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REVISTA TOXICODEPENDÊNCIAS | EDIÇÃO IDT | VOLUME 16 | NÚMERO 1 | 2010 | pp.

3-13 3

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Fiabilidade do auto-relato sobre consumos de heroína
e cocaína em utentes da UD – C. Taipas
Miguel Vasconcelos, Domingos Duran

Artigo recebido em 31/12/09; versão final aceite em 25/02/10.

RESUMO ABSTRACT
Considerando que a fiabilidade dos dados fornecidos por utentes Considering that the reliability of the data supplied by usuaries
com o diagnóstico de Dependência de Substâncias é frequentemente diagnosed with Substance Dependence is frequently questioned, the
questionado, os autores discutem neste trabalho a hipótese de que authors of this paper argue the hypothesis that the mandatoriness/
a obrigatoriedade/não obrigatoriedade de realização de testes para non-mandatoriness of substances testing have an impact on the reli-
detecção de metabolitos de substâncias condiciona a fiabilidade do ability of the self-report about the consumption of those substances.
auto-relato sobre os consumos das mesmas. A comparative study was made of the reliability of the self-report
Foi elaborado um estudo comparativo da fiabilidade do auto-relato in contrast with results of tests for detection of urine metabolites,
em contraste com resultados de testes para detecção de metabolitos regarding the two substances that are responsible for the majority
urinários, para as duas substâncias mais frequentemente consumidas of cases in the UD – C.Taipas: heroine and cocaine, in two groups of
pelos utentes da UD – C. Taipas: heroína e cocaína. Consideram-se usuaries: proceeding from the consultation, without mandatoriness of
dois grupos de utentes: 1) utentes provenientes da consulta e sem urinary tests, and usuaries of the Methadone Program, with manda-
obrigatoriedade de realização de testes urinários, e 2) utentes do toriness of urinary tests, in a total of 60 usuaries.
Programa de Metadona, com obrigatoriedade de realização de testes. It was found high absolute agreement between the self-report and
Foi encontrada elevada concordância absoluta entre o auto-relato the results of the tests for the two substances. The mandatoriness of
e os resultados dos testes para as duas substâncias. Verificou-se tests did not influence the reliability of the self-reports.
ainda que a regra de obrigatoriedade de realização de testes não Even subjected to further validation from other studies, the authors
influenciou a fiabilidade dos auto-relatos. conclude that these data will put in question the value of the mandato-
Se bem que sujeita a confirmação por outros estudos, os autores con- riness for metabolite detection tests, and they suggest the substitution
cluem que estes dados podem levar a pôr em causa o valor da obri- of these tests by a random selection test and/or indication test.
gatoriedade de realização de testes para a detecção de metabolitos Key Words: Self-Report of Heroin and Cocain Consumption Reliability;
de substâncias de abuso, podendo ser considerada a sua substituição Urinary Metabolites for Abuse Substances Screening; Drug Users
pela realização de testes por selecção aleatória e/ou por indicação. Treatment.
Palavras-chave: Fiabilidade do Auto-Relato de Consumos de Heroína
e Cocaína; Pesquisas de Metabolitos Urinários de Substâncias de RESUMEN
Abuso; Tratamento de Toxicodependentes. Considerando que la fiabilidad de la información referida por los pa­
cientes con diagnóstico de Dependencia de Substancias es frecuen­
RÉSUMÉ temente cuestionada, los autores plantean en este estudio la hipótesis
Une fois que la fiabilité des données fournies par des usagers avec un de que la obligatoriedad/no obligatoriedad de realización de tests para
diagnostic de Dépendance de Substances est fréquemment interrogée, detección de metabolitos de substancias condiciona la fiabilidad del
les auteurs discutent dans ce travail l’hypothèse selon laquelle l’obliga- autorelato sobre los consumos de las mismas.
tion/non-obligation de réalisation d’essais pour la détection de méta- Se elaboró un estudio comparativo de la fiabilidad del autorelato,
bolites des substances ne conditionne pas la fiabilité de l’auto‑récit que en contraste con resultados de tests de detección de metabolitos
les usagers font sur la consommation de ces substances. urinarios, para las dos substancias más frecuentemente consumidas
Il a été fait un étude comparatif de la fiabilité de l’auto-récit vis-à-vis por pacientes en tratamiento en UD – Centro Taipas: heroína y
les résultats d’essais pour la détection de métabolites urinaires, pour cocaína. Se consideraran dos grupos de pacientes: 1) provenientes
les deux substances les plus responsables par la demande de consul- de la consulta, y sin obligatoriedad de realización de tests urinarios,
tation dans UD – C. Taipas: héroïne et cocaïne, dans deux groupes y 2) provenientes del Programa de Metadona, con obligatoriedad de
d’usagers: provenant de la consultation, sans obligation de réalisation realización de testes urinarios.
d’essais urinaires, et usagers du Programme de Méthadone, avec Se encontró elevada concordancia absoluta entre el autorelato y los
obligation de réalisation d’essais, dans un total de 60 usagers. resultados de los tests para las dos substancias. Además, se ha
Il a été trouvé un haut accord absolu entre l’auto-récit et les résultats des constatado que la regla de obligatoriedad de realización de tests no
essais pour les deux substances. On a vérifié aussi que la règle d’obli- influenció la fiabilidad de los autorelatos.
gation de réalisation d’essais n’a pas influencé la fiabilité des auto-récits. Aún que necesitando confirmación por otros estudios, los autores
Quoique dépendent de la confirmation par d’autres études, les auteurs concluyen que estos datos pueden llevar a cuestionar el valor de la
concluent que ces données permettent de mettre en cause la valeur obligatoriedad de la realización de tests para detección de metabolitos
de l’obligation de réalisation d’essais pour la détection de métabolites de sustancias de abuso, pudiendo considerarse la sustitución de esta
de substances d’abus, pouvant même être considérée sa substitution regla por otra, de selección aleatoria, o por indicación específica de la
par la réalisation d’essais par sélection aléatoire et/ou par indication. parte del terapeuta / responsable por el programa.
Mots-clé: Fiabilité de L’auto-Récit sur la Consommation de Héroïne Palabras Clave: Fiabilidad del Autorelato – Relato de Consumos de
e Cocaïne; Essais pour la Détection de Métabolites Urinaires de Heroína y Cocaína; Pesquisas de Metabolitos Urinarios de Substan-
Substances D’Abus; Traitement de Dépendants de Drogues. cias de Abuso; Tratamiento de Drogodependientes.
4 Fiabilidade do auto-relato sobre consumos de heroína e cocaína em utentes da UD – C. Taipas

