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OBRAS

CINEMATOGRÁFICAS
SSA 2
SOPHIE BARTHES
MADAME BAVARY (2015)

ciana da época e a busca implacável de Emma por


Título: Madame Bovary
uma felicidade que ela acredita que merece.
Gênero: Histórico, drama
Duração: 1h 59min O filme se passa na França do século XIX e
Direção: Sophie Barthes acompanha a vida de Emma Bovary
Roteiro: Sophie Barthes (interpretada por Mia Wasikowska), uma
Elenco: Mia Wasikowska, jovem que se casa com Charles Bovary
Ezra Miller, Henry Lloyd- (interpretado por Henry Lloyd-Hughes), um
Hughes médico de uma vila rural. Emma é
uma mulher sonhadora e romântica,
que espera que o casamento a leve
a uma vida de luxo e paixão.
Contexto histórico-social No entanto, Emma logo fica desa-
pontada com a monotonia da vida rural e com a falta
O filme “Madame Bovary” dirigido por Sophie
de emoção em seu casamento. Ela começa a se en-
Barthes, lançado em 2014, é uma adaptação do
volver em aventuras amorosas com outros homens,
famoso romance homônimo escrito por Gustave
incluindo o charmoso Leon (interpretado por Ezra
Flaubert e publicado pela primeira vez em 1857
Miller) e o rico Rodolphe (interpretado por Logan
– e que inaugurou o Realismo.
Marshall-Green).
Portanto, o contexto histórico do filme está fortemente
Enquanto Emma busca desesperadamente uma vida
relacionado ao contexto em que a obra original foi escrita:
de glamour e extravagância, ela acaba afundando seu
romance realista que critica a sociedade francesa do século
marido em dívidas e arrastando-o para um
XIX, especialmente a burguesia provinciana.
destino trágico. A busca insaciável de Emma
por uma vida melhor a leva à ruína e à
tragédia, resultando em consequências
Resumo devastadoras para ela e para aqueles
ao seu redor.

A diretora Sophie Barthes oferece uma adaptação ci-


nematográfica cuidadosamente elaborada do roman-
ce de Flaubert, explorando as complexidades da per- Análise
sonagem principal e sua trajetória trágica.
O filme relata a vida de Emma Bovary, que
“Madame Bovary” é uma história clássica sobre a in- foi criada em um convento e sonhava com
satisfação, o desejo desenfreado e as consequências o casamento, no qual ela depositava
de buscar uma vida de sonhos inalcançáveis. O filme expectativas de ascensão social e uma vida agitada
captura a atmosfera opressiva da sociedade provin- ao lado do seu marido. Porém, esses anseios foram
frustrados, uma vez que o senhor Bovary gostava da

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monotonia de sua rotina e não tinha outras ambições além Comparando aos dias atuais, as mulheres já conseguiram
de sua carreira como médico de província. Isso despertou garantir direitos básicos e essenciais, rompendo aquela
em Emma uma rebeldia e insatisfação com seu matrimônio, total dependência do sexo frágil perante o poder masculino.
o que a fez despertar para um consumismo desenfreado e Todavia, persiste um machismo velado na sociedade, na
uma vida repleta de traições e mentiras, na tentativa de qual a figura feminina ainda sofre preconceitos e retaliações
driblar todo o tédio que a jovem mulher sentia. sobre seus comportamentos e visões, reforçando que a luta
por direitos iguais para ambos os sexos ainda é necessária
Diante dessa perspectiva, é instigado no
para que a “liberdade” seja realmente alcançada.
expectador o questionamento sobre o
lugar de fala das mulheres dentro de Dessa forma, é revelado ao telespectador a
suas relações conjugais e perante a importância da imposição feminina em
sociedade, que por muito tempo foi sua vida social, na qual a mulher deve ser
privado e a figura feminina sempre fora autora de sua própria vida e não apenas
submissa ao homem, seja esse seu pai, irmão ou marido. uma coadjuvante à sombra de seu
Assim, eram impelidos a obediência estrutural e marido ou seus pais. No que tange
conivência às suas ordens e desejos, sem ao menos poder à estética técnica da obra, os figuri-
questionar sem que sofresse alguma retaliação. nos e comportamentos dos persona-
gens fazem jus à época retratada no filme
Esse cenário persistiu até meados do século
(e também no livro de inspiração), o que
passado, em que a mulher era tida como
cria um cenário mais agradável e coeren-
“sexo frágil’’ e posição inferior aos homens,
te com a história relatada. Porém, a obra
sem acesso a direitos básicos (como ler,
deixa a desejar na ligação das cenas, o que
participação política, escrever) e sem os
faz com que o expectador fique confuso em
mesmos privilégios do sexo oposto. Até que,
determinadas partes do filme, o que pode
então, surge o movimento feminista, no fim do
justificar a ausência de reconhecimentos e
século XIX, com o objetivo de lutar pelos direitos
premiações da crítica.
sociais das mulheres e “libertá-las” dos padrões
e regras impostas pela sociedade patriarcal.

