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A EXTRADIÇÃO DE BRASILEIRO NATO SEGUNDO O ATUAL ENTENDIMENTO

DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Anna Carolina Machado Brandão¹

Izadora Kettila Cavalcante²

José Henrique Marques Neto³

Jaqueline Coutinho Saiter4

RESUMO

O direito de ser nacional de um Estado é reconhecido como um direito humano e, portanto,


essencial ao desenvolvimento de uma vida digna. Essa nacionalidade é regulamentada no
âmbito interno, não cabendo a outro Estado interferir sobre os critérios de obtenção, pois a
sua concessão é ato soberano. Junto a esse direito destacam-se medidas de cooperação
internacional, especialmente o instituto da extradição como instrumento de colaboração em
matéria penal. No presente estudo serão abordados assuntos pertinentes à extradição como
conceitos, modalidades, o caso Cláudia Sobral, bem como as decisões dos tribunais sobre o
tema. A metodologia utilizada no que concerne aos objetivos será a pesquisa exploratória
tendo como finalidade proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-
lo mais explícito, envolvendo levantamento bibliográfico. Quanto aos procedimentos técnicos
será abordada a técnica bibliográfica, baseando-se em publicações, livros, artigos,
periódicos, entre outros. Por fim, será possível analisar a atuação do Supremo Tribunal
Federal (STF) no procedimento de extradição e a necessidade de observância dos direitos
fundamentais, a partir da decisão da Suprema Corte que possibilitou, em virtude da anterior
perda da nacionalidade, a extradição de brasileiro nato.

Palavras-chave: Constituição Federal. Brasileiro nato. Extradição. Suprema Corte.

ABSTRACT

1
Anna Carolina Machado Brandão. Graduanda em Direito pela Faculdade Novo Milênio. E-mail:
anna.brandão@sounovomilenio.com.br.
2
Izadora Kettila Cavalcante. Graduanda em Direito pela Faculdade Novo Milênio. E-mail:
izadora.cavalcante@sounovomilenio.com.br.
3
José Henrique Marques Neto. Pós graduado em Políticas e Gestão em Segurança Pública pela
UNESA – Estácio de Sá. E-mail: jose.neto.@sounovomilenio.com.br.
4 Jaqueline Coutinho Saiter. Professora Orientadora Mestre em Direito
Constitucional. E-mail: jaqueline.saiter@novomilenio.br.
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The right to be a national of a State is recognized as a human right and, therefore, essential
to the development of a dignified life. This nationality is regulated internally, and it is not up to
another State to interfere with the criteria for obtaining it, since its granting is a sovereign act.
Along with this right, international cooperation measures stand out, especially the institute of
extradition as an instrument of collaboration in criminal matters. In the present study, issues
related to extradition will be addressed, such as concepts, modalities, the Cláudia Sobral
case as well as the decisions of the courts. The methodology used with regard to the
objectives will be exploratory research with the purpose of providing greater familiarity with
the problem, with a view to making it more explicit, involving a bibliographic survey. As for
the technical procedures, the bibliographic technique will be addressed, based on
publications, books, articles, periodicals, among others. Finally, it will be possible to analyze
the role of the Federal Supreme Court (STF) in the extradition procedure and the need to
observe fundamental rights, based on the Supreme Court decision that made possible, due
to the previous loss of nationality, the extradition of a Brazilian born.

Keywords: Federal Constitution. Native Brasilian. Extradition. Supreme Court.

INTRODUÇÃO

A nacionalidade é o vínculo jurídico-político que se forma entre um indivíduo e


determinado Estado, de modo a se garantir direitos, ao tempo em que se exige o
cumprimento de determinados deveres. Toda pessoa tem direito de mudar de
nacionalidade e não pode ser arbitrariamente privado de sua nacionalidade (art. 20
da Convenção Americana de Direitos Humanos).

Assim, é direito de todos ter uma nacionalidade (art. 15 da Declaração Universal dos
Direitos Humanos), de forma que a situação de apátrida (pessoas sem pátria)
configura violação aos direitos humanos e, por isso, trata-se de preocupação trazida
pela Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) no sentido de dar proteção ao apátrida e
de reduzir essa condição, permitindo a realização de procedimento simplificado de
naturalização.

Esse direito fundamental é de extrema relevância, pois permite que o Estado proteja
seus nacionais contra interferências externas e arbitrárias que ensejem violação de
direitos da pessoa, o que é decorrência da ideia de soberania.

