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Fiabilidade do auto-relato sobre consumos de heroína
e cocaína em utentes da UD – C. Taipas
Miguel Vasconcelos, Domingos Duran
RESUMO ABSTRACT
Considerando que a fiabilidade dos dados fornecidos por utentes Considering that the reliability of the data supplied by usuaries
com o diagnóstico de Dependência de Substâncias é frequentemente diagnosed with Substance Dependence is frequently questioned, the
questionado, os autores discutem neste trabalho a hipótese de que authors of this paper argue the hypothesis that the mandatoriness/
a obrigatoriedade/não obrigatoriedade de realização de testes para non-mandatoriness of substances testing have an impact on the reli-
detecção de metabolitos de substâncias condiciona a fiabilidade do ability of the self-report about the consumption of those substances.
auto-relato sobre os consumos das mesmas. A comparative study was made of the reliability of the self-report
Foi elaborado um estudo comparativo da fiabilidade do auto-relato in contrast with results of tests for detection of urine metabolites,
em contraste com resultados de testes para detecção de metabolitos regarding the two substances that are responsible for the majority
urinários, para as duas substâncias mais frequentemente consumidas of cases in the UD – C.Taipas: heroine and cocaine, in two groups of
pelos utentes da UD – C. Taipas: heroína e cocaína. Consideram-se usuaries: proceeding from the consultation, without mandatoriness of
dois grupos de utentes: 1) utentes provenientes da consulta e sem urinary tests, and usuaries of the Methadone Program, with manda-
obrigatoriedade de realização de testes urinários, e 2) utentes do toriness of urinary tests, in a total of 60 usuaries.
Programa de Metadona, com obrigatoriedade de realização de testes. It was found high absolute agreement between the self-report and
Foi encontrada elevada concordância absoluta entre o auto-relato the results of the tests for the two substances. The mandatoriness of
e os resultados dos testes para as duas substâncias. Verificou-se tests did not influence the reliability of the self-reports.
ainda que a regra de obrigatoriedade de realização de testes não Even subjected to further validation from other studies, the authors
influenciou a fiabilidade dos auto-relatos. conclude that these data will put in question the value of the mandato-
Se bem que sujeita a confirmação por outros estudos, os autores con- riness for metabolite detection tests, and they suggest the substitution
cluem que estes dados podem levar a pôr em causa o valor da obri- of these tests by a random selection test and/or indication test.
gatoriedade de realização de testes para a detecção de metabolitos Key Words: Self-Report of Heroin and Cocain Consumption Reliability;
de substâncias de abuso, podendo ser considerada a sua substituição Urinary Metabolites for Abuse Substances Screening; Drug Users
pela realização de testes por selecção aleatória e/ou por indicação. Treatment.
Palavras-chave: Fiabilidade do Auto-Relato de Consumos de Heroína
e Cocaína; Pesquisas de Metabolitos Urinários de Substâncias de RESUMEN
Abuso; Tratamento de Toxicodependentes. Considerando que la fiabilidad de la información referida por los pa
cientes con diagnóstico de Dependencia de Substancias es frecuen
RÉSUMÉ temente cuestionada, los autores plantean en este estudio la hipótesis
Une fois que la fiabilité des données fournies par des usagers avec un de que la obligatoriedad/no obligatoriedad de realización de tests para
diagnostic de Dépendance de Substances est fréquemment interrogée, detección de metabolitos de substancias condiciona la fiabilidad del
les auteurs discutent dans ce travail l’hypothèse selon laquelle l’obliga- autorelato sobre los consumos de las mismas.
tion/non-obligation de réalisation d’essais pour la détection de méta- Se elaboró un estudio comparativo de la fiabilidad del autorelato,
bolites des substances ne conditionne pas la fiabilité de l’auto‑récit que en contraste con resultados de tests de detección de metabolitos
les usagers font sur la consommation de ces substances. urinarios, para las dos substancias más frecuentemente consumidas
Il a été fait un étude comparatif de la fiabilité de l’auto-récit vis-à-vis por pacientes en tratamiento en UD – Centro Taipas: heroína y
les résultats d’essais pour la détection de métabolites urinaires, pour cocaína. Se consideraran dos grupos de pacientes: 1) provenientes
les deux substances les plus responsables par la demande de consul- de la consulta, y sin obligatoriedad de realización de tests urinarios,
tation dans UD – C. Taipas: héroïne et cocaïne, dans deux groupes y 2) provenientes del Programa de Metadona, con obligatoriedad de
d’usagers: provenant de la consultation, sans obligation de réalisation realización de testes urinarios.