Anotações

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CLAUDE BERRI
GERMINAL (1993)

Resumo
Título: Germinal
Gênero: Histórico, drama O filme se concentra em Étienne Lantier, um jovem
Duração: 2h 40min desempregado que, desesperado por trabalho, parte
Direção: Claude Berri em busca de emprego nas minas de carvão do norte da
Roteiro: Arlette França. Ele encontra trabalho nas minas de Montsou
Langmann e rapidamente é confrontado com as duras condições
Elenco: Renaud, Miou- de trabalho e a exploração brutal dos mineiros por
Miou, Gérard Depardieu parte dos proprietários das minas.
Étienne começa a se envolver com os mineiros e se
torna um líder sindicalista que luta pelos direitos dos
trabalhadores. Ele se apaixona por Catherine, uma
jovem mineira, e os dois iniciam um relacionamento
Contexto histórico-social complicado.
O filme aborda as relações de trabalho, as lutas Conforme a tensão entre os mineiros e os proprietários
de classe existentes na sociedade capitalista, das minas aumenta, ocorre uma greve devastadora. A
o processo de instalação do capitalismo nas greve leva a confrontos violentos e ao sofrimento
cidades e o ritmo da produção e da exploração extremo dos mineiros e de suas famílias. Étienne,
dos trabalhadores pelos patrões através do Catherine e outros mineiros enfrentam dificuldades
trabalho desumano nas minas de carvão enormes enquanto lutam por melhores condições de
francesas, retratando claramente as se- trabalho e uma vida mais digna.
veras transformações sociais impos-
tas pelo modo de produção capitalista
durante a Revolução Industrial na França do século XIX.
O nome do filme faz menção justamente a isso, isto é, Ger-
minal é o primeiro mês da primavera no calendário da
Revolução Francesa e há uma associação do germinar com
as sementes que ainda virão a brotar, que no caso são as pos-
sibilidades das organizações de movimentos
sociais, enredo do longa-metragem
que retrata exatamente o cresci-
mento dos movimentos gre- Análise
vistas e do início da organi-
Baseado no romance francês Germinal de
zação trabalhista em torno
Émile Zola, Germinal, O Filme é uma repre-
de um objetivo, que no
sentação bem realista do que fora a vida dos
caso, era melhorar as
mineiros na França em meados do séc. XVIII, período que
condições de traba-
configura o final da Revolução Industrial e início da Revo-
lho e o aumento
lução Francesa.
de salário.

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Logo nas primeiras cenas quando o jovem Etienne vai à Chapal, o qual lhe aparenta ser um bom supridor, alguém
mina Voreux a procura de emprego, ele se depara com Boa que poderia livra-la das agonias da fome. Entretanto, o
Morte, mineiro desde os oito anos de idade, cujo nome faz salário de Catherine faz muita falta a família e a esposa de
jus às diversas mazelas já sofridas devido ao trabalho Maheu, mãe de Catherine, fica indignada com a posição da
exaustivo e arriscado nas minas de carvão. Essa é a primeira filha, chegando ao ponto de amaldiçoá-la.
cena em que é percebida a indiferença do sistema
Outra prática comum aos trabalhadores da época eram as
capitalista no que se refere ao trabalhador. Boa Morte é o
feiras, também contextualizados no filme. Após uma sema-
retrato perfeito do saldo da miséria e precariedade
na árdua de trabalho nas minas, aos domingos, os trabalha-
procedente da clara exploração do trabalho existente
dores resolviam esquecer das tristezas e das aflições da
na época. Ele é um senhor que aparenta ter uma idade
vida e se divertiam com música, dança e
muito maior do que a tida e que mal consegue respirar,
jogos tradicionais. Além de recolher o
tendo acessos constantes de tosse acompanhada da
carvão, o trabalho do minerador incluía a
expectoração de carvão.
construção de escoras, que tornavam
Nas cenas seguintes é apresentada a família do minerador firme a estrutura das minas, porém o
Maheu, filho de Boa Morte e pai de sete filhos, dos quais pagamento do salário era proporcional a
quatro trabalham na mina acrescentando quantidade de vagonetas de carvão produzidas,
alguns contos à renda familiar, que por por isso os mineradores preferiam encher as vago-
sinal era mínima e mal dava para o netas a escorar, o que além de colocar a estrutura da mina
sustento. Quanto aos outros, ainda em perigo, sobretudo, colocava a vida deles em risco.
crianças, faltavam-lhes pouco para
No entanto, dadas as circunstâncias de miséria em que
atingir a idade mínima e assumir o
viviam, dava-se mais importância ao salário imediato e a
ofício árduo de minerador.
saciedade da fome, do que ao cuidado com a própria vida.
A configuração desta família traduz aspectos comuns à O problema é que o lesar da estrutura das minas colocava o
família proletária da época a qual sofria as lamúrias da capital e o lucro adquirido em questão, e isso interferia no
fome e se via obrigada a empregar suas crianças nas bem-estar da burguesia gerenciadora do sistema, a qual,
indústrias, tirando-lhes a esperança de um futuro sem não contente com a situação, estabelece uma nova forma
os saldos da exploração. Essas crianças, geralmente, de pagamento, no qual as escoras são pagadas à parte e por
tornavam-se adultos doentios e fatigados tanto pelas horas consequência os preços das vagonetas caem, prejudicando
excessivas de trabalho quanto pela pouca remuneração, ao trabalhador que tem o salário reduzido por conta da
como ocorrido com o personagem Boa Morte. Quando um nova imposição.
dos trabalhadores morre, o jovem Etienne acaba sendo
Cansados da fome e dos modos de vida
empregado por conta da necessidade de reposição da
que levavam, os mineiros protestam à
mina, que precisava restituir a ‘peça’ perdida.
aplicação da nova norma e pedidos pe-
Na época, o trabalhador era tratado com tamanho desdém, las ideias revolucionárias do jovem
que pouco significava a morte de um deles, levava-se em Etienne, e então, decidem fazer
conta apenas os custos financeiros que a falta deste um fundo de renda com o intuito
poderia causar, por isso a necessidade rápida da reposição. de financiamento a uma greve, que
aconteceria caso a proposta de au-
Nesse período, também, era comum a
mento no valor das vagonetas não fosse aderida.
resistência dos pais ao casamento dos
filhos, já que quando um dos membros Dado isso, os mineiros liderados por Maheu, vão à procura
da família saía de casa, perdia-se do dono da Vourex, que adota uma postura relutante em
sobretudo, um contribuinte para relação à aceitação da proposta e, durante o diálogo,
renda da família e no filme, essa tenta manipular os trabalhadores, alegando que a
questão fica clara em duas situações. culpa das recentes misérias sofridas pelos operários
não recai sobre os proprietários das minas e que
A primeira é quando um dos filhos de
a situação presente tem origem na crise nacional
Maheu casa-se com uma moça da vila e Etienne e é chamado
enfrentada pela França, a qual além de encarar a
para morar com a família a fim de substituir o salário antes
gradual interrupção da exportação de ferro e bronze para
empregado por Zacharie. E a segunda, quando Catherine,
as Américas, sofria com problemas climáticos que além
filha de Maheu, casa-se com Chapal, um minerador de
de acentuar a escassez de alimentos no país, também,
pouca razão, mas que tinha um físico forte capaz de
colhia os resultados dos envolvimentos em guerras, que
produzir bastante, suprindo as necessidades da moça
deixaram dívidas para o Estado.
que, mesmo apaixonada por Etienne, prefere se casar com

