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OBRAS LITERÁRIAS

SSA 2
JOSÉ DE ALENCAR
SENHORA

pessoas começam a olhá-la com outros olhos, passando


a cobiçá-la. Logo, Aurélia estava cheia de pretendentes
Autoria: José de Alencar interesseiros, que queriam viver confortavelmente com a
Título: Senhora sua fortuna.
Número de páginas: 248 páginas
Sabendo que seu antigo namorado, Fernando, estava sem
(depende da edição)
dinheiro, Aurélia decide conversar com seu tutor e tio,
Publicação: 1875
Lemos, para negociar seu casamento com o homem em
Gênero literário: romance urbano
troca de um dote de cem contos de réis. A única condição
Movimento Literário:
para a negociação era que o noivo não poderia conhecer a
Romantismo
identidade da noiva até as vésperas do casamento.
Quando chega o casamento, Fernando
descobre que Aurélia é a noiva, e que a

CONTEXTO
moça estava se vingando dele por ter
sido trocada quando era mais nova. Os

HISTÓRICO-SOCIAL dois se casam, mas vivem um casamento


de aparências, pois Aurélia humilha constantemente o
O romance pertence à segunda metade do homem ao falar que “comprou-o”. Assim, eles se passam
século XIX, época na qual a sociedade por um casal perfeito, mas quando estão na intimidade
vivia de aparências e de contradições. Alencar, nessa de seu lar, só brigam. Porém, depois de um tempo,
perspectiva, critica a sociedade, não de uma perspectiva Aurélia começa a perceber que seu amor por Fernando
esperançosa de mudanças, mas de perspectivas atuais e é maior que a sua vingança, e ele também percebe que
sem soluções aparentes. O casamento por interesse, sem nunca deixou de amá-la. Em meio a isso, Fernando
dúvidas, é um dos grandes exemplos desse olhar crítico do resolve devolver o dinheiro para a senhora, querendo se
autor na obra. ver livre de sua obrigação.
Com isso, temos o final de “Senhora”: quando Fernando
devolve o dinheiro e está prestes a ir embora, Aurélia
RESUMO declara seu amor por ele. Assim, os dois decidem ficar
juntos e, estando apaixonados, acabam vivendo felizes.
Na obra, podemos acompanhar a história de Aurélia Camargo
(a protagonista do romance), filha de uma costureira pobre
e órfã de pai. Depois de perder seu irmão, Aurélia acaba
se apaixonando por Fernando Seixas, um homem muito
ANÁLISE
ambicioso, e namora-o durante um tempo, desejando casar- José de Alencar constrói nesta obra o
se com ele um dia. Porém, o rapaz desfaz a relação ao decidir denominado “perfil de mulher”, por meio
se casar com Adelaide Amaral, mulher rica que lhe do qual busca demonstrar as características
renderia um bom dote e uma vida cheia de confortos. das mulheres que viviam na sociedade da época.
Isso porque o prestígio das pessoas naquele período era
Depois do tempo passar, Aurélia acaba perdendo
definido a partir do dote que possuíam, assim viviam
sua mãe também, mas recebe uma grande herança
relacionamentos de estima social, porém baseado na
de seu avô, podendo ascender socialmente.
aparência e no interesse financeiro.
Quando consegue esse feito, diversas

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IMPORTÂNCIA DA OBRA
Aqui, o narrador narra em terceira pessoa e é
onisciente, destacando os menores detalhes dos cenários
e mergulhando nas reflexões internas dos personagens.
Durante as páginas, critica fortemente o casamento por Sendo um dos últimos de Alencar, Senhora é um
interesse e a forma como o dinheiro condiciona a vida romance urbano que retrata o casamento
das pessoas. Essa característica comercial fica claramente por interesse numa sociedade de aparências
explícita nos quatro títulos que compõem a obra: O preço, do século XIX, mesma época em que o autor
quitação, posse e o resgate. vivia. Nessa obra pertencente à época literária do
Romantismo já é possível observar características do
Optando por um final feliz, Alencar estruturou bem o
Realismo e do Naturalismo.
arco de redenção dos personagens, pois acreditava na
reestruturação do homem na sociedade. É nesse sentido Através dos diálogos e discussões entre Fernando
que, apesar da temática mais ‘’crítica’’ da obra (ao denunciar e Aurélia, podemos notar a visão crítica que estes
a maneira como se davam os casamentos burgueses) e possuem da sociedade, onde o casamento não é
até do tempo narrativo não cronológico (aspecto que não apenas por amor, e mais por interesse.
aparece na maioria dos romances Românticos e aparece
com frequência nos romances realistas), a obra ainda
assim se caracteriza no Romantismo, pois Alencar tem
uma visão de mundo baseada na emoção. O mundo
urbano com seus problemas econômicos e políticos o
Anotações
aborrecem e, por causa deles, foge para o passado.
Além disso, devido ao período em que foi escrito, o livro
apresenta muitas expressões e palavras fora de uso. A
linguagem, no geral, apresenta-se de forma simbólica
e conotativa, com elementos narrativos que passam
por metáforas, aliterações, eufemismos e o uso da
metalinguagem.

TRECHOS DA OBRA

“Convencida de que todos os seus inúmeros


apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam
unicamente pela riqueza, Aurélia reagia contra essa
afronta, aplicando a esses indivíduos o mesmo estalão.
Assim costumava ela indicar o merecimento relativo
de cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor
monetário. Em linguagem financeira, Aurélia contava
os seus adoradores pelo preço que razoavelmente
poderiam obter no mercado matrimonial.”
‘’– Mas o senhor não me abandonou peloú amor de
Adelaide e sim por seu dote, um mesquinho dote de
trinta contos! Eis o que não tinha o direito de fazer,
e que jamais lhe podia perdoar! Desprezasse-me
embora, mas não descesse da altura em que o havia
colocado dentro de minha alma. Eu tinha um ídolo;
o senhor abateu-o de seu pedestal, e atirou-o no pó.
Essa degradação do homem a quem eu adorava, eis o
seu crime; a sociedade não tem leis para puni-lo, mas
há um remorso para ele. Não se assassina assim um
coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a
descrença e o ódio.’’

