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Unidade 4: Recorrências

- Introdução

- Recorrências lineares de primeira ordem

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1) Introdução

Muitas sequências são definidas recursivamente,


usando-se recorrências: os termos da sequência
são definidos em função dos seus antecessores
imediatos na sequência.

Exemplo 1: A sequência dos números natu-


rais que deixam resto 1 na divisão por 3 pode
ser definida por
(
an+1 = an + 3
a1 = 1, ∀n ∈ N

Os primeiros termos dessa sequência, que é


uma progressão aritmética de razão 3 e primeiro
termo 1, são dados por

(1, 4, 7, 10, · · · )

2
Exemplo 2:

(a) Qualquer progressão aritmética (an) de ra-


zão r e primeiro termo a pode ser definida re-
cursivamente por
(
an+1 = an + r
a1 = a, ∀n ∈ N

(b) Qualquer progressão geométrica (an) de


razão q (q 6= 0) e primeiro termo a pode ser
definida recursivamente por
(
an+1 = an · q
a1 = a 6= 0, ∀n ∈ N

3
Exemplo 3: A sequência de Fibonacci

(Fn) = (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, · · · )

é tal que cada novo termo é a soma dos dois


antecessores imediatos é definida recursivamen-
te por
(
Fn+2 = Fn+1 + Fn
F1 = F2 = 1, ∀n ∈ N

Observação: Uma relação de recorrência por si


só não define a sequência. Para que a sequência
fique bem definida é necessário especificar uma
condição inicial ou condições iniciais, depen-
dendo da ordem da sequência.

A recorrência xn+1 = xn +3 serve para todas as


progressões aritméticas de razão 3 e não ape-
nas para a sequência de números naturais que
deixam resto 1 na divisão por 3. Para deter-
minar a sequência de forma única é necessário
fixar também o seu(s) primeiro(s) termo(s).
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Nos exemplos 1 e 2 tem-se recorrências de
primeira ordem, pois cada termo novo depende
apenas do seu antecessor imediato.

Na sequência de Fibonacci tem-se uma recor-


rência de segunda ordem, pois cada termo no-
vo depende dos dois antecessores imediatos.

Nos exemplos 4 e 5, a seguir, que são proble-


mas de contagem, apresentaremos a solução,
usando recorrência.

Exemplo 4: Quantas são as sequências de 10


termos pertencentes ao conjunto {0, 1, 2} que
não possuem dois termos consecutivos iguais
a zero?

Solução: Defina xn como o número de sequên-


cias de n termos que não possuem dois termos
consecutivos iguais a zero.
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Observe que

x1 = 3, correspondendo às sequências de um


termo

(0), (1) e (2)

x2 = 8, correspondendo às sequências de dois


termos
(0, 1), (0, 2), (1, 0), (1, 1), (1, 2) e (2, 0), (2, 1), (2, 2)

Para construir uma relação de recorrência para


o número de sequências com n + 2 termos
(xn+2), vamos separar as sequências em três
classes distintas, a saber,

(1) as iniciadas pelo número 1;

(2) as iniciadas pelo número 2 e

(3) as iniciadas pelo número 0.


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(1) Quantas são as sequências de n + 2 termos
que começam por 1 e não apresentam dois ter-
mos consecutivos iguais a zero?

Se fixamos o número 1 na primeira posição,


restam n+1 termos a serem alocados de manei-
ra que não haja dois zeros consecutivos. Mas
essa quantidade corresponde exatamente ao
número xn+1.

(2) Quantas são as sequências de n + 2 termos


que começam por 2 e não apresentam dois ter-
mos consecutivos iguais a zero?

Se fixamos o número 2 na primeira posição,


restam n+1 termos a serem alocados de manei-
ra que não haja dois zeros consecutivos. Mas
essa quantidade corresponde exatamente ao
número xn+1.

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(3) Quantas são as sequências de n + 2 termos
que começam por 0 e não apresentam dois ter-
mos consecutivos iguais a zero?

Se fixamos o número 0 na primeira posição,


observe que para a segunda posição haverá so-
mente duas opções (1 ou 2), pois não pode
haver dois zeros consecutivos. Restam n ter-
mos a serem alocados de maneira que não haja
dos zeros consecutivos, quantidade que corre-
sponde exatamente ao número xn. Assim, o
número de sequências iniciadas por 0 de n + 2
termos que não possuem dois zeros consecu-
tivos é dado por 2xn.

Logo,
(
xn+2 = 2(xn+1 + xn)
x1 = 3 e x2 = 8

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Tabela 1: Valores de xn para n variando de 1
até 10.

n xn
1 3
2 8
3 22
4 60
5 164
6 448
7 1224
8 3344
9 9136
10 24960

Logo, a quantidade de sequências de 10 ter-


mos pertencentes ao conjunto {0, 1, 2} que não
possuem dois termos consecutivos iguais a zero
é dada por 24960.