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Ainda declarando-se uma das vítimas da crise estabelecida, estavam justamente num período de criação de sindicatos
o proprietário da mina, em uma de suas falas, afirma ser um que reivindicavam melhores salários e
empregado como tantos outros sem poder algum – discurso condições de vida para os operários.
que tem fundamento nas divisões gerais de classes que
Rassaneur, não apoia o movimento
vigoravam na época, na qual operários e burgueses faziam
de greve, o qual para ele, seria um
parte de um mesmo escalão social: o terceiro estado, que por
completo fracasso. O ponto de vista
sua vez era incumbido de sustentar o clero e a nobreza, que
anarquista também é apresentado
nos últimos tempos com a crise social acabavam aumentando
através do personagem Suvanir, o
as cobranças saldadas pelo terceiro estado. É a partir desse
qual sustenta o projeto de destruição
momento que é percebido um descontentamento da
do mundo como a única forma de
burguesia em relação aos privilégios do primeiro e
restabelecimento na qual talvez possa
segundo estado, respectivamente, clero e nobreza, o que
haverumasociedademelhor,maisigualitária.
mais tarde culminaria na Revolução Francesa.
As ideias de Etienne têm a aceitabilidade dos mineiros que
O primeiro caráter é representado por Etienne, o qual pode
compactuam com o revolucionário e deflagram a greve,
ser considerado um socialista utópico que não estuda suas
uma alternativa que não trouxe muitos resultados devido
ações antes de fazê-las, assim como, tende mais pela
ao agravamento da fome e miséria mediante o fim das
situação momentânea, insistindo numa greve a qualquer
economias reunidas no fundo de renda, criado antes da
custo. Em contrapartida, Rasseneur, dono de um pequeno
paralisação. O resultado da greve foi a morte de milhares
bar, defende uma ação mais planejada em conjunto com
de pessoas por conta de doenças causadas pela miséria e
toda a classe operária, não só os mineiros, desta forma
pela fome. O movimento, em si, fora considerado válido e
incentivando a associação dos mineiros à AIT (Agência
uma experiência difícil, contudo proveitosa afinal, uma vez
Internacional dos Trabalhadores), que para ele seria
que os capacitaria para novos embates no futuro.
uma ação imprescindível na luta dos trabalhadores que

Anotações

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NORMA BENGELL
O GUARANI (1996)