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JARID ARRAES
POETAS NEGRAS BRASILEIRAS:
UMA ANTOLOGIA

RESUMO
Autoria: Jarid Arraes
Título: Poetas negras brasileiras: A antologia apresenta diversas escritoras do Brasil
uma antologia afora. Alguns dos poemas são acompanhados de
Número de páginas: 128 ilustrações e todos são iniciados pelo nome da autora,
Ano de publicação: 2021 sua cidade e estado. São autoras de todas as regiões
Gênero literário: antologia do país e de diversos estilos literários.
Dentre os variados temas aparece com grande
recorrência o corpo da mulher negra como um
corpo digno de respeito, de beleza, de admiração,

CONTEXTO
diferentemente da forma estereotipada como esse
corpo geralmente é apresentado na literatura e na
HISTÓRICO-SOCIAL mídia. A negritude é exaltada ao longo da grande
maioria dos poemas.
A autora em 2019 abriu uma chamada pública
Dentre os temas aparece a solidão da mulher negra,
para escritoras negras enviarem seus contos e poemas
o amor que muitas vezes não chega a essa mulher,
para comporem uma antologia, independentemente de
reflexo do racismo fundante da sociedade brasileira.
essas autoras já terem sido publicadas ou não.
A ancestralidade encontra um grande eco e as vozes
Como a grande maioria dos textos enviados foi poema, ela dos ancestrais são reverenciadas. Aparecem também a
optou por publicar exclusivamente poemas. desigualdade de oportunidades entre brancos e negros
Seu objetivo com o livro era refletir a diversidade estética na sociedade brasileira, a denúncia do genocídio de
e temática do universo de escritoras negras e mostrar jovens negros, do encarceramento em massa, a falsa
a existência dessas autoras, que ainda lutam para ter meritocracia que embasa discursos racistas.
visibilidade em um mercado editorial que ainda exclui Temas como direito ao corpo, aborto, orgasmo, amor
muitas delas. heterossexual e homoafetivo, maternidade, gozo
como ato revolucionário, entrega, memória, medo,
resistência ao silenciamento imposto e à submissão,
denúncia da violência doméstica também aparecem
com grande recorrência ao longo dos poemas.

ANÁLISE
Historicamente, a literatura negra se
desenvolveu e se manteve graças aos
esforços de seus próprios representantes,
muitas deles participantes de movimentos negros

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organizados dos quais emergiram intelectuais e artistas A obra é aberta pelo emblemático poema
referenciados na cultura brasileira. O mercado literário “Vozes-mulheres”, de Conceição Evaristo:
quase não investia nesse seguimento, ignorando a existência
de um público leitor ávido por livros de autoria negra, que
falassem de sua história e de temas de seu real interesse. A voz de minha bisavó ecoou
criança nos porões do navio.
Hoje, tenta-se reverter essa enorme dívida literária
por reconhecer, publicar e premiar obras de escritores
e escritoras afrodescendentes. Como ocorreu com Ecoou lamentos
as demais minorias, sua literatura foi alijada pelo de uma infância perdida.
predomínio de uma escrita construída por valores
que não a representavam, revelando uma sociedade
A voz de minha avó
pautada pela branquitude. Os avanços sociopolíticos
são insuficientes diante de uma estrutura eurocêntrica ecoou obediência
e patriarcal, e as escritas das mulheres, sejam brancas, aos brancos-donos de tudo.
indígenas, negras, LGBTQIA+ ou marginalizadas, ainda
são consideradas inferiores, exóticas ou moda passageira.
A voz de minha mãe
No caso da literatura negra, a injustiça é acentuada, pois
ecoou baixinho revolta
o direito de escrita dessas mulheres foi sistematicamente
podado, tratando-se de uma das minorias atacadas com no fundo das cozinhas alheias
mais crueldade na sociedade. debaixo das trouxas
As autoras negras foram preteridas em relação a escritores roupagens sujas dos brancos
e escritoras brancos por fatores discriminatórios como a pelo caminho empoeirado
desigualdade de gênero e o privilégio racial. Ser mulher, negra rumo à favela
e poeta é extremamente penoso em um país marcado por
tantas formas veladas e não assumidas de preconceitos
e intolerâncias, sendo necessário lutar pela igualdade A minha voz ainda
literária para todas as mulheres. É nesse cenário que a ecoa versos perplexos
autora cearense Jarid Arraes surge como uma importante com rimas de sangue
referência, sendo a responsável pela organização do livro e fome.
Poetas Negras Brasileiras: uma antologia (2021), mesclando
nomes já reconhecidos como Conceição Evaristo, Cristiane
Sobral, Nina Rizzi e a própria Arraes, e apresentando novos A voz de minha filha
talentos, com um total de 74 poetas. recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.

A voz de minha filha


recolhe em si
a fala e o ato.

O ontem – o hoje – o agora.

Na voz de minha filha


se fará ouvir a ressonância,
o eco da vida-liberdade.

Conceição Evaristo. Escritora, mestre em Literatura


Brasileira e doutora em Literatura Comparada.

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IMPORTÂNCIA DA OBRA
Nesse poema aparecem vozes de mulheres de diferentes
gerações (bisavó, avó, mãe e filha), cada qual ecoando algo
diferente. A voz da bisavó ecoa “lamentos de uma infância
perdida”, a da avó, “obediência aos brancos-donos de Jarid Arraes dá voz a essas escritoras negras que
tudo”, a da mãe, “revolta”, a voz do eu-lírico ecoa “versos bradam contra o racismo, o patriarcado,
perplexos com rimas de sangue e fome”, e a da filha recolhe contra o apagamento de suas origens étnico-
todas essas vozes, ecoando “vida-liberdade”. raciais. Os textos são marcados por uma voz
Esse processo reflete a tomada de voz, a apropriação da poética que fala contra um discurso hegemônico que
escrita como uma forma de resistência a sistemas de destitui o corpo negro de beleza, de intelectualidade.
opressão como o patriarcado, o racismo e toda espécie de São recolhidas diversas vozes que revelam como a
preconceito e estereótipos. escrita pulsa na mão dessas escritoras de diferentes
Ao longo desta antologia nos deparamos com a pluralidade gerações e regiões do país, que não aceitam serem
de ser mulher negra, com sua luta para falar, para existir, excluídas da cena literária, garantindo seu direito de
para questionar um padrão que é socialmente imposto e fala, de grito, de denúncia.
que tenta cercear a mulher negra da fala e do ato.