d’essais urinaires, et usagers du Programme de Méthadone, avec Se encontró elevada concordancia absoluta entre el autorelato y los
obligation de réalisation d’essais, dans un total de 60 usagers. resultados de los tests para las dos substancias. Además, se ha
Il a été trouvé un haut accord absolu entre l’auto-récit et les résultats des constatado que la regla de obligatoriedad de realización de tests no
essais pour les deux substances. On a vérifié aussi que la règle d’obli- influenció la fiabilidad de los autorelatos.
gation de réalisation d’essais n’a pas influencé la fiabilité des auto-récits. Aún que necesitando confirmación por otros estudios, los autores
Quoique dépendent de la confirmation par d’autres études, les auteurs concluyen que estos datos pueden llevar a cuestionar el valor de la
concluent que ces données permettent de mettre en cause la valeur obligatoriedad de la realización de tests para detección de metabolitos
de l’obligation de réalisation d’essais pour la détection de métabolites de sustancias de abuso, pudiendo considerarse la sustitución de esta
de substances d’abus, pouvant même être considérée sa substitution regla por otra, de selección aleatoria, o por indicación específica de la
par la réalisation d’essais par sélection aléatoire et/ou par indication. parte del terapeuta / responsable por el programa.
Mots-clé: Fiabilité de L’auto-Récit sur la Consommation de Héroïne Palabras Clave: Fiabilidad del Autorelato – Relato de Consumos de
e Cocaïne; Essais pour la Détection de Métabolites Urinaires de Heroína y Cocaína; Pesquisas de Metabolitos Urinarios de Substan-
Substances D’Abus; Traitement de Dépendants de Drogues. cias de Abuso; Tratamiento de Drogodependientes.
4 Fiabilidade do auto-relato sobre consumos de heroína e cocaína em utentes da UD – C. Taipas
nais como forma de dissuadir a incorrência em com- Para o grupo de utentes em programa de substituição
portamento de consumo de heroína e cocaína. Assim, opióide com metadona recolhia-se ainda o tempo de
a hipótese a discutir será a de que se encontrarão tratamento em metadona, a dose em administração,
diferenças significativas na fiabilidade do auto-relato bem como o regime actual de tomas (TOD, semanais);
sobre consumos de substâncias psicoativas em doen- obteve-se ainda o historial de eventuais intercorrências
tes que se inserem em programas de tratamento envol- significativas no tratamento – faltas, expulsões, trans
vendo controlos de metabolitos urinários de heroína e ferências, períodos significativos de consumos.
cocaína, obrigatórios e semanais, em comparação com Numa segunda parte eram colocadas as questões.
os doentes que são alvo de tratamentos em que tal Para efeitos de controlo sobre parâmetros relevantes
imposição não se coloca. De acordo com a perspectiva para a validação da hipótese que subjaz a este estudo,
de validação da prática institucional, a predição asso- avaliou-se o estado actual do funcionamento cognitivo,
ciada a esta hipótese apontará para que os primeiros utilizando-se para tal o Mini Mental State Examination (M.
apresentarão um nível significativamente mais elevado F. Folstein, S. E. Folstein, P. R. McHugh e G. Fanjiang),
de concordância entre os consumos reportados, e os na sua aferição para a população portuguesa (Guerreiro
resultados das pesquisas de metabolitos urinários. et al., 1994). Os resultados deste instrumento tinham
carácter eliminatório, sendo excluídos do estudo os
2 – MÉTODO dados dos utentes que revelassem notas indicadoras
O período de realização do estudo teve início em 19 de de defeito cognitivo. Utilizou-se ainda uma medida do
Junho de 2009, prolongando-se até 4 de Novembro estado e expressão actual da psicopatologia - Brief
de 2009, na UD – C. Taipas, tendo sido escolhidas Symptom Inventory, forma reduzida do SCL – 90
como populações de referência os utentes do serviço (Derogatis & Spencer, 1982 – versão portuguesa aferida
ambulatório inseridos em programas terapêuticos que por Canavarro, 1995).
