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OS QUINZE AXIOMAS DO ANALISTA DE INTELIGÊNCIA

FRANK WATANABEi

Recentemente, a Diretoria de Inteligência, órgão máximo da Inteligência Estadunidense, em


formato de comitê, e com poderes de supervisão – presenciou a onda de um "novo
pensamento" em sua missão, e na forma como a mesma é conduzida. Exemplos notáveis
desta nova forma de pensar é o curso obrigatório de Tradecraft* 2000, (Técnicas, métodos
empregados na atividade de Inteligência, especificamente na espionagem; termo sem
tradução para o português) e a publicação de um ensaio intitulado “Intelligence Changes in
Analytic Tradecraft in CIA's Directorate of Intelligence”, (ainda sem título em português,
seria: "Mudanças na Análise de Inteligência da Diretoria de Inteligência da CIA"). Apesar
da boa intenção e perspicácia, como em toda nova abordagem, esse conceito é
majoritariamente oriundo de gestores do alto escalão da DI, não dos analistas e outros
oficiais subalternos e de nível médio que trabalham no dia a dia do órgão. Além disso,
alguns funcionários da linha de frente da DI – eu também me incluo – teriam em conta que
ideias verdadeiramente novas seriam exceções no Tradecraft 2000. Bastante desse
Tradecraft é meramente um retorno aos princípios da Doutrina da DI que muitos de nós,
aparentemente mantivemos no esquecimento até o momento.

Antes de deixar a DI, devido a uma transferência de rotina, eu me esforcei para definir
alguns axiomas que tentei vivenciar em minha carreira. A priori, este exercício começou
com a ideia de dar conselhos pragmáticos aos analistas novatos que chegavam a minha
fração, passado certo tempo, decidi que esses axiomas poderiam ser interessantes para
oficiais de toda a DI. Embora eu não os tenha aderido de forma rígida, os mesmos me
serviram tanto como um guia geral de conduta profissional quanto, especificamente, como
analista da DI. Para analistas experientes, muitos dos princípios soarão como truísmos e, se
for assim, melhor ainda. Eu apenas tentei codificar regras gerais que norteiam o que nós
fazemos em nosso dia a dia na DI, e tampouco pretendi inventar um novo método. Mas o
analista novato da DI, além das já conhecidas ajudas dos colegas, seria bem auxiliado se
lembrasse destes 15 princípios em sua conduta diária – muitos desses que jamais serão
adotados oficialmente.

1. ACREDITE EM SEUS PRÓPRIOS JULGAMENTOS

Esteja sempre aberto para ouvir outros pontos-de-vista ou conclusões alternativas.


Porém, saiba ser intransigente quando você realmente acredita que a sua própria conclusão
sobre determinado assunto é verdadeira e apoiada em um trabalho sério de inteligência. O
simples fato de alguém ser seu chefe, ocupar uma posição mais elevada ou estar na atividade
há mais tempo que você não significa, necessariamente, que essa pessoa está em melhor
posição para opinar sobre aquele tema específico. É você – e não ele – quem lê e estuda
diariamente o assunto. Em outras palavras: confie no seu taco!
2. SEJA AGRESSIVO E NÃO TENHA MEDO DE ESTAR ENGANADO

Qualquer analista pode reescrever o seu próprio documento de inteligência, no todo ou


em parte, particularmente quando ainda na fase de elaboração. Contudo, a palavra-chave do
seu trabalho é “análise”. Assim, é seu dever estar, sempre, um passo à frente dos fatos; em
outros termos, entender o que esses fatos significam. Assim, não tenha medo de antecipar-se
e de, eventualmente, enganar-se. Se você tem acertado na maioria das vezes, provavelmente
está no caminho certo. Porém, se você está sempre certo, preocupa-se.

3. É MELHOR COMETER UM ENGANO DO QUE COMETER UM ERRO

Uma das mais desagradáveis coisas que pode ocorrer nesta atividade é admitir que o seu
raciocínio original estava equivocado. Mas enganar-se faz parte do trabalho. Todavia, por
incrível que pareça, muita gente boa simplesmente se recusa a admitir que estava errada
sobre determinado assunto e, mesmo à luz de novos fatos, reluta em mudar suas conclusões.
Em face da ocorrência de novos dados fidedignos, é sempre melhor admitir seu equívoco e
alterar sua avaliação inicial do que se manter inflexível e, mais tarde, ser atropelado pela
evidência e irrefutabilidade dos fatos.