TRECHO DA OBRA Anotações

E pintei-me / Com as cores da ousadia negra


Com as cores que sempre me couberam
Com as cores que nunca me pintaram
Pintei cabelo, boca e fala
Crespa assumida não mais escondida
Consciência, poder e beleza!
Pintei-me de África Mãe
Dandara, Tereza, N’zinga
Pintei-me África Viva Congo, Ndongo, Benguela
Pintei-me em estampas, tecidos e formas
Verde, vermelho, amarelo
Pintei-me em inspiração ancestral
Tatuagem sobre a pele [...]
Sou preta Sou negra de todas as cores.
De todos os tons
Sou todas as cores.
Sou todas as pretas.
Poema ‘’Todas as cores de preta’’, de Jéssica Regina
(ARRAES, 2021, p. 58-59).

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MACHADO DE ASSIS
DOM CASMURRO E MEMÓRIAS
PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

DOM CASMURRO
apaixonado. Quando começam a namorar, Capitu pensa em
vários planos para livrar Bentinho da promessa, com ajuda
de José Dias, amigo que vive em casa de D. Glória. Nenhum
deles funciona e o menino acaba indo.
Título: Dom Casmurro Durante a sua ausência, Capitu aproveita para se aproximar
Autoria: Machado de Assis de Dona Glória, se tornando cada vez mais indispensável
Número de páginas: 208 para a viúva. No seminário, o protagonista encontra um
Ano de publicação: 1899 grande amigo e confidente, de quem se torna inseparável:
Gênero literário: romance realista Escobar. Confessa ao companheiro o amor por Capitu e
e psicológico este o apoia, dizendo que também quer sair do seminário e
Movimento Literário: Realismo correr atrás da sua paixão: o comércio.
Aos dezessete anos, Bentinho consegue sair
do seminário e começa a estudar direito,
concluindo o bacharelato aos vinte e dois.
Contexto histórico-social Nessa altura, casa com Capitu e seu amigo
Escobar casa com Sancha, amiga de infância
Dom Casmurro é um romance realista voltado
da noiva de Santiago. Os dois casais são muito unidos. O
para a análise psicológica que foi publicado
narrador tem um filho com a mulher a quem dá o primeiro
pela primeira vez em 1899. Ele é ambientado
nome de Escobar: Ezequiel.
no Rio de Janeiro do Segundo Reinado e
narrado em primeira pessoa por Bento Santiago, ou Escobar, que tinha o costume de nadar no mar todos os
Bentinho, um homem branco e rico. dias, morre afogado.
O contexto histórico aparece de forma clara no enredo, No velório, o protagonista percebe, através do olhar de
que trabalha o tema das relações sociais. A elite brasileira Capitu, que ela estava apaixonada pelo seu amigo. A partir
da época é apresentada em sua ambiguidade: ao mesmo daí, fica obcecado com a ideia, reparando em cada vez mais
tempo em que parece progressista, não deixa de ser semelhanças entre Ezequiel e Escobar.
autoritária e patriarcal.

Resumo
A narração começa quando Bentinho, como era chamado
na época, descobre que está apaixonado pela sua vizinha e
amiga de infância, Capitu.
Sua mãe, Dona Glória, muito religiosa,
havia prometido que se o filho nascesse
com saúde, faria dele padre. Assim, aos
quinze anos, Bentinho se vê obrigado
a partir para o seminário, apesar de Pensa em matar a mulher e o filho, mas decide cometer o
saber que não tem vocação e que está suicídio quando é interrompido por Ezequiel. Diz-lhe então

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TRECHO DA OBRA
que ele não é seu filho e confronta Capitu, que nega tudo,
ainda que reconheça as parecenças físicas entre o menino
e o falecido.
É então que decidem se separar. Partem para a Europa onde CAPÍTULO PRIMEIRO / DO TÍTULO
Capitu fica morando com o filho, acabando por morrer na
Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no
Suíça. Santiago leva uma vida solitária, que lhe vale o nome
sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de
de “Dom Casmurro” na vizinhança. Ezequiel, já adulto, vai
homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia,
visitar Santiago e confirma suas suspeitas: é praticamente
para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar
igual a Escobar. Tempos depois, Ezequiel morre, assim
cochilando! Também não achei melhor título para a
como todos os familiares e amigos de Santiago, ele fica
minha narração - se não tiver outro daqui até ao fim
sozinho e decide escrever o livro.
do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará
sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno
esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é
Análise sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores;
Em Dom Casmurro, Machado de Assis trata alguns nem tanto.
a complexidade das relações humanas,
cruzando verdade e imaginação, traição e CAPÍTULO X / ACEITO A TEORIA
desconfiança. Tal como acontece muitas vezes Que é demasiada metafísica para um só tenor, não
na vida real, neste romance o possível adultério surge há dúvida; mas a perda da voz explica tudo, e há
envolto em mistérios, suscitando muitas questões que filósofos que são, em resumo, tenores desempregados.
ficam sem resposta. Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini,
No capítulo final do seu livro, Bento Santiago parece não só pela verossimilhança, que é muita vez toda
chamar a atenção para aquele que acredita ser o tema a verdade, mas porque a minha vida se casa bem à
principal: o caráter de alguém já está determinado ou pode definição. Cantei um duo terníssimo, depois um trio,
ser alterado pelo tempo? depois um quatuor... Mas não adiantemos; vamos à
primeira parte, em que eu vim a saber que já cantava,
Na sua perspectiva, não poderiam ter sido os seus ciúmes, porque a denúncia de José Dias, meu caro leitor, foi dada
nem nenhuma outra circunstância exterior, a conduzir principalmente a mim. A mim é que ele me denunciou.
Capitu para os braços de Escobar; os comportamentos
desleais faziam parte dela, mesmo durante a juventude.
Assim, os “olhos de ressaca” seriam um símbolo da sua

IMPORTÂNCIA DA OBRA
natureza perigosa que atacaria mais cedo ou mais tarde.
Por outro lado, o leitor poderia fazer o mesmo exercício
com o narrador-protagonista e afirmar que no Bentinho
da juventude, que vivia em função de Capitu e se deixava É uma das grandes obras de Machado de Assis e uma
consumir pelo ciúme, estava já Dom Casmurro. das mais famosas da Literatura Brasileira, na obra
o autor confirma o olhar certeiro e crítico
Além disso, em Dom Casmurro há uma representação da
sobre toda a sociedade brasileira (crítica
elite carioca e das intrigas e traições que aconteciam nas
atemporal, uma vez que ainda é válida na
mansões da burguesia contemporânea.
sociedade atual).
Com capítulos curtos e numa linguagem cuidada mas
A trama envolvente, os questionamentos sobre amor
informal, quase como se conversasse com o seu leitor,
e ciúme, e a crítica social presente na obra são alguns
o narrador-protagonista vai contando a história como
dos elementos que tornam esse romance um clássico
se fosse se lembrando dela gradualmente. Não existe
incontestável.
linearidade narrativa, o leitor navega entre as memórias
de Santiago e a ambiguidade das mesmas. Ao explorar a história de Bento Santiago e sua
conturbada relação com Capitu, Machado de Assis
Considerado precursor do Modernismo no Brasil, o
nos presenteia com uma reflexão profunda sobre
romance é encarado por muitos leitores e estudiosos como
a natureza humana e a complexidade das relações
a obra-prima do autor.
interpessoais. A moral da história serve como um
lembrete para que não nos deixemos consumir pelo
ciúme e pelas suposições infundadas.