1 – INTRODUÇÃO dos seus progressos, construíram rotinas e estilos de


A fiabilidade dos dados sobre consumos de substâncias vida organizados para cuja concretização estas dispo-
de abuso relatados por toxicodependentes é frequen- sições constituem um claro obstáculo e limitação. Dito
temente questionada, sendo a utilização de testes para de outra forma, as regras, que numa fase inicial teriam
detecção de metabolitos de substâncias de consumo o eventual mérito de os proteger das recaídas, são
prática corrente em vários programas dirigidos ao tra- agora um factor antagónico ao progresso clínico e pes-
tamento da Dependência de Substâncias. Entre outros soal; a funcionalidade deste quadro normativo parece
objectivos, são utilizados para determinar a prevalência assim manter-se só para quadros de precária evolução
do consumo de substâncias, reforçar a abstinência e em tratamento, ou mesmo de não evolução.
promover a vinculação aos programas de tratamento. Estas constatações levaram-nos a relançar a questão
Em vários países, a obrigatoriedade destas pesquisas da obrigatoriedade, unilateral e permanente, da sujei-
tem mesmo força de lei, sendo uma condição imposta ção a este quadro normativo de todos os doentes em
pelas autoridades sanitárias para a administração de terapia de substituição opióide com metadona. Para
metadona, em contexto de programas de tratamento isso, delineámos um trabalho que pudesse debruçar-se
com este opióide de substituição. sobre os fundamentos implícitos do quadro normativo
Também em Portugal, nos Programas de Tratamento que regula a administração de metadona no contexto
com Agonistas Opiáceos, definidos como sendo de Alto de um programa de alto limiar de exigência – a pouca e
Limiar de Exigência, são exigidas estas pesquisas. Por questionável fiabilidade do auto-relato sobre consumos,
detrás destas disposições legais e práticas clínicas em populações toxicodependentes.
está implícita a noção de que o recurso obrigatório a A consulta a fontes bibliográficas de referência per-
marcadores biológicos para identificação de consumos mitiu constatar a relevância do tema, em termos do
de substâncias psicoativas é necessária em populações elevado número de trabalhos realizados nos últimos
de toxicodependentes, por o seu auto-relato sobre anos. A utilização do termo “reliability of self report
comportamentos de consumo não ser fiável. Curiosa- about drug use”, na Medline, gerou 254 referências,
mente, essas disposições são muitas vezes específicas relativas a trabalhos efectuados sobre o tema, inci-
para os programas de substituição com metadona, dindo sobre todo o tipo de substâncias, psicoativas ou
mantendo-se ao longo de todo o tempo em que o doen- não, de abuso ou mesmo em uso terapêutico. Desses,
te permanece em programa – muitas vezes anos, inde- foram seleccionados 13 trabalhos, os quais se aproxi-
pendentemente das evidências clínicas de mudanças mavam mais directamente ao que pretendíamos rea-
significativas no seu estilo de vida. A especificidade e lizar – estudos metodologicamente controlados sobre
unilateralidade destas disposições contribui inevitavel- auto‑relato de uso / abuso de substâncias psicoativas.
mente para dois efeitos, que se bem que não desejados Nesta análise, observou-se uma aparente diversidade
ou ponderados à partida pelo legislador / gestor clínico, de conclusões dos diferentes autores sobre o tema, a
não são por isso menos sensíveis: a estigmatização dos partir de resultados experimentais igualmente díspares.
doentes que se inserem nesta modalidade terapêutica Os resultados mais baixos em termos da fidelidade do
e a instituição de um quadro normativo permanente e auto-relato foram obtidos em estudos que abordavam
imutável que é particularmente adverso e disfuncional, populações que não se encontravam em tratamento,
em situações de evolução clínica favorável. Quem, nem enquadradas em quaisquer dispositivos de cui-
como nós, trabalha num centro de tratamento para dados específicos para toxicodependentes (Williams
toxicodependentes inseridos em programa de substitui- & Nowatzki 2005: várias substâncias de abuso em
ção com metadona depara-se frequentemente com as adolescentes; Nyamathi, Leake, Longshore & Gelberg
dificuldades e paradoxos que estas disposições consti- 2001: consumos de cocaína em mulheres sem abri-
tuem para doentes em evolução positiva, os quais fruto go; McNagny & Parker 1992: consumos de cocaína
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em homens afro-americanos, habitantes em cidades dos toxicodependentes sobre os seus consumos; e