não envolviam controlos obrigatórios de metabolitos
urinários de heroína e cocaína, e doentes do mesmo 2.2 - KITS de Pesquisa de metabolitos urinários
serviço inseridos em programa de substituição opióide de heroína e cocaína:
com cloridrato de metadona. Sendo este um programa Para o presente estudo foram utilizados os kits ”Drug
de alto limiar de exigência, do contrato terapêutico faz Clip Test 10 – Dispositivo para Teste Múltiplo de Drogas
parte, entre outras condições, a obrigatoriedade de reali- Em Um Só Passo (urina)”, fabricado pela “ALL DIAG”,
zação semanal de pesquisas de metabolitos urinários de Estrasburgo e distribuído pela “A.Menarini.Diagnostics”.
heroína e cocaína. Dos resultados destas pesquisas está Trata-se de um teste imunocromatográfico rápido que
dependente o acesso a certos privilégios, nomeadamen- utiliza anticorpos monoclonais de rato ligados a partículas
te a possibilidade de levar tomas para casa por um perí- e conjugados da droga a ser avaliada, fornecendo um
odo de seis dias, ou a sua revogação; em última análise, resultado analítico qualitativo. O teste faz a detecção
a manutenção de consumos destas substâncias pode simultânea das seguintes substâncias: Anfetamina,
levar à saída compulsiva desta modalidade terapêutica, Barbitúricos, Benzodiazepinas, Cocaína, Canabinóides,
ou à sua transferência para programa de baixo limiar. Metadona, Metanfetamina, Metilenodioximetanfetamina,
Opiáceos e Antidepressivos Tricíclicos, e dispõe de
2.1 - O questionário: controlo interno, que determina o adequado volume da
Para a recolha das medidas das variáveis controladas e amostra de urina e a correcta realização da técnica,
dependentes, foi construído um questionário específico, assinalando os resultados inválidos. Para este estudo
onde eram registados os dados sociodemográficos, o foram apenas considerados os resultados para Heroína
tempo de tratamento na UD – C. Taipas, os diagnósti e Cocaína, sendo registados os dados referentes às
cos concomitantes e os tipos de tratamentos em vigor. outras substâncias para posterior tratamento.
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G1 – Consulta G2 – Metadona
Utentes que entraram no estudo 34 36
Recusas / Exclusões 4 6
Motivos a) Passo 5: Recusa em fornecer amostra a) Passo 5: Recusa em fornecer amostra
de urina = 4 de urina = 4
b) Deficit Cognitivo = 2
damente por aquiescência). A distribuição destes casos Assim, encontraram-se 3 casos de discordância em G1,
por Grupos é a seguinte: e somente um em G2; a comparação dos resultados
entre Grupos mostra que a sua distribuição não
GRÁFICO 1 – Comparação de respostas discordantes entre Grupos:
apresenta diferenças estatisticamente significativas
30
27
29 (Fisher Exact Test, 1 g.l., p > 0,05).
25 De acordo com os objectivos estabelecidos para
20
este estudo, as pesquisas de metabolitos urinários
permitiriam a avaliação da prevalência de consumos
15
na nossa amostra. Os resultados do gráfico abaixo
10 descrevem, comparativamente, os resultados para os
5 3 dois Grupos, bem como para a amostra total:
1
0
G1 - Consulta G2 - Metadona
Concordância Discordância
50
45
45
40
35
30
25 23
22
20
15
10
6 7
5 4 5
2 2 2 2
0
0
G1 - Consulta G2 - Metadona Amostra Total
Abstinentes Heroína e Cocaína Consumos de Heroína Consumos de Cocaína Consumos de Heroína + Cocaína
A leitura do gráfico permite perceber que para a amos- frequência de doentes com análises “limpas”, e com
tra global de 60 sujeitos, se obtiveram 45 amostras de análises reveladoras de consumos na última semana;
urina “limpas” de metabolitos de heroína e cocaína, o em segundo lugar, comparou-se os padrões de meta-
que representa exactamente 75% do total de doentes bolitos urinários positivos para cada um dos grupos.
