigiloso é
absolutamente necessária para a defesa da sua dignidade, direitos e interesses
legítimos ou da dignidade, direitos e interesses do seu cliente;
Por via do incidente do art. 135.º do C.P. Penal (também aplicável aos processos
de natureza cível ex vi do disposto no art. 417.º, nº 4, do C.P. Civil), pode ser
imposto ao advogado a quebra de sigilo, quando em causa esteja a descoberta da
verdade material tendo em vista a defesa de valores, direitos e interesses
preponderantes.
Nenhum segmento das normas legais citadas reveste qualquer tecnicidade (salvo
técnica jurídica) que tenha determinado ao julgador a necessidade de formular a
norma contida no nº 4 do art. 135.º do C.P. Penal no propósito de conceder ao juiz
(a quem compete interpretar e aplicar a lei com total independência), a faculdade
de, previamente à decisão, pedir uma opinião (parecer) à Ordem dos Advogados
sobre o sentido da mesma
Servirão estas considerações apenas para dizer que a pronúncia da Ordem dos
Advogados ao abrigo do disposto no nº 4 do art. 135.º do C.P. Penal não pode ser
reduzida à condição de um mero parecer, destinado a auxiliar o julgador na
percepção e apreciação da realidade fáctica difícil de captar mediante os
conhecimentos de que normalmente o juiz está apetrechado, como expressamente
é declarado no acórdão em apreço.
O segredo profissional é um dever imposto ao advogado por uma lei da república
(Lei nº 145/2015 de 9 de Setembro de 2015), sendo que o nº 5 do art. 92.º dessa
lei comina claramente que “os atos praticados pelo advogado com violação de
segredo profissional não podem fazer prova em juízo”.
Desse dever decorre o direito do advogado se remeter ao silêncio sempre que
interpelado no sentido da revelação de factos advindos ao conhecimento por via do
exercício da sua profissão. Subjacente à imposição legal desse dever está a
garantia de um valor fundamental, transversal ao complexo das relações que o
advogado estabelece no exercício da sua profissão: o valor da confiança!
Confiança daquele que depositando no conhecimento do advogado determinado
facto, o faz na legítima expectativa de o mesmo ser mantido sob sigilo, ressalvadas
as hipóteses legais em que a sua quebra pode ocorrer.
À Ordem dos Advogados, no âmbito das suas atribuições, compete:
(i) defender os direitos e as garantias dos cidadãos,
(ii) promover o respeito pelos valores e princípios deontológicos,
(iii) defender os interesses, direitos e prerrogativas dos seus membros - vd artº 3º
do EOA.
O incidente de quebra do segredo profissional, ao abrigo do disposto no art. 135.º
do C.P. Penal, visa a obtenção de um meio de prova que contende, ou pode
contender, com valores, deveres, direitos e garantias que, no âmbito das suas
atribuições, compete à Ordem dos Advogados zelar e defender.

107
Tem assim a Ordem dos Advogados uma legitimidade própria para se pronunciar
quando em causa possam estar os deveres cujo cumprimento deve zelar, direitos
e garantias cujo respeito deve defender. O legislador consignou-a obrigatoriamente
no nº 4 do art. 135.º do C.P. Penal.
Nesta pronúncia, marcará a Ordem dos Advogados a sua posição, não com
considerações de ordem técnica, mas com considerações de ordem valorativa, com
as quais dirá
(i) se os valores, direitos e interesses que se pretendem defender com a quebra
do sigilo justificam o sacrifício daqueles que se pretendem salvaguardar com a
imposição legal do dever de o guardar;
(ii) (ii) se o facto sigiloso é essencial para a descoberta da verdade material na
defesa de interesses preponderantes,
(iii) (iii) se o depoimento do advogado ou o documento em seu poder, é
imprescindível para a comprovação do facto. Não sendo a Ordem dos Advogados
chamada a pronunciar-se, é preterida uma formalidade legal que forçosamente
inquina a validade do meio de prova que por via do incidente do levantamento de
sigilo foi obtido.
A Ordem dos Advogados tem interesse na preservação do segredo profissional do
advogado, como interesse tem qualquer cidadão. Mas por ter esse interesse e um
dever especial na sua preservação, não significa (nem é verdade) que, nas
pronúncias que tem proferido ao abrigo da citada norma de direito processual,
manifeste sempre a sua oposição no sentido da manutenção do sigilo. Mas, quando
a manifesta, fá-lo com fundamento.
Os Senhores Magistrados subscritores do douto acórdão não quiseram ouvir a
Ordem dos Advogados. Terá então a Ordem dos Advogados de se fazer ouvir.”
Conselho Regional do PortoRelator Domingos Ferreira
Setembro de 2016
No mesmo sentido (contra o citado aresto) vai o Ac. da Relação do Porto de 06-05-
2019, ao decidir que:

“A quebra do segredo profissional do advogado, incidente a processar de acordo


com o disposto no art. 135º CPP (ex-vi arts. 497º, nº 3 e 417º, nº 4 CPC), é
necessariamente precedida da audição da Ordem dos Advogados como
expressamente impões o nº 4 daquele normativo. Não obstante, a posição que a
Ordem dos Advogados veicular a esse respeito não é vinculativa para o tribunal.”

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4129df267f05812
580258407004c51f7?OpenDocument

PARECER DO CRLISBOA

Consulta Nº 32/2013
Assunto:

108
Incidente processual de quebra do sigilo profissional – Artigo 135º do Código de
Processo Penal e Artigo 87º do EOA.

Questão

Vem o Exmo. Juiz de Instrução do - Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de -


solicitar ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados a emissão de
parecer, nos termos e para os efeitos do disposto nos números 3 e 4 do artigo 135º
do Código de Processo Penal (doravante CPP).
O incidente de quebra do sigilo profissional foi suscitado no âmbito do processo de
inquérito pendente na - Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal
de - , sob o n.º - , quanto à Senhora Advogada, A.
De facto, inquirida na qualidade de testemunha nos mencionados autos, a Senhora
Advogada escusou-se a depor, invocando sigilo profissional.
Face à escusa apresentada, o Senhor Magistrado do Ministério Público remeteu
os autos ao Tribunal de Instrução Criminal para apreciação e decisão do incidente.
Em sequência, e tendo concluído que a Senhora Advogada interveio nos factos
em investigação nos autos na qualidade de Advogada, o Juiz de Instrução julgou a
escusa legítima e requereu ao Tribunal da Relação de Lisboa que ordenasse o seu
depoimento com quebra do sigilo profissional.
Recebidos os autos no Tribunal da Relação de - , concluiu o Senhor Juiz
Desembargador que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 135º, n.º 4 do
CPP, ou seja, e conforme é referido no despacho proferido a fls. 94 dos autos, que
não foi ouvida a Ordem dos Advogados acerca do “pretendido levantamento do
sigilo profissional”, tendo, em sequência, ordenada a devolução dos autos ao
Tribunal de Instrução Criminal.
É, portanto, neste contexto que surge o pedido que nos é agora dirigido pelo
Tribunal de Instrução Criminal.
Entendimento do Conselho Distrital de Lisboa
Antes de mais, permitimo-nos fazer aqui uma pequena precisão quanto ao regime
legal do incidente de quebra do sigilo profissional.
O artigo 135º do CPP contempla duas hipóteses, a prevista no n.º 2 e a prevista no
n.º 3.
A hipótese prevista no n.º 2 contende com a legitimidade da escusa: isto é, saber
se o Advogado tem ou não direito à escusa, saber se existe ou não sigilo.
Cabe à autoridade judiciária de 1ª instância ajuizar sobre se o Advogado está ou
não a invocar correctamente que o objecto do seu depoimento é matéria sigilosa
que lhe imponha o dever de silêncio e, consequentemente, da legitimidade da
escusa.
No caso vertente, encontrando-se o processo na fase de Inquérito, coube ao Juiz
de Instrução decidir quanto à legitimidade da escusa.
Por estar em causa o depoimento sobre factos conhecidos no exercício da
profissão, o Juiz de Instrução concluiu, sem quaisquer dúvidas, pela legitimidade
da escusa invocada pela Senhora Advogada Dra. A
Não se tendo suscitado dúvidas quanto à questão da legitimidade, não se impunha
a audição da Ordem dos Advogados, nos termos do disposto no artigo 135º, n.ºs 2
e 4 do CPP.
Outra hipótese, distinta, é a prevista no n.º 3 do mesmo artigo, residindo no poder
dever de fazer cessar o legítimo direito à escusa por se entender subsistirem

109
valores superiores ao dever de sigilo. Ou seja, o Advogado pode ser solicitado a
quebrar o segredo por haver valores conflituantes de dignidade superior ao dever
de sigilo, mas essa ponderação é já da competência do tribunal superior – no caso
o Tribunal da Relação de - – àquele onde o incidente tiver sido suscitado.
E, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 3 e 4 do artigo 135º do CPP, o
depoimento com quebra do sigilo profissional é ordenado (ou não) pelo tribunal
superior, depois de, nessa sede, ser ouvida a Ordem dos Advogados, – in casu, o
Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados.
O que significa que, com rigor, a pronúncia quanto à existência de um interesse
superior aos interesses protegidos pelo dever de sigilo – que é o que,
efectivamente, está em causa no caso vertente –, deveria ter-nos sido solicitada
pelo Tribunal de Relação de - e não pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal.
Sem prejuízo do que antecede, não deixaremos de emitir a solicitada pronúncia, o
que faremos de seguida.
Nunca é de mais referir o carácter fundamental e verdadeiramente basilar que a
obrigação de segredo profissional reveste para o exercício da Advocacia.
Mas não só.
Trata-se de dever de primordial importância para o reconhecimento da plenitude de
um Estado do Direito Democrático como consagrado no artigo 2º da Constituição
da República Portuguesa.
É que o Estado de Direito Democrático não só exige um poder judicial
independente, como também tem ainda subjacente o exercício de uma Advocacia
livre, independente e responsável. Advocacia que, para ser exercida desta forma,
terá necessariamente de, nas relações estabelecidas entre os Advogados e os seus
clientes, assentar num elevadíssimo grau de confiança.
Contudo, exorbitando o estrito âmbito da relação Advogado – cliente, o segredo
profissional é um valor exigido pela própria ordem social e vertido em forma de lei
no Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor (Lei n.º 15/2005, 26 de Janeiro).
E isto porque o sigilo tem frequentemente outros destinatários ou beneficiários para
além do cliente no âmbito dos serviços a este prestados, devendo o Advogado ser,
nas suas múltiplas relações sociais e profissionais, merecedor de confiança e
isenção. Não apenas o Advogado individualmente considerado, como profissional
liberal que é, mas como membro de uma classe profissional.
Por isso, convirá realçar de forma plenamente convicta que estamos perante um
dever com carácter social ou de ordem pública e não de natureza meramente
contratual.
Mais do que um dever do próprio profissional, “o sigilo é um dever de toda a classe,
é condição da plena dignidade do Advogado bem como da Advocacia”[1].
Mas, tal não significa que o dever de guardar sigilo seja absoluto, porquanto existem
casos em que se justificará, em homenagem a valores de superior dignidade, o
levantamento da obrigação de guardar sigilo profissional. Se tal não acontecesse,
em situações obviamente excepcionais, elementares princípios de Justiça
correriam o risco de ser postergados.
Assim, e para o efeito, estabelece a lei dois mecanismos que se diferenciam desde
logo a propósito do sujeito que tem legitimidade para impulsionar o levantamento
do segredo profissional:
A dispensa de sigilo profissional, a qual é solicitada pelo Advogado vinculado a
esse dever ao Presidente do Conselho Distrital competente, sendo concedida, caso
se verifiquem preenchidos os requisitos exigidos pelo n.º 4 do artigo 87º do Estatuto
da Ordem dos Advogados;

110
O incidente processual de quebra de sigilo profissional (previsto no artigo 135º do
Código de Processo Penal[2]), tendo legitimidade para o desencadear qualquer das
partes em juízo ou a autoridade judiciária.
A decisão da quebra de sigilo é tomada, com prévia audição da Ordem dos
Advogados, que recairá, inevitavelmente sobre o preenchimento, ou não, das
condições de que depende a quebra do sigilo profissional. O mesmo é dizer, sobre
a ponderação acerca da existência de um interesse superior aos interesses que se
visa proteger com o dever de sigilo profissional.
Em suma, para que se possa concluir pela existência de um interesse
preponderante haverá que verificar, em concreto e tal como o pedido de quebra se
encontrar fundamentado, se o depoimento do Advogado com quebra do sigilo se
reveste de absoluta necessidade, isto é, de imprescindibilidade, o meio de prova
sujeito a sigilo tem de ser indispensável (ou seja, imprescindível, e não meramente
útil) face ao objectivo de prova visado; de essencialidade, o meio de prova sujeito
a sigilo tem de ser absolutamente determinante; e de exclusividade, pressupondo
este requisito a inexistência de qualquer outro meio de prova que não o depoimento
do obrigado ao sigilo.
Desde logo, no caso concreto, não são enunciados de forma concreta e precisa os
factos a que o depoimento da Senhora Advogada A é pretendido, apenas se
referindo que o depoimento é pretendido “no que toca aos factos exarados na
queixa apresentada por X ”.
Por outro lado, para que seja quebrado o dever de sigilo profissional, será, a nosso
ver, sempre exigível uma situação de total excepcionalidade e de absoluta
necessidade da audição do Advogado em causa sobre os factos de que tomou
conhecimento no exercício da profissão.
O que não se manifesta de forma nenhuma na fundamentação – rectius, na
escassez de fundamentação – em que assenta o incidente de quebra de sigilo
profissional deduzido e ora sob análise.
Assim, e tal como se encontra recortado o pedido de audição da Ordem dos
Advogados, nada nos permitirá concluir pela existência de um interesse
preponderante ao do tutelado pelo dever sigilo e que seja susceptível de impor o
sacrifício deste dever. E tal deve-se unica e exclusivamente à ausência da
concretização dos elementos fácticos que permitam essa ponderação.
Pelo exposto, concluímos, no caso vertente, que não estão reunidas as condições
de que depende a prestação de depoimento, com quebra de sigilo profissional, por
parte da Senhora Advogada Dr. A, no âmbito do Inquérito pendente na - Secção do
Departamento de Investigação e Acção Penal - , sob o n.º -.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de Outubro de 2013.

A Assessora Jurídica do C.D.L.

Sandra Barroso

Concordo e homologo o Parecer anterior, nos precisos termos e limites aí


fundamentados,

Lisboa, 17 de Outubro de 2013.

111
O Vogal do Conselho Distrital de Lisboa
(por delegação de poderes de 20 de Janeiro de 2011)
Paulo de Sá e Cunha
--------------------------------------------------------------------------------

[1] Bastonário Dr. Augusto Lopes Cardoso, in “Do segredo profissional na


Advocacia”, Centro Editor Livreiro da Ordem dos Advogados, 1998, p. 17.
[2] Também aplicável ao processo civil, por remissão do artigo 417º n.º 4 do
CPC.

• Pedidos de Dispensa do segredo Profissional dirigidos ao Presidente


do CRL no ano de 2019:

Foram autuados 334 pedidos de dispensa do segredo profissional, correspondendo


aproximadamente a uma média de 28 pedidos por mês.
No final de 2019, encontravam-se findos 255 pedidos de dispensa de segredo
profissional, em conformidade com o seguinte:
Decisões finais emitidas: 232
Remessas de pedidos para o Conselho Regional competente: 2
Desistências de pedidos 21
decisões finais emitidas/ Processos findos
Deferidos 141
Indeferidos 54
Indeferidos liminarmente 3
Deferidos parcialmente 3
Matéria não sujeita ao dever de sigilo 31
No que concerne ao universo de 54 decisões de indeferimento, apenas duas foram
objeto de recurso.

Assim, no final de 2019, do universo de 334 pedidos de dispensa de segredo


profissional, 35 encontravam-se pendentes no relator a aguardar a prolação
de decisão final e 44 aguardavam que os requerentes prestassem os
esclarecimentos complementares solicitados ao abrigo da faculdade concedida
pelo artigo 3.º, n.º 3 do regulamento de dispensa do segredo profissional.
No contexto dos pedidos de dispensa do segredo profissional, foram realizadas
382 notificações intercalares para a prestação de esclarecimentos
complementares e/ ou para a junção de documentos em ordem a habilitar à
apreciação dos pedidos.

112
Relativamente a pedidos de dispensa de segredo profissional formulados em anos
anteriores, e cuja apreciação e tramitação se prolongou para 2019, foram
emitidas 101 decisões finais. Também no que concerne a pedidos com origem
em anos anteriores, foram objeto de arquivamento 58 pedidos, ao abrigo do
artigo 132º do CPADV

Hipóteses de exame: 12-03-2010; 15-07-2011; 27-01-2012; 18-07-2012; 01-03-


2013; 05-12-2014; 15-12-2014; 25-03-2015; 24-04-2015; 02-12-2015; 18-12-2015;
20-05-2016; 21-04-2017; 21-07-2017; 17-11-2017; 19-01-2018; 25-05-2018; 16-10-
2020; 30-10-2020; 02-06-2021; 07-06-2022, 07-12-2022.

Conselho prático: o formando, para além de analisar a eventual violação do


segredo profissional à luz do art. 92º, realçando o seu nº 1, que abarca as situações
em geral, e, se fôr o caso, alguma das situações enunciadas nas respectivas
alíneas e nos nº 2 e 3 deve, no caso da autorização prevista no seu nº 4, referir a
competência do presidente do C.R. (art. 55º, nº 1, al. l) e indicar o RDSP nº 94/2006,
arts. 2º e 3º, ponderando ainda sobre a admissibilidade do pedido de dispensa, no
quadro do citado nº 4 do art. 92º.
Concluindo pela violação do segredo profissional do advogado e do eventual dever
de patrocínio (art. 97º, nº 2), deverá aludir à responsabilidade civil do ADV (art.
483º CC), criminal (art. 195º CP) e disciplinar (art. 115º EOA).

20. Regime legal das buscas, arrolamentos e apreensões em escritórios


ou sociedades de advogados

Arts. 75º, 76º e 77º.


As diligências de buscas e equivalentes no escritório do advogado ou de qualquer
outro local onde se faça arquivo (por exemplo, a sua residência, ou a sua própria
pasta ou veículo onde transporte documentos) para serem válidas, devem ser
decretadas e presididas por juiz competente, devendo ainda ser observadas as
demais notificações e convocações previstas nos nº 2 e 3 do art. 75º, sob pena de,
a serem omitidas, ocorrer uma nulidade processual, a arguir em sede própria (art.
177º CPP).
O advogado visado pode solicitar a intervenção institucional da OA ao abrigo dos
arts. 3º a) e e) e 5º, nº 2 e 71º.
Sem prejuízo da invocação da referida nulidade, em caso de devassa do segredo
profissional, deve o ADV, ou alguém que o represente na sua ausência (art. 75º, nº
4) opôr-se ao início da diligência e formular de imediato a reclamação prevista no
art. 77º.
Estas garantias são particularmente importantes para acautelar o segredo
profissional.

113
Diligências artigo 75º no ano de 2019 do CRL:
No âmbito do previsto no artigo 75º sobre “imposição de selos, arrolamentos e
buscas em escritórios ou sociedades de advogados” foi solicitada a indicação
de representante do Conselho Regional de Lisboa para o acompanhamento de
24 diligências.
Tais diligências correspondem aos seguintes actos: Penhoras 6
Buscas 18
Aberturas de Suportes Documentais 2
Não obstante a indicação de representante, todas as penhoras foram declaradas
sem efeito por motivo superveniente.
Hipóteses de exame: 02-12-2015 e 21-07-2017.

Os Advogados in-house ou de Empresa estão sujeitos às imunidades consagradas


nestas normas (cfr. Parecer do Conselho Geral E-07/07 de 27 de junho).
https://portal.OA.pt/publicacoes/informacao-juridica/advocacia/arquivo-de-
documentos/pareceres-recomendacoes-relatorios-etc/arquivo-de-pareceres/2007-
06-27-parecer-e-0707-do-cgoa/

https://eco.sapo.pt/especiais/in-house-um-pe-no-direito-e-outro-no-negocio/

Acerca da compatibilidade das sociedades multidisciplinares com o envolvimento


de advogados e da preservação do segredo profissional, veja-se o capítulo
dedicado a aquelas.

COMUNICADO DE 14-02-2023| SIGILO NAS COMUNICAÇÕES COM ADVOGADO

“Chegou ao conhecimento da Senhora Bastonária e do Conselho Geral da Ordem


dos Advogados que em determinado processo judicial foi apreendida
correspondência eletrónica trocada entre o Arguido e os seus Advogados.

A correspondência entre Advogado e Cliente é sigilosa, nos termos legais e


constitucionais e qualquer violação dessa confidencialidade, nomeadamente
através da sua apreensão fora dos casos estritamente previstos na legislação, é
ilegal e grave, podendo até configurar uma nulidade processual em virtude de ser
prova proibida.

114
É atribuição estatutária da Ordem dos Advogados defender o Estado de Direito e
os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, bem como assegurar o respeito
pelo sigilo profissional e pela relação de confiança existente entre cliente e
Advogado/a, pelo que, confirmando-se os factos que chegaram ao seu
conhecimento, os mesmos estão revestidos de uma enorme gravidade.

Deste modo e sem prejuízo do apuramento dos factos e dos trâmites legais a seguir
pelos/as Senhores/as Advogados/as no processo em causa, desde já
manifestamos a preocupação pelo ocorrido e garantimos que casos como este
merecerão sempre a nossa atenção e reação.

A Ordem dos Advogados, através do seu Conselho Geral e bem assim da


Comissão dos Direitos e Prerrogativas da Advocacia, estão disponíveis para prestar
o apoio que os/as Advogados/as envolvidos entenderem por conveniente, e atuarão
em defesa dos/as Advogados/as e dos/as cidadãos/ãs sempre que estiverem em
causa violações à Lei e aos seus Estatutos…”

(Caso Manuel Pinho, revelado na comunicação social, em que a sua defesa


apresentou uma participação do juiz Carlos Alexandre ao Conselho Superior da
Magistratura (CSM) e à Ordem dos Advogados pela validação como prova de
correspondência trocada pelo arguido com os seus advogados no caso EDP (191
mails) e que foi apreendida nas buscas domiciliárias de fevereiro de 2022. Nenhum
dos emails trocados entre Manuel Pinho e o seu advogado Ricardo Sá Fernandes
foi usado até agora como prova, mas a defesa aponta ao MP a utilização de
correspondência do antigo governante com os seus advogados fiscalistas
espanhóis e portugueses).

21. O Branqueamento de Capitais e o Segredo Profissional


O cliente de risco e o advogado de negócios

Dossier temático da OA: https://portal.OA.pt/advogados/informacao-pratica-


relevante/branqueamento-de-capitais-dossier-tem%C3%A1tico/

Ana Gomes diz que escritórios de advogados são “verdadeiras associações


criminosas”. Proença de Carvalho responde:

115
“A ex-eurodeputada socialista Ana Gomes veio afirmar publicamente que algumas
sociedades de advogados são “verdadeiras associações criminosas” por
participarem em esquemas de transferências de capital para contas offshores. Esta
declaração foi dada no comentário na SIC Notícias, no domingo passado.
“Alguns escritórios de advogados portugueses – e mais uma vez, eu faço a
ressalva, não são todos os advogados (…) -, que são verdadeiras, eu diria, quase
associações criminosas”, referiu a antiga eurodeputada. Esta afirmação veio no
seguimento das revelações feitas pelo consórcio internacional que expôs o ‘Luanda
Leaks’.
Face a esta declaração, Daniel Proença de Carvalho já se pronunciou
publicamente. Para o advogado, Ana Gomes tem “muitas” dificuldades com a
“verdade”, “rigor” e “isenção”. Daniel Proença de Carvalho, foi o orador convidado
do debate inserido no âmbito do ciclo de conferências “Fim de Tarde na Sedes”,
promovido pela SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social.
“Essa afirmação feita dessa forma genérica, que é evidente que não corresponde
à mínima realidade, e é feita de uma forma muito ligeira, para não dizer leviana,
como em muitos casos”, referiu Daniel Proença de Carvalho.
Para o antigo presidente da Uría Menéndez-Proença de Carvalho “sempre que se
opina e se comenta, com falta de rigor, com pouco respeito pela verdade,
procurando generalizações e procurando fazer acusações infundadas ou apenas
com base em perceções muito subjetivas, corre-se o risco de contribuir para o
populismo”.
Proença de Carvalho referiu ainda, em contexto ‘Luanda Leaks’, que os advogados
e sociedades portuguesas têm nos dias de hoje critérios de “rigor” e de
“cumprimento” das normas. “O escritório onde eu trabalhei tem padrões da maior
exigência e do maior respeito por regras deontológicas e éticas”, concluiu.
Em janeiro, depois de conhecido o Luanda Leaks, Jorge Brito Pereira, advogado
de anos de Isabel dos Santos, renunciou ao cargo de chairman na Nos, e saiu do
escritório de advogados Uría Menendéz – Proença de Carvalho, onde era sócio.
Atualmente, tem atividade suspensa.
Durante o debate, Proença de Carvalho falou ainda de Rui Pinto, o denunciante do
Football Leaks, Luanda Leaks. “Sou absolutamente contra a utilização de provas
obtidas de forma criminosa. No dia em que isso fosse possível, as polícias podiam
perfeitamente utilizar um bandido qualquer para entrar em minha casa, arrombar o
cofre e tirar os documentos dos meus clientes”, disse.
“Qual é a diferença entre arrombar uma casa e roubar os documentos e entrar no
correio eletrónico e fazer a mesma coisa? É exatamente igual”, vincou o ex-jurista.
“Isso é uma coisa, outra é os polícias investigarem de acordo com os meios que a
lei lhes proporciona. Porque se abrirmos a porta a soluções deste tipo, acabou o
Estado de Direito, é o caos e é a inexistência dos direitos fundamentais das
pessoas”.
In Advocatus, 18-02-2020
https://eco.sapo.pt/2020/02/18/ana-gomes-diz-que-escritorios-ao-verdadeiras-
associacoes-criminosas-proenca-de-carvalho-responde/

https://www.pordatADVpt/Portugal/Advogados+total+e+por+sexo-245

Tendo em conta o papel dos advogados na sociedade e as obrigações e normas


profissionais inerentes, os advogados têm de agir sempre com integridade,

116
defender o Estado de direito e não se envolverem em qualquer atividade criminosa.
Tal exige que os advogados estejam permanentemente cientes da possibilidade de
criminosos procurarem fazer uma utilização indevida da profissão de advogado na
prossecução de atividades de branqueamento de capitais e financiamento do
terrorismo.
A questão primacial que se coloca nesta temática da prevenção e combate ao
branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, é se os deveres de
comunicação e de colaboração a que o advogado está obrigado desvirtuam a
profissão, no que toca aos seus princípios estruturantes, nomeadamente o do
segredo profissional e o do princípio da confiança na relação advogado-cliente,
colocando-se em conflito com as regras deontológicas do EOA.
A obrigação de guardar segredo profissional visa garantir o interesse público,
nomeadamente a administração da justiça e a defesa dos interesses dos clientes.
Como refere Carlos Pinto de Abreu: “Deste modo não é possível que “(…) haja
confiança de um cliente sabendo ele que, caso tenha, de facto praticado ou venha
a praticar um crime, o seu próprio Advogado não tem direito, mas sim o dever de o
denunciar” (“A Lei n.º 101/2001 de 25 de agosto, designada por Regime Jurídico
das Acções Encobertas para Fins de Prevenção Criminal”, Ordem dos Advogados
– Conselho Regional de Lisboa, “Legislação Profissional – Estatuto da Ordem dos
Advogados Anotado, 1ª Edição, 2017).
A introdução dos Advogados no rol de sujeitos ao dever de comunicação das
operações suspeitas de financiamento do terrorismo e branqueamento de capitais
advém de 2004 (Lei nº 11/2004 de 27 de março) devido ao facto de o bem jurídico
protegido pela incriminação do crime de branqueamento de capitais ser a
realização da justiça.
Os crimes de branqueamento de capitais, bem como o financiamento do terrorismo,
fazem movimentar elevados montantes de dinheiro todos os anos. Na realidade, os
montantes correspondentes aos lucros, ou tão somente ao cash-flow, das
modernas associações criminosas são tão absurdamente elevados que se estima
corresponderem a um montante equivalente a 3.6% por cento do PIB mundial, isto
é, a 1.6 triliões de dólares americanos por ano, segundo um estudo realizado em
2009 (Dissertação de Beatriz Barbosa, A nova lei de branqueamento de capitais e
os deveres do Advogado).
- Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (regula o Regime da Prevenção do
Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo (BC/FT). Os deveres
profissionais dela decorrentes entraram em vigor aos 17-09-2017. Foi alterada pela
Lei nº 58/2020 de 31-08;
- Directiva (EU) 2018/843, de 30-05-2018, relativa à prevenção da utilização do
sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento
do terrorismo.
http://datADVeuropADVeu/eli/dir/2018/843/oj;
- Regulamento da Ordem dos Advogados sobre a prevenção e combate ao
branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (Deliberação 822/2020
de 21-08). Entrou em vigôr aos 11-09-2020.

117
https://portal.OA.pt/media/131680/deliberacao-822-2020-21-08-2020-
regulamento-prevencao-branqueamento-capitais.pdf

O Regulamento aplica-se a todos os Advogados, que exerçam em regime de


subordinação quer em prática individual, seja qual for a sua área preferencial de
actuação, bem como aos Advogados que exerçam em regime de prática societária,
em todas as intervenções ou assistências que ocorram nas actividades descritas
no artigo 1.º e no artigo 3.º
- Às Sociedades de Advogados, nos termos do artigo 5.º:
Relativamente a práticas dos atos próprios da profissão, o Advogado tradicional é
aquele que exerce a advocacia em prática isolada, cingindo-se, normalmente, aos
atos tipicamente praticados pelos Advogados.
Já o Advogado de negócios é aquele que prática actos próprios dos Advogados,
mas também atos que podem ser praticados por outros profissionais que não
Advogados, por exemplo as entidades que exercem atividade imobiliária e que
estão obrigados ao dever de comunicação.
A entrada em vigor do regulamento (11 de setembro de 2020) determinou o
cumprimento imediato de deveres a vários níveis, incluindo o das sociedades de
advogados de, sem prejuízo da nomeação do compliance officer, indicarem um
interlocutor responsável perante a Ordem, através de comunicação ao Bastonário
(art. 9º do Reg. e ainda a obrigação dos advogados e das sociedades de advogados
de conformarem os seus registos identificando os seus clientes, dando
cumprimento ao dever de identificação e diligência, previstos na Lei e no
Regulamento (art. 7º). Para tanto devem utilizar os formulários aprovados pelo
Conselho Geral para o efeito e que são obrigatórios.
Os deveres previstos na lei sobre branqueamento de capitais e financiamento do
terrorismo que incidam sobre a Ordem dos Advogados são cumpridos através do
Bastonário, sem prejuízo da competência legal de outros órgãos da Ordem dos
Advogados, nos termos do respetivo Estatuto (cfr. o art. 92º, nº 4 e artigo 135º
CPP).
O sistema de notificação em primeira instância ao organismo autorregulador
(comunicação ao Bastonário como representante da Ordem) visa proteger os
direitos fundamentais relacionados com o segredo profissional no que respeita à
obrigação de comunicação dos Advogados (e através de um interlocutor
responsável no âmbito das sociedades) de forma a garantir confidencialidade e
privacidade necessárias.
Ao Advogado não cabe investigar apenas cabe comunicar a suspeita, acto que não
pode divulgar ao cliente (arts. 11º, al. i) e 54º)
Nas situações previstas nos artigos 43.º e 47.º, números 2 e 3, da Lei n.º 83/2017,
de 18 de agosto, o dever de cooperação dos advogados para com o DCIAP e a UIF
da Polícia Judiciária, relativamente a solicitações específicas de informação e
documentação que expressamente se fundamentem em atuação no quadro de
prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, apenas
deve ser efetuada através do Bastonário.

118
Com a comunicação do Advogado, o Bastonário aprecia o expediente à luz do
segredo profissional e presta a informação ao DCIAP e UIF da PJ, em ofício por si
assinado.
O Advogado também será notificado por ofício assinado pelo Bastonário, com o
despacho que lhe mereceu a comunicação e a data em que foi transmitida.
O dever de conservação previsto na al. f) do art. 11º e art. 51º estatui que os
Advogados devem guardar toda a documentação que lhes tenha sido confiado pelo
período mínimo de sete anos.
A 24.11.2021, foi publicada a Lei n.º 78/2021 que consagra o regime de prevenção
e combate à actividade financeira não autorizada e protecção dos consumidores.
O artigo 4º desta Lei determina o “dever de consulta de conservadores, notários,
solicitadores, advogados, oficiais de registo ou câmaras de comércio e indústria e
reporte ao Banco de Portugal”, tendo iniciado a sua vigência no dia 1 de março de
2022.
Na sequência deste regime, os notários, solicitadores e advogados devem
comunicar eletronicamente ao Banco de Portugal a informação sobre as escrituras
públicas, documentos particulares autenticados ou documentos com assinatura por
si reconhecida em que intervenham e que se reconduzam aos tipos referidos nas
alíneas do n.º 1 do artigo 4º, com excepção daqueles em que actuem por conta de
entidades autorizadas pelos supervisores financeiros, nos termos do nº 5 do artigo
4º da mencionada Lei.
Passa a existir o dever de menção especial nos contratos de mútuo civil de valor
superior a €2500,00.
Impõe-se ao ADV o dever de colaborar com o Banco de Portugal na fiscalização da
actividade financeira não autorizada.
Contudo, o artigo 4º, nº 4, dessa Lei prevê que “o disposto nos n.ºs 1 e 3 não é
aplicável sempre que advogados e solicitadores atuem no decurso da apreciação
da situação jurídica de cliente ou no âmbito da defesa ou representação desse
cliente em processos judiciais ou a respeito de processos judiciais, mesmo quando
se trate de conselhos prestados quanto à forma de instaurar ou evitar tais
processos, independentemente de essas informações serem recebidas ou obtidas
antes, durante ou depois do processo”.
https://portal.OA.pt/comunicacao/comunicados/2021/comunicado-do-bastonario-
lei-n%C2%BA-782021-de-24-de-novembro/

- Art.208º CRP;
- Artigos do EOA com interesse para esta temática: 90º, nº 2, als. c) d) e e) - deveres
para com a comunidade; 92º nº 1 e nº1, al. a) - obrigação de segredo profissional -
; art. 88º (dever de integridade) e 97º (princípio da confiança).

Art. 368º-A, nº 2 do CP – crime de branqueamento:

119
“1 - Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os
bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos
ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes,
extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas,
tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal,
tráfico de influência, corrupção e demais infrações referidas no n.º 1 do artigo 1.º
da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena
de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a
5 anos, assim como os bens que com eles se obtenham.
2 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão
ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou
indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor
ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a
uma reação criminal, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos.”

- Carlos Mateus, in Deontologia Profissional, pág. 137 e segs.


- Carlos Pinto de Abreu:
http://www.OA.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=5&idsc=9562&ida=2
7503
O branqueamento de capitais, lavagem de dinheiro, reciclagem de bens ou
dissimulação de coisas ou direitos, abrangendo as fases de colocação, de
transformação e de integração, visa ocultar os lucros do crime base e os objectos
com ele ilícita e culposamente apropriados, criando a aparência de legitimidade do
património adquirido ou acrescentado.
No início, o âmbito da punição do branqueamento era muito restrito. Circunscrevia-
se às actividades relacionadas com o tráfico de droga. Depois, pouco mais além ia
do branqueamento do produto do tráfico de estupefacientes. No início também era
mais relevante a repressão. E a prevenção circunscrevia-se à actividade das
instituições financeiras. Hoje privilegia-se a prevenção a vários níveis. E hoje
também é muito mais abrangente a punição do branqueamento de capitais. Com
efeito, e muito para além dos crimes de tráfico de droga, de terrorismo, de tráfico
de armas e de produtos nucleares, de extorsão, de rapto ou de exploração e de
tráfico de pessoas ou de órgãos e tecidos humanos, etc, etc., estabelece-se uma
cláusula geral que estatui a punição do branqueamento, não propriamente o
originado em “qualquer infracção que possa gerar “proveitos substanciais”, mas
quando relacionado com qualquer infracção “que seja punível com uma pesada
pena de prisão”. Ainda assim, nos vários ordenamentos da União Europeia há
diferenças abissais.
Dado que a montante se encontra sempre um crime base grave e a jusante o crime
de branqueamento, o que se pretende é a antecipação da tutela penal pela especial
gravidade do crime precedente.
Mas também são finalidades da estatuição e da punição a defesa contra a
contaminação da economia lícita e a concorrência desleal e a manutenção da
credibilidade e confiança nas instituições, designadamente comerciais e
financeiras, mas não só.

120
Sem que se esqueçam, obviamente, os objectivos da realização da justiça; da
protecção da democracia, da salvaguarda das próprias estruturas do Estado e do
inconfessado, mas manifesto interesse deste no confisco dos lucros do crime”.

Cfr. o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-06-2002 proferido no


processo nº 472/02:
“I-O autor do crime de tráfico pode cometer, em concurso efectivo com o crime-
base, o crime de branqueamento de capitais. Na realidade, os bens jurídicos
tutelados por ambos os ilícitos em referência são efectivamente distintos. II- Assim,
a criminalização do tráfico de estupefacientes visa, em primeiro lugar, tutelar a
saúde pública da comunidade e, reflexamente ou, melhor dizendo, em paralelo, a
saúde (física e psíquica) de todos e de cada um dos membros da comunidade. III-
Por seu turno, o crime de branqueamento de capitais visa, para além do mais,
tutelar a “saúde do circuito financeiro, económico e jurídico dessa mesma
comunidade, assim o visando resguardar de «contaminações» derivadas do afluxo,
à respectiva corrente, de bens de origem criminosa que aí procuram a sua
legitimação. Tais bens tenderiam a ser posteriormente reinvestidos, gerando novos
meios de fortuna que fortaleceriam as entidades criminosas de que provêm os bens
branqueados, e são, em simultâneo, susceptíveis de colocar em risco o próprio
princípio da livre concorrência”.

A Lei do BC/FT aplica-se aos Advogados, constituídos em sociedade ou em prática


individual, que pratiquem, no exercício da sua profissão, os actos discriminados nos
quadros I e II (artigo 4.º, nº 2 e 3) impondo-lhes deveres específicos de reportarem
situações “sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para
suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou
valor envolvido, provêm de actividades criminosas ou estão relacionados com o
financiamento do terrorismo.” – art. 47º.
Estas obrigações conhecem a limitada derrogação do artigo 79.º, que isenta os
Advogados dos deveres de comunicação e de colaboração (artigos 43.º e 53.º)
caso a informação suspeita seja obtida através da prática dos actos ali previstos.
Assim, a Lei n.º 83/2017 e o art. 3º do Regulamento aplicam-se aos Advogados
quando intervenham ou assistam, por conta de um cliente ou noutras
circunstâncias, em:
- Operações de compra e venda de bens imóveis, estabelecimentos comerciais ou
participações sociais;
- Operações de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros activos
pertencentes a clientes;
- Operações de abertura e gestão de contas bancárias, de poupança ou de valores
mobiliários;
- Operações de criação, constituição, exploração ou gestão de empresas,
sociedades, outras pessoas colectivas ou centros de interesses colectivos sem
personalidade jurídica (v. g., condomínios) que envolvam a realização das

121
contribuições e entradas de qualquer tipo e ainda a prestação de serviços a essas
entidades (v. quadro II);
- Operações de alienação e aquisição de direitos sobre praticantes de actividades
desportivas profissionais;
- Outras operações financeiras ou imobiliárias em representação ou em assistência
do cliente.
Assim, e a título meramente exemplificativo:
Se o cliente precisar de abrir uma conta bancária para si ou para a sua empresa, o
Advogado deve aplicar o Regulamento.
Se o cliente precisar da assistência do Advogado sobre a celebração de um
contrato de promessa de compra e venda de um imóvel, deve aplicar-se o
Regulamento.
Se o Advogado elaborar, a pedido do cliente, uma minuta de contrato de promessa
de compra e venda de um imóvel, deve aplicar o Regulamento.
O Advogado que trabalhe habitualmente com mediadoras imobiliárias e com
entidades bancárias terá interesse em facultar os formulários ao intermediário e
deverá verificar a comprovação dos elementos.
Em qualquer desses casos, não constitui violação do segredo profissional, pois o
advogado age, não como advogado, mas:
1. como mero consultor económico ou fiscal, fora da previsão dos serviços conexos
com o aconselhamento, o patrocínio ou a defesa;
2. como mero responsável ou, melhor, titular de órgão de administração ou de
gestão de sociedade, designadamente representante de off-shore; ou
3. como mero empresário ou cidadão, não está, nem pode estar, abrangido por tal
isenção do dever de denúncia das operações suspeitas.

Por conseguinte, os Advogados não ficam sujeitos aos específicos deveres que
visam a prevenção do branqueamento e o financiamento do terrorismo
(BCFT) quando a informação suspeita é obtida através da prática dos actos
previstos no artigo 79.º da Lei do BC/FT e 4º do Regulamento, ou seja, nas
situações em que:
1. Obtenham informações no contexto da avaliação da situação jurídica do cliente
ou no âmbito da consulta jurídica, incluindo o aconselhamento relativo à maneira
de propor ou evitar um processo, e
2. Exerçam a sua missão de defesa ou representação do cliente num processo
judicial ou a respeito de um processo judicial, isto quer as informações sejam
obtidas antes, durante ou depois do processo.

Ou seja, enquanto o advogado age como tal, enquanto pratica actos próprios da
advocacia, tal como estão definidos na Lei nº 49/2004, de 24 de Agosto, não está
obrigado ao dever de comunicação ou de denúncia, nem sequer ao Bastonário.
122
No entanto, esses actos próprios da advocacia têm um limite que é o de não
consistirem em actos de auxílio, facilitação conversão ou transformação de
vantagens e de ocultação ou dissimulação de actos ilícitos praticados a montante.

OS PRINCIPAIS LIMITES E DEVERES


1. Dever de comunicação
Trata-se da famosa obrigação de denúncia de operações suspeitas ou de
transacções indiciadoras de branqueamento, estipuladas pelo artigo 43.º da Lei do
BC/FT.
Sempre que os Advogados saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para
suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou
valor envolvido, provêm de actividades criminosas ou estão relacionados com o
financiamento do terrorismo, devem, por sua própria iniciativa, remeter as
respectivas informações ao seu Bastonário, cabendo a este transmitir as mesmas,
imediatamente e sem filtragem, ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira
(artigos 43.º, 47.º e 79.º).
Estas comunicações são exigíveis quer versem operações que lhes sejam
propostas, quer outras operações de que tomem conhecimento (tentadas, em curso
ou já executadas).

SUBSECÇÃO II

Profissões jurídicas

Artigo 79.º

Informações relativas a operações suspeitas

1 - Sempre que atuem no decurso da apreciação da situação jurídica de cliente ou


no âmbito da defesa ou representação desse cliente em processos judiciais ou a
respeito de processos judiciais, mesmo quando se trate de conselhos prestados
quanto à forma de instaurar ou evitar tais processos, independentemente de essas
informações serem recebidas ou obtidas antes, durante ou depois do processo, os
advogados e os solicitadores não estão obrigados:

a) À realização das comunicações previstas no artigo 43.º e nos n.os 2 e 3 do artigo


47.º;

b) À satisfação de pedidos relacionados com aquelas comunicações, no âmbito do


dever de colaboração previsto no artigo 53.º

123
2 - Fora das situações previstas no número anterior, os advogados e os
solicitadores:

a) No âmbito das comunicações previstas no artigo 43.º e nos n.os 2 e 3 do artigo


47.º, remetem as respetivas informações ao bastonário da sua ordem profissional,
cabendo a esta transmitir as mesmas, imediatamente e sem filtragem, ao DCIAP e
à Unidade de Informação Financeira;

b) No âmbito do dever de colaboração previsto no artigo 53.º, comunicam, no prazo


fixado, as informações solicitadas:

i) Ao bastonário da sua ordem profissional, quando os pedidos estejam


relacionados com as comunicações referidas na alínea anterior, cabendo àquela
ordem a transmissão das informações à entidade requerente, imediatamente e sem
filtragem.

ii) Diretamente à entidade requerente, nos demais casos.