do interior dos EUA). Por outro lado, os resultados ainda o trabalho de Darke (1998), que demonstrou
mais elevados em termos de fiabilidade foram obtidos que o auto-relato é mais fiável do que os marcadores
em estudos que focavam populações que estavam, biológicos, os registos criminais, ou a informação obtida
ou tinham estado em tratamento (Shillington, Cottler, em entrevistas psiquiátricas ou sociais, quando está em
Mager & Compton III 1995; Brown & Kenzler 1992), causa a obtenção de informação sobre consumos ao
evidenciando mesmo níveis de fiabilidade notáveis para longo da vida.
intervalos de 10 anos. A integração dos resultados da pesquisa bibliográfica
Esta discordância entre resultados de estudos relativos com as questões de base que conduziram à realiza-
à fidelidade do auto-relato de consumos de substâncias ção deste trabalho resulta num robustecimento da
de abuso levou à realização de um manancial de trabalhos importância de pôr sob o foco da análise as nossas
que procuraram sobretudo encontrar factores que práticas institucionais e clínicas. De facto, e segundo
justificassem essas disparidades. Corrente iniciada ainda a pesquisa efectuada, surge fortalecida a hipótese de
nos anos 90 do último século, a pesquisa bibliográfica que a obtenção de um auto-relato fiável sobre consu-
efectuada mostrou o seu claro robustecimento nos mos por parte de populações de toxicodependentes em
últimos anos, fornecendo resultados e conclusões que tratamento resulta mais de factores específicos, do que
contribuem significativamente para a compreensão de tendências incoercíveis para a manipulação desta
deste fenómeno. Assim, da análise destes estudos, informação por parte dos doentes. Estas tendências
obteve-se uma concordância significativa entre autores justificariam a sua sujeição unilateral e permanente a
sobre a importância crucial dos seguintes factores para disposições normativas que determinam a obrigatorie-
as variações na fidelidade dos auto-relatos: o contexto dade de recolhas de marcadores biológicos. A partir
em que o estudo decorre (Kimberlin & Winterstein 2008; desta integração, que corrobora as nossas questões
Neale & Robertson 2003: percepção da desejabilidade iniciais, delineou-se um estudo que decorrerá enqua-
da resposta de acordo com o contexto), o momento drado pelos seguintes objectivos:
do tratamento em que é realizado (Walker & Cosden 1-Avaliar a importância da imposição de realização
2007; Toneatto, Sobell & Sobell 1992: os auto-relatos de pesquisa de metabolitos urinários de heroína
são menos fiáveis no início do tratamento), o tipo de e cocaína na fiabilidade do auto-relato sobre con-
substâncias de abuso em causa (Neale & Robertson sumos destas substâncias na última semana, por
2003; Hser 1997). São ainda mencionados neste âmbito parte dos doentes que são seguidos na consulta da
a importância do tipo e da quantidade de informação UD – C. Taipas;
que é pedida para o doente recuperar (Toneatto, Sobell 2-Avaliar a prevalência do consumo de heroína e
& Sobell 1992), e o tipo de população em estudo, bem cocaína nestes doentes, através da utilização de
como as características específicas dos respondentes um painel de testes urinários, com elevado grau de
(Hser 1997), este último confirmando directamente o precisão e fiabilidade;
que já por nós foi acima mencionado, no que toca às 3-Avaliar parâmetros importantes da prática clínica e
populações e respondentes que geram auto-relatos institucional, não só no que se refere à validade tera-
mais ou menos fiáveis. Em termos de conclusões pêutica da obrigatoriedade da realização de análises
globais sobre o impacto destes factores no fenómeno, urinárias, mas também relativamente à qualidade da
devem ainda ser referidos o já citado trabalho de Neale relação dos doentes com os profissionais do serviço.
& Robertson (2003), em que os autores defendem De acordo com estes objectivos, o ponto de partida
que são mais este tipo de factores, e não tanto uma para este trabalho surge da necessidade de validação
disposição para a distorção deliberada de dados, que da nossa prática institucional habitual – a importância
determinam as variações na fidelidade das respostas da realização de análises urinárias obrigatórias sema­
6 Fiabilidade do auto-relato sobre consumos de heroína e cocaína em utentes da UD – C. Taipas