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MEMÓRIAS PÓSTUMAS
despreocupado e fútil. Conhece a filha de D. Eusébia,
Eugênia, e a despreza por ser manca. Envolve-se
DE BRÁS CUBAS com Virgília, uma namorada da juventude, agora
casada com o político Lobo Neves. O adultério dura
muitos anos e se desfaz de maneira fria. Brás ainda
se aproxima de Nhã Loló, parenta de seu cunhado
Título: Memórias Póstumas de Cotrim, mas a morte da moça interrompe o projeto
Brás Cubas de casamento.
Autoria: Machado de Assis
Número de páginas: 368 Desse ponto até o fim da vida, Brás se dedica à
páginas (depende da edição) carreira política, que exerce sem talento, e a ações
Publicação: 1880/1881 beneficentes, que pratica sem nenhuma paixão.
Gênero literário: romance O balanço final, tão melancólico quanto a própria
Movimento Literário: Realismo existência, arremata a narrativa de forma pessimista:
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o
legado da nossa miséria”.

CONTEXTO
ANÁLISE
HISTÓRICO-SOCIAL Como esta história é narrada por um
Memórias Póstumas de Brás Cubas foi a obra que personagem que já morreu, seu ponto de
inaugurou o período Realista da literatura brasileira, vista é o de um defunto-autor, alguém que
estética predominante no país na segunda metade do ‘’passou para o outro lado’’ e não tem mais
século XIX – espaço temporal este marcado por um certo compromisso algum com os vivos e com qualquer
ceticismo por parte da produção literária da época, a qual preceito social, narrando de um ângulo que transcende o
se propôs, após a euforia Romântica idealista do início tempo e o espaço. Nesse sentido, como o protagonista não
do século, a mostrar a realidade sem fantasias, buscando, tem que agradar ninguém e não precisa tomar cuidado
nesse sentido, explicações para o comportamento social e com suas palavras, ele apresenta um desprendimento
psicológico das pessoas da época. moral e material absoluto; pode assim julgar sem paixão e
A ação do romance abarca a segunda metade do século isento da necessidade de assumir tal ou qual partido, essa
XIX, período que corresponde ao governo de D. Pedro II. ou aquela posição.
A juventude de Brás coincide com a Independência do O protagonista, com o intuito de criticar a elite burguesa
Brasil, em 1822. Assim, sua chegada à idade adulta pode de seu tempo (sem deixar de considerar que fazia parte
simbolizar a maturidade social brasileira. dela), conta sua história à medida que se lembra dos eventos
que se sucederam em sua existência, mergulhando no

RESUMO
passado e meditando sobre suas ações e comportamentos,
além de avaliar os amigos, os familiares e, assim, revelar
um ponto de vista sarcástico, hipócrita e desiludido de sua
própria pessoa e dos que o cercam. Em suas memórias
O romance conta a história de Brás Cubas, um póstumas, Brás Cubas critica a elite burguesa de seu tempo,
homem rico e solteiro que, depois de morto, resolve desmascarando-a e ridicularizando-a. Ele mesmo foi parte
se dedicar à tarefa de narrar sua própria vida. Dessa dela, por isso fala com propriedade de todas as futilidades
perspectiva, emite opiniões sem se preocupar com de seu estilo de vida.
o julgamento que os vivos podem fazer dele. De sua
infância, registra apenas o contato com um colega Ao abrir o livro, o leitor já é surpreendido com a dedicatória:
de escola, Quincas Borba, e o comportamento de
menino endiabrado, que o fazia maltratar o escravo Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do
Prudêncio e atrapalhar os amores adúlteros de uma meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas
amiga da família, D. Eusébia. Da juventude, resgata o memórias póstumas.
envolvimento com uma prostituta de luxo, Marcela.
Depois de retornar de uma temporada de estudos Na página seguinte, o autor defunto chama o leitor para
na Europa, vive uma existência de moço rico, uma conversa ao pé do ouvido e avisa: “A obra em si mesma

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TRECHOS DA OBRA
é tudo; se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se não
te agradar, pago-te com um piparote, e adeus. Brás Cubas.”
A leitura do romance, repleto de capítulos curtos e
formado por pontos, exclamações e por vezes até deixados ‘’Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do
em branco, deve levar em conta a dupla condição do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas
protagonista: há o Brás vivo e o Brás morto. memórias póstumas.’’
O Brás vivo é personagem da narrativa e vive uma existência
marcada pelas futilidades sociais, pela volubilidade ‘’A franqueza é a primeira virtude de um defunto, pois
sentimental e pelo desprezo que manifesta pelos outros. O na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses,
Brás morto é o narrador, que é capaz de expor sem nenhum a luta das cobiças, obrigam a gente a calar os trapos
pudor os próprios defeitos. Em primeiro lugar, porque já velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não
está morto e não pode mais ser atingido pela ira de seus estender ao mundo as revelações que faz à consciência.’’
contemporâneos. Em segundo, porque a condição em que
‘’Acresce que a gente grave achará no livro umas
está lhe dá a sabedoria necessária para perceber que seu
aparências de puro romance, ao passo que a gente
modo de agir é semelhante ao de todos os seres humanos.
frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo
A sociedade da obra é caracterizada como o aí fica privado da estima dos graves e do amor dos
espaço do jogo entre aparência e essência, frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.’’
onde as pessoas interpretam papéis
e fingem ser o que realmente não
são. A impossibilidade de conhecer
as profundezas da alma não impede o
narrador de reconhecer a miséria moral da Anotações
humanidade. Essa descoberta é sustentada
sem problemas pelo Brás vivo, embasado na filosofia do
humanitismo, que afirma que toda atitude humana, boa ou
má, é justificável como um ato de preservação da espécie.
O Brás morto, de sua parte, é capaz de olhar com ceticismo
a própria teoria, chegando a uma conclusão que nada tem
de otimista: por ele, a espécie humana termina ali, já que
não deixa herdeiros da “nossa miséria”.

