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Psicologia da saúde

Psicologia Da Saúde

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Psicologia da saúde

SUMÁRIO

A Psicologia na Saúde: um breve histórico ............................................................................ 3


A Multideterminação na Saúde .............................................................................................. 5
A Relevância da Avaliação Psicológica na Saúde ................................................................. 8
Concepção de promoção da saúde de psicólogos no serviço público .................................. 15
Rede de trabalho ................................................................................................................. 18
Papel dos psicólogos ........................................................................................................... 19
Promoção da Saúde - Qualidade de Vida ............................................................................ 20
Educação em saúde ............................................................................................................ 29
O estabelecimento do nexo causal: um grande de- safio que se apresenta ao psicólogo no
campo da Saúde do Trabalhador ......................................................................................... 29
Aspectos éticos e políticos relacionados à atuação do psicólogo na saúde do trabalhador . 32
A psicologia e a política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas .............. 43
Papéis do psicólogo no consultório na rua ........................................................................... 45
O Consultório na Rua: Nascimento e Consolidação ............................................................ 46
De Consultório de Rua a Consultório na Rua ...................................................................... 49
Papéis do Psicólogo no Consultório na Rua ........................................................................ 52
Papéis do psicólogo do Consultório na Rua na própria rua e dentro da equipe ................... 53
Papéis do psicólogo no desenvolvimento e no fortalecimento da política pública Consultório
na Rua ................................................................................................................................. 60
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 69

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A Psicologia na Saúde: um breve histórico

A psicologia no campo na saúde vem se constituindo como uma das formas


de se compreender o adoecimento e as maneiras pelas quais o homem pode
manter-se saudável. Em um campo não uniforme de teorias e técnicas, cujas
contribuições são oriundas de diferentes áreas ou especialidades, a psicologia na
saúde vem ganhando espaço e importância em âmbitos multi e interdisciplinares
para a compreensão dos vários fenômenos relacionados à saúde e ao adoecimento,
bem como vem propondo intervenções para a melhoria e manutenção do bem-estar
humano.
Segundo Richmond (1979), a psicologia na saúde surge na década de 70
com o objetivo de responder as novas exigências apresentadas no campo da saúde.
Um dos principais desafios até então era a superação do modelo biomédico
centrado na doença, já que o comportamento humano se revelava como uma das
causas de morbidade e mortalidade. Os principais fatores de risco, responsáveis
pela maioria das doenças e mortes prematuras nos Estados Unidos estavam
relacionados aos comportamentos de risco, tais como o fumo e o uso abusivo de
álcool e drogas, entre tantos outros. Sendo assim, a relação entre causa e efeito
implícito nas antigas teorias epidemiológicas começou a enfraquecer, pois as
doenças não mais evidenciavam uma origem exclusivamente patogênica. O
equivalente ao germe para as novas epidemias, passa a ser a relação do
comportamento do sujeito com os fatores ambientais, orgânicos e sociais. Como
resultado, o que se conhecia por "vacina", nesse novo contexto, agora estaria
relacionado à uma abordagem integral com o objetivo de "imunizar" as doenças
relacionadas à etiologias comportamentais (Ribeiro, 1998).
A American Psychological Associacion foi criada na década de 70 com o
objetivo de estudar a natureza e a extensão da contribuição dos psicólogos para a
investigação básica e aplicada sobre os aspectos comportamentais nas doenças
físicas e na manutenção da saúde (APA task force on health research, 1976, p. 263).
Após cinco anos, criou-se a divisão de psicologia da saúde da Amerian
Psychological Associacion, conhecida como a Divisão 38, com o objetivo de

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compreender os processos de saúde e doença por intermédio de pesquisa básica e


clínica, a fim de promover a integração da comunidade psicológica e biomédica. No
início da década de oitenta, começa a ser editado o periódico intitulado Journal of
Health Psychology, bem como outros jornais especializados.
Se a primeira revolução da saúde se deu com a descoberta dos
microrganismos como fator etiológico de diversas doenças infecciosas, a segunda
revolução da saúde, ou seja, a importância dos fatores comportamentais na
determinação da doença, foi consequência de investigações que, de modo
crescente, alertaram para as novas epidemias, e cujos resultados começaram a ser
conclusivos e a ganhar notoriedade na década de 70. (Lalonde, 1974; Michael,
1982; Richmond, 1979). Para responder a essa "epidemia comportamental", Lalonde
(1974) propôs uma política nacional de saúde voltada para a biologia humana, o
meio ambiente, o estilo de vida e a organização dos cuidados de saúde, os quatro
pilares constitutivos do campo da saúde.
Esse modelo passa a ser utilizado, em meados do século XX, na análise de
diversos estudos das principais causas de morte nos países com alto
desenvolvimento econômico. Algumas estimativas de causas de morte apontam que
cerca de metade das mortes prematuras podem ser devidas a comportamentos
inadequados ou ao estilo de vida, 20% a fatores ambientais, 20% a biologia humana
e 10% a cuidados de saúde inadequados (Ribeiro, 1998; Richmond, 1976). Outros
fatores como as alterações demográficas, o envelhecimento da população,
diversificação da família e a revolução tecnológica vêm contribuindo para a
necessidade de formação de profissionais qualificados. Esses novos fatores também
acabaram por aumentar os custos e investimentos da assistência à saúde, a
aproximação dos serviços de saúde à comunidade e a emergência de uma nova
compreensão do conceito de saúde (Ramos, 1988).
Vê-se que a psicologia na saúde é um campo que estuda as influencias
psicológicas na saúde, os fatores responsáveis pelo adoecimento, as mudanças de
comportamento das pessoas no adoecer (Taylor, 2002). Não se restringe apenas a
ambientes hospitalares ou a centros de saúde, mas se dedica também a todos os
programas que venham a enfocar a saúde física e mental coletiva (Baptista & Dias,

