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DE RECÔNCAVO GUANABARINO À BAIXADA FLUMINENSE

27 de abril de 2022 / Deixe um comentário / Por Brava Baixada

Por Profª Drª Tânia Amaro

Baixada Fluminense ~ região que vem se afirmando ao longo dos anos, cuja ocupação colonial
está estreitamente relacionada com a fundação da cidade do Rio de Janeiro no ano de 1565,
esta que serviu de base para a expulsão dos franceses que haviam ocupado a baía de
Guanabara no século XVI.

A expressão Baixada Fluminense é polissêmica e depende do interesse dos pesquisadores, da


escala de observação, da atuação das instituições ou grupos políticos. A expressão pode
assumir configurações geográficas, econômicas, políticas e culturais diferenciadas. Segundo o
dicionário Aurélio, baixada significa “planície entre montanhas”, já fluminense origina-se do
latim flumen, que significa “rio”; esta denominação se aproxima da de “iguassu” que, na língua
tupi, compreende-se como “muita água”. “Iguassu” já era utilizada pelos nativos da região
antes da chegada dos europeus e, provavelmente, pelo Rio Iguaçu contar, em seu entorno, com
muitas áreas alagadiças. De acordo com o CEPERJ (2021), sob o ponto de vista geográfico, a
expressão Baixada Fluminense, muito comum no Estado do Rio de Janeiro, corresponde a
todas as superfícies planas e de baixas altitudes que se estendem desde a linha de costa até as
falésias dos Tabuleiros (no Norte Fluminense) e até as encostas das Colinas e Maciços Costeiros
(que antecedem, na direção do interior, as escarpas da Serra do Mar), além de acompanharem
os vales fluviais que penetram muitos quilômetros para o interior. São planícies – ou baixadas –
que recebem inúmeras denominações locais: Baixada dos Goytacazes ou Campista, Baixada
dos Rios Macaé e São João, Baixada da Guanabara e Baixada de Sepetiba.

Aproximando-se destas concepções, a Baixada Fluminense seria uma região de terras baixas,
planas, recortadas por rios e, em boa parte, alagadiças, compreendida entre as cidades de
Campos, no extremo norte do Estado do Rio de Janeiro, e Itaguaí. Esta interpretação está ligada
às análises históricas que tratam da realidade regional até o século XIX, e aproxima-se de um
conceito muito utilizado pelos geógrafos, o de Recôncavo Guanabarino: área de terras baixas
entre a Serra do Mar e a Baía de Guanabara, estendendo-se de São Gonçalo a Nova Iguaçu.
Atualmente, a denominação Baixada Fluminense designa uma série de municípios que, de
acordo com o objetivo das pesquisas, pode relacioná-la a uma área mais próxima ao entorno
da Baía de Guanabara ou ainda, a uma extensão que abranja municípios mais distantes. De
acordo com o geógrafo Rafael Oliveira, a Baixada Fluminense é uma região que sempre se
apresentou com diversos limites e distintas interpretações que, na verdade, foram sendo
modificadas de acordo com as próprias mudanças espaciais que se sucederam, gerando, em
muitos casos, algumas confusões, pois, dependendo dos interesses, tais demarcações se
expandem ou, então se retraem. Outros estudos apontam para um conjunto de 11 a 13
municípios, utilizando recortes de projetos e pesquisas com foco na região e ainda, de acordo
com Oliveira, outra noção de Baixada Fluminense que teria sido, talvez, a mais recorrente foi
estabelecida pela [antiga] Secretaria de Desenvolvimento da Baixada Fluminense [ou
Secretaria de Desenvolvimento da Baixada e Região Metropolitana]. Esta secretaria considera
Baixada Fluminense como o agrupamento de treze municípios, que apresentam diversas
carências, desde a problemática habitacional, passando pelo mandonismo local, até a
violência: Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Nilópolis, São João de Meriti, Belford Roxo, Mesquita,
Japeri, Queimados, Magé, Guapimirim, Itaguaí, Paracambi e Seropédica.