IMPORTÂNCIA DA OBRA

A publicação desse romance, em 1881, é


precedida pela formato em folhetim da
obra, publicado na “Revista Brasileira”
entre março e dezembro de 1880. Memórias
Póstumas de Brás Cubas é o marco inaugural do
realismo no Brasil. Como fica explícito no título, quem
narra as memórias já está morto, o que estabelece um
diálogo crítico com a estética realista. Noções como
verdade, ciência e razão são colocadas em discussão e
relativizadas por Brás Cubas. O narrador vê o mundo
com ceticismo e desprezo e, dirigindo sua crítica ao
gênero humano, transforma o próprio leitor em uma
das vítimas das ironias do livro.

GUIA DE REPERTÓRIO 10
ALUÍSIO AZEVEDO
O CORTIÇO

começa a construir e alugar pequenas casas, o que leva a


edificação de um grande cortiço: a “Estalagem São Romão.”
Título: O cortiço Logo se ergueriam novas pendências, como a pedreira
Autoria: Aluísio Azevedo (que servia emprego aos moradores) e o armazém (onde
Número de páginas: 239 páginas os mesmos compravam seus artigos de necessidade). O
(depende da edição) crescimento só não agrada ao Senhor Miranda, dono de um
Publicação: 1890 sobrado vizinho.
Gênero literário: romance naturalista
Movimento Literário: Naturalismo

CONTEXTO
HISTÓRICO-SOCIAL
Lançado, em 1890, o livro “O Cortiço”, de
Aluísio Azevedo, é considerado o melhor
representante do movimento naturalista
brasileiro. Trata-se de um romance que se tornou peça-
chave para entender o Brasil do século XIX. Vale ressaltar
que, no entanto, ele não pode ser entendido como um
documento histórico daquela época, pois se trata de uma
ficção. Entretanto, também não se pode ignorar as relações
sociais e as ideologias do país representadas ao longo da
narrativa e que de fato se tornam uma alegoria brasileira.

RESUMO
Nas casas do cortiço, figuras das mais variadas caracterizações
podem ser vistas e apreciadas: entre eles o negro Alexandre,
A área suburbana do Rio de Janeiro do século XIX é o a lavadeira Machona, a moça Pombinha, Jerônimo e Piedade
cenário da história de um esperto e pão-duro comerciante (casal de portugueses), e a sensual Rita Baiana, que desfilava
português chamado João Romão. Comprando um pequeno toda a sua sensualidade dançando nas festas. Num desses
estabelecimento comercial, este consegue se aliar a uma encontros feitos de música e gritos, Jerônimo se encanta
negra escrava fugida de nome Bertoleza, proprietária com a dança de Rita Baiana, o que provoca ciúmes em Firmo,
de uma pequena quitanda. Para agradá-la, amante da moça. Há uma violenta briga, e Firmo fere o jovem
falsifica uma carta de alforria que asseguraria português com uma navalha, fugindo logo depois. Jerônimo
à negra a tão desejada liberdade. O pequeno vai parar num hospital.
estabelecimento, mantido pela esperteza de Forma-se um novo cortiço perto dali, recebendo o
João Romão e o trabalho árduo de Bertoleza, apelido de “Cabeça-de-gato” pelos moradores do cortiço
começa a crescer. Aos poucos o português de João Romão. Estes, por sua vez, os apelidam de

GUIA DE REPERTÓRIO 11
“Carapicus”, o que já indica a competição e a rincha entre seus habitantes. A obra, nessa perspectiva, faz uma
eles. Enquanto isso, Jerônimo volta do hospital e, numa dura crítica social, denuncia preconceitos raciais e a
emboscada, mata Firmo, agora morador do cortiço rival. exploração do homem pelo homem.
Enquanto o jovem português larga a mulher para viver
com Rita Baiana, o pessoal do “Cabeça-de-gato” entra em
guerra com os moradores do cortiço de João Romão para IMPORTÂNCIA DA OBRA
vingar a morte de Firmo. Um incêndio misterioso acaba
com o conflito e destrói grande parte do cortiço do
velho comerciante português. “O Cortiço” é uma obra que expõe o
comportamento humano diante do ambiente
João Romão reconstrói sua estalagem, que fica ao qual o indivíduo está inserido através da
ainda mais próspera, e se alia a Miranda, com a trajetória dos personagens. A história de João
intenção de freqüentar rodas mais finas e elegantes Romão apresenta a visão naturalista das relações
e se casar com um moça de boa educação. O sociais, a ambição do personagem que representa
verdadeiro intento do esperto comerciante é a mão de os desejos da sociedade capitalista, o desejo de
Zulmira, filha do novo amigo. Concretizando seu sonho, prosperar, de possuir bens e ser alguém considerado
só resta agora se livrar do incômodo de sua companheira importante, torna-o um homem sem ligações afetivas.
Bertoleza. Isso se dá através de uma carta enviada
aos proprietários da negra fugida, revelando seu Concomitantemente, a questão da desigualdade
esconderijo. Estes não demoram a aparecer no cortiço social e da exploração são temáticas muito expostas
com o intuito de levá-la de volta. Bertoleza, percebendo na obra, reforçadas através da história de como
a traição, suicida-se com a mesma faca de limpar peixes surge o cortiço até as histórias de cada um dos
que usou a vida inteira para preparar as refeições de João moradores que ali chegaram. Nesse sentido, trata-
Romão e os clientes do seu armazém. se de um retrato e denúncia de como viviam os
moradores das estalagens e dos cortiços cariocas do
final do século XIX.