nais como forma de dissuadir a incorrência em com- Para o grupo de utentes em programa de substituição
portamento de consumo de heroína e cocaína. Assim, opióide com metadona recolhia-se ainda o tempo de
a hipótese a discutir será a de que se encontrarão tratamento em metadona, a dose em administração,
diferenças significativas na fiabilidade do auto-relato bem como o regime actual de tomas (TOD, semanais);
sobre consumos de substâncias psicoativas em doen- obteve-se ainda o historial de eventuais intercorrências
tes que se inserem em programas de tratamento envol- significativas no tratamento – faltas, expulsões, trans­
vendo controlos de metabolitos urinários de heroína e ferências, períodos significativos de consumos.
cocaína, obrigatórios e semanais, em comparação com Numa segunda parte eram colocadas as questões.
os doentes que são alvo de tratamentos em que tal Para efeitos de controlo sobre parâmetros relevantes
imposição não se coloca. De acordo com a perspectiva para a validação da hipótese que subjaz a este estudo,
de validação da prática institucional, a predição asso- avaliou-se o estado actual do funcionamento cognitivo,
ciada a esta hipótese apontará para que os primeiros utilizando-se para tal o Mini Mental State Examination (M.
apresentarão um nível significativamente mais elevado F. Folstein, S. E. Folstein, P. R. McHugh e G. Fanjiang),
de concordância entre os consumos reportados, e os na sua aferição para a população portuguesa (Guerreiro
resultados das pesquisas de metabolitos urinários. et al., 1994). Os resultados deste instrumento tinham
carácter eliminatório, sendo excluídos do estudo os
2 – MÉTODO dados dos utentes que revelassem notas indicadoras
O período de realização do estudo teve início em 19 de de defeito cognitivo. Utilizou-se ainda uma medida do
Junho de 2009, prolongando-se até 4 de Novembro estado e expressão actual da psicopatologia - Brief
de 2009, na UD – C. Taipas, tendo sido escolhidas Symptom Inventory, forma reduzida do SCL – 90
como populações de referência os utentes do serviço (Derogatis & Spencer, 1982 – versão portuguesa aferida
ambulatório inseridos em programas terapêuticos que por Canavarro, 1995).
não envolviam controlos obrigatórios de metabolitos
urinários de heroína e cocaína, e doentes do mesmo 2.2 - KITS de Pesquisa de metabolitos urinários
serviço inseridos em programa de substituição opióide de heroína e cocaína:
com cloridrato de metadona. Sendo este um programa Para o presente estudo foram utilizados os kits ”Drug
de alto limiar de exigência, do contrato terapêutico faz Clip Test 10 – Dispositivo para Teste Múltiplo de Drogas
parte, entre outras condições, a obrigatoriedade de reali- Em Um Só Passo (urina)”, fabricado pela “ALL DIAG”,
zação semanal de pesquisas de metabolitos urinários de Estrasburgo e distribuído pela “A.Menarini.Diagnostics”.
heroína e cocaína. Dos resultados destas pesquisas está Trata-se de um teste imunocromatográfico rápido que
dependente o acesso a certos privilégios, nomeadamen- utiliza anticorpos monoclonais de rato ligados a partículas
te a possibilidade de levar tomas para casa por um perí- e conjugados da droga a ser avaliada, fornecendo um
odo de seis dias, ou a sua revogação; em última análise, resultado analítico qualitativo. O teste faz a detecção
a manutenção de consumos destas substâncias pode simultânea das seguintes substâncias: Anfetamina,
levar à saída compulsiva desta modalidade terapêutica, Barbitúricos, Benzodiazepinas, Cocaína, Canabinóides,
ou à sua transferência para programa de baixo limiar. Metadona, Metanfetamina, Metilenodioximetanfetamina,
Opiáceos e Antidepressivos Tricíclicos, e dispõe de
2.1 - O questionário: controlo interno, que determina o adequado volume da
Para a recolha das medidas das variáveis controladas e amostra de urina e a correcta realização da técnica,
dependentes, foi construído um questionário específico, assinalando os resultados inválidos. Para este estudo
onde eram registados os dados sociodemográficos, o foram apenas considerados os resultados para Heroína
tempo de tratamento na UD – C. Taipas, os diagnósti­ e Cocaína, sendo registados os dados referentes às
cos concomitantes e os tipos de tratamentos em vigor. outras substâncias para posterior tratamento.
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2.3 - A amostra: trução dada era a seguinte: “Iremos agora fazer‑lhe