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2003). A psicologia na saúde pode ser compreendida como um domínio da


psicologia que utiliza vários conhecimentos resultantes de estudos e de pesquisas
psicológicas, com o intuito de promover e proteger a saúde. É também seu objetivo,
prevenir e tratar enfermidades, bem como identificar etiologias e disfunções
associadas às doenças, além da análise e melhoria do sistema de cuidados de
saúde e aperfeiçoamento da política de saúde (Matarazzo, 1982, p. 4).
Segundo a APA (2005), a psicologia na saúde utiliza, cada vez mais,
conhecimentos básicos da ciência psicológica e suas extensões no campo da
saúde, avaliando o impacto do comportamento na saúde e vice-versa. A relação
entre os estudos psicossociais e psicofisiológicos mostra-se um campo promissor
nas investigações de manifestações clínicas e suas extensões na compreensão de
fenômenos tais como o estresse, repercussões psicológicas pelo contágio do HIV,
alcoolismo, doenças ocupacionais, dentre outros, que demandam uma abordagem
multifacetada dos problemas de saúde.
A saúde, como abordada anteriormente, pode ser considerada como um
estado de completo bem-estar físico, psicológico e social. A psicologia na saúde
volta-se para os aspectos psicológicos da saúde no decorrer da vida de uma
pessoa, não como variáveis isoladas, mas esferas da vida interdependentes que se
influenciam mutuamente. O número e a variedade de intervenções da psicologia na
saúde para ajudar as pessoas a enfrentar a dor, a ansiedade, a depressão e outros
subprodutos de doenças crônicas, vem aumentando progressivamente. Atualmente,
os psicólogos na saúde realizam uma variedade de atividades, incluindo treinamento
de residentes e internos, enfermeiros sobre a importância dos fatores psicossociais
na adesão e recuperação do paciente e intervenção direta para auxiliar pacientes
que estejam sofrendo procedimentos difíceis em relação à sua adaptação às
doenças crônicas (Straub, 2005).

A Multideterminação na Saúde

Em geral, fatores psicossociais ou comportamentais exercem sua influência


sobre a saúde ou a doença (Krantz, Grunberg, Baum, 1985). Os aspectos

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emocionais podem ser precedentes do desencadeamento de problemas físicos, bem


como enfermidades causadas por agentes orgânicos também podem desencadear
reações emocionais diversas. A saúde pode ser influenciada por variadas condições,
tais diferenças individuais, traços de personalidade, sistema de crenças e atitudes,
comportamentos, redes de suporte social e meio ambiente. Embora a evidência
experimental seja ainda inconsistente, em alguns casos, os dados advindos de
estudos sobre saúde e comportamento sugerem que os processos psicológicos e os
estados emocionais estão diretamente relacionados com a etiologia e a
disseminação de doenças (Baum & Posluszny, 1999).
Um dos fenômenos mais estudados recentemente, que envolve a relação
entre os aspectos psicológicos, biológicos e sociais, é o estresse. O estresse pode
ser considerado um fenômeno resultante da interação entre os aspectos físicos e
psicológicos. Selye (1974, 1976), ao explicar a teoria do estresse, refere-se à
Síndrome Geral de Adaptação (SGA) como um processo essencial à vida, uma
resposta não específica a um estímulo, que inclui as fases de alarme, resistência e
esgotamento. O restabelecimento do equilíbrio depende da relação das fases e
intensidade dos estímulos, podendo ou não causar danos à saúde (Ribeiro, 1998).
Quando o organismo consegue se adaptar e resistir ao estressor, o processo de
estresse se interrompe, e não traz prejuízos à saúde do indivíduo. No entanto, se
isso não ocorre, ele avança para fases mais severas e pode comprometer a
habilidade do corpo em permanecer em homeostase (Baum & Posluszny, 1999).
O estresse elevado pode contribuir para o aumento na pressão arterial e
batimentos, e está associado a mudanças hematológicas que podem contribuir
diretamente para doenças cardíacas e hipertensão, como fator de risco ou
desencadeador cardíacos (Santagostinho, Amoretti, Frattini, Zerbi, Cucchi, 1996,
Krantz & Manuck 1984). O sistema imunológico por meio de uma série de caminhos
neurais e hormonais está também relacionado ao estresse, que provoca
modificações significativas na variação de neurosubstâncias e, consequentemente
das reações emocionais e cognitivas (Besedovsky & Del Rey 1991; Maier & Watkins,
1998). Tais mudanças no sistema imunológico podem ser suficientes para aumentar
a vulnerabilidade às infecções ou doenças e estão implicadas na etiologia e

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progressão de infecções virais, cicatrização de ferimentos, câncer e doença por HIV


(Andersen, Kiecolt-Glaser, Glaser, 1994; Baum & Nesselhof, 1988; Cohen &
Williamson, 1991; Kiecolt-Glasser, Stephens, Lipetz, Speicher, Glaser, 1985).
Comportamentos saudáveis como dietas balanceadas e exercícios podem
ajudar a minimizar condições subjacentes às doenças cardiovasculares e cânceres e
são frequentemente citados como comportamentos protetores. Já o uso de tabaco e
abuso de álcool estão associados às mudanças biológicas nos pulmões, coração e
outros sistemas corporais que predispõem à doenças, sendo comportamentos que
deterioram a saúde. Assim, o uso de drogas, a atividade sexual de alto risco e outros
comportamentos potencialmente prejudiciais são importantes mediadores de
processos de doença (Baum & Posluszny, 1999). Os dados de pesquisas
epidemiológicas têm chamado a atenção de profissionais e pacientes para a
importância de hábitos e para o estilo de vida (Ribeiro, 1998). A modificação de
alguns comportamentos, tais como, deixar de fumar, cuidar da alimentação,
controlar o estresse, praticar atividades físicas regularmente, dormir um número de
horas adequado, verificar periodicamente a saúde, reduzem a mortalidade.
Em síntese, pode-se dizer que a boa nutrição, a boa forma, o ato de beber
com responsabilidade e o controle saudável do peso corporal, do estresse e dos
relacionamentos sociais são tarefas para toda a vida, que devem começar bem
cedo. Dessa maneira, prevenir o desenvolvimento de maus hábitos de saúde
continuará a ser prioridade da psicologia na saúde. Pesquisas futuras poderão
indicar as intervenções mais eficazes para atingir o maior número de pessoas no
local de trabalho, em escolas e universidades e na comunidade (Straub, 2005).
A elaboração de modelos de influência saúde-comportamento está em
desenvolvimento para explicar a relação de alguns problemas de saúde física e
mental, como por exemplo, o câncer e as doenças relacionadas ao estresse
(Andersen & cols., 1994). Evidências relacionando partes-chave desses modelos
foram relatadas, e embora não sejam completas em muitos casos, ainda assim
apóiam a idéia de que as variáveis de comportamento afetam a saúde e a doença
(Baum & Posluszny, 1999). Em 80% dos artigos publicados em 2002 na Health
Psychology (citado por Montomery, 2004) foram mencionados que os fatores