ANÁLISE Aluísio apresenta no livro um exemplo da má


influência do meio sobre o homem, uma natureza
A obra é composta por 23 capítulos e apresenta
poderosa e transformadora.
um narrador em terceira pessoa. Este é
onisciente, ou seja, sabe de toda a história e tem
poder total na estrutura do romance: entra no
pensamento dos personagens, julga e tenta comprovar TRECHOS DA OBRA
as influências do meio, de raça e do momento histórico.
O tempo da narrativa transcorre de forma linear, com seu “Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava,
começo, meio e fim. Seguindo o tempo cronológico dos abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e
acontecimentos e dos fatos, mas sem precisão de datas. Há, no janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem
entanto, que ressaltar a relação dele com o desenvolvimento dormiu de uma assentada sete horas de chumbo.”
do cortiço e o enriquecimento de João Romão.
Já o local em que se desenvolve toda a trama representa
“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela
o coletivo. O cortiço se projeta na obra mais que os
umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a
personagens que ali vivem, tornando-se, portanto,
esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva,
o personagem principal. Inclusive, alguns trechos
uma geração, que parecia brotar espontânea, ali
do romance personificam ele. Além disso, o ambiente
mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como
é retratado como local de promiscuidade, capaz de
larvas no esterco.”
contaminar quem se aproxima de lá. Sob esse pano de
fundo, o leitor acompanha a ascensão econômica e social
do inescrupuloso João Romão. Partidário do pessimismo e
influenciado por teorias deterministas, Azevedo submete
seus personagens ao poder do sexo e do dinheiro. Isso Anotações
é observado quando o narrador compara o cortiço a
uma floresta, como um organismo vivo, que cresce e
se desenvolve e também dá forças às ervas daninhas,
consequentemente determinando o caráter moral dos

GUIA DE REPERTÓRIO 12
ALBERTINO BRAGANÇA
CONTOS AFRICANOS DOS PAÍSES
DE LÍNGUA PORTUGUESA

A antologia inclui contos de escritores de Angola,


Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e
Autoria: coletânea feita por Príncipe. Cada conto oferece uma visão única da vida
Albertino Bragança | Autores e das culturas desses países africanos, explorando
dos contos: Boaventura Cardoso, temas como identidade, tradição, colonização,
Odete Costa Semedo, José Eduardo independência, e muitos outros.
Agualusa, Nelson Saúte, Luandino Ao reunir esses contos, Albertino Bragança
Vieira, Ondjaki, Teixeira de Sousa, oferece aos leitores uma oportunidade
Albertino Bragança, Luís Bernardo de mergulhar nas vozes literárias
Honwana, Mia Couto. variadas e ricas desses países africanos,
Título: Contos africanos dos países proporcionando uma compreensão mais
de língua portuguesa profunda da diversidade e complexidade
Número de páginas: 144 das experiências africanas de língua
Ano de publicação: 2009 portuguesa. A obra também contribui
Gênero literário: coletânea de contos para a promoção da literatura africana no
contexto global, destacando o valor da
narrativa literária desses países.

RESUMO ANÁLISE
“Contos Africanos dos Países
É uma série de contos africanos de língua
de Língua Portuguesa” é
portuguesa que nos trazem uma cultura
uma antologia organizada
diferente, marcada pela guerra, pela
por Albertino Bragança
miséria, mas também por uma questão do coletivo,
que reúne contos de
da oralidade, dos antepassados. reúne narrativas de
escritores africanos de
dez autores de cinco países: Angola, Cabo Verde, Guiné-
países lusófonos, ou seja, países
Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
onde o português é uma das línguas
oficiais. A obra tem como objetivo Esses países foram colonizados por Portugal, ficaram
destacar a riqueza da literatura independentes apenas em meados da década de 1970 e
produzida na África por autores adotaram a língua portuguesa como idioma oficial.
que escrevem em português.

GUIA DE REPERTÓRIO 13
Durante o final do século XIX e a primeira metade do século
XX, a Europa buscou nas literaturas africanas um certo Anotações
exotismo. Ao invés disso, na obra é
trazida o humanismo que há nos
textos, principalmente porque eles
contemplam abundantemente os
problemas humanos (coletivos,
ideológicos, individuais, sociais
e políticos), além de críticas ao
colonialismo imposto no passado
e ao poder estabelecido a parti r das
independências.
Todos são marcados pelo plurilinguismo
e, em alguns casos, como Cabo Verde e
Guiné-Bissau, a língua de comunicação são
idiomas crioulos originados do contato do português
com línguas locais, mas é em português que está escrita
e consagrada a maior parte de sua produção literária.

IMPORTÂNCIA DA OBRA
O que países separados por um ou dois
oceanos de distância podem ter em comum?
Em primeiro lugar, um idioma que une as
culturas africanas à brasileira e à portuguesa.
Somos ligados por laços que servem para nos
lembrar de que a África não foi somente uma
fornecedora de mão de obra escrava, trazida pelos
colonizadores europeus, mas de seres humanos com
História e histórias para contar.
Se a Língua Portuguesa é o idioma presente nos
documentos oficiais, ensinado nas escolas e usado
na literatura dos Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa (PALOP), há outra herança, que não é
europeia e que possui papel importantíssimo em
reforçar a identidade nacional de cada um desses
países, muito bem representada pela ficção produzida
pelos escritores africanos.

Praça dos Herois Nacionais, na Guiné-Bissau

GUIA DE REPERTÓRIO 14
CASTRO ALVES
E OUTROS AUTORES
ANTOLOGIA DE POESIA BRASILEIRA -
ROMANTISMO

RESUMO
Título: Antologia de poesia
brasileira: Romantismo
Autoria: Gonçalves de Magalhães, Antes de apresentar os poemas dos autores
Gonçalves Dias, Laurindo Rabelo, Românticos, a obra faz uma sucinta e robusta
Cassimiro de Breu, Álvares de explanação sobre como o Romantismo se apresentou
Azevedo, Bernardo Guimarães, no Brasil, desde os pontos históricos, sociais e
Tobias Barreto, Castro Alves, artísticos que culminaram no seu surgimento, tanto
Sousândrade, entre outros. na Europa quanto aqui no nosso país, até questões
Número de páginas: 175 mais estético-visuais da geração.
(depende da edição) Os capítulos antecedentes aos poemas são: Situação
Publicação: 2010 histórica; Neoclassicismo e pré-Romantismo; As
Gênero literário: Poesia (antologia) gerações Românticas; Estética e linguagem; e
Movimento Literário: Romantismo Importância do Romantismo no Brasil.

CONTEXTO ANÁLISE
HISTÓRICO-SOCIAL
Durante toda a coletânea, são trazidos
por meio dos poemas temas comuns à
Foi com o Romantismo que a literatura poesia do Romantismo, como a dúvida
brasileira se tornou uma linguagem na qual existencial, o amor impossível e o até desejo de
aprendemos a nos exprimir, quer como povo morte, mas não apenas. O ímpeto revolucionário, a
mestiço de diferentes etnias, quer como luta pela liberdade, o louvor à pátria e a ‘’heroicização’’ da
indivíduos com diferentes sonhos de figura do indígena são algumas das temáticas aqui vistas,
felicidade. por meio das quais se vê a pluralidade e a diversidade que
o movimento adquiriu no solo brasileiro.
Amplamente representada pelos
poemas reunidos neste livro, a poesia
Romântica é dividida em três fases:
o indianismo, com seu caráter
IMPORTÂNCIA DA OBRA
nacionalista; o ultrarromantismo,
que por sua vez está associado Mais do que ajudar a fundar uma literatura
ao sofrimento amoroso e à própria, os 11 poetas aqui postos celebraram
morbidez; e o condoreirismo, ideais estéticos e políticos que ressoaram
por meio do qual se apresenta à época e que muito nos lembra, também, a
crítica sociopolítica. forma como ainda nos enxergamos enquanto povo
e de que maneira interpretamos algumas questões
sociais da atualidade.