4. EVITE, A TODO CUSTO, A “IMAGEM REFLETIDA”

A expressão “imagem refletida” significa projetar sobre a pessoa ou grupo que você
esteja estudando os seus próprios valores e formas de pensar. O ser humano é, por natureza,
diferente de seus semelhantes. Diferenças culturais, étnicas, religiosas e políticas contribuem
para essa diferença. Só porque determinada conclusão ou raciocínio lhe parece lógico, não
significa, necessariamente, que o “alvo” enxergará o cenário da mesma forma que você,
particularmente quando processos de pensamentos e valores diversos estão em jogo.

5. INTELIGÊNCIA NÃO TEM VALOR SE NÃO DIFUNDIDA

Não interessa o quanto você sabe sobre determinado assunto se esse conhecimento não
é disseminado, eficaz e oportunamente, ao seu(s) cliente(s). A missão dos órgãos de
inteligência é produzir conhecimentos para instruir o processo decisório. O analista não
estará cumprindo sua missão se não informar, e a tempo! Por exemplo: em 1941, a Marinha
dos EUA dispunha de múltiplas evidências sobre os planos japoneses para bombardear Perl
Harbor; contudo, não processou e difundiu o conhecimento a tempo de prevenir o desastre.

6. COORDENAÇÃO É NECESSÁRIA, PORÉM NÃO ESSENCIAL

Na atividade de inteligência, coordenação é usada para assegurar que o trabalho


produzido seja integrado, agregando-se ao mesmo tempo a experiência e o conhecimento de
todos. O consenso nessa área é importante. Permite que o “barco” prossiga em sua rota de
uma forma ordenada e metódica. Porém, concordância geral e irrestrita é rara e não significa
que as avaliações estão corretas. Diferenças de opinião no trabalho analítico existem e são
saudáveis. Se você acha que está certo e o coordenador do trabalho discorda, deixe que a
avaliação final reflita essa diferença de opinião. Use uma nota de rodapé, se necessário. Mas
nunca reduza sua avaliação pelo denominador comum só para obter coordenação.
7. QUANDO TODO MUNDO CONCORDA EM UM ASSUNTO,
PROVAVELMENTE ALGO ESTÁ ERRADO

Em uma Comunidade de Inteligência, é rara a situação em que todos concordam em


determinado tema. Quando isso ocorre, é tempo de começar a se preocupar. Tal vez seja
porque todos estejam certos. Ou talvez seja – mais provável – porque a Comunidade como
um todo se deixou envolver por uma “mentalidade de grupo” que não permite aos analistas
ver o, sempre existente, outro lado da questão. Como exemplo, após o colapso da União
Soviética, a Comunidade de Inteligência norte-americana, em pensamento quase unânime,
acreditava que haveria um grande êxito de cientistas russos, especialistas em tecnologia de
construção de mísseis balísticos, para países do Terceiro Mundo (a chamada “evasão de
cérebros”). A unanimidade nesse tema eliminou a ocorrência de debates e a elaboração de
cenários alternativos. Com o passar do tempo, a dita “evasão” não ocorreu na proporção
esperada; contudo, o conhecimento científico e a experiência russa naquela especialidade foi
efetivamente transferida para outros países por intermédio de outras formas que,
simplesmente, não haviam sido consideradas, em face da excessiva ênfase dada à “evasão de
cérebros”. Diferenças de opinião são saudáveis porque forçam ambas as partes a reverem (e,
muitas vezes, reavaliarem) suas iniciais.

8. DIGA AO CLIENTE APENAS AQUILO O QUE É EFETIVAMENTE


IMPORTANTE

Não são poucos os analistas que se esforçam para mostrar o quão profundo e sofisticado
é o conhecimento de que dispõem. Buscam acentuar essa “qualidade” sobrecarregando seus
trabalhos com mil e um fatos e detalhes. Ledo engano! O cliente raramente está preocupado
ou importa-se com a “sabedoria” do analista de inteligência. Ele que apenas que você seja
“curto e grosso”. Dessa forma, limite-se a dizer-lhe o que realmente é importante que ele
saiba e, com base em suas conclusões, possa decidir. Detalhes supérfluos servem apenas pra
ofuscar os fatos importantes.