Já para a historiadora Lucia Silva, a Baixada Fluminense tem sua história ligada à ocupação da
região no século XX, ocupação essa que não possui uma relação direta com a antiga dinâmica
do Recôncavo. Para ela, essa nova história tem lastro espacial e afetivo com o nordeste, a zona
da Mata Mineira, o Vale do Paraíba e a própria cidade do Rio, através de uma população
heterogênea que não pode ser entendida sem a memória do cativeiro e a da fome.

A dinâmica antiga à qual Silva se refere está associada à expulsão dos franceses no século XVI e
ao desenvolvimento das áreas do Recôncavo da Guanabara a partir do método de doação de
sesmarias, lotes extensos de terras concedidos pela Coroa portuguesa àqueles que deveriam
ocupar esta parte da colônia e iniciar o processo de produção que atendesse às demandas da
metrópole. Neste processo, foi por meio dos rios que cortavam a região do Recôncavo da
Guanabara – Meriti, Sarapuí, Iguaçu, Inhomirim, Magé, Suruí, entre outros –, que a ocupação
portuguesa foi se implementando e dezenas de engenhos de açúcar, capelas e povoados foram
surgindo.
Um dos agraciados foi Cristóvão Monteiro que recebeu terras, em 1565, às margens do rio
Iguaçu, que formaram a Fazenda do Iguaçu, sendo a mesma, mais tarde, adquirida pela Ordem
de São Bento, tornando-se então a mais antiga e importante fazenda localizada na região que
hoje constitui o município de Duque de Caxias. A atividade econômica que incentivou a
ocupação da região foi a do cultivo da cana-de-açúcar. O milho, o feijão, a mandioca e o arroz
tornaram-se, também, importantes produtos durante esse período e abasteceram a cidade do
Rio de Janeiro, assim como a lenha dali retirada.

A região sempre teve uma posição estratégia e uma relação estreita e significativa com a
cidade do Rio de Janeiro, sendo área de produção de alimentos para a urbe carioca, assim
como, também, área de passagem do ouro que vinha das Minas Gerais no século XVIII, em
direção ao seu porto. Com a necessidade do escoamento do ouro e o abastecimento da
província mineira, a Baixada da Guanabara passou a ter importância estratégica, pois se
transformou em área obrigatória de passagem, por conta de seus rios, bem como pelas
estradas que foram abertas através das serras para que o trânsito de mercadorias se
desenvolvesse melhor. O “Caminho Novo” ou “do Pilar”, aberto devido às necessidades
oriundas da mineração, entre elas a necessidade de um caminho rápido, econômico e seguro,
que ligasse o Rio de Janeiro à região mineira, intensificou as relações daquela cidade com os
portos da Estrela, Pilar e Iguaçu, promovendo a interação através da navegação no interior da
baía. Durante o século XVIII, eram três os caminhos oficialmente reconhecidos entre o Rio de
Janeiro, (re)cortando a Baixada da Guanabara, e a região das Gerais. Entre 1699 e 1704, foi
aberto o Caminho Novo do Pilar; no ano de 1724, o Caminho Novo de Inhomirim; e, em 1728;
o Caminho Novo do Tinguá. Todos esses caminhos, depois de subir a serra do Mar, se
encontravam em Santo Antônio da Encruzilhada, pouco antes de atingir a margem direita do
rio Paraíba. A designação “novo” era aplicada a qualquer estrada que viesse a ser aberta, assim
existiam vários “caminhos novos” ao mesmo tempo.

Ainda, no século XIX, as freguesias da Baixada da Guanabara intensificaram ainda mais suas
relações com o Rio de Janeiro, abastecendo a então capital com alimentos e madeira e
passando a armazenar e escoar a produção do café do Vale do Paraíba, sendo também áreas
de investimento do capital privado alocado na abertura de estradas e na construção da Estrada
de Ferro Barão de Mauá (1854), principais vias de circulação de mercadorias do eixo Minas
Gerais – Rio de Janeiro.