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Exemplo 5: Permutações caóticas

Seja Dn o número de permutações caóticas


de 1, 2, · · · , n, correspondendo às permutações
simples nas quais nenhum desses números ocupa
a sua posição ordinal. Mostre que

Dn+2 = (n + 1)(Dn+1 + Dn)

Solução: Para construir a relação de recorrência,


vamos separar as permutações caóticas de

1, 2, · · · , n + 2 em dois grupos disjuntos:

(1) as permutações nas quais o número 1 ocupa


o lugar do número que ocupa o lugar do número
1.

(2) as permutações em que a condição dada


em (1) não ocorre.
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(1) Quantas são as permutações caóticas dos
primeiros n + 2 naturais em que o número 1
ocupa a posição do número que ocupa a primei-
ra posição?

Nesse caso, observe que há n + 1 escolhas


do número que vai trocar de posição com o
número 1. Fixados esses dois, restam n núme-
ros. O número de permutações caóticas de n
números é dado por Dn.

Logo, a quantidade de permutações caóticas


quando o número 1 ocupa a posição do número
que ocupa a primeira posição é dada por

(n + 1)Dn.

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(2) Quantas são as permutações caóticas dos
primeiros n + 2 naturais que não satisfazem a
condição dada em (1)?

Nesse caso, observe que há n + 1 escolhas


de posição para a posição do número 1. Fi-
xada a posição do número 1, o número cor-
respondente a essa posição não poderá ocu-
par a primeira posição, pois cairia na condição
dada em (1). Podemos então em olhar o con-
junto restante de n + 1 elementos como o con-
junto dos n + 1 primeiros naturais em que o
número correspondente à posição fixada do
número 1, exerce o papel do número 1, não po-
dendo ocupar a primeira posição. Mas isso cor-
responde ao número de permutações caóticas
dos n + 1 primeiros inteiros, ou seja, Dn+1.

Logo, a quantidade de permutações caóticas


dos n+2 primeiros naturais que não satisfazem
à condição em (1) é dada por

(n + 1)Dn+1.
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Assim, somando os números em (1) e (2),
obtemos a recorrência

Dn+2 = (n + 1)(Dn+1 + Dn)

Observe que D1 = 0 e D2 = 1 tal que

n Dn ≈ Dn/n!
1 0 0
2 1 0,5
3 2 0,33333
4 9 0,375
5 44 0, 36667
6 265 0,36806
7 1854 0,36786
8 14833 0,36788
9 133496 0,36788
10 1334961 0,36788

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2) Recorrências lineares de primeira ordem

Uma recorrência de primeira ordem expressa


xn+1 em função de xn:

xn+1 = f (xn), n ∈ N.

A recorrência é dita ser linear se, e somente


se, for uma função de grau 1 em xn.

Por exemplo, as recorrências

(1) xn+1 = 2xn − n2 e

(2) xn+1 = nxn são lineares e a recorrência

(3) xn+1 = x2
n não é linear.

As recorrências (2) e (3) são ditas homogê-


neas, porque o termo independente de xn é
nulo. A recorrência (1) é dita não homogênea,
porque o termo independente é −n2.
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Exemplo 6: Resolva a seguinte recorrência li-
near homogênea de primeira ordem:
(
xn+1 = nxn
x1 = 1, n∈N

Solução:

x2 = x1 = 1, x3 = 2x2 = 2, x4 = 3x3 = 6, ...

Podemos conjecturar que xk = (k − 1)!. De


fato, vamos usar a expressão como hipótese
de indução.

Verificação para k + 1:

= k(k − 1)! = k!
xk+1 = kxk |{z}
HI

Logo, se vale para k, também vale para k + 1.

Portanto, pelo Princı́pio da Indução, para todo


n ∈ N, xn = (n − 1)!
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Exemplo 7: Resolva a seguinte recorrência:

xn+1 = 2xn, n ∈ N

Solução:

x2 = 2x1, x3 = 2x2 = 22x1, x4 = 2x3 = 23x1,

Podemos conjecturar que xk = 2k−1x1. De


fato, vamos usar a expressão como hipótese
de indução. Verificação para k + 1:

= 2 · 2k−1x1 = 2k x1
xk+1 = 2xk |{z}
HI

Logo, se vale para k, também vale para k + 1.

Portanto, pelo Princı́pio da Indução, para todo


n ∈ N, xn = C · 2n−1, com C uma constante
arbitrária, C ∈ R.