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cognitivos e comportamentais são fundamentais para predição de comportamento


de saúde. A utilização de intervenções baseadas em modificações cognitivas em
saúde vem resultando em intervenções inovadoras e efetivas na promoção da
saúde.
Nos últimos 30 anos, diversas abordagens psicológicas vêm sendo aplicadas
a uma variedade de doenças e condições como o câncer, doenças cardiovasculares,
diabetes, HIV, obesidade, abuso de substância, gravidez (Baum, Gatchel & Krantz,
1997; Montomery, 2004). A psicologia na saúde objetiva o aperfeiçoamento da
saúde, a prevenção e o tratamento de doenças. Muitas práticas clínicas buscam não
apenas modificar o ambiente dos pacientes e sua resposta a estímulos, mas
também a mudança de seus pensamentos, crenças, sentimentos e atitudes em
relação à saúde. Se o paciente sabe, por exemplo, que suas crenças estão levando
a emoções e a comportamentos desadaptados e propiciadores de doenças, ele tem
a chance de atuar no sentido de amenizar tal influência (Baptista e Dias, 2003).
Nesse sentido, a importância da avaliação psicológica do paciente, em
contextos de saúde humana, torna-se fundamental. O processo de avaliação, além
de voltar-se para a natureza da solicitação e das condições do paciente deve
adequar-se às características do ambiente (ambulatórios, enfermarias) que nem
sempre são muito adequadas. A escolha de instrumentos, como, por exemplo,
entrevistas, protocolos, questionários, testes psicológicos psicométricos, projetivos e
técnicas de observação, deve ser adequada e bem planejada, sob o risco de
prejudicar a avaliação.

A Relevância da Avaliação Psicológica na Saúde

A avaliação psicológica em ambientes médicos pode ser considerada como


uma adequada ferramenta na apropriação de decisões a respeito do diagnóstico
diferencial, tipo de tratamento necessário e prognóstico. A detecção precoce de
problemas comportamentais e/ou distúrbios psicológicos/psiquiátricos em pacientes
inseridos em ambientes médicos pode significar um grande diferencial com relação
ao tipo e qualidade do atendimento oferecido ao paciente, bem como diminuição do

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sofrimento e de custos operacionais institucionais, sendo que a avaliação


psicológica não necessariamente deve estar ligada somente a pacientes
hospitalizados, mas também a diversos espaços e especialidades em saúde, tais
como clínicas particulares de especialidades ou centros de saúde (Stout & Cook,
1999).
Levando-se em consideração a complexidade dos ambientes médicos, a
avaliação psicológica deve ser alicerçada em um corpo de conhecimento acumulado
por intermédio do binômio prática/pesquisa, por isso a importância do contínuo
desenvolvimento de pesquisas para a criação de protocolos específicos de avaliação
psicológica em diferentes nichos nos vários ambientes de saúde (Baptista & Dias,
2003; Belar, 1997). Pesquisas em psicologia da saúde e medicina comportamental,
principalmente as internacionais, vem crescendo exponencialmente nas últimas três
décadas (Montgomery, 2004).
A avaliação psicológica está baseada no método científico e a aplicação de
instrumentos psicológicos é uma parte apenas, porém importante, de todo um
processo. Noronha (1999) relata a avaliação psicológica como um processo que
pode (ou não), incluir testes padronizados como um dos recursos para atingir seus
objetivos. Nela estão envolvidos a coleta das informações, os instrumentos e as
diversas formas de medidas para que se possa chegar a uma conclusão. Ou seja, o
processo de avaliação psicológica pode incluir diferentes procedimentos de
medidas, identificar dimensões específicas do sujeito, do seu ambiente e da relação
entre eles.
Portanto, cada procedimento de medida, como explica Pasquali (2001), ou de
investigação, requer um resultado síntese, que não pode ser confundido com o
resultado final, pois este está relacionado com a análise de todos os dados colhidos
durante o processo. Os testes psicológicos, como lembram Anastasi e Urbina
(2000), podem ser considerados essencialmente como uma medida objetiva e
padronizada de uma amostra de comportamento. Eles não medem diretamente as
capacidades e funções, mas amostras que devem representar adequadamente o
fenômeno estudado. São, na realidade, semelhantes a qualquer outro teste
científico, uma vez que por meio de uma pequena amostra, mas cuidadosamente

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escolhida, são realizadas as observações do comportamento da pessoa. Assim,


como instrumentos de medida, devem apresentar certas características que possam
justificar como confiáveis os dados que por eles foram produzidos.
Apesar da confusão entre avaliação psicológica e aplicação de instrumentos,
existente na população leiga e mesmo entre alguns profissionais, a avaliação deve
sempre manter um compromisso ético e humanitário, que leva obrigatoriamente a
compreender as técnicas utilizadas, suas funções, vantagens e limitações. O seu
objetivo não é o de dar um simples rótulo, mas, sim, descrever, por meio de técnicas
reconhecidas e de uma linguagem apropriada, a melhor compreensão de alguns
aspectos da vida de uma pessoa, ou de um grupo (Tavares, 2004).
No contexto da saúde, a avaliação psicológica vem ao encontro da
formulação atual do conceito de saúde e das causas das doenças. A saúde não é
considerada apenas como uma ausência de sintomas, pois, uma pessoa pode estar
gravemente enferma sem apresentar qualquer sintomatologia. Por outro lado, as
doenças, atualmente, não são consideradas como possuindo uma única
determinação, mas sim, são multideterminadas. Não existem duas psicologias, uma
psicologia da saúde e uma psicologia da doença. Na realidade, quando se refere à
psicologia na saúde, a expressão engloba a vivência de uma pessoa também no seu
processo de adoecimento. Assim, toda doença tem aspectos psicológicos e que
envolve múltiplos fatores a serem avaliados, tais como estilo de vida, hábitos,
cultura, mitos familiares (Straub, 2005).
A psicologia na saúde está baseada em evidências e vem ganhando
importância nos meios científico, confirmando resultados práticos da atuação deste
profissional, principalmente em países desenvolvidos. Gildron (2002) aponta para o
desenvolvimento de ensaios clínicos randomizados com o intuito de demonstrar a
eficácia das avaliações e, consequentemente, das intervenções de psicólogos em
ambientes médicos, enfatizando a utilização de ferramentas de avaliação baseadas
em estudos de validade e precisão mais elaborados, o que evitaria a avaliação
baseada somente na intuição clínica.
O desenvolvimento de protocolos de avaliação de pacientes é fundamental
para o desenvolvimento de guias de tratamento mais eficientes. Como bem