Narrado em terceira pessoa, o


romance ambienta-se nas flo-
Título: O guarani restas do interior do Rio de
Gênero: Romance, drama Janeiro, às margens do Pa-
Duração: 1h 31min quequer, hoje localizada
Direção: Norma Bengell numa região não tão distante
Roteiro: José Joffily da cidade de Campos dos Goi-
Elenco: Márcio Garcia, tacases. Este ambiente é descrito na
Tatiana Issa, Glória Pires linguagem poética e detalhada que é
peculiar ao estilo de Alencar. A figura central é a do
índio Peri, da tribo dos goitacases, fiel amigo do fidal-
go português D. Antônio de Mariz e protetor incansá-
vel de sua filha Cecília.
Contexto D. Antônio instala-se num forte em meio à mata
Histórico-social fechada, trazendo consigo sua família: D. Lauriana,
sua esposa; D. Diogo e Cecília, filhos do casal; Isabel,
Na versão cinematográfica, a obra mantém filha do fidalgo com uma índia, mas oficialmente tida
a mesma temática do romance e representa, de como sobrinha. Junto com a família encontra-se
modo similar à obra de partida, os mesmos valores Álvaro de Sá, um jovem cavaleiro de confiança de D.
impostos pela sociedade seiscentista. A retomada de ideais Antônio, uma turma de homens que fazem a guarda
românticos, principalmente da natureza, como símbolo da da família e os empregados da casa.
nacionalidade, faz-se com objetivos aparentemente seme-
A obra organiza-se em torno de alguns
lhantes aos do autor oitocentista, ou seja, buscando com-
fatos essenciais à compreensão da
por um painel da nação.
narrativa: a devoção e fidelidade de
Peri à Cecília; o amor não correspondido
de Isabel por Álvaro e o amor deste por
Resumo Cecília; a morte de uma índia aimoré, provocada
acidentalmente por D. Diogo; a vingança dos
aimorés, tribo antropófaga, que tenciona atacar
Publicado inicialmente em folhetins no Rio de Ja- o forte, fato simultâneo ao motim dos homens de
neiro, “O Guarani” (1857) é um dos mais popula- D. Antônio, liderados por Loredano, um ex-
res romances de José de Alencar, adaptado para frei ambicioso e devasso que pretende
minissérie na TV e filme, produzido por Nor- saquear a casa e raptar Cecília, a quem
ma Bengell e com um famoso ardentemente desejava.
elenco como Glória Pires, Már-
cio Garcia, dentre outros de O plano de Loredano, no entanto, é
grande popularidade na tele- descoberto e ele não consegue levar
visão brasileira. adiante seu intento sendo julgado e
morto na fogueira. Com o ataque dos

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aimorés, todos se unem à volta de D. Antônio e se
preparam para a defesa da casa e da própria vida.
O dilúvio foi uma forma de apagar o passado dos
O número de índios aimorés, entretanto, é muito grande dois jovens, superando-se as relações de “escravo”
e a morte é inevitável. Peri, desesperado para salvar a e “senhora” existente entre ambos, bem como se
família, toma um veneno indígena e luta sozinho com superam as diferenças raciais e culturais.
os aimorés, matando vários deles para incitar-
A água, símbolo de purificação e renovação, ao mesmo
lhes a ira. Depois se entrega. Seu
tempo em que desabriga o casal, iguala-os. Já não são
plano é extinguir completamente a
mais o selvagem e o civilizado: são apenas homem
nação aimoré, pois ele sabia que era
e mulher, livres da convenção social, prontos para
costume desta tribo beber do sangue e
“habitar o paraíso americano” e viver a “vida natural”
comer da carne de um inimigo sacrificado,
idealizada por Rousseau. Assim, supõe-se que, ao invés
para assimilar, simbolicamente, todas as qualidades
de morrer, o casal repetirá a lenda de Tamandaré.
daquele guerreiro. Mas o plano de Peri é interrompido
pelos homens de D. Antônio que, compadecido pelo
sofrimento de Cecília em perder o amigo, ordena-lhes
que salvem o índio da morte. Peri foge irritado para a
floresta, à procura de um antídoto para o veneno.
Análise
Quando retorna, completamente curado, o índio
depara-se com a seguinte situação: Isabel suicidara-se O filme “O Guarani,” dirigido
com pó de curare, presente de sua mãe, juntamente por Norma Bengell, em 1996, é
com Álvaro, que reconhece seu amor; D. Antônio está uma adaptação da obra homônima
prestes a explodir a casa, para não cair nas mãos cruéis de José de Alencar, um dos maiores escri-
dos indígenas enfurecidos. Peri, desesperado com a tores da literatura brasileira do século XIX.
possível morte de Cecília, propõe um plano para a fuga Esta versão cinematográfica da história é uma
da família, mas D. Antônio recusa em nome da honra. tentativa de trazer o romance clássico para as
telas de forma contemporânea e inovadora. No
Em meio a tantos infortúnios, o fidalgo vê em Peri a
entanto, o resultado final é controverso e polarizante.
possibilidade de salvação da filha: batiza-o e, sendo
um cristão, passa a ser apto para fugir com a jovem e A trama de “O Guarani” gira em torno do amor proibido
entregá-la nas mãos dos parentes que moram no Rio entre Ceci, uma jovem europeia, e Peri, um indígena
de Janeiro. Os dois partem e vêem, ao longe, a casa guarani. A história se passa no contexto do Brasil colonial,
explodir. À Cecília só resta Peri. onde o choque entre as culturas europeia e indígena
é um tema central. A relação entre Ceci e Peri enfrenta
Cecília insiste para que Peri venha morar com
inúmeros obstáculos, incluindo preconceito, rivalidades
ela na cidade, ao lado de seus parentes. Mas
familiares e a oposição da sociedade da época.
ele recusa: não está disposto a abrir mão
de servir Cecília, algo que será impossí- Um dos aspectos mais notáveis do filme é a escolha de
vel no meio do homem branco, nem a Norma Bengell de trazer elementos modernos e estilizados
servir de escravo ao homem civilizado. para a adaptação. A cinematografia é marcada por imagens
Sensibilizada por sua sinceridade, Cecília poéticas e visuais, que buscam transmitir a intensidade
decide viver com ele na floresta. Duran- emocional da história de amor. Além disso, a trilha sonora
te dias eles rumam a um destino incer- de Caetano Veloso contribui para a atmosfera única do filme.
to e são surpreendidos por uma forte No entanto, a abordagem estilizada também é uma das
tempestade, que inunda o Rio Paraíba, principais críticas ao filme. Alguns espectadores podem
transformando-se num dilúvio. Peri luta considerar que a estética visual e sonora se sobrepõe
contra a própria natureza para despren- à narrativa e torna a história mais difícil de seguir. Além
der uma palmeira do solo, a fim de salvar Cecília. disso, a interpretação dos personagens e a direção de
Abrigados no topo da palmeira, Cecília espera pela atores são irregulares, o que pode afetar o envolvimento
morte, mas o índio, confiante, conta-lhe a lenda emocional do público com os protagonistas.
de Tamandaré, segundo a qual ele e sua esposa Outro ponto de controvérsia é a representação dos indíge-
salvaram-se de um dilúvio abrigando-se no topo nas guarani. Enquanto o filme busca celebrar a cultura e a
duma palmeira desprendida da terra, alimentando- resistência indígena, alguns críticos argumentam que
se dos frutos. Ao término da enchente, ambos ele reforça estereótipos e romantiza demais a relação
desceram da palmeira e povoaram a terra. entre Ceci e Peri.