No entanto, ante a existência de relações estatais, destacam-se as medidas de


retirada compulsória do indivíduo, como deportação e expulsão, assim como a
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extradição (medida de cooperação internacional), além do instituto da entrega para o


Tribunal Penal Internacional.

Em recente julgado do Supremo Tribunal Federal, uma carioca tornou-se a primeira


pessoa nascida no Brasil a ser extraditada para ser julgada no exterior, apesar do
inciso LI, do artigo 5º, da Constituição de 1988, que dispõe: “Nenhum brasileiro será
extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da
naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico de entorpecentes e
drogas afins, na forma da lei”.

A decisão final e inédita do STF referente à extradição da brasileira nata foi que, o
brasileiro – ainda que nato – pode perder a nacionalidade brasileira e até ser
extraditado, desde que venha a optar, voluntariamente, por nacionalidade
estrangeira.

No decorrer do artigo, exploraremos os efeitos dessa decisão, tecendo reflexões que


permitam compreender a atual realidade social e jurídica, com análise crítica à
decisão do STF.

1 NACIONALIDADE

A nacionalidade está relacionada com a cidadania, sendo um conceito mais amplo.


Define-se como um vínculo jurídico-político que liga um indivíduo a determinado
Estado. Fazendo com que este desfrute de direitos e submeta-se a deveres (LENZA,
2015).

Há duas espécies de nacionalidade, a primária e a secundária, quando adquirida de


forma involuntária e quando adquirida de forma voluntária, respectivamente.

1.1 Nacionalidade primária


A nacionalidade primária é imposta no momento do nascimento. Esta se dá pelo ius
sanguinis, ou seja, o que interessa para a aquisição de nacionalidade é o sangue, a
filiação, não levando em consideração o local que o indivíduo nasceu. Também pelo
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critério ius solis, este já leva em consideração o local do nascimento, utilizando da


territorialidade para justificar a nacionalidade.

A nacionalidade primária é imposta, de maneira unilateral,


independentemente da vontade do indivíduo, pelo Estado, no momento do
nascimento. Falamos em involuntariedade, pois, de maneira soberana, cada
país estabelece as regras ou critérios para a outorga da nacionalidade aos
que nascerem sob o seu governo (LENZA, 2010, p. 849).

A CF/88 identifica brasileiro nato como aquele que tem sua nacionalidade adquirida
por meio do nascimento, de forma primária. De acordo com o inciso I, do artigo 12,
do texto constitucional, são brasileiros natos os: nascidos no Brasil, ainda que de
pais estrangeiros desde que estes não estejam a serviço de seu país; os nascidos
no estrangeiros de pai ou mãe brasileiros, desde que qualquer deles esteja a serviço
do Brasil; os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileiros, desde que sejam
registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir no Brasil e
optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade
brasileira.

1.2 Nacionalidade secundária

Já a secundária é aquela adquirida por vontade própria, depois do nascimento,


normalmente pela naturalização (LENZA, 2015). É concebida aos estrangeiros, se
assim requererem, e também aos apátridas – indivíduos que não tem pátria alguma.

Dependendo das regras de cada país, em alguns casos, o estrangeiro


é polipátrida, ou seja, tem multinacionalidade, a exemplo dos filhos de italianos
nascidos no Brasil. Eles são ao mesmo tempo italianos, pelo critério do ius sanguinis
adotado na Itália, e brasileiros, pelo critério do ius solis, adotado no Brasil.

No caso do polipátrida, há o chamado conflito de nacionalidade positivo. Já no caso


do apátrida, esse conflito é negativo e não é admitido pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948. Esse documento assegura a todas as pessoas o direito
de nacionalidade, não podendo ninguém ser dela privado ou impelido a mudá-la de
forma arbitrária (LENZA, 2015).
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Ainda, no artigo 12, no inciso II, são considerados naturalizados aqueles que,
adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua
portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral e aos
estrangeiros de qualquer nacionalidade, residência há mais de 15 anos ininterruptos
e nenhuma condenação penal.

1.3 Perda da nacionalidade

No que tange a perda da nacionalidade, somente ocorrerá nos casos


expressamente previstos na Constituição, não podendo legislação ordinária editar
sobre (PAULO e ALEXANDRINO, 2008).

Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: tiver sua naturalização


cancelada, por alguma atividade lesiva ao interesse nacional, tal regra alcança
apenas os naturalizados, e que, por vontade própria, adquirir uma outra
nacionalidade, alcançando os natos e naturalizados.