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assinalam Belar e Deardorff (1995), o tipo de serviço prestado, o objetivo do


profissional, bem como o setor em que se situa o profissional são algumas das
variáveis que influenciarão diretamente a forma como o psicólogo desenvolverá seu
protocolo de avaliação psicológica. De maneira geral, as informações necessárias
para uma avaliação minimamente adequada estão relacionadas ao estado geral do
paciente, as mudanças que ocorreram desde o início da doença e o histórico
passado, principalmente aquele relacionado ao enfrentamento de situações de
doença anteriores.
A avaliação proposta também deve levar em consideração as peculiaridades
do sistema de saúde, bem como os suportes sociais/familiares que o paciente vem
recebendo, a fim de contextualizar o tipo de avaliação psicológica e,
consequentemente o tipo de intervenção mais específica. Apesar das diferentes
visões que vários autores possuem sobre os objetivos e passos de uma avaliação
psicológica em ambientes de saúde, Belar e Deardorff (1995) relatam um modelo
das principais metas de avaliação de um psicólogo da saúde em ambientes
hospitalares, divididos em domínios (biológico/físico, afetivo, cognitivo e
comportamental) em unidades (paciente, família, sistema de saúde e contexto
sociocultural) e relatados de forma simplificada a seguir:
• Metas biológicas - avaliação de aspectos tais como natureza, localização,
frequência dos sintomas, tipos de tratamento recebido e suas características (ex.
altamente invasivos), informações de sinais vitais e exames (ex. presença de álcool
no sangue), além de informações genéticas e procedimentos médicos anteriores à
internação;
• Metas Afetivas - avaliação sobre os sentimentos do paciente sobre a
doença, tratamento, futuro, limitações e histórico de variações de humor;
• Metas Cognitivas - conhecimento do paciente sobre o quadro e a situação
de saúde, manutenção de funções como percepção, memória, inteligência, tipo de
padrões de avaliação da situação (crenças), percepção de controle da situação
(lócus de controle), capacidade de avaliação de custo/benefício de opções de
tratamentos, expectativas sobre intervenções;

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• Metas comportamentais - reações do paciente, tais como expressões faciais,


sinais de ansiedade (postura, contato), estilos de comportamento frente à internação
(hostil, ansioso) e hábitos de risco ou protetores.
Para o registro das informações citadas anteriormente, Karel (2000), Belar e
Deardorff (1995) agrupam as vantagens e desvantagens de diferentes tipos de
estratégias que podem ser utilizadas na obtenção dos dados, por intermédio de
questionários, diários, observações, medidas psicofisiológicas, dados de prontuários
e instrumentos com qualidades psicométricas. Nesse sentido os questionários
podem ser de grande valia na economia de tempo e/ou como direcionadores em
entrevistas mais específicas; os diários são importantes na recuperação de
informação sobre comportamentos e pensamentos relacionados à saúde e podem
ser utilizados com linhas de base, apesar de serem questionados sobre as
qualidades psicométricas. As observações podem ser realizadas de forma
estruturada durante as visitas ou superestruturada, com situações de role-
playing filmadas; já as medidas psicofisiológicas são adequadas quando do uso de
técnicas de biofeedback. Os dados de prontuários, apesar de serem muito úteis
devem ser vistos com muita cautela, já que dependem da cultura do hospital/país e
profissionais em operacionalizarem detalhadamente as informações sobre o
paciente. Para Matarazzo (1990), a avaliação psicológica é mais adequada quando
envolve não somente o uso de testes psicológicos. Ela deve ser complementada por
entrevistas clínicas direcionadas ao problema, observações sistemáticas do
comportamento, troca de informações com equipe de saúde (enfermeiras, médicos,
terapeutas ocupacionais, etc), dentre outras estratégias.
Por último, Karel (2000), Belar e Deardorff (1995) relatam sobre a importância
da utilização de instrumentos com qualidades psicométricas comprovadas. Pode-se
ainda dividir alguns instrumentos em amplo e estreito espectro, sempre levando em
consideração algumas variáveis tais como o objetivo da avaliação psicológica,
contexto em que se insere, tempo disponível do profissional e paciente, treinamento
do profissional, características do quadro do paciente, dentre outras.
As medidas de amplo espectro se referem a instrumentos que possuem por
objetivo avaliarem características da personalidade do paciente, tais como o Sixteen

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Personality Factor Inventory (16 PF), Minnesotta Multiphasic Personality Inventory


(MMPI), Millon Clinical Multiaxial Inventory (MCMI), Symptom Check List-90 Revised
(SCL-90-R), sendo que alguns destes possuem qualidades psicométricas
adequadas para a população brasileira e outros ainda não possuem ou estão em
estudo. Já os instrumentos de estreito espectro seriam aqueles mais específico para
uma determinada condição ou situação, tais como o Beck Depression Inventory
(BDI), Hospital Anxiety and Depression Scale (HAD), Mini-Mental-State Exam
(MMS), Family Environment Scale (FES), Multidimensional Health Locus of Control
(MHLC), Câncer Inventory of Problem Situations (CIPS), dentre outros, sendo que,
da mesma forma, alguns já estão adaptados para a cultura brasileira e outros não
estão ou estão sendo estudados por pesquisadores/equipes especialistas em
avaliação psicológica.
Protocolos de avaliação psicológica em ambientes da saúde podem ser
considerados como guias de avaliação específicos para especialidades e serviços
com características próprias. Nos casos de atendimentos pré e pós-operatórios de
serviços como o gastrologia, mais direcionado à obesidade mórbida ou mesmo
acompanhamento de obesos em SPAS, avaliação e acompanhamento de pacientes
com transtornos de humor, em nível ambulatorial ou enfermaria, condições
psicológicas secundárias à presença de doenças, desordens psicofisiológicas
associadas a problemas de saúde, avaliações relacionadas à questão da adesão ao
tratamento; doenças consideradas de cunho psicossomático, programas de
avaliação para auxiliar pacientes e familiares a desenvolverem estratégias de
enfrentamento de doenças crônicas, modificação de comportamentos de risco em
detrimento de diagnóstico de doenças específicas, avaliação e acompanhamento de
mães com bebês de alto-risco internados em UTI Neonatal, dentre outras
possibilidades (Baptista & Dias, 2003; Stout & Cook, 1999).
A avaliação psicológica no contexto da saúde possui alguns objetivos. Entre
eles pode-se destacar a sistematização das informações dos vários aspectos do
funcionamento do paciente, como dados perceptuais, motores e funcionamento.
Formas objetivas de se obter informações sem a necessidade de avaliação
essencialmente subjetiva, a fim de elucidar hipóteses que são necessárias para a