Contra este regime, são várias as vozes que se erguem, alertando para o facto de
se estar a pôr e causa os princípios estruturantes da advocacia como o do segredo
profissional e o da confiança.
Invoca-se que os poderes do Estado não podem nunca estender-se ilimitada e
abusivamente ao ponto de exigirem a violação do sigilo profissional e a quebra da
confiança do cidadão no seu advogado - seja ele mandatado ou oficioso, patrono
ou defensor ou simples consulente ou confidente - sob pena de infracção à garantia
legal inamovível contra as tentações securitárias e policiais de se obter confissão
por interposta pessoa e de violação do direito à intimidade, mas sobretudo sob pena
de se negar ao cidadão a livre, real e efectiva possibilidade de se fazer aconselhar,
de se defender e de se representar em juízo.

Os advogados e o dever do silêncio


ARMÉNIA COIMBRA
Advogada, ex-vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados
“Noticiou-se recentemente que até à data nenhum advogado cumpriu a directiva do
Parlamento Europeu e do Conselho relativa à prevenção da utilização do sistema
financeiro para efeitos de branqueamento de capitais. Não sei se algum advogado
inscrito na Ordem dos Advogados de Portugal se confrontou alguma vez com uma
situação concreta desta natureza- a suspeita ou o conhecimento de factos que
indiciem a prática do crime de branqueamento, no âmbito da consulta jurídica, no
exercício da sua missão de defesa ou representação do cliente num processo
judicial. O que sei é que o advogado só tem o dever de comunicação de tal suspeita
ao seu bastonário e não tem o dever de denúncia a quaisquer outras instâncias

124
policiais ou judiciais; só ao bastonário compete, em cada caso concreto e nos
termos estatutários, decidir se se quebra ou não o sagrado dever de sigilo
profissional. Há que esclarecer a opinião pública e também os advogados inscritos
na Ordem dos Advogados, de que não compete aos advogados, em cada caso
concreto, aquilatar e decidir se devem ou não denunciar os casos de suspeita de
branqueamento de capitais que venham ao seu conhecimento no âmbito da sua
profissão. Essa competência de denúncia é exclusiva do seu bastonário, tal como
o é em todos os casos de quebra ou dispensa de sigilo profissional. A Lei n.°
11/2004, de 27 de Março, ao transpor a directiva do Parlamento Europeu e do
Conselho relativa à prevenção de utilização do sistema financeiro para efeitos de
branqueamento de capitais, respeitou o dever de sigilo dos profissionais dos
advogados. E assim é porque assim tem de ser. As normas do Estatuto da Ordem
dos Advogados que dispõem sobre segredo profissional são normas de interesse
público; a Ordem dos Advogados é um órgão da administração mediata do Estado;
a Ordem dos Advogados, através do seu bastonário, ao decidir ou não decidir pela
quebra do sigilo, exerce uma função de interesse público, sendo o seu parecer
vinculante erga omnes, inclusive para todas as instâncias judiciais.
Assim, quer nas situações concretas de suspeita de branqueamento quer em todas
as restantes situações concretas de conflitos de deveres ou interesses, ao
advogado o que se exige é o silêncio; o advogado deve silenciar-se sobre factos
que estejam a coberto do segredo profissional; o advogado tem o direito a recusar-
se a revelá-los perante quaisquer autoridades. Não há, pois, em qualquer
circunstância, conflitos de deveres em que o advogado tenha de analisar e/ou
decidir qual deles deve prevalecer.
Reconhecemos que o ataque ao novo crime do século XXI a corrupção, a lavagem
de dinheiro e a fraude e a evasão fiscais – é a condição de sucesso de
desenvolvimento, prosperidade e sobrevivência do regime democrático, devendo
por isso constituir uma prioridade. Mas é às instâncias policiais e judiciais que
compete dar-lhes prioridade através de mecanismos e de procedimentos com
respeito integral pelos princípios estruturantes do Estado de direito democrático.
Por assim ser, em outras situações similares, na prevenção do crime, o VIII
Congresso das Nações Unidas estabeleceu no ponto 22 dos princípios básicos
relativos à profissão de advogados que os “Governos devem reconhecer e respeitar
a confidencialidade de todas as comunicações e consultas feitas entre os
advogados e os seus clientes no âmbito das suas relações profissionais”.

• Comunicado

“A recente publicação de legislação em matéria de prevenção e repressão do


branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo (Lei n.º 83/2017, de
18 de Agosto) resultou da transposição para a ordem jurídica portuguesa das
Directivas 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de
2015, e 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2016.
A matéria é complexa, uma vez que a legislação em causa foi aprovada através
de uma Lei da Assembleia da República, sendo também o nosso Estatuto uma Lei
formal com valor reforçado, mas sobretudo porquanto as disposições

125
constitucionais que tratam do papel do Advogado na administração da Justiça, dos
seus direitos e prerrogativas, colidem, em nosso entender, com a legislação ora
transpostADV Levanta-se, por isso, o problema da conformidade das directivas com
o texto constitucional e, também, dos próprios Tratados, com os quais essas
directivas têm de se conformar, com a nossa Lei Fundamental.
A Ordem dos Advogados é uma associação de direito público que se não limita a
representar os seus associados, mas que estatutariamente pugna pela defesa do
Estado de Direito e seu aperfeiçoamento. Para além de outros deveres estatutários,
a legislação aprovada é um sério ataque ao dever de sigilo dos Advogados, timbre
da nossa profissão, verdadeira pedra angular sobre a qual se ergue todo o nosso
edifício deontológico. Donde, forçar os Advogados a serem uma espécie de
denunciantes (whistleblowers), em relação aos seus Clientes, em dadas
transacções, é afectar esse capital inestimável e que garante um Estado de Direito,
qual seja a possibilidade de alguém poder confiar totalmente no ou na Advogada
que escolhe.

Ninguém defende que os Advogados sejam comparticipantes de delitos, mas não


pode igualmente o Estado transferir competências que cabem às autoridades
judiciárias e aos órgãos de polícia criminal para estes profissionais, sob pena de
uma completa inversão de papéis e de uma descaracterização seríssima das
funções do Advogado, constitucionalmente garantidas.
A Ordem dos Advogados continuará, agora de modo mais intenso, o labor junto
das suas congéneres europeias e de outros organismos internacionais a que
pertence, no sentido de estudar formas de reacção conjunta, o que em muito
fortalecerá a nossa lutADV Uma luta pela cidadania, pela integridade do múnus da
Advocacia, pelos alicerces do Estado de Direito, realizada por via de uma reflexão
profunda e bem delineada, em matéria de elevada complexidade.
Entendemos que só assim a Ordem se credibiliza e presta mais um inestimável
contributo a toda a sociedade portuguesa, conscientes de que estão todos os
Advogados portugueses da sagacidade imanente à afirmação kantiana: “No reino
dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço,
pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa
está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então ela tem
dignidade”.

De facto, o sigilo profissional dos Advogados não tem preço. Apenas dignidade!
Guilherme Figueiredo
Bastonário

Lisboa, 11 de setembro de 2017”

No 8º Congresso dos Advogados Portugueses realizado em junho de 2018, em


Viseu, foram aprovadas, a esse respeito, as seguintes conclusões:

126
“1. Da Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do
Terrorismo (Lei de Combate ao Branqueamento), não obstante a salvaguarda
prevista no seu art.º 79.º que exime os Advogados de revelar informações obtidas
no âmbito da consulta jurídica e no exercício do patrocínio judiciário, poderão
resultar para estes profissionais deveres de colaborar com autoridades judiciárias
e outras em situações não abrangidas pela referida cláusula de salvaguarda,
devendo o Bastonário e o Conselho Geral, em conjugação de esforços e intentos
com os Conselhos Regionais, ouvidos o Conselho Superior e os Conselhos de
Deontologia:
a) Diligenciar junto do Ministério da Justiça no sentido de excluir os Advogados do
dever de comunicação sistemática de operações em que intervenham em
representação dos seus clientes que vierem a constar do elenco da portaria
governamental a aprovar pelo Ministério da Justiça ao abrigo do art.º 45.º, n.º 1 da
Lei de Combate ao Branqueamento;
b) Identificar claramente as situações em que os Advogados estejam obrigados a
comunicar ao Bastonário as suas suspeitas sobre a proveniência ilícita de certos
fundos ou outros bens ou a suspeita de se destinarem ao financiamento do
terrorismo, ao abrigo do dever de revelar previsto no art.º 43.º da Lei de Combate
ao Branqueamento;

c) Proceder à delimitação das situações em que possa impender sobre os


Advogados o dever de comunicar ao Bastonário informações, esclarecimentos e
documentos cuja apresentação lhes seja solicitada pelas autoridades judiciárias e
outras, ao abrigo do dever de colaboração previsto no art.º 53.º da Lei de Combate
ao Branqueamento;
d) Proceder à criação de uma Comissão ao nível do Conselho Geral para o
tratamento da matéria objeto da Lei do Combate ao Branqueamento, com a
finalidade de aconselhar e acompanhar os Advogados no cumprimento dos deveres
estabelecidos na Lei e de garantir a completa confidencialidade das comunicações
remetidas pelos Advogados ao Bastonário.

2. Os poderes do Estado não podem nunca estender-se ilimitada e abusivamente


ao ponto de exigirem a violação do sigilo profissional e a quebra da confiança do
cidadão no seu Advogado.
3. Numa futura revisão do texto constitucional, deve a Ordem dos Advogados
propor ao Parlamento uma revisão do texto do art. 208º. da CRP, de forma que
passe a constar especificadamente o sigilo profissional do Advogado, como
fazendo parte primordial daquele acervo de garantias, com carácter imprescindível
para o exercício da defesa pelos Advogados dos interesses dos cidadãos.”
O ex-bastonário, Guilherme Figueiredo, em declarações ao Público, revela
que durante os três anos de mandato recebeu “quatro ou cinco” participações
no âmbito de lavagem de dinheiro, tendo optado por não reenviar apenas uma
delas para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DICIAP) e para
a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária (PJ).

127
https://www.publico.pt/2020/01/30/sociedade/noticia/advogados-quase-nao-
reportam-suspeitas-lavagem-dinheiro-1902218

O ex-bastonário, Luis Meneses Leitão, que tomou posse aos 14-01-2020 recebeu,
logo então e num só mês, três comunicações relativas a operações suspeitas, que
remeteu à Procuradoria-Geral da República.
Ver aqui:
https://eco.sapo.pt/2020/02/19/ordem-dos-advogados-recebeu-tres-
comunicacoes-de-branqueamento-num-so-mes/

- Ac. TRE de Pº 615/16.5T9LLE de 05/06/2017:


Sumário:
“I – Estando em causa a investigação de crimes de tráfico de estupefacientes e
branqueamento de capitais é de deferir o pedido de quebra do sigilo profissional de
advogado por ser absolutamente essencial e imprescindível para a descoberta da
verdade material e a realização da justiça que a senhora advogada deponha sobre
os factos de que tem conhecimento no exercício das suas funções.”
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/00789674EEFC8B3E8025814C004E338E
Nos autos em causa, investigava-se a prática de crime de branqueamento de
capitais, bem como de tráfico de estupefacientes, consistente em os suspeitos
branquearem dinheiro de factos criminosos relacionados a drogas através de
transações de quotas, empréstimos de dinheiros, a compra de bens móveis e
investimentos em bens imóveis (estrangeiros), uma e outra pela utilização de
pessoas coletivas estrangeiras, ascendendo a quantia em dinheiro branqueada, a
aproximadamente 1.850.000,00€.

- Hipótese de exame: 28-10-2016.

22. As Sociedades de Advogados

Regime legal:
https://portal.OA.pt/advogados/sociedades-de-advogados/

Enquadramento legal:
a) O Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de
setembro, alterado pela Lei n.º 6/2024, de 19 de janeiro, que revogou os arts. 213.º
a 222.º e estatuiu a regra constante do art. 212º-A, bem como a constante do art.
5º, nº 1;

128
b) A Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, que estabelece o regime jurídico da
constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas
a associações públicas profissionais (abreviadamente identificada por LSP);
c) A Lei nº 64/2023 de 20 de novembro, que altera a referida Lei nº 5372025;
c) A Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação,
organização e funcionamento das associações públicas profissionais
(abreviadamente identificada por LAPP), alterada pela Lei 12/2023 de 28.03; e
d) Regulamento das Quotas das Sociedades de Advogados – Regulamento n.º
512/2018, de 6 de agosto foi revogado.

As sociedades de advogados deixam de estar inscritas na Ordem dos Advogados,


deixando assim de pagar quotas mensais. O que faziam desde 2015, com a
aprovação do referido Regulamento das Quotas das Sociedades de Advogados.
Assim, passam a estar meramente registadas (sendo que o registo profissional dos
advogados está previsto no art. 3º, nº 1, al. m), salvo se manifestarem a sua
oposição no prazo de 60 dias após a sua notificação, caso em que deixam de
constar do registo. – nº 2 do citado art. 5º.
Nesse caso mantêm-se registadas no Registo Comercial, pelo que a publicidade
dos seus estatutos e dos seus actos está garantida. O cidadão continuará, assim,
poder saber quem são os sócios dessas sociedades, que capital têm e quem o
detém e dele beneficia, bem como quem as poderá vincular.
As sociedades de advogados e as sociedades disciplinares e os respectivos sócios
estão sujeitas à jurisdição e regime disciplinar da OA – art. 114º, nº 6 e art. 18º da
Lei nº 53/2015 de 11 de junho, que estabelece o regime jurídico da constituição e
funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações
públicas profissionais.
Há duas formas de exercício de advocacia: prática individual (agora há quem use
a expressão pouco rigorosa de ”freelancer”) e societária.
Esta faz-se para evitar ou minimizar os encargos da profissão (poucos clientes,
excesso de advogados – veja-se o número de ADV inscritos no acesso ao direito)
ou por necessidade de especialização em determinadas matérias, já que o Direito
abarca muitas e diferentes áreas, tornando complexa a advocacia.
- Têm a natureza de sociedades civis sob a forma comercial (art. 27º, nº 2 da LAPP)
no respeito do princípio de natureza não mercantil deste tipo de sociedades.
- Estudo da ASAP: 63% estão sediadas na capital do país; 84% têm até 5 sócios.
- É possível a partilha entre ADV e solicitadores (art. 6º da Lei 49/2004), mas não a
inscrição cumulativa nas duas Ordens (art. 85º, nº 1, existindo uma
incompatibilidade absoluta).
A constituição e funcionamento das sociedades profissionais de advogados consta
da citada Lei nº 53/015.

129
- As sociedades estão sujeitas aos princípios e deveres deontológicos do EOA, que
devem igualmente ser observados nas relações internas entre sócios e associados
- artigo 18º da LSP.
- Sociedades de responsabilidade limitada e ilimitada: nº 5 do art. 212-A, devendo
a respetiva firma demonstrar o tipo de responsabilidade adotado pela sociedade,
terminando com o aditamento «RI» ou «RL», para além de ter de indicar a
sigla «SP», por estar sujeita ao regime jurídico da constituição das sociedades de
profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais, aprovado
pela Lei n.º 53/2015, de 11 de junho. Deste modo, a firma das sociedades de
advogados deverá terminar com os aditamentos «…, SP, RI» ou «…, SP, RL»,
consoante seja adotada a modalidade de responsabilidade ilimitada ou limitada.
Em ambas situações e ao abrigo do disposto nos artigos 4.º e 19.º da Lei n.º
53/2015, de 11 de junho, o contrato de sociedade deverá conter as
seguintes menções:
— A identificação dos sócios, designadamente pela indicação do nome,
naturalidade, estado civil (se casado nome do cônjuge e regime de bens),
residência, domicílio profissional e o número de cédula profissional dos sócios;
— A firma da sociedade;
— A sede social;
— O objeto social;
— O montante do capital social, a natureza e o valor das participações que o
representam e os respetivos titulares;
— A administração e a forma de obrigar.

- Distinção entre sócios e associados: art. 81º, nº 3 (para evitar a eternização da


subordinação hierárquica e funcional).
- O mandato conferido a um ou apenas alguns dos sócios não se considera
automaticamente extensivo aos restantes, pois não é a Sociedade que exerce a
actividade profissional, mas os ADV seus sócios, dado o seu carácter intuitu
personae.

O art. 180º estendeu a obrigatoriedade de pagamento de quotas pelas sociedades


de advogados e o seu sancionamento em caso de incumprimento.

- Cfr. art. 99º, nº 6 (conflito de interesses).

- Top 10 em termos de faturação em 2019: Vieira de Almeida (Vda); Morais Leitão;


PLMJ; Uría Menéndez – Proença de Carvalho; Abreu Advogados; Miranda;
Cuatrecasas; SRS; Garrigues; Linklaters.
https://eco.sapo.pt/2020/07/07/sociedades-de-advogados-faturam-5174-milhoes-
euros-em-2019-vda-lidera-tabela/

130
- Vide ainda Gustavo Sampaio, Os Facilitadores, Esfera dos Livros, Lisboa, 2014.

23. As sociedades multidisciplinares


“One stop shop”

O Governo efectuou recentemente uma mudança de paradigma relativamente a


esta questão, ao pretender garantir a liberdade de acesso à profissão, eliminando
práticas que limitem ou dificultem o acesso às profissões reguladas, como é o caso
dos advogados, os notários e os solicitadores, seguindo recomendações da
Autoridade da Concorrência, que defende medidas como o fim da proibição das
sociedades multidisciplinares, compostas por advogados, consultores e outros
profissionais, bem como da OCDE e da União Europeia.
No memorando do PRR, na Reforma RE-r16 “Redução das restrições nas
profissões altamente reguladas”, o Governo comprometia-se a alterar a lei até final
de 2022 para, entre outras medidas, separar as funções de auto-regulação e de
representação das ordens, passando as primeiras para um órgão de supervisão
maioritariamente com membros externos, alterar os estágios e permitir a prática
multidisciplinar.
“O Governo, para assegurar o direito à liberdade de escolha e acesso à profissão,
constitucionalmente garantido, irá impedir práticas que limitem ou dificultem o
acesso às profissões reguladas, em linha com as recomendações da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Autoridade da
Concorrência”, referem as Grandes Opções do Plano, que acompanham a proposta
de Lei do Orçamento do Estado para 2020, entregue esta noite na Assembleia da
República
Tal como o Jornal Económico noticiou na passada sexta-feira, dia 13 de dezembro,
os grupos parlamentares do PS e PSD têm no radar as recomendações da
Autoridade da Concorrência (AdC) para a liberalização das profissões auto-
reguladas.
Em julho do ano passado, a AdC divulgou um Plano de Ação para a Reforma
Legislativa e Regulatória das Profissões Liberais, onde sustenta que, no caso dos
advogados, solicitadores, agentes de execução e notários, as medidas de
liberalização teriam um impacto positivo para a economia portuguesa na ordem dos
32 milhões de euros.
A AdC considera que é necessário “reavaliar a proporcionalidade das
incompatibilidades e impedimentos que possam inviabilizar a oferta de actividades
multidisciplinares por sociedades profissionais.
A AdC defende ainda que é necessário abolir as normas que restringem a
propriedade e a gestão das sociedades de profissionais, de maneira a permitir a
compra e venda destas firmas, bem como a sua administração por pessoas que

131
não estejam inscritas nas respetivas ordens. Para avançar com esta medida, seria
necessário alterar os estatutos de 12 ordens profissionais, incluindo a dos
advogados.
O regulador considera que, desta forma, seria possível obter economias de escala,
reduzir os custos operacionais e assegurar uma maior customização, qualidade e
diversidade, juntamente com preços mais competitivos, em benefício dos
consumidores. Os casos de Inglaterra e Espanha, países onde já são permitidas
sociedades multidisciplinares, são apontados pela AdC como exemplos a estudar.
A AdC defende ainda que é necessário abolir as normas que restringem a
propriedade e a gestão das sociedades de profissionais, de maneira a permitir a
compra e venda destas firmas, bem como a sua administração por pessoas que
não estejam inscritas nas respetivas ordens. Para avançar com esta medida, seria
necessário alterar os estatutos de 12 ordens profissionais, incluindo a dos
advogados.
A questão da multidisciplinaridade e da liberalização tem dividido a classe dos
advogados, havendo quem considere que vai contra os princípios da profissão.
“O exercício da advocacia em estruturas multidisciplinares fere de morte a
dignidade da profissão e põe em causa o cumprimento de deveres deontológicos a
que o advogado está vinculado na prática profissional para protecção do segredo
profissional, proibição de publicidade, proibição de advogar contra o direito
constituído ou o direito de recusar causas injustas”, disse ao Jornal Económico
António Jaime Martins, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos
Advogados, na semana passada.
Outros advogados, porém, consideram que a multidisciplinaridade é fundamental
para responder às necessidades dos clientes, ao permitir uma oferta de serviços
transversal e multidisciplinar. A seu lado têm as consultoras, que querem poder
oferecer serviços jurídicos aos seus clientes.
Contornando a proibição da multidisciplinaridade, várias destas entidades têm já
parcerias com escritórios de advogados independentes que, por essa via, prestam
serviços aos seus clientes. Se a multidisciplinaridade se tornar uma realidade, as
‘Big Four’ (PwC, Deloitte, EY e KPMG) e outras consultoras poderão comprar
sociedades de advogados ou criar equipas jurídicas próprias, facturando esses
serviços directamente aos clientes.”
In Jornal Económico, 17-12-2019,
https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/oe2020-governo-quer-acabar-com-limites-
ao-acesso-as-profissoes-reguladas-526323

Quem se opôe à criação das sociedades multidisciplinares acena com razões


deontológicas, como as que causariam a destruição da identidade da advocacia e
dos atos próprios dos advogados, ao permitir que se misture com outras profissões,
com a criação de sociedades multidisciplinares que até podem ser geridas por
pessoas externas a tais profissões, olvidando-se que a profissão de advogado tem
especificidades técnicas, científicas e deontológicas. Ao pôr-se em risco, por

132
exemplo, a preservação do segredo profissional, retira-se uma garantia
fundamental aos cidadãos e põe-se em causa uma das imunidades dos advogados,
indispensável ao patrocínio forense.
O projecto de lei relativo às ordens profissionais que altera questões como as
condições de acesso a algumas profissões, introduz estágios profissionais
remunerados e cria uma entidade externa para fiscalizar os profissionais, acabou
mesmo por ser aprovado pelo Parlamento aos 22-12-2022.
A 1 de fevereiro de 2023 o Presidente da República pediu a fiscalização preventiva
da constitucionalidade desse diploma por considerar que algumas das suas normas
poderiam ferir os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da auto-
regulação, como sejam: a inclusão de personalidades externas às ordens
profissionais em maior proporção do que internas na avaliação de estágios
profissionais, nos órgãos disciplinar e de supervisão e como provedor, assim como
a incompatibilidade de funções de dirigente na ordem e na função pública.
Por decisão tornada pública em 27 de fevereiro, o TC não considerou
desrespeitados quaisquer princípios ou normas constitucionais, não se
pronunciando consequentemente no sentido da inconstitucionalidade de nenhuma
das disposições fiscalizadas.
Aos 28.03.2023 foi publicada a Lei nº 12/2023, que altera a Lei nº 2/2013 de 10 de
janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento
das associações públicas profissionais, e à Lei nº 53/2015 de 11 de junho, que
estabelece o regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de
profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais.
Visou-se e no que ao tema interessa, garantir a liberdade de acesso e de exercício
da profissão, ao estabelecer-se, sem excepção, que as ordens profissionais não
podem, por qualquer meio, estabelecer restrições à liberdade de acesso e de exer-
cício da profissão, além daquelas que já resultam da lei ou respetivos estatutos das
ordens, que foram reduzidas, e na salvaguarda de outros interesses constitucional-
mente protegidos, mediante a proibição de atividades reservadas.
As atividades profissionais só poderão ser reservadas aos membros das ordens
quando tal resulte expressamente de lei, fundada em razões de interesse público
constitucionalmente protegido, segundo critérios de adequação, necessidade e pro-
porcionalidade.

A Lei n.º 64/2023 de 20-11 veio alterar a referida Lei n.º 53/2015.
“Será que o dever de sigilo do advogado é compaginável, numa mesma sociedade
profissional, com o dever de informação de um auditor ou revisor de contas? Será
que um advogado que seja eventualmente suspenso ou expulso pela justiça
disciplinar da sua Ordem, pode arrumar a toga e continuar na sociedade
multidisciplinar a outro qualquer título? Será que o dever de independência do
advogado pode conviver com a natureza subordinada de outras profissões?

Quantas “Chinese Walls” se irão agora inventar para disfarçar, ou atenuar, os riscos
de conflito de interesses? E será que o advogado, em reunião de sócios da

133
hipotética multidisciplinar, conseguirá impor aos seus sócios, não advogados, a
proibição da quota litis?
É normal que alguns advogados pensem que a multidisciplinariedade lhes trará
clientela acrescida, pois a capacidade de angariação e fixação de clientes parece
teoricamente maior. Mas os clientes são mesmo atraídos por uma sociedade
profissional indefinida e especialista de coisa nenhuma?
No quarto crescente e na lua cheia da minha vida profissional dediquei o tempo que
me sobrou da prática de advocacia a construir uma sociedade de advogados e a
estudar dezenas de outras experiências.
Nessa experiência avassaladora tive a sorte de trabalhar e conhecer
reputadíssimas sociedades de advogados em Portugal, e no estrangeiro. Nenhuma
delas era, ou pretendia ser, uma sociedade multidisciplinar. Todas me
impressionaram de forma inesquecível.
Conheci algumas (poucas) sociedades multidisciplinares que ofereciam também
serviços de advocacia. Não fixei o nome de qualquer uma delas”.
Miguel Castelo Branco, Advogado, 27-05-2013 in
https://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/manuel-castelo-
branco/detalhe/profissoes_reunidas_sa
“Será que as sociedades de advogados portuguesas querem apostar na
multidisciplinaridade? E que posição deve ter a OA? À Advocatus os especialistas
mostram-se divididos.
Advogados, consultores, auditores, solicitadores e notários juntos na mesma
sociedade? Atualmente não é possível, mas o Governo deixou uma porta aberta
para a integração de novas profissões nas firmas de advogados. Nas “grandes
opções do plano” definidas para 2020, o Governo deixa em aberto a possibilidade
de criação de sociedades multidisciplinares.
Também estabeleceu como uma das prioridades, para os próximos três anos, a
eliminação de práticas que limitem ou dificultem o acesso às profissões
autorreguladas, como a dos advogados, notários e/ou solicitadores.
Enquanto que para Fernando Antas da Cunha, managing partner da Antas da
Cunha ECIJA, este passo pode ser um bom início, para outros advogados não é
tão linear.
“Não me parece que essa liberalização possa incluir os advogados, na medida em
que estes servem um interesse público fundamental, no exercício da Justiça. A
liberalização da advocacia só poderia trazer o caos e seria em prejuízo da justiça”,
explica José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS Advogados.
Também José António Barreiros considera a solução do Governo “perigosa” uma
vez que “fomenta a concorrência entre profissões”.
Em países europeus como Alemanha, Espanha, Bélgica e Suíça, as sociedades
multidisciplinares são admitidas sem restrições. No caso da Finlândia, Dinamarca
ou Suécia, existe apenas uma condicionante: não pode envolver partilha de lucros.
“O que sei é que, ciclicamente, somos contagiados por desejos de copiar o que
vem de fora, de mais moderno, “o último grito de Paris” de forma bacoca, sem juízo
crítico e ponderação”, considera José ADV Nogueira, da RSN Advogados.

134
Estatutariamente impossível, a integração de novas profissões nas sociedades
pode colocar em causa as regras deontológicas dos advogados, segundo o sócio
da SRS Advogados. “A única forma de tal poder não acontecer seria criar uma
separação clara das várias profissões no interior da sociedade, o que implicaria
uma divisão que punha em causa a sua integração, pois teriam de continuar a atuar
de forma autónoma”, acrescenta.
A multidisciplinaridade nas sociedades teria de passar por um reequacionamento
do Estatuto da Ordem, que segundo José António Barreiros, está “historicamente
gizado numa lógica de prática individual e carece de uma profunda revisão face aos
problemas contemporâneos”.
Ainda assim, Fernando Antas da Cunha acredita ser possível a convivência de
várias especialidades sem colocar em causa deveres específicos. “Se analisarmos
o dia-a-dia de uma sociedade de advogados, constatamos que nos relacionamos
com as mais diversas profissões e, muitas vezes, temos de partilhar informação
sensível, o que acaba por acontecer ficando as partes protegidas a partir da
assinatura de um acordo de confidencialidade”, notADV
Uma coisa é assegurada por todos, novas profissões irão influenciar a prática
individual. Seja através do contacto com realidades, valores, processos ou até
metodologias diferentes, a multidisciplinaridade traz à advocacia uma nova forma
de pensar e ver o resultado.
O managing partner da Antas da Cunha ECIJA exemplifica a integração de
programadores como uma vantagem para as sociedades, uma vez que “os
advogados não dominam a linguagem informática o que torna muito difícil a
interação e comunicação com o “cliente”.

Multidisciplinaridade: uma desvalorização da profissão?

Muitos dos argumentos apresentados pelos profissionais da área para recusar a


entrada de novas profissões nas sociedades de advogados é a desvalorização e
descaracterização da profissão.
“A profissão de advogado tem especificidades muito próprias, pelo que juntar com
outras profissões descaracteriza forçosamente a advocacia e pode desvalorizar ou
não dependendo da primazia que seria dada ao advogado nessa sociedade
multidisciplinar”, refere José Luís Moreira da Silva Também José Nogueira
considera que a multidisciplinaridade reduz a dimensão dos advogados a um “mero
prestador de serviços” e que a advocacia somente será advocacia enquanto
“mantiver na sua ratio ser uma “profissão liberal, de homens livres””.
Posição contrária é defendida por Fernando Antas da Cunha e José António
Barreiros que concordam que novas profissões em sociedades irão contribuir para
uma valorização dos advogados. “Estamos a entrar na era dos advogados híbridos,
isto é, os nossos clientes exigem muito mais de um advogado do que apenas o
conhecimento jurídico. Precisam que seja um verdadeiro conselheiro com
conhecimento transversal em relação a várias matérias”, assegura o managing
partner da Antas da Cunha.

O outro lado da advocacia

Os clientes são os principais motivadores de qualquer profissão e a advocacia não


fica de fora. Mas como serão afetados como a possibilidade multidisciplinaridade
nas sociedades de advogados?

135
“Os clientes teriam a desvantagem de deixar de ter um advogado e passar a ter um
conjunto de profissionais que tratariam de vários assuntos”, nota José Luís Moreira
da Silva. O sócio da SRS Advogados acrescenta que a única maneira de diminuir
o impacto negativo seria através da manutenção da autonomia na advocacia ou a
“liderança no apoio ao cliente”.
Obtenção de melhores resultados, serviços e integrados, análises e soluções
globais são alguns dos aspetos que, por outro lado, José António Barreiros
considera que beneficiariam o cliente.
“Os clientes, de uma forma geral, gostam do conceito “one stop shop”. A
proximidade e a cultura de uma organização enquanto fator de retenção é algo
absolutamente crítico. Neste contexto, se conseguirmos oferecer serviços
multidisciplinares, tal será uma enorme vantagem para os clientes em geral”,
explica Fernando Antas da Cunha.

- Sociedades multidisciplinares – nº 7, 1 e 2 do art. 213º: a partilha de


informações entre sócios com diferentes estatutos deontológicos é incompatível
com a preservação do segredo profissional, pondo em causa o interesse público
que lhe é inerente – art. 92º, nº 1, al. c) quanto às sociedades de ADV
O domicílio profissional do advogado tem de ser dotado de uma estrutura que lhe
permita assegurar o cumprimento dos seus deveres deontológicos (art. 91º, als. g)
e h).
A partilha do escritório com outro profissional só pode ser feita se fôr possível
assegurar ao advogado o cumprimento dos seus deveres deontológicos,
nomeadamente os de independência, segredo profissional, angariação de clientela
e integridade (arts. 81º, nº 1, 89º, 88º e 92º, nº 7 e 8).
- A proibição visa também impedir a não angariação de clientela (art. 90º nº 2, al.
h) e a salvaguarda dos princípios da independência e integridade do advogado
(arts. 89º e 88º respectivamente) e pontos 2.1., 2.2. e 2.3. do Código de Deontologia
dos Advogados Europeus (C.D.ADVE.).
Cfr. ainda os arts. 66º, nº 1, 6º, nº 1 da Lei 49/2004 e n.º 4 do art.º 81º e n.ºs 1 a 3
do art.º 73º do E.O.ADV

Artigo 27.º da LAPP (lei nº 12 de /2023 que revogou a Lei nº 2/2013)

Sociedades de profissionais

1 – Podem ser constituídas sociedades de profissionais que tenham por objeto


principal o exercício de profissões organizadas numa única associação pública
profissional, em conjunto ou em separado com o exercício de outras profissões ou
atividades, desde que seja observado o regime de incompatibilidades e
impedimentos
aplicável.

2 – As sociedades de profissionais constituídas em Portugal podem ser

136
sociedades civis ou assumir qualquer forma jurídica admissível por lei para o
exercício de atividades comerciais.

3 – Podem ser sócios, gerentes ou administradores das sociedades referidas no


número anterior pessoas que não possuam as qualificações profissionais exigidas
para o exercício das profissões organizadas na associação pública profissional
respetiva, salvo se, atentos os estatutos da sociedade, tal colocar em causa a
reserva de atividade estabelecida nos termos do artigo 30.º, devendo, no entanto,
ser sempre assegurado o cumprimento do disposto no n.º 1 e pelo menos:

a) A maioria do capital social com direito de voto pertencer aos profissionais em


causa estabelecidos em território nacional, a sociedades desses profissionais
constituída ao abrigo do direito nacional ou a outras formas de organização
associativa de profissionais equiparados constituídas noutro Estado membro da
União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, cujo capital e direitos de voto
caiba maioritariamente aos profissionais em causa; e

b) Um dos gerentes ou administradores ser membro da associação pública


profissional respetiva ou, caso a inscrição seja facultativa, cumprir os requisitos de
acesso à profissão em território nacional.

4 – Podem ser estabelecidas restrições ao disposto nos números anteriores,


por via dos estatutos das associações públicas profissionais, apenas com
fundamento no exercício de poderes de autoridade pública que a profissão
comporte ou em razões imperiosas de interesse público ligadas à missão de
interesse público que a profissão, na sua globalidade, prossiga (revogado).

Mário Diogo, Presidente do CDC, 12/04/2013:


“Razões históricas, deontológicas e jurídico-constitucionais – o que tudo
poderemos englobar na expressão a especificidade da advocacia – reclamam a
exclusividade de sociedades unicamente compostas por Advogados. No que às
razões históricas diz respeito, a Ordem dos Advogados é a mais antiga das Ordens
Profissionais, criada que foi pelo Decreto nº 11.715 de 12 de Junho de 1926,
regulamentado pelo Decreto nº 12.334 de 18 de Setembro do mesmo ano.
As sociedades de advogadas foram criadas pelo DL 513-Q/79, de 26 de Dezembro,
cujo preâmbulo justifica-as pela “complexidade da advocacia”, pela conveniência
da “actividade em equipa” entre profissionais de “diversa especialização” e para dar
“cobertura jurídica a situações de facto” então existentes.
Questão nuclear é, pois, a de saber se o Estatuto da Ordem dos Advogados pode
beneficiar das restrições previstas no nº 4 do artigo 27º da LAPP, evitando
sociedades de advogados com outras profissões ou actividades. Vejamos:
O perfil do advogado e a especificidade da advocacia determinaram a exclusividade
dos advogados nas respectivas sociedades. O artigo 1º do regime inicial das
Sociedades de Advogados só permitiu a constituição das sociedades a advogados,
atribuindo-lhes o “objectivo exclusivo … (de) exercício em comum da profissão de
advogado”.

137
O mesmo regime de exclusividade foi consagrado pelo DL 229/2004, de 10 de
Dezembro (artigo 5º), que veio “completar a flexibilizar o regime jurídico dessas
mesmas sociedades”, salvaguardando-se o “princípio da natureza não mercantil”,
para “permitir uma concorrência sã e equilibrada entre os profissionais dos diversos
Estados” da União Europeia, como se lê no preâmbulo.
A função social da advocacia não se alterou desde então ao ponto de provocar uma
rotura dos valores que constituem a “alma da toga”. São estes valores que justificam
a consagração estatutária das restrições previstas no referido nº 4 do art.º 27 da
LAPP.
A advocacia desempenha uma relevante função social de interesse público, tanto
como colaboradora indispensável na administração da justiça, como ainda como
defensora, por definição, do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e garantias
do cidadão, como decorre das atribuições estatutárias da OA (cfr. designadamente
o art.º 3º do actual e do projecto do novo Estatuto). Por esta razão, todas as
entidades públicas, autoridades judiciárias e policiais lhe devem colaboração (artigo
8º EOA).
Os advogados são os únicos profissionais que têm, estatutariamente, “deveres para
com a comunidade”, de entre os quais avulta “defender os direitos, liberdades e
garantias”, “pugnar pela boa aplicação das leis” e “colaborar no acesso ao direito”
(artigo 85º do actual e do projecto de Estatutos).
O “acesso ao direito e aos tribunais”, assim como o “patrocínio judiciário” estão
garantidos no artigo 20- nºs 1 e 2 da CRP e são assegurados exclusivamente pelos
advogados. O advogado desempenha ainda um papel relevante para além do
exercício do mandato forense, quando, no recato do seu gabinete, dirime ou previne
litígios, assumindo-se, na feliz expressão do Professor António Castanheira Neves,
como “mediador da convivência ética”, agente do equilíbrio e da paz social.
A função ético-social da advocacia é que justifica certas incompatibilidades ou
impedimentos para o exercício profissional, a fim de manter a isenção,
independência e dignidade (art. 76º e ss. EOA).
Em reforço do relevante interesse público da advocacia cabe lembrar as exigências
legais e deontológicas de integridade, dignidade, probidade e independência
consagradas nos artigos 83º e 84º e o apertado regime de segredo profissional e
de fixação de honorários, previsto nos artigos 87º, 100º e 101º do EOA.
A Ordem dos Advogados congrega uma classe de “alta e escrupulosa probidade”,
como se escreveu no preâmbulo do decreto fundador, de 1926. Por isso foi sempre
considerada “uma pessoa colectiva de direito público”.
É nesta lógica de interesse público que foi constitucionalizado o patrocínio forense
e garantidas aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato,
“como elemento essencial à administração de justiça” (artigo 208 da CRP). Essas
imunidades, decorrentes de “razões imperiosas de interesse público”, para usar a
formulação do citado nº 4 do art.º 27 da Lei 2/2013, estão hoje previstas,
designadamente, no art.º 144 da Lei 52/2008, de 28 de Agosto (Lei de Organização
e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).
As próprias Nações Unidas preocuparam-se em declarar os “Princípios Básicos
Relativos à Função de Advogados”, que considera os advogados “como agentes

138
essenciais à administração da justiça” (ponto 12) garantindo-lhes “imunidade civil,
penal por todas as declarações pertinentes, feitas de boa fé por escrito ou em
alegações orais”(ponto 20).
Este regime de não sancionamento por quaisquer expressões ou imputações
indispensáveis à defesa da causa está aliás consagrado no art.º 154-2 do C. Proc.
Civil.
O perfil do advogado e a especificidade da profissão forense, acima esboçados,
caracterizam a advocacia como actividade de relevante interesse social, como uma
missão de interesse público, para os efeitos do regime do nº 4 do art.º 27 da Lei nº
2/2013.
Acresce que o advogado está dotado de autoridade pública, visto ter competência
para actos reservados a notários, como reconhecimentos, autenticações e
certificações de documentos (DL 76-A/2006, de 29 de Março e DL 8/2007, de 17
de Janeiro), podendo ainda, entre outros actos negociais, formalizar a transmissão
de bens imóveis e celebrar a maioria dos contratos regulados no Código das
Sociedades Comerciais (DL 116/2008, de 4 de Julho).
Eloquente é constatar que já antes destas competências, que implicam a natureza
pública daqueles actos, o insigne Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias entendia que
o advogado exerce “uma função pública de administração da Justiça e é, por
conseguinte, um elemento dessa administração” (Direito Processual Penal, I,
página 471). Parece, assim, suficientemente demonstrado que o EOA e, se se
quiser, o Estatuto Profissional do Advogado podem e devem estabelecer as
restrições previstas no nº 4 do artigo 27º da LAPP relativamente à possibilidade de
constituição de sociedade de advogados em conjunto com outras profissões ou
actividades. Se a lei permite essas restrições, é estulto que não sejam acolhidas
pelos futuro(s) Estatuto(s), mantendo-se as Sociedades de Advogados
exclusivamente reservadas a Advogados, pelas razões históricas e jurídico-
deontológicas que foram resumidamente expostas. O V Congresso da Ordem (Maio
de 2000) considerou incompatível o exercício da advocacia com qualquer tipo de
associação com outros profissionais, designadamente sob a forma de sociedades
multidisciplinares.
O VII Congresso da OA (Figueira da Foz, Novembro de 2011) reiterou esta posição.
E não se vê qualquer vantagem de as Sociedades de Advogados poderem integrar
outras profissões. Se for necessário obter, por exemplo, o parecer de um psicólogo
ou economista sobre um caso concreto, poderá fazer-se como até aqui, solicitando
tal parecer quando se justifique.
A apertada deontologia a que o Advogado está adstrito não se compadece com a
presença de estranhos e com a partilha de informações de natureza confidencial.
A integração de elementos alheios à função, tenderia a abastardá-la, quiçá a
perverter o cerne ético-social da advocacia e a transformá-la numa actividade de
tipo mercantil, como de resto já foi tentado e energicamente rechaçado! Quem não
se lembra do DL 156/2005, de 15 de Setembro, que alargou a obrigação da
existência e disponibilização de um livro de reclamações, como acontece nas
actividades comerciais, sujeitas à inspecção da ASAE?
Repare-se, ainda, nestes três pormenores, diria antes “pormaiores”: - A inclusão de
pessoas estranhas à OA e à administração da justiça nas Sociedades de

139
Advogados vem constituir um nefasto expediente que permite admitir no seu seio
advogados suspensos ou expulsos por grave violação dos seus deveres
deontológicos. – Com a LAPP onde fica a lei dos actos próprios de Advogado (Lei
n.º 49/2004, de 24 de Agosto)? – Para quem defenda a multidisciplinaridade será
que faz sentido restringi-la a entes societários?
Porque não pode, então, um colectivo de advogados, que se tenha agrupado para
partilhar despesas, albergar outros profissionais no seu exercício? Constitui-se,
segundo creio, uma injustificada desigualdade relativa.

Em conclusão:
1º A admissão de estranhos à Advocacia nas sociedades de advogados é
altamente lesiva dos princípios ético-sociais que a inspiram, e perigosa por permitir
o exercício indirecto da profissão a pessoas não habilitadas, suspensas ou
expulsas da Ordem pela prática de graves faltas disciplinares.
2º A experiência mostra que a promiscuidade funcional com pessoas com
formação e vivência diferentes pode afectar o núcleo vital da deontologia
profissional dos advogados, a independência, a ausência de conflito de interesses
e o segredo profissional.
3º Ao prever restrições à inclusão de pessoas estranhas nas sociedades de
advogados, a LAPP quis, na sua letra e no seu espírito, preservar a “autoridade
pública” da Advocacia e reforçar as “razões imperiosas de interesse público” ligadas
à sua “missão”.
4º A Ordem dos Advogados tem competências estatutárias que a tornam uma
Instituição revestida de autoridade e com uma missão de relevante interesse
público, e os seus membros agentes e defensores desses interesses, o primeiro
dos quais é a defesa do Estado de Direito e colaborar na administração da justiça.”