Assim, assinalada Oscar Tenório, a pessoa escolhe o país ao qual deseja


se unir, aceitando os deveres e direitos da cidadania; o Estado de origem
não tem interesse na manutenção de um vínculo que encontra sua maior
força na reciprocidade de afetos. E, como consequência natural da opção
de mudança assim manifestada, tem-se a cominação estatuída no art. 12,
§4°, II, da Constituição: perde a nacionalidade o brasileiro que, por
naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade (TENÓRIO, apud
CAHALI, 2010, p. 67).

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, o brasileiro que possuir outra
nacionalidade em caráter definitivo e desejar perder a nacionalidade brasileira
poderá enviar a solicitação diretamente ao Ministério da Justiça, por meio
do protocolo eletrônico, ou pelo correio.

Não é possível solicitar a perda da nacionalidade brasileira sem a comprovação de


que o interessado possua outra nacionalidade, em caráter definitivo. Tal restrição
tem como objetivo evitar a situação de ausência de nacionalidade, conforme
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determina a Convenção das Nações Unidas, de 1961, para a Redução dos Casos
de Apátrida, em vigor no Brasil.

No ordenamento jurídico brasileiro, por ser a nacionalidade um direito


personalíssimo, não é possível a um menor de idade solicitar a sua perda, ainda que
por intermédio de seus pais ou representantes legais. Dessa forma, somente o
próprio interessado, depois de atingida a maioridade (18 anos), poderá solicitar a
perda de sua nacionalidade brasileira.

Tendo em vista o exposto como regra, a Constituição Federal admite em duas


situações excepcionais a dupla nacionalidade. São elas: a) o reconhecimento de
nacionalidade originária pela lei estrangeira – quando o país estrangeiro reconhece
os descendentes de seus nacionais, usando o critério ius sanguinis, conferindo
assim a nacionalidade desse país; b) imposição da lei estrangeira – imposição de
naturalização pela lei estrangeira, para adquirir ou exercer direitos civis (PAULO e
ALEXANDRINO, 2008).

Segundo o ministro do Supremo, Gilmar Mendes (2017), a perda da nacionalidade


poderá atingir tanto o brasileiro nato (como no caso da extradição de Claudia
Sobral), como o brasileiro naturalizado, na hipótese de aquisição de outra
nacionalidade de forma voluntária. Isso pode ocorrer, por matrimônio ou pela opção
da nacionalidade do país estrangeiro no qual resida.

2 EXTRADIÇÃO

2.1 Conceito

Muitos são os conceitos de extradição, assim, para o Ministério da Justiça (2004), a


extradição é o ato de entrega que um Estado faz a outro Estado, de um indivíduo
procurado pela justiça para ser processado ou para a execução da pena, por crime
cometido fora de seu território. Atualmente, no Brasil, vigoram tratados de extradição
celebrados com 21 países e tramitam no Congresso Nacional projetos de tratados
de extradição bilaterais com outros países (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2004).
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A extradição é um ato de cooperação internacional que consiste na entrega de uma


pessoa investigada, processada ou condenada por um ou mais crimes, ao país que
a reclama (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2004). Já Cahali conceitua extradição como,

[...] o ato pelo qual um Estado faz a entrega, para fins de ser processado ou
para a execução de uma pena, de um indivíduo, acusado ou reconhecido
culpável de uma infração cometida fora de seu território, a outro Estado que
o reclama e que é competente para julgá-lo e puni-lo (2010, p. 253).

De acordo com Souza (1998) extradição é o ato pelo qual um Estado entrega um
indivíduo acusado de fato delituoso ou já condenado como criminoso, à justiça de
outro Estado, competente para julgá-lo e puni-lo.

2.2 Classificação

Segundo o Ministério da Justiça (2012, p 21), a extradição poderá ser solicitada


tanto para fins de instrução de processo penal a que responde a pessoa reclamada
(instrutória), como para cumprimento de pena já imposta (executória).

Para o Ministério da Justiça (2004) a extradição pode ser classificada como


extradição ativa, quando o Brasil requer a extradição de um foragido da sua justiça a
outro país; e a extradição passiva, quando outro Estado solicita a extradição de um
foragido, de sua justiça, que se encontra em território brasileiro.

2.3 Modalidades de extradição

Segundo Cahali (2010), a extradição pode ser dividida em duas modalidades:


extradição de direito, quando se faz de forma legal, em conformidade com as
normas jurídicas internas e os tratados internacionais. E a extradição de fato,
quando não há um procedimento jurídico ou uma previsão legal, ou seja, de forma
ilegal.