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intervenção. Os testes mais utilizados em ambientes médicos são aqueles que


avaliam funções intelectuais, escalas auto-administradas (quando possível),
inventários de personalidade, testes projetivos (quando cabível), além dos testes
neuropsicológicos que muitas vezes são utilizados para realizar um diagnóstico
diferencial. No entanto, a utilização de testes nem sempre é necessária,
principalmente em casos em que o diagnóstico se mostra claramente aos
profissionais ou casos em que os níveis de funcionamento do paciente estão
evidentemente relacionados a estressores específicos do ambiente de saúde ou
estado do paciente (Spikoff & Oss 1995).
Os protocolos de avaliação psicológica em ambientes médicos também
devem ser pensados não somente em termos de quais medidas serão avaliadas ou
testadas em determinadas situações, mas é importante levar em consideração que
há uma inter-relação entre condições crônicas de saúde, intervenções
farmacológicas, fatores psicológicos, sociais e econômicos associados a uma
investigação compreensiva para a identificação das causas do problema do
paciente. Sendo assim, a qualidade da avaliação depende, em grande parte, da
habilidade do avaliador em recolher e contingenciar as diversas variáveis relativas
ao estado de saúde (Schneider & Amerman, 1997). Neste sentido deve-se tomar um
cuidado extra para não transformar protocolos de avaliação em formas "enfaixadas"
de avaliação, as quais, de forma contrária, ao invés de propiciarem linhas guias para
o tratamento, acabam por limitar a compreensão do problema.
A psicologia na saúde reconhece que o ser humano está em permanente
mudança em decorrência da variação de fatores orgânicos, ambientais e
psicossociais e tem enfatizado cada vez mais seu papel ativo no processo saúde-
doença. Por ser a saúde e a enfermidade entendidas como determinadas por
múltiplos fatores etiológicos - genéticos, bioquímicos,
comportamentais/psicodinâmicos e socioambientais que podem interagir de modos
complexos e que sua compreensão requer um entendimento sofisticado e não
apenas especializado das relações entre esses fatores, justifica-se a construção,
validação e aplicação de instrumentos psicológicos que possam aprimorar a
avaliação psicológica no contexto da saúde.

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A saúde não se resume à ausência de doença e ao bem-estar físico, mas um


estado multidimensional que envolve três domínios: a saúde física, psicológica e
social. A saúde física implica ter um corpo não apenas livre de doenças, mas
também envolve hábitos relacionados ao comportamento e ao estilo de vida. Em seu
outro domínio, a saúde social engloba as boas habilidades interpessoais,
relacionamentos com amigos e família e atividades socioculturais. A saúde
psicológica engloba, apesar das variações culturais, a capacidade de pensar de
forma clara e objetiva, possuir uma autoestima adequada e consciência de bem-
estar. Nela pode-se incluir a criatividade, as habilidades intelectuais e a estabilidade
emocional, caracteriza-se pela abertura às inovações e, ao mesmo tempo, pela
presença de uma estrutura e funcionamento estável da personalidade. A psicologia
na saúde tem como campo de pesquisa e de intervenção a interface dos três
domínios, objetivando o estado completo de bem-estar físico, mental e social.

Concepção de promoção da saúde de psicólogos no serviço público

O conceito de Promoção da Saúde vem se desenvolvendo desde a década


de 70, época em que passou a ser debatido e disseminado em discussões
internacionais. Com Leavell e Clarck (1997), ele foi considerado como parte dos
níveis de aplicação de medidas preventivas na história natural da doença, incluindo-
se no nível de atenção primário.
O Informe de Lalonde (1974) foi o primeiro documento oficial a usar o termo
Promoção da Saúde e a colocá-lo no contexto do planejamento estratégico. Com a

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Conferência de Ottawa, no Canadá, em 1986, foi promulgada a Carta de Ottawa


dando origem à estratégia da Promoção da Saúde que pode ser compreendida
como o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua
qualidade de vida e saúde, incluindo maior participação. Esta Carta define cinco
Campos de Ação: Elaboração Implementação de Políticas Públicas Saudáveis;
Criação de Ambientes Favoráveis à Saúde; Reforço da Ação Comunitária;
Desenvolvimento de Habilidades Pessoais e Reorientação dos Serviços de Saúde
(OMS, 1986).
Ocorreram vários movimentos sobre a estratégia da Promoção da Saúde com
o intuito de aprimorá-la. Dentre estes movimentos destacam-se: a Declaração de
Adelaide em 1998, a Declaração de Sundsvall em 1991, a Declaração de Santafé de
Bogotá em 1992, a Declaração de Jacarta em 1997, a Conferência Ministerial do
México em 2000 e Carta de São Paulo que aconteceu em 2002, no Brasil. Todos
esses movimentos acabaram por reafirmar os caminhos delineados pela Carta de
Ottawa, ainda em 1986.
Assim, Promoção da Saúde nasce como nível de atenção em saúde e
renasce como paradigma reestruturante de intervenção. Ela não é uma nova teoria
geral sobre saúde, mas é uma estratégia que se apoia em conhecimentos de
diversas áreas e em valores como autonomia, responsabilidade, justiça. Ela
questiona o modelo biomédico, não para substituí-lo, mas para ultrapassá-lo em
seus resultados, superar suas limitações e conter seus malefícios.
A saúde, então, não vem como um objetivo, mas como a fonte de riqueza da
vida cotidiana. Trata-se de um conceito positivo que acentua os recursos sociais e
pessoais, assim como as aptidões físicas, indo em busca do bem-estar. Esta forma
de compreender saúde revelou que a proposta da Promoção da Saúde deve ser um
paradigma válido e alternativo aos enormes problemas de saúde e do sistema de
saúde dos países. Além disso, esta estratégia obteve notável consenso político em
todo o mundo e em diferentes sociedades (MacDonald, 1998).
No Brasil, esta estratégia também influenciou movimentos, como: a VIII
Conferência Nacional de Saúde, a Constituição de 1988, a criação do Sistema Único
de Saúde, com sua (re) estruturação no momento atual através do Programa de

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Saúde da Família que tem em suas bases a estratégia da Promoção da Saúde.