inseridos no estudo. A análise entre grupos foi feita Os resultados dessa análise são sintetizados na tabela
em dois passos: em primeiro lugar, comparou-se a seguinte:
Comparação G1 – G2 G1 G2 P
Abstinentes 22 (73,3%) 23 (76,7%) > 0,05
Padrões de Metabolitos Positivos Heroína = 2 (6,7%) Heroína = 0
Cocaína = 4 (13,3%) Cocaína = 2 (6,7%) = 0,024
Combinação = 2 (6,7%) Combinação = 5 (16,7%)
10 Fiabilidade do auto-relato sobre consumos de heroína e cocaína em utentes da UD – C. Taipas
Da comparação realizada, resultou a constatação de mais plausíveis e reais que estas nos parecessem. Este
que no que respeita à proporção de análises revelado- facto, bem como a distribuição homogénea destes even-
ras de ausência de metabolitos de heroína e cocaína, tos pelos dois Grupos, permite avançar que o impacto
os grupos não se comportam de forma heterogénea. O deste fenómeno em termos de discussão da hipótese
mesmo não se passa na comparação dos padrões de pôde ser metodologicamente controlado. Quanto ao seu
metabolitos positivos: os doentes pertencentes a G1, efeito sobre a avaliação da prevalência dos consumos de
com amostras de urina reveladoras de consumos na heroína e cocaína, não pôde ser totalmente controlado,
última semana (8), indiciavam sobretudo o consumo de uma vez que o método fisiológico de avaliação da pre-
uma só substância, assumindo os consumos exclusivos sença de metabolitos de substâncias de abuso utilizado
de cocaína a prevalência sobre os de heroína. A mesma dependia do fornecimento voluntário, imediato e impre-
análise para os doentes de G2 (7) indicou sobretudo visível para o sujeito, de uma amostra de urina, não nos
consumos de heroína e de cocaína na última semana, tendo sido possível recorrer a marcadores biológicos
não se tendo obtido amostras de urina que revelassem que permitissem evitar estes fenómenos (amostras de
consumo exclusivo de heroína. suor, saliva ou de cabelo, por exemplo).
No que respeita ao cerne deste trabalho, a comparação
4 - Discussão de Resultados: da concordância entre os dois Grupos não permitiu o
Acompanhando a mesma estrutura de análise, o primei- apuramento de diferenças estatisticamente significa-
ro aspecto dos resultados a salientar prende-se com tivas, o que aponta para um valor neutro da regra de
a homogeneidade que os Grupos constituídos para a obrigatoriedade de realização de pesquisas urinárias de
discussão da hipótese apresentam entre si. Esta não metabolitos de heroína e cocaína para a promoção de
dissemelhança estatística estende-se a todas as variá- um aumento na fiabilidade do auto-relato de consumos
veis sociodemográficas, e igualmente aos parâmetros na última semana. Os dados sobre a prevalência de
clínicos avaliados (co-morbilidade, tempo em tratamento, consumos de heroína e cocaína apontam para valores
e avaliação do estado actual da sintomatologia psicopato- na ordem dos 75% de abstinência destes consumos na
lógica). Este dado robustece a relevância dos resultados última semana, para a amostra total, a qual foi consti-
obtidos a nível da variável dependente – concordância do tuída tendo por base a população geral que frequenta a
auto-relato e amostras urinárias, bem como potencia a consulta externa da UD – C. Taipas. A não dissemelhan-
discussão da hipótese. O facto de se tratar de um estu- ça dos resultados entre Grupos a nível da abstinência
do com amostragem por conveniência leva a valorizar (G1= 73,3% ; G2 = 76,7%) aponta igualmente para um
acrescidamente este elemento: não permitindo por si impacto neutro quer da regra de realização obrigatória
mesmo uma generalização das conclusões para além de pesquisas urinárias, quer do tipo de intervenção
do que é inerente à natureza metodológica deste tipo terapêutica a que os doentes estão sujeitos (aplicação
de estudos, é indubitável que a não dissemelhança entre do modelo integrado, envolvendo ou não terapia de
Grupos confere às conclusões uma maior consistência. substituição opióide), para a promoção da abstinência.
Na mesma linha, a análise das recusas dos doentes Assim, estes dados apontam para que sejam outras as
em fornecer amostras de urina deve ser mencionada. causas que estão na base destes resultados, as quais
Obtiveram-se um número modesto de recusas (4 em deverão ser encontradas noutros parâmetros clínicos,
cada Grupo, correspondendo a 11,8% dos doentes res- terapêuticos e/ou institucionais do modelo integrado
pondentes aos questionários), que surgiram na sequên- em vigor na UD – C. Taipas.