9. A FORMA NUNCA SERÁ MAIS IMPORTANTE DO QUE CONTEÚDO

Na Divisão de Inteligência da Cia, perde-se muito tempo com a forma pela qual um
conhecimento é disseminado. A verdade é que o cliente – quando – se trata de um que usa o
Sistema – quer unicamente saber o que o documento de inteligência diz, porém no momento
oportuno. A esmagadora maioria dos clientes não liga a mínima para a aparência do trabalho
ou se o formato está de acordo com o regulamento. Já perdi a conta dos clientes que têm me
afirmado que jamais verificam, ou se preocupam, se o selo de autenticação foi impresso no
alto ou no pé da folha, ou mesmo se o documento ostenta o tal selo. Eles apenas querem o
documento em suas mãos o mais rápido possível, a tempo de assessorar uma decisão. É
óbvio que isso não é desculpa para a difusão de um trabalho de segunda categoria, isto é,
que não tenha sido submetido, ao menos, a uma atenta revisão. Contudo, jamais deixe que
preocupações concernentes com a forma prejudiquem o conteúdo de seu trabalho e, mais
importante, afetem a oportunidade de sua difusão.
10. BUSQUE, ATIVAMENTE, A INFORMAÇÃO QUE VOCÊ PRECISA

A maioria das agências de inteligência tem à sua disposição um razoável número de


fontes, passíveis de serem acionadas quando necessário. Ainda assim, muitos analistas
preferem simplesmente sentar-se à frente de seus computadores e, passivamente, aguardar
que as informações cheguem até eles. Se você está analisando um determinado problema e
não há suficiente quantidade de dados disponíveis, cabe-lhe, diligente e objetivamente,
acionar as fontes ao seu dispor. Como analista, você tem a vantagem de conhecer não apenas
o que o cliente deseja, como, também de onde extrair a informação necessitada. Se você não
aciona frequentemente suas fontes e não lhes dá o retorno do que têm informado, você está
deixando a desejar em uma importante parte de seu trabalho.

11. NÃO LEVE MUITO A SÉRIO AS REVISÕES EFETUADAS EM SEU


TRABAHO

Se a revisão a que o seu trabalho foi submetido não modifica o significado daquilo que
você está tentando dizer, aceite-a. Contudo, quando ela altera o sentido de sua análise e
transfigura suas conclusões, não tenha receio de protestar e contestar as modificações.

12. CONHEÇA SEUS COMPANHEIROS DE ATIVIDADE E CONVERSE


COM ELES COM FREQUENCIA

Sua Agência (Divisão ou Seção) não tem o monopólio da verdade. Portanto, conheça as
pessoas que desempenham funções semelhantes à sua em outras agências co-irmãs ou
mesmo dentro de sua própria instituição. Fale com eles frequentemente. Pergunte-lhes o que
estão fazendo e diga-lhe quais as suas próprias preocupações do momento. “Frequentemete”
significa algumas vezes ao mês, e não apenas quando você precisa de algo. Se você não
consegue reconhecer suas vozes ao telefone, provavelmente o contato não tem sido
freqüente. Um relacionamento estreito, geralmente, resulta em melhor coleta, melhores
produtos, menos duplicação e melhor coordenação.

13. NUNCA DEIXE SUA CARREIRA TER PRECEDENCIA SOBRE O SEU


CARGO

Como profissional da atividade, sua responsabilidade é produzir o melhor documento de


inteligência possível, na medida dos dados disponíveis. Algumas vezes, isso significa adotar
posições ou tomar atitudes nem sempre compreendidas ou aceitas. Porém, nunca deixe suas
aspirações de carreira sobreponham-se às suas obrigações profissionais.

14. ANÁLISE DE INTELIGÊNCIA NÃO É CONCURSO DE


POPULARIDADE

Algumas de suas apreciações podem vir a se tornar trabalhos impopulares ou não


desejados, em face da conjuntura ou devido a diversas outras razões. Mesmo nas fases
iniciais, no decorre dos processos de revisão e de coordenação, alguém pode ficar
insatisfeito. Contudo, seu trabalho é perseguir a verdade; portanto, se você acredita no seu
trabalho, mantenha sua posição.
15. NÃO LEVE O SEU TRABALHO – E VOCÊ MESMO – TÃO A SÉRIO

O destino do mundo não repousa sobre os seus ombros. Além disso, sempre haverá
mais trabalho a fazer do que tempo disponível para fazê-lo. Enxergue as coisas em
perspectiva. Não se torne um trabalhador compulsivo. Lembre-se de cuidar de você mesmo
e de sua família. Você está conduzindo um trabalho, não uma cruzada!

i
Foi chefe da Divisão de Inteligência (Intelligence Derectorate) da CIA.

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