Nestes movimentos é ressaltada uma pro- posta de atribuição de liberdade de
escolha ao indivíduo, ao mesmo tempo em que o vincula à responsabilidade social.
Pois, o projeto de promover saúde na atuação no serviço público deve buscar o
desenvolvimento pleno dos indivíduos como cidadãos autônomos, responsáveis pela
sua saúde, autores e invento- res da própria vida (Contini, 2001). Ele deve ir além da
cura do indivíduo, buscando instrumentalizar a sociedade, individual e
coletivamente, no fortalecimento de suas habilidades e potencialidades para o
enfrentamento da vida cotidiana (Brasil, 1996).
Bennett e Murphy (1999) lembram que a psicologia tem um papel a
desempenhar nos programas dirigidos, quer à mudança individual quer à social ou
ambiental, fornecendo teorias orientadas tanto para a promoção e educação para a
saúde como para as intervenções de Promoção da Saúde centradas na saúde
positiva.
Esta proposição vai ao encontro do que é preconizado pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Psicologia, que prevê a atuação do psicólogo
em diferentes contextos, considerando as necessidades sociais, os direitos
humanos, tendo em vista a promoção da qualidade de vida dos indivíduos, grupos,
organizações e comunidades. As diretrizes trazem ainda, como parte das
competências gerais do profissional, a necessidade de assegurar que a sua prática
seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema
de saúde, assegurando assim, a importância do trabalho multidisciplinar e
intersetorial preconizado pela estratégia da Promoção da Saúde (MEC, 2002).
No entanto, um aspecto comum realçado em trabalhos da área psicológica,
como em Silva (1992), Bleger (1992), Campos (1992), Contini (2001), é o de que a
Psicologia em sua atuação em saúde voltou-se para atendimentos individuais em
consultórios particulares onde os tratamentos são prolongados e de alto custo, numa
forma de atuação que se desenvolveu segundo um modelo que minimiza o papel
das condições ambientais, principalmente de natureza social, econômica, e cultural.
Como agravantes deste quadro, há os modelos curriculares da maioria dos cursos
de Psicologia que, influenciados pelo modelo cartesiano, direcionam a formação de

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Psicologia da saúde

seus alunos para um trabalho voltado à clínica individual e esses, ao entrarem em


contato com o trabalho em saúde pública, reproduzem o modelo (Contini, 2001).
Bennett e Murphy (1999) evidenciaram que a maioria dos estudos e
programas relacionados à Pro- moção da Saúde preocupa-se com a presença ou
ausência de fatores de risco da doença ou com a doença propriamente dita. Mesmo
quando relacionados com a saúde psicológica, foram consideradas as per-
turbações psicológicas ou morbidade psiquiátrica, e desconsiderado o bem-estar e a
qualidade de vida. Os autores sugerem que os profissionais envolvidos na
Promoção de Saúde trabalhem direcionados para encorajar as próprias
comunidades a identificarem suas prioridades de saúde e os meios de estas serem
alcançadas.
Bleger (1992) alerta que “a função do psicólogo não deve ser basicamente a
terapia e sim a saúde pública” (p.20) e como tal precisa ocupar um lugar em toda a
equipe de saúde, pois neste contexto existem muitas necessidades, mas também
muitas possibilidades de se beneficiar um maior número de pessoas, enquanto que
na clínica individualizada este trabalho é mais lento e atende a uma minoria.
Bock (1993) ressalta uma dificuldade do trabalho psicológico que é a
fragmentação da ciência psicológica, e explica que a Psicologia apareceu como uma
ciência capaz de contribuir para a transformação do indivíduo e da sociedade. No
entanto, a inexistência de um projeto coletivo que dê corpo à profissão, “uma
profissão da ajuda, da vida, do movi- mento, da transformação, ou seja, uma
profissão com grande potencial, mas que se apresenta pequena e sem projeto na
sociedade onde se insere” (p.288), dificulta o desenvolvimento de um trabalho
segundo a Promoção da Saúde.
A partir destas reflexões é possível compreender a necessidade de
investigação sobre o papel do profissional de Psicologia na Promoção da Saúde
como componente favorecedor e estimulador de um repensar da importância da
Psicologia na saúde coletiva.

Rede de trabalho

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Psicologia da saúde

Não é unânime o reconhecimento da presença de rede de trabalho. A


interconexão entre o trabalho da Psicologia e das políticas públicas é indicada como
inexistente, à medida que, as profissionais desconhecem sua presença e constatam
a necessidade de procurar este tipo de relação. Mas na maioria das falas, embora a
presença de rede seja considerada, ela é pouco esclarecida o que parece indicar
uma sombra e não uma ação planejada ou estruturada. Aparecem, também, os
depoimentos de pessoas que buscam o trabalho em rede colocando sua
solidariedade, seus deveres de cidadão a serviço do paciente.

Papel dos psicólogos

Neste terceiro núcleo de sentido é possível observar uma constante


preocupação com a pessoa que procura o atendimento psicológico sem perder de
vista a especificidade do trabalho; especificidade esta compreendida como alguém
que se coloca disponível para estar com o outro, trabalhando a subjetividade e
compreendendo as relações sociais em que a pessoa está inserida.
Tornou-se evidente o compromisso dos psicólogos em aceitar o outro da
maneira como ele vem. É mais do que receber ou triar; é ir além. É ouvir, oferecer
psicoterapia, rever a história do outro, cuidar, ser bengala, escutar, ficar junto na
dificuldade, estar atento, buscar de forma humana o entendimento e resolução de
acordo com os limites profissionais e institucionais. No decorrer dos relatos incluídos
neste núcleo, é relevante a preocupação dos psicólogos em acolher, ouvir de
maneira não crítica, entender; apresentar suas ações direcionadas a apoiar, ser
suporte.
Aparece também a importância de indicar rumo, guiar, dirigir para o melhor
caminho a seguir e a ideia de orientar, esclarecer sobre doenças, prevenir, educar,
conversar, como um processo generalizado de prevenção cuja intenção é informar.
A partir de algumas ideias foi possível ver a ausência de percepção da diversidade e
das particularidades entre os diferentes sujeitos para se trabalhar a saúde.

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É relevante também, o conceito de ser um instrumento na melhoria da saúde


facilitando a mudança, clarificando a dificuldade, oferecendo liberdade, favorecendo
o conhecimento dos próprios recursos, buscando o crescimento pessoal.

Promoção da Saúde - Qualidade de Vida

Este núcleo de sentido revela a conceituação de Promoção da Saúde do


trabalho psicológico e a sua viabilidade baseada nesta estratégia. Os relatos indicam
uma necessidade dos psicólogos de favorecer o desenvolvimento da autonomia,
autoconheci- mento, autoestima, sem impor um modelo a ser seguido. As
intervenções buscam desenvolver nas pessoas habilidades para viverem a sua
verdade de acordo com aquilo que julgam estar correto. Foram consideradas a
preservação do senso de realidade das pessoas e sua capacidade de se
responsabilizarem por suas ações através da ligação com as regras sociais
Também ficou demonstrada a procura pelo desenvolvimento de recursos
internos para o lidar com as diferentes situações do dia-a-dia, através do espaço de
reflexão, de questionamento sobre o contexto em que a pessoa está inserida, seus
relacionamentos, suas angústias, através do desenvolvimento do pensamento, da
capacidade crítica e do agir tendo como parâmetro às próprias ideias e não as
impostas por alguém ou por alguma ideologia.
A atuação dos psicólogos propiciando espaços para as pessoas se
conhecerem é outro aspecto preconizado pela estratégia da Promoção da Saúde e
indicado pelos psicólogos deste estudo. Parar, aquietar, respirar, tranquilizar para
então refletir, pensar, atentar para as coisas à nossa volta, envolver-se com o que se
está vivendo, seriam atitudes que favorecem o autoconhecimento e
consequentemente uma decisão, pois permitem que se valorize aquilo que se
conhece, se sabe, para então ir em busca do que se quer. Neste espaço criado é
favorecido o reconheci- mento do próprio ser e, este também, tem a possibilidade de
se despir daquilo que não lhe é útil, que não serve mais. Portanto, o trabalho
psicológico se relaciona com a coragem para se desfazer do que não serve e se
responsabilizar para provocar mudança.