A realização do estudo implicou a obtenção de uma algumas perguntas sobre os seus consumos na última
amostra constituída por dois grupos, envolvendo um semana, sendo que a resposta que tem de dar será
total de 60 utentes: o Grupo de utentes inseridos em simplesmente SIM ou NÃO. No entanto, antes de
tratamentos que não envolviam pesquisas semanais responder é FUNDAMENTAL que oiça as perguntas
obrigatórias de metabolitos urinários de heroína e coca- até ao fim, e que só responda depois disso. Após
ína (G1 – nG1=30) , e o Grupo dos utentes em pro­grama responder a essas perguntas sobre o que se passou
de substituição opióide com cloridrato de metadona, em consigo em termos de consumos na última semana,
regime de alto limiar, com exigência contratual de pes- vão-lhe ser feitas outras perguntas de resposta sim‑
quisas semanais de metabolitos urinários de heroína e ples e que têm a ver com tarefas diárias que toda
cocaína (G2 – nG2=30). a gente faz, e ser-lhe-á pedido que responda a um
questionário sobre a forma como se sentiu psicologi‑
2.4 - Procedimentos: camente na última semana.” Assegurada mais uma
No período entre 19 de Julho a 4 de Novembro de vez a vontade do doente em participar, eram-lhe
2009, e para efeitos da constituição do G1, os utentes colocadas as duas perguntas: “Durante a última
eram abordados no serviço ambulatório da UD – C. semana, consumiu nem que fosse por uma só vez
Taipas, após as suas consultas. No que se refere ao alguma forma de cocaína, como coca, branca, gulosa,
G2, os utentes eram abordados quando vinham fazer neve, base, free base, crack, folha de coca, chá de
as suas tomas de metadona ao Serviço de Terapias coca?”, e ainda: “Durante a última semana consumiu
Medicamentosas. Em alguns casos, a abordagem ocor- nem que fosse por uma só vez, algum opiáceo, como
ria no dia em que estariam programadas as análises heroína, castanha, cavalo, heroa, brown, brown sugar,
urinárias semanais previstas pelo contrato de alto morfina, mst, algifene, dorlise, subutex, suboxone,
limiar (nomeadamente para os que seguem o regime buprenorfina, buprex, ópio?”;
de take home); para outros, em regime de Tomas de 5) No final da aplicação do questionário e dos testes
Observação Directa (TOD), o contacto ocorria fora do psicológicos era solicitada aos utentes uma amostra
calendário de análises previsto. de urina, sendo reiterado mais uma vez o carácter
A abordagem dos utentes decorria segundo cinco voluntário deste procedimento e a confidencialidade
passos: da informação a obter por essa via. Em caso de
1) Inicialmente, era solicitada a participação de forma novo assentimento, era então obtida a amostra de
voluntária num estudo, anónimo e confidencial, urina. A recolha de amostras de urina era efectuada
sobre consumos de substâncias psicoactivas; no local especificamente destinado para esse efeito
2) Em caso de aceitação, era então explicitado que na UD - C. Taipas. Os procedimentos analíticos, e os
o estudo envolvia não só uma questão genérica registos de resultados das pesquisas e da validade
sobre consumo de drogas, mas o auto-relato dos do teste, eram realizados por uma enfermeira, ou
consumos do próprio na última semana; por um auxiliar de acção médica com formação
3) No passo seguinte, era explicada a natureza do para o efeito.
estudo – obtenção de dados sociodemográficos, e Refira-se que para ambos os grupos, se registaram
sobre a história do tratamento, e duas perguntas situações de indisponibilidade, manifestadas aquando da
sobre consumo de heroína e cocaína na última aplicação do 1º passo dos procedimentos, quando era
semana; solicitada a participação num estudo sobre consumos
4) Obtido o consentimento do utente, o questionário de substâncias psicoativas. Essa indisponibilidade
era aplicado. Após a recolha de dados, surgiam as surgia sobretudo quando era mencionado o tempo de
perguntas sobre consumos de substâncias. A ins- duração dos procedimentos. Na sua maioria, os utentes
8 Fiabilidade do auto-relato sobre consumos de heroína e cocaína em utentes da UD – C. Taipas

que aceitaram participar cumpriram os procedimentos 3 - Resultados:


até ao fim; registaram-se algumas recusas no 5º passo, De forma prévia à demonstração dos resultados obtidos, e
ocorrências que foram registadas, e serão objecto de à discussão da hipótese, convirá verificar de que forma os
análise neste trabalho. A esse propósito, refira-se que Grupos foram constituídos, e se apresentavam diferenças
foram contabilizadas como recusas não só as situações significativas no que toca a parâmetros fundamentais
em que o doente se absteve expressamente de fornecer para a sua caracterização sociodemográfica e clínica.
a amostra de urina, como quando mencionava que lhe
era impossível fazê-lo, por motivos psicológicos, ou 3.1 - Caracterização dos Grupos:
fisiológicos – falta de vontade de urinar por micção Dos utentes que entraram no estudo, obteve-se o
recente, incapacidade de urinar sob pressão temporal, seguinte de registo de adesão com todos os procedi-
ou qualquer outra. mentos previstos:

TABELA 1 – Amostra final.

G1 – Consulta G2 – Metadona
Utentes que entraram no estudo 34 36
Recusas / Exclusões 4 6
Motivos a) Passo 5: Recusa em fornecer amostra a) Passo 5: Recusa em fornecer amostra
de urina = 4 de urina = 4
b) Deficit Cognitivo = 2

Assim, para a constituição de dois Grupos de 30 3.2 - Resultados gerais:


utentes, e no que se refere a G1, iniciaram o estudo Em primeiro lugar, refira-se que das 62 pesquisas de
34 doentes da consulta, dos quais 4 vieram a recusar metabolitos urinários efectuadas (n=60 + 2 doentes
fornecer amostras de urina, após responderem na tota- excluídos por deficit cognitivo), não se detectou qual-
lidade ao questionário e aos testes. Quanto ao Grupo quer tentativa de falsear os resultados. No conjunto dos
2, iniciaram o estudo 36 doentes, que responderam ao dois grupos (n=60), e para as substâncias de abuso em
questionário e aos testes; em 4 casos, recusaram for- causa, obtiveram-se os seguintes resultados, em ter-
necer urina (4 doentes em TOD), e 2 obtiveram scores mos de concordância entre respostas ao questionário
no MMSE que revelavam deficit cognitivo, sendo como e pesquisas de metabolitos urinários:
tal excluídos da amostra.
TABELA 2 – Concordância na amostra:
A partir das respostas ao questionário, obtiveram-se
resultados comparativos relativos aos dos utentes dos Concordância Concordância Concordância
Absoluta Heroína Cocaína
dois grupos. Do estudo da comparação inter-grupos
56 60 56
resultou a constatação de uma notável homogeneidade
(93,3%) (100%) (93,3%)
nas características sociodemográficas e clínicas dos
dois grupos, em todos os parâmetros avaliados: idade, Na análise destes resultados, verificamos que no caso
escolaridade, tempo em tratamento na UD - C. Taipas, dos consumos de heroína as respostas ao questionário
resultados do BSI (teste t: diferenças não significativas coincidiram totalmente com os resultados das pesquisas
para todas as variáveis, p=0.05), e ainda género, estado de metabolitos urinários efectuadas, correspondendo os
civil, situação face ao trabalho, coabitação, e existência casos de discordância unicamente a consumos de coca-
de co-morbilidade psiquiátrica (Qui – quadrado: diferen- ína, que foram omitidos nas respostas ao questionário
ças não significativas para todas as variáveis, p=0,05). (não se verificaram outro tipo de discordâncias, nomea-
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damente por aquiescência). A distribuição destes casos Assim, encontraram-se 3 casos de discordância em G1,
por Grupos é a seguinte: e somente um em G2; a comparação dos resultados
entre Grupos mostra que a sua distribuição não
GRÁFICO 1 – Comparação de respostas discordantes entre Grupos:
apresenta diferenças estatisticamente significativas
30
27
29 (Fisher Exact Test, 1 g.l., p > 0,05).
25 De acordo com os objectivos estabelecidos para
20
este estudo, as pesquisas de metabolitos urinários
permitiriam a avaliação da prevalência de consumos
15
na nossa amostra. Os resultados do gráfico abaixo
10 descrevem, comparativamente, os resultados para os
5 3 dois Grupos, bem como para a amostra total:
1
0
G1 - Consulta G2 - Metadona

Concordância Discordância

GRÁFICO 2 – Prevalência de consumos de heroína e cocaína:

50
45
45
40
35
30
25 23
22
20
15
10
6 7
5 4 5
2 2 2 2
0
0
G1 - Consulta G2 - Metadona Amostra Total

Abstinentes Heroína e Cocaína Consumos de Heroína Consumos de Cocaína Consumos de Heroína + Cocaína

A leitura do gráfico permite perceber que para a amos- frequência de doentes com análises “limpas”, e com
tra global de 60 sujeitos, se obtiveram 45 amostras de análises reveladoras de consumos na última semana;
urina “limpas” de metabolitos de heroína e cocaína, o em segundo lugar, comparou-se os padrões de meta-
que representa exactamente 75% do total de doentes bolitos urinários positivos para cada um dos grupos.
inseridos no estudo. A análise entre grupos foi feita Os resultados dessa análise são sintetizados na tabela
em dois passos: em primeiro lugar, comparou-se a seguinte:

TABELA 3 – Padrões de consumo: Comparação entre Grupos:

Comparação G1 – G2 G1 G2 P
Abstinentes 22 (73,3%) 23 (76,7%) > 0,05
Padrões de Metabolitos Positivos Heroína = 2 (6,7%) Heroína = 0
Cocaína = 4 (13,3%) Cocaína = 2 (6,7%) = 0,024
Combinação = 2 (6,7%) Combinação = 5 (16,7%)
10 Fiabilidade do auto-relato sobre consumos de heroína e cocaína em utentes da UD – C. Taipas