Projeto de “Regulamento das Quotas das Sociedades de advogados” | Aviso n.º


1249/2018 (Série II), de 16 de janeiro – Torna público o projeto de «Regulamento
das Quotas das Sociedades de Advogados». Diário da República – Série II-E n.º
19 (26-01-2018), p. 3289 – 3290.

- Ver ainda a revista Advocatus, janeiro de 2017, nº 82.


Em Espanha, França, Bélgica e Alemanha existem legalmente sociedades
multidisciplinares, envolvendo escritórios de advocacia.

Hipóteses de exame: 27-01-2012; 24-04-2015; 19-01-2018; 31-05-2021; 09-06-


2022, 05-12-2022; 07-12-2022.

24. Limitações do exercício da advocacia durante o estágio

140
A Universidade ensina e a vida forma. A teoria sem prática é como um veículo
sem rodas: existe mas não circula.
António Arnaut

Enquadramento legal:

Arts. 190º a 198º, 194º-A e 5º, nº 7 e 8 da Lei nº 6/2024 de 19 de janeiro que


procedeu à terceira alteração ao EOA;
Regulamento Nacional de Estágio (RNE) nº 913-A/2015 de 28-12;
Lei dos Actos próprios dos Advogados – arts. 2º.4º, 5º, e 6º;
Lei 154/20015 de 14-09 (Estatuto dos Solicitadores) – arts. 135º e 150º;
Art. 88º - dever de integridade (aplicável por via do art. 193º);
Art. 98º, nº 2 – dever de não aceitação de patrocínio e dever de competência;
Art. 193º - aplicabilidade do Estatuto aos AE e arts. 18º e 24º do RNE;
Arts. 3º, nº 1, al. g) e 3 e 66º nº 1 e 4 – aplicação do EOA ao AE;
Art. 69º - liberdade de exercício;
193º - requisitos do patrono;
Art. 196º, nº 3 – os AE devem indicar sempre essa qualidade.
Art. 196º, nº 5 – seguro de responsabilidade civil.
Art. 186º, nº 3 – o seu domicílio profissional é o do patrono.
Art. 91º, al. f) – dever do patrono na direcção do estágio (cfr. art. 192º);
Art. 54º, nº 1, al. h) – competência do Conselho Regional na promoção das acções
de formação.
Art. 33º, nº 2, al. d) – competência da Assembleia Geral para aprovação do
regulamento.
Arts. 8º, nº 1, als. c) e d) e 24º, nº 6 e 7 da LAPP (Lei nº 2/2013), alterada pela Lei
nº 12/2023 – princípios gerais do estágio.
- Art. 38º, nº 1 da Lei nº 78/2001 (Julgados de Paz).
- Art. 1090º CPC (processo especial de inventário).
- Arts. 196º, nº 1 e 2.º, n.º 1 do RNE e 195º, nº 3.
- Arts. 40º, 42º e 58º CPC.

141
A expressão consagrada legalmente “advogado estagiário” veio substituir a
anterior, denominada “candidato à advocacia”, adoptada pelo Estatuto Judiciário de
1928.
Segundo dados da OA inscrevem-se mais de 1.000 estagiários todos os anos,
sendo que no ano de 2022 esse número foi de 1844.
É um período de iniciação e de integração no mundo da advocacia que lhe permita
enfrentar o dia-a-dia com a confiança necessária o exercício da profissão.
Um bom estágio depende do estagiário que, com humildade, deve mostrar
receptividade a absorver conhecimentos práticos e teóricos, com disciplina, rigor e
sentido de responsabilidade, mas também do patrono, a quem se pede
disponibilidade e capacidade para ensinar, orientar e acompanhar o estagiário. Não
raro aquele distribui-lhe tarefas menos desafiantes, como tirar fotocópias ou servir
cafés, esquecendo-se do seu dever consignado no art. 91º, al. f), olvidando este
seu dever estatutário.
Mas também é proporcionado ao AE trabalhar sobre inúmeras temáticas, o que lhe
permite enriquecer a sua formação e fazer uma apreciação global dos mais
diversos temas de direito processual e substantivo.
O ideal é que o estágio seja fisicamente junto do patrono e demais colaboradores
(e também naturalmente dos clientes) de forma a colocar as suas dúvidas e partilhar
ideias junto deles e sentir a pressão do trabalho.
O AE perceberá rapidamente que a advocacia é altamente competitiva exigente;
com os pés bens assentes na terra, tem de se preocupar em investir no seu
currículo, trabalhar para a especialização, realizar o mestrado e pós-graduações,
desenvolver as suas competências, valorizando-se. Em suma, dar o seu melhor e
numa perspectiva de médio e longo prazo.
Num processo de crescimento, não há que ter receio de falhar. O AE, como
qualquer profissional responsável e sério, deve desafiar-se permanentemente.
A renovação, além de desejável, é sempre necessária e natural.
O AE tem a sua actividade profissional tutelada pelo seu patrono, o que significa
que o patrono é o responsável pelos actos que o seu advogado-estagiário pratique,
devendo orientar, dirigir e sindicar a sua atuação.
A nova lei das Ordens Profissionais (Lei 12/2023 de 28-03) veio consagrar, no
essencial e no que se refere ao estágio, os seguintes princípios:
- Serão apenas permitidos quando não façam parte integrante do curso que
confere a respetiva habilitação académica;
- Não poderão incluir matérias ou unidades curriculares que já tenham feito parte
do referido curso;
- Presume-se que implicam a prestação de trabalho, pelo que serão obrigatoria-
mente remunerados;
- O período de estágio não poderá superar, em regra, os 12 meses;

142
- A avaliação final ficará a cargo de um júri independente que deve integrar mem-
bros exteriores à Ordem.
Concretamente, veio introduzir os estágios profissionais remunerados, sempre que
impliquem a prestação de trabalho (art. 8º, nº 8 e art. 195º, nº 7e 8, que se presume
EOA) e a redução do estágio a um máximo de 12 meses (art. 8º, nº 2, al. a) e art.
195º, nº 2 EOA.
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/211059785/details/maximized
No ano de 2023, um estagiário tem de pagar, só no acto da inscrição, 700€, a que
acrescem mais 300€ a pagar até cinco dias antes do termo da primeira fase do
estágio e ainda mais 500€, a pagar até 30 dias antes da data designada para a
realização da prova escrita e da de agregação (que dita o final do estágio). Ou seja:
do início ao fim do estágio, no espaço de ano e meio, um jovem licenciado tem de
pagar 2.000€. Além da inscrição, o estagiário ainda tem de pagar 15 euros por mês,
de quotas à OA.
Acresce a esse valor o custo da toga e seguros obrigatórios.
A única contribuição que estão isentos de pagar, enquanto realizam o estágio, é a
para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
Com o novo regime legal, as taxas aplicáveis ao estágio são fixadas segundo
critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade e estão previstas na
tabele de emolumentos e preço devidos pela emissão de documentos e prática de
actos no âmbito dos serviços da OA (art. 194º-A).
A remuneração e a formação do estagiário serão definidas por regulamento
elaborado pelo conselho geral e aprovado pelo conselho de supervisão, o qual
produz efeitos após homologação pelo membro do Governo responsável pela área
da justiça (art. 192º, nº 1, al. e) e 195º, nº 12).
Essa remuneração será calculada em valor não inferior à remuneração mínima
mensal garantida acrescida de 25% (art. 195º, nº 7).
A questão da incumbência da remuneração do estágio (art. 192º, nº 1, al. e) levanta
actualmente sérias preocupações no seio da OA, porquanto nem todos os patronos
terão possibilidades económicas de o fazer, sem apoios do Estado.

A avaliação final do estágio profissional será feita por um júri independente, que
integra entre os seus membros, em proporção não inferior a um terço, personalida-
des de “reconhecido mérito”, externas à atividade profissional de advocacia, a no-
mear pelo conselho geral, ouvidos os conselhos regionais (art. 195º, nº 10).

Foi eliminada a 1ª fase do estágio – 6 meses – em que o AE não tinha competências


autónomas (art. 195º, nº 3 na redacção anterior).
Sempre sob orientação do patrono (prática tutelada), pode o AE praticar
isoladamente os seguintes actos próprios da profissão:
a) todos os actos da competência dos solicitadores (mandato forense e actos
jurídicos fundamentalmente);
b) exercer a consulta jurídica; e

143
c) os actos previstos nos arts. 40º, 42º e 58º CPC.

Este leque de competências decorre do regime consagrado com as alterações


introduzidas ao EOA, pela Lei nº 145/2015, que trouxe uma significativa alteração
ao regime anterior do EOA de 2005, que definia que os AE tinham autonomia para:
- exercer em processos penais da competência dos tribunais singulares e não
penais quando o valor da causa coubesse na alçada da primeira instância;
- exercer em processos de competência dos tribunais de menores e em processos
de divórcio por mútuo consentimento.
Continua a ser legítimo ao AE praticar os demais actos próprios da ADV desde que
efectivamente acompanhado pelo respectivo patrono, em que o mandato seja
conferido conjuntamente ao A e patrono e que as peças processuais sejam
subscritas por ambos, devendo ainda este estar presente em todas as diligências
a que haja lugar (cfr. Parecer da CNEF de 05/12/2005 homologado pelo CG
(deliberação de 06/01/2006). Seguiu-se aqui a orientação de que a expressão
“efectivamente”, quando na 1ª fase se fala em “orientação”, inculca a ideia de que
o ADV patrono deve acompanhar o AE
Cfr. Ac.do Tribunal Central Administrativo Sul de 26.11.2015, in:
http://www.dgsi.pt/jtcADVnsf/170589492546ª7fb802575c3004c6d7d/75b22421c4f
d012780257f0f003aa642?OpenDocument

Nesses casos a intervenção do AE não pode ser impedida, sob pena de


comprometer o princípio da liberdade de exercício da profissão – nº 3 do art. 66º e
art. 69º e art. 2º da Lei nº 10/2024.
Cfr. o entendimento de Orlando Guedes da Costa, ob. cit., de que o
acompanhamento deve ser técnico e não necessariamente físico.
De acordo com o Parecer da Ordem dos Advogados (Processo n.º 27/PP/2014-G
e 30/PP/2014-G de 07.04.2015) no que diz respeito à orientação do patrono sempre
se poderá concluir que nas palavras do mesmo “A orientação do Patrono, relativa
ao advogado estagiário, e prevista no corpo do n.º 1 do citado artigo 189º do EOA
(atual artigo 196º), não tem de ser demonstrada, nem física, nem por via de
qualquer assinatura ou certificação do patrono, bastando-se pela presunção natural
de que a orientação deste está sempre presente na prática pelo advogado
estagiário de qualquer ato profissional que a lei lhe comete.”
Esse parecer concluiu ainda que, nos termos do n.º 1 do art. 38.º do Decreto-Lei
n.º 76-A/2006, de 29 de março, o Advogado Estagiário, tal como o solicitador, pode
fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por
semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar,
traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial e foi adoptado pelo
Ac. do TRL de 09.02.2023, in:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/563f73d2fc880b6
48025895f005989d0?OpenDocument

144
Atente-se, a esse respeito o disposto no art. 192º, nº 1 e 5.

Orlando Guedes da Costa, ob. cit., considera ser ilegal a exclusão do AE no âmbito
do apoio judiciário do patrocínio oficioso, ob. cit. para que se remete (cfr. mais
adiante o parecer de Vital Moreira, em sentido contrário).

Lei 154/2015 de 14-09 (Estatuto dos Solicitadores):


Exercício da atividade de solicitador
Artigo 136.º Exclusividade do exercício da solicitadoria
1 — Além dos advogados, apenas os solicitadores com inscrição em vigor na
Ordem e os profissionais equiparados a solicitadores em regime de livre
prestação de serviços, podem, em todo o território nacional e perante qualquer
jurisdição, instância, autoridade ou entidade pública ou privada, praticar atos
próprios da profissão, designadamente exercer o mandato judicial, nos termos
da lei, em regime de profissão liberal remunerada.
2 — São considerados atos próprios os definidos na Lei n.º 49/2004, de 24 de
agosto.
Art. 150º:
1 — Os solicitadores podem, no exercício da sua profissão, requerer, por escrito ou
oralmente, em qualquer tribunal ou serviço público, o exame de processos, livros
ou documentos que não tenham caráter reservado ou secreto, bem como a
passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração.
2 — A recusa do exame ou da certidão a que se refere o número anterior deve ser
justificada imediatamente e por escrito.
3 — Os solicitadores têm o direito de comunicar, pessoal e reservadamente, com
os seus clientes, mesmo quando estes se encontrem detidos ou presos.
- Mandato forense (arts. 67º e nº 2 e 5º do art. 1º da referida Lei).
- Mandato judicial – 66º nº 3 e 67º, al. a) e acompanhar e representar os interesses
de terceiros, em todos os tribunais e também junto da Administração pública e
fiscal, cartórios, conservatórias autarquias, repartições, entidades privadas e
praticar actos notariais (reconhecimentos presenciais e por semelhança, certificar,
autenticar – Dl. 20/2000 de 13-03 e 76-A/2006 de 29-03).
- nº 6 do art. 1º da mencionada Lei.
Os arts. 40º e 58º CPC restringem o mandato judicial dos solicitadores, quando seja
obrigatória a constituição de advogado:

Patrocínio judiciário
Artigo 40.º CPC:

145
Constituição obrigatória de advogado

1- É obrigatória a constituição de advogado:

a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível


recurso ordinário;

b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do


valor (por exemplo ações de despejo por parte do inquilino);

c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores.

2 – Ainda que seja obrigatória a constituição de advogado, os advogados


estagiários, os solicitadores e as próprias partes podem fazer
requerimentos em que se não levantem questões de direito.

(por exemplo dar uma morada, apresentar uma testemunha, juntar um


documento, etc.- comentário nosso).

Artigo 58.º
Patrocínio judiciário obrigatório

1 – As partes têm de se fazer representar por advogado nas execuções de valor


superior à alçada da Relação e nas de valor igual ou inferior a esta quantia, mas
superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, quando tenha lugar algum
procedimento que siga os termos do processo declarativo.
(Por exemplo, a oposição à injunção, o incidente de liquidação e os embargos de
terceiro em processo executivo que surja posteriormente à instauração da
execução – comentário nosso).
2 – No apenso de verificação de créditos, o patrocínio de advogado só é necessário
quando seja reclamado algum crédito de valor superior à alçada do tribunal de 1.ª
instância e apenas para apreciação dele.

3 – As partes têm de se fazer representar por advogado, advogado estagiário


ou solicitador nas execuções de valor superior à alçada do tribunal de 1.ª
instância não abrangidas pelos números anteriores.

Art. 42º CPC:


Representação nas causas em que não é obrigatória a constituição de advogado
Nas causas em que não seja obrigatória a constituição de advogado podem as
próprias partes pleitear por si ou ser representadas por advogados estagiários ou
por solicitadores.

(Vide inventários, injunções de qualquer valor, salvo quando haja oposição e aos
casos a que se refere o art. 629º, nº 2 CPC).

146
Consta-se, assim, que o legislador não concedeu ao AE autonomia para atuar por
si só nos processos judiciais de maior relevância atento o seu valor e/ou
complexidade.

- No processo penal, o AE apenas tem intervenção no apoio judiciário a nível da


consulta jurídica (Reg. da Organização e Funcionamento do Sistema de Acesso ao
Direito) e no pedido de indemnização cível até ao valor de 5.000,00€.
O AE só pode intervir quanto aos demais actos previstos em processo penal se
acompanhado pelo seu patrono (art. 62º, nº 1 CPP).

“Nenhum sentido faz que os estagiários, que ainda não cumpriram o tirocínio
previsto para o acesso à profissão, e podem nem o fazer, abandonando o estágio
ou reprovando no exame de acesso à advocacia, possam legitimar com a sua
presença por exemplo a prisão preventiva de alguém ou a sua condenação em
processo penal, sem terem o saber, a autoridade e a independência que só um
advogado pode ter e que a Constituição reconhece.” – Vital Moreira, parecer pedido
pela Ordem dos Advogados, a propósito da controvérsia suscitada.
https://www.OA.pt/ci/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?sidc=67944&idc=128
218&idsc=128804&ida=68079

- E os estagiários que ultrapassem as suas competências, que tipo de ilícito


cometem? É um exercício irregular do mandato, com violação processual e
disciplinar (arts. 87º, 114º e 121º e art. 48º CPC). Cfr. também o disposto no art.
98º, nº 2 EOA.

Art. 48º CPC:

1 – A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em


qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo
tribunal.
2 – O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e
ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica
sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser
condenado nas custas respetivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização
dos prejuízos a que tenha dado causa.
3 – Sempre que o vício resulte de excesso de mandato, o tribunal participa a
ocorrência ao respetivo conselho distrital da Ordem dos Advogados.
Todo o regime legal acima vertido resulta do entendimento de que, por força das
funções que pode desempenhar e dos actos que a lei o autoriza a praticar, ainda
que se exija apoio e supervisão dos patronos por se encontrar numa fase vestibular
e preparatória, o advogado estagiário é, certamente, também visto como verdadeiro
advogado perante a comunidade, devendo, por isso, estar em condições de asse-
gurar uma relação de confiança recíproca com os seus clientes e uma defesa dos
interesses legítimos destes, nos termos do artigo 97.º do EOA.

147
Veja-se a este respeito o Ac. do Tribunal Constitucional nº 741/2020:
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200741.html

O AE está obrigado a ter domicílio profissional no escritório do seu patrono (art.


186º, nº 3).
Hipóteses de exame de 15-07-2011; 27-01-2012; 25-05-2015; 07-06-2019, 07-12-
2022, 11-12-2023

25. A Advocacia sob Subordinação Jurídica


“Iguais na profissão, mas não no escritório.”
Raymond Martin

Enquadramento legal:
- Arts. 71º, 81º, 88º, nº 1, 89º, 90º, nº 1 e nº 2, als. a) e b), 97º, nº 2 e 5º, nº 2 e 3;
- Ponto 2.1. do CDAE; e
- Arts. 28º, nº 2 e 30º, nº 2 da Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro (LAPP);
- Art. 12º da LOSJ;
- Arts. 12º, 14º a 22º, 116º, 127º e 129º do CT;
- Arts. 1132º e 1154º CC
A Advocacia hoje já não é maioritariamente liberal, individualmente e em prática
isolada, com a sua tripla característica de ser intelectual, independente e
desinteressada.

Após a Segunda Guerra Mundial, urgiu a necessidade de especialização em


determinadas áreas e, assim, surgiram as primeiras sociedades advogados. Ou
seja, os advogados passaram a associar-se, criando organizações hierarquizadas,
exercendo a profissão de forma conjunta.
Concomitantemente, a industrialização e empresarialização da economia, em
tempos de globalização, fez com que as empresas passassem a recrutar
Advogados para trabalharem nas próprias empresas, a tempo tendencialmente
integral – os denominados in-house lawyers.
Assim, o exercício da advocacia passou a estruturar-se em função de duas grandes
modalidades, ou seja, o advogado externo e o advogado interno (in-house). O
legislador português admite o exercício da profissão nas duas modalidades,
estando as duas modalidades adstritas aos deveres deontológicos.

148
É necessário garantir que o dever de obediência não leva o advogado interno a
exercer contra o direito, a patrocinar causas injustas ou a promover diligências
prejudiciais à correta aplicação de lei ou a descoberta da verdade (cfr. art. 90º).

Hoje, a forma corrente do exercício da advocacia é o da subordinação jurídica, o


que corresponde a uma significativa mudança de paradigma.
Chegou-se ao fenómeno da precarização ou proletarização da advocacia, de que
as recentes manifestações públicas de advogados contra a CPAS são exemplo.
O advogado é predominantemente um advogado de empresa, em regime
assalariado, vinculado ao serviço duma empresa através duma relação laboral de
direito privado.
Empresa que tanto pode ser uma instituição bancária e organismos públicos, como
o escritório dum advogado, ou como associado de uma sociedade de advogados,
laborando exclusivamente ou predominantemente para aquela, em regime de
subordinação, auferindo retribuição certa, obedecendo a um determinado horário
de trabalho, representando a sociedade enquanto seu mandatário e utilizando os
meios ou utensílios de trabalho, propriedade da sua entidade patronal. Ou seja,
estes advogados exercem a sua profissão a coberto de um contrato de trabalho, o
que lhe conferirá as disposições referentes aos direitos de personalidade do
trabalhador, a que se referem os arts. 14.º a 22.º do CT, e bem assim, as garantias
do trabalhador cristalizadas no art. 129.º do mesmo diploma.

A subordinação jurídica é elemento essencial da relação laboral.


Sem subordinação jurídica existe um outro vínculo laboral entre o dador e o
receptador do serviço:
Exp.: o contrato de prestação de serviço – art. 1154º CC:
“(…) é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo
resultado intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
(Uma obrigação de resultado).
Art. 1152º CC:
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante
retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a
autoridade e direcção desta.
(Uma obrigação de meios).
É a entidade patronal que determina o conteúdo da prestação, o local de trabalho,
o horário, dá ordens, é o proprietário dos meios de produção.
Como compatibilizar a autonomia técnica da subordinação jurídica?
Uma coisa é o operário fabril, trabalhador não escolarizado, que dependia quase
completamente do empregador, desde o advento da revolução industrial.

149
Outra é o profissional com elevado grau de instrução, como seja o médico, o
engenheiro ou o advogado, que detêm conhecimentos técnicos próprios.
A partir dessa altura, existe uma autonomia própria do trabalhador, coincidente com
a autonomia técnica.
A autonomia técnica é agir de acordo com as exigências das legis artis e os
conhecimentos jurídicos existentes, de acordo com o dever objectivo de cuidado,
pois a sua obrigação é de meios, sem interferência do cliente, sempre com
liberdade de independência na condução dos seus trabalhos (cfr. arts. 116º do
Código de Trabalho e 12º, nº 3 da LOSJ).
Daí advém que o empregador já não diz como deve fazer, mas apenas determina
o local, o horário de trabalho, que são elementos externos à prestação do trabalho.
A autonomia técnica é distinta de subordinação jurídica e a autonomia técnica não
determina que não há subordinação jurídica.
Assim, a prestação por advogado da actividade profissional de advocacia tem
características híbridas, umas próprias do contrato de trabalho, outra da prestação
de serviços.
O trabalho produzido é controlado e revisto pelos advogados titulares do escritório,
a quem cabe a última palavra. Logo, se está dependente da orientação e
supervisão de outros advogados, é uma actividade juridicamente subordinada.
O salário fixo é outro exemplo de subordinação jurídica.
A precariedade da profissão surge com os falsos prestadores de serviços,
advogados alegadamente independentes.
Um período de férias, justificação de faltas ao (trabalho) por motivo de assistência
à família, e gozo de licenças para efeitos de maternidade e casamento, decorrem
dos direitos laborais.
Artigo 12.º Presunção de contrato de trabalho
1 – Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a
pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se
verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em
local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos
e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O
prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação,
determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada
periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da
mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia
na estrutura orgânica da empresa.
2 – Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação
de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características
de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3 – Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito
a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até
dois anos. 4 – Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o
empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de

150
participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente,
administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2
do artigo 335.º SECÇÃO
Artigo 14.º Liberdade de expressão e de opinião:
É reconhecida, no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação
do pensamento e opinião, com respeito dos direitos de personalidade do
trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam,
e do normal funcionamento da empresa.
Artigo 15.º Integridade física e moral
O empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador
gozam do direito à respectiva integridade física e moral.
Artigo 16.º Reserva da intimidade da vida privada
1 – O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da
contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade
da vida privada.
2 – O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer
a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes,
nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado
de saúde e com as convicções políticas e religiosas.

Artigo 129.º Garantias do trabalhador


1 – É proibido ao empregador:
a) Opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem
como despedi-lo, aplicar-lhe outra sanção, ou tratá-lo desfavoravelmente por causa
desse exercício;
b) Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho;
c) Exercer pressão sobre o trabalhador para que actue no sentido de influir
desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou dos companheiros;
d) Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento
de regulamentação colectiva de trabalho;
e) Mudar o trabalhador para categoria inferior, salvo nos casos previstos neste
Código;
f) Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos
neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda
quando haja acordo;
g) Ceder trabalhador para utilização de terceiro, salvo nos casos previstos neste
Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho;
h) Obrigar o trabalhador a adquirir bens ou serviços a ele próprio ou a pessoa por
ele indicada;

151
i) Explorar, com fim lucrativo, cantina, refeitório, economato ou outro
estabelecimento directamente relacionado com o trabalho, para fornecimento de
bens ou prestação de serviços aos seus trabalhadores;
j) Fazer cessar o contrato e readmitir o trabalhador, mesmo com o seu acordo, com
o propósito de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade. 2 –
Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto neste artigo.

Com interesse vejam-se os Acórdãos: a) do STJ de 28-08-2004:


http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fa27fb9575abeb8
480256fef0036be2f?OpenDocument
b) do TRL de 22-10-2013:
Sumário:
“Embora revista características híbridas, mas próprias de um contrato de trabalho,
outras próprias de um contrato de prestações de serviços, a prestação por uma
advogada de actividade profissional própria de advocacia, virada sobretudo, para a
consultoria no âmbito de um escritório de advogados, sendo-lhe os trabalhos
distribuídos e a respectiva execução controlada e revista pelos advogados titulares
do escritório, a quem cabia a última palavra até se considerarem concluídos, deve
ser qualificada como integrando um contrato de trabalho sobretudo se, de
diversidade dos indícios considerados, o acento tónico incidiu sobre aqueles que
revelam tratar-se de exercício de uma actividade profissional juridicamente
subordinada, porque dependente da orientação e supervisão dos RR.”
Em face da decisão inédita e até agora, ao que parece, única em Portugal, somos
tentados, entendendo que é de enorme interesse teórico-prático para este trabalho,
escalpelizar esta, douta, decisão. No caso em apreço, e em termos muito sintéticos,
a autora, que como facilmente se deixa antever, era advogada, começou a prestar
a sua atividade em 31 de janeiro de 1997, enquanto tal, para B, C, e D, advogados
que, em conjunto e comunhão de esforços, utilizando a menção «B & Associados»,
sem que todavia, à data da celebração do convénio com a ADV e até pelo menos
16 de fevereiro do ano de 2000, sem sociedade regularmente constituída, auferindo
uma remuneração mensal certa que foi aumentando gradualmente.
Todavia, a certa altura, já com sociedade regularmente constituída, os RR. B, C, e
D, após surgirem desinteligências e desentendimentos entre a ADV e advogados
estagiários dos RR., foi por estes proposto, à ADV uma redução do seu horário de
trabalho, e bem assim, uma diminuição do montante creditório mensalmente
percebido pela retribuição.
Inconformada, a ADV jamais aceitou aquela proposta, até ao momento em que foi
impedida de entrar naquele que era o seu local de trabalho. Após, os RR.
endereçaram missiva à ADV, dando-lhe conta de que teriam feito cessar o seu
contrato de prestação de serviços, notificando-a para proceder, oportunamente, ao
levantamento dos seus bens pessoais ali depositados. A ADV estava inscrita na
Ordem dos Advogados como advogada, pagando as respetivas quotas, e bem
assim, as competentes contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados
e dos Solicitadores, observando, habitualmente o horário de trabalho do

152
funcionamento do escritório, sem que, pese embora, houvesse qualquer
estipulação horária para a prestação do trabalho por parte da A, laborando com os
instrumentos e no(s) escritório(s) dos RR. Ademais, não eram conhecidos clientes
próprios à ADV, sendo que esta recebias as retribuições pagas pelos RR. contra
emissão do respetivo «recibo verde».
No que concerne a funções desempenhadas, a ADV no exercício da sua atividade
realizava, análise e elaboração de contratos, as mais das vezes através de minutas
já existentes no escritório, com redação, supressão ou aditamento de cláusulas,
conforme as circunstâncias particulares dos contraentes; o estudo, análise e
elaboração de pareceres jurídicos e documentos vários, designadamente de
correspondência ou consulta de clientes do escritório; redação de trabalhos em
inglês ou tradução/retroversão (inglês/português/inglês) se necessário; o estudo e
análise das legislações portuguesa e angolana, com vista à realização dos mesmos
trabalhos; intervenção em diligências judiciais a coberto de mandato forense
conferido, pelo menos através de dois substabelecimentos dos RR. e de uma
procuração conferida ao R. B e à ADV, em representação de clientes do escritório;
intervenção em repartições públicas em representação de clientes do escritório;
elaboração de notas/registos, descrevendo os trabalhos efetuados e tempos gastos
na sua execução com vista ao apuramento de honorários a cobrar aos clientes do
escritório, com redação em inglês; arquivamento dos trabalhos em pastas próprias,
e contactava com clientes do escritório, se necessário.
Em face de esta situação fática, e entendendo a ADV que estava a desempenhar
as suas funções, com toda a sua autonomia técnico-científica, mas a coberto de
um contrato de trabalho, demandou judicialmente a Sociedade e Sócios para quem
prestava a sua atividade, no sentido de obter justa compensação por, de entre o
mais, aquilo que considerava ter sido um despedimento ilícito. Naturalmente que,
como não poderia deixar de ser, vieram os RR., contestar a presente ação referindo
que o convénio firmado com a ADV se não tratava de um contrato de trabalho, mas
sim de um contrato de prestação de serviços.
A ação improcedeu ao nível da 1.ª instância. Irresignada, a ADV promoveu o
competente recurso, apelando para esta Relação que assim, decidiu: «Pelo
exposto se acorda em julgar procedente a apelação e em consequência em: -
revogar a sentença e em sua substituição declarar a existência de uma relação
laboral entre a ADV e os RR., bem como a ilicitude do despedimento decretado em
10/1/2000 e, consequentemente, -condenar solidariamente os RR. a pagar à ADV
a quantia já liquidada de 16.782,27 € a título de indemnização por antiguidade e
férias vencidas em 1/1/2000 e subsídios de férias e de Natal do período de Abril de
1997 a 2000, bem como a que se liquidar em execução de sentença, relativa às
retribuições relativas ao período de 7/8/2000 até esta data, incluindo as férias,
subsídio de férias e de Natal, mormente os proporcionais ao tempo de vigência do
contrato no ano da cessação, deduzidos os rendimentos do trabalho 39 por
actividade iniciada após o despedimento, tudo acrescido de juros de mora à taxa
supletiva legal, desde a data de vencimento de cada prestação, até integral
pagamento.»
Apreciado e decidido que está o referido dissídio, e tendo em conta que é o único
desta natureza que se conhece, o mesmo tem o mérito de evidenciar que, em sede
concreta, em determinadas circunstâncias, a relação jurídica estabelecida entre
uma Sociedade de Advogados e um Advogado é de natureza laboral. É certo que,

153
o baluarte da justiça há-de, em casos tais, pender ou para o contrato de trabalho
ou para o contrato de prestação de serviços. Assim foi precisamente no caso em
análise, pois que a questão fulcral e principal que cumpria apreciar e decidir era
pois, subsumir esta relação ao campo do direito civil ou ao campo do direito laboral.
Venceu, a tutela laboral. E venceu com inteira razão, pois que donde soube
precisamente concluir que, não obstante existirem diversos elementos que
permitem a distinção do contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços,
é o elemento da subordinação jurídica por oposição à autonomia que permite, com
elevado grau de certeza, razoabilidade e fiabilidade, distinguir, em concreto, um
convénio de outro.
Os juízes deste Tribunal, consideraram o presente caso, como de naturezas
híbridas, porquanto, situando-se numa zona cinzenta, de fronteira, nebulosa, seria
possível descortinar caraterísticas próprias do contrato de trabalho e do contrato de
prestação de serviços, entendendo que a atividade qual a ADV prestava
consultadoria à Sociedade se inseria no âmbito do contrato de prestação de
serviços, e que, o facto de se verificar expressamente, tendo em conta a matéria
factual fixada e apurada, a dependência económica da A, poderia conduzir à
constatação de que estaríamos diante de um contrato de trabalho, mas, certo é que
a dependência económica pode igualmente existir no âmbito do contrato de
prestação de serviços, designadamente, no âmbito do contrato de avença
E é precisamente, o facto de o contrato outorgado e firmado com a ADV revestir
características híbridas que levou estes Sábios Juízes a referir que,
preferencialmente, seria de existir um regime jurídico especial apto a subsumir e
integrar estas situações, pois que, não ignoraram que a sua incorporação no regime
laboral poderá não ser a mais adequada. Contudo, em face de elementos como a
retribuição certa, muito embora a mesma também possa existir no contrato de
prestação de serviços, assim como no que se refere ao local de prestação de
atividade, e ainda pelo facto de a ADV apenas gozar férias em período previamente
acordados com os demais RR., a que acrescem os indícios externos da emissão
do «recibo verde» por parte da ADV, e do seu regime fiscal e de segurança social,
dificilmente se poderia sufragar que tal relação seria alheia ao direito laboral, na
justa medida em que abundavam indícios e elementos que infirmavam a alegada
autonomia que a ADV possuía.
Destarte, foi a presente relação classificada de laboral, mas não sem antes o
coletivo de juízes referir que «o puro e simples enquadramento no regime jurídico-
laboral poderá não ser o mais indicado.», acrescentado que, «O caso vertente é
um exemplo dessa nova realidade que, na ausência daquela desejada regulação,
terá de ser solucionada à luz do direito existente.» Esta decisão, além de pioneira,
teve o mérito de se pronunciar sobre a inexistência de um concreto e especial
regime jurídico que seja de aplicar à relação jurídica estabelecida entre os
Advogados Associados e as Sociedade de advogados. Uma década volvida, o
legislador continua quedo, sem que, além do mais, se conheçam novos casos que
se apresentem a juízo (Bruno António Alves Tomás Pires Advogados Associados e
Sociedades de Advogados: O Vínculo Laboral).”

Também com interesse os estudos de:

154
a) Tiago Rodrigues Bastos e outros, A Relação Jurídica entre os Associados e as
Sociedades de Advogados – artigo disponível em
http://www.OA.pt/Conteúdos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31559&idsc=30347
&ida =31131:

b) Bruno António Alves Brás Pires, in


https://eg.uc.pt/bitstream/10316/43311/1/Bruno%20Ant%C3%B3nio%20Alv
es%20Tom%C3%A1s%20Pires.pdf; e

c) João Paulo Rodrigues Ribeiro, in

https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/37363/1/ulfd136458_tese.pdf´

d) Luís André Azevedo Dias Branco Lopes, in


https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/16858/1/’A%20Face%20oculta
%20do%20V%C3%Adnculo%20Laboral%20na%20Advocacia’%20-
%20Luis%20Branco%20Lopes,%20Universidade%20Cat%C3%B3lica%20
do%20Porto,%20Faculdade%20de%20Direito,%202012,%20Disserta%C3
%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado.pdf; e

e) Consulta nº 31/13 do CDL, in


https://portal.OA.pt/advogados/pareceres-da-ordem/conselho-regional-de-
lisboa/2014/consulta-n%C2%BA-312013/
Se o advogado se associa com outros advogados por forma a partilhar um espaço,
e bem assim, a diminuir custos e despesas, mas mantendo-se autónomo, ou seja,
sem qualquer horário de entrada e saída das suas funções, determinado somente
pelos seus próprios compromissos, sem auferir uma retribuição certa, e ainda, a
título meramente exemplar, utilizando instrumentos de trabalho que só a si
pertencem, teremos, inexoravelmente, que concluir que, em casos tais, a relação é
autónoma e não subordinada.

A subordinação jurídica deve ser abordada do prisma laboral e à luz dos princípios
deontológicos de isenção e independência do ADV

➢ Art. 81º, nº 5 EOA:

O conteúdo deste normativo que confere a nulidade das cláusulas ou orientações


contrárias à lei, em geral e ao estatuto deontológico do advogado e os princípios

155
fundamentais da profissão, em particular, reproduz o que já constava do antigo art.
73º, nº 2 e 3 do EOA, que foi revogado pela Lei nº 6/2024 e espelha a preocupação
de preservar a independência e isenção do ADV
É uma norma de natureza pública, que não pode ser derrogada, nem pela vontade
comum das partes, nem pela superioridade económica de uma em detrimento da
outra.
É uma importante garantia dos valores da advocacia.
O antigo art. 73º EOA atribuia ao Conselho Geral da OA a competência exclusiva
para apreciação do contrato de trabalho em concreto, no que se refere à sua
conformidade com os referidos princípios deontológicos, face a eventuais abusos
da entidade patronal – nº 6
Ou seja, o monopólio de interpretação e aplicação do direito pelos tribunais sofria
uma excepção, pois embora a OA seja uma entidade não jurisdicional, face à sua
natureza de interesse público entendia-se ser a única entidade que estava
habilitada a decidir especificamente a questão.
Com a sua revogação, essa competência passa a ser dos tribunais.

Os princípios da independência e da isenção


➢ Art. 89º:
O advogado deve agir de forma livre de qualquer pressão, designadamente do seu
cliente.
Deve defender os seus legítimos interesses, mas sem prejuízo das normas legais
e deontológicas que regem a sua actividade profissional – art. 92º, nº 2 EOA.
Deve ser isento, no sentido de cumprir escrupulosamente essas normas.

➢ Deveres para com a comunidade – art. 90º


São essenciais à realização do fim público da advocacia que é a boa administração
da justiça.

No contexto de Sociedades de Advogados (art. 212º-A EOA).


Apresentam características quasi-empresariais e a sua estrutura fortemente
hierarquizada, com diferentes estatutos e papeis entre si (sócios, colaboradores,
que anteriormente a Lei chamava de associados e estagiários) – arts. 8º, 25º da Lei
53/2015).
Os colaboradores não são detentores de uma quota e, não obstante a sua
autonomia técnica, estão sujeitos a orientações e ordens dos sócios.
A elaboração de planos de carreira mostra que os associados não são
juridicamente autónomos e que prestam serviço nos moldes dos trabalhadores
subordinados.

156
Em França, o assalariado não pode ter clientela própria. Dá a César o que é de
César.
Em Itália o advogado assalariado não pode ser inscrito como advogado, por face à
subordinação, se encontrar numa situação de incompatibilidade.
O que desejamos para Portugal: sujeitos altamente qualificados, detentores de
habilitações superiores, que executam a sua função em termos manifestamente
precários sem a mais básica garantia de estabilidade? Será esta a
definição/caraterização de «advogado associado» doravante? A funcionalização da
advocacia?
Torna-se necessária uma relação laboral especial, como por exemplo, a aprovada
e regulamentada em Espanha? Isso não constitui qualquer novidade no regime
jurídico português, pois existem várias profissões às quais o legislador reconhece
a especialidade: o trabalho doméstico, a profissão de porteiros de prédios urbanos,
o trabalho no domicílio, as profissionais de espetáculos, a trabalho a bordo das
embarcações de pesca, a trabalho aéreo e o regime jurídico do praticante
desportivo e contrato de formação desportiva.
O VI Congresso da OA realizado em Vilamoura, em 2005, aprovou uma
recomendação (nº 40) no sentido da proibição da subordinação jurídica.
Contudo, sejamos realistas, e voltemos ao conceito de liberdade com que iniciámos
este estudo, agora com Alberto Luís:
“O legislador “garante-lhe o céu”, mas enquanto vigorar o princípio da confiança na
relação empregador-assalariado, o assalariado efectivamente dispõe de uma única
liberdade, a única que não é um mito: a liberdade de se ir embora.”
(Comunicação ao I Encontro Nacional de Advogados de Empresa, “Sobre os
juristas de empresa”, de 23-11-2002).

Hipóteses de exame: 15-07-2011; 01-03-2013; 24-04-2015; 21-04-2017; 09-06-


2022.

26. O exercício especializado da advocacia

Traduz-se num aprofundamento do conhecimento teórico e da prática forense em


determinado ramo de direito (o direito das empresas, por exemplo) ou em certos
ramos de direito interligados (o direito penal e o direito de informática) a ser
reconhecido pela OA.
A abundância e a complexidade legislativa são factores cada vez mais evidentes
nos tempos que correm, em que a sociedade está em constante mutação, virada
para a globalização e para a complexidades das relações sociais e económico-
financeiras, obrigando o legislador a adaptar-se a tal.
O próprio curso de Direito passou de 5 para 4 anos, pelo que o tempo de
conhecimento foi reduzido, obrigando à obtenção de tempo extra para focalizar o
conhecimento.

157
Quem tenha um problema sério nos olhos, procura um oftalmologista e não um
médico de clínica geral.

Quem necessite de um engenheiro para um projecto de construção, recorre a um


engenheiro civil e não a um engenheiro de outra área profissional.
Na advocacia a especialidade não tem uma importância tão vincada, nem constitui
um requisito legal como nas referidas outras profissões.
Na sociedade forense portuguesa, ainda prevalece o advogado generalista. As
inovações legislativas e as obras doutrinárias e jurisprudenciais eram inicialmente
reduzidas, tendo o advogado tempo e capacidade para consultar e estudar as
matérias legais e diligenciar pela resolução do problema dos seus clientes de forma
adequada.
Mas hoje é comum que o cliente, ou futuro cliente nos pergunte desde logo qual é
a nossa especialidade. É o mercado que procura a especialização.
Ora, demonstra a experiência que a especialização numa actividade aumenta a
produção e a qualidade do serviço prestado (celeridade e eficácia são os bens
preciosos a proteger).
Maiores e melhores qualificações incrementam a competência e o valor do trabalho
dos advogados, dando mais visibilidade e dignidade à classe.
É certo que no início da sua actividade seja aconselhável uma visão de conjunto do
Direito, depois de uma formação essencialmente teórica na faculdade. Será
normalmente o perfil dominante dos clientes a determinar a eventual futura
especialização do Advogado.
A especialização surge como uma mais-valia, no sentido de que o ADV especialista
está supostamente mais habilitado a resolver um assunto eficaz e eficientemente
comparavelmente a advogados não especializados.
Por outro lado, temos vários ramos de Direito que nem o mais diligente advogado
consegue acompanhar. O mesmo se passa com outras profissões como o médico
ou o engenheiro, como se referiu atrás.
A especialização não traz apenas benefícios, pois um ADV só especialista poderá
não ser eficaz a acautelar todos os problemas de um cliente. Se não estiver
preparado para aceitar a causa, poderá indicar um colega que considere
competente, assim se respeitando o nº 2 do art. 98º.
A especialização poderá levar ao isolamento, tanto em relação aos colegas de
profissão, como aos princípios gerais do Direito.
Por isso, surgiu o Regulamento Geral das Especialidades, nº 15/2004, que fixou os
requisitos do advogado especialista, que passa a dispor de um certificado de
competência específica numa área de especialidade.
Em vigor está actualmente o Regulamento nº 9/2016 de 6 de janeiro.
Esse certificado não impede a prática da advocacia em outras áreas do direito, ou
que apenas advogados especialistas possam praticar certas áreas (cfr. art. 2º), o
que é compreensível face à liberdade de escolha da profissão, constitucionalmente

158
consagrada (art. 47º CRP – liberdade do trabalho e do exercício da profissão) e art.
69º.
De resto, com a hipotética obrigatoriedade da especialidade haveria a tendência
para escolher apenas as áreas mais rentáveis em termos monetários.
O art. 70º, nº 3 consagrou o direito, que vem na sequência do disposto nos arts. 3º,
al. d), 46º, nº 1, al. g) e 91º, al. i).
No art. 3º do Regulamento exige-se mais de 10 anos de exercício da profissão e
idêntico período do exercício da especialidade a que se candidatam, um currículo
relevante para a área da especialidade (exige-se a prática ao longo do tempo).
Para isso, é importante que o advogado se procure posicionar como referência
sobre a matéria escolhida, seja ministrando aulas em tal segmento, seja
concedendo entrevistas sobre o tema, seja com a produção de livros e artigos, por
exemplo. Não é demais lembrar que é preciso estar pronto para a real hipótese de
surgir uma situação de extrema necessidade, em que será procurado o melhor
profissional recomendado para o assunto, que independentemente do valor dos
honorários que será cobrado, será contratado para o caso.
O pedido é formulado ao Conselho Geral.
Deixou de existir um Colégio de Especialidades, que efectuava uma prova oral ao
candidato, em que os seus membros eram advogados com o título de especialistas.
O nº 2 do art. 9º fala num Júri da Especialidade, que pode integrar também
advogados de reconhecida competência e prática na área da especialidade da
candidatura.
Aumentou-se o número de especialidades para 15, tendo o Direito Marítimo sido o
último a ser reconhecido, em 2016 (ver anexo do Regulamento anterior à
consagração da referida especialidade de Direito Marítimo).
Desde 2005 foram atribuídos apenas cerca de 100 títulos de ADV especialista,
sendo o Direito Fiscal a área com maior número (cerca de 40), seguido do Direito
Administrativo com 24 e do Direito do Trabalho com 19. Depois o Direito Financeiro,
Direito da Propriedade Intelectual, Direito Europeu e da Concorrência e o Direito
Constitucional.
O regime das Especialidades surgiu por impulso do Bastonário de José Miguel
Júdice. Despois de um fluxo de pedidos de reconhecimento das especialidades, a
adesão a este regime tem sido lenta.
Especialidades actualmente reconhecidas, no Estatuto e no anexo do respectivo
Regulamento:
Direito Administrativo;
Direito Fiscal;
Direito do Trabalho;
Direito Bancário e Financeiro;
Direito Europeu;
Direito da Propriedade Intelectual, Industrial e da Concorrência;
Direito Constitucional;
Direito Criminal;

159
Direito Societário;
Direito da Família e Menores;
Direito do Consumo;
Direito do Ambiente;
Direito da Igualdade de Género;
Direito da Saúde e Bioética; e
Direito Marítimo.
O diploma regulamentar continua também a exigir a revalidação a cada 5 anos (art.
4º, nº 2).
Poderão haver no futuro outras e novas especialidades, alargando-se assim o
elenco de ramos do direito relativamente aos quais é possível obter o título de
advogado especialista, como a do Advogado Aduaneiro, Aeronáutico, Agrário,
Arbitragem, Autoral, Comércio Internacional, Contratos Comerciais, Desportivo,
Direito das Águas, Eleitoral, Energia, Insolvência e Recuperação Judicial, Fusões
e Aquisições, Imobiliário, Importação e Exportação, Infraestrutura, Internacional,
Internet e e-Commerce, Mercado de Capitais, Mineração, Operações Financeiras,
Petróleo e Gás, Segurança Social, Project Finance, Reestruturação, Seguros,
Sucessões, Contratações Públicas e Telecomunicações.