Essa última modalidade não é aceita no Brasil, pois se trata de um Estado


democrático de direito e nenhuma pessoa pode ter direitos e garantias fundamentais
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violados em desacordo com os preceitos constitucionais. A extradição só pode ser


efetivada se atender a todos os requisitos legais.

Já o STF, por meio do relator Ministro Celso de Mello, afirma que o modelo de
extradição vigente no Brasil admite duas modalidades de extradição: extradição
executória (que supõe condenação penal, ainda que não transitada em julgado) e
extradição instrutória (que se satisfaz com a simples existência de investigação
penal), sendo comum a ambas as espécies o requisito – atendido no caso – da
existência de mandado de prisão.

2.4 Princípios informadores da extradição

No ordenamento jurídico brasileiro encontram-se alguns princípios que regem a


sociedade. O Princípio da Legalidade afirma que não há crime sem lei anterior que o
defina. De acordo com Souza (1998, p. 17),

Além de pressupor tratado ou promessa de tratamento recíproco, a


extradição é informada por dois princípios cardeais – o da dupla
incriminação e o da especialidade – que lhes condiciona desde o momento
inicial até depois do seu encerramento, prolongando seus efeitos, mesmo
com a retirada física do indivíduo do território onde foi processado. O
princípio da dupla incriminação do fato – ou da identidade da infração – quer
significar que nenhuma extradição terá seguimento sem que o fato
motivador do pedido seja qualificado como crime – tanto no Estado que
requer, quanto naquele onde é requerido a entrega extradicional.

Cahali (2010) também aponta dois princípios basilares no instituto da extradição: o


princípio da especialidade – concedida a extradição, o Estado requerente não deve
julgar o extraditado por crime diferente daquele que motivou a extradição; e o
princípio da identidade – não há extradição quando o fato não for considerado crime
no país de refúgio. O extraditado não sofrerá pena que não exista no Estado
requerido.

2.5 Extradição de nacional


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A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, LI, veda a possibilidade de


extradição de brasileiro nato. Porém, recente decisão do STF mudou essa afirmativa
do texto constitucional ao entregar à justiça norte americana a brasileira Cláudia
Sobral, procurada pelos Estados Unidos – país onde a brasileira havia adquirido
nova nacionalidade – pelo assassinato do marido norte americano. Trata-se de uma
decisão inédita no Brasil. O STF decidiu extraditar Cláudia após julgada a perda de
sua nacionalidade.

2.5.1 Caso de Cláudia Sobral

Em 28 de março de 2017, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal deferiu o


pedido de extradição de Cláudia Cristina Sobral, requerido pelo governo dos
Estados Unidos, e sua extradição aconteceu em 17 de janeiro de 2018. Ela é
acusada de ter assassinado o marido norte-americano no Estado de Ohio, em 2007.

O entendimento da Turma na Extradição é que Cláudia renunciou à nacionalidade


brasileira ao adotar voluntariamente a cidadania norte-americana em 1999, deixando
de ser brasileira, portanto.

Em sua decisão, o Ministro Luiz Roberto Barroso ressaltou: “Não se cuida, nestes
autos, de outra nacionalidade concedida pelo Estado estrangeiro, com fundamento
em seu próprio ordenamento jurídico, independentemente de pedido formulado pelo
naturalizado, o que, acaso ocorresse, não poderia, a toda evidência, provocar o
efeito constitucionalmente previsto no ordenamento brasileiro.

Trata-se, pelo contrário, de naturalização efetivamente requerida pela impetrante,


incluído no ato de naturalização juramento formal de que decorre o efetivo desejo de
integrar a comunidade nacional estrangeira. Em outras palavras: trata-se de
manifestação de vontade inequívoca de adquirir outra nacionalidade vazada por
meio de ato jurídico personalíssimo”.
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Segundo o artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, da Constituição Federal, será declarada
a perda de nacionalidade do brasileiro que adquirir outra nacionalidade. As exceções
são o reconhecimento da nacionalidade originária pelo país estrangeiro ou a
imposição da naturalização como condição para permanência ou exercício de
direitos em outro país.

O ministro Barroso afirmou, “A extraditanda já detinha desde há muito tempo


o green card, que tem natureza de visto de permanência, e garante os direitos que
ela alega ter adquirido com a nacionalidade: o direito de permanência e de trabalho”.