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JÚLIO BRESSANE
CAPITU E O CAPÍTULO (2021)

XIX, quando escreve Machado de Assis. Como consta nos


créditos finais de Capitu e o capítulo, o filme é “extraído
Título: Capitu e o capítulo de” Dom Casmurro (1899), não uma adaptação.
Gênero: Romance, drama
Duração: 1h 15min
Direção: Júlio Bressane Resumo
Roteiro: Júlio Bressane,
Rosa Dias
Elenco: Mariana Ximenes, “Capitu e o Capítulo” é um filme
Enrique Díaz, Vladimir brasileiro lançado em 2017, dirigido
Brichta por Júlio Bressane. O filme é uma
adaptação da obra “Dom Casmurro,”
de Machado de Assis, e apresenta uma
abordagem criativa e contemporânea
da história narrada por Bentinho, o
protagonista do livro.
Capitu e o Capítulo foi
exibido no Festival do A trama é recontada a partir do ponto de vista
Rio em 2021, mas só de Capitu, a suposta protagonista-vilã da obra
chegou aos cinemas
em 2023 devido à
original, que é frequentemente acusada de traição
pandemia por Bentinho. No filme, Capitu narra sua versão da
história, questionando a perspectiva de Bentinho e
oferecendo uma visão diferente dos eventos.
O filme explora temas como o ciúme doentio, a
Contexto histórico-social obsessão e a complexidade das relações humanas. Ele
apresenta uma narrativa não linear, mesclando cenas
Ao contrário de tantos realizadores que resumem do passado e do presente, enquanto Capitu reconta
um livro à sua “história”, o diretor do filme sua história e as circunstâncias que levaram às
compreende que a ordem de acontecimentos suspeitas de traição.
constitui mero detalhe dentro de uma construção
literária que assumiu múltiplos significados ao longo “Capitu e o Capítulo” busca dar voz a um dos per-
do tempo. Por isso, foge à armadilha de reproduzir a sonagens mais enigmáticos da literatura brasileira,
sociedade brasileira do final do século XIX: Capitu e o oferecendo uma nova interpretação do clássico de
Capítulo (2021) pertence sem dúvida ao século XXI. Machado de Assis. O filme desafia o ponto de vista
tradicional da narrativa e convida o público a re-
Em “Capitu e o Capítulo”, filme de Julio Bressane, inspirado fletir sobre as nuances dos rela-
no livro, esses olhos pertencem a Mariana Ximenes, cionamentos e das percep-
empenhados em enfeitiçar Bentinho (Vladimir Brichta). ções individuais.
Amigos de infância, namorados na adolescência, os dois
vão se casar, embora pertençam a classes sociais muito
diferentes, desnível muito grave no Rio de Janeiro do século