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Trata-se de: Atuar para conscientizar o indivíduo retomando conceitos como o


desenvolvimento da responsabilidade e direitos da pessoa e da comunidade para
com sua própria saúde; trabalhar sentimentos, emoções, direitos, responsabilidades,
esclarecer sobre doenças, a importância do tratamento e o elo com a realidade. De
acordo com este modelo, instruir a pessoa a buscar inovações e mudar a realidade
instituída na procura de melhores condições de vida seria uma forma de promover
saúde.
Outro aspecto realçado neste núcleo foi o desenvolvimento de ligações com a
vida. Os psicólogos entrevistados parecem compreender bem estas questões
quando, ao relatarem o desfecho positivo de algum caso, consideram além da cura
da doença, o desenvolvimento de vínculos, de relações afetivas, a redefinição de
caminhos. O interesse volta-se não para uma vida plena, mas para uma modificação
na maneira de viver contribuindo para uma experiência mais agradável do que
aquela em que o indivíduo se encontrava. Esta busca sugere um princípio básico do
trabalho em saúde que é o respeito pelo direito das pessoas de fazerem as suas
escolhas.

A atuação do psicólogo na área de saúde do trabalhador

A área de atenção à saúde dos trabalhadores insere-se no campo das


práticas em saúde coletiva e o psicólogo poderá deparar-se com as questões do

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processo saúde-doença em sua relação com o trabalho, independentemente do


lugar em que esteja atuando.
Considerando o fato de a atual configuração teórica da área romper a
concepção que estabelece um vínculo causal entre doença e um agente específico e
introduzir a leitura dos condicionantes sociais, das condições e da organização do
trabalho na determinação do processo de adoecer e sofrer no trabalho, tais preceitos
repercutirão na prática psicológica, o que implica numa releitura teórica e
metodológica dessa prática. A revisão da abordagem médico-científica, com ênfase
nos fenômenos biológicos e uma visão mecanicista do adoecer, que não previa
intervenções nos processos produtivos, foi modificada e ampliou os conhecimentos
sobre a relação entre saúde e trabalho, privilegiando o olhar sobre o trabalhador.
Na perspectiva de superar o reducionismo positivista das explicações que
permeiam o adoecer no trabalho, impõe-se à área de Saúde do Trabalhador um
olhar sobre o ser humano na relação com a sua atividade, isto é, na forma pela qual
se insere no processo produtivo, além das condições, da organização e da divisão
do trabalho. Dessa forma, é preciso reconhecer a subjetividade no trabalho, o
significado que os indivíduos atribuem a determinadas situações, o modo como cada
um reage a partir da sua história de vida, de seus valores, das suas crenças, das
suas experiências e das suas representações sobre a atividade desenvolvida.
Torna-se evidente também a necessidade da participação dos trabalhadores
nas ações voltadas para a proteção e a promoção da saúde como sujeitos capazes
de contribuir com o seu conhecimento para o avanço da compreensão do impacto
do trabalho sobre o processo saúde- doença e de intervir para transformar a
realidade. Nesse contexto, cabe à Psicologia contribuir com um olhar para cada
sujeito, considerando- o sujeito de um coletivo, resgatar o conhecimento e valorizar
a subjetividade dos trabalhadores, para compreender melhor suas práticas de
trabalho (SELLIGMANN-SILVA, 1994; SILVA FILHO, 1997). Seguindo as diretrizes
do SUS, as ações desenvolvidas devem ser orientadas para a promoção, a
prevenção, a assistência e a reabilitação. Ao mesmo tempo, devem ser desenhadas
a partir das singularidades que conformam cada território, em termos econômico-
produtivos e socioculturais, cabendo especial atenção à especificidade da

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organização do movimento social- sindical, pois, conforme já foi dito, o controle


social é um dos princípios norteadores da política de Saúde do Trabalhador.
Dadas as circunstâncias, as práticas psicológicas em Saúde do Trabalhador
devem ser desenhadas a partir de uma contínua atividade investigativa que norteie a
eleição de prioridades e que defina as formas de atuação. Deve-se considerar que a
atuação do psicólogo nesse âmbito pode estar delimitada por determinações legais
(como no caso da vigilância) e pode subsidiar a concessão de benefícios
previdenciários (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, por exemplo) e
trabalhistas (direito à reintegração).
Desse modo, com o intuito de apresentar as contribuições da Psicologia para
a implantação e a implementação de ações na área da Saúde do Trabalhador, a
seguir, algumas atividades desenvolvidas nessa área. É importante salientar que
muitas dessas ações tornaram-se referência para a implantação de diversas
práticas; no entanto, não se trata da apresentação de modelos, pois as informações
e demandas locais, as especificidades regionais, as atribuições e as competências
de cada serviço norteiam a definição das ações, segundo os princípios do SUS,
privilegiando as estratégias da atenção básica, o enfoque da promoção da saúde e o
controle social.
Também vale lembrar que, da mesma forma que a Saúde do Trabalhador
enquanto política pública não se restringe aos CERESTs, também a atuação do
psicólogo nesse campo não pode ficar restrita a essa unidade especializada. Ela
deve ocorrer nos mais diversos serviços do SUS, tais como unidades de atenção
básica, ambulatórios de especialidades, CAPS, hospitais e serviços de vigilância em
saúde. As particularidades e possibilidades de ação em cada local dependem das
características loco-regionais e de determinações legais. Sendo assim, aqui também
não se pretende delimitar as fronteiras de atuação do psicólogo em cada tipo de
serviço, mas apresentar as diversas possibilidades de ação no campo da Saúde do
Trabalhador em que esse profissional possa estar inserido. No que se refere ao
papel de cada tipo de serviço no SUS, sugere-se consultar a legislação indicada nas
referências ao final do documento.