O regime deontológico da publicidade também refere a especialização (art. 94º, nº


2, al. f) e 3, al. h), dada a publicitação que a especialidade necessariamente traz.
Fá-lo ao exigir que a informação seja objectiva, verdadeira e digna, de forma a que
não induza o público em erro e respeite a obrigação de confidencialidade e de
outros deveres deontológicos essenciais, como o dever de integridade (art. 88º)
que obriga o ADV a ter um comportamento público adequado à dignidade e
responsabilidades da função que exerce, nomeadamente não angariando clientela
por si, ou por interposta pessoa, nem prejudicar o prestígio da classe e da própria
OA (arts. 90º, nº 2, al. h) e 91º, al. a) e o princípio da independência (art. 89º).
O ADV, ainda que não especialista, pode indicar as suas áreas de preferência
profissional, ou indicar que tem o mestrado nalguma delas.
Hoje em dia encontramos na net a menção errónea, enganosa e de
autoengrandecimento de advogados intitulados “especialistas” em penhoras,
heranças, testamentos, condomínios, violência doméstica, etc.
Esses advogados incorrem em responsabilidade disciplinar, nos termos do n.º 1 do
art.º 115º e civil (arts. 483º e seguintes do CC), perante eventuais clientes
enganados pela experiência e qualidade de especialista publicitadas.
Alterações ao EOA: art. 70º, nº 3 e 4, art. 47º- B, al. k) e art.º 5º (disposições
transitórias) nº 9, 10 e 11º da Lei nº 6/2024, que alterou o EOA de 2005.

Hipóteses de exame: 24-04-2015, 09-06-2022, 05-12-2022, 07-12-2022.

27. A Incapacidade para o exercício da Advocacia

160
Art. 188º, nº 1, als. a), b) e c): os ADV e AE que se encontram em qualquer das
situações ali mencionadas terão a sua inscrição suspensa ou cancelada (nº 4).
Ver ainda os arts. 177º, 178º e 179º (averiguação de inidoneidade para o exercício
da profissão). A falta de idoneidade moral para o exercício da profissão, que se
prende com o dever de integridade (art. 88º) inibe a inscrição do ADV ou do AE ou
determina o cancelamento daquela se fôr verificada supervenientemente.

28. As Incompatibilidades e os Impedimentos para o exercício da Advocacia

“Onde está um Advogado deve estar um homem de bem.”


Carlos Pires, ROA, nº 2.
Enquadramento legal:
Arts. 81º a 86º
Art. 2.5.1. do CDAE;
Lei nº 64/2023, art.52º-A, als. a) e f).

a) Considerações gerais:

A advocacia é uma profissão livre – arts. 66º, nº 1 e 69º.


Por outro lado, o art. 47º CRP consagra a liberdade do trabalho e do exercício da
profissão:
“Liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública
1. Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de
trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes
à sua própria capacidade.

2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições


de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.

Contudo, pode haver excepção a essa regra constitucional (art. 81º) face ao
interesse público inerente à função social do advogado, tendo o nosso legislador
consagrado um sistema misto,
Em causa estão os princípios da independência, da isenção e transparência e da
dignidade do ADV, necessários para garantir aquele objectivo, combatendo-se as
“portas giratórias” entre a advocacia e outros interesses, políticos e económicos e
cargos por parte dos advogados.
Ver também o art. 2.5.1. do CDAE:

161
“O Advogado determina a sua actuação exclusivamente dentro dos princípios da
Justiça, de acordo com a sua consciência e em total independência. Não poderá,
por isso, o Advogado, enquanto tal, aceitar situações de dependência ou de
subordinação que possam coarctar a liberdade e independência no momento de
tomar decisões e na forma de actuar (artigo 76º n.º2 do E.O.ADV)” – actualmente
art. 81º, nº2. “O exercício da advocacia será, então, incompatível com aquelas
actividades ou funções que possam coarctar a independência do Advogado.”
Quanto ao princípio da dignidade do ADV: “A advocacia assume-se como uma
actividade nobre, enquanto associada à realização dos mais elevados e essenciais
valores da sociedade. O culto desses valores exige do Advogado uma postura de
grande elevação no plano ético, tanto no plano interno do exercício da profissão,
como na exteriorização da sua vivência social fora da actividade profissional. Por
isso, deve o Advogado “no exercício da profissão e fora dela, considerar-se um
servidor da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se digno de honra e das
responsabilidades que lhe são inerentes” (artigo 76º n.º1 do E.O.A.).
Donde que o exercício da advocacia se tenha de considerar incompatível com
aquelas funções, actividades, actuações que de algum modo possam macular a
dignidade da profissão. “O exercício da advocacia é incompatível com qualquer
actividade ou função que diminua … a dignidade da profissão” (artigo 68º do
E.O.A.).
“O exercício da advocacia deve subordinar-se a um princípio de transparência e de
igualdade de oportunidades que permita salvaguardar o recato do exercício
profissional em igualdade e excluir todas as formas de pressão, de influências, de
imposições de autoridade formal ou material que de alguma forma possam
condicionar a livre realização da Justiça. A defesa da independência e da igualdade
do exercício da profissão poderá colocar-se, aqui, em dois planos distintos de
preocupações: de um lado, garantir que ao Advogado não seja dada a possibilidade
de utilizar qualquer eventual autoridade que lhe advenha do exercício de cargos ou
do desempenho de funções – nomeadamente públicas – para influenciar o curso
normal da realização da Justiça; de outro lado, garantir que ao Advogado não seja
dada a possibilidade de aceder à angariação de clientes, à publicitação da sua
actividade, à concorrência desleal pelo facto do exercício de tais cargos ou funções.

Serão, essencialmente, estes motivos e estes princípios que suportam e


fundamentam o regime de incompatibilidades entre o exercício da actividade da
advocacia e o exercício de outras actividades profissionais, públicas ou privadas, o
desempenho de certas funções ou o preenchimento de determinados cargos.”
https://www.OA.pt/cd/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?sidc=31690&idc=51
9&idsc=25556&ida=28888
Exp.: o ADV não pode, simultaneamente, ser defensor numa causa em que é
arguido, o que configura um impedimento.

Os impedimentos (absolutos ou relativos) decorrem de outra actividade, função ou


qualidade diferente da advocacia, que diminuam a independência, isenção e da
dignidade da profissão (art. 81º, nº 2), princípios basilares da profissão.

162
O ADV não deve, em momento nenhum, depender de qualquer entidade, clientes,
terceiros, do poder político, do poder económico, tribunais, opinião pública, nem
sofrer pressões externas.
Não deve retirar vantagens em relação aos colegas, ou permitir a captação de
clientes – arts. 89º e 90º, nº 2, al. h).
Em termos de dignidade, está em causa a conduta no exercício da profissão, o seu
comportamento público, a sua honra, o decoro e a consideração pública que o ADV
deve merecer (à mulher de César não basta ser séria…) – art. 88º.
A actuação do ADV não pode levantar dúvidas quanto à transparência que a sua
figura deve reflectir.
Concretamente, pretende-se prevenir também a violação do segredo profissional,
o conflito de interesses ou a angariação de clientela.
Só assim existe a confiança.
Sobre os direitos adquiridos, cfr. o art. 86º, que decorre dos princípios das legítimas
expectativas adquiridas, da boa-fé e da não retroactividade dos efeitos da nova lei.

b) As incompatibilidades (art. 82º)

Referem-se sempre à actividade diferente, ou função ou órgão abstractamente


considerada, em geral e não à efectivamente exercida (tarefas) – 82º, nº 2.
É um impedimento absoluto, que se mantém enquanto durar o cargo, impedindo
totalmente o exercício da profissão.
Têm carácter exemplificativo (art. 82º, nº 1) o que admite a interpretação extensiva
(art. 11º CC).
Mas são tão exaustivas tanto quanto possível, em homenagem aos princípios da
certeza e da segurança jurídicas.
Já não admite a aplicação analógica, como norma excepcional que é.
Prevalecem sempre os princípios da independência e da integridade do ADV na
análise concreta dos casos.
Exemplos: o liquidatário oficial/administrador de insolvência, os membros da Igreja,
que estão sujeitos a uma hierarquia, os jurados, os despachantes oficiais, os
mediadores imobiliários, de seguros e de conflitos, o promotor comercial bancário
(em que age para satisfazer um interesse próprio, além de poder permitir a
angariação de clientela pelo próprio advogado, a celebração de contratos em
proveito próprio, sobre matéria confiada ao ADV – art. 100º, nº 1, al. d), a
publicidade, a violação do segredo profissional e o conflito de interesses), os ADV
membros dos Conselhos Superiores das Magistraturas, embora neste último caso
a OA entenda não haver incompatibilidade.
Em 2021 foi elaborado pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da
República um parecer que conclui pela existência de situações de incompatibilidade

163
de Advogados, enquanto membros do Conselho Superior do Ministério
Público(eleito pela Assembleia da República), defendendo que
“A prossecução de interesses públicos diferenciados, potencialmente díspares e
que se preveja suscitarem, de modo insistente, impedimentos, escusas e
suspeições, contende com o distanciamento e a serenidade necessários ao bom
desempenho de funções nos órgãos do Estado” e que quem acumular as duas
funções “pode ter de mover-se sob critérios antagónicos e conflituantes”.

https://www.publico.pt/2021/02/06/sociedade/noticia/parecer-mp-exercicio-cargo-advogado-
perdido-nove-meses-parlamento-1949558?reloaded&rnd=0.20606668918983528

Esse parecer, que foi enviado inicialmente à Comissão de Assuntos


Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República,
acabou por não ser objecto de decisão parlamentar, por ter ocorrido inutilidade
superveniente do mesmo, por o advogado em causa, Rui Silva Leal, ter entretanto
renunciado ao cargo.
Quanto ao alcance das als. i) e j) do art. 82º, nº 1, as incompatibilidades aí previstas
abrangem todos os indivíduos que sejam administradores, directores, funcionários
e agentes dos gabinetes e ministérios, governos regionais, câmaras municipais
(não obstante estarem também abrangidos pela al. a), uniões de freguesia, regiões
de turismo, segurança social, empresas públicas que explorem serviços públicos
(Refer, Universidades Públicas, Santa casa, IS Náufragos, IN Habitação, IFADAP,
JC Público, IP Qualidade, etc.).
Mas é necessário que permaneçam em efectividade de funções. Cfr. al. b) do seu
nº 2.
➢ Caso do Requerente que, entre outros, acumula as funções de mandatário
do Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital do Porto, subordinado a
contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado com o exercício
de mandato para outras entidades no seu escritório.
Cfr. Ac. do TAF do Porto de 22.01.2021, in
https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/39fb439d9425
a57d8025867000657c79?OpenDocument

Contabilistas – têm o dever de denúncia de irregularidades e de crimes de que


tenham conhecimento. Daí e desde logo, a incompatibilidade com a deontologia do
advogado.
Conservadores e Notários – incompatibilidade, salvo no caso de direitos legalmente
adquiridos (arts. 82º, nº 1, al. g) e 86º).
Os ADV estão impedidos de ser jurados (DL. Nº 387/A/87 – art. 4º, al. i).
De acordo com o Parecer do Conselho Distrital de Coimbra da OA de 2015, a
actividade de Administrador de Condomínios não é incompatível com a profissão
de Advogado, não afetando a independência e a dignidade da advocacia.
https://portal.oa.pt/advogados/pareceres-da-ordem/conselho-regional-de-
coimbra/2015/parecer-n%C2%BA-12pp2015-c/

164
A qualidade de sócio de uma sociedade de contabilidade é incompatível com a
advocacia (parecer do Conselho Geral nº 19/PP/2009-G de 05-10), por
proporcionar a angariação de clientela.
“O constante no artigo 85.º n.º 1 do EOA (Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro),
resultou em profundas alterações no contexto profissional e pessoal de todos
aqueles que cumulavam as profissões de advogado e de agente de execução,
levando-os a escolher apenas uma das atividades profissionais, tendo como pedra
basilar o princípio do interesse público e respetivos princípios deontológicos a ele
inerentes.
Lia Raquel Silva, in “O exercício das profissões de advogado e agente de
execução: Incompatibilidade ou impedimento”.
Foi solicitado o Parecer n.º 67/PP/2011P sobre a possibilidade de partilha de
escritório entre advogado e agente de execução. E neste sentido: “A consulente
exerce a advocacia, em prática isolada, partilhando o seu escritório com uma
advogada, com a qual suporta funcionamento do mesmo. Entretanto, esta
colega inscreveu-se como agente de execução. A consulente esclarece que não
existe qualquer sociedade com a referida agente de execução. (…) Como é
consabido, não são permitidas formas (quaisquer que sejam) de organização
regular entre advogados e profissionais de outras actividades, por porem em risco
princípios ético-deontológicos basilares da advocacia. Tal situação favoreceria a
prática de procuradoria ilícita, (…) colocaria em risco quer a dignidade profissional
e independência do advogado (…) o segredo profissional (…) bem como propiciaria
o aparecimento de situações de conflitos de interesses (…) e angariação de
clientela. (…) Conclusão: É admitido o exercício da advocacia em prática isolada,
de uma advogada que partilha espaços distintos da mesma fracção com outra
advogada que igualmente exerce funções de agente de execução. Contudo, não
devem existir serviços comuns entre ambas, designadamente aparelho de fax.
Existe uma situação de impedimento se, num caso concreto, a consulente for
mandatária de clientes que sejam parte ou tenham interesses em processos
executivos em que a advogada com quem partilha o escritório seja igualmente
agente de execução.”
https://www.OA.pt/upl/%7B90ff74b5-633b-44e2-9ª52-67be35f02146%7D.pdf
E os deputados da República, que não os regionais, que não são órgão de
soberania?
Se o estatuto dos advogados os impede de acumular a advocacia com o exercício
da profissão de agente imobiliário, por exemplo, porque não existem
condicionamentos no que diz respeito ao Parlamento?
Ver arts. 82º, nº 2, al. a) e 83º, nº 4 (que apenas o impede no contencioso
administrativo).
Os argumentos a favor da sua incompatibilidade radicam no facto de estar
vinculado a um partido político, à disciplina partidária e por isso não gozar de
necessária independência e do imperativo da sua consciência pessoal.
Acresce que, ao poder exercer a consulta jurídica ou apresentar projectos-lei sobre
assuntos que lhe são submetidos pelos clientes, em virtude da especial relação
com este, o deputado põe em causa os princípios da isenção e independência no

165
exercício da advocacia e que estão na base das incompatibilidades e
impedimentos.
O interesse privado pode, assim, contaminar o interesse público.
Jornal Expresso, 10-04-2019:
Dos 59 deputados portugueses em regime de não exclusividade, 20 trabalham
como advogados
“Cerca de um quarto dos deputados portugueses (25,6%) acumulam o cargo
político com funções no sector privado, avança o “Diário de Notícias” esta quarta-
feira. Os dados foram fornecidos pela Secretaria-Geral do Parlamento ao
matutino.Das seis bancadas, PSD (39%) e CDS (38%) são as que têm uma maior
proporção de representantes em regime de não exclusividade. No PS, 18% dos
deputados trabalham no sector privado. O PCP, por sua vez, apenas tem um
representante nestas condições.

O Bloco de Esquerda, o Partido Ecologista “Os Verdes” e o PAN mantêm todos os


deputados em regime de exclusividade.

Dos 59 deputados portugueses em regime de não exclusividade, 20 trabalham


como advogados. Na Assembleia da República, 42 dos 230 deputados portugueses
são advogados. Destes, quase metade (47,6%) escolhe acumular funções.”
A Comissão da Transparência da AR votou à última da hora, em 28-03-2019,
quanto à revisão do Estatuto do Deputado, contra a proposta inicial no sentido que
fosse “vedado aos deputados integrar ou prestar quaisquer serviços a sociedades
civis ou comerciais que desenvolvam” relacionamentos comerciais com o
Estado. Se por um lado se proíbe ao deputado “emitir pareceres ou exercer o
patrocínio judiciário nos processos, em qualquer foro, a favor ou contra o Estado
ou quaisquer outros entes públicos”, logo a seguir permite-se que se mantenham
ligados a sociedades de advogados que o façam, desde que eles próprios não
intervenham nesses processos. A proposta aprovada por PSD e PS diz que fica
“vedado aos deputados intervir em qualquer uma das atividades sejam
desenvolvidas por sociedade civil ou comercial à qual preste serviços ou da qual
sejam sócios” no relacionamento com o Estado.
Segundo o deputado Pedro Filipe Soares, in O Publico, 05-04-2019, a proposta
inicial “simplesmente aproximava os advogados das obrigações que já são
aplicadas a deputados com interesses económicos em todos os outros setores de
atividade económica. Por exemplo, um deputado que detenha uma papelaria não
pode vender nem uma resma de papel a uma escola porque a lei o impede de
“celebrar contratos com o Estado e outras pessoas coletivas de direito público,
participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, empreitadas ou
concessões”. Haver uma exceção para os advogados é realmente
incompreensível.
É um tiro no porta-aviões da defesa da igualdade entre deputados, consciente que
mais uma vez se iria favorecer uma classe profissional: os advogados. Fecha-se a
porta de um gabinete para se abrir a porta do gabinete do lado, ficando o negócio
dentro da mesma sociedade de advogados. O que fica pelo caminho é a separação

166
do interesse público do interesse privado, bem como o fim das portas giratórias
para os interesses económicos que parasitam a política.”
O deputado do PSD Álvaro Baptista contestou esta visão, acabando por confirmar
que era mesmo isso que se pretendia: “A maior parte das sociedades de advogados
são pequenas, dependem do sócio para se manterem, e às vezes até do seu
desempenho profissional”, justificou, defendendo que “o desempenho de funções
públicas não deve prejudicar quem vem de outras actividades”.
Pedro Delgado Alves, o coordenador do PS na comissão, justificou a abstenção
que permitiu que a excepção fosse aprovada dizendo que concorda com a ideia de
que a limitação do advogado-deputado “não se repercute na actividade da
sociedade”. O centrista António Carlos Monteiro concordou e acrescentou um
ponto: “Os advogados têm a sua responsabilidade pessoal e quando são titulares
de cargos políticos sabem que estes se sobrepõem ao interesse particular”.
“O cargo de deputado é um serviço, não uma profissão”, defende Guilherme
Figueiredo, ex-bastonário, que critica o facto de a Assembleia da República nunca
ter criado um limite para o número e mandatos dos deputados, ao contrário do que
acontece com outras funções públicas.
“Estarei sempre contra uma incompatibilidade decretada apenas relativamente aos
advogados que são deputados”, declara Guilherme Figueiredo, que, tal como o seu
rival, pensa ser preferível o Parlamento estabelecer com maior detalhe em que
circunstâncias os diferentes profissionais que ascenderam a deputados podem ou
não discutir e votar assuntos a que estão de alguma forma ligados. “Uma
incompatibilidade total implicaria não termos advogados no Parlamento, mantendo
todas as outras profissões – médicos, economistas, arquitectos, etc”, objecta por
seu turno Menezes Leitão. “Devia era haver mais cuidado relativamente aos actos
que eles podem praticar sendo deputados.”
Guilherme Figueiredo dá um exemplo: devia estar vedado aos deputados que estão
na advocacia desencadearem acções contra o Estado.
O Publico, 10/12/2019.

https://www.publico.pt/2019/12/10/sociedade/noticia/pacto-justica-salario-dividem-
candidatos-ordem-advogados-1896759

Contudo, a exclusividade obrigatória do deputado levaria à sua profissionalização


e implicaria que fosse paga.
Já os deputados dos parlamentos das Regiões Autónomas dos Açores e da
Madeira não integram um órgão de soberania, pelo que não existe
incompatibilidade, sendo que poderá ocorrer impedimento nos termos gerais.

Compete à OA, através do Conselho Geral ou do Conselho Regional competente,


apreciar exclusivamente sobre a existência de incompatibilidades - arts. 81º, nº 5
e 3º, nº 1, al. c), suspendendo a inscrição (art. 84º) ou recusando-a (art. 188º, nº 1,
al. d).
O ADV deve declarar e pedir a suspensão da sua inscrição na OA no prazo de trinta
dias – art. 91º, als. c) e d), 187º, nº 4 e 188º, nº 1, al. d), sob pena de praticar

167
irregularmente a advocacia e incorrer em responsabilidade disciplinar (cfr. arts. 87º
e 121º).
Para além disso, pode estar em causa a instauração de um processo para
averiguação da sua inidoneidade para o exercício da profissão – art. 177º EOA.,
para além da prática de um crime de procuradoria ilícita – art. 11º da Lei 49/2004 e
responsabilidade civil pela irregularidade/falta de mandato – art. 48º CPC.

c) Os impedimentos (art. 83º)

Apenas inibem a prática de actos próprios da profissão concretamente em relação


a certas pessoas, entidades ou assuntos, por causa de relações de parentesco,
afinidade, união de facto, ou de certa função, por força do conflito de interesses ou
razões de decoro.
Existe nesses casos uma relação de certa dependência relativa a tais pessoas
(exp.: juiz e advogada, ou advogados do autor/réu, em ambas as situações casados
ou entre si, ou em união de facto).
Verificar-se-á uma situação de impedimento sempre que a prática de atos
profissionais ou o exercício de influência pelo advogado junto de uma determinada
entidade, pública ou privada, onde o mesmo desempenhe ou já tenha
desempenhado funções, entrar em conflito com as regras deontológicas
consagradas no EOA (cf. art. 83.º, n.º 2, do EOA).

A verificação da existência de impedimento relativo deve ser aferida caso a caso,


pelo próprio Advogado, sendo que, ao mesmo, em caso de dúvida, compete nos
termos do nº 6 do artigo 83º do EOA solicitar parecer sobre a questão profissional
ao Conselho Regional territorialmente competente, o qual será emitido ao abrigo
do disposto na alínea f) do nº1 do artigo 54º do EOA.

Das garantias da imparcialidade


SECÇÃO I – Impedimentos
Artigo 115.º CPC – (Casos de impedimento do juiz)

2. Nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou


voluntária:
(…)

d) Quando tenha intervindo na causa como mandatário judicial o seu cônjuge ou


algum seu parente, por consanguinidade ou afinidade, em linha recta ou no
segundo grau da linha colateral;

2. O impedimento da alínea d) do número anterior só se verifica quando o


mandatário já tenha começado a exercer o mandato na altura em que o juiz foi

168
colocado no respectivo tribunal; na hipótese inversa, é o mandatário que está
inibido de exercer o patrocínio.

3. Nos juízos em que haja mais de um juiz ou perante os tribunais superiores, não
pode ser admitido como mandatário judicial o cônjuge ou parente, em linha recta
ou no segundo grau da linha colateral do juiz bem como a pessoa que com ele viva
em economia comum que, por virtude da distribuição, haja de intervir no julgamento
da causa; mas se essa pessoa já tiver requerido ou alegado no processo, na altura
da distribuição, é o juiz que fica impedido de funcionar.

(aplicável subsidiariamente em processo penal).

O impedimento é uma incompatibilidade relativa, na medida que não impede o


exercício da profissão, mas reduz a amplitude do seu exercício.
A enumeração é taxativa.
Presidente da Junta de Freguesia: a incompatibilidade existe apenas quanto aos
presidentes da câmara. Contudo, aquele está impedido de advogar em quaisquer
assuntos em que estejam em causa os serviços a que estão vinculados (cfr. nosº 1
e 2 do art. 83º). Pode-se entender que tendo assento na Assembleia Municipal, cai
também na alçada do nº 3 do art. 83º.
O actual EOA introduziu mais impedimentos relativamente aos ADV que sejam
membros das assembleias representativas das autarquias locais (nº 3) e
vereadores que não estejam em situação de incompatibilidade (ou seja sem tempo
atribuído) e em situações de conflito de interesses (nº 5).
O impedimento do ADV em relação ao cliente é intuitu personae, não sendo
automaticamente e de “per se” extensível aos seus colegas de escritório ou de
sociedade, diferentemente do que dispõe o nº 6 do art. 99º e 3.2.4. do CDAE, com
excepção do 83º, nº 3 e nº 5.
Na falta de norma expressa dessa extensibilidade, tem que se ir procurar a outras
normas do EOA – arts. 92º (segredo profissional), 99º (conflito de interesses) e 107º
(repartição de honorários).
➢ casos práticos:
- Hipótese de exame de aferição de 10-04-2013:

F., ADV e deputado, patrocinam acção contra o Ministério das Obras Públicas,
pedindo que este fosse condenado a restituir uma faixa de terreno que tinha
ocupado por ocasião de uma construção de uma estrada e uma indemnização de
285.000€.
Pode F. assumir o patrocínio?

Não – arts. 81º, nº 2 (princípio geral), 82º, nº 1, al. a) (regra geral), 82º, nº 3 (regra
excepcional), 83º nº 4 (impedimento, fazendo-se a distinção entre
169
incompatibilidades e impedimentos), 87º - irregularidade do patrocínio, 114º e 115º,
cabendo o julgamento ao Conselho de Deontologia, em 1ª instância, com recurso
para o C. Superior.

- Hipótese de exame nacional de 19-07-2014:


F., ADV e assessor de deputado acordou que 10% sobre o valor dos honorários
que fossem encaminhados para o seu escritório seriam repartidos com os muitos
amigos em funções na AR.
Patrocinou uma construtora contra o Estado na acção administrativa para cobrança
de um crédito emergente de um contrato de empreitada.
Pode assumir o patrocínio?
Não. Não estava numa situação de incompatibilidade para exercer a advocacia
(arts. 82º nº 1, al. a) e nº 2, al. a), mas numa situação de impedimento (83º, nº 1 e
4).
Além disso, não respeitou o dever de não angariação de clientela para si ou para
interposta pessoa (90º, nº 2, al. h), 67º, nº 2 e 97º, nº 1; 107º, 3.1 e 5.4.2. CDAE,
88º, 87º - irregularidade do patrocínio, 114º e segs.).
- Ver parecer do C.R. Coimbra 49/PP/2017-C sobre a advogada que fala com os
mortos no sentido da não incompatibilidade dessa prática com a advocacia, desde
que o escritório de advocacia seja integralmente distinto do local da prática curativa
pela Luz:
http://www.OA.pt/cd/Conteudos/Pareceres/detalhe_parecer.aspx?sidc=31846&idc
=31847&idsc=116053&ida=153951
Mais hipóteses de exame sobre estas matérias:
29-04-2011; 18-07-2012; 01-03-2013; 05-12-2014; 15-12-2014; 25-03-2015; 02-
12-2015; 20-05-2016; 17-11-2017; 19-01-2018; 23-11-2018; 09-12-2019;
04/12/2020; 07-06-2022; 09-06-2022; 05-12-2022.

Na Alemanha, Israel e Egipto, vigora o regime de incompatibilidades do advogado


relativa a toda e qualquer outra actividade profissional (sistema fechado), sendo o
nosso sistema misto, sendo que o sistema aberto permite a acumulação da
advocacia com outras actividades profissionais ilimitadamente.

29. O Conflito de Interesses

“À mulher de César não basta ser séria, tem de parecer séria”.


Júlio César

Enquadramento legal:
170
Arts. 81º, nº 3, 83º, nº 1, 88º, 89º, 92º, 97º e 99º;
Art. 48º CPC – Irregularidade do mandato;
CDAE: 3.2.;
Art. 370º CP;
Lei nº 12/2023, art. 9º, nº 4;
Lei nº 64/2023, arts. 52º-A, al. b) e f) e 52º-E, nº 1

Em causa está a transparência dos processos, a salvaguarda dos interesses dos


clientes, a confiança e o dever de lealdade que lhe está subjacente, face à perda
de independência do ADV numa situação profissional concreta, que põe em causa
a sua capacidade de agir.

Matéria inserida no capítulo das relações com os clientes, constituindo uma matéria
sensível e que se coloca no dia-a-dia do advogado.
A centralidade do cliente na advocacia pressupõe naturalmente a existência de
deveres especiais por parte do ADV, que tem o ónus de averiguar pela existência
de conflitos de interesses, seja ele originário, ou superveniente.
Este não tem que acompanhar o cliente para toda a vida, mas não deve agir contra
ele, em representação de terceiros em sede da mesma relação jurídica ou em
qualquer outra que lhe seja conexa. Caso contrário, o cliente não se sentiria à
vontade para entregar a verdade da sua causa ao ADV
Importa referir que o que importa é a existência de interesses contrapostos e não o
número de partes.
Sobretudo nos escritórios de advogados que asseguram o patrocínio de muitos
clientes ocorre maior risco de conflito de interesses, o que só por si não constitui
uma irregularidade. O modo como é gerido o conflito pelo escritório, ou pelo
advogado envolvido é que pode constituir um problema.
O conflito de interesses, de acordo com a doutrina, têm um dimensão temporal
podendo ser real, aparente ou potencial, sendo que em qualquer das situações, o
regime legal é idêntico.
Um conflito de interesses real existe sempre que os interesses em jogo colidem
direta e inequivocamente com o interesse público inerente ao exercício da
profissão.
Um conflito de interesses aparente existe quando os interesses concretos
aparentam estar em conflito com o interesse público inerente ao exercício da
profissão.
Um conflito de interesses potencial verifica-se nas situações em que os interesses
privados passados ou futuros patrocinados ou a patrocionar pelo ADV poderão
colidir com o interesse público inerente ao exercício da profissão, tudo em benefício
próprio e/ou de terceiros.

171
A transparência, a dignidade e o decoro, como uma das justificações plausíveis
para a proibição decorrente do conflito de interesses, decorre do propósito social e
profissional de uma classe que pretende ser digna e credível.
O exercício da profissão deve ser livre, independente e adequado à dignidade da
função (arts. 88º e 89º).
Visa-se a salvaguarda da comunidade, do ADV, da sua Ordem e do segredo
profissional, acautelando-se ainda o equilíbrio de interesses dos clientes,
protegendo-os.
É desde logo uma questão de consciência, competindo ao ADV verificar, em
primeira linha, da existência do conflito de interesses, de forma escrupulosa e
casuística, face à relação de confiança estabelecida com o cliente e ao dever de
lealdade para com este.
O conflito de interesse gera uma situação de impedimento (art. 83º nº 1) extensivo
no caso do nº 6 aos restantes colegas (exercício em grupo). Mas nem sempre os
impedimentos têm na sua génese, ou geram conflitos de interesses.
O conflito de interesses tem a ver com os clientes, passados, futuros ou presentes,
que têm interesses em colisão. Desencadeiam qualidades incompatíveis para o
ADV numa mesma questão ou conexa. As incompatibilidades e impedimentos têm
a ver com o ADV, na relação com o cliente ou com o assunto em causa. Além disso,
não é automaticamente extensível aos seus colegas de escritório ou da sociedade.
A aceitação de outro cliente que foi antagonista de um ex-cliente seu, deve respeitar
o decurso de um prazo razoável entre a cessação do mandato com o primeiro
cliente, pois pode levantar questões de lealdade para com este e de desconfiança
pública. Deverá igualmente o ADV tomar em consideração o tipo de assunto em
causa, a duração do seu mandato anterior, a forma como cessou, se se está
perante um cliente habitual (norma costumeira), etc.
Não é aceitável que o ADV aceite o patrocínio de um cliente contra alguém que seja
simultaneamente seu cliente noutra questão. Trata-se de um conflito de interesses
eminentemente subjectivo, que afecta a confiança.

- Art. 99º:
PARECER Nº 9/PP/2018-P, conclusões:
... II – A referida norma funda-se em razões de preservação dos valores da
lealdade, isenção, independência, confiança e mesmo decoro, fundamentais no
exercício da advocacia, tendo ainda como fundamento o risco de quebra do
segredo profissional.
III – O legislador concretizou algumas situações em que o dever de recusa do
patrocínio é imposto, porque, objectivamente, tais situações se apresentam como
potenciadoras desse conflito.
Consagra-se aqui a tese do conflito objectivo.
➢ Art. 99º, nº 1: tem ainda como fundamento o risco de quebra do segredo
profissional (cfr. os nº 4 e 5), o que pode conferir ao cliente vantagens ilegítimas.

172
A “questão” ali aludida pode ser judicial ou extra-judicial, pois abrange para além
do patrocínio judicial (nomeação oficiosa ou mandato) qualquer prestação de
serviços sobre um assunto, problema, negócio, caso ou litígio.
Exemplos: divórcio/inventário (independentemente se no divórcio o patrocínio foi
até final); divorcio por mútuo consentimento em que o ADV representa ambos e
ocorre posterior divergência entre os clientes. Neste caso o ADV deve de imediato
renunciar ao mandato de ambos (ver o nº 4).
Exemplos:
1) ADV que representa vários herdeiros e posteriormente têm conflitos entre si;
2) ADV do réu na acção declarativa e depois constitui-se como ADV do autor
na execução;
3) ADV do empregador no processo disciplinar e do trabalhador no processo
judicial de impugnação da sanção laboral;
4) ADV do insolvente e ao mesmo tempo reclama créditos de honorários e
despesas (ver nº 1 e 2 do art. 99º);
5) O ADV pode patrocinar o filho do executado, de que também é ADV, no
exercício do direito de remição, pois não prejudica o executado (ver nº 2).
6) O ADV pode patrocinar a sociedade comercial em acção contra o sócio (os
sócios não se confundem com a sociedade).
7) ADV que é consultado por ambas as partes sobre o assunto. Não pode vir a
patrocinar qualquer deles, o que representa um prejuízo efectivo se se tratar em
comarcas pequenas. Se o sujeito António fizer uma consulta jurídica com um ADV
para obter aconselhamento preventivo em relação a um potencial litígio com o
sujeito Bernardo e, mais tarde, este último fizer uma consulta jurídica com o mesmo
ADV e pretender que este o represente numa ação judicial contra o António relativa
ao mesmo assunto, o ADV deve recusar esse patrocínio de Bernardo porque já
teve intervenção nessa questão na qualidade de Advogado de António.
8) ADV que foi arguido, testemunha, tradutor, perito, magistrado, mesmo que
renuncie ou substabeleça o mandato, não pode posteriormente patrocinar uma das
partes nesse processo, por já ter intervindo noutra qualidade (cfr. nº 1 do art. 99º).
É uma situação próxima à do impedimento e claramente de ambiguidade.

Por conexão, a que alude o nº 1 do art. 99º, entende-se a “relação evidente entre
várias causas, de modo que a decisão de uma dependa das outras ou que a
decisão de todas dependa da subsistência ou valorização de certos factos”
(Parecer do C. Geral nº E-14/00 de 13-12-2000 e no qual foi relator Carlos Grijó).

➢ O nº 2 do art. 99º reporta-se a situações, do foro judicial ou não, por


interpretação extensiva, que não têm qualquer conexão ente si, pelo que a
proibição do mandato se prende antes com razões de decoro e de lealdade no
plano das relações com os clientes, bem como à preservação do valor da confiança
(FSM, in EOA anotado e comentado).

173
O ADV advogado é o representante dos cidadãos perante a administração pública
e a justiça, o que implica o reconhecimento pleno do seu papel como confidente.
Exemplo: o cliente António, através dos respetivos administradores, contrata
o ADV para tratar de uma operação de aumento de capital social;
posteriormente, o cliente Bernardo tem uma consulta jurídica com o ADV, na qual
pede a este que o represente numa ação judicial de responsabilidade civil por
cumprimento defeituoso contra o cliente António; ora, pelo menos, enquanto estiver
a executar o contrato com o cliente António, praticando todos os atos necessários
à realização da operação de aumento de capital social, o Advogado não deve
aceitar qualquer patrocínio contra este.

- Nº 3, 4 e 5: cfr. os pontos 1, 2 e 3 do 3.2. do CDAE


➢ art. 99º nº 3: condutor e passageiro em acidente automóvel; executado e
embargante em processo executivo.
A contrario sensu, o ADV pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois
ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se e enquanto não
existir conflito entre os interesses desses clientes. Pode, assim, representar ambos
os cônjuges num processo de divórcio por mútuo consentimento; ou representar
dois ou mais sócios ou acionistas, constituindo em nome destes uma sociedade.
Ac. do TRC de 30-01-2007:
“Se, no mesmo assunto, existir conflito de interesses entre dois ou mais clientes
representados pelo mesmo advogado, deve este cessar de agir por conta de todos,
no âmbito desse conflito, sem que a lei comine essa situação com a sanção de
nulidade processual do acto em que intervenha, independentemente da tríplice
tutela, de natureza civil, penal e disciplinar, que o mandante possa vir a beneficiar,
uma vez demonstrada a aludida factualidade.”
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/0/70470c59cd2d0ad5802572970043a685

Veja- se o Ac. do TRC de 19/05/2020: “Não integra a previsão do nº 3 (…) a situação


em que os assuntos em discussão são diferentes e sem qualquer conexão, não
seja possível concluir pela existência de conflito entre os interesses desses clientes
e nada obste a que o Mandatário ajuíze, em primeira linha, da observância das
normas éticas e deontológicas.”
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ce696924ab814
0508025858b0055ca21?OpenDocument
➢ nº 4: ADV intervém na regulação das relações parentais por acordo e depois
no incidente de incumprimento ou na acção de divórcio. Não pode fazê-lo, devendo
cessar a representação de ambos por, supervenientemente, existir um conflito de
interesses entre os clientes, ou um risco de ocorrer a violação do segredo
profissional, ou ainda a perda de independência do próprio ADV
Exemplo: não pode patrocinar uma das partes no processo de inventário
subsequente ao divórcio, se representou neste ambos os cônjuges, ou seja, já eram
clientes quando surge o conflito de interesses.

174
➢ nº 5: ADV da autarquia em regime liberal que patrocina cidadão contra a
mesma autarquia por causa do indeferimento de um licenciamento, não tendo
participado nas decisões da autarquia quando esta deliberou sobre o pedido de
licenciamento. Pode fazê-lo. Não gera suspeita pública de que possa influenciar o
assunto.
➢ nº 6: Sempre que o ADV exerça a sua atividade em associação, sob a forma
de sociedade ou não, o regime jurídico deontológico dos Advogados em matéria de
conflito de interesses constante dos números 1 a 5 do art. 92.º aplica-se quer à
associação, por exemplo sociedade de advogados, quer a cada um dos seus
membros.
- Chinese walls e o art. 99º, nº 6.
O chinese walls é um termo comercial que descreve as barreiras de informação
dentro de uma organização que são erguidas para impedir trocas ou comunicação
que possam levar a conflitos de interesse.
O termo faz alusão à Muralha da China – já que o chinese walls seria também uma
espécie de “barreira” interna para garantir que duas áreas diferentes não tenham
nenhum contato. Dessa forma, essa política garante a independência entre setores
que possuem informações privilegiadas com quem trabalha operando no mercado.
Logo, o chinese walls visa, no final das contas, evitar o conflito de interesses entre
clientes, investidores e a própria instituição, preservando o segredo profissional.
Por exemplo, se existissem chinese walls numa sociedade de advogados, as
pessoas do departamento de Direito fiscal não poderiam falar sobre assuntos
profissionais com as pessoas do departamento de Direito societário.

https://www.sunoresearch.com.br/artigos/chinese-wall/?fbclid=IwAR0gDH-
UT5rQ4FdUQ9GWWnJLEYXhOSAZQMUQR65Ekm0xJ4FFgUEhBpEMS8
Contra essa alternativa, veja-se o parecer nº 16/2008 do CDL, onde se refere: “A
proibição de organizações multidisciplinares abrange e não se compadece com as
vulgarmente denominadas “chinese walls”, mediante as quais se admitiria a
parceria de vários profissionais desde que implementadas medidas mínimas de
salvaguarda do segredo profissional, como sejam gabinetes e arquivos próprios de
advogado não partilhados por terceiros, serviços logísticos próprios, etc.
Convém também frisar que, sendo a advocacia uma profissão de interesse público
na qual o Estado tem um papel de regulamentação por via legislativa, a ela
aproveita a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades firmada no
Caso Wouters/Nova que admite a não aplicabilidade de determinadas disposições
em matéria de direito da concorrência. E admite-o em consideração aos valores
superiores da independência, da confidencialidade e da matéria de conflito de
interesses”.

https://www.OA.pt/cd/Conteudos/Pareceres/detalhe_parecer.aspx?sidc=31634&id
c=501&idsc=42945&ida=70140

Por constituir um dever importante e essencial ao bom exercício da advocacia, o


legislador veio prever no nº 2 do art. 370.º do C. Penal o crime de
175
Prevaricação de advogado ou de solicitador

1 – O advogado ou solicitador que intencionalmente prejudicar causa entregue ao


seu patrocínio é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

2 – Em igual pena incorre o advogado ou solicitador que, na mesma causa,


advogar ou exercer solicitadoria relativamente a pessoas cujos interesses
estejam em conflito, com intenção de actuar em benefício ou em prejuízo de
alguma delas.

PARECER Nº 9/PP/2018-P Conclusões:


(…)
IV – O Advogado, porque no âmbito de um primitivo processo de regulação das
responsabilidades parentais pode ter tido acesso a informação privilegiada sobre a
vida e património do então patrocinado, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo
99.º EOA, está impedido de aceitar novo patrocínio contra aquele para intentar
acção executiva, pois que tal informação privilegiada poderá ser usada em
benefício da nova patrocinada.

