Você está na página 1de 6

O Estatuto do Estrangeiro e a Nova Lei de Migração:

diferenças e avanços

Melissa Siqueira Borges1

Resumo

A Lei nº 13.445 de 24 de maio de 2017, popularmente divulgada na mídia brasileira como “A


Nova Lei de Migração”, substituiu a antiga Lei nº 6.815 de 19 de agosto de 1980, o antigo Estatuto
do Estrangeiro, proveniente do regime militar vigente então no país, que tinha uma percepção
nociva do estrangeiro. Após 37 anos, foi necessário a confecção de uma nova lei para melhor
adequar a situação jurídica dos estrangeiros no Brasil, levando em consideração os novos desafios
de um mundo globalizado.

Palavras-chave: Lei . estrangeiro . migração . Brasil .

Abstract

The Law No. 13,445 of May 24, 2017, popularly publicized in the brazilian media as “The New
Migration Law”, replaced the former Law No. 6.815 of August 19th 1980, the Statute of the
Foreigner, from the then-current military regime in the country, which had a harmful perception
of foreigners back then. After 37 years, it was necessary to draft a new law to better accommodate
foreigners in Brazil, taking into account the new challenges of a globalized world.

Keywords: Law . foreigner . migration . Brazil.

1
Bacharel em Relações Internacionais pela PUC Goiás. Especialista em Direito Internacional pela UniAmérica.
Estudante de Direito na UNIVERSO. Mestranda em Estudos Jurídicos ênfase em Direito Internacional pela Must
University. E-mail melissawiser@live.co.uk
2

1 Introdução

A Lei nº 13.445 de maio de 2017, sancionada no governo do presidente Michel Temer

(2016 – 2019), trata, de acordo com o seu Art. 1º (2017) “sobre o os direitos e os deveres do

migrante e do visitante, regula a sua entrada e estada no País e estabelece princípios e diretrizes

para as políticas públicas para o emigrante”. O seu processo de criação decorre das transformações

na sociedade internacional, haja vista que a legislação anterior, proveniente do regime militar, via

a presença do estrangeiro em território nacional como possível ameaça, salvo em caso de

vantagens econômicas para o Estado.

A sua tramitação iniciou-se já no Senado Federal, com a apresentação do Projeto de Lei

do Senado nº 288, de 2013, apresentada pelo então senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB/SP),

que viria a ser Ministro das Relações Exteriores na presidência de Michel Temer posteriormente.

Após análise da Comissão de Relações Internacionais do Senado, foi encaminhado para

deliberação da Câmara dos Deputados. Normalmente, inicia-se na Câmara dos Deputados e depois

pelo Senado Federal, mas como foi iniciada por este último há de retornar para deliberação da

outra câmara. Com isso, se transformou no Projeto de Lei nº 2516 de 2015.

As discussões acerca do projeto de lei que viria a se tornar a Nova Lei de Imigração

levantou críticas da sociedade civil, por conta do seu caráter discreto, contado somente com três

ocasiões para debate-lo:

Atividade do Fórum de Participação Social do (Conselho Nacional de Imigração, ligado


ao Ministério do Trabalho), realizada em agosto em São Paulo e que resultou em 68
propostas para o decreto; Consulta pública online da minuta do decreto, de 1º a 13 de
novembro; Audiência pública no dia 13 de novembro em Brasília (CONECTAS, 2019,
n.p.)
3

Portanto, apesar de seu caráter inovador, ainda assim houve falhas em sua elaboração, mas que

não desconsiderou a grande reforma no sistema jurídico do estrangeiro em solo brasileiro, tendo

em vista que o Estatuto do Estrangeiro de 1980 já se encontrava retrógrado para os dias atuais.

2 Estatuto do Estrangeiro e a Nova Lei de Migração: diferenças e avanços

O Estatuto do Estrangeiro, de 1980, foi sancionada no governo de João Figueiredo (1979-

1985), último presidente do regime militar, que durou de 1964 até 1985. Durante o referido

regime, o mundo se encontrava na fase final da chamada “Guerra Fria”, disputa ideológica entre

o capitalismo, liderado pelos Estados Unidos, e o socialismo, liderado pela União Soviética. O

Brasil, assim como demasiados países da América do Sul, se encontravam governados por regimes

militares, que favoreciam nacionalismo em detrimento do estrangeiro. Portanto, com a introdução

da Nova Lei de Migração, o foco, que antes era segurança nacional, agora encontra-se respaldado

pelas premissas dos direitos humanos, agora em um mundo multipolar e descentralizado.

As diferenças entre as duas legislações são perceptíveis a partir de suas respectivas

nomenclaturas. No Estatuto do Estrangeiro, em seus artigos 1º, 2º e 3º:

Art. 1° Em tempo de paz, qualquer estrangeiro poderá, satisfeitas as condições desta Lei,
entrar e permanecer no Brasil e dele sair, resguardados os interesses nacionais.
Art. 2º Na aplicação desta Lei atender-se-á precipuamente à segurança nacional, à
organização institucional, aos interesses políticos, sócio-econômicos e culturais do Brasil,
bem assim à defesa do trabalhador nacional.
Art. 3º A concessão do visto, a sua prorrogação ou transformação ficarão sempre
condicionadas aos interesses nacionais. (Presidência da República, 1980, n.p.)