Dessa forma, não podemos deixar de citar a inauguração da primeira estrada de ferro
construída no Brasil, no ano de 1854, quando, no dia 30 de abril, o Barão de Mauá concretizava
projeto, que ligando o porto de Mauá – Estação da Guia de Pacobaíba à região de Fragoso, em
Raiz da Serra, na subida para Petrópolis, iniciaria a era ferroviária no Brasil e tornar-se-ia um
marco histórico do desenvolvimento urbano na região do recôncavo da baía de Guanabara.
Esse trecho da estrada de ferro era apenas o início de um projeto mais amplo, que pretendia
reduzir o tempo que se gastava com o escoamento da produção cafeeira do interior para o
porto do Rio de Janeiro. Esta ferrovia provocou um impacto significativo no Rio de Janeiro,
mas, sobretudo, na região da Baixada da Guanabara. Depois dela, outras estradas de ferro
foram inauguradas, como a Pedro II (1858) e a The Leopoldina Railway Company (1886), esta
cortando a área de Merity, atual município de Duque de Caxias.

A partir daquele momento, as estradas de ferro tornaram-se um marco histórico da ocupação


urbana, dando novo perfil à região. Foi o início do fim dos portos fluviais, da navegação pelos
rios e dos caminhos dos tropeiros, modificando por completo as relações comerciais e a
ocupação do solo. Foi um momento de decadência em várias áreas por onde o trem não
passava, mas foi também o começo do processo de surgimento de vilas e povoados que se
organizaram ao redor das estações ferroviárias, origem de muitos bairros e de cidades atuais
da Baixada Fluminense. Este marco constitui-se, então, como referência para o DIA da BAIXADA
FLUMINENSE – 30 de abril.

Assim, pode-se afirmar que a Baixada da Guanabara, ao longo dos séculos, constituiu-se como
uma importante região de passagem entre o interior e o litoral. Esta posição estratégica
contribuiu decisivamente para transformações tanto na cidade do Rio de Janeiro como na
própria região, revelando uma estreita interdependência econômica, social e cultural.

A partir das décadas que sucederam a II Guerra Mundial, os municípios que integram a Baixada
tiveram um crescimento demográfico acentuado, que foi resultado de processos migratórios de
diversas áreas do Brasil e de tantas outras nações do mundo. Esta população tão diversamente
heterogênea é composta por povos de diversas origens e identidades culturais, formando um
mosaico riquíssimo de tendências que se manifestam nos comportamentos sociais, nas artes,
na política, na economia e nos mais diversos campos da vida em sociedade. Apesar de
envolvida com enormes conflitos ambientais devido a um desenvolvimento urbano
desordenado, com problemas de poluição e violência, a Baixada tem hoje um crescimento
econômico acentuado, com a instalação de indústrias e arrecadação de impostos, o que deve
ser olhado com um viés crítico. A BAIXADA se afirmou como a segunda mais importante região
do Estado e uma das mais importantes microrregiões do País. Com uma população de quase 4
milhões de habitantes, possui vasto patrimônio histórico e cultural, além de ser uma região
privilegiada por seus recursos naturais.

A professora Tânia Amaro é Pós-doutoranda em História pela UFRRJ. Doutora em


Humanidades, Culturas e Artes e Mestre em Letras e Ciências Humanas pela Unigranrio.
Licenciada e Bacharel em História pela UERJ, com especialização em História das Relações
Internacionais pela mesma Universidade. Docente da rede estadual de ensino. Autora de vários
artigos e livros relacionados à História Local e Regional. Integra como historiadora a Comissão
para os Bens Culturais e Artes Sacras da Diocese de Duque de Caxias. Diretora do Instituto
Histórico da Câmara Municipal de Duque de Caxias. E-mail: taniaamaroalmeida@gmail.com

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