PARECER Nº 14/PP/2018-P Conclusões:


(…)
2. O legislador concretizou algumas situações em que o dever de recusa do
patrocínio é imposto, porque, objectivamente, tais situações se apresentam como
potenciadoras desse conflito.
Todavia, situações há em que impõe uma análise casuística para se aferir, se, em
concreto, tal conflitualidade se verifica(…).
4. Pode, em princípio, o advogado representar mais do que um interessado em
processo de inventário.
5. Porém, quando um Advogado aceita patrocinar um determinado cliente na
resolução de um litígio, não pode, posteriormente, aceitar a representação de outro
interessado que tenha um interesse conflituante com o primeiro.
6. No caso concreto temos como certo que, na altura em que o Exmo. Sr. Advogado
intervém no processo, em representação de um interessado, reclamando da
relação de bens apresentada pela cabeça de casal, existia um conflito entre estes
herdeiros. E, por isso, ao aceitar patrocinar a cabeça de casal, nesse momento, o
Exmo. Sr. Advogado, violou não só o nº 1, mas também o nº 5, ambos do artº 99º
do EOA, incorrendo, até, na prática de infracção disciplinar, nos termos do disposto
no artº 115º do EOA.
7. Neste circunstancialismo, deve o Exmo. Sr. Advogado, de imediato, fazer cessar
o mandato relativamente a ambos os interessados que actualmente representa.
- nº 6: ADV da mulher e o colega de escritório é ADV do marido em divórcio litigioso,
ou do interessado no inventário e outro do CC, com interesses antagónicos.

176
Configura uma situação de conflito de interesses, aplicando-se o nº 6 do art. 99º, a
nomeação para a mesma causa de dois advogados que partilhem o escritório ainda
que não se encontrem numa relação de sociedade (Parecer nº 7/PP/2015 do C.R.
Coimbra).

CONFLITO DE INTERESSES ENTRE CLIENTES


DA MESMA SOCIEDADE DE ADVOGADOS

Parecer n.° 5/PP/2008-G

Relator: Dr. Miguel Salgueiro Meira

Aprovação: sessão plenária de 29 de Fevereiro de 2008

CONFLITO DE INTERESSES
I—Breve descrição da situação em apreciação.
A sociedade de advogados X solicita parecer a este Conselho Geral sobre a
eventual (im)possibilidade de poder patrocinar em juízo um cliente seu contra outro
seu cliente num conflito de interesses que opõe ambos. Em concreto, pretende a
Requerente saber qual o âmbito de aplicação do n.° 4 do art.° 94.° do E.O.ADV,
colocando as seguintes questões:
1.° — O n.° 4 do art.° 94.° do E.O.A. pressupõe que os dois ou mais clientes em
conflito de interesses já fossem clientes quando surge esse conflito? Ou também
se aplicará nos casos em que a assumpção da qualidade de cliente pela
contraparte das acções a propor é que é ela própria a causa do conflito?

2.° — A posição da Requerente deverá, num ou noutro caso, ser a de cessar de


agir por conta de qualquer destes clientes no âmbito do caso que é causa de conflito
de interesses?
3.° — A questão de um indivíduo já ser cliente da Requerente antes de outro
indivíduo/sociedade passar também a ser cliente constitui um precedente relevante,
decorrente da necessidade de proteger a confiança que eles depositaram na
Requerente de tal modo que renunciar esta ao mandato conferido pelo primeiro
será ilícito ou eticamente censurável? E, em caso de resposta positiva, deverá a
Requerente continuar a agir por conta do primeiro cliente, propondo-lhe a
respectiva acção, e de cessar de agir por conta do segundo cliente mesmo em
questões que não sejam conexas com as que estão na origem do conflito de
interesses?

4.° — A considerar-se relevante a precedência do primeiro cliente relativamente ao


segundo cliente não porá também em causa o valor da confiança que a segunda
cliente depositou na Requerente?

5.° — Se for deontologicamente recomendável que a Requerente se desvincule de


ambos os clientes de tudo o que tem a ver com o tratamento da questão em que

177
há conflito de interesses, poderá ela continuar a patrocinar qualquer um deles em
questões que não estejam conexionadas com a situação em que há conflito de
interesses?
Com relevo para a decisão destas questões, são relatados pela Requerente os
seguintes factos:
1. A sociedade Requerente, por intermédio de um dos advogados seu sócio, foi
mandatada por dois trabalhadores duma sociedade por quotas que se dedica a
transportes nacionais e internacionais de mercadorias para impugnar o seu
despedimento decidido por essa sociedade com invocação de justa causa.
2. O parecer emitido foi no sentido da viabilidade das acções judiciais de
impugnação de tais despedimentos e tal parecer mantém-se.

3. Em conformidade, foram elaboradas as minutas das referidas acções,


encontrando-se as mesmas prontas.

3. O prazo de prescrição das referidas acções completa-se em 14 de março do


ano de 2008 para ambos os casos.

5. A relação dos dois constituintes com a sociedade requerente foi sempre feita
através do mesmo advogado que inicialmente os recebeu e analisou as questões
por ele suscitadas.

6. Entretanto, a sociedade requerente detectou que um outro advogado seu


sócio recebeu, em data posterior à do mandato conferido para a propositura das
duas aludidas acções, a gerência da sociedade que é entidade patronal dos dois
referidos motoristas e aceitou, em nome desta sociedade, resolver questões
relacionadas com a cobrança de créditos da prestação de serviços a terceiros
daquela sociedade, tendo, em conformidade, procedido já a diligências com vista
ao cumprimento do mandato recebido.

7. A circunstância da sociedade Requerente ter mandato dos dois clientes que são
partes como autor e ré nas mencionadas acções de despedimento ocorreu porque
houve uma falha no sistema informático que não detectou a pendência no escritório
das questões referentes ao despedimento dos dois motoristas, e que só foi
acidentalmente constatada porque um dos advogados intervenientes se ter referido
aos clientes e questões em causa.

II — O Problema do Conflito de Interesses.

Estatui o art.° 94.°, n.° 1 do E.O.A.que “O advogado deve recusar o patrocínio de


uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja
conexa com outra em que represente, ou tenha representado, a parte contrária”.

178
O n.° 3 do art.° 94.° do E.O.A dispõe que “O advogado não pode aconselhar,
representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em
assunto conexo, se existir conflito de interesses desses clientes”.

Por sua vez, o n.° 6 do art.° 94.° do E.O.A.estabelece que “Sempre que o advogado
exerça a sua actividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o
disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos
seus membros”.
Assim, quando um advogado aceita patrocinar um determinado cliente na resolução
de um litígio, não pode, posteriormente, aceitar o patrocínio de outro cliente que
tenha um interesse conflituante com aquele primeiro na resolução do mesmo litígio.
Este dever impõe-se não só ao advogado que individualmente aceitou o patrocínio
mas também a todos aqueles que com ele exerçam a sua actividade em
associação, seja em forma de sociedade ou noutra (n.° 6 do art.° 94.° E.O.A.).

A violação desse dever para com o cliente constitui infracção disciplinar nos termos
do disposto no art.° 110.° do E.O.A..
É, assim, evidente que a sociedade requerente não podia ter aceite o patrocínio da
segunda cliente (in casu, a sociedade entidade patronal dos seus dois primeiros
clientes).
Contudo, por motivos que a Requerente diz prenderem-se com uma falha no
sistema informático, tal situação acabou por acontecer.
A violação das normas do E.O.A. não terá, por isso, sido consciente e intencional.

Consumada que está a aceitação de patrocínio de ambos os clientes, e detectada


a existência de um conflito de interesses, cumpre apreciar qual a actuação
deontologicamente correcta a seguir pela Requerente.

O n.° 4 do art.° 94.° do E.O.A. estabelece que “Se um conflito de interesses surgir
entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo
profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de
agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito”.

Ora, não tendo a Requerente inicialmente recusado o mandato conferido pelo


segundo cliente, e tendo, desse modo, ainda que não judicialmente, aceitado o
patrocínio de dois clientes com interesses conflituantes opostos, não poderá agora
deixar de renunciar a ambos os mandatos que lhe foram conferidos por ambos os
clientes.

Isto posto, passemos à análise das questões concretas suscitadas pela Requerente
relativamente ao âmbito de aplicação do n.° 4 do art.° 94.° do E.O.ADV
1.°— O n.° 4 do art.° 94.° do E.O.A. pressupõe que os dois ou mais clientes em
conflito de interesses já fossem clientes quando surge esse conflito? Ou

179
também se aplicará nos casos em que a assumpção da qualidade de cliente
pela contraparte das acções a propor é que é ela própria a causa do conflito?
2.°— A posição da Requerente deverá, num ou noutro caso, ser a de cessar
de agir por conta de qualquer destes clientes no âmbito do caso que é causa
de conflito de interesses?

Entendemos que o n.° 4 do art.° 94.° do E.O.A. tem como pressuposto que os dois
clientes em conflito de interesses já fossem clientes quando surge o conflito.

Nos casos em que assim não acontece mas em que a assumpção da qualidade de
cliente pela contraparte das acções a propor é ela própria a causa de conflito, é
aplicável o disposto no n.° 3 do mesmo artigo que estatui que “O advogado não
pode aconselhar, representar o agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo
assunto ou em assunto conexo, se existir conflito de interesses desses clientes.”

Deste modo, um advogado que já representa um cliente num determinado litígio


não pode aceitar o patrocínio de um novo cliente para o representar no mesmo
litígio, se este tiver um interesse conflituante com aquele outro.
Assim, e conforme se referiu já no ponto 1., não tendo a Requerente recusado a
aceitação do mandato por parte do segundo cliente, não poderá agora deixar de
recusar o patrocínio de todos os clientes.

3.°— A questão de um indivíduo já ser cliente da Requerente antes de outro


indivíduo/sociedade passar, também, a ser cliente constitui um precedente
relevante, decorrente da necessidade de proteger a confiança que eles
depositaram na Requerente de tal modo que ao renunciar esta ao mandato
conferido pelo primeiro será ilícito ou eticamente censurável? E, em caso de
resposta positiva, deverá a Requerente continuar a agir por conta do primeiro
cliente, propondo-lhe a respectiva acção e de cessar de agir por conta do
segundo cliente mesmo em questões que não sejam conexas com as que
estão na origem do conflito de interesses?
4.°— A considerar-se relevante a precedência do primeiro cliente
relativamente ao segundo cliente não porá também em causa o valor da
confiança que a segunda cliente depositou na Requerente?

Como acima se referiu, o facto de os dois trabalhadores serem já clientes da


Requerente antes que a sua entidade patronal também o tivesse passado a ser
constitui um precedente relevante, que implicava para a sociedade Requerente a
obrigação de recusar a aceitação do mandato que a segunda cliente (entidade
patronal) lhe conferiu.

No entanto, no caso sub-judice, o “mal” já foi feito. Não há retrocesso possível.


Nesta data a sociedade Requerente já contactou e aconselhou ambas as partes
em conflito, colhendo das mesmas informações que sempre serão relevantes para
a condução do processo judicial que opõe ambas.

180
Pelo que, a única solução que garante que não será prejudicado qualquer cliente
nem trairá a confiança de nenhum dos dois é a renúncia a ambos os mandatos.
E isto porque, muito embora se entenda que o primeiro cliente tinha, à partida, uma
precedência relevante relativamente ao segundo cliente, não tendo essa
precedência sido respeitada (em clara violação do E.O.ADV), o segundo cliente não
deixa de merecer também uma tutela da relação de confiança que igualmente
depositou no advogado.
A recusa de patrocínio de ambos os clientes é, assim, a única solução possível para
preservar a relação de confiança que eles depositaram na Requerente.

5.°— Se for deontologicamente recomendável que a Requerente se


desvincule de ambos os clientes de tudo o que tem a ver com o tratamento
da questão em que há conflito de interesses, poderá continuar a patrocinar
qualquer um deles em questões que não estejam conexionadas com a
situação em que há conflito de interesses?
O patrocínio de diversos clientes é o “dia-a-dia” da advocacia.
O n.° 4 do art.° 94.° do E.O.A. dispõe que se surgir um conflito de interesses entre
dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo
profissional ou de diminuição da sua independência profissional, o advogado deve
cessar de agir por conta de todos os clientes “no âmbito desse conflito”.
Ou seja, o E.O.A. restringe essa obrigação de cessar o patrocínio de todos os
clientes apenas ao âmbito do conflito que os opõe, e não a outros processos que
eventualmente tenham pendentes.
Pelo que, o advogado é livre de, com as limitações que decorrem do art.° 94.° do
E.O.ADV, aceitar patrocinar ambos os clientes noutros processos que não os
oponham.
No entanto, cumpre dizer o seguinte:
Atenta toda a dinâmica e envolvência do caso concreto, pensamos que, para não
por em causa a relação de confiança que ambos os clientes depositaram na
Requerente (que poderá, de algum modo, ter sido melindrada), a prudência impõe
que a Requerente apenas venha a patrocinar qualquer um dos clientes ou todos
após estar resolvido o conflito que os opõe.
De facto, ao actuar de modo diferente, a parte que vier a ficar vencida no conflito
de interesses sempre poderia (injustificadamente) ficar a pensar que, pelo facto de
patrocinar a outra parte noutro processo, a Requerente poderia ter-lhe transmitido
factos que lhe foram confiados por si e que isso é que teria levado ao desfecho
negativo do processo para si.
À mulher de César não basta sê-lo. É preciso 181ispor-lo.
Daí que, por toda a envolvência da situação dos autos, por uma questão de total
transparência e por forma a não gerar qualquer tipo de suspeita infundada, a
prudência impõe que a Requerente não aceite patrocinar qualquer um dos clientes
até que o conflito que opõe ambos esteja definitivamente resolvido.

III — Conclusões:

181
1.ª — O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou
mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito de
interesses desses clientes (art.° 94º, n.° 3 do E.O.ADV).
2.ª — Quando o advogado exercer a sua actividade em associação – sob a forma
de sociedade ou não — a impossibilidade de aconselhar, representar ou agir por
conta de dois ou mais clientes no mesmo assunto ou em assunto conexo (se existir
conflito de interesses desses clientes) impõe-se quer à associação quer a cada um
dos advogados que dela sejam membros (art.°94.°, n.° 6 do E.O.A.).
3.ª — Quando um advogado aceita patrocinar um cliente num determinado litígio,
não pode, posteriormente, aceitar o patrocínio no mesmo litígio de outro cliente que
tenha um interesse conflituante com aquele primeiro.
4.ª — A violação desse dever para com o cliente constitui infracção disciplinar nos
termos do disposto no art.° 110.° do E.O.A.
5.ª — No caso concreto, a Requerente não podia ter aceite o patrocínio da segunda
cliente para a representar no mesmo litígio em que já representava os primeiros
clientes, uma vez que existe um evidente conflito de interesses entre ambos.
6.ª — Não tendo a Requerente recusado o mandato por parte do segundo cliente,
e tendo desse modo, ainda que não judicialmente, aceitado o patrocínio de dois
clientes com interesses conflituantes opostos, terá agora que renunciar aos
mandatos que lhe foram conferidos por ambos os clientes, por força do disposto no
n.° 4 do art.° 94.° do E.O.A.
8.ª — O n.° 4 do art.° 94.° do E.O.A. pressupões que os dois clientes em conflito de
interesses já sejam clientes quando surge o conflito.
9.ª — Quando a assumpção da qualidade de cliente pela contraparte das acções a
propor é ela própria a causa de conflito, é aplicável o disposto no n.° 3 do art.° 94.°
do E.O.A.que diz que “O advogado não pode aconselhar, representar o agir por
conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir
conflito de interesses desses clientes.”; nesse caso, deve ser recusado o patrocínio
de um segundo cliente, em prol do cliente que primeiro conferiu o mandato.
10.ª — No caso concreto, o facto de os dois motoristas serem já clientes antes da
sociedade/entidade patronal adquirir também essa qualidade constituía um
precedente relevante, que implicava para a Requerente a obrigação de recusar o
mandato da segunda cliente/entidade patronal.
11.ª — Ao não o ter feito a Requerente já contactou e aconselhou ambas as partes
em conflito, colhendo das mesmas informações que sempre serão relevantes para
a condução do processo judicial que oporá ambas.
12.ª — Pelo que, a única solução que garante que não será prejudicado qualquer
cliente nem trairá a confiança de nenhum é a renúncia a ambos os mandatos. E
isto porque, muito embora se entenda que o primeiro cliente tinha, à partida, uma
precedência relevante relativamente ao segundo, não tendo essa precedência sido
respeitada, o segundo cliente não deixa de merecer também uma tutela da relação
de confiança que igualmente depositou no advogado.
13.ª — A recusa de patrocínio de ambos os clientes é a única solução possível para
preservar a relação de confiança que eles depositaram na Requerente.

182
14.ª — O n.° 4 do art.° 94.° do E.O.A.dispõe que se surgir um conflito de interesses
entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo
profissional ou de diminuição da sua independência profissional, o advogado deve
cessar de agir por conta de todos os clientes “no âmbito desse conflito”.
15.ª — O E.O.A.restringe a obrigação de cessar o patrocínio de todos os clientes
apenas ao âmbito do conflito que os opõe, e não a outros processos que
eventualmente tenham pendentes.
16.ª — Pelo que, o advogado é livre de, com as limitações que decorrem do art.°
94.° do E.O.ADV, aceitar patrocinar ambos os clientes noutros processos que não
os oponham.
17.ª — No entanto, tendo em conta toda a envolvência do caso concreto e por uma
questão de total transparência, de modo a não gerar qualquer tipo de suspeita
infundada, a prudência impõe que a Requerente não aceite patrocinar qualquer um
dos clientes até que o conflito que opõe ambos esteja definitivamente resolvido.

Lisboa, 26 de fevereiro de 2008

“Paulo Macedo admite que CGD vai trabalhar com três sociedades de advogados
por causa de incompatibilidades

CGD já contratou Vieira de Almeida e Linklaters. Pode contratar terceira sociedade


de advogados.
Em resposta a Marcos Perestrello, sobre a existência de conflitos de interesse entre
a sociedade de advogados e partes envolvidas na auditoria, Paulo Macedo diz que
é uma questão “complexa”.
Revelou que a Vieira de Almeida, a sociedade de advogados contratada para o
apuramento das responsabilidades civis, declarou que não havia conflitos de
interesse de uma forma geral, mas revelou-se incompatível para trabalhar em “dois
de cinco casos” concretos que já foram identificados.
Para estes casos já foi contratada a Linklaters, que também já disse que era
incompatível num caso, o que vai obrigar a CGD a contratar
uma terceira sociedade de advogados.
Paulo Macedo diz que não tem intenção de trabalhar com dez sociedades de
advogados, mas garante que vai evitar situações de conflitos de interesse nesta
situação.”
https://eco.sapo.pt/2019/02/07/auditoria-a-cgd-leva-paulo-macedo-ao-parlamento-
acompanhe-em-direto/
07/02/2019

Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 03-02-2019:


“… Entre esses “assaltantes”, e como terceiro maior devedor actual da Caixa, está
Manuel Fino, cliente do escritório de advogados Vieira de Almeida (VA), também
conhecido como o “EET” (Está Em Todas). Fino e outros dos seus companheiros
de assalto foram assessorados pela VdA na tentativa falhada de conquista do BCP,
cujos prejuízos gerados para a Caixa vão agora ser investigados, entre outras
entidades e por dever de ofício (ou de sacrifício), pela própria Caixa. E quem é a

183
autoridade externa que a Caixa escolheu para levar a cabo uma auditoria aos actos
de gestão então praticados pelas anteriores administrações, entre as quais a que
tão levianamente emprestou milhões a perder literalmente de vista ao cliente da
VdA? Quem, quem foi? Pois, não se riam: foi a VdA, nem mais! É ou não é um
clube de amigos? Dizem que foi por concurso e que a púdica VdA assinou uma
declaração a jurar que não, nunca, jamais, olha como!, tem, teve ou terá nisto
qualquer conflito de interesses. Como se houvesse concurso ou declaração alguma
que pudesse disfarçar o que está para lá de tudo o que é admissível. Como se uma
jura de insuspeitos cavalheiros, ou outro segredo bancário ou de justiça, ou até um
véu islâmico, uma burqa, uma pele de tigre, pudesse disfarçar a indecente nudez
deste rei nu na praça pública!”

F. C. Barcelona, Messi e a Sociedade de Advogados:


https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/7360704/barcelona-demite-escritorio-
de-advogados-por-assessorar-messi

- Hipóteses de exames: 30-10-2010; 29-04-2011; 18-07-2012; 01-03-2013; 25-03-


2015; 24-04-2015; 21-04-2017; 12-11-2017; 17-11-2017; 23-11-2018; 09-12-2019;
30-10-2020; 02-11-2020; 02-06-2021; 07.06.2022; 09.06.2022; 09.06.2023.

Com interesse sobre esta temática, ver ainda:


https://www.sociedadescomerciais.pt/conflito-de-interesses-regras-aplicaveis-aos-
advogados-e-as-sociedades-de-advogados/

30. Os Honorários

O advogado é “aquele que é chamado para defender uma causa, e cumpre o seu dever
com dignidade e competência, buscando mais a realização da justiça do que os
honorários, embora devidos.”
António Arnaut

Enquadramento legal:
Art.1158º CC;
Arts. 103º a 107º; 88º e 89º EOA;
CDAE – 3.3.; 5.7
Regulamento dos Laudos de honorários nº 40/2005, adiante designado por RLH.

184
A questão dos honorários faz parte invariavelmente da trilogia de perguntas que o
cliente faz inicialmente: quanto tempo levará o assunto a ser tratado (I), se vai
ganhar o pleito (II) e o valor dos honorários (III).
São todas de resposta difícil e quanto aos honorários, em concreto, atendendo à
complexidade do assunto e à incerteza sobre a evolução do caso, não é possível,
com um grau de segurança e equidade, sem esquecer a boa-fé que deve imperar
nas relações contratuais, estimar as despesas e os honorários que o processo
judicial, ou as negociações implicarão.
Os Clientes, na maior parte das vezes, nem chegam a aperceber-se da quantidade
enorme de diligências que o advogado realizou (conferências presenciais e
telefónicas com os mandatários das contrapartes, troca de mensagens de correio
electrónico, deslocações às repartições oficiais requisitando certidões ou fotocópias
não certificada, pesquisas de jurisprudência, etc.). A que acresce a preocupação
de identificação e consulta da legislação em vigor, porquanto a mesma é objecto
de constantes alterações.
Segundo Ernesto Oliveira (Vida Mundial, 16.04.1971) este é “momento de que o
advogado, inexplicável e injustificadamente, quase se envergonha” - compreende-
se mercê das numerosas dúvidas que assolam o espírito do advogado, desejoso
de uma bitola que, de forma clara e transparente, não para si, mas para o cliente,
aponte um montante que se afigure o legítimo pagamento do seu trabalho,
ultrapassada que está a perspectiva utópica da “retribuição - reconhecimento” de
João Ulrich, segundo o qual “o desinteresse, o mais absoluto desinteresse é
apanágio essencial da advocacia (…). Os honorários não representam o
pagamento de um serviço, significam a gratidão do cliente.”

• Definição – art. 3º do R.L.H.

- Os honorários devem ser saldados em dinheiro (105º, nº 1 e 3º e 5º, nº 2 do RLH).


Mas o ADV pode aceitar letras.
Assim e por exemplo, é inadmissível que o advogado e o cliente acordem que os
honorários sejam pagos mediante a cedência de um espaço no imóvel em litígio
(cfr. também o art. 100º, nº 1, al. d).

Breve enquadramento histórico:


- Na antiguidade, a advocacia não existia profissionalmente, existia alguém que,
com a sua capacidade oratória e saber, representava, defendia e protegia os mais
fracos, numa hora de aflição por não terem os conhecimentos necessários e era
gratuita.
Isso fazia com que o defendido testemunhasse espontaneamente o seu
reconhecimento com uma recompensa material. Tratava-se de uma dívida de
honra, “honor”. Era uma homenagem material de gratidão. O honorários
configuravam a uma honra, face à característica gratuita da prestação de serviços
do advogado à época.

185
No tempo do imperador Constantino, ano 325, considerava-se que o labor da
actividade forense não se podia comparar a mero salário, os “advogados” exerciam
o seu múnus gratuitamente – “honorarium dicitur quod non mercendi nomine, sed
honoris causa”.
Ainda hoje os amigos, os parentes (que esperam as borlas) e os pobres fazem isso.
É preferível não cobrar do que apresentar uma conta ridículADV
Com o desenvolvimento da ciência do Direito, submetendo os a demorados estudos
para poderem desempenhar os seus serviços, passou a ser uma profissão
remunerada. Mas com limites na fixação dos honorários.
A Lei de 1351 de D. Afonso IV prescrevia a pena de morte ou de flagelação
conforme o recebimento indevido ultrapassasse ou não o valor de 5 libras.
E quando se passou a cobrar honorários, diminui-los por negociação com o cliente
não fazia sentido e constituía até uma ofensa, pois significava diminuir a honra que
era conferida a este, por o ADV aceitar o caso.

Código Civil

LIVRO II - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES


TÍTULO II - Dos contratos em especial
CAPÍTULO X - Mandato
Secção I - Disposições gerais
----------
Artigo 1158.º - (Gratuidade ou onerosidade do mandato)

1. O mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o


mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso.
2. Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as
partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na
falta de umas e outros, por juízos de equidade.
Os critérios normais para a fixação dos honorários: art. 105º, nº 3.
São exemplificativos e não taxativos.
Exemplos de outros ali não mencionados: a qualidade do ADV antagonista, o ser
cliente habitual, o trabalhar em férias, as posses do cliente, o valor da acção, a
prática do foro, etc.

São critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário a


serem observados pelos advogados na fixação dos respectivos honorários, como
é entendimento unânime da jurisprudência.

“Não obstante não existir uma hierarquia entre os elementos de ponderação


previstos no art. 105º, nº3 do EOA, há que aceitar que, perante as circunstâncias

186
concretas de cada caso, uns possam assumir maior relevância que outros, sendo
certo que, segundo a nossa jurisprudência, o tempo gasto pelo advogado e a
dificuldade do assunto, normalmente, são os elementos mais decisivos, já que
reflectem a complexidade da causa e o esforço despendido pelo advogado para
solucionar o problema, devendo ser relegado para um plano secundário o resultado
conseguido.” (Ac. do T. Rel. Guimarães de 23/03/2011).
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/DB2B7649A0CA4590802578C000396295

São devidos honorários mesmo quando se perde a acção na totalidade, face à


independência do ADV, e porque também correspondem ao trabalho realizado,
embora devam ser mais moderados nesse caso.
Os honorários são o preço do trabalho prestado e não a retribuição do resultado
obtido.
O ajuste prévio pelas partes, ao contrário da apresentação dos honorários à
posteriori, é possível – art. 105º, nº 2.
(Mas com ressalva da proibição da quota litis – art. 106º).
Muitas vezes é impraticável, por ser incerto o tempo gasto e o resultado, embora
seja mais seguro para as partes.
A avença é um exemplo de ajuste prévio, sendo ser reduzida a escrito.
A exigência de acordo escrito do art. 105º, nº 2 corresponde a uma formalidade ad
substantiam, razão pela qual não pode provar-se por testemunhas – arts. 219º, 2ª
parte, 220º, e 393º, nº 1 do CC e o Ac. do TRL de 15.09.2020, in
https://jurisprudencia.pt/acordao/195418/

Em sentido contrário, no sentido de que a formalidade prescrita é meramente ad


probationem, cfr. o acórdão do TRP de 31-01-2012, in
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/c7c8ad7315fd6a5
c802579a0004aeb34?OpenDocument

As tabelas de honorários foram proibidas pelo Conselho Superior por deliberação


do seu plenário aos 24-02-2006, violarem as normas da concorrênca. Tinham em
conta o valor do assunto.
O problema é que fixavam valores mínimos que não podiam ser derrogados por
acordo entre o ADV e o cliente.
• Quota litis (“no win, no fee”):
Noção: exigir, a título de honorários, uma parte do crédito ou de outra pretensão e
estabelecer que o direito aos mesmos (em regra, uma percentagem daqueles) fique
dependente do resultado da demanda ou dos negócios, de forma a que não
havendo resultado, não há honorários.

187
Ver ponto 3.3.2. do CDAE
É nulo – art. 280º CC:

1 - Negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à


lei ou indeterminável.
2 – que seja contrário á ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.

O ADV litiga por si e pelo seu cliente. Fá-lo perder a sua independência e
clarividência (objectividade) – art. 89º. Envolve o ADV na sorte da acção.
Rege-se pelo princípio do vale tudo, indo mesmo contra a justiça, aumentando a
litigiosidade.
Os honorários, como já se referiu, são o preço do trabalho efectivamente prestado
(art. 105º, nº 1) e não a retribuição do resultado obtido.
O ADV não pode prometer resultados, que não dependem de si.
No tempo do imperador Constantino, ano 325, já era proibida a quota litis.

Também no antigo direito português tal proibição constava expressamente, desde


logo nas Ordenações Filipinas (1603) – “E defendemos a todos os procuradores
que não façam avença com as partes para haverem certa cousa, vencendo-lhes as
demandas.
E o que a fizer, seja suspenso de procurar hum anno e pague dous mil réis para as
despesas da Relação.”
Face à ineficácia da proibição foi publicado um Alvará, em 1.8.1774, sancionando
com degredo e suspensão a prática da quota litis:
“Todos os sobreditos pactos ou convenções, ou elas se celebrem com advogados
e procuradores ou com outras quaisquer pessoas, debaixo das penas de nulidade
dos ditos pactos ou convenções, de três anos de degredo pra Angola e de perpétua
suspensão e inabilidade contra os advogados”.
No Estudo de Susana Neto (que designa a sua fixação como “a chamada “angústia
da conta”) publicado na Revista da Ordem dos Advogados – ano 61 – Abril de 2001,
págs. 1121 a 1140, de onde extraímos as precedentes citações, refere-se que
aquele Alvará foi revogado pelo de 10.8.1778 e que a proibição passou para o
Código de Seabra, cujo art. 1358 consignava:

“Será nullo todo o contracto, que as partes fizerem com os seus advogados ou
procuradores, concedendo-lhes alguma parte do pedido na acção. Os procuradores
ou os advogados que infringirem o que se dispõe n’este artigo, serão inhibidos, por
espaço de um anno, de procurar ou advogar em juízo.
“Acordo, prévio à conclusão da questão, celebrado entre o advogado e o cliente,
(…) pelo qual se convenciona que o direito daquele aos honorários respectivos fica

188
directamente dependente do resultado da causa (em regra, percentualmente
dependente), independentemente do seu desenrolar, (…) sendo que o advogado
nada haverá a título de honorários, se o cliente nada alcançar da sua pretensão,
pois aqueles são uma quota-parte destADV”

“… A quota litis interessando o advogado demasiado directamente no processo, fá-


lo perder a sua independência, leva-o a empregar meios contestáveis para triunfar
e expõe-no à tentação de enganar a justiça em vez de a esclarecer.”
Tal pacto vicia o espírito e a razão de ser da advocacia”. (Jean Appleton, Traité de
La Profession d’Avocat, Paris, 1828).
“A cupidez é ebulição, inquietação, cegueirADV O advogado que a respeito de cada
causa possa dizer, se ganho a questão, dos 5 milhões que se discutem, receberei
2 adopta a psicologia do jogador.” (Ossorio y Gallardo, “El Alma de La Toga”).
A proibição a que nos referimos é estabelecida no interesse da lisura, probidade, e
independência profissional do advogado, sendo que a proibição da quota litis o
“protege” de querer ganhar a todo o custo, podendo ser tentado, por isso, a usar
meios eticamente censuráveis incompatíveis com o seu estatuto e servidor da
justiça. (Ac. do STJ de 29/08/2009).
- exemplo: os honorários correspondem a 10% do valor recuperado nas acções de
cobrança de dívidas – é quota litis.
Em Espanha, desde 2008 que foi decretada o fim da proibição da quota litis, em
prol da liberdade de negociação dos honorários entre cliente e ADV
• Art. 106º nº 3:

A prática do sucess fee (prémio de resultado), criticada por alguns autores por
poder conduzir os advogados a situações do tipo eat as much as you can kill e ser
susceptível de confusão com a proibida quota palmarium (fixação antecipada de
honorários suplementares em função de resultados acrescidos)- segundo alguns
autores - foi consagrada com a alteração do Estatuto em 2005 (Lei nº 15/2015).
Desdobra-se em duas partes.
A primeira parte reproduz a primeira parte do ponto 3.3.3. do CDAE
O valor do assunto não é o mesmo que o resultado.
Na segunda parte, para além dos honorários fixados, de acordo com os critérios
normais do art. 105º, o resultado obtido também é especialmente considerado e
ponderado. Os honorários variam em função deste, que funcionam como elemento
gerador de um extra: a majoração.
A majoração compensa o mérito, constitui um incentivo.
Exemplo: X + 1.000€ caso a acção seja julgada procedente.
X + 10% do valor da acção.

189
Contudo, a majoração não deve ser a parte mais significativa dos honorários. Tem
um carácter complementar.
“É desproporcional, e mesmo contrário ao disposto nos nºs 1 e 2 do art. 101.º do
EOA, fixar previamente honorários ridículos e reservar a “fatia de leão” para a
majoração. Na verdade, sendo proibida a quota litis, seria um negócio celebrado
contra disposição de carácter imperativo facturar os honorários em função dos
outros critérios numa base insignificante e a taxa de sucesso numa percentagem
próxima dos 50% ou superior do resultado obtido. A majoração deverá ser aplicada
em função do resultado obtido, apenas como critério complementar do cálculo de
honorários – Acórdão CDEONTP n.º 239/2005, de 24 de Novembro de 2006.”
Sobre essa questão, António Arnaut, in “Estatuto da Ordem dos Advogados –
Anotado” – 2009 – pág. 126, em nota ao artigo citado, escreve:
“O nº 3 é deontologicamente discutível, constituindo uma grave entorse ou
disformidade da nossa tradição forense.
Deve desdobrar-se em duas partes: a primeira, até à disjuntiva ou, permite
uma quota litis imperfeita ou atípica, pois os honorários não são aferidos por
qualquer dos critérios definidos no art. 100°, traduzindo-se apenas numa
percentagem do “valor do assunto”.
Esta quantificação é mais indecorosa do que a “quota litis” típica, porque na
situação agora legalizada nem sequer há o risco de resultado zero!
A segunda parte admite uma “majoração em função do resultado obtido”, o que é
deontologicamente aceitável, porquanto são considerados os “outros critérios”, nos
quais o resultado obtido é um dos elementos de ponderação.
Em face da natureza anómala do nº 3, este preceito deve ser interpretado, de
acordo, aliás, com a sua própria formulação, no sentido de que apenas se aplica à
“fixação prévia do montante de honorários”, valendo para as situações normais os
critérios enunciados no art. 100º.
Deste modo, e apesar da ampla permissividade do n° 3, inspirado na filosofia
mercantilista dominante, deve considerar-se que continua interdita a
chamada quota palmarium, já proibida pelo Digesto romano.
Trata-se de um misto de quota litis e de fixação prévia de honorários, pois apenas
uma parte destes fica sujeita ao resultado da demanda.
É o que acontece quando se convenciona que os honorários normais serão
acrescidos de uma percentagem do resultado económico obtido.” (sublinhado
nosso).
Em sentido contrário se pronunciam vários autores, entendendo que a regra da
majoração abriu a porta ao “palmario”.
Assim:
- 1ª parte: não há risco de resultado zero: não se atende aos critérios do nº 3 do art.
105º;
- 2ª parte: são atendidos outros critérios.
Não é proporcional ao resultado ou uma percentagem deste, sob pena de se tratar
de uma quota palmarium.

190
• Quota palmarium – uma parte, ou percentagem dos honorários fica sujeita
ao resultado obtido.
Exemplo: acordar que aos honorários normais se acrescente uma percentagem do
resultado obtido. Contra, num caso paralelo, ver parecer nº 3/PP/2021 do CRC in
http://www.OA.pt/cd/Conteudos/Pareceres/detalhe_parecer.aspx?sidc=32346&idc
=1365&idsc=116053&ida=161329
Negociações para venda de um imóvel: 500€ + x do que conseguir a mais. Se não
obter, não recebe essa parte.
É um misto de ajuste prévio e certo dos honorários com a quota litis sobre o
resultado.
A estipulação success fee ou prémio de resultado, no recorte da estipulação
concreta do nº 3 do art. 106º, não pode considerar-se quota palmarium, nem quota
litis (ver o citado Ac. do STJ de 29/09/2009).
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/856ff4335bccd5c
580257640003cd84c
e o Ac. do TRG de 22.03.2011 in
https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/DB2B7649A0CA4590802578C000396295

Contra, Valério Bexiga, in Manual de Deontologia Forense e Carlos Mateus, in


Deontologia Profissional, que entendem que aquela norma vem consagrar e
legalizar a quota palmarium e a grelha de correção da hipótese de exame de 25-
05-2018.

É possível que o ADV se pague antecipadamente? Cfr. A. Arnaut, pág. 118, ob. cit.
Não. Mostra desconfiança perante o cliente e também não respeita os princípios
definidos no nº 105º, nº 3.
E se o cliente muda de ADV? O resultado, o tempo gasto inicialmente previsto, etc.,
é diferente.
Mudança de ADV: art. 112º, nº 2 (dever de cooperação).
Como ensina António Arnault “os resultados atendíveis não são apenas os que se
verificaram enquanto o advogado exerceu o mandato, pois abrangem também
aqueles que era razoável - em termos de causalidade adequada – que se
verificassem a final se não tivesse findado o patrocínio”.
Honorários fixados com base no valor hora:
“Acordado o pagamento de honorários à razão de valor/hora, tal refere-se ao
trabalho intelectual complexo que geralmente caracteriza a actividade do
advogado, não se devendo remunerar pelo mesmo valor o trabalho meramente
burocrático”. Ac. do TRE de 09/11/2017, que também estabeleceu que “os
honorários de advogado devem obedecer ao princípio geral da adequação aos

191
serviços prestados, independentemente da ocorrência de um acordo prévio com o
cliente acerca do seu modo de fixação”.
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/37f550bfa0d2a23
c802581da0042f973?OpenDocument

• Provisões – arts. 103º e 2.3. do CDAE


Convém que sejam pedidas por escrito, face ao regime legal decorrentes da falta
delas e seus efeitos, mormente a nível contabilístico e tributário.
(Ver a presunção do art. 7º, nº 4 do RLH e o nº 3 do art. 103º).
Cfr. ainda o ponto 3.5. do CDAE
Mas se por falta da satisfação da provisão pedida, o ADV pode renunciar ao
mandato, a renúncia deve ser de forma a que o cliente possa obter a assistência
de outro ADV em tempo útil, de modo a não sofrer prejuízos – arts. 100º, nº 2 e
3.1.4. CDAE
(Cfr. hipótese de exame de 02-12-2021).

• Repartição de Honorários - arts. 107º e 5.7. do CDAE


O advogado só pode partilhar honorários com advogados, solicitadores e
advogados estagiários a quem preste colaboração ou tenha prestado colaboração,
ou nas situações de exercício profissional em sociedade multidisciplinar, sendo esta
parte acrescentada com a Lei nº 6/2024.
As limitações legais constituem uma forma de combate à procuradoria ilícita e à
forma de exercício ilegal da profissão e à angariação de clientela.
Arts. 90º, nº 2, al. e), h), 67º, nº 2 e 112º, nº 1, al. f).

(Cfr. hipótese de exame de 07-12-2022).

• Direito de retenção – arts. 101º, nº 3. E 754º CC.


O direito de retenção não pode permitir que o ADV se pague pelas suas próprias
mãos, pelo que incorre em infração disciplinar o ADV que deixe de entregar ao seu
constituinte valor pecuniário em seu poder para se pagar de honorários, cuja conta
não tenha sido previamente enviada e que, sem o seu acordo, deduza estes no
montante do crédito cobrado para lhe remeter apenas o saldo remanescente assim
apurado (art. 115º).
Assim, se faz acordo, obtém valores e deduz o valor dos honorários (sem o acordo
do cliente) constitui infracção disciplinar.
Mas o direito de retenção não lhe dá o direito de fazer o auto-pagamento, como
anteriormente já se referiu.

192
Como direito real de garantia, o ADV terá de propor acção de honorários e dar à
execução os bens e direitos retidos.
Excepção ao direito de retenção: a caução arbitrada pelo C. Regional.
Exemplo do direito de retenção: o livro de Actas de uma sociedade comercial ou de
um condomínio.
Laudo de honorários – arts. 2º e 7º do R.L.H.
Tópicos principais: necessidade de emissão de nota de honorários por escrito; o
pressuposto da existência de conflito sobre a nota de honorários; a competência
para emissão de laudo; a natureza do laudo (parecer técnico); a exclusão das
despesas e encargos no âmbito do laudo (art. 4º do RLH).
Apesar do Laudo de Honorários emitido pela Ordem dos Advogados, estar sujeito
ao geral e comum princípio da livre apreciação do tribunal, sendo um facto
instrumental nos termos dos arts. 389º CC e 5º, 591º e 655º, nº 1º, CPC, não pode
negar-se-lhe o valor informativo próprio de qualquer perícia, nem, de todo o modo,
arredar-se o respeito e atenção que deve merecer, dada a especial qualificação de
quem o emite - cfr, o citado Ac. do T. Rel. Guimarães de 22/03/2011 in:
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/DB2B7649A0CA4590802578C000396295
“Para determinação do seu valor probatório não pode deixar de se tomar em conta
que foi elaborado por profissionais do mesmo ramo de atividade, eleitos pela
assembleia geral da mesma Ordem, o que faz pressupor que possuem elevados
conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre o
montante dos honorários devidos. A credibilidade que merece o laudo de
honorários, só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente
fortes que abalem aquela credibilidade.” (Ac. STJ de 15-04-2015).
Se os serviços foram ou não prestados, a prescrição, compensações, falta de
prestação de contas, etc., não são da competência da OA mas dos tribunais.
Há quem entenda que mesmo que haja convenção de honorários, não se exclui a
emissão do laudo, face ao art. 105º, nº 1 e 2, pela necessária adequação dos
honorários pelos serviços efectivamente prestados.
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/0e8389f4b4d540
40802579ac003a353c?OpenDocument
Ac. de 07-02-2012 da Rel. de Coimbra:
Os honorários poderiam, a coberto da “convenção prévia”, assumir, sem
possibilidade de controlo técnico algum, carácter exorbitante, desproporcionado,
com onerosidade excessiva e sem qualquer correspondência nos serviços
efectivamente prestados.
No mesmo sentido o Ac. do TRL de 20/12/2020:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/3f1b399d19c0369
a8025865c004fb023?OpenDocument
No caso dos serviços prestados pelo ADV, o seu valor poderá oscilar mediante
diversas condicionantes, tratando-se de um real juízo de proporcionalidade,
determinando que estes valores não podem ser desmesurados nem
193
inibidores, independentemente de qualquer ajuste prévio que tenha existido entre
as partes.
Em sentido contrário, o Ac. Rel. Évora, 08-02-2008:
http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/8f86ec01e26001a
a80258239003caa5f?OpenDocument
Nele se defende que o acordo entre as partes é uma decorrência do princípio da
autonomia privada e do primado da liberdade contratual.
Em reforço dessa posição poderá ainda dizer-se que a redacção dada ao art. 1158º
CC, acima transcrito, não impede o acordo das partes.
Por outro lado, também o art. 105º do EOA não impede a fixação de honorários por
acordo das partes, desde que esse acordo não integre o conceito de quota litis, ou
seja, não fique única e exclusivamente dependente do resultado da questão.
“Não obstante não existir uma hierarquia entre os elementos de ponderação
previstos no art. 100º, nº3 do EOA, há que aceitar que, perante as circunstâncias
concretas de cada caso, uns possam assumir maior relevância que outros, sendo
certo que, segundo a nossa jurisprudência, o tempo gasto pelo advogado e a
dificuldade do assunto, normalmente, são os elementos mais decisivos, já que
reflectem a complexidade da causa e o esforço despendido pelo advogado para
solucionar o problema, devendo ser relegado para um plano secundário o resultado
conseguido.” Ac. do TRG de 22.03.2011, acima citado.
Questão diferente é se o cliente pagou os honorários. Daí decorre que, se pagou,
não há conflito, logo não há lugar à emissão do laudo – art. 7º, nº 1 do R.L.H.
Conta de honorários – art. 5º do R.L.H.
O ADV não é obrigado a apresentar a nota de honorários e despesas, salvo se este
lhe pedir.
O ajuste prévio, desde que reduzido a escrito, dispensa a apresentação da conta
de honorários ao cliente (art. 105º, nº 2)
A apresentação da nota é condição sine qua non para o ADV poder obter a emissão
de laudo (art 7º RLH) e invocar o direito de retenção (art. 754º CC) sobre os valores,
objectos ou documentos do cliente que se encontrem em seu poder (art. 101º, nº
3). Também poderá propor a acção de honorários.
A acção de honorários implica um juízo com uma certa componente de
discricionariedade, à míngua de critérios legais precisos para a sua fixação, já que
para além da ponderação dos requisitos constantes do art. 105º, impõe que se
atenda ao laudo da OA e se considerem critérios de equidade.
Quer na elaboração da acção, na prova a produzir, quer na elaboração da
respectiva Nota (que contém a discriminação dos serviços prestados – art. 105º, nº
2 e art. 3.4 CDAE) deve o ADV acautelar o segredo profissional a que está
vinculado, que é estabelecido, fundamentalmente, no interesse do cliente (art. 92º,
nº 1 e art. 2.3.2 CDAE).
Deve, pois, evitar a referência concreta e detalhada dos serviços prestados.