Da comparação realizada, resultou a constatação de mais plausíveis e reais que estas nos parecessem. Este
que no que respeita à proporção de análises revelado- facto, bem como a distribuição homogénea destes even-
ras de ausência de metabolitos de heroína e cocaína, tos pelos dois Grupos, permite avançar que o impacto
os grupos não se comportam de forma heterogénea. O deste fenómeno em termos de discussão da hipótese
mesmo não se passa na comparação dos padrões de pôde ser metodologicamente controlado. Quanto ao seu
metabolitos positivos: os doentes pertencentes a G1, efeito sobre a avaliação da prevalência dos consumos de
com amostras de urina reveladoras de consumos na heroína e cocaína, não pôde ser totalmente controlado,
última semana (8), indiciavam sobretudo o consumo de uma vez que o método fisiológico de avaliação da pre-
uma só substância, assumindo os consumos exclusivos sença de metabolitos de substâncias de abuso utilizado
de cocaína a prevalência sobre os de heroína. A mesma dependia do fornecimento voluntário, imediato e impre-
análise para os doentes de G2 (7) indicou sobretudo visível para o sujeito, de uma amostra de urina, não nos
consumos de heroína e de cocaína na última semana, tendo sido possível recorrer a marcadores biológicos
não se tendo obtido amostras de urina que revelassem que permitissem evitar estes fenómenos (amostras de
consumo exclusivo de heroína. suor, saliva ou de cabelo, por exemplo).
No que respeita ao cerne deste trabalho, a comparação
4 - Discussão de Resultados: da concordância entre os dois Grupos não permitiu o
Acompanhando a mesma estrutura de análise, o primei- apuramento de diferenças estatisticamente significa-
ro aspecto dos resultados a salientar prende-se com tivas, o que aponta para um valor neutro da regra de
a homogeneidade que os Grupos constituídos para a obrigatoriedade de realização de pesquisas urinárias de
discussão da hipótese apresentam entre si. Esta não metabolitos de heroína e cocaína para a promoção de
dissemelhança estatística estende-se a todas as variá- um aumento na fiabilidade do auto-relato de consumos
veis sociodemográficas, e igualmente aos parâmetros na última semana. Os dados sobre a prevalência de
clínicos avaliados (co-morbilidade, tempo em tratamento, consumos de heroína e cocaína apontam para valores
e avaliação do estado actual da sintomatologia psicopato- na ordem dos 75% de abstinência destes consumos na
lógica). Este dado robustece a relevância dos resultados última semana, para a amostra total, a qual foi consti-
obtidos a nível da variável dependente – concordância do tuída tendo por base a população geral que frequenta a
auto-relato e amostras urinárias, bem como potencia a consulta externa da UD – C. Taipas. A não dissemelhan-
discussão da hipótese. O facto de se tratar de um estu- ça dos resultados entre Grupos a nível da abstinência
do com amostragem por conveniência leva a valorizar (G1= 73,3% ; G2 = 76,7%) aponta igualmente para um
acrescidamente este elemento: não permitindo por si impacto neutro quer da regra de realização obrigatória
mesmo uma generalização das conclusões para além de pesquisas urinárias, quer do tipo de intervenção
do que é inerente à natureza metodológica deste tipo terapêutica a que os doentes estão sujeitos (aplicação
de estudos, é indubitável que a não dissemelhança entre do modelo integrado, envolvendo ou não terapia de
Grupos confere às conclusões uma maior consistência. substituição opióide), para a promoção da abstinência.
Na mesma linha, a análise das recusas dos doentes Assim, estes dados apontam para que sejam outras as
em fornecer amostras de urina deve ser mencionada. causas que estão na base destes resultados, as quais
Obtiveram-se um número modesto de recusas (4 em deverão ser encontradas noutros parâmetros clínicos,
cada Grupo, correspondendo a 11,8% dos doentes res- terapêuticos e/ou institucionais do modelo integrado
pondentes aos questionários), que surgiram na sequên- em vigor na UD – C. Taipas.
cia do Passo 5. Para a contabilização destas recusas, foi
utilizado um critério amplo, que levou a não ter em conta 5 - Conclusões:
quaisquer tipo de justificações apresentadas pelos doen- Os dois resultados principais do estudo empreendido
tes para o não fornecimento da amostra fisiológica, por levam a reflectir sobre a validade da regra de obriga­
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toriedade de realização de pesquisas semanais de Neste tipo de intervenção, o eixo central é a relação
metabolitos urinários de heroína e cocaína, quer para terapêutica, espaço privilegiado e condutor de todo o
o aumento da fidelidade da informação prestada pelo processo de mudança, que levará ao recurso faseado e
doente ao terapeuta sobre os seus consumos, quer adequado aos meios de tratamento indicados em cada
para a própria promoção da situação de abstinência. momento para a obtenção de objectivos estabelecidos
Como se referiu na Introdução, a instituição desta no contexto da realidade de cada utente. A combina-
regra como uma das cláusulas do contrato terapêutico ção de esforços de terapeuta e utente na procura de
é frequentemente entendida como um dos factores objectivos plausíveis e de formas de os conseguir, bem
centrais que levam à classificação de um determinado como na análise dos avanços e retrocessos, forjará um
programa de substituição opióide como de alto limiar. laço de confiança que será, em última análise, o factor
Na base desta assumpção, reside a noção de que estes responsável pelos resultados globais apurados, em
programas têm um claro intuito terapêutico, e como termos de fidelidade de auto-relato, e abstinência de
tal visam directamente a situação de abstinência de consumos de heroína e cocaína, bem como pela não
consumos, surgindo as análises de urina como o meio constatação de diferenças significativas entre Grupos
por excelência de confirmar a compliance dos utentes de utentes inseridos em modalidades terapêuticas dife-
com este objectivo. Neste estudo, constatou-se um renciadas em termos de medidas objectivas de controlo
facto que de alguma forma questiona estas assump- sobre os comportamentos de consumo.
ções: num grupo de utentes em tratamento e que não A consistência desta conclusão é reforçada por dois
estão sujeitos a este tipo de controlo, obtiveram-se factores: por um lado, a comparação entre Grupos
resultados semelhantes em termos de fidelidade do evidencia uma não dissemelhança no que concerne a
auto-relato sobre consumos de heroína e cocaína, e parâmetros importantes, relativamente à sua caracte-
um nível de abstinência destes consumos não estatis- rização sociodemográfica, situação clínica e história
ticamente dissemelhantes do encontrado num grupo de tratamentos. Por outro, a comparação dos resul-
de utentes do mesmo serviço inseridos num programa tados obtidos em termos de fiabilidade do auto-relato
terapêutico de substituição opióide, envolvendo con- com o que foi constatado no levantamento bibliográ-
trolo de metabolitos urinários de heroína e cocaína, fico, a qual permite colocá-los ao nível dos valores
obrigatórios e semanais. mais elevados aí encontrados. Uma análise directa e
A extensão lógica da análise destes resultados leva‑nos imediata dos resultados apurados nesse levantamento
a procurar em factores comuns da abordagem clínica evidencia valores, e conclusões claramente contraditó-
destes utentes as causas para os elevados níveis de rias, sobre a validade do auto-relato enquanto meio de
fidelidade de auto-relato, e de abstinência de consu- obter informação segura sobre consumos em popu-
mos que são observáveis em ambos os Grupos, e não lações com dependência de substâncias. No entanto,
naquilo que os distingue em termos de programas numa abordagem mais detalhada, verifica-se que os
específicos, medidas institucionais ou regulamentos, resultados mais elevados em termos de fiabilidade são
como é o caso da regra de obrigatoriedade de realização obtidos nos trabalhos em que a população estudada já
de pesquisas de marcadores biológicos de eventuais detém algum tipo de vínculo prévio com uma institui-
consumos, não directa e voluntariamente confes­ ção prestadora de cuidados, nomeadamente naquela
sados. Assim, o que lhes é comum é o facto de o seu em que o estudo decorre; por outro lado, estudos que
tratamento ser entendido e enquadrado num Modelo se debruçam sobre populações que contactam inicial-
Integrado e Multidisciplinar, em que a referência não é mente centros de apoio, ou que não possuem qualquer
nem uma modalidade terapêutica específica, nem um tipo de enquadramento, apresentam sistematicamente
objectivo ou critério terapêutico a ser obtido num prazo resultados mais baixos, em termos de fiabilidade do
pré-determinado, sob pena de sofrimento de sanções. auto-relato.
12 Fiabilidade do auto-relato sobre consumos de heroína e cocaína em utentes da UD – C. Taipas