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Análise Assim como na obra original, a direção permite o
espectador tirar sua própria conclusão e o induz a cair na
Das discussões de sala de aula às do Twitter, paranoia através de um vestido vermelho que não cobre
Capitu traiu ou não Bentinho? Narrado pelo a região dos trapézios. Isso acontece até mesmo quando
protagonista, a ausência de veredito provoca o Capitu fica entre paredes, oprimida pela bela casa fruto do
clássico embate da obra de Machado de Assis. Em Capitu matrimônio que coloca o homem no cume do guarda-chuva,
e o Capítulo, adaptação de Dom Casmurro, o diretor Júlio embora os mesmos cantos também possam encurralar
Bressane mantém o olhar subjetivo do narrador enquan- uma adúltera quando descobrem seu maior segredo.
to passeia entre a dúvida e a ilusão. Na trama, Bentinho
O longa parece ter sido convencido pelas indagações
(Vladimir Brichta) acredita que sua esposa Capitu (Ma-
de Casmurro, ao produzir, através do título, um paro-
riana Ximenes) o traiu com Escobar (Saulo Rodrigues),
nomásia com as palavras “Capitu” e “capítulo”. Aquela é
seu melhor amigo.
um substantivo próprio, esta possui muitos significados: a
Antes de ajustar a história do maior divisão de um livro em partes, como também o ato de carac-
adultério do país para a linguagem terizar alguém ou até mesmo um artigo acusatório. A pri-
visual, Bressane já havia feito sua meira definição faz sentido quando se relaciona a um filme
própria versão de outro romance que adapta um livro, um trecho de um romance. A escolha
machadiano, Brás Cubas (1985), re- do título Capitu e o Capítulo é de suma importância para já
leitura de Memórias Póstumas de adentrar o espectador na história, que ora é uma pequena
Brás Cubas. parte da vida sob a ótica de Bentinho, ora um artigo que de-
fine e acusa a esposa de ser adúltera, infiel e lasciva.
Narrando através de imagens de
mares, esqueletos e lapsos da infância do As personagens femininas, Capitu e Sancha (Djin Sganzer-
protagonista, o diretor criou sua versão com autoria. la), estão confortáveis consigo e suas vontades. Elas falam
Em Capitu e o Capítulo, ele mantém seu estilo e cria uma abertamente sobre sexo e querem ser tocadas (e não de
unidade para as adaptações do escritor brasileiro. uma forma romântica, mas para sentirem os prazeres da
carne). Isso a coloca numa dissonância de expressões,
Assim como na obra original, as memórias são contadas
principalmente da esposa em comparação à Bentinho, ca-
pelo protagonista em sua versão mais velha, agora chamado
lado e reprimido sexualmente; colocou ilusões na cabeça.
de Dom Casmurro (Enrique Díaz), que inicia seu relato
Bressane nos permite conhecer personagens para além do
com a seguinte frase: “nesse livro que aqui escrevo, eu
que o narrador conta. Não só o diretor faz isso, como tam-
confessarei tudo que importar à minha história”. Só entra
bém os atores, que conseguem dialogar com o público so-
na confissão aquilo que ele acha relevante. O enredo segue
bre as partes omitidas por Bentinho.
a versão contada por Bento e também a conjuntura de
Machado de Assis em como realizar a grande questão Mariana Ximenes dá vida a esposa de
de traidora ou vítima. Bentinho: cigana de olhos oblíquos,
sensual e afrontosa. Porém, a atriz
A partir de arquivos de vídeo, como os da água do mar, o
mergulha nos infelizes olhos d e
esqueleto e o microfone, o diretor monta novas significações
cor verde, dentro da vasti-
aos acervos usados em Brás Cubas de 1985. Machado de
dão de um mar, mostrando-
Assis deu forma a sua fluída escrita ao não priorizar
-se incompleta e querendo
descrições, fazer capítulos curtos e ser inventivo. Assim, o
ser tocada, sentida e viva.
escritor se fez singular no seu tempo, sendo muito difícil de
Os closes na paulistana e
encaixá-lo dentro de uma escola literária. O cineasta
a transposição de imagens modifi-
também recria a façanha ao não adaptar nos moldes ‘copia
cam o discurso do paranoico, a distanciando
e cola’, mas entendendo o autor e o que faz do clássico ser
do que seu marido pensa que ela é. Não é à toa que ela
considerado tal, o assimilando ao seu estilo de direção e
não completa o rosto pálido do amado no início do filme.
fazendo um exercício da linguagem cinematográfica.
Dom Casmurro esconde-se em paredes de livros, lendo
Em meio aos devaneios de Casmurro, ele evita verborragia
poesias que não viveu sob um quarto escuro. Ele fita e
com vídeos sugestivos que (talvez) possam adentrar no
admira grandes poetas de outrora que morreram
subjetivo do crânio de cada personagem. Bressane também
jovens, como Junqueira Freire e Álvares de Azevedo. Estes,
recria o conflito do adultério, ainda que deixe claro sua
exagerados e melancólicos, como define um dos versos
posição a favor de Capitu através das iluminações escuras do
da Lira dos vinte anos: “Foi poeta – sonhou – e amou na vida”.
rosto de Dom Casmurro, ao carinho que filma Ximenes
Será que Bentinho também não foi um grande sonhador?
e às cores que compõem seus takes de
flores – tranquilas, frias e ornamentais.