194
Contudo, a obrigação de segredo profissional também cessa em tudo quanto seja
absolutamente necessário, para a defesa da dignidade, direitos e interesses
legítimos do próprio advogado, mediante prévia autorização do presidente do
conselho regional respectivo, com recurso para o bastonário, nos termos previsto
no respectivo regulamento (art. 92º. nº 4).
Os juros eventualmente devidos pelo atraso no pagamento de honorários, nos
termos gerais, são os civis e não os comerciais, pois a actividade do ADV não é
comercial, mas consiste na prática de actos civis.
Dispõe o artigo 317º, e sua alínea c), do Código Civil que “prescrevem no prazo de
dois anos (...) os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões
liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes”.
Tal previsão reporta-se a prescrições presuntivas, as quais, como referido no artigo
312º do mesmo código, se fundam na presunção do cumprimento, dispensando,
assim, o devedor, da prova deste, prova que poderia ser-lhe difícil, dada a ausência
de quitação.
A presunção de pagamento por parte do devedor faz deslocar o ónus da prova do
não pagamento para o credor (o Advogado).
Existe manifestamente uma contradição entre a norma do art. 19º, nº 2 do RLH e
as dos arts. 6º, nº 1 e 44º, nº 1 EOA, e que levanta a questão que se resume em
saber se do laudo de honorários emitido por uma secção do Conselho Superior
cabe - ou não - recurso hierárquico para o Pleno do Conselho Superior.
No sentido de que prevalece o disposto nos arts. 6º e 44º, veja-se o Ac. do TAF do
Porto de 31/10/2019, in

http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/1b04fb6ff31822
9d802584c6003ba609?OpenDocument

Hipóteses de exame: 29-04-2011; 05-12-2014; 02-12-2015; 20-05-2016; 21-07-


2017; 19-01-2018; 25-05-2018, 07-06-2019, 16-10-2020; 02-11-2020; 05-12-2020;
31.05.2020; 02.06.2021; 07.06.2022; 09.06.2022; 05.12.2022; 07.12.2022;
09.06.2022;13.12.2023.

31. Valores e documentos dos clientes


Art. 96º
Se o ADV souber que a coisa entregue pelo cliente proveio de crime, deve recusá-
la a recebê-la, sob pena de ser acusado de crime de favorecimento pessoal (art.
367º CP).
O ADV actua como depositário.
Direito de retenção: hipótese de exame de 28-10-2016.
Fundos dos clientes – arts. 97º e 102º.
Ver ponto 3.8 do CDAE

195
Visa evitar compensações do Banco, por falta de provisão ou dívidas, penhora de
bens do ADV, etc.
O Regulamento ainda não foi aprovado.
Não se aplica às provisões para honorários, pois não são despesas. Em caso de
dúvida presume-se que o adiantamento em dinheiro foi a título de provisão para
honorários. – art. 7º, nº 4 do RLH.

32. Os deveres de lealdade, urbanidade, correção, solidariedade, cooperação


no relacionamento do ADV com a Ordem, Tribunais, Clientes, Colegas e
Testemunhas

Como refere o Preâmbulo do CDAE a função do ADV de defesa do cliente mas


também de uma boa administração da justiça impõe-lhe uma diversidade de
obrigações legais e morais, muitas vezes conflituantes, perante o cliente e outras
entidades, incluindo o publico em geral, “para o qual a existência de uma profissão
livre e independente, auto-regulada por normas vinculativas, é um elemento
essencial para a defesa dos direitos humanos face ao poder do Estado e a outros
instalados na sociedade”.

I – A relação com as testemunhas

Arts. 90º, nº 2, al. a) e 109º.


Visa evitar a distorção da verdade, quando o ADV está obrigado a ela – art. 88º -
dever de integridade - ponto 2.2.do CDAE e art. 90º, nº 2, al. a).
Os advogados não devem promover diligências prejudiciais para a correcta
aplicação da lei ou a descoberta da verdade.
No relacionamento com os tribunais, os advogados devem pautar a sua conduta
com diligência e lealdade (art. 108º).
O compromisso com a verdade e com o direito exige da parte dos advogados uma
conduta profissional baseada no respeito pelos princípios da integridade,
cooperação, boa fé processual, lealdade e de correcção.
O ADV apenas pode estabelecer contactos com as testemunhas com a finalidade
de procurar averiguar os factos em relação ao objecto do litígio.

II - Dever de urbanidade (95º) e correcção

Art. 110º: o seu nº 1 reforça a consagração do dever de urbanidade no exercício


concreto do patrocínio judiciário.

196
Corolário do seu papel como participante na administração da justiça (arts. 88º, nº
2 que impõe o dever de retidão e cortesia e 90º).
Em contraponto, tem o direito a tratamento compatível com a dignidade das funções
que exerça (art. 72º, nº 1).

Arts. 95º, 96º, 108º, 110º, 111º, 112º, nº 1, als. a), b) e g).

O estatuído no art. 96º aplica-se mesmo em caso de pedido reconvencional.


Deve revestir a forma escrita e nos actos de natureza secreta ou urgente, a
comunicação deve ser posterior.

Artigo 604.º CPC:

Tentativa de conciliação e demais atos a praticar na audiência final


1 - Não havendo razões de adiamento, realiza-se a audiência final.

6 - O advogado pode ser interrompido pelo juiz ou pelo advogado da parte contrária,
mas, neste caso, só com o seu consentimento e o do juiz, devendo a interrupção
ter sempre por fim o esclarecimento ou retificação de qualquer afirmação.
• Actos dos magistrados

Artigo 150.º Manutenção da ordem nos atos processuais

1 - A manutenção da ordem nos atos processuais compete ao magistrado que a


eles presida, o qual toma as providências necessárias contra quem perturbar a sua
realização, podendo, nomeadamente, e consoante a gravidade da infração, advertir
com urbanidade o infrator, retirar-lhe a palavra quando se afaste do respeito devido
ao tribunal ou às instituições vigentes, condená-lo em multa ou fazê-lo sair do local,
sem prejuízo do procedimento criminal ou disciplinar que no caso couber.

2 - Não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações


indispensáveis à defesa da causa.

3 - O magistrado faz consignar em ata, de forma especificada, os atos que


determinaram a providência.

4 - Sempre que seja retirada a palavra a advogado, a advogado estagiário ou ao


magistrado do Ministério Público, é, consoante os casos, dado conhecimento
circunstanciado do facto à Ordem dos Advogados, para efeitos disciplinares, ou ao
respetivo superior hierárquico.

5 - Das decisões referidas no n.º 1, salvo a de advertência, cabe recurso, com efeito
suspensivo da decisão.

197
6 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o recurso da decisão que retire a
palavra a mandatário judicial ou lhe ordene a saída do local onde o ato se realiza
tem também efeito suspensivo do processo e deve ser processado como urgente.
7 - Para a manutenção da ordem nos atos processuais, pode o tribunal requisitar,
sempre que necessário, o auxílio da força pública, a qual fica submetida, para o
efeito, ao poder de direção do juiz que presidir ao ato.

Não põe em causa o direito de protesto (art. 80º EOA).


Art. 90º, nº 1 e 2, al. a).

O ADV está autorizado ao emprego de expressões enérgicas, veementes,


vibrantes, consoante a natureza do assunto e o temperamento emocional de quem
as profere, mas sempre com serenidade e compostura. A lide forense é uma luta
áspera e viril, que nem sempre se compadece com punhos de renda.

O Advogado deve procurar evitar actos irreflectidos, praticados num momento de


exaltação e muito menos actos premeditados, como sejam através de peças
escritas.

Art. 151º, nº 6 e 7 do CPC:


….
6 - Se ocorrerem justificados obstáculos ao início pontual das diligências, deve o
juiz comunicá-los aos advogados e a secretaria às partes e demais intervenientes
processuais, dentro dos trinta minutos subsequentes à hora designada para o seu
início.
7 - A falta da comunicação referida no número anterior implica a dispensa
automática dos intervenientes processuais.
Não é considerada falta de correção, urbanidade e lealdade para com os
magistrados o facto de o ADV se ausentar da diligência judicial se, ocorrendo
justificados obstáculos ao início pontual das diligências, o juiz não os comunicar ao
ADV dentro dos 30 m subsequentes à hora designada para o seu início.

Artigo 545.º CPC - Responsabilidade do mandatário

Quando se reconheça que o mandatário da parte teve responsabilidade pes-


soal e direta nos atos pelos quais se revelou a má-fé na causa, dar-se-á conheci-
mento do facto à respetiva associação pública profissional, para que esta possa
aplicar sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e in-
demnização que lhe parecer justa.
Cfr. o art. 121º EOA.
Arts. 7º, 8º e 9º CPC.
Art. 96º EOA (dever de comunicação).

198
Alberto Luís – Sobre a liberdade de crítica às sentenças judiciais Parecer de 22-10-
2004 do C. Geral:
https://portal.OA.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-
2004/ano-64-vol-i-ii-nov-2004/jurisprudencia-dos-conselhos/alberto-luis-sobre-a-
liberdade-de-critica-as-sentencas-judiciais/

O Caso do Advogado Joaquim Pires de Lima

Uma vitória póstuma de Kiki Pires de Lima – Opinião de Francisco Teixeira da Mota,
in Público 14-02-2019.
“Joaquim (por todos conhecido como Kiki) Pires de Lima foi um notável advogado
de Cascais que morreu em 26 de Março de 2017. Bem conhecido por todos os que
advogavam na barra dos tribunais, era um adversário temível, inteligente, truculento
e criativo. (Para quem o queira conhecer, aconselho a excelente entrevista de
Anabela Mota Ribeiro (em https://anabelamotaribeiro.pt)
Após o 25 de Abril de 1974, Kiki propôs uma acção defendendo a ilegalidade e
inconstitucionalidade da obrigatoriedade da inscrição na Ordem dos Advogados –
ganhou na 1.ª instância mas veio a perder em recurso.”
http://www.OA.pt/upl/%7Bdbda350c-7e53-44b3-a4d8-14c7ffcac800%7D.pdf
“A primeira condenação de Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
(TEDH), em 1984, no caso Guincho contra Portugal, por violação do direito à justiça
em tempo razoável, deve-se a Kiki Pires de Lima e, na data da sua morte, tinha
pendente no TEDH uma queixa contra o Estado português por violação da
liberdade de expressão. Neste caso, não era o advogado no processo: era ele
próprio o queixoso e quem o representava era o advogado Ricardo Sá Fernandes.
No dia 1 de Março de 2007, Joaquim Pires de Lima tinha dirigido uma participação
ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) visando o juiz num processo,
afirmando que o comportamento do juiz não fora imparcial, tendo favorecido a
empresa ré e o seu sócio gerente, referindo factos concretos que, no seu entender,
revelavam uma conduta “grosseira e parcial”. Para Pires de Lima, era evidente que
havia um conluio entre o juiz em causa e a empresa ré e o seu gerente com o intuito
de os favorecer e prejudicar a sua cliente e por isso mesmo pedia ao CSM a
abertura de um inquérito e de um processo disciplinar contra o juiz dado que, no
seu entender, existiam fortes indícios de corrupção da parte do magistrado em
causa, mais solicitando que se investigasse o património do referido magistrado e,
ainda, com que meios adquirira a casa em que habitava.
No dia 22 de Maio de 2007, o CSM, depois ouvir, em sede de inquérito, o juiz em
causa, considerou não ser necessária qualquer outra diligência e concluiu pela
inexistência de indícios de actuação parcial do magistrado, arquivando o processo.
O juiz visado apresentou, então, em tribunal uma acção civil contra Pires de Lima,
queixando-se que tinha sido atingido na sua dignidade e honra, tanto pessoal como
profissional, e pedindo a condenação no pagamento de uma indemnização de 150
mil euros. Após variadas peripécias processuais, o Supremo Tribunal de Justiça,
em 17 de Abril de 2012, condenou o advogado Pires de Lima a pagar uma

199
indemnização ao juiz no valor de 50 mil euros – o valor que os tribunais atribuem
para indemnizar uma vida humana no caso de um homicídio...
Pires de Lima queixou-se ao TEDH de não ter tido um julgamento equitativo, dado
que nunca lhe tinha sido permitido fazer prova dos factos respeitantes ao juiz que
alegara na sua queixa e, ainda, de ter sido violada a sua liberdade de expressão
ao ver-se condenado pela utilização das expressões duras, até excessivas, mas
que considerara necessárias ao exercício do seu direito, e até dever, de denúncia
exercido no local próprio: o CSM.
Tendo Kiki Pires de Lima morrido durante a pendência da queixa no TEDH, o
Governo português opôs-se a que a queixa pudesse ser prosseguida pelos
irmãos e sobrinhos, tendo em conta que a maioria deles renunciara à herança Da
parte dos familiares foi comunicado ao TEDH que não pretendiam qualquer
indemnização, mas tão-somente que o processo prosseguisse para se determinar
se a condenação do irmão e tio a indemnizar em 50 mil euros o juiz em causa tinha
violado ou não a sua liberdade de expressão. Era uma homenagem que lhe
pretendiam prestar.
E, na passada terça-feira, o TEDH, no caso Pais Pires de Lima v. Portugal, declarou
que Portugal violara a liberdade de expressão de Pires de Lima, embora aceitando
existirem motivos para sancionar as acusações e as expressões duras que
utilizara. Mas a condenação numa indemnização de 50 mil euros era excessiva:
violara não só a sua liberdade de expressão, como era apta a produzir um efeito
dissuasor para todos os advogados, nomeadamente quando estão a defender os
interesses dos seus clientes. Uma vitória para todos os advogados e uma merecida
homenagem a Kiki Pires de Lima.”

Portugal condenado por violação da liberdade de expressão


Público, 12-02-2019
“A justiça portuguesa voltou a ser condenada no Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos por violação da liberdade de expressão. Desta vez, está em causa um
caso que envolvia o advogado Joaquim Pires de Lima, que morreu em 2017. Era
irmão de um antigo bastonário dos advogados.
Conhecido pela sua personalidade truculenta, em 2007 Pires de Lima envolveu-se
num litígio com o juiz Rui Penha, com quem lidara num processo judicial cível de
um cliente seu contra a Câmara de Cascais. Numa participação disciplinar que
apresentou ao Conselho Superior da Magistratura, acusou o magistrado de
parcialidade, tendo chegado a falar em fraude e em corrupção da parte deste. E
pediu ao órgão responsável pela disciplina dos juízes que averiguasse o assunto.
O Conselho Superior da Magistratura arquivou o caso, tendo o juiz, na sequência
destas acusações, desencadeado uma acção em tribunal contra o advogado, na
qual lhe pedia uma indemnização de 150 mil euros por atentado à sua reputação.
E a justiça acabou por lhe dar razão em 2009, muito embora tenha fixado a
indemnização em apenas 50 mil euros. Perante um recurso de Pires de Lima e
também do juiz, o Tribunal da Relação de Lisboa aumentaram o montante a pagar
para 100 mil euros. O Supremo Tribunal de Justiça voltou a descer a indemnização
para os 50 mil euros da primeira instância.
Esta terça-feira o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu que a justiça
portuguesa teve, de facto, razão em condenar o advogado, uma vez que foi incapaz

200
de apresentar quaisquer indícios de corrupção por parte do juiz. Mas entendeu
também que o montante da indemnização fixada foi excessivo. “Especialmente
porque a acusação não foi feita de forma pública, mas somente numa carta dirigida
ao Conselho Superior da Magistratura”, disseram os juízes de Estrasburgo. Carta
essa, recordam, que era suposto ser confidencial. Por isso, este constrangimento
à liberdade de expressão do advogado revelou-se não ser “necessário numa
sociedade democrática”.
Como representante legal de Joaquim Pires de Lima neste caso, Ricardo Sá
Fernandes recorda que este não foi um advogado qualquer: “Foi pioneiro a
apresentar queixas contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos” nos primórdios desta instituição.
Mais tarde, depois de a justiça portuguesa o ter condenado neste caso, “viveu os
seus últimos anos de vida amargurado, por não ter forma de pagar esta vultuosa
indemnização”. Acabou por ver parte da sua reforma penhorada
A violação da liberdade de expressão é uma das infracções aos direitos humanos
pelas quais Portugal mais vezes tem sido condenado pelos juízes de Estrasburgo.”

- Vá-se queixar ao Totta!” - Juiz Francisco Henriques.


https://www.youtube.com/watch?v=TQwQ5QpdlDQ&ab_channel=MiguelS%C3%A
1
(sobretudo a partir do minuto 22).

- Art. 4º CDAE

III - Relações entre Advogados (art. 111º e segs.)

Arts. 92º (segredo profissional), 95º (dever de urbanidade);


Art. 96º (dever de comunicação), que se prende com o dever de solidariedade
profissional, cordialidade e urbanidade. Cede perante os interesses legítimos do
cliente. Cfr. pontos 2.7. e 5.1.1. do CDAE.
- Art. 5º CDAE
Paz às pessoas, guerra às ideias, lá diz o provérbio.
Os colegas são para sempre, os clientes vão e vêm.
No entanto, como refere Fernando Sousa Magalhães, a norma do art. 111.º, não
obstante não contenha “a referência contida na parte final do ponto 5.1. do CDAE,
deve entender-se que, por mais relevantes que sejam os deveres deontológicos
perante os Colegas, não podem eles sobrepor-se, em caso de colisão, aos deveres
para com os clientes, já que nestes assentam os pilares de todo o edifício da deon-
tologia do advogado”.

201
A boa relação entre ADV é indispensável para uma boa administração da justiça e
composição do litígio.

Art. 208º CRP – imunidades civil e penal para todas as declarações indispensáveis
à defesa da causa. Aquilo que não excede o razoável em termos de sentimento
social dominante.
O ADV deve evitar ataques pessoais, deprimentes ou descorteses.

Exemplos: requerimento apenas com estes dizeres: “????”,“o alegado provocou-


me um ataque de hilaridade incontinente”, “descaramento”, “asnático”, “mente com
quantos (poucos) dentes tem na boca”, etc.

O ADV não deve pessoalizar as questões nos Advogados, não implicá-lo no litígio.
As relações profissionais são independentes das pessoais.
Afigura-se também que as injúrias dirigidas a um colega prejudicam o prestígio da
advocacia – art. 91º, al. a).
Num caso em que o ADV seja alvo desse tipo de ataques, deve entrar em contacto
com o Colega que o fez, a fim deste se retratar tanto junto de si, como de quem
presenciou o mesmo, relativamente às afirmações proferidas a seu respeito
(primeira parte da alínea a) do n.º 1 do art.º 112º). Não se retratando, deverá efetuar
a comunicação – nos termos do art.º 96º do E.O.A – da intenção de participar
disciplinarmente do Colega, a ser apresentada no conselho de deontologia da
região na qual este tem o seu domicílio profissional – alínea a) do art.º 58º.
Há que ter ainda em consideração a problemática resultante do ADV actuar em
causa própria, em que a independência e objectividade que é exigível ao ADV tem
tendência a perder-se.

IV - Dever de solidariedade

ADV não existe sem outro ADV, face ao princípio do contraditório consagrado no
nosso sistema processual.
Constitui uma manifestação da dignidade e probidade moral própria para se
manterem com o título de advogados.
O reforço da solidariedade entre os Advogados é uma das atribuições da OA – al.
f) do art. 3º.
Ver ponto 5.1. do CDAE
Deve respeitar e fazer respeitar o ADV pelo cliente e defender o colega em outras
situações de abuso ou ilegalidade (sendo testemunha dele, p. ex.).

202
Arts. 110º, nº 2, 111º e 3º, nº 1, al. f), 112º, nº 2 (mas se o ADV anterior pretende
aproveitar-se disso para cobrar honorários imoderados, não existe esse dever.
Pede o laudo e antes faz esforços junto do cliente para a resolução amigável do
conflito).
Constitui eventualmente uma violação do dever de solidariedade entre os
advogados a situação dos advogados que contribuem para as despesas da O.ADV
e Caixa de Previdência, pagando pontualmente as quotas e contribuições
respectivas e outros que ostensivamente o não fazem.
A solidariedade, entendida em sentido latu constitui um dever essencial do ADV
para com o cliente, do qual decorre o dever de zelo e de lealdade a que também
está vinculado.

V - Dever de reserva ou confidencialidade

Dever de não se pronunciar publicamente sobre as questões que lhe estão


confiadas ou a outros colegas – arts. 93º e 112º, nº 1, al. c).
A regra de ouro do exercício da advocacia é o advogado não se pronunciar em
público ou em privado sobre assuntos profissionais pendentes. A isso obriga o
princípio da integridade consagrado no art. 83.º do EOA, ponto 2.2 do CDAE e nos
arts. 86.º, a), 87.º, n.º 1, 88.º, n.º 1 e 107.º, n.º 1, c) do EOA.
2ª consulta a outro ADV é possível? Sim, mas desde que seja uma mera opinião e
não lhe seja confiado o assunto (art. 112º, nº 2).
Sobre um outro prisma – o do dever de guardar segredo - veja-se também o
disposto no art. 113º.

VI - Dever de lealdade

- CDAE, ponto 4.2. (dever de boa-fé e lealdade processual).


- Arts. 108º e 112º, nº 1, als. c), d) e e).
- Art. 90º, nº 2, al. a) para não influenciar a causa e por estar vinculado à verdade
e ao direito.
- Art. 545º CPC – má fé imputável ao próprio ADV, sendo dado conhecimento à OA
para que esta possa aplicar a sanção respectiva e condenar o mandatário na quota-
parte das custas, multa e indemnização que lhes parecer justa, respeitando-se
assim o segredo profissional, o que não aconteceria se a defesa fosse apresentada
perante o juiz.
O disposto no art. 91º, al. f) é um dever para com a OA mas também entre o ADV
e o AE
O local da reunião entre advogados deve ser o do escritório do ADV mais antigo
(88º, nº 1).

203
O dever de lealdade inclui um dever de honestidade, que implica uma obrigação de
abstenção por parte do advogado de qualquer comportamento susceptível de
colocar em crise a relação de confiança que deve pautar as suas relações com as
demais entidades com quem se relaciona, enquanto corolário da boa-fé.
Na comunicação a que faz referência o art. 96º e que é uma emanção do dever de
solidariedade profissional, não deve o ADV subtrair-se aos seus deveres de
correção e urbanidade junto do colega, devendo abster-se de qualquer ataque
pessoal, alusão deprimente ou crítica desprimorosa, de fundo ou de forma – alínea
a) do n.º 1 do art.º 112º.
O dever de lealdade deve ceder, em caso de conflito de deveres, perante o dever
para com o cliente, já que neste assenta todo o pilar da deontologia do advogado
(confiança, segredo profissional).
Exemplos:
- ADV que pede ajuda ao colega da parte contrária, por não ter junto rol
oportunamente e querer invocar o justo impedimento).
- Fazer acordos sabendo que o cliente não irá cumpri-los. É uma deslealdade, uma
actuação ardilosa.
- Não revelar perante o tribunal quaisquer negociações malogradas em que tenha
intervindo ADV, para não influenciar o juiz. Acresce que,
O segredo profissional está também em conexão com a lealdade e confiança
devidas não só ao cliente, como também aos colegas.
- Não aceder ao gabinete do juiz, para o procurar e discutir o processo. Não deve
ingerir, nem procurar influenciar as decisões do Juiz.
- Não faltar à palavra dada ou aos compromissos assumidos.
O ADV que recebe o substabelecimento e não o junta ao processo, nem informa o
colega antecessor da representação do cliente, viola os deveres de solidariedade
e lealdade.
Correlativamente, também e à cautela deve o ADV que substabelece em um outro
colega confirmar que o substabelecimento foi atempadamente junto ao processo,
nomeadamente nas situações em que tal ocorre para uma diligência com data
marcada.

VII - Dever de cooperação


Arts. 7º e 417º CPC.
É a matriz ideológica do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por
força no art. 4º do CPP.
Visa a descoberta da verdade e a todos obriga, incluindo as partes. Visa também
fornecer esclarecimentos sobre factos pertinentes e a celeridade da justiça (art. 90º,
nº 1).

204
Deve relacionar-se, designadamente, com o segredo profissional – art. 92º - que o
limita (cfr. os nº 3 e 4 do citado art. 417º CPC). Assim, a título de exemplo, não deve
o ADV depor como testemunha relativamente a factos abrangidos pelo sigilo.

Artigo 7.º CPC:


Princípio da cooperação
1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários
judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com
brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.

2 - O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus


representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os
esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes
e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.

- Pontos 5.2.1 e 5.2.2. CDAE


Uma questão sensível na relação com os juízes prende-se com o adiamento das
datas designadas por estes para a realização das diligências, face à faculdade de
substabelecimento por parte do ADV (art. 44º, nº 2 CPC, invocando-se muitas
vezes esse direito para indeferir o pedido de adiamento.
Sobre o instituto do substabelecimento e essa temática em particular, vide supra
sobre o mandato forense no capítulo dedicado aos actos próprios.

VIII - Relações do ADV com a Ordem dos Advogados

Arts. 71º e 91º.


Uma Ordem forte, tem que assentar na união dos advogados com um corpo único
agregador e focado nas suas atribuições, designadamente na defesa dos direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos e na defesa do estado de direito democrático.
Constitui dever do Advogado para com a Ordem dos Advogados, nos termos da
alínea a) do artigo 91.º do Estatuto, não prejudicar os fins e prestígio da Ordem dos
Advogados e da advocacia.
Tal não significa que o ADV não possa criticar a OA e os seus órgãos, pela sua
actuação ou omissão, sob pena de o condicionar na sua liberdade de expressão e
independência, ou mesmo amordaçando-o.
Contudo, a defesa da Advocacia faz-se pela valorização da profissão e da imagem
do Advogado. Cabe ao próprio ADV a responsabilidade de dar o melhor contributo
para melhorar a reputação e dignidade da classe.

205
O ADV, como já se referiu a propósitos dos seus direitos profissionais, pode
requerer a intervenção da OA para defesa dos seus direitos ou dos legítimos
interesses da classe, como por exemplo, a dignidade da advocacia (arts. 71º e 5º).
Efectivamente, constitui, também, obrigação da Ordem dos Advogados, enquanto
associação pública representativa dos profissionais que em conformidade com a
normas do EOA e demais legislação aplicável, exercem a advocacia, a salvaguarda
do prestígio e do bom nome da Ordem dos Advogados, da dignidade e do prestígio
profissional de todos os Advogados que condignamente exercem a profissão.
A OA integra desde 2023 no seu seio uma Comissão dos Direitos e Prerrogativas
da Advocacia (CDPA), que visa aproximar a OA “dos problemas reais e quotidianos
dos/as advogados/as, intervindo de forma célere, assertiva e eficaz, na defesa
dos/as mesmos/as, sempre que houver qualquer entrave ao exercício da profissão
(seja nos tribunais, serviços públicos, plataformas informáticas, etc.).

Hipóteses de exame: 25-03-2015; 02-12-2015; 18-12-2005; 28-10-2016; 21-07-


2017; 17-11-2017; 25-05-2018, 09-12-2019; 04-12-2020, 02.06.2021, 30-11-2021,
02-12-2021 e 09.06.2022.

33. A Publicidade
O que não se conhece não existe.

O desejo da fama ou o medo da novidade do Velho do Restelo.

Enquadramento legal:
- Arts. 60º e 61º da CRP;
DL. nº 330/90 de 23.10;
- Arts. 94º, 88º, 89º, 90º, nº 2, al. h), 91º, al. a) e 92º.
- 2.6. CDAE (versão de 2002).
- LAPP – arts. 32º e 33º.

Estamos perante mais uma questão controversa na advocacia, em que as


divergências são maiores entre os que exercem a advocacia em prática liberal e os
que exercem integrados em estruturas plurais, que dispõem, à partida, de maiores
meios financeiros para custear a publicidade.
Etimologicamente a palavra publicidade deriva do latim publicus, que significa
tornar pública.
Consiste essencialmente numa actividade dirigida à difusão pública de empresas,
produtos ou serviços, através da televisão, rádio, cinema, jornais, net, direct mail,
painéis publicitários, etc. e da sua promoção com vista à sua comercialização.

206
Está definida no Código da Publicidade (DL. Nº 330/90, sucessivamente alterado).
As regras estatutárias aplicam-se também às Sociedades – 94º, nº 5.
A CRP determina que a publicidade é disciplinada por lei (n.º 2 do art. 60.º), que os
consumidores têm direito à informação (n.º 1 do art. 60.º) e consagra a liberdade
de iniciativa económica privada (n.º 1 do art. 61.º).
À luz destes princípios constitucionais, não pode o legislador proibir em absoluto a
publicidade.
Aliás desde o Estatuto Judiciário de 1928 ela era permitida, no seu art. 745º, que
contemplava a possibilidade de afixação de uma tabuleta à porta do escritório ou a
publicação de anúncio nos jornais, com a identificação do ADV
Assim, a publicidade na advocacia não está proibida, mas tem limites legais, para
separar a pura comercialização do exercício profissional dos valores tradicionais
com que o público pode aceder à informação do ADV (desde a velhinha tabuleta
colocada debaixo da janela ou à porta, o boca-a-boca dos clientes, etc.) fixando-se
entre elas a solução mais equilibrada.
O art. 94º tem a seguinte estruturação:
- nº 1: regra geral;
- nº 2: a informação objectiva;
- nº 3: os actos lícitos;
- nº 4: os actos ilícitos;
- nº 5: a situação das sociedades de advogados.

O nº 1 do art. 94º (a extensão e densificação deste normativo muito regulamentador


mostra a dificuldade que o legislador teve em definir normativamente a matéria da
publicidade) estabelece uma hierarquia de valores, em que a publicidade surge em
último lugar.
Os nº 2 e 4, apesar da sua extensão, têm carácter exemplificativo.
- A divulgação do nome do cliente pode constituir violação do segredo profissional
– al. h) do nº 2 – informação com confidencialidade e a própria protecção de dados
do visado, com violação da privacidade (exp. Advogado da Casa Real, de
personalidade ou entidade prestigiada ou poderosa, para evidenciar o seu próprio
mérito e prestígio, numa perspectiva de auto-engrandecimento).
- Caso do navio de cruzeiros, sinistrado em 2012, Costa Concordia – Advogados
que patrocinavam vários passageiros portugueses, defenderam publicamente ser
mais vantajoso que os passageiros portugueses se unissem e que propusessem
em conjunto a acção judicial de responsabilidade extra-contratual, disponibilizando
os seus serviços para tal a outros titulares de interesse idêntico, o que poderia
constituir uma forma sub-reptícia de publicidade, tal como a configuração dos
anuários profissionais que realcem um ou outro escritório de advogados.
- Cartão com fotografia – al. k) do nº 3.

207
- Loja da advocacia ou Balcão Único de Advocacia – vulgarização do exercício da
profissão, como se fosse a prestação de quaisquer serviços ou bens, ao arrepio da
exigência da dignidade, usos e costumes e tradição da classe (cfr. Carlos Mateus,
pág. 181).
A advocacia não é uma actividade comercial, tendo uma dignidade própria, o que
é incompatível com aquela.
- Menção de “reconhecimento de assinaturas”, “procurações”, “certificações de
fotocópias”, “autorizações”, “termos de autenticações”, “contratos”, “escrituras”, em
tabuletas, vitrinas de escritório e anúncios: são serviços correntes que decorrem da
lei por se ser advogado e cujo conhecimento do cidadão se presume. Não é
informação objectiva, mas de publicidade. Não é “área preferencial de actividade”
(al. a) do nº 3.
Os websites na internet, nas redes sociais, ou a página do Linkedin, se forem
vocacionadas para atrair clientes, constituem actos de angariação.
Os advogados que organizem colóquios ou conferências relacionadas com a
prática forense – podem fazer a divulgação dessas iniciativas junto de clientes e
não clientes: al. f) do nº 3.
A divulgação do currículo do ADV é importante, pois o cliente pode, legitimamente,
querer saber da sua experiência. Longe vai o tempo em que o currículo tinha uma
só palavra: advogado.
O mesmo se passa com as newsletters escrita ou digital – al. g) do nº 3, mas não
poderá ser enviada a quem não seja cliente ou cliente que não o tenha solicitado,
pois tal consubstancia o uso de publicidade directa não solicitada, com vista à
angariação e fidelização de clientes.
O anúncio sobre um advogado num spot televisivo, ou num painel de um estádio
de futebol é possível?
Cfr. os arts. 2.6. do CDAE e 94º, nº 4, al. e).
Não é tanto um problema de audiência ou de custos, mas de conteúdo da
informação disponibilizada, que deve ser objectiva, verdadeira, digna e com
proporcionalidade de meios.
A dignidade implica moderação, decoro, proporcionalidade e sobriedade de meios.
Não pode ser um convite ou aliciamento à compra de serviços, ou de publicidade
directa não solicitada (cfr. nº 4, al. e do art. 94º).
Dessa forma também se responderá no caso de um anúncio de advogado através
de uma faixa transportada por uma avioneta junto às praias, ou num estádio de
futebol, que atenta contra a dignidade, o decoro, a sobriedade e a
proporcionalidade de meios que são exigidos ao ADV
O ADV pode informar com verdade, objectividade e dignidade (discrição): ser
informativo é diferente de ser persuasivo.
São vários os actos permitidos de publicidade, tal como, por exemplo (cfr. nº 3 do
art. 94º):

208
- a identificação pessoal, académica e curricular do advogado ou da sociedade de
advogados;
- a morada do escritório principal e as moradas de escritórios noutras localidades;
- a denominação, o logótipo ou outro sinal distintivo do escritório; a indicação das
áreas ou matérias jurídicas de exercício preferencial;
- a referência à especialização, nos termos admitidos;
- os cargos exercidos na Ordem dos Advogados;
- a indicação do respectivo sítio na internet;
- a colocação, no exterior do escritório, de uma placa ou tabuleta identificativa da
sua existência, com a menção à área preferencial de actividade;
- a utilização de cartões nos quais se possa colocar informação objectiva;
- a menção da condição de advogado, acompanhada de breve nota curricular, em
anuários profissionais, nacionais ou estrangeiros;
- a intervenção em conferências ou colóquios;
- a publicação de brochuras ou de escritos, circulares e artigos periódicos sobre
temas jurídicos em imprensa especializada ou não;
- a inclusão de fotografia, ilustrações e logótipos adoptados.

Não podem, designadamente, realizar-se os seguintes actos ilícitos de publicidade


(cfr. nº 4 do citado art. 94º):
- a colocação de conteúdos persuasivos, ideológicos, de auto-engrandecimento, ou
auto-elogiativa e de comparação;
- a menção à qualidade do escritório, por exemplo com a menção de “serviço de
excelência, ou outras formas pomposas de anúncio dos seus serviços;
- a prestação de informações erróneas ou enganosas;
- a promessa ou indução da produção de resultados; e
- o uso de publicidade directa não solicitada, que se insere no campo da
publicidade apelativa, como é o caso da distribuição de cartões profissionais nas
caixas de correio ou o envio de newsletters a quem não tenha solicitado.

Artigo 60.º CRP


Direitos dos consumidores
1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à
formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus
interesses económicos, bem como à reparação de danos.
2. A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de
publicidade oculta, indireta ou dolosa.

209
3 – (….)

Por isso, o simples cartão de visita, anúncio de jornal com o nome, morada e horário
de expediente, bem como a placa ou tabuleta afixada no exterior das instalações
do escritório, em que constem apenas elementos de informação objectiva, como
sejam a identificação da existência de escritório e a eventual especialização do
ADV, não são actos de publicidade e nessa medida não estão sujeitos ao
pagamento de uma taxa camarária, como se um anúncio fosse – nº 2, al. n).
Cfr. os arts. 745º do antigo Estatuto Judiciário e 80º EOA (versão do DL. nº 84/84),
que já assim o permitiam.
A dignidade da profissão e a sua função ético-social (actividade essencial à
administração da justiça), com tutela constitucional – revisão constitucional de 1997
– impõem decoro.
Também o princípio da independência (não agir sob pressão, especialmente do seu
próprio interesse) vai nesse sentido.
Igualmente o princípio da integridade, ao estatuir que o ADV deve ter um
comportamento público profissional adequado à dignidade e responsabilidade da
função que exerce, actuando com moderação, contenção e decoro, estabelece um
limite à publicidade.
A angariação de clientela deve ser procurada pela sua competência e probidade e
não pelo aliciamento de campanhas publicitárias (cfr. art. 90º, nº 2, al. h), baseado
no princípio da livre escolha do advogado e da confiança.
Como refere Maurice Garçon: “A ânsia de publicidade é inimiga do escrúpulo. Não
se deve aceitar uma defesa senão quando é livremente solicitada pelo interessado
e quando este, na escolha, se não tenha determinado por uma publicidade
habilmente dissimulada.”
Os argumentos contrários à publicidade na profissão baseiam-se também no
seguinte:
a) Não se deve enganar o publico (a publicidade é por natureza agressiva ou
propagandística, usando uma linguagem persuasiva, retórica ou promocional,
sendo chamativa, bombástica ou cinematográfica) em que se pretende arrebatar o
homem comum, que não tem conhecimentos jurídicos. Atenta-se contra os
elementos essenciais na escolha de um escritório de advogado, tais como a
credibilidade, confiabilidade, admiração e autoridade técnica sobre o assunto.
– cfr. caso do vídeo das advogadas com escritório na Av. da Liberdade, em Lisboa.
https://www.rtp.pt/noticias/pais/advogadas-promovem-sociedade-em-video-
polemico_v704280 ;
b) Não se deve prejudicar o bom nome da profissão;
c) A publicidade é dispendiosa, o que é uma forma de concorrência desleal
entre colegas, pois só as grandes firmas podem suportar as despesas com a
publicidade. Há que evitar o abuso da posição dominante e proteger a igualdade
de oportunidades.

210
d) Atenta contra a ética profissional (não é uma actividade comercial que visa
essencialmente o lucro) e em que a relação ADV – cliente se funda na livre
confiança, sendo a publicidade um atentado à livre escolha do advogado e ao
segredo profissional.
Veja-se que o próprio termo “honorários” espelha essa tradição. Etimologicamente,
o termo deriva do que dá honra, pois agia-se por honra e idealismo e não por
interesses pecuniários. Na Grécia antiga considerava-se moralmente indigno
receber dinheiro para a defesa. E quando se passou a cobrar honorários, diminui-
los por negociação com o cliente não fazia sentido e constituía até uma ofensa, pois
significava diminuir a honra que era conferida a este, por o ADV aceitar o caso.
A advocacia é um bem de consumo, mas não é uma actividade mercantilista.
Quanto maior fôr a confiança, maior é a publicidade para a obtenção de novos
clientes.
A favor da liberdade de expressão, conta o dever de informação dos clientes sobre
os serviços que podem oferecer os ADV e as normas da concorrência, que é contra
as práticas restritivas à sua liberdade.
Nos EUA, os ADV podem fazer marketing jurídico, abordando directamente os
clientes (embora se estabelecendo prazos para o efeito em casos de morte de
alguém, de sofrimento físico, para se defender das investidas dos ADV – veja-se a
cena inicial do filme O Veredicto, com Paul Newman, em que o ADV, Frank Galvin,
já na fase de decadência da sua carreira, vai ao velório de um pretenso amigo para
poder distribuir o seu cartão profissional à família e acaba por ser expulso do local
quando descoberto – vide cena inicial:

https://www.youtube.com/watch?v=khBjUAo4Pik&ab_channel=MeuTioOscar

Os escritórios americanos, muitas vezes mediante práticas agressivas, podem


distribuir folhetos, fazer propaganda na televisão, distribuir e afixar anúncios por
vários locais, usar os espaços de outdoor, sites e palestras para se promoverem
numa autêntica actuação de marketing, num quadro de um mercado fortemente
concorrencial. É seguramente e também uma questão cultural.
Veja-se também a série da Netflix “Better Call Saul”.
https://www.youtube.com/watch?v=wqnHtGgVAUE

Não se pode tratar o cliente como pessoa frágil, facilmente enganável, mas como
adulto consciente e racional. Não se pode fechar a actividade da realidade
envolvente. Faz parte da natureza humana o exaltar das qualidades pessoais e
profissionais e num ambiente de extrema competitividade, é impossível evitar a
mensagem publicitária.
Face à globalização da economia, a sociedade de informação em que vivemos, a
concorrência de sociedades de advogados estrangeiras o crescendo das novas
tecnologias, nomeadamente a Internet, a maior permissividade, no que concerne à

211
publicidade, das correspondentes normas dos estatutos das ordens de advogados
de outros países europeus, faz com que sejam desadequadas as actuais normas
estatutárias sobre a publicidade.
“A actividade profissional do advogado é uma actividade económica exercida
livremente e em concorrência. A proibição genérica de publicidade a essa
actividade representa, pois, uma violação do princípio constitucional da
proporcionalidade.” Bernardo Diniz de Ayala.
A tendência actual é, manifestamente, a favor da publicidade da actividade do ADV,
com vista a promover a sua imagem e a angariar clientes.
O próprio CDAE tem uma redacção sucinta, mas mais permissiva à flexibilização
da publicidade na advocacia que o nosso Estatuto, de que a redacção do nº 2 do
art. 94º, ainda que de forma prolixa, reflecte.

Conclusões aprovadas no 8º Congresso dos Advogados Portugueses, realizado


em junho de 2018, em Viseu:

“1. O art.º 94.º do Estatuto da Ordem dos Advogados deve manter a sua actual
redacção, uma vez que se vem revelando uma norma equilibrada e razoável no
tratamento da publicidade na advocacia.

2. A Ordem dos Advogados deve elaborar e aprovar um Regulamento da


Publicidade do Advogado que defina da forma mais clara possível os limites da
publicidade e dos respectivos conteúdos, incorporando os princípios reguladores
da publicidade e da legislação da concorrência devidamente adaptados à realidade
social, económica e ética da Advocacia.”