GUIA DE REPERTÓRIO 15
TRECHO DA OBRA Anotações

Adormecida

Uma noite eu me lembro… Ela dormia


Numa rede encostada molemente…
Quase aberto o roupão… solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

‘Stava aberta a janela. Um cheiro agreste


Exalavam as silvas da campina
E ao longe, num pedaço do horizonte
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,


Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras
Iam na face trêmulos — Beijá-la
Era um quadro celeste!… A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia
Quando ela serenava… a flor beijava-a…
Quando ela ia beijar-lhe… a flor fugia…

Dir-se-ia que naquele doce instante


Brincavam duas cândidas crianças…
A brisa, que agitava as flohas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava, ora afastava-se…


Mas quando a via despeitada a meio,
P’ra não zanga-la… sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio

Eu, fitando esta cena, repetia


Naquela noite lânguida e sentida:
“Ó flor – tu és a virgem das campinas!
“Virgem! tu és a flor da minha vida!…”

(Castro Alves)

GUIA DE REPERTÓRIO 16
MARIA FIRMINA DOS REIS
ÚRSULA

Além disso, está fortemente inserida em uma estética


realista, época em que o Brasil estava procurando sua
Título: Úrsula própria identidade literária, na qual a descrição do
Autoria: Maria Firmina dos Reis cotidiano e a evocação de paisagens bucólicas era comum
Número de páginas: 160 entre escritores de diversas regiões. O romance destaca,
(depende da edição) nesses termos, tanto enquanto testemunho lúcido sobre
Ano de publicação: 1859 a escravidão, bem como por representar, em tom de
Gênero literário: romance denúncia, quadros de opressão social relativos a
Movimento Literário: condição feminina no século XIX.
Romantismo

RESUMO
CONTEXTO O romance “Úrsula” narra a história da personagem-
título, uma jovem escravizada que vive na cidade de
HISTÓRICO-SOCIAL São Luís, no Maranhão, durante o período colonial
brasileiro. Úrsula é uma mulher de grande beleza,
A obra denuncia a condição das mulheres
inteligência e bondade, mas sua vida é marcada pela
e do negro na sociedade do século XIX,
brutalidade da escravidão e pelas restrições impostas
demonstrando uma nova ótica no tratamento dado à
às pessoas negras na sociedade da época.
questão de caracterização do africano sequestrado pelos
colonizadores, em uma época de teorias de “superioridades A trama se desenvolve quando Úrsula se apaixona
raciais” e preconceito. por Tancredo, um jovem branco e abolicionista,
filho do senhor de escravos da família em cuja casa
ela trabalha como escrava doméstica. O amor entre
Úrsula e Tancredo é proibido pelas convenções
sociais da época e pelo sistema escravista vigente.
O romance aborda questões importantes
relacionadas à escravidão, ao racismo e à luta pela
liberdade. Úrsula é uma personagem que representa
a resistência e a dignidade das pessoas negras em
um contexto de opressão. Tancredo, por sua vez, é
um personagem que simboliza o abolicionismo e a
luta pela igualdade racial.
Ao longo da narrativa, o leitor é confrontado com as
injustiças e atrocidades da escravidão, bem como com
os dilemas morais enfrentados pelos personagens. A
Uma família brasileira do século XIX sendo servida por
obra também explora as tensões raciais e sociais da
escravos, pintado por Jean-Baptiste Debret, 1830. Fonte:
https://pt.wikipedia.org sociedade colonial brasileira.

GUIA DE REPERTÓRIO 17
ANÁLISE
classe social e cor da pele. A escrava
idosa Susana, por exemplo, é portadora
O enredo da obra representa contextos sociais de memórias sobre os horrores do
do Brasil Império e trata, em linhas gerais, tráfico de escravos. Narra, no romance,
dos profundos quadros de miséria e etapas da brutal viagem marítima que
exploração humana que compõem uma fez da costa africana até chegar ao Brasil.
realidade escravagista. É preciso destacar Firmina, por meio de Susana, endossa um
que o enredo segue um tom melodramático projeto artístico que agrega arte e abolicionismo
folhetinesco e apresenta elementos estéticos próprios antes mesmo do célebre poema “O navio negreiro”,
do realismo literário. publicado em 1870, de Castro Alves.

A obra de Maria Firmina dos Reis ressalta como o homem Em uma sociedade na qual os escravos eram tratados
branco ocupava uma posição hierárquica privilegiada como propriedade, a autora trata do aspecto humano,
dentro da lógica escravista brasileira e usava esse poder negado pela ordem dominante, do negro. O personagem
para exercer desmandos sobre os seus agregados, cônjuges, Tulio, jovem escravo, condensa essa denúncia. Na trama,
filhas e escravos. Essa compreensão Tulio consegue a liberdade depois de um ato heroico que
embasa a construção do personagem consistiu em salvar um rapaz rico e branco da morte. Como
Fernando P., que representa, em termos gratidão, ele compra sua alforria. Mesmo vivenciando uma
simbólicos, a elite senhorial do Império. rotina de injustiças e misérias causadas pelas mazelas da
Elite essa que enxergava o mundo e os escravidão, o jovem escravo permaneceu nobre e humano.
outros como realizadores das suas O que, sem dúvidas, imbui essa obra literária de uma
vontades contando, inclusive, com refinada crítica social.
legitimidade até da esfera religiosa.
As personagens femininas destacadas
pelo realismo romântico da autora
IMPORTÂNCIA DA OBRA
Maria Firmina foram inspiradas na
observação de distintas camadas sociais A escritora maranhense contribuiu de forma
do Brasil Império. A mulher branca e pobre ou negra e definitiva ao resgate das minorias com
escrava, por exemplo. Dando destaque as vozes dessas a marca do discurso afrodescendente e
mulheres, Firmina construiu uma importante reflexão feminino na literatura brasileira, merecendo,
sobre como a condição feminina, em sua época, era alvo assim, uma visão ampliada da literatura. Além de
constante de controle masculino. A sociedade brasileira, possuir uma voz autêntica que desfaz a pretensa
fatidicamente, estava organizada dentro de uma superioridade do abolicionismo branco, masculino e
autoritária e racista lógica senhorial. hegemônico no século XIX.
As personagens Luiza B. e Úrsula dão a entender “Úrsula” é uma contribuição importante para a
como a mulher estava presa a tutela masculina, literatura brasileira por seu engajamento na denúncia
passando do pai para o marido. Dentro da da escravidão e pela representação de personagens
ordem social figurada pelo romance, mulher negros complexos e dignos. Maria Firmina dos
respeitável era aquela que estivesse sempre Reis, com essa obra, deixou um legado significativo
sob a égide de uma figura masculina. Havia na história da literatura brasileira e na luta pela
uma inferiorização social da mulher que igualdade racial.
era agravada ainda mais dependendo da sua

