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O A RREPENDIMENTO DE D EUS
I. A INTRODUÇÃO1
Há duas palavras hebraicas no Antigo Testamento que são traduzidas por nosso
termo “arrependimento”. Uma delas é empregada principalmente para se falar do
arrependimento humano do pecado, mas, de vez em quando, ela se refere ao
arrependimento divino. Esta palavra é shuv (bWv), que quer dizer, ao pé da letra,
“voltar” ou “virar para trás.” A segunda palavra, que é o termo principal para denotar o
arrependimento de Deus, é nicham (~x;ni), que significa “sentir pesar” acerca de algo.
Ela pode também ser traduzida: “sentir remorso,” “ter compaixão,” “revogar,”
“arrepender-se,” ou “mudar de opinião.”
Os estudiosos Hans Walter Wolff e Terence Fretheim dizem que o sentido básico
destes dois termos é duplo: (1) eles assinalam uma mudança completa de uma
direção já tomada ou de uma decisão já feita, e (2) eles apontam para uma mudança
numa pessoa que é comovida pela nova situação social em que ela se encontra.
Consequentemente, podemos concluir que shuv e nicham se referem a uma reviravolta
no comportamento de uma pessoa, a qual é instigada por sua reação emocional a uma
nova situação.
7Se em qualquer tempo eu falar acerca duma nação, e acerca dum reino, para
arrancar, para derribar e para destruir, 8e se aquela nação, contra a qual falar,
se converter da sua maldade, também eu me arrependerei do mal que
intentava fazer-lhe. 9E se em qualquer tempo eu falar acerca duma nação e
acerca dum reino, para edificar e para plantar, 10 se ela fizer o mal diante dos
meus olhos, não dando ouvidos à minha voz, então me arrependerei do bem
que lhe intentava fazer. (Jer 18:7-10)
Este texto é muito instrutivo. Observe em primeiro lugar que Deus é apresentado aqui
usando duas vezes, na primeira pessoa do singular, o verbo “arrepender-se”: “eu me
arrependerei.” Segundo, neste texto Deus usa duas sentenças condicionais, as quais se
referem as ações possíveis tanto por parte de Deus quanto por parte de seres humanos.
Deus está dizendo que, em certas situações, Ele alterará seu modo de procedimento e o
que determinará esta mudança é o comportamento de uma nação humana. Em outras
palavras, depois de anunciar sua intenção de julgar (vs. 8) ou de abençoar (vs. 10) uma
nação, Deus ficará observando seu comportamento e, caso haja uma mudança
significativa neste comportamento, Ele modificará sua própria decisão prévia sobre o
que iria fazer a esta nação. Tudo isso sugere que Deus não somente conhece o que
seres humanos fazem, Ele também é movido pelos atos humanos a alterar Suas intenções
O Arrependimento de Deus 3
É notável que o arrependimento seja uma idéia que assume a realidade do tempo,
pois aquele que se arrepende está se modificando a si mesmo de um momento para
outro. Outrora ele teve certas caraterísticas ou atitudes, mas agora não as tem mais.
Portanto, as afirmações bíblicas sobre o arrependimento divino implicam em que o
tempo seja, de alguma forma, real na vida de Deus e que Ele realmente participe, junto
conosco, do processo histórico-temporal. Na realidade, o conceito do arrependimento
de Deus é um só de um grupo grande de conceitos empregados no Antigo Testamento
para falar sobre Deus, todas das quais pressupõem que o tempo é real para Ele. Este
grupo de conceitos incluem as idéias de que: Deus tem planos; Deus faz promessas;
Deus convive com seu povo num pacto; Deus se revela na história de Israel; e Deus é
receptivo às orações das pessoas.
Para demonstrar quão importante este conceito é nos escritos que compõem nosso
Antigo Testamento, Fretheim apresenta os seguintes resultados de suas pesquisas:
4Exemplos do uso de shuv (bWv), em vários sentidos, com respeito a Javé, se encontram em Êx
32.12; Dt 13.17 [heb. 13.18]; Jos 7.26; 2 Reis 23.26; Jonas 3.9; Os 14.5; Jer 2.35; 4.8; 23.20; 30.24;
Núm 25.4; 2 Cr 12.12; 29.10; 30.8; Is 5.25; 9.12, 17, 21 [heb. Is 9.11, 16, 20]; Jó 14.13; Dn 9.16. [Veja
Brown, Driver e Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament, pág. 996-997.]
O Arrependimento de Deus 4
fará tudo que puder para alcançar este fim, mesmo voltar-se para trás e repudiar alguns
de Seus decretos. Porque Deus visa a salvação de Israel, Ele espera que Seu anúncio de
julgamento não tenha que ser cumprido. Na sua fidelidade à aliança, Deus prefere que
Israel se arrependa de seu pecado, de tal modo que Ele não tenha que cumprir suas
ameaças de juízo. Deus não é morto e estático, mas vivo e flexível. Por isso, a fim de
permanecer fiel ao Seu propósito inalterável de manter Sua aliança de graça com Israel,
Deus espera que possa voltar-se para trás revogando Seu decreto de condenação devido
à mudança na vida de Seu povo (cf. Joel 2:12-17).5 [Não é difícil compreender esta
posição teológica. Pense num pai que, antes de mais nada, quer o que é o bom para seu
filho amado. Mas, às vezes, o pai tem que disciplinar o filho rebelde, mesmo fazendo
ameaças ou, pelo menos, advertências. Contudo, se o filho melhora radicalmente seu
comportamento, que pai responderia castigando-o de acordo com suas advertências
prévias? Pelo contrário, o pai mudaria seu plano “provisório” de castigar, porque agora
contrariaria frontalmente seu desejo básico de fazer o melhor possível para seu filho.
Nas relações mais íntimas entre pessoas, flexibilidade apropriada à situação é
valiosíssima.]
5 O teólogo conservador metodista John Oswalt descreve o Deus do Pentateuco assim: “desde
o início Ele é mostrado ser absolutamente fidedigno. Pode-se depender d’Ele. Há uma só
situação em que não se pode depender d’Ele para não guardar Sua palavra: se Ele havia
anunciado a destruição por causa do pecado e é dado qualquer boa razão para mudar de
opinião, o fará alegremente. A melhor das razões é o arrependimento por parte do pecador,
mas outra é a intercessão (Gn 18.16-33; Êx 32.11-14).” Veja John N. Oswalt, “Theology of the
Pentateuch,” no Dictionary of the Old Testament: Pentateuch (Downers Grove, Illinois:
InterVarsity Press, 2003), pág. 849.
O Arrependimento de Deus 6
10:4-5). No lugar de tal Deus totalmente transcendente, sem qualquer relação interna6
com o mundo, os israelitas tinham sua concepção de Iahweh, o Deus que ouviu seus
gemidos, pessoalmente tomou conhecimento de sua situação e os libertou da opressão
(Êx 2:23-25; 6:2-8).
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6 Uma pessoa tem uma “relação interna” com outra quando ela é afetada por esta relação. Por
exemplo, visto que eu vejo o presidente do Brasil na televisão, leio sobe ele, etc., estou
influenciado por ele e, por isso, posso dizer que tenho um relação “interna” para com ele.
Contudo, porque ele não me conhece nem me vê na televisão, ele não é afetado por mim e,
consequentemente, não tem relação interna comigo; antes, do ponto de vista dele esta relação é
puramente “externa.” [Para os antigos hebreus, Iahweh claramente teve relações internas com
eles!]