“A advocacia tem por base a confiança e a liberdade. Não terá nem uma nem outra
o advogado que inculcar a prestação dos serviços profissionais. [...] O advogado
serve à justiça, na defesa de interesses privados, excluída toda ideia de comércio
da profissão. Se solicitarmos o serviço do cliente, faltará a este a confiança no
advogado, que não foi livremente escolhido, mas diretamente solicitado. Fica o
cliente com direito de tratar o advogado como subordinado e não como conselheiro.
A dignidade da nossa função exige autoridade e autonomia que não se coadunam
com a captação de clientes”. Ruy de Azevedo Sodré

Um facto é indesmentível: as sanções leves a título disciplinar, como a da


advertência e da censura que são habitualmente aplicadas pelos órgãos
jurisdicionais da OA, não dissuadem o ADV infractor, pois as vantagens com o
eventual aliciamento de clientes são substancialmente superiores aos prejuízos que
decorrem desse tipo de sancionamento e que se concretiza, aliás, muito tempo
depois.

212
Em Espanha é proibida a publicidade que viole o segredo profissional (por exp.
divulgar os nomes dos clientes, mesmo com a autorização dos clientes), incite ao
litígio, seja dirigida às vítimas e prometa resultados.
Na Itália a publicidade deve ser transparente, verdadeira e correcta, não deve ser
comparativa e não pode ser equívoca, enganosa, depreciativa ou sugestiva.
Em França é proibida a publicidade de folhetos, cartazes, filmes, emissões de rádio
ou televisão, inclua qualquer elemento comparativo ou denegridor, seja enganosa
ou que contenha informações contrárias à lei, inexatas ou falsas sobre a natureza
dos serviços e a sua implementação respeitar os princípios essenciais da profissão.
Na Alemanha a divulgação dos clientes é permitida se autorizada pelo cliente.
Admite-se também a indicação da taxa de sucessos (o que pode ser enganador) e
de volume de negócios (pode ser importante para o cliente), se não forem
enganosas, tal como na indicação da especialização.
Na Suécia remete-se para os requisitos do Código da Publicidade e regula
especificamente a publicidade do advogado nas redes sociais.
No Reino Unido, a publicidade é permitida como em qualquer negócio particular,
com as limitações normais existentes para outras actividades.
Conclui-se que o ADV português está em desvantagem face à maior parte dos
colegas de outras jurisdições, designadamente da União Europeia.
Para mais aprofundamento desta matéria veja-se a Conferência promovida pelo
CRL e realizada em 13-12-2021:
https://www.homepagejuridicADVpt/videos/10254-conferencia-publicidade-na-
advocacia-video

Hipóteses de exame: 15/07/2011; 24/04/2015; 21-04-2017; 09-06-2022; 05-12-


2022; 07-12-2022.

34. Discussão pública de processos pendentes

Os preciosos 5 minutos de glória sabendo-se que a notícia, no dia seguinte, já


não o é

Enquadramento legal:
Arts. 32º, nº 2 da CRP e 88º, 89º, 90º, nº 2, al. a), 92º, 93º, 94º, nº 4, al. a), 97º,
nº1m 100º, nº 1, al. b), 108º, 110º e 112º, nº 1, als. a), c) e d) EOA.

À partida, um advogado não pode comentar questões pendentes, casos concretos,


nomeadamente processos judiciais, em que não intervenha, ou seja visado, sendo
uma emanação do dever de reserva que o ADV está obrigado, que visa não

213
influenciar na resolução de um pleito sem ser pelas vias legais ao seu 214ispor, na
proteção do segredo profissional, do segredo de justiça e na não publicidade e
promoção profissional e pessoal.
Na realidade, a regra de ouro do exercício da advocacia é o advogado não se
pronunciar em público ou em privado sobre assuntos profissionais pendentes. A
isso obriga o princípio da integridade consagrado no art. 83.º do EOA, ponto 2.2 do
CDAE e nos arts. 86.º, a), 87.º, n.º 1, 88.º, n.º 1 e 107.º, n.º 1, c) do EOA.
A Advocacia é uma profissão de interesse público, das poucas referenciadas
expressamente no texto Constitucional pelo seu papel na defesa dos direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos, sendo o Advogado, consigna a lei,
indispensável à administração da Justiça. Em consonância com esse interesse e
em ordem à sua salvaguarda, esta é uma profissão fortemente regulamentada, com
especial destaque para o Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), Lei da
República. São obrigações profissionais do advogado a honestidade, a probidade,
rectidão, lealdade, cortesia e a sinceridade.

Então, o que está em causa com esta temática?


É um dever de resposta em defesa do cliente (art. 100º, nº 1, al. b), no âmbito mais
vasto da defesa do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e garantias
fundamentais dos cidadãos (arts. 90º, nº 1, al. a), 91º, al. b) e 3º, al. a) e do dever
de zelo previsto no art. 100º, nº 1, al. b).
Em causa está o bom nome dos cidadãos o que diminui, corrói e abafa os direitos
de defesa. Por isso, ao advogado, no exercício da sua missão de defender os
direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a observância da lei, nomeadamente
no que diz respeito à presunção de inocência e ao respeito que é devido a todos os
cidadãos, é-lhe conferido esse dever de resposta pública.
Constitui um desenvolvimento de princípios mais gerais que norteiam a profissão,
como a protecção do sigilo profissional, a probidade e lealdade do advogado (arts.
108º e 112º, nº 1, als. a), c) e d), ou não concorrência desleal e auto-promoção (os
ambicionados cinco minutos de fama e a sede de vedetismo, mesmo que de forma
indirecta – arts. 88º e 94º, nº 4, al. a), entre outros, em que o ADV enfatiza e alardea
os seus êxitos profissionais ou comerciais, como o ter ganho a causa, ou propiciado
ao cliente a obtenção do negócio ou a sua liberdade.
A confidencialidade, o dever de reserva são deveres estruturantes da profissão face
ao interesse público que prosseguem e a boa administração da justiça, de que o
ADV é um elemento indispensável.

Corolário da independência do ADV é o dever de agir livre de qualquer pressão,


especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências
exteriores, abstendo-se de negligenciar os seus deveres deontológicos no intuito
de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal, a terceiros, ou a si próprio. Ora,
uma das pressões ou influências exteriores que o advogado tem de enfrentar,
prende-se com a mediatização da justiça e as consequentes solicitações dos
“media” para que, muitas vezes em directo, profira declarações, faça comentários,

214
dê entrevistas, desvende tácticas ou estratégias, de defesa ou de ataque, em
processo que lhe esteja confiado.
Tal pressão resulta também de uma cada vez maior transparência na proximidade
com o cidadão, na exigência do direito/dever de informação, para já não falar da
sistemática violação do segredo de justiça.
Efectivamente, no caso de processo crime, comentar publicamente factos
constantes do processo que ainda se encontrem a ser investigados estando o
mesmo sujeito a segredo de justiça, poder-se-á estar perante um crime de violação
de segredo de justiça previsto e punido pelo artigo 371.º do Código Penal.

A existência de blogues especificamente dedicados ao mundo da justiça, a


disseminação das redes sociais, as notícias ao longo de 24 horas, na era da
informação-entretenimento, tornam a justiça mediática, assunto do dia-a-dia,
apresentado de forma exaustiva, um reality-show por vezes como um circo
montado à volta dos tribunais, das cadeias e dos departamentos dos órgãos de
polícia criminal, abastardando a deontologia. Tudo porque the show must go on.
A justiça tornou-se num produto que vende e daí a intensidade com que é noticia.
A regra da proibição da discussão de questões profissionais impõe a autorização
prévia do Presidente do Conselho Regional num controle de legalidade ex ante, e
nas situações excepcionais ali previstas (art. 93º, nº 6) o ADV tem posteriormente
de informar a circunstância e o conteúdo das declarações num controle ex post.
Esse último controle destina-se a permitir a avaliação de tais condutas e conteúdos,
do ponto de vista deontológico e disciplinar, cabendo ao presidente do conselho
regional decidir, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 5 do artº 93º, em
função dos factos relatados pelo advogado, se o exercício do direito de resposta,
naquele caso particular, se justificaria e, consequentemente, se teria ou não
concedido a autorização para o seu exercício, e os termos em que o teria feito.
Visa-se evitar o julgamento popular na praça pública, a discussão exacerbada do
caso pelos advogados antagonistas, num quadro de pugilato argumentatório e com
a preocupação acrescida da preservação do segredo profissional.
Combate o sensacionalismo, a curiosidade espiolheira da vida das pessoas, o
gosto pela desgraça da vida alheia, ao mesmo tempo que enfrenta a notícia falsa e
defende o princípio da presunção da inocência até condenação por sentença com
transito em julgado.
Evita-se também que o advogado mais conhecido publicamente dê junto da
sociedade uma má imagem profissional de si e da classe a que pertence, ao
aparecer uma semana a defender os direitos humanos e o princípio da presunção
da inocência, por defender um arguido e na semana seguinte surja como justiceiro,
mostrando-se chocado com a eventual e indiciada actuação do arguido, por
representar neste caso a vítima.
Evita-se, finalmente, que o A, influencie e pressione o julgador, por via dos
comentários que faça nos media, procurando aliciar a opinião pública em defesa da
sua tese e, indirectamente, pressionar e influenciar aquele no julgamento justo a
dar ao pleito, face ao julgamento popular efectuado.

215
Contudo, “as autorizações concedidas ao abrigo do disposto no do art.º 93º, nº 2,
do EOA são balizadas pelo conteúdo do despacho que as concede, o que se
delimita à estrita defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do constituinte,
nos aspetos jurídico-processuais (e por tal, mormente adjetivos) do processo em
consideração. Deste modo, resulta claro que o conteúdo da autorização não
representa uma “autorização em branco” ou genérica e ampla para a discussão
pública de questões de facto ou de direito relacionadas com o processo em causa,
razão pela qual não se pode conceder que os advogados extravasem a objetividade
necessária e resultante do respetivo pedido e do correspondente despacho
habilitante, desresponsabilizando-se por via da referência à prévia autorização.
Deste modo, dá-se ainda nota que a verificação do cumprimento dessas premissas
compete ao foro jurisdicional dos órgãos próprios da Ordem dos Advogados, caso
se considere em que as declarações extravasaram os limites da autorização
concedida, considerando, ainda, caber ao próprio advogado a perceção dos limites
dessa própria e prévia autorização.” – comunicado do CRL de 15-07-2021 a
propósito da entrevista dada pelo advogado do presidente do Benfica, Luis Filipe
Vieira a uma estação de televisão, relacionada com a operação Cartão Vermelho.

Pelo que o ADV, quando entender necessitar de comentar publicamente um


processo judicial em curso, deve identificar a factualidade concreta a que
pretende reagir, identificando a peça noticiosa da qual aquela resulte, bem
como os direitos e interesses legítimos postos em causa e indicar os termos
em que pretende exercer o direito de resposta, sempre no respeito do dever
de urbanidade e de correcção.

Já os comentários normalmente televisivos dos advogados sobre assuntos judiciais


na ordem do dia, decorrem da responsabilidade social do ADV no sentido de
informar e esclarecer a opinião pública sobre questões jurídicas teóricas ou
práticas, por exemplo sobre o habeas corpus, a requisição civil, declaração de
resolução fundamentada, que estejam em causa nas notícias e que são do
interesse geral.

“Os advogados também são cidadãos. E como cidadãos têm direito a falar sobre a
“res publica”. A dar a sua opinião e a transmitir as suas ideias. Têm, mais, todo o
direito a discutir as questões jurídicas em termos gerais e abstractos, assim como
as magnas questões atinentes ao exercício da justiça, também em termos gerais e
abstractos. O que não podem é discutir, tomando posição, num ou noutro sentido,
dando opiniões, sobre processos pendentes.” Carlos Pinto de Abreu,
“Comunicação, marketing e imagem aa advocacia” in
https://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/comunicacao-marketing-e-
imagem-na-advocacia
Mas como se refere no referido comunicado do CRL de 15-07-2021, “a discussão
pública dos processos judiciais por vários advogados em inúmeros canais da
comunicação social, a maior parte das vezes sem conhecimento dos factos
adjetivos dos mesmos, requer a prudência necessária que, assim não sendo,
devota a advocacia e a defesa dos cidadãos à errónea perceção pública dos

216
processos. A justiça e a defesa dos homens fazem-se nos tribunais e com o recato
que a decência e a honra que todas as pessoas merecem.”
Também nada impede que finda uma causa, se publiquem as respectivas peças
processuais por forma a aprofundamento das leis e instituições públicas, art. 90º,
nº 1) – ver, a título de exemplo, o livro “O Processo Leonor Beleza” do seu advogado
Daniel Proença de Carvalho, com prefácio de Mário Soares, referente ao processo-
crime relacionado com o lote de sangue nº 810536 considerado como responsável
pela contaminação de vários hemofílicos portugueses com o vírus da sida.

“Os advogados devem ou não devem falar publicamente sobre os seus


processos?

Devem sim, e em certos processos com dimensão pública sou de opinião que se o
não fizerem – embora com contenção e sobriedade – não estão sequer a defender
completamente os interesses dos seus clientes, não só porque esses interesses
também são afetados na esfera pública pelas notícias, opiniões e discussão acerca
do caso que os envolve, mas também porque, por muito que não se goste disso ou
se queira fingir que não é assim, o que se passa fora do processo pode afetar o
processo, e várias vezes afeta (sim, afeta). Não vamos a lado nenhum se
continuarmos a suspirar por um mundo que já não existe ou se tivermos tabus ou
ingenuidades sobre a importância da dimensão comunicacional de certos casos e
assuntos de e da justiça.”

A norma no Estatuto da OA faz algum sentido?


A norma do Estatuto deve, a meu ver, ser revista, porque embora já permita alguma
margem para os advogados falarem publicamente sobre casos seus, sobretudo se
interpretada de um modo adequado ao contexto atual, ainda é muito restritiva e
pode ser condicionadora da defesa dos interesses dos clientes na esfera pública e
também no processo (por causa das implicações neles daquela dimensão pública,
como referi).

Inclusive, tenho um livro sobre temas de processo penal para publicar (logo que
tenha tempo e sossego para o acabar – o que rareia, porque tempo e sossego são
cada vez mais bens escassos e de luxo) onde um dos capítulos versa precisamente
sobre isso e onde proponho uma revisão desse artigo do Estatuto, no sentido do
alargamento da permissão de falar em público. Provocatoriamente, dei a esse
capítulo como título “The silence of the lambs” … E, provocatoriamente também,
uma das coisas que aí digo, e aqui repito, é que em Portugal toda a gente fala, fala,
fala sobre certos processos, e pode fazê-lo, menos aqueles que deles sabem
realmente alguma coisa.

E, já agora, que acha sobre os advogados falarem sobre processos dos


outros?

217
Eu tento com empenho não o fazer, recuso quase sempre os convites e as
solicitações. É uma mania minha, que se há-de fazer? Quanto à minha opinião
sobre as falas dos outros, depende. Se for apenas para esclarecer aspectos
jurídicos, teóricos ou práticos, não acho mal, e pode ser útil, sobretudo quando há
muito ruído e/ou muita informação inexacta a circular. Já se for para comentar os
casos em concreto, não acho correcto, e muitas vezes até sai asneira, porque falar
sobre o que não se conhece bem é sempre arriscado. E se for para comentar a
prestação de colegas nos processos, então acho péssimo. Para já não falar nas
implicações deontológicas. Finalmente, quanto às situações em que se fala em
bicos de pés, acho sobretudo muito inestético, pelo menos nos casos em que não
é simplesmente risível.”

Rui Patrício, sócio da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados,
in
https://eco.sapo.pt/entrevista/a-mediatizacao-tem-um-grande-peso-nos-
processos-e-uma-enorme-serventia/

COMUNICADO

“Discussão pública de processos pendentes

Nada impede, do ponto de vista deontológico, que um Advogado emita


publicamente, em termos gerais e abstractos, a sua opinião sobre questões
jurídicas de interesse geral. De resto, constitui dever dos Advogados colaborarem
na prossecução das atribuições da Ordem dos Advogados, as quais incluem,
nomeadamente, a defesa do Estado de Direito e dos direitos, liberdades e garantias
dos cidadãos (art.ºs 85º n.º 1, 86º, alínea b) e 3º, alínea a), do EOA).

Contudo, a possibilidade que o Advogado tem de intervir publicamente sobre


questões profissionais pendentes está limitada estatutariamente. Desde logo, pelo
disposto no art.º 88.º do Estatuto que impede que nos pronunciemos na imprensa
ou noutros meios de comunicação social sobre casos pendentes. A proibição visa
impedir qualquer influência na resolução de um pleito usando outros meios que não
sejam os previstos na lei adjetiva.

Conexa com esta proibição está, evidentemente, o dever de sigilo profissional a


que todos nós estamos vinculados no exercício da nossa actividade profissional,
mas também a proibição de publicidade e de promoção pessoal e profissional (art.ºs
87.º e 89.º n.º 1).

Em matéria de discussão pública de questões profissionais, o regime em vigor


apenas admite que o Advogado se pronuncie publicamente quando tal seja
indispensável à defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do constituinte
ou do próprio Advogado. Mas, ainda assim, mediante a prévia autorização do órgão
competente para o efeito, ou seja, do Presidente do Conselho Distrital
territorialmente competente.

218
Excepcionalmente, em caso de manifesta urgência, o Advogado pode exercer o
direito de resposta, de forma tão restrita quanto possível, no estritamente
necessário à defesa dos direitos e interesses ofendidos, devendo informar, no
prazo de cinco dias úteis, o Presidente do Conselho Distrital competente, das
circunstâncias que determinaram tal conduta e do conteúdo das declarações
proferidas (art.º 88.º, n.º 6). No entanto, o recurso a este procedimento, não
dispensa o Advogado de ter que alegar e justificar o motivo da urgência, o qual se
traduz na circunstância concreta que o terá impedido de solicitar previamente a
autorização necessária.

Por outro lado, a excepcionalidade do regime que torna necessária a obtenção de


prévia autorização para pronúncia pública, exige uma análise casuística perante
uma determinada necessidade concreta, não sendo possível conceder
autorizações genéricas para casos futuros. Na verdade, a autorização, para ser
concedida, tem que se justificar na necessidade concreta e atual de defesa de
direitos e interesses legítimos do constituinte (art.º 88.º, n.º 3). O que aqui se deixa
dito, impede, igualmente, que a autorização recaia sobre peças processuais.

Pelo que, sempre que os Ilustres Colegas entendam necessário exercer o direito
de resposta, deverão formalizar o pedido de autorização prévia de discussão
pública do assunto profissional confiado, nos termos e para os efeitos do disposto
nos n.ºs 2 e 3 do artigo 88.º do EOA, nele devendo:

- identificar a factualidade concreta a que pretendem reagir, identificando a peça


noticiosa da qual aquela resulte;
- identificar quais os direitos e interesses legítimos postos em causa;
- apresentar os termos em que pretendem exercer o direito de resposta.
Só desta forma poderemos preservar deveres profissionais elementares à
manutenção da dignidade do exercício da nossa profissão, como são o dever de
sigilo profissional, a proibição de publicidade e de auto promoção, mas também
pela mesma via, contribuirmos para que não seja posto em causa o direito de
defesa e o princípio da presunção de inocência dos nossos constituintes, exigindo
legitimamente dos restantes operadores judiciários e das respetivas estruturas
diretivas, o cumprimento dos respetivos deveres de reserva e a preservação do
segredo de justiça…”

António Jaime Martins Rui Santos

Presidente do CDL Presidente do C. Deontologia de Lisboa”

Em 7 de Janeiro de 2015.”

Ordem dos Advogados não autoriza defesa de Sócrates a divulgar recurso


Regras deontológicas impedem discussão pública de questões profissionais
pendentes nos meios de comunicação.
16-12-2014, jornal Publico:

219
“O presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Jaime
Martins, não autorizou a defesa do ex-primeiro-ministro José Sócrates a divulgar
publicamente o recurso da prisão preventiva que deverá ser apresentado na sexta-
feira, nem outras peças processuais. Entretanto, esta terça-feira o Supremo
Tribunal de Justiça recusou apreciar o terceiro pedido de habeas corpus de
Sócrates, tentando fechar a porta a outros pedidos feitos à revelia da defesa do
antigo governante.
O advogado de Sócrates, João Araújo, tentou obter uma autorização genérica por
parte de Jaime Martins para poder falar publicamente sobre este inquérito e divulgar
algumas peças processuais. Mas o presidente do Conselho Distrital de Lisboa
recusou o pedido, por entender que o mesmo colide com as normas deontológicas
da profissão, previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados.
Estas determinam que um advogado não deve discutir publicamente questões
profissionais pendentes nos meios de comunicação. A regra visa impedir o
advogado de tentar influenciar decisões, julgando na opinião pública o que compete
aos tribunais. “O julgamento faz-se no tribunal e não é lícito ao advogado tentar
influenciar uma decisão dessa forma extra-processual”, lê-se na
publicação Deontologia Profissional, de Carlos Mateus, formador em cursos de
advogados estagiários. E acrescenta-se: “Usar os meios de comunicação social
para conseguir alcançar objectivos processuais é recorrer a meios desleais de
defesa dos interesses das partes”. Tal significa uma violação do dever de lealdade
previsto no estatuto, que normalmente dá origem a um processo disciplinar.
A única excepção a esta regra é o direito de resposta, justificado para prevenir ou
remediar a ofensa à dignidade, direitos e interesses legítimos do cliente ou do
próprio advogado. Aí, o advogado pode pronunciar-se, desde que previamente
autorizado pelo presidente do conselho distrital competente, neste caso o de
Lisboa. Apenas é dispensada essa autorização se a imagem do cliente ou do
advogado estiver a ser atacada em directo na comunicação social.”
SIC, 25-03.2015:
“O Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados vai abrir um
processo de inquérito a João Araújo, advogado de José Sócrates, disse hoje à
agência Lusa o presidente do Conselho.
Numa reunião plenária realizada na terça-feira, o Conselho de Deontologia de
Lisboa deliberou “determinar (...) a abertura de processos de inquérito a todas as
recentes intervenções e comportamentos públicos de advogados”, lê-se num
comunicado assinado pelo presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa, Rui
Santos.

Segundo o comunicado, o objetivo desta deliberação é “(...) apurar o contexto e as


circunstâncias em que os mesmos ocorreram, tendo como desiderato final saber
se as declarações e comportamentos se inserem no quadro legal que as permite
ou se, pelo contrário, extravasam esse quadro e constituem, ´ipso facto´, matéria
para competente processo disciplinar”.
Questionado pela Lusa sobre se aquele procedimento se reportava a João Araújo,
Rui Santos admitiu que sim, acrescentando não se reportar exclusivamente a esse
advogado.

220
Na mesma nota, Rui Santos afirma que se nos inquéritos determinarem que existe
matéria suficiente para processo disciplinar não hesitará em instaurá-los, conforme
está previsto nos estatutos e na lei.
Na nota, Rui Santos refere ainda que teve conhecimento da reunião de terça-feira
do Conselho de Deontologia de Lisboa, que foi conduzida pela vice-presidente do
Conselho de Deontologia de Lisboa, e que se encontrava agendada desde janeiro.
“Não compactuo com linchamentos públicos”, refere Rui Santos no comunicado,
acrescentando, porém quer “tudo” fará para “honrar os compromissos” com que se
apresentou à classe.
Entre esses compromissos, encontravam-se, e encontram-se, a “defesa pelo
prestígio da advocacia e a crítica a intervenções públicas demasiado frequentes
por parte de advogados sobre processos pendentes sem que tais intervenções
tenham a necessária autorização legalmente prevista por parte do presidente do
Conselho Distrital”.
Rui Santos refere ainda que todas as queixas de “índole disciplinar que evidenciem,
na inerente versão relatada dos factos, indícios de ilícito disciplinar, terão a
tramitação normal própria de um processo disciplinar.
Os comportamentos públicos do advogado de José Sócrates remontam a 16 de
março quando à saída do Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa – que lhe
indeferira um pedido de “habeas corpus” para José Sócrates – disse a uma
jornalista do Correio da Manhã que devia “tomar mais banho” porque cheira mal.”

Bastonário Guilherme Figueiredo defende que advogados falem publicamente dos


seus processos
OBSERVADOR, 06/12/2017

O bastonário dos advogados reconheceu que a comunicação é hoje fundamental


para a justiça e considerou que o advogado do processo “não pode descurar a
defesa do seu cliente no espaço público”. Em entrevista à agência Lusa um ano
depois de ter sido eleito, Guilherme Figueiredo reconheceu que, nesta matéria, o
estatuto dos advogados “está desajustado” e deve ser alterado e flexibilizado.
“O espaço público é um elemento fundamental na área da justiça. Defendo que o
advogado do processo não pode descurar a defesa do seu cliente no espaço
público, porque muitas vezes é importante para o cliente a defesa da honra e da
dignidade” publicamente, disse o bastonário.
Guilherme Figueiredo advertiu, porém, que o advogado não deve falar do processo
dos outros “porque isso seria adulterar as regras”. “Há que haver bom senso,
prudência, alargar o âmbito do deferimento de falar no espaço público e há que ter
uma maior capacidade sancionatória relativamente aos outros que não têm a ver
com o processo e que falam dele”, sustentou.
A Ordem tem três dias para autorizar declarações públicas dos seus membros a
respeito dos seus processos, mas Guilherme Figueiredo lembrou que os

221
advogados podem falar antes do fim desse prazo e justificar os motivos
posteriormente ao respetivo conselho distrital.
Numa altura em que a justiça está muito mediatizada, Guilherme Figueiredo
apontou a credibilização como um dos problemas fundamentais do setor, tanto mais
que depende muito da “perceção do cidadão”.
“Há coisas que funcionam bem que continuam a ser entendidas como funcionando
mal. A partir do momento em que o cidadão entende que funciona mal, deixa de ter
confiança no sistema e entende que as decisões judiciais não procuram a justiça.
Isto também provoca uma perda de imagem para os profissionais”, referiu. No
entender do antigo presidente do conselho distrital do Porto da OA, para a
credibilização é preciso que os profissionais do judiciário não imputem
responsabilidades uns aos outros.
“É preciso de haver uma convergência de vários pontos e por isso o pacto da justiça
deve partir das profissões do judiciário. É preciso mais informação para os cidadãos
e ainda focalizar o que funciona mal. Temos de ser capazes de situar”, acrescentou.
Questionado sobre o que está a funcionar mal nos tribunais, foi perentório em
apontar a jurisdição administrativa e fiscal e no comércio, observando que nos
tribunais administrativos e fiscais o tempo de realização da justiça “é absolutamente
anormal e vai de quatro a dez anos”.
Guilherme Figueiredo falou ainda da necessidade de os tribunais explicarem e
comunicarem as decisões com o raciocínio com que as fundamenta, para melhor
compreensão dos cidadãos e que utilize uma linguagem que não seja hermética.
“É necessário uma comunicação simples, fácil de perceber e que permita ao
cidadão aderir à decisão e consciencializar aquilo que é a decisão do tribunal do
ponto de vista do comportamento” concluiu.

Conclusões aprovadas no 8º Congresso dos Advogados Portugueses, realizado


em junho de 2018, em Viseu:
“1. Deve ser mantido o actual regime em matéria de discussão pública de questões
profissionais, tal como previsto no art. 93.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
2. Caso existam indícios da violação do nº 1 do art. 93.º do Estatuto da Ordem dos
Advogados, o órgão jurisdicional competente deve abrir processo oficiosamente,
processo esse que deve seguir uma forma de processo abreviado e célere.
3. Em caso de violação do nº 1 do art. 93.º do Estatuto da Ordem dos Advogados
deve ser prevista uma sanção acessória de proibição de prestar declarações e estar
presente em entrevistas e comentários nas redes e comunicação social por
determinado período de tempo.
4. Em caso de pronúncia sobre questões profissionais pendentes, o Advogado deve
comunicar tal facto ao Presidente do respectivo Conselho Regional num prazo de
48 horas após as declarações.”

- Hipótese de exame: 20-05-2016; 09.06.2023.

222
Veja-se também o Parecer do CRL in
https://www.oa.pt/cd/Conteudos/Pareceres/detalhe_parecer.aspx?sidc=46240&idc
=1365&idsc=42945&ida=44470

35. A acção e a responsabilidade disciplinar e a tramitação do processo


disciplinar
Um direito penal menor

- Arts. 3º, al. h), 18º, 41º, 44º, 47º-B, nº 1, al. b), 47º-C, 56º, 58º, 59º, 87º, 96º, 120º,
121º, 123º, 126º, 130º, nº 10, 144º a 176º, 177º, 193º, 209º e 213º, nº 5;
- Regulamento Disciplinar nº 668-A/2015;
- Ponto 1.2. - 1 CDAE;
- Art.18º da Lei nº 53/2015 de 11-06, 52º-A e 52-E introduzidos estes dois últimos
pela Lei nº 64/2023 de 20 de novembro;
- Arts. 15º e 18º da LAPP, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12/2023 de
28.03;
- Arts. 150º e 166º, nº 2 e 4 CPC.

• Estado da tramitação processual no Conselho de Deontologia de


Lisboa, à data de 30.06.2021:

- Desde o início desse ano deram entrada 491 participações.


- Foram objecto de arquivamento 419 Apreciações Liminares.
- Foram julgados 171 processos, tendo sido arquivados 10 processos de
inquérito e julgados 161 processos disciplinares. Destes, 95 foram
arquivados e 66 com aplicação de pena.
- As penas aplicadas foram 17 advertências, 22 censuras, 26 multas
(entre 500,00€ e 10.000,00€), 1 suspensão e ainda 3 sanções acessórias
de restituição de quantias e documentos.

• Quais os órgãos competentes para julgarem as infrações disciplinares?


- os Conselhos de Deontologia, em primeira instância, com incidência regional (art.
56º EOA);
- o Conselho Superior, como regra geral, em segunda instância, sendo o supremo
órgão jurisdicional dos Advogados, de âmbito nacional (art. 42º e segs. EOA).

223
Contudo, há que dizê-lo que neste momento existem advogados a exercer, apesar
de estarem condenados por crimes tão graves como abuso de menores e peculato,
por inércia dos conselhos de deontologia da Ordem.

O ADV deve ter o discernimento o necessário para recusar as causas ou prestação


de serviços que se revelem impróprias ou conflituantes com a sua deontologia
profissional, uma vez que o exercício da profissão deve ser livre, independente e
digno – arts. 88º e 89º CPC, face ao interesse público da mesma.
Outro princípio profissional que deve pautar a advocacia é o da confiança. Se é
quebrada pelo ADV, deixa de existir a honestidade, a probidade, a rectidão, a
sinceridade e a competência técnica.
Por outro lado, a relação do ADV com a comunidade, entre os colegas e demais
actores judiciais, devem ser norteadas pela sua consciência, pelo direito e justiça.
A reputação do ADV que viole essas suas obrigações sofrerá um forte abalo,
podendo condicionar a sua vida profissional e pessoal, irremediavelmente.
A jurisdição disciplinar é exclusivamente da OA, desde a sua fundação em 1926
(cfr. art. 2º, nº 3 do diploma que a instituiu) e actualmente nos arts. 114º, nº 1 e 3º,
nº 1, al. g), a quem o Estado lhe delegou os seus poderes na regulamentação e
disciplina da profissão. É um dos seus mais importantes poderes.
É nela que o ADV, para poder exercer a profissão, tem de estar obrigatoriamente
inscrito na OA, enquanto única associação pública reconhecida para o efeito – art.
66º.
AS sociedades de advogados e as sociedades multidisciplinares, e os respectivos
sócios, estão sujeitas à jurisdição e regime disciplinares da OA, nos termos do
Estatuto e da lei. Veja-se nesse sentido o art. 52º-E, nº 1, parte final da Lei nº
64/2023 que alterou a Lei nº 53/2015 e os arts. 114º, nº 6 e 115º, nº 1 EOA.
Os titulares dos órgãos da OA com competência disciplinar são independentes no
exercício da sua competência – arts. 127º e 128º.
Nesta conformidade, será à OA a quem devem ser transmitidos pelos órgãos de
soberania e quaisquer autoridades e entidades, todos os factos ou elementos
constitutivos de infracções disciplinares (arts. 121º e 150º, nº 1 e 4 e nº 4 e 166º, nº
2 e 4 do CPC).
Atente-se que os actos praticados pelo ADV fora do âmbito profissional também
podem constituir infracções disciplinares, uma vez que este é um elemento
indispensável à administração da justiça, tendo de ter um comportamento
profissional e público digno, sério e íntegro, pautado ainda pela rectidão, probidade,
lealdade, cortesia, verdade e confiança (art. 88º).
Se ao ADV lhe for instaurado simultaneamente um processo crime pelos mesmos
factos, a responsabilidade disciplinar é autónoma daquela.
Contudo, poderá ser ordenada a suspensão do processo disciplinar enquanto o
processo criminar estiver pendente, nomeadamente sujeito ao segredo de justiça.

224
Nesse caso, fica o tribunal incumbido de enviar para a OA a cópia respeitante ao
despacho de acusação ou de pronúncia (art. 116º, nº 2 e 3).
A condenação de advogado em processo criminal é comunicada à Ordem dos
Advogados para efeitos de registo no respetivo processo individual (art. 141º, nº 2),
sendo que a responsabilidade criminal é independente da disciplinar (art. 116º).
Assim, a norma do art 65º CP prende-se com medidas de segurança e não com o
exercício da função disciplinar (cfr. art. 141º, nº 1).

O pedido de cancelamento ou suspensão da inscrição não faz cessar a


responsabilidade disciplinar por infracções que tenham sido praticadas
anteriormente, sendo que durante o período da suspensão o ADV continua sujeito
à jurisdição disciplinar da OA e não já após o efectivo cancelamento da inscrição
(art. 114º, nº 2 e 3). Cfr. o art. 187º, nº 6.
Sendo punido com a pena de expulsão, o ADV é ainda responsável no que respeita
a outra infracções praticadas antes da aplicação em definitivo daquela pena – art.
114º, nº 4.
No que tange à responsabilidade disciplinar dos ADV da União Europeia que
exerçam em território nacional, estão sujeitos às sanções disciplinares previstas
para os advogados portugueses, devendo o respetivo processo disciplinar ser
instruído em colaboração com a organização profissional equivalente do Estado de
origem, a qual é informada da sanção aplicada- art. 209º e nº 5 do art. 114º

O processo disciplinar é secreto até à prolação do despacho de acusação – art.


125º, nº 1. Cfr. o nº 2.
Comete infracção disciplinar quem, por acção ou omissão, relativamente às
disposições constantes do EOA, as violar dolosa ou culposamente, bem como nos
respectivos regulamentos e nas demais normas aplicáveis, plasmadas na lei, nos
usos, costumes e tradições de índole profissional, como decorre do art. 88º.
O art. 79º do EOA/1984 impunha expressamente aos advogados o dever de
acatamento dos usos e costumes profissionais (art. 79º, al. c). O Estatuto de 2005
eliminou esse dever específico. Assim há quem entend que desde 2005b os usos
e costumes profissionais que não foram positivados mais não representam que
praxes sem relevância para efeitos disciplinares.
A tentativa é punível – art. 115º.

A verificação da responsabilidade disciplinar supõe a afirmação do dolo.

A referência à negligência, a que alude o art. 126º EOA, parece cingir-se às situa-
ções de negligência na condução do processo, entendida como estudo da matéria,
cuidado na elaboração dos articulados, intervenção nas diligências marcadas,
agendamento de prazos, isto é, a hipóteses em que o advogado fez menos do que
aquilo que deveria fazer, por responsabilidade exclusivamente própria.

225
Assim, a violação de princípios gerais e deveres que devam ser representados
como tal e intencionalmente postergados (por ex. o segredo profissional), exigem a
existência de dolo.

Existem três espécies de infracções: leve, grave e muito grave - art. 115º, nº 3,
cujos critérios de escolha estão definidos no art. 131º.
a) Leve, quando o arguido viole de forma pouco intensa os deveres profissionais a
que se encontra adstrito no exercício da advocacia;
b) Grave, quando o arguido viole de forma séria os deveres profissionais a que se
encontra adstrito no exercício da advocacia;
c) Muito grave, quando o arguido viole os deveres profissionais a que está adstrito
no exercício da advocacia, afetando com a sua conduta, de tal forma, a dignidade
e o prestígio profissional, que fique definitivamente inviabilizado o exercício da
advocacia.

Podendo o Advogado, até e eventualmente, incorrer num processo de averiguação


de inidoneidade ao exercício da profissão (alínea a) do n.º 1 do art.º 177º - aqui
recordando que a enumeração do n.º 2 deste preceito não é taxativa – ou alínea f)
do n.º 1 do mesmo art.º 177º, esta última conjugada com as alíneas b) e c) do n.º 3
do referido art.º 115º todos do EOA.

Incumbe ao Conselho Superior, enquanto supremo órgão jurisdicional da Ordem


dos Advogados (em sede de recurso) e aos Conselhos de Deontologia (em sede
de primeira instância, relativamente aos advogados e advogados estagiários com
domicílio profissional na área da respetiva região a jurisdição disciplinar – art. 58º
al. a).
Compete ainda ao Conselho Superior instruir e julgar, em primeira instância, os
processos em que sejam arguidos o bastonário, antigos bastonários, os actuais e
os antigos membros do conselho superior e do conselho geral, ou dos membros do
conselho de supervisão inscritos na AO, antigos presidentes do conselho fiscal, e
os antigos ou atuais membros dos conselhos regionais e dos conselhos de
deontologia – art. 44º, nº 1, al. c) e nº 4, al. d).
Compete ao conselho superior e ao conselho de supervisão, em reunião conjunta,
julgar os recursos das deliberações sobre perda e exoneração dos membros do
conselho de supervisão – art. 44º, nº 3.
Compete, nomeadamente, ao presidente do conselho superior resolver conflitos de
competência entre conselhos de deontologia e diligenciar na resolução amigável
de desinteligências entre advogados inscritos em diferentes regiões - art. 41º, als.
a) e b).
Compete aos presidentes dos conselhos de deontologia, designadamente,
diligenciar no sentido de resolver amigavelmente as desinteligências entre
advogados da respetiva região – art. 59º, nº 1, al. d).

226
A participação disciplinar tem de ser apresentada no Conselho de Deontologia
territorialmente competente, sendo que o critério de conexão será normalmente o
domicílio profissional do advogado visado – arts. 57º e 58º, al. a) EOA.
A determinação da competência territorial do Conselho de Deontologia para o
exercício do poder disciplinar em 1ª instância é fixada na data em que é instaurado
o processo disciplinar. Assim, se após a instauração do processo, o ADV mudar o
seu domicílio profissional para outra região, a competência mantém-se.
O procedimento disciplinar é instaurado por decisão dos presidentes dos conselhos
com competência disciplinar ou por deliberação dos respetivos órgãos, com base
em participação dirigida aos órgãos da Ordem dos Advogados por qualquer pessoa
devidamente identificada, nos termos do nº 1 do art. 122º, para o qual remete o art.
123º
O bastonário e os conselhos superior, geral, supervisão, regional e de deontologia
da Ordem dos Advogados podem, independentemente de participação, ordenar a
instauração de procedimento disciplinar - art. 123º, nº 2.
Tem legitimidade para participar à Ordem dos Advogados factos suscetíveis de
constituir infração disciplinar qualquer pessoa direta ou indiretamente afetada por
estes e qualquer órgão da OA.
Podem intervir no processo as pessoas com interesse direto, pessoal e legítimo
relativamente aos factos participados, requerendo e alegando o que tiverem por
conveniente.
O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que
o titular tiver tido conhecimento dos factos.
Sendo vários os titulares do direito de queixa, o prazo conta-se autonomamente
para cada um deles.
A participação deve ser redigida em língua portuguesa, sem necessidade de
formalismos especiais, e deve ser inteligível, com relato concretizado dos factos
suscetíveis de constituírem infração disciplinar, identificação do advogado ou
advogado estagiário visado, e manifestando clara intenção de participação
disciplinar.
A acção disciplinar comporta as seguintes fases:
a) apreciação liminar da participação;
b) processo de inquérito;
c) processo disciplinar;
d) recursos; e por fim a
e) execução das penas.
A fase de apreciação liminar constitui um saneamento prévio do processo com vista
a determinar a viabilidade e regularidade das participações apresentadas.
Aplica-se o processo disciplinar sempre que a determinado advogado ou advogado
estagiário sejam imputados factos devidamente concretizados, suscetíveis de
constituir infração.

227
O processo de inquérito é aplicável quando a participação for da autoria de um
particular ou de entidades estranhas à Ordem dos Advogados e nela não esteja
claramente identificado o advogado ou advogado estagiário visado ou se imponha
a realização de diligências sumárias para esclarecimento ou concretização dos
factos participados.
Compete ao respectivo presidente a conversão de apreciação liminar em processo
de inquérito ou em processo disciplinar, tendo por base o parecer do relator, a quem
o processo, após despacho, é distribuído. Às secções ou, quando estas não
existem, ao presidente do órgão, compete converter o processo de inquérito e
disciplinar, seguindo-se posteriormente o parecer fundamentado do relator.
A desistência da participação extingue a responsabilidade disciplinar, salvo se a
falta imputada afetar a dignidade do advogado visado, o prestígio da Ordem dos
Advogados ou da profissão.
O processo disciplinar regula-se pelos princípios da verdade material, da
cooperação entre os sujeitos processuais e da celeridade, tendo que ser
asseguradas todas as garantias de defesa – art. 145º.
Ao serem ouvidos como testemunhas, os advogados podem prestar depoimento
por escrito, sob juramento, indicando a razão de ciência e fica obrigatoriamente
vinculados ao dever de segredo no que concerne ao objecto do processo.
Os sujeitos processuais têm o ônus de apresentar testemunhas, salvo determinado
pelo relator, ou então requerer, fundamentadamente, a razão da sua notificação
pelo Conselho.
No caso de testemunhas residentes no estrangeiro, pode o Relator determinar o
depoimento por escrito ou a sua inquirição pela autoridade consular da área (cfr.
Regulamento).
A defesa é feita por escrito e apresentada na secretaria do conselho competente,
ou, em alternativa, remetida por correio electrónico com a peça assinada
digitalmente, devendo expor clara e concisamente os factos e as razões que a
fundamentam – art. 157º, nº 1.m
Com a defesa, o arguido deve apresentar o rol de testemunhas, podendo indicar
três testemunhas por cada facto, com o limite máximo de 10 testemunhas, juntar
documentos e requerer quaisquer diligências, que podem ser recusadas, mediante
despacho fundamentado, quando manifestamente impertinentes, dilatórias ou
desnecessárias para o apuramento dos factos e da responsabilidade do arguido.
O arguido deve indicar os factos sobre os quais incide a prova, sendo convidado a
fazê-lo, sob sanção de indeferimento na falta de indicação.
O relator pode permitir que o número de testemunhas referido nos termos do n.º 2
seja acrescido das que considerar necessárias para a descoberta da verdade – art.
157º.
Não havendo lugar a audiência pública (cfr. arts. 140º e 155º, nº 1) e se todos os
membros do conselho ou da secção se considerarem para tanto habilitados, é
votada a deliberação e lavrado e assinado o acórdão.