A incidência das conclusões deste trabalho sobre a Contactos:


nossa prática institucional aponta para a relativização Miguel Vasconcelos
da importância da regra de obrigatoriedade de realiza- Médico Psiquiatra
ção de pesquisas de metabolitos urinários de heroína Coordenador da Equipa de Tratamento da UD – C. Taipas
miguel.vasconcelos@idt.min-saude.pt
e cocaína, como forma de promover a abstinência
Domingos Duran
sistemática em programas de substituição opióide.
Psicólogo Clínico
Como se depreende do referido no parágrafo anterior, domingosduran@gmail.com
esta conclusão é só válida para o nosso dispositivo
institucional, o qual enquadra todas as iniciativas tera- UD – C.Taipas
pêuticas numa estrutura integrada de intervenção na Av. do Brasil, nº 53
Pavilhão nº 21 B
toxicodependência. No entanto, se resultados seme-
1749-002 Lisboa
lhantes forem obtidos em outros estudos, nomeada-
mente nos que disponham de amostras aleatórias, fica
aberta a possibilidade de discussão sobre a viabilidade Referências Bibliográficas

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Fisher DG, Reynolds GL, Creekmur B, Johnson ME, Deaugustine N.
poderá ser uma possibilidade que se coaduna com (2007) - “Reliability and criterion-related validity”. Sexual Transmissible
situações de estabilização em programa, podendo Diseases. Jun;34 (6):389-91.of self-report of syphilis.
mesmo melhorar o prognóstico sobre a evolução
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measurement instruments used in research”. American Journal of
Agradecimentos: Health-System Pharmacy Dec 1;65 (23):2276-84.
Os autores desejam manifestar o seu agradecimento e
reconhecimento pelo apoio prestado para a realização McNagny SE, Parker RM. (1992) – “High prevalence of recent cocaine
use and the unreliability of patient self-report in an inner-city walk-in cli­
deste trabalho à A. Menarini Portugal Farmacêutica SA, nic”. Journal of the American Medical Association Feb 26;267 (8):1106-8.
pela disponibilização dos kits de pesquisa de metabolitos
urinários de heroína e cocaína. Neale J, Robertson M. (2003) – “Comparisons of self report data
and oral fluid testing in detecting drug use amongst new treatment
São igualmente tributários do nosso reconhecimento clients”. Drug and Alcohol Dependence, 24, Jul 2 57-64
e agradecimento os seguintes profissionais e estagi-
ários da UD – C. Taipas, pela sua participação activa Nyamathi A, Leake B, Longshore D, Gelberg L. (2001) – “Reliability of
homeless women’s reports: concordance between hair assay and self
na realização deste estudo: Enfª Conceição Salavessa report of cocaine use”. Nursing Research May-Jun;50 (3):165-71.
(enfermeira chefe), António Parente, Inês Ribeiro e
Nádia Baptista (estagiários pré-graduados de psicologia Shillington AM, Cottler LB, Mager DE, Compton WM 3rd (1995). – “Self
report stability for substance use over 1 years: data from the St. Louis
clínica), Dr. Francisco Dinis (interno de psiquiatria) e Epidemiologic Catchment Study”. Drug and Alcohol Dependence, 15,
Célia Ângelo (auxiliar de acção médica). Dec. 4 (2)103-109
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