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Antes de Dom Casmurro começar versão do narrador, executada por toda uma produção e
a enunciar, existe outra história direção que conhece – e ama – o material original e, para
sendo contada por meio de chapéus. além disso, que domina muito bem a linguagem do Cinema.
Esses acessórios reaparecem em outras cenas
No entanto, tudo isso pode ser mera interpretação. O
e são objetos de foco, indicando – por uma
que fica é a proposta de Júlio Bressane, que, assim como
revelação da trama – que os donos sejam Escobar e
Machado de Assis, deixou para gerações decidirem se a
Bentinho. O cineasta conta uma história que o protagonista
protagonista do título traiu ou não para patamares não só
esconde. Há um jogo de investigação sútil e sugestivo
de conteúdo, como também forma.
acontecendo em Capitu e o Capítulo, transgredindo a

Anotações

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MÔNICA MONTEIRO
KATINGANA - LICENÇA PARA CONTAR (2017)

Análise
Título: Karingana - Licença O longa conta como a língua portuguesa
para contar evoluiu e, hoje, interage com as culturas
Gênero: Documentário locais nos lugares que são ex-colônias
Duração: 1h 13min de Portugal. Rodado em Moçambique, o
Direção: Mônica Monteiro documentário reúne depoimentos de estudiosos do
Roteiro: Igor Miguel Pereira idioma além de uma participação especial
Elenco: Maria Bethânia, José da cantora Maria Bethânia, que lê
Eduardo Agualusa, Mia Couto poesias de diferentes autores. Por
fim, há ainda um show especial
onde Bethânia divide o palco com
o angolano José Eduardo Agualusa
e o moçambicano Mia Couto. Antes e
depois da apresentação as câmeras do filme
Resumo registram o trio conversando sobre sua relação
com a língua portuguesa.
As entrevistas para o documentário foram feitas com
A produção é definida como um ensaio poético de
convidados especialistas de diferentes países lusófonos
Maria Bethânia, que apresenta trechos de obras que
da África – eles comentam a influência da língua em
tenham semelhanças ou conexão com o português.
suas culturas e como ela se relacionou com os dialetos
Resistência à colonização, conexão com os
de países como Moçambique e Angola, por exemplo.
idiomas nativos e tradições orais são alguns dos
O título do filme, “Karingana”, é uma palavra usada por
pontos explorados a partir da importância da escrita.
integrantes de tribos moçambicanas antes de começarem
Conectado com diferentes formas de ex- a contar uma história.
pressão da língua portuguesa, o en-
saio poético da cantora Maria Bethâ-
nia desembarca em Moçambique e Anotações
através de depoimentos de escri-
tores e críticos do país e também
da Angola, o documentário apre-
senta um panorama do desenvolvi-
mento da literatura nos países,
onde teve papel fundamental na
resistência à colonização e na
preservação de tradições orais.

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ANDRÉ KLOTZEL
MEMÓRIAS PÓSTUMAS (2001)

família e entre para a política, como deputado – o que


Título: Memórias
inicialmente não agrada o protagonista.
Póstumas
Gênero: Comédia No entanto, em meio a essas questões, Brás conhece
Duração: 1h 42min Eugênia, por quem se apaixona, mas pelo fato
Direção: André Klotzel de ela ter um problema na perna (que a
Ano de lançamento: faz mancar ao caminhar, ele a rejeita),
2001 apaixonando-se em seguida por Vigília
que, para o seu azar, interessa-se por
outra pessoa, Lobo Neves, com quem se
casa. Este, inclusive, torna-se deputado no
lugar de Brás.
É nesse panorama que vemos o personagem Lobo
Contexto Neves tendo a vida que Brás poderia ter tido se
histórico-social tomasse a decisão e atitudes necessárias. Sua
indecisão fez com que Neves agisse mais rápido e
O longa consegue radiografar de forma “passasse à sua frente”. Mesmo assim, mesmo casada,
divertida a sociedade brasileira urbana nos Vigília inicia um romance com seu ex-pretendente,
idos do final do século XIX, mexendo com o espectador formando, com isso, uma das matérias-primas das
a ponto de levá-lo a profundas reflexões sobre atos obras de Machado, que é a questão do adultério.
naturalizados no cotidiano.
Vigília engravida e, mesmo sem ter certeza de quem é o
A dedicatória do livro, por sinal, que é mostrada logo no pai do bebê, deixa Brás Cubas imensamente feliz, sen-
início do filme. “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes tindo-se um “deus”. Sentimento que não dura, entre-
do meu cadáver, dedico com saudosa lembrança estas tanto, muito tempo, pois ela perde o filho que esperava.
memórias póstumas”, traz a marca do Realismo de Machado. Temos, com isso, a cena de tragicomédia na qual Brás
e Lobo Neves se consolam mutuamente pela gravidez
mal-sucedida de Virgília, que não demora
Resumo muito, pois o marido começa a desconfiar
que está sendo traído. Desconfiança que
permanece e só termina por questões
A história começa com o personagem Brás Cubas, já políticas que levaram o até então de-
falecido, contando em detalhes a vida que teve. O putado e esposa para outro estado.
início é um olhar rápido que vai desde seu nascimento,
Com o fim do caso extraconjugal,
suas traquinagens de moleque, sua iniciação amorosa
Brás, neste ponto com mais de 40
na juventude, o período que passou em Lisboa
anos de idade, é tomado pela melan-
estudando Direito, suas viagens pela Europa e seu
colia, a qual o leva a um estado de
retorno ao Brasil por causa da morte de sua mãe. Já
amargura e introspecção a respei-
formado, seu pai deseja que ele se case, constitua
to da própria vida: não casou, não