228
Se algum ou alguns membros se declararem não habilitados a deliberar, o processo
é dado para vista, por cinco dias, a cada membro que a tiver solicitado, findo o que
é novamente presente para julgamento.
Os votos de vencido devem ser fundamentados.
Antes do julgamento, o conselho ou a secção podem ordenar a realização de novas
diligências, a cumprir no prazo que para o efeito estabeleça.
O acórdão final é notificado ao arguido, nos termos do artigo 155.º, ao participante
e ao bastonário – art. 160º.
Havendo audiência pública (arts. 140º, 155º, nº 1 e 161º), o arguido é notificado
das datas para a sua realização, sendo-lhe facultada cópia do relatório final.
O processo disciplinar é tramitado de forma electrónica (art. 149º, nº 5).
No que toca às notificações aos sujeitos e aos intervenientes processuais, salvo lei
em contrário, esta podem ser efectivadas sob qualquer forma documentada, como
a via postal, a telecópia, o correio electrónico (preferencialmente) ou outro meio
idóneo contendo a transmissão de dados – art. 145º
A notificação em forma de edital pode ser divulgada no portal da OA.
Naquilo que não se encontrar estipulado no Regulamento, em termos de
notificações, contagem de prazos, às recusas, escusas e aos impedimentos
aplicam-se as disposições contidas no CPP.
Ao exercício do poder disciplinar da Ordem dos Advogados, em tudo o que não for
contrário ao estabelecido no presente Estatuto e respetivos regulamentos, são
subsidiariamente aplicáveis as normas procedimentais previstas na Lei Geral do
Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho,
designadamente as constantes dos arts. 194º a 223º deste normativo – art. 126º.
Cfr. o seu nº 4, que reflecte uma alteração relevante nessa matéria, pois
anteriormente aplicava-se o regime do Código Penal em matéria substantiva e o do
processo penal, na parte adjectiva.
Quanto à contagem dos prazos, vigora o art. 146º, nº 1 CPP.
Juntamente com o despacho de acusação, o relator pode propor que seja aplicada
ao advogado arguido a medida de suspensão preventiva quando:
a) Haja fundado receio da prática de novas e graves infrações disciplinares ou de
perturbação do decurso do processo;
b) O advogado arguido tenha sido acusado ou pronunciado criminalmente por crime
cometido no exercício da profissão ou por crime a que corresponda pena superior
a três anos de prisão, ou
c) Seja desconhecido o paradeiro do advogado arguido.
A suspensão não pode exceder o período de seis meses e deve ser deliberada por
maioria de dois terços dos membros do conselho onde o processo correr os seus
termos.

229
Excecionalmente e precedendo decisão devidamente fundamentada, o conselho
superior pode, mediante proposta aprovada por dois terços dos membros do órgão
onde o processo correr termos, prorrogar a suspensão por mais seis meses.
O tempo de duração da medida de suspensão preventiva é sempre descontado nas
sanções de suspensão.
Os processos disciplinares com arguido suspenso preventivamente têm caráter
urgente e a sua marcha processual prefere a todos os demais.
O recurso interposto da decisão que aplique a medida de suspensão preventiva
tem subida imediata e efeito devolutivo – art. 154º.
Os atos praticados pelos órgãos da Ordem dos Advogados no exercício das suas
atribuições admitem os recursos hierárquicos previstos no Estatuto – cfr. arts. 162º
e segs.
O prazo de interposição de recurso é de 15 dias, quando outro não se encontre
especialmente previsto na lei – cfr. arts. 6 e 165º.
Dos atos praticados pelos órgãos da Ordem dos Advogados cabe, ainda, recurso
contencioso para os tribunais administrativos, nos termos gerais de direito – art. 6º
e art. 163º, nº 1 quanto à legitimidade para a sua dedução).
Art. 118º:
O procedimento disciplinar extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a
prática da infração tiver decorrido o prazo de cinco anos, salvo se a infração
disciplinar constituir simultaneamente infração criminal para a qual a lei estabeleça
prescrição sujeita a prazo mais longo, o procedimento disciplinar apenas prescreve
após o decurso deste último prazo.
O prazo de prescrição do procedimento disciplinar corre desde o dia em que o facto
se tiver consumado.
O prazo de prescrição só corre:
a) Nas infrações instantâneas, desde o momento da sua prática;
b) Nas infrações continuadas, desde o dia da prática do último ato;
c) Nas infrações permanentes, desde o dia em que cessar a consumação.
A prescrição do procedimento disciplinar tem sempre lugar quando, desde o seu
início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de
prescrição acrescido de metade.

Do extrato do registo disciplinar do arguido deve constar: a) As penas em que tenha


sido condenado; b) A data da prática das infrações que deram causa às penas
registadas; c) A data em que o arguido foi notificado do acórdão final.
Compete às secretarias dos Conselhos de Deontologia manter atualizado o registo
disciplinar dos advogados sob jurisdição do Conselho respetivo,
independentemente da instância em que tais decisões tenham sido proferidas.

230
As sanções disciplinares são as seguintes (art. 130º):
a) Advertência;
b) Censura;
c) Multa de quantitativo até ao valor da alçada dos tribunais de comarca;
d) Multa de quantitativo entre o valor da alçada dos tribunais de comarca e o valor
da alçada dos tribunais de Relação ou, no caso de pessoas coletivas, o valor do
triplo da alçada da Relação;
e) Suspensão até 10 anos;
f) Expulsão.
2 - A sanção de advertência é aplicável quando o arguido tenha violado de forma
leve os deveres profissionais no exercício da advocacia e tem por finalidade evitar
a repetição da conduta lesiva.
3 - A sanção de censura consiste num juízo de reprovação pela falta cometida e é
aplicável a condutas que violem os deveres profissionais dos advogados ainda que
de forma leve, mas para as quais, em razão da culpa do arguido, já não seja
bastante a advertência.
4 - A sanção de multa é fixada em quantia certa, em função da gravidade e das
consequências da infração cometida, sendo aplicável a infrações disciplinares
graves.
5 - A sanção de suspensão consiste no afastamento total do exercício da advocacia
durante o período de cumprimento da sanção e é aplicável a infrações disciplinares
graves, que ponham em causa a integridade física das pessoas ou lesem de forma
grave a honra ou o património alheio ou valores equivalentes.
6 - A sanção de expulsão consiste no afastamento total do exercício da advocacia,
sem prejuízo de reabilitação e é aplicável a infrações disciplinares muito graves,
que ponham em causa a integridade física, a vida, ou lesem de forma muito grave
a honra ou o património alheio ou valores equivalentes.
7 - As sanções são sempre registadas e produzem unicamente os efeitos
declarados no presente Estatuto.
8 - Cumulativamente ou não com qualquer das sanções previstas no presente
Estatuto, pode ser imposta a restituição total ou parcial de honorários.
9 - Independentemente da decisão final do processo, pode ser imposta a restituição
de quantias, documentos ou objetos que hajam sido confiados ao advogado.
10 - No caso de profissionais em regime de livre prestação de serviços em território
nacional e de sociedades de advogados, as sanções de suspensão e expulsão
assumem a forma de interdição temporária ou definitiva do exercício da atividade
profissional, respetivamente.
11 - A decisão de aplicação de sanção mais grave do que a de advertência a
advogado que exerça algum cargo nos órgãos da Ordem dos Advogados, quando
não seja passível de recurso, determina a imediata destituição desse cargo.

231
12 - Sempre que a infração resulte da violação de um dever por omissão, o
cumprimento das sanções aplicadas não dispensa o arguido do cumprimento
daquele, se tal ainda for possível.

A suspensão da execução das sanções está regulada no art. 138º, tendo passado
a contemplar a de advertência, com o EOA/2024.
A aplicação de sanção de suspensão de duração superior a dois anos ou de sanção
de expulsão só pode ter lugar mediante deliberação que obtenha a maioria de dois
terços dos votos do conselho ou da secção competente para julgamento, após
audiência pública realizada nos termos do artigo 161.º
Contudo, a sanção de suspensão de duração superior a dois anos e a sanção de
expulsão devem ainda ser ratificadas por deliberação do conselho superior, tomada
em plenário.
A sanção de expulsão só pode ser aplicada às infrações muito graves, não podendo
ter origem no incumprimento pelo advogado do dever de pagar quotas.
O incumprimento pelo advogado do dever de pagar quotas pode dar lugar à
aplicação de sanção disciplinar de suspensão quando se apure que é culposo e se
prolongue por período superior a 12 meses, cessando ou extinguindo-se a sanção
quando ocorra o pagamento voluntário – art. 140º e 91º, al. e) e art. 180º.
As recentes alterações legislativas à LAPP e ao EOA, no que aqui interessa, ao
impor membros não eleitos pelos profissionais de cada Ordem e fora da classe
profissional nos órgãos com competência em matéria disciplinar, irá introduzir
alterações profundas à sua organização interna e ao princípio vigente nas ordens
profissionais, tradicionalmente baseado no respeito dos direitos dos seus membros
à exclusividade o exercício de tais funções ou cargos.
José Luís Moreira da Silva, presidente da Associação das Sociedades de
Advogados em Portugal (ASAP) e sócio da SRS Legal, admite que esta nova lei
“pode pôr em causa as imunidades dos advogados, na medida em que o poder
disciplinar deixa de estar auto-regulado e passa a ser hétero-regulado, por a
maioria dos membros que exercem a função disciplinar dos advogados não são
advogados. Será que isso pode pôr em causa a imunidade dos advogados? Em
abstrato é difícil dizer, penso que só face a casos concretos se poderá ver se as
imunidades previstas na lei para os advogados (principalmente os constantes dos
artigos 66.º e seguintes do Estatuto da Ordem dos Advogados) são violadas –
nesse caso e se o forem há inconstitucionalidade no caso concreto”.

Pelo exposto e numa síntese que se pretende com o essencial, a violação dos
deveres deontológicos implica a responsabilidade disciplinar (art. 115º). As
infracções são sancionáveis pela OA (art. 114º, nº1). A competência para essa
apreciação e julgamento é dos conselhos de deontologia respectivos (art. 56º, al.
a) excepto se o ADV desempenhar ou tiver desempenhado funções nos órgãos
nacionais ou regionais da OA, sendo, nestes casos, a competência do Conselho
Superior (art. 44º, nº 1, al. c) e nº 2, a) e b).

232
“Guerra na Ordem dos Advogados”:
https://www.publico.pt/2022/03/30/sociedade/noticia/guerra-ordem-advogados-
poe-risco-1200-accoes-disciplinares-2000661

Com as alterações introduzidas pelas Lei º 12/2023 à LAPP, foi criado um Provedor
dos Destinatários de Serviços (art. 20º), não eleito e que tem também competência
para recorrer em matéria disciplinar (art. 18º, nº 9, al. b).
De acordo com ao art. 15º, nº 2, al. d) daquele diploma legal, o órgão disciplinar
passa a integrar membros não inscritos na Ordem Profissional, constituídos por
personalidades de reconhecido mérito.
O Conselho Superior, que actualmente integra 22 membros, passará a integrar 9
elementos, sendo que apenas são eleitos pelos advogados, acrescentando-se 3
das Universidades, 1 cooptado, mais o provedor, sendo que o seu presidente tem
que ser estranho à profissão (art. 15º- A).

Hipóteses de exame de 21-07-2017; 25-05-2018; 09-12-2019 e 04-12-2020.

36. A Responsabilidade civil profissional do Advogado


“Numa sociedade baseada no respeito pelo primado da lei, o advogado
desempenha um papel especial. O advogado deve servir o propósito de uma boa
administração da justiça ao mesmo tempo que serve os interesses daqueles que
lhe confiaram a defesa e afirmação dos seus direitos e liberdades. O respeito pela
função do advogado assume-se como uma condição essencial para a garantia do
Estado de Direito Democrático.”
(Preâmbulo do Código de Deontologia dos Advogados Europeus - CDAE).

Enquadramento legal:
- Arts. 81º 88º, 97º, nº 2, 98º, nº 2, 100º, nº1, al. b), 104º, 196º, nº 5, al. b), 210º e
213º, nº 10 a 14;
- Ponto 3.9.2.4 CDAE;
- Lei nº 53/2015;
- Arts. 31º e 38º do Regime Jurídico das APP (Lei 2/2023) e art. 17º Lei nº 53/2015
(Regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais
que estejam sujeitas a associações públicas profissionais);
- Ac. do STJ de 09-07-2015
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/545303800A0920C380258291003087CA.

233
- Ac. do STJ de 14-12-2016,
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e0bb3ab31dd57c
64802580890063cd14?OpenDocument;

Pode tratar-se:

– tanto de responsabilidade civil contratual regulada nos arts. 798.º e seguintes


do Código Civil;
– como de responsabilidade civil extracontratual, aquiliana ou delitual, regulada nos
arts. 483.º a 498 seguintes do Código Civil.

I - Contrato obrigatório e a favor de terceiro

Dispõe o n.º 1 do art.º 104.º (responsabilidade civil profissional) a obrigatoriedade


de o Advogado ter um seguro funcional que o acompanhe na sua atividade
profissional.
Desde logo porque há lugar a indemnização por danos praticados no âmbito da
responsabilidade civil contratual (designadamente por negligência de Advogado no
cumprimento das suas obrigações integradas no mandato judicial) pois o devedor
que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo
prejuízo que causa ao credor (art.º 798.º do Código Civil).
Justifica-se, assim, que se imponha que seja assegurado ao mandatário judicial a
indispensável segurança no cumprimento do seu mandato, desta feita lhe impondo
que o risco da sua função seja aliviado através da proteção de um seguro de
responsabilidade civil profissional. Acresce que,
É do interesse público que a actividade do exercício da advocacia, essencial à
administração da justiça, seja acompanhada de um seguro susceptível de proteger
essencialmente as pessoas que a ela recorrem, visando em primeiro lugar a
protecção destas pessoas enquanto lesados das atitudes menos diligentes
operadas pelo seu Advogado, mas também deste.
Atente-se que a atividade profissional do advogado envolve o risco de
incumprimento de prazos processuais, substantivos ou prescricionais e de outras
delicadas tarefas processuais.
E que a maioria das acções judiciais exige o patrocínio obrigatório por advogado.
Por conseguinte, o contrato de seguro de responsabilidade civil de advogado pode
ser qualificado como contrato a favor de terceiro (art.º 443.º do C. Civil) como
acontece aliás em regra nos contratos de seguro de responsabilidade civil
profissional, em que o beneficiário não é parte contratante, sendo terceiro que não
intervém na elaboração do contrato de seguro.

Decorre do disposto no artigo 104.º, n.º 3, do EOA que a Ordem é obrigada a


subscrever um seguro de grupo de responsabilidade civil profissional, para
todos(as) os(as) Advogados(as), no valor mínimo de €50.000 (cinquenta mil euros).

234
O Conselho Geral tem adoptado a prática de manter a subscrição do referido
seguro de grupo pelo montante de capital seguro individual de €150.000 (cento e
cinquenta mil euros).
Pelo que, todos(as) os(as) Advogados(as) com inscrição em vigor estão abrangidos
pelo seguro contratado pela Ordem, beneficiando, assim, automaticamente, de um
Seguro Base de Responsabilidade Civil Profissional, com o limite de indemnização
de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), sem necessidade de qualquer tipo
de adesão.

II - O seguro de grupo

O contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, celebrado entre a


Seguradora e a Ordem dos Advogados, garantindo a indemnização de prejuízos
causados a terceiros pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos
Advogados que exerçam actividade em prática individual ou societária, por dolo,
erro, omissão ou negligência profissional, configura um contrato de seguro de
grupo.
Muito embora o Advogado esteja obrigado a fazer-se proteger por um
individualizado seguro obrigatório (n.º 1 do art.º 104.º) tal não o impede de
beneficiar do seguro (de grupo) que a Ordem dos Advogados, sem mais, lhe atribui,
nos termos do nº 3 daquele preceito legal.
O seguro de grupo, constante dos artigos 76.º a 90.º do Dec. Lei n.º 176/95, de
26/07, com a actualização do Dl. nº 357-A/2007 de 31/10, baseia-se num seguro
de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse
comum - al. g) do art. 1.º - abrangendo um conjunto de pessoas ligadas ao tomador
do seguro por um vínculo que não seja o de segurar - art. 76.º.
Deixa de ser necessária a existência de um vínculo ou interesse comum entre os
segurados; o que para tanto se torna exigível é que o vínculo se verifique
relativamente ao tomador do seguro.
O contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao
tomador do seguro por uma relação distinta da individualidade segurada e o seguro
de grupo envolve dois momentos:
1.º Quando se concretiza o contrato entre o segurador e o tomador do seguro;
2.º Quando os segurados aderem ao contrato de seguro.
O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os
sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de
seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após
o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham
fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela
presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data
de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação
temporal de retroactividade.
Nas apólices de reclamação, também denominadas claims made, a delimitação
temporal da garantia do seguro reporta-se não à data da verificação do facto
causador do prejuízo, mas antes à data da sua reclamação, diferentemente do que

235
acontece nas apólices de seguro denominadas de ocorrência, que apenas admitem
a indemnização quando o facto causador do dano se verifica na vigência do
contrato de seguro.

III – A natureza jurídica da responsabilidade civil profissional do Advogado

Estamos perante uma obrigação de meios e não de resultado: o Advogado não se


vincula para com o cliente à certa e necessária obtenção de um determinado
resultado; antes se compromete, mediante uma atuação tecnicamente adequada,
zelosa e diligente, a tudo fazer para que o desiderato pretendido seja atingido.
Quanto à natureza jurídica da responsabilidade civil profissional do Advogado,
afigura-se que ela assume um cariz misto, consoante as circunstâncias concretas.
Casuisticamente aprecia-se o acto do ADV em causa e exerce-se a respectiva
responsabilidade.
Assim, se apenas estiverem em causa os interesses particulares do seu cliente, ela
assumirá o cariz contratual, via contrato de mandato oneroso, com representação
– arts. 1154º, 1555º, 1157º, 1158º e 1178º do Código Civil, e que consiste no
negócio jurídico unilateral autónomo da procuração, através da qual alguém confere
a outrem, voluntariamente, poderes de representação, de acordo com o disposto
pelo artigo 262º, nº 1, do CC.
Ao contrário do que se verifica no mandato típico - artº 1161º nº1 al. a) do CC – o
advogado não está obrigado a seguir as instruções do mandante, antes exerce -
certamente que em homenagem ao seu estatuto de profissional liberal
independente e ao seu presumido saber técnico - o mandato com autonomia – cfr.
art. 81º e Ac. do STJ de 07.01.2010, p. 542/09.2YFLSB.
Assim, ao credor cumprirá provar o incumprimento ou o cumprimento defeituoso
por parte do advogado, o que, maxime por estarmos perante uma obrigação de
meios, passará por demonstrar «que o Advogado não o informou ou que não
realizou os actos em que normalmente se traduziria uma actuação zelosa e
diligente» - Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª ed., 1992,
vol. II, pg.100 e Ac. do STJ de 06.03.2014.

Provado isto pelo mandante, emerge a normal presunção de culpa sobre o


mandatário/advogado, impendendo sobre este o ónus de ilidir tal presunção,
provando que que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou que
omitiu a diligência exigível – artº 799º do CC.
Ao invés, se o que estiver em causa fôr a possível violação dos deveres gerais do
Advogado para com a comunidade, os colegas e a respetiva Ordem, estamos
perante a responsabilidade extracontratual, o que tem relevância, nomeadamente
quanto ao prazo de prescrição e à presunção ou não de culpa do advogado (que
ocorre só na responsabilidade contratual).

IV - A perda de chance de êxito na acção, por parte do mandante

236
A doutrina jurídica sobre a indemnização pela designada perda de chance, também
conhecida por perda de oportunidades de realizar um ganho ou evitar um prejuízo,
sem que se possa apurar a sua verificação efetiva, terá despontado, implicitamente,
em França, no âmbito de um acórdão proferido pela Cour de Cassation, em
17/07/1889, no qual foi dado provimento a uma pretensão indemnizatória fundada
numa gerada impossibilidade de prosseguir um processo judicial.
Em Portugal, a doutrina da perda de chance não teve, até há poucos anos, um
tratamento alargado, para além de afloramentos genéricos ou muito marginais,
nomeadamente no domínio da responsabilidade médica e dos concursos públicos,
mas recentemente têm sido produzidos estudos e monografias de aprofundamento
dessa temática.
A orientação dominante do Supremo Tribunal de Justiça foi restritiva, em particular,
no domínio da perda de chances processuais fundada em violação dos deveres
profissionais do advogado, ancorando-se na ideia de que “a mera perda
de chance não tem, em geral, virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma
pretensão indemnizatória, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as
regras da causalidade adequada”, só podendo ser atendida em situações pontuais
e residuais, como aquelas em que ocorra a perda de um bilhete de lotaria, ou em
que se seja ilicitamente afastado de um concurso, ou no caso de atraso de um
diagnóstico médico que tenha diminuído substancialmente as possibilidades de
cura de um doente”.
Efectivamente, o ordenamento jurídico nacional consagra a doutrina da
causalidade adequada, ou da imputação normativa de um resultado danoso à
conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se
possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído
ao agente como coisa sua, produzida por ele (arts. 483º e 563º do CC).
Isso significa que, apesar da eventual omissão ilícita e culposa do advogado,
importa, igualmente, a verificação de um dano e do correspondente nexo de
causalidade entre aquela conduta omissiva e este dano, sendo certo que, como já
se disse, resultando do mandato forense, apenas, uma obrigação de meios para o
advogado, este não tem, necessariamente, de obter vencimento na causa.
Assim, quando não se pode afirmar o nexo de causalidade adequada entre a
omissão ilícita e culposa do advogado e os danos sobrevindos para o cliente, tal
pode conduzir, irremediavelmente, à irresponsabilização total do profissional que
violou os seus deveres para com o cliente.
O que implicaria, em tese, a existência de muitas infracções, sem sanção suficiente,
com a consequente dificuldade de responsabilizar o advogado perante o cliente,
por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato.
Veja-se este caso concreto: o advogado não interpõe uma acção judicial para tutela
do interesse do seu cliente, fazendo com que o seu direito preculda ou interpõe, ou
aquela é julgada improcedente porque o advogado, por exemplo, prescindiu das
testemunhas, por achar erroneamente que era uma mera questão direito que
estava em jogo.
É consabido que não há possibilidade de saber se o cliente/autor ganharia ou não
a acção “omitida” ou “falhada”, tratando-se, portanto, de uma matéria insusceptível
de ser provada.

237
Os autos, para nos basearmos num dos exemplos acima indicados, não fornecem
elementos que permitam assegurar ao cliente, caso o requerimento probatório
fosse considerado e se tivesse produzido prova, que a acção procederia ou
improcederia; aliás, devido à omissão, o cliente nunca o poderia saber, por ser
matéria insuscetível de ser provada.
Ora, para obviar a estas situações que resultariam numa injustiça para o cliente, o
ordenamento jurídico-civil nacional, cada vez mais, através da doutrina e
jurisprudência (Mota Pinto, por exemplo coloca em 2013, o momento de inversão
da orientação jurisprudencial), também tutela o dano conhecido pela “perda de
chance” ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder
a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um
prejuízo, que privou o autor da «chance» de obter um resultado favorável, isto é,
de conseguir a condenação do réu na acção de indemnização.
São seguramente a partir de 2015 que as posições francamente negativas ou
reticentes quanto à recepção da doutrina da perda de chance foram definitivamente
abandonadas.
Vejam-se os Acórdãos de 30.04.2015, Proc. 338/11.1TBCVL.C1.S1, de
05.05.2015, Proc. 614/06.TVLSB.L1.S1, de 09.07.2015, Proc.
5105/12.2TBXL.L1.S1, de 16.02.2016, Proc. 2368/13.OT2AVR.P1.S1, de
11.01.2017, Proc. 540/13.1T2AVR.P1.S1, de 24.03.2017, Proc. N.º 389/14.
4T8EVR.E1.S1, de 30.11.2017, Proc. 12198/14.6T8LSB.L1.S1, de 05.07.2018,
Proc. 2011/15.2.PNF.P1.S1 e de 17.05.2018, Proc. 236/14.7TBLMG.G1-S1.
A perda de chance ocorre quando uma dada acção ou omissão faz perder a alguém
a sorte ou a «chance» de alcançar um resultado favorável ou de evitar um prejuízo,
como aconteceu.
O advogado, ao não juntar o requerimento probatório, ou prescindir dele, ao não
contestar, ao não exercer a acção em tempo útil, ao não recorrer, etc., pode causar
ao cliente danos que consistem na impossibilidade de demonstrar a versão dos
factos que apresentara, no articulado inicial ou se propunha apresentar se este
tivesse sido deduzido pelo advogado, e, reflexamente, na inviabilidade de fazer
valer, na totalidade ou em parte, o bem-fundado da sua pretensão, deixando, assim,
de receber o quantitativo pecuniário ou outra qualquer vantagem, efeito, resultado,
juridicamente tutelados, a que se tinha proposto quando passou procuração forense
a aquele.
A doutrina da perda de chance ou da perda de oportunidade, propugna, em tese
geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo
causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades
de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias,
consideráveis.
Alguma jurisprudência não valoriza o dano da oportunidade perdida quando ele é
diminuto, ou meramente hopitético.
Assim, deverá ser indemnizada a vítima nos casos em que não se consegue
demonstrar que a perda de uma determinada vantagem é consequência segura do
facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as
probabilidades de que a vítima dispunha de alcançar tal vantagem não eram
desprezíveis, antes se qualificando como sérias e reais.

238
É admitida a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade, que
pressupõe: a possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo,
mas de verificação incerta» - Ac. do STJ de 06.03.2014, que aqui se acompanha.
A teoria de perda de chance veio, pois, alterar o principio do “tudo ou nada” da
teoria da causalidade adequada, uma vez que “distribui o risco da incerteza causal
entre as partes envolvidas, isto é, o lesante responde apenas na proporção e na
medida em que foi autor do ilícito, traduzindo uma solução equilibrada que pretende
conformar-se com uma sensibilidade jurídica a que repugna a desoneração do
agente danoso por dificuldades probatórias, mas, também, que não comina a
reparação da totalidade do dano que, eventualmente, não cometeu.” (Ac. do STJ
05.12.2013).
O dano da perda de chance deve ser avaliado, em termos de equidade, pois é
impossível concluir que o autor ou o réu obteriam ganho de causa, total ou parcial,
nos termos do n.° 3 do art.° 556° do Cód. Civil.
E não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório,
atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar
da chance perdida, sendo, precisamente, o grau de probabilidade de obtenção da
vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.
Uma vez que o dano que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”,
constituído pela perda de chance, que é, ainda, um dano certo, embora distinto
daquele, a indemnização fixada deve reflectir essa diferença, cuja expressão é
dada pela repercussão do grau de probabilidade no montante da indemnização a
atribuir ao lesado.
Daí que a reparação da perda de oportunidade deva ser medida em relação
à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava.
Tanto implica, em primeiro lugar, a avaliação do dano final e, em seguida, fixar o
grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em
regra, traduzido num valor percentual que aplicado à avaliação do dano final
corresponde ao valor da indemnização a atribuir pela perda da chance (cit. Ac. do
STJ 05.12.2013).

O Acórdão do STJ nº 2/2022 de 26/01/2022, estabeleceu que “o dano da perda de


chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser
consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e
seriedade.”
https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/2-2022-178210556

COBERTURA BASE do Seguro contratado pela OA:

São garantidos os pagamentos de indemnizações que possam ser exigidas aos


Segurados (Advogados com inscrição em vigor), a título de Responsabilidade Civil
Profissional, designadamente, com base em erro, omissão, ou negligência, no
exercício da actividade profissional de Advocacia, com as seguintes condições
principais:
- Capital por Advogado Segurado / Sinistro: €150.000,00

239
- Limite Agregado Anual de Apólice: Ilimitado
- Franquia: €5.000,00 (não oponível a terceiros lesados) e sem possibilidade de
recurso para a segunda instância atento o seu valor.
- Retroactividade: Ilimitada.
- Capital Máximo por Sinistro e Anuidade relativo a Documentos e Dados:
€150.000,00.
- Âmbito Territorial: Todo o Mundo, excluindo E.U.A., Canadá e territórios sob sua
jurisdição.
- Âmbito temporal: Base “claims made”, isto é, a data do sinistro é a data da primeira
reclamação.

Para não se pagar a franquia deste seguro, em caso de sinistro, que é de 5.000€,
é possível optar pela cobertura total dos danos, mediante um prémio adicional,
actualmente de cerca de 150,00€ anuais.

Art. 104º EOA (com a nova redacção introduzida pela Lei nº 6/2024):
A inscrição no papel timbrado da expressão “Responsabilidade Limitada” tem em
vista garantir a eficácia erga omnes do regime adoptado pelo ADV
A probidade e honorabilidade, indispensáveis para que exista uma relação de
confiança pública na respeitabilidade e seriedade do Advogado, exigem deste uma
informação objectiva, verdadeira e digna.
A alusão ao regime adoptado deve ser feita com carácter de regularidade (princípio
da integridade; defesa da verdade, segurança e certeza do comércio jurídico).

Para efeitos de limitação da Responsabilidade Civil Profissional nos termos


previstos no supra referido artigo 104.º do EOA, os Colegas devem dispor de uma
cobertura de seguro com capital mínimo que actualmente é de € 250.000,00
(duzentos e cinquenta mil euros).

A adopção do regime de “Responsabilidade Limitada” apenas é possível mediante


a contratação de Apólice Complementar de Seguro de Reforço, com um capital
mínimo de €100.000,00 (cem mil euros) - o qual, acresce ao capital de €150.000,00
do Seguro de Grupo.

Tais Apólices Complementares de Seguro de Reforço podem ser subscritas junto


de qualquer Seguradora, não existindo assim qualquer obrigação de recorrerem à
mesma Seguradora que foi contratada pela Ordem dos Advogados por Concurso
Público no âmbito do Seguro de Grupo.

Verifica-se, no entanto, a existência de uma vantagem comercial da Seguradora


contratada pela Ordem dos Advogados pelo facto de esta atribuir aos Colegas que
subscrevam Apólices Complementares de Reforço, a possibilidade de eliminar a
franquia de €5.000,00 do Seguro de Grupo subscrito pela Ordem dos Advogados.

240
A nível das Sociedades de Advogados há que ter em conta o regime consagrado
no art. 212º-A, nºs 5 a 9 do EOA, com a redacção dada pela mencionada Lei
6/20224.

Cfr.:
https://portal.oa.pt/media/117349/dra-andreia-teixeira-responsabilidade-civil.pdf

37. A Previdência dos Advogados

- Art. 4º EOA;
- Art. 63º CRP (Segurança social e solidariedade).

“1. Todos têm direito à segurança social.


2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança
social unificado e descentralizado, com a participação das associações sindicais,
de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações
representativas dos demais beneficiários.

3. O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez,


viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de
falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
4. Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões
de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido
prestado.

5. O Estado apoia e fiscaliza, nos termos da lei, a actividade e o funcionamento das


instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido
interesse público sem carácter lucrativo, com vista à prossecução de objectivos de
solidariedade social consignados, nomeadamente, neste artigo, na alínea b) do n.º
2 do artigo 67.º, no artigo 69.º, na alínea e) do n.º 1 do artigo 70.º e nos artigos 71.º
e 72.º”

Em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, veio


estabelecer no seu art, 25.º: “Toda a pessoa tem o direito (...) à segurança na
doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de
subsistência por circunstâncias independentes da usa vontade.”

Os Advogados, Solicitadores e Agentes de Execução (estes em menor número)


são actualmente as únicas profissões liberais a beneficiar de um regime de

241
previdência exclusivo – A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores
(CPAS), criada pelo Estado Novo.

Os AE estão isentos de contribuir para a CPAS durante o período de estágio.

O Decreto-Lei n.º 36.550, de 2 de outubro de 1947, criou a Caixa de Previdência


da Ordem dos Advogados, junto do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, com
sede em Lisboa e âmbito nacional, que, em 1960, passou a integrar também os
Solicitadores, designando-se, desde 1978, Caixa de Previdência dos Advogados e
Solicitadores.
Vital Moreira defende a inconstitucionalidade da CPAS à luz do disposto no nº 2 do
citado art. 63º, ao consagrar um sistema de segurança social unificado.
O decreto-lei número 26/2012 de 6 fevereiro, procedeu à extinção, por fusão no
Instituto da Segurança Social, de diversas caixas de previdência, como a caixa de
previdência e abono de família dos jornalistas, caixa de previdência do pessoal da
empresa portuguesa das Águas Livres SA, a caixa de previdência do pessoal das
companhias reunidas de gás e eletricidade, a caixa de previdência do pessoal dos
telefones de Lisboa e Porto, da Cimentos - Federação de caixas previdência, a casa
de previdência do pessoal da companhia de cimento Tejo, a caixa de previdência
da Secil - companhia Geral de Cal e cimento e a caixa de previdência da empresa
de cimentos de Leiria.

Com extensão dessas caixas de previdência, os seus beneficiários foram


integrados no Instituto Segurança Social (ISS), com salvaguarda dos direitos
adquiridos, e em formação e das obrigações constituídas, mantendo o direito â
proteção social nos termos definidos pelos regulamentos respetivos. No entanto, a
CPAS não foi incluída nesse processo, o que será devido, de acordo com
declarações do governo proferidas a data, a inexistência de interesse financeiro do
Estado e da Ordem dos advogados para a sua integração na Segurança Social. Em
consequência, o artigo 106º da Lei n.º 4/2007 de 16 de janeiro, diploma que aprovou
as atuais bases gerais do sistema de segurança social, consagra a autonomia da
CPAS, prevendo-se que “Mantêm-se autónomas as instituições de previdência
criadas anteriormente à entrada em vigor do decreto-lei n.º 549/77, de 31
dezembro, com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando
subsidiariamente sujeitas às disposições da presente lei e às legislação dela
decorrente, com as necessárias adaptações“.

Contando com 36 mil inscritos, com inscrição obrigatória, a CPAS tem,


essencialmente, a finalidade de ser o sistema que se propõe garantir aos seus
membros o pagamento de pensões por reforma ou invalidez e com uma vertente
assistencialista pouco desenvolvida.

A fidúcia é, pois, o elemento essencial na relação que a CPAS estabelece com os


respetivos Beneficiários.

242
Com efeito, durante toda a sua vida ativa os Beneficiários entregam à CPAS
recursos financeiros, na expectativa e a confiança de que a CPAS faça dos mesmos
uma gestão prudente para que venha a ocorrer, futuramente, o seu retorno,
mediante a concretização dos pagamentos de reforma e de assistência aos
Beneficiários.

Acórdão n.º 48/2020, de 16 de janeiro de 2020, Processo n.º 548/2019, 3.ª


Secção/Tribunal Constitucional, Gonçalo de Almeida Ribeiro, conselheiro relator. -
Não julga inconstitucional o artigo 20.º, n.os 1 e 2, do Código do IRS (na
redação dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho), na medida em
que exclui a possibilidade de deduzir os custos suportados com as contribuições
obrigatórias para a Ordem dos Advogados e para a Caixa de Previdência dos
Advogados e Solicitadores.

A pensão de reforma na CPAS nasce após 15 anos de contribuições como na


Segurança Social e é concedida aos 65 anos e nesse particular aspeto é melhor,
em comparação com a idade de reforma da segurança social que, neste momento,
já a prevê conceder apenas aos 66 anos e seis meses e com tendência a subir
(previsivelmente aos 67 anos em 2025).
No sistema de Segurança Social, a pensão de reforma, sem cortes, só é atribuída
aos 40 anos de contribuições (actualmente 36 na CPAS).
O direito à reforma pela CPAS só é possível em caso de inexistência de dívida de
contribuições.
O sistema de previdência da CPAS tem 5,162 de beneficiários contribuintes por
pensionista, apresentando-se assim como um rácio bastante favorável e bem acima
de outros sistemas públicos, designadamente da Segurança Social, que
sensivelmente tem um rácio de um ativo e meio para um pensionista.
O beneficiário da CPAS tem direito a escolher anualmente o escalão contributivo
em que se quer integrar.
Tem postos médicos em Lisboa, Porto e Coimbra e um seguro de acidentes
pessoais e de doença, incluindo internamento hospitalar, gratuitos.
Cerca de 60% dos beneficiários recebem reformas até 1.250,00€.
Sendo um sistema de repartição solidária, intergeracional (os mais jovens pagam
para os mais velhos), são as contribuições dos advogados no ativo que financiam
as pensões dos advogados reformados, esperando-se que também a geração
vindoura pague as pensões dos atuais contribuintes.
Com efeito, a matriz essencial do regime da CPAS assenta no objetivo prioritário
de prover aos advogados e solicitadores uma velhice condigna, que represente
adequadamente a recompensa de uma vida de trabalho e da inerente participação
no sistema previdencial.

243
Apesar desta matriz, a CPAS não descura, ainda que de forma residual, a vertente
assistencial, porquanto permite a aplicação de medidas em caso de comprovada
emergência social.

Não sendo assistencialista, é um sistema que apenas disponibiliza um conjunto


muito reduzido de benefícios na doença (não há baixas, nem o pagamento da
baixa) dificilmente se podendo encarar como uma “Caixa de Previdência”, tal como
ocorre em qualquer sistema de segurança social,
Nos últimos anos, contudo, a CPAS tem desenvolvido um leque de benefícios na
sua vertente assistencial, nomeadamente em matéria de subsídio de nascimento,
de maternidade, de invalidez, comparticipação nas despesas de internamento
hospitalar (por maternidade e por doença) dos seus beneficiários e do seu
agregado familiar, subsídio de assistência em situações de carência económica,
assistência médica e medicamentos e subsídio de funeral.
Os advogados e os solicitadores que estiverem com uma doença grave que os
incapacite para o trabalho, ou na situação de baixa por maternidade, apenas podem
suspender temporariamente os descontos para a Caixa de Previdência.
Em alternativa ao não pagamento temporário, os advogados e solicitadores que
reunirem os requisitos podem optar por, durante um período, descontar pelo
escalão mais baixo - o 4º escalão - desde que se encontrem em carência
económica.
Não recebem subsídio parental, se tiverem filhos, havendo, porém, benefícios de
maternidade e de nascimento.

Ora, esta situação tem levado a que um número significativo de advogados e


solicitadores tenha vindo, de há uns anos a esta parte, a reivindicar que a CPAS
deveria ser mais assistencialista, proporcionando aos respetivos beneficiários o
pagamento de prestações sociais, nomeadamente em casos de doença e
parentalidade.
Contudo, hoje, e (principalmente) em consequência do aumento da esperança
média de vida, estes sistemas de repartição são obrigados a refletir sobre a sua
sustentabilidade.
Muitos advogados estão a receber reformas que já ultrapassam a totalidade dos
valores que descontaram.
A alteração do regulamento da Caixa de Previdência, operada em 2015, (Dl.
119/2015 de 29 de junho) assentou no pressuposto resultante de um estudo
realizado em 2010 de que a expectativa de vida dos advogados é 11% anos
superior à da população portuguesa, que actualmente é de 77,16 e 80,24 anos,
para os homens e mulheres, respetivamente.

A CPAS é um regime não opcional que impõe um desconto mínimo mensal de


267,94€ (valor de 2023) para todos os seus membros, independentemente dos
rendimentos que aufiram mensalmente ou mesmo que não aufiram qualquer
rendimento, o que provoca crescentes situações de incumprimento e pode pôr em
causa o princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 18º da CRP.

244
Hoje há um patamar mínimo de contribuições de cerca de 255 euros mensais
baseado na projecção de um rendimento mínimo de 1.200 euros. Ora, uma maioria
significativa de advogados não ganha sequer esse valor.
Neste momento, é possível a um advogado que aufira cinco mil euros mensais
pagar apenas esses 255 euros.
A taxa de cumprimento dos Beneficiários foi de 79,14% em 2021.
A dívida acumulada de contribuições à CPAS ascendem actualmente a
138.491.555,01€ (dados de 2021), principalmente nos 5º e 6º escalões, sendo certo
que durante anos não foram cobradas coercivamente, o que não robusteceu o seu
património e coloca inclusivamente uma situação de concorrência desleal e
violação do princípio de solidariedade.
É certo que o beneficiário incumpridor não vota nas eleições no âmbito da OA, nem
tem direito aos benefícios da CPAS, mas a recuperação da dívida, embora lenta,
tem vindo a acontecer efectivamente nos últimos anos., havendo em muitos casos
riscos de prescrição.
Os custos com as reformas e subsídios ascenderam em 2021 a 110.944.202,28
Euros.
O montante efectivamente recebido de contribuições em 2021 (97.122.925,66
Euros) foi inferior ao montante de pensões de reforma pagas (103.279.389,53
Euros) e inferior ao montante global de pensões e de subsídios pagos
(110.944.202,28 Euros).
O valor global dos activos financeiros (mobiliários e imobiliários) é de
548.135.203,64 Euros, representando um decréscimo de 739.406,55 Euros face ao
respectivo valor no ano de 2020, reflectindo a necessidade do recurso à
desmobilização deste tipo de investimentos para fazer face a desequilíbrios
operacionais do sistema também causados pelo factor de correcção sobre o
indexante contributivo acima do inicialmente proposto pela Direcção.
Ao não estar integrada na Segurança Social, não beneficia de soluções de recurso
para a sua estabilidade, como, por exemplo, as transferências do Orçamento Geral
do Estado.
Os advogados que querem transitar para o regime geral não podem ignorar que no
regime da SS cada contribuinte desconta não aquilo que entende, mas o que está
estipulado.

O fim da indexação dos descontos ao valor do salário mínimo, introduzido em 2019,


ou a redução do prazo de garantia, de 15 para 10 anos (quem exercer uma década
já ganhará direito a uma pensão se deixar a profissão) nem assim calou uma parte
significativa de advogados que pretendem a integração da CPAS na Segurança
Social.

As condições económicas dos advogados e solicitadores (cerca de 35 mil


beneficiários) têm vindo a degradar-se desde há alguns anos, em resultado da crise
económica, do aumento significativo do número de profissionais no mercado, da
sucessiva perda de competências, da não atualização das tabelas do patrocínio

245
judiciário há vários anos e o valor exagerado das taxas de justiça que inviabiliza o
acesso dos cidadãos à justiça.

É neste quadro inquietante, agravado

a) pelo momento da pandemia generalizada do Covid19 que se viveu e que pôs a


nu as debilidades da nossa segurança social;

b) pelo notório aumento da inflação e das taxas de juros no actual contexto


económico e social;

c) pelos tímidos aumentos das reformas que não acompanharam sequer o da


inflação, criando problemas de injustiça contributiva relativa face aos pensionistas
da SS;

d) pela situação dramática em que se encontraram alguns colegas e para a qual a


resposta da CPAS foi insatisfatória, que está aberto o debate sobre o futuro da
CPAS, que se pretende participado, sério, profundo e sereno, no sentido de saber
se vale a pena continuar a funcionar como um sistema autónomo, eventualmente
redefinindo a sua natureza, que não efectue a presunção de rendimentos para
cálculo de contribuições e com respeito pelos direitos adquiridos, ou ser absorvida
na Segurança Social ou coexistirem ambos os sistemas para os beneficiários.

A Caixa não pode ser um fim em si mesmo, estando eventualmente em causa


direitos fundamentais dos cidadãos.

A 26 de Março de 2021, a Assembleia Geral de Advogados aprovou a realização


de um referendo vinculativo para decidir a previdência: ou manter a atual Caixa de
Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) ou mudar para o regime geral
da Segurança Social, alterando-se a redacção do art. 4º EOA.

De modo a que os Advogados com inscrição em vigor, se pronunciassem, através


de resposta de sim ou não, sobre a seguinte questão:
“Deve o Conselho Geral da Ordem dos Advogados no exercício das suas
competências, previstas no artigo 46.º, n.º1, alínea c) do EOA, propor a alteração
legislativa do artigo 4.º do EOA, para que este passe a ter a seguinte redacção: “A
Previdência Social dos Advogados é obrigatória, cabendo a estes,
individualmente, decidir se a mesma é assegurada através do sistema
público, ou através da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores
(CPAS)”.

Votaram 5465 advogados – presentes e representados num total de cerca de 35


mil advogados inscritos na Ordem dos Advogados. A favor votaram 3523
advogados (71%) e contra o referendo 1384 (28%).

246
A 2 de Julho de 2021 realizou-se o referendo vinculativo, com os seguintes
resultados:

Total de votos apurados - 16 852


SIM - 9076 votos
NÃO - 7428 votos
Voto em branco - 336 votos
Inválidos - 12 votos

No dia 24.11.2023, em comunicado do Conselho Geral, a Bastonária e o Conselho


Geral declaram que a Ordem dos Advogados está disponível para patrocinar os
Colegas que eventualmente forem demandados pela CPAS, em sede de execução,
e que demonstrem não ter condições sócio-económicas para o pagamento das
contribuições, tendo-se oposto ao aumento das contribuições dos advogados
mediante uma actualização do de fator de correção de -5%, o que implicaria um
aumento da contribuição do 5.ª escalão em cerca de 25 euros.

Que futuro?

247

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