Observe que nesse caso a sequência não fica


determinada, pois não foi fixada uma condição
inicial.
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Recorrências lineares não homogêneas de primeira
ordem

Caso especial: xn+1 = xn + f (n)

Observe que nesse caso ∆xn = f (n) de modo


que

n
X n
X
xn+1 − x1 = ∆xk = f (k) e, assim,
k=1 k=1
n
X
xn+1 = x1 + f (k)
k=1
n−1
X
tal que xn = x1 + f (k).
k=1

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Exemplo 8: Resolva a seguinte recorrência li-
near não homogênea de primeira ordem:
(
xn+1 = xn + 2n
x1 = 1, n∈N

Solução: Observe que essa recorrência é um


exemplo do caso especial apresentado com

f (n) = 2n, cuja solução, vimos, é dada por

n−1
X
xn = x1 + f (k).
k=1

n−1
2k = 2n − 2, segue que
X
Como,
k=1

xn = 1 + 2 n − 2 = 2 n − 1

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Exemplo 9: Resolva a seguinte recorrência li-
near não homogênea de primeira ordem:
(
xn+1 = xn + n
x1 = 0, n∈N

Solução: Observe que essa recorrência é um


exemplo do caso especial apresentado com

f (n) = n, cuja solução, vimos, é dada por

n−1
X
xn = x1 + f (k).
k=1

n−1
X (n − 1)n
Como, k= , segue que
k=1
2

(n − 1)n
xn = .
2

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O teorema 1 a seguir estabelece que qualquer
recorrência linear não homogênea de primeira
ordem pode ser transformada em uma recor-
rência linear da forma especial dada por

Teorema 1: Se an é uma solução da recorrên-


cia homogênea xn+1 = g(n)xn, então a substi-
tuição xn = anyn transforma a recorrência não
homogênea dada por

xn+1 = g(n)xn + h(n)


em
yn+1 = yn + h(n)[g(n)an]−1.

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Demonstração: Seja an solução de

xn+1 = g(n)xn e faça xn = anyn.

Considere a recorrência não homogênea

xn+1 = g(n)xn + h(n)

Fazendo a substituição tem-se

an+1yn+1 = g(n)anyn+h(n), mas an+1 = g(n)an


tal que

g(n)anyn+1 = g(n)anyn + h(n)

Dividindo todos os termos por [g(n)an] tem-se

yn+1 = yn + h(n)[g(n)an]−1

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Exemplo 10: Resolva a recorrência

xn+1 = 2xn + 1, x1 = 2.

Solução: Vamos usar o teorema 1. Para isso,


vamos considerar primeiro a recorrência ho-
mogênea xn+1 = 2xn. Vimos, no exemplo 7,
que a solução geral dessa equação é dada por
C ·2n−1. Faça, então an = 2n−1, pois a escolha
da constante C é arbitrária.

Pelo teorema 1, faça xn = 2n−1yn.

Observe que h(n) = 1 e g(n) = 2 e an = 2n−1.

1
yn+1 = yn + n
2
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A última recorrência é um exemplo do caso
especial ∆yn = f (n) em que a solução é dada
por

n−1
f (k) com f (k) = 1k .
X
yn = y1 +
2
k=1

1 1−(1/2)n−1 1
Logo, yn = y1 + 2 · (1−1/2) = y1 + 1 − 2n−1

Mas, xn = anyn = 2n−1yn tal que

xn = 2n−1(y1 + 1) − 1, com y1 = xa1 = 2


1 = 2.
1

Logo,
xn = 3 · 2n−1 − 1

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Exemplo 11: Resolva: xn+1 = 3xn + 3n, em
que x1 = 2.

Solução: Novamente, vamos recorrer ao teo-


rema 1, considerando, inicialmente, a equação
homogênea xn+1 = 3xn.

Observe que trata-se de uma P.G. cuja razão


x
é 3, pois n+1
xn = 3, qualquer que seja n.

Logo, a solução geral é dada por an = C · 3n−1


com C um valor arbitrário, pois não foram
dadas as condições iniciais da equação homogê-
nea.

Assim, faça an = 3n−1, por exemplo.

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Usando o teorema 1 e fazendo xn = anyn,
obtemos a equação especial

yn+1 = yn + h(n)[g(n)an]−1
com h(n) = 3n, g(n) = 3 e an = 3n−1 tal que

yn+1 = yn + 1 cuja solução é dada por

n−1
X
yn = y1 + 1 = y1 + (n − 1).
k=1

Mas, xn = anyn = 3n−1[y1 + (n − 1)] tal que

xn = 3n−1[y1 − 1 + n], com y1 = xa1 = 2


1 = 2.
1

Logo,
xn = (n + 1) · 3n−1

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