De acordo com os autos, a extraditanda mudou-se para os EUA em 1990 e obteve


o green card. Em 1999, ao obter a cidadania norte-americana, nos termos da lei
local, ela declarou renunciar e abjurar fidelidade a qualquer outro Estado ou
soberania.

A decisão pela extradição foi acompanhada por maioria do colegiado, vencido o


ministro Marco Aurélio. Ele considerou que o direito à nacionalidade é indisponível,
observando ainda que, segundo a Constituição Federal, até mesmo para o
estrangeiro naturalizado brasileiro perder essa condição é preciso sentença judicial,
não apenas decisão administrativa.

Na decisão da Turma, ficou ressaltado que o deferimento do pedido da extradição é


condicionado ao compromisso formal de o país de destino não aplicar penas
interditadas pelo direito brasileiro, em especial a prisão perpétua ou pena de morte,
bem como ficando a prisão restrita ao prazo máximo de 30 anos, como prevê o
regramento brasileiro.

No entendimento do STF, a perda da nacionalidade configura a possibilidade de


extradição, justificando sua decisão no caso em questão. Desse modo, brasileiros
natos podem ser extraditados, desde que declarada a perda de sua nacionalidade.
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2.6 Diferença entre extradição e transferência de pessoas condenadas

A extradição, como já conceituada anteriormente, é a entrega de um indivíduo


acusado ou condenado por crime praticado no Estado requerente, para que seja
submetido à jurisdição daquele Estado.

A transferência de pessoas condenadas, de acordo com a Secretaria Nacional de


Justiça (2010), é uma medida que visa beneficiar os condenados estrangeiros sob
custódia da justiça brasileira, possibilitando o cumprimento da pena em seus países
de nacionalidade, junto aos familiares, para melhor reintegração ao meio social.

A Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no


Exterior, concluída em Manágua, em 09.06.1993, e promulgada pelo Dec.
5.919, de 03.10.2006, considerando que a maneira de assegurar melhor
administração da justiça é pela reabilitação social da pessoa sentenciada,
sendo conveniente para esse objetivo que se possa conceder à pessoa
sentenciada a oportunidade de cumprir a sua pena no país de que é
nacional, estabeleceu que as sentenças impostas em um Estado a
nacionais de outro Estado possam ser cumpridas no Estado do qual sejam
aqueles nacionais.

A Convenção aplicar-se-á unicamente nas seguintes condições: 1. que


exista sentença definitiva que imponha a uma pessoa, como pena pela
prática de um delito, a privação da liberdade ou a sua restrição, em regime
de liberdade vigiada, pena de execução condicional, ou outras formas de
suspensão sem detenção; 2. que a pessoa sentenciada concorde
expressamente com a transferência; 3. que o ato pelo qual a pessoa tenha
sido condenada configure delito também no Estado receptor; 4. que a
pessoa sentenciada seja nacional do Estado receptor; 5. que a pena a ser
cumprida não seja pena de morte; 6. que a duração da pena ainda a ser
cumprida seja, no momento da solicitação, de pelo menos de seis meses; 7.
que a aplicação da sentença não seja contraditória com o ordenamento
jurídico interno do Estado receptor (CAHALI, 2010, p. 281).

A medida também visa beneficiar os condenados brasileiros, que cumprem penas no


exterior imposta pela justiça estrangeira. A transferência será realizada com
exclusividade com países que possuem acordos com o Brasil. Portanto, a extradição
é uma medida imposta, é compulsória, o acusado ou condenado não tem escolha, já
a medida da transferência, é facultativa, trata-se de um benefício.
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2.7 Soberania

Soberania consiste na expressão máxima da autoridade política, não havendo


poderes acima do poder soberano. Significa um poder absoluto, uma autoridade
suprema, sem limites (SAITER, 2007, p. 83).

Para Soares (2001, p. 174), a soberania foi recepcionada em todos os textos


constitucionais brasileiros, refletindo o paradigma constitucional adotado e seu
respectivo matiz ideológico.

Nenhum Estado pode simplesmente invadir o território de outro Estado para capturar
um foragido da justiça para ser levado a julgamento. Nesse sentido, os países
devem respeitar tratados e acordos internacionais e, principalmente, a soberania de
cada Estado, ou seja, a extradição pode ser deferida ou não, e o Estado reclamante
deverá acatar a decisão. De acordo com Lafayette (apud CAHALI, 2010, p. 255),

Desde que o indivíduo entra em território de outro Estado, fica sob a


soberania desse Estado; entregá-lo, ou não, à autoridade estrangeira é um
puro ato de soberania; por virtude da essência da soberania, esse ato deve
ser inteiramente livre, sob pena de ofensa da independência; pode pois, a
nação se recusar a praticá-lo; acresce que a lei da nação, onde o delito foi
cometido, não tem força obrigatória iure proprio fora do território; obrigar,
pois, a nação que deu asilo ao criminoso, a entregá-lo valeria tanto como
obrigá-la a obedecer a uma lei que não tem vigor no seu território.