Por conseguinte, pode ser inferido que a definição do estrangeiro estava condicionada aos

interesses nacionais, colocando sua condição no país atrelado ao momento político a qual poderia

se encontrar.
4

Se tratando da Nova Lei de Migração, a definição de estrangeiro foi ampliada, para assim

englobar os diversos tipos migratórios que existem, dando um viés humanitário para a lei,

principalmente no que tange ao seu artigo 3º, incisos I ao IV:

Art. 3º A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:


I - universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos;
II - repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação;
III - não criminalização da migração;
IV - não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa
foi admitida em território nacional; (Presidência da República, 2017, n.p.)

Ao deixar claro sua universalidade, repúdio e prevenção à xenofobia, racismo e outras formas de

discriminação, a Nova Lei de Migração contrastou suas diferenças ideológicas com a antiga lei,

agora não colocando mais o estrangeiro como agente nocivo aos interesses nacionais.

Além disso, é explícito na Lei de Migração que, mesmo após a amplitude dada aos

migrantes e visitantes, os seus direitos não estarão de contramão ao sistema jurídico nacional, pois

é preservado os seus direitos e obrigações, de acordo com o seu artigo 111:

Art. 111. Esta Lei não prejudica direitos e obrigações estabelecidos por tratados vigentes
no Brasil e que sejam mais benéficos ao migrante e ao visitante, em particular os tratados
firmados no âmbito do Mercosul. (Presidência da República, 2017, n.p.)

Por conseguinte, ao invés da anterior, que o estrangeiro estava sujeito aos interesses nacionais,

nessa nova lei é assegurado os tratados internacionais nos quais há benefícios para eles, assim

como outros em situações migratórias.

Todavia, apesar de sua inovação, a Nova Lei de Migração não conseguiu suprir todas as

demandas que o país necessitava nessa seara, gerando assim desafios para sua aplicação. A

exemplo foi em sua concepção, que contou com baixa participação popular, assim como em sua
5

sanção, que recebeu cerca de 30 vetos do presidente Michel Temer (Câmara dos Deputados,

2017). Um dos vetos versava sobre a possibilidade de estrangeiros exercerem cargos públicos no

país, no qual o então presidente achou nocivo em detrimento dos nacionais, permanecendo cargos

públicos, como o de diplomata, restrito para brasileiros natos.

Outro desafio seria o caso da burocracia estatal brasileira. Apesar de facilitar a situação

jurídica dos imigrantes e visitantes, o processo para obter a documentação necessária ainda ocorre

com grande demasia, conforme Souto Correa Advogados:

Segundo dados divulgados pelo até então Ministério do Trabalho, em 2018 foram
recebidos 30 mil pedidos de autorização de residência a imigrantes, com arrecadação de
4,8 milhões de reais – o que serve para mostrar que a burocracia não deixa de ostentar um
certo viés arrecadatório. (Souto Correa Advogados, 2019, n.p.)

Desta forma, mesmo com caráter humanitário, a Nova Lei de Migração ainda vigora, subitamente,

os interesses nacionais, para fins de arrecadar o montante para as diversas outras políticas públicas

a serem destinadas.

2 Considerações Finais

A Nova Lei de Migração foi a resposta para uma sociedade que demandava mudanças e

atualizações, especialmente os imigrantes em território nacional em plena era de globalização.

Apesar de seus desafios, houve drásticas mudanças comparada ao antigo Estatuto do Estrangeiro,

que trouxeram dignidade e plenos direitos aos imigrantes e visitantes no Brasil. Ainda há lacunas

a serem preenchidas, especialmente por conta dos vetos presidenciais, mas que já é um grande

avanço se comparado ao anterior, que via o estangeiro como ameaça nacional.


6

Referências

Brasil. (2017). Câmara dos Deputados. Disponível em


https://www.camara.leg.br/noticias/515101-SANCIONADA-COM-VETOS-NOVA-LEI-DE-
MIGRACAO Acessado em 14 de fevereiro de 2023.

CONECTAS Direitos Humanos. (2019). Disponível em https://www.conectas.org/noticias/cinco-


avancos-da-nova-lei-de-migracao Acessado em 14 de fevereiro de 2023.

Lei no 13.445 de 24 de maio de 2017 da Presidência da República. Diário Oficial da União.


Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.html
Acessado em 14 de fevereiro de 2023.

Lei no. 6815 de 19 de agosto de 1980 da Presidência da República. Diário Oficial da União.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6815.html Acessado em 14 de fevereiro
de 2023.

Souto Correa Advogados. (2019). Nova lei de migração tem caráter modernizante, mas enfrenta
burocracia. Disponível em https://www.soutocorrea.com.br/artigos/nova-lei-de-migracao-tem-
carater-modernizante-mas-enfrenta-burocracia/ Acessado em 14 de fevereiro de 2023.

Você também pode gostar