TRECHO DA OBRA
Capítulo IX - A preta Susana
Estavam já feitos os aprestos da viagem, e Túlio, entanto no meio da sua felicidade parecia às vezes tocado por viva melancolia,
que se lhe debuxava no rosto, onde uma lágrima recente havia deixado profundo sulco. Era por sem dúvida a saudade da
separação, essa dor, que aflige a todo o coração sensível, que assim o consumia. Ia deixar a casa de sua senhora, onde senão
ledos, pelo menos não muito amargos tinha ele passado seus primeiros anos. O negro sentia saudades.

GUIA DE REPERTÓRIO 18
E aí havia uma mulher escrava, e negra como ele; – Então não procures ir com esse homem, que
mas boa, e compassiva, que lhe serviu de mãe enquanto lhe apenas conheces! Olha, ainda há pouco vi uma lágrima
sorriu essa idade lisonjeira e feliz, única na vida do homem pender dos olhos dessa boa menina, essa lágrima, creio
que se grava no coração com caracteres de amor – única, que lhe arrancou do coração a notícia da tua partida... e tu
cuja recordação nos apraz, e em que ....* vais-te! Quando voltarás aqui?
Susana, chama-se ela; trajava uma saia de grosseiro – A nossa separação, disse-me o senhor Tancredo,
tecido de algodão preto, cuja orla chegava-lhe ao meio das será por pouco tempo. Volto para junto de vós, mãe Susana,
pernas magras e descarnadas como todo o seu corpo: na e a senhora não reclamará em vão os meus serviços.
cabeça tinha cingido um lenço encarnado e amarelo, que
– A senhora! – Replicou a velha com mágoa – essa, meu filho,
mal lhe ocultava as alvíssimas cãs.
jamais reclamará os teus serviços; ou eu me engano, ou tu
Túlio estava ante ela com os braços cruzados sobre vais dizer-lhe o último adeus!
o peito. Em seu semblante transparecia um quê de dor mal
– Túlio, – continuou – não sabes quanto sofro
reprimida, que denuciava o seu profundo pesar.
quando recordo-me de que a nossa querida menina vai tão
A velha deixou o fuso em que fiava, ergueu-se sem breve ficar só no mundo! Só, Túlio! Quem a acompanhará?
olhá-lo, tomou o cachimbo, encheu-o de tabaco, acendeu-o, Quem poderá consolá-la! Eu? Não. Pouco poderei demorar-
tirou dele algumas baforadas de fumo, e de novo sentou- me neste mundo. Meu filho, acho bom que não te vás. Que te
se: mas desta vez não pegou no fuso. adianta trocares um cativeiro por outro! E sabes tu se aí o
encontrarás melhor? Olha, chamar-te-ão, talvez, ingrato, e
Fitou então os olhos em Túlio, e disse-lhe:
eu não terei uma palavra para defender-te.
– Onde vais, Túlio?
– Oh! quanto a isso não, mãe Susana – tornou Túlio
– Acompanhar o senhor Tancredo de *** – respondeu o – A senhora Luísa B... foi para mim boa e carinhosa, o céu
interpelado. lhe pague o bem que me fez, que eu nunca me esquecerei
– Acompanhar o senhor Tancredo! – continuou a velha com de que poupou-me os mais acerbos desgostos da escravidão,
acento repreensivo – Sabes tu o que fazes? Túlio, Túlio! mas quanto ao jovem cavaleiro, é bem diverso o meu sentir;
sim, bem diverso. Não troco cativeiro por cativeiro, oh não!
Depois de pausa, ajuntou: Troco escravidão por liberdade, por ampla liberdade! Veja,
– Não sentes saudades desta casa, ingrato?! mãe Susana, se devo ter limites à minha gratidão: veja se
devo, ou não, acompanhá-lo, se devo, ou não provar-lhe até
– Não, mãe Susana, não me alcunheis de ingrato. Quantas a morte o meu reconhecimento!...
saudades levo eu de vós! Oh só Deus sabe quanto me pesam elas!
– Tu! tu livre? ah não me iludas! – exclamou a velha africana
– Tu!? – exclamou ela, procurando ler-lhe no fundo abrindo uns grandes olhos. Meu filho, tu és já livre?..
do coração os sentimentos que o animavam. – Tu não levas
saudades algumas. Túlio; se as levasses, quem te obrigaria a – Iludi-la! – respondeu ele, rindo-se de felicidade
deixar-nos? – e para quê? Mãe Susana, graças à generosa alma deste
mancebo sou hoje livre, livre como o pássaro, como as águas;
– A gratidão – respondeu ele com presteza. livre como o éreis na vossa pátria.
– A gratidão!? E não a deves à senhora, que para ti Estas últimas palavras despertaram no coração da
tem sido quase que uma mãe? Não a deves à menina? e por velha escrava uma recordação dolorosa; soltou um gemido
que as deixas? É que não sentes saudades delas. magoado, curvou a fronte para a terra. e com ambas as
– Oh! Sinto-as, sinto-as, e muitas, mãe Susana! mãos cobriu os olhos.

GUIA DE REPERTÓRIO 19
REFERÊNCIAS
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Machado de Assis: impostura e realismo: uma reinterpretação de. Dom


Casmurro. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. GUIMARAES, Hélio de
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CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos


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ROCHA, L.C.M. Um novo olhar para o afro-brasileiro: Leitura de Úrsula de


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REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. Organização, atualização e notas por


Luiza Lobo; Introdução de Charles Martin. Rio de Janeiro: Presença;
Brasília: INL, 1988.

GUIA DE REPERTÓRIO 20

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