cia do Passo 5. Para a contabilização destas recusas, foi
utilizado um critério amplo, que levou a não ter em conta 5 - Conclusões:
quaisquer tipo de justificações apresentadas pelos doen- Os dois resultados principais do estudo empreendido
tes para o não fornecimento da amostra fisiológica, por levam a reflectir sobre a validade da regra de obriga
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toriedade de realização de pesquisas semanais de Neste tipo de intervenção, o eixo central é a relação
metabolitos urinários de heroína e cocaína, quer para terapêutica, espaço privilegiado e condutor de todo o
o aumento da fidelidade da informação prestada pelo processo de mudança, que levará ao recurso faseado e
doente ao terapeuta sobre os seus consumos, quer adequado aos meios de tratamento indicados em cada
para a própria promoção da situação de abstinência. momento para a obtenção de objectivos estabelecidos
Como se referiu na Introdução, a instituição desta no contexto da realidade de cada utente. A combina-
regra como uma das cláusulas do contrato terapêutico ção de esforços de terapeuta e utente na procura de
é frequentemente entendida como um dos factores objectivos plausíveis e de formas de os conseguir, bem
centrais que levam à classificação de um determinado como na análise dos avanços e retrocessos, forjará um
programa de substituição opióide como de alto limiar. laço de confiança que será, em última análise, o factor
Na base desta assumpção, reside a noção de que estes responsável pelos resultados globais apurados, em
programas têm um claro intuito terapêutico, e como termos de fidelidade de auto-relato, e abstinência de
tal visam directamente a situação de abstinência de consumos de heroína e cocaína, bem como pela não
consumos, surgindo as análises de urina como o meio constatação de diferenças significativas entre Grupos
por excelência de confirmar a compliance dos utentes de utentes inseridos em modalidades terapêuticas dife-
com este objectivo. Neste estudo, constatou-se um renciadas em termos de medidas objectivas de controlo
facto que de alguma forma questiona estas assump- sobre os comportamentos de consumo.
ções: num grupo de utentes em tratamento e que não A consistência desta conclusão é reforçada por dois
estão sujeitos a este tipo de controlo, obtiveram-se factores: por um lado, a comparação entre Grupos
resultados semelhantes em termos de fidelidade do evidencia uma não dissemelhança no que concerne a
auto-relato sobre consumos de heroína e cocaína, e parâmetros importantes, relativamente à sua caracte-
um nível de abstinência destes consumos não estatis- rização sociodemográfica, situação clínica e história
ticamente dissemelhantes do encontrado num grupo de tratamentos. Por outro, a comparação dos resul-
de utentes do mesmo serviço inseridos num programa tados obtidos em termos de fiabilidade do auto-relato
terapêutico de substituição opióide, envolvendo con- com o que foi constatado no levantamento bibliográ-
trolo de metabolitos urinários de heroína e cocaína, fico, a qual permite colocá-los ao nível dos valores
obrigatórios e semanais. mais elevados aí encontrados. Uma análise directa e
A extensão lógica da análise destes resultados leva‑nos imediata dos resultados apurados nesse levantamento
a procurar em factores comuns da abordagem clínica evidencia valores, e conclusões claramente contraditó-
destes utentes as causas para os elevados níveis de rias, sobre a validade do auto-relato enquanto meio de
fidelidade de auto-relato, e de abstinência de consu- obter informação segura sobre consumos em popu-
mos que são observáveis em ambos os Grupos, e não lações com dependência de substâncias. No entanto,
naquilo que os distingue em termos de programas numa abordagem mais detalhada, verifica-se que os
específicos, medidas institucionais ou regulamentos, resultados mais elevados em termos de fiabilidade são
como é o caso da regra de obrigatoriedade de realização obtidos nos trabalhos em que a população estudada já
de pesquisas de marcadores biológicos de eventuais detém algum tipo de vínculo prévio com uma institui-
consumos, não directa e voluntariamente confes ção prestadora de cuidados, nomeadamente naquela
sados. Assim, o que lhes é comum é o facto de o seu em que o estudo decorre; por outro lado, estudos que
tratamento ser entendido e enquadrado num Modelo se debruçam sobre populações que contactam inicial-
Integrado e Multidisciplinar, em que a referência não é mente centros de apoio, ou que não possuem qualquer
nem uma modalidade terapêutica específica, nem um tipo de enquadramento, apresentam sistematicamente
objectivo ou critério terapêutico a ser obtido num prazo resultados mais baixos, em termos de fiabilidade do
pré-determinado, sob pena de sofrimento de sanções. auto-relato.
12 Fiabilidade do auto-relato sobre consumos de heroína e cocaína em utentes da UD – C. Taipas
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