GUIA DE REPERTÓRIO 13
teve filhos, não exerceu a advocacia, não foi político; hipocrisia social, ao retratar o
acomodou-se à sua vida financeira bem estabelecida amor de uma forma completamente
e não teve nenhuma realização que proporcionasse contrária a que vimos no Romantis-
alegria à sua existência. mo, a exemplo do seu relacionamento
com Marcela, que “o amou por 15 me-
É que, no intento de recuperar o
ses e 11 contos de réis” e bastaram
tempo perdido, casa-se com Eulá-
“30 dias e 3 esmeraldas para ga-
lia, com o propósito de ter filhos. Ela,
nhar seu coração”, o que demonstra
todavia, morre aos dezenove anos em
claramente que a ela não o amava, ape-
decorrência da epidemia de febre amarela
nas estava com ele por puro interesse financeiro.
– chagas do tempo do autor, lá no século XIX.
Houve também Eugênia, que mesmo sendo bonita e jovem,
Com o decorrer do tempo, agora com 60 anos, Brás
mancava. E sua grande paixão, Virgília, que o trocou pelo
revê Vigília, sua ex-amante, e com ironia, após a morte
político Lobo Neves.
de Lobo Neves, ao vê-la chorando sobre o corpo do
falecido, dispara: “Virgília chorou com sinceremanete Como ele mesmo adverte, a maior virtude de um defunto
o marido, como havia o traído com sinceridade.” é a franqueza, e ele faz uso disso nos fazendo comentários
irreverentes sobre os mais diversos assuntos. Durante a
Ainda melancólico, Brás tem a ideia de
trama, seu “fantasma” faz pausas para comentar sobre os
criar o empasto (que seria um tipo de
acontecimentos, chegando até a intervir numa situação
medicamento capaz de curar todas
em que ele tentara matar Lobo Neves. Conta também dos
as dores da humanidade, “desde
tempos em Portugal, quando estudou Direito em Coimbra,
azia até melancolia”. E é com esse
e seus envolvimentos com diversas mulheres. Fala das
projeto, capaz de fazê-lo entrar
vantagens de nunca ter precisado trabalhar e nos apresenta
para a história da humanidade, que
seu amigo, Quincas Borba, que é também um personagem
começa a ter sonhos grandiosos
de Machado de Assis, e que passa de mendigo a milionário
acerca da sua existência e de seu
em pouco tempo após ter herdado a herança de um tio,
legado na sociedade.
porém por não saber administrar o dinheiro logo
Mas antes que possa realizar sua invenção, é volta à condição de mendicante.
acometido por uma pneumonia que o leva à óbito,
Um destaque metalinguístico importante
impedindo-o de fazer algo especial ainda em vida.
para o roteiro está na relação com o seu
pai se estabelece numa aproximação com
os aspectos críticos do conto Teoria do
Medalhão, publicado por Machado de
Análise Assis em 1881.

O filme, como se sabe, é baseado no livro No texto, o autor utiliza-se da sua figura de
homônimo do escritor Machado de Assis – linguagem predileta, a ironia, para nos apresentar
obra que intercala muitos gêneros: carta, epístola, uma história onde o “parecer” importa mais que o “ser”,
novelas. Por causa disso, segue o mesmo estilo do criticando as aparências de uma sociedade hipócrita
livro, fazendo inclusive o uso do narrador em 1ª pessoa. e inescrupulosa quando o foco é a ascensão social. Há,
portanto, um deslocamento importante: no conto, o filho
O filme se inicia como enterro do autor e também quer seguir os passos do pai, pois a sua postura passiva
personagem, Brás Cubas, no Rio de Janeiro do século permite que o mesmo siga os caminhos socialmente
XIX, mais especificamente em 1869. A partir disso, o seu construídos pelo patriarca da família.
“fantasma” começa a nos narrar sua vida e os principais
acontecimentos que a marcaram, falando das suas aventuras,
dos amores e das emoções com total sinceridade, o que
torna a narrativa cômica.
REFERÊNCIAS
FRANCO, M. S. C. “O código do Sertão”. In: Homens Livres na Ordem
Durante toda a obra são utiliza- Escravocrata. São Paulo: Editora Unesp, 1997, p.21-43.
dos recursos característicos do
Resenha de filmes. Disponível em: <https://www.recantodasletras.com.br/
Realismo, como a narrativa resenhasdefilmes/4714235>. Acesso em outubro, 2022.
minuciosa, a avaliação psico-
Resenha. Disponível em: <http://revista.universo.edu.br/index.p?journal=
lógica do personagem e a ten-
1UNIVERSOSALVADOR2&page=article&op=view&path%5B%5D=5607>.
tativa de retratar a realidade Acesso em outubro, 2022.
como ela é. Destaca também a
GUIA DE REPERTÓRIO 14
Resenha do filme sociedade dos poetas mortos. Disponível em: <https:// Sobre meia noite em paris. Disponível em: https://www.dacamnews.com/
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mortos/>. Acesso em outubro, 2022. 2022.

CUNHA, E. da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984. CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura
Brasileira em diálogo com outras literaturas. 3 ed. São Paulo, Atual editora,
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TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura Brasileira. 3 ed. São Paulo,
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outubro, 2022. ALENCAR, J. (2000). O Guarani. São Paulo: Ática.

Anotações

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