Portanto, mesmo que o país tenha se submetido a respeitar tratados e acordos


internacionais, sua soberania deve ser respeitada. O Estado soberano, nas relações
com outros Estados, não possui nenhum vínculo de submissão (o que seria dizer
que o país é uma colônia como o Brasil já foi de Portugal, como os EUA já foram da
Inglaterra, por exemplo) não admitindo nenhuma interrupção nos assuntos internos e
externos, ou seja, a soberania é o poder supremo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito de ter uma nacionalidade é um direito fundamental do indivíduo e, portanto,


exige a proteção estatal, devendo a situação de apátrida ser evitada. Dessa forma,
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são observadas várias garantias constitucionais para que o cidadão de um Estado


mantenha sua identidade nacional, sobretudo, respeitando o ordenamento jurídico
do ente.

Nesse contexto, verifica-se o exercício da soberania de cada Estado na sua


regulamentação como forma de conter interferências externas abusivas aos seus
nacionais.

Assim, cumpre observar o surgimento de relações entre pessoas e Estados distintos


cada vez mais interligados, fazendo surgir uma ordem jurídica supranacional na
tentativa de, apesar das peculiaridades, garantir a observância de direitos mínimos
exigíveis a uma vida digna.

Nessa conjuntura, é relevante elucidar que a cooperação internacional não significa


desrespeito à soberania, nem a sua relativização, mas sim a sua reafirmação, haja
vista o seu compartilhamento e ajuda mútua na resolução de conflitos, a partir da
concordância dos Estados.

É que, com essa colaboração, os interesses internos de cada Estado são protegidos
na tentativa de impedir que a transposição de fronteiras seja o meio de garantir a
inaplicabilidade da ordem jurídica. No entanto, essa defesa interna não pode
justificar uma visão limitadora dos direitos fundamentais, mas sim de assegurar o
cumprimento dos direitos humanos, ainda mais quando se tem conteúdo mínimo de
matriz internacional a ser observado.

Nesse contexto, a extradição é medida essencial para que o Estado não se torne
guardião de criminosos, mas sem afastar a exigência de que os direitos devem ser
preservados no seu processamento.

Na análise do procedimento de extradição realizado pelo Supremo Tribunal Federal,


verifica-se a aplicabilidade dos direitos fundamentais, o que se pode ver quando se
faz uma análise não exauriente da decisão, a partir do juízo de delibação, não
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podendo constatar, sequer, se a prova obtida pelo Estado requerente fora obtida por
meios lícitos.

Quando se fala em extradição, a Constituição veda a sua incidência aos brasileiros


natos. No entanto, o próprio texto constitucional permite a perda da nacionalidade de
brasileiros natos quando adquire outra que não seja de forma originária ou para
garantir a sua permanência e exercício de direitos civis no estrangeiro.

Assim, entendeu o Supremo Tribunal Federal que a aquisição de outra


nacionalidade quando já se podia viver e trabalhar livremente é por livre e
espontânea vontade, ensejando a perda da nacionalidade brasileira.

A interpretação constitucional da Suprema Corte se deu no sentido de que se o


brasileiro nato perde a nacionalidade poderá ser extraditado, não havendo violação
ao art. 5º, LII, da CF/88.

Nesse caso, é importante ressaltar que, apesar das decisões do STF caminharem
no sentido da tradição de incidência indireta dos direitos fundamentais nas medidas
cooperativas internacionais como a extradição, a Corte atua como intérprete máximo
da Constituição e o seu agir deve estar coadunado às próprias normas limitadoras
de sua atuação.

A decisão da Suprema Corte, no caso da brasileira em questão, não foi unânime, e


constou a cláusula segundo a qual os EUA não poderiam impor quaisquer das
penas proibidas no Brasil. E mesmo com esta decisão, tudo permanece como antes,
ou seja, brasileiro nato não pode ser extraditado pelo Brasil, em hipótese alguma.
Agora, caso ele opte, voluntariamente, por outra nacionalidade, estará sujeito à
perda da sua e, consequentemente, à extradição.
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REFERÊNCIAS

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