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A notificação dos agravos e das situações de risco para a saúde dos


trabalhadores

A notificação tem se colocado como um dos principais desafios à rede de


atenção à saúde dos trabalhadores.
Nos últimos anos, se ainda há escassez de dados, muito se avançou com a
publicação, pelo Ministério da Saúde, do Manual de Doenças Relacionadas ao
Trabalho (2001), cujo capítulo 10 discorre sobre os transtornos mentais e
comportamentais relacionados ao trabalho, e da Portaria nº 777/GM, de 28 de abril
de 2004, que institui a notificação compulsória de agravos à saúde do trabalhador, a
saber:
§ 1º São agravos de notificação compulsória, para efeitos desta portaria:
X - Transtornos mentais relacionados ao trabalho.
Na prática, a notificação dos transtornos mentais será realizada por meio de
um sistema de informações do Ministério da Saúde (Sistema de Informação de
Agravos de Notificação – SINAN), já conhecido da rede de saúde, pois é utilizado
para os demais agravos de notificação compulsória rotineiramente registrados pelos
serviços de vigilância à saúde.
Embora as normas técnicas referentes à temática saúde mental e trabalho
impulsionem o aperfeiçoamento das ações de registro e notificação dos transtornos
mentais, faz-se necessária a incorporação dessa prática no dia a dia do psicólogo a
partir da realização de um diagnóstico com o devido rigor ético e técnico.
No campo dos estudos epidemiológicos, a busca da determinação social da
doença e os dados de caráter coletivo relacionados aos transtornos mentais
favorecem o reconhecimento da categoria trabalho como determinante do
adoecimento e permitem maior visibilidade ao sofrimento psíquico.

Informação: produção e organização de dados

A área da Saúde do Trabalhador tem, tradicionalmente, utilizado as


informações produzidas por outros setores, tais como a Previdência Social (o

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registro das notificações de acidentes do trabalho) e o Ministério do Trabalho e


Emprego (registro das empresas), dentre outros, uma vez que há carência de dados
nos serviços de saúde relativos ao adoecimento produzido pelo trabalho,
mapeamento dos riscos no trabalho etc.
Por outro lado, as informações dos serviços devem alimentar os sistemas de
informação em saúde, integrando os dados de saúde do trabalhador aos bancos de
dados oficiais, o que garantirá a ampla difusão das informações e as disponibilizará
para a sociedade.

Ações de assistência e promoção da saúde: uma abordagem


interdisciplinar

Independentemente do seu espaço de atuação, o psicólogo deve sempre


colaborar com a saúde dos trabalhadores, ou seja, se na sua prática clínica não
perder de vista a centralidade do trabalho na compreensão da subjetividade
humana, essa dimensão será necessariamente levada em conta. Contudo, deve-se
ressaltar que é na abordagem interdisciplinar que se pode dar conta da amplitude
dos problemas de saúde relacionados ao trabalho.
Nesse sentido, observa-se que os psicólogos têm participado da elaboração
de diferentes modalidades terapêuticas de atenção aos trabalhadores, dando
especial destaque às atividades grupais com portadores de doenças crônicas
(LER/DORT; lombalgia, PAIR etc.). Em tais atividades, são adotadas diversas
perspectivas teóricas. De modo geral, os grupos têm caráter informativo-terapêutico,
valorizam o conhecimento e a subjetividade dos trabalhadores e visam à
ressignificação do processo de adoecimento, além de legitimar o seu discurso,
estimular a sua participação e autonomia em relação ao tratamento, o que propicia o
autoconhecimento.
Um dos primeiros relatos de intervenção terapêutica grupal com trabalhadores
portadores de LER/DORT desenvolvida em serviços públicos de Saúde do
Trabalhador foi produzido por Sato et al. (1993).

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Lima e Oliveira (1995) abordam a temática da ideologia da culpabilização e os


grupos de qualidade de vida tecendo uma crítica às explicações reducionistas
adotadas pela Psicologia, ao enfocar o indivíduo como objeto exclusivo da
investigação. Os autores enfatizam a importância do trabalho grupal como espaço
de reflexão, ao instrumentalizar os indivíduos para o enfrentamento das situações
vividas.
A implementação das oficinas terapêutico-pedagógicas para portadores de
LER/DORT (CHIESA et al. 2002) exemplifica um modelo de atenção
psicoterapêutica desenvolvida no serviço público. Neste, consideram-se as
características do processo de adoecimento e a superação da problemática a partir
do resgate e da articulação das experiências de vida em um determinado contexto
social.
Com ênfase na busca coletiva de soluções de tarefas, Hoefel et al. (2004)
propuseram a formação dos grupos de ação solidária que estimulam o
desenvolvimento da criatividade e a construção de formas de apoio social e laços
solidários, o que desencadeia novas posturas frente às situações do adoecimento. A
partir de uma “situação problema”, realiza- se uma análise coletiva em busca de
alternativas para uma intervenção e para o resgate da cidadania.
Esse breve relato de atividades terapêuticas teve o intuito de ilustrar a
dimensão psicológica e a compreensão do sofrimento psíquico relacionadas ao
processo de adoecimento decorrente do trabalho. As atividades descritas têm sido
desenvolvidas em diversos serviços de atenções primária, secundária e até mesmo
terciária do SUS, mas ainda são os CERESTs que as realizam com um caráter
sistemático, seja na atenção direta aos usuários seja no apoio técnico a outras
unidades (GARBIN, 2003; BERNARDO, 2003; ALVARENGA; SILVA, 2003; MERLO
et al., 2001).
As perspectivas de atenção, tratamento e reabilitação na área da Saúde do
Trabalhador incluem abordagens mais amplas do que a reabilitação para o trabalho,
o que possibilita um viver criativo apesar da presença da doença. Trata-se, portanto,
de uma reabilitação para uma nova inserção social. Nesse sentido, trabalha-se com
a perspectiva de instrumentalizar os indivíduos para ações individuais e coletivas,

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buscando melhorar a qualidade de vida e ampliar a participação na sociedade, o que


gera um pensamento crítico sobre a realidade, possibilita a transformação de
relações de poder e aumenta a capacidade de os indivíduos sentirem-se ativos nos
processos que determinam suas vidas.
Convém ressaltar que diferentes condições de trabalho, a falta de trabalho ou
mesmo a ameaça de perda do emprego podem provocar sofrimento mental. Os
acidentes, doenças do trabalho e o desemprego podem afetar a saúde mental,
levando aos chamados transtornos mentais e do comportamento, a quadros
psicopatológicos específicos e a alterações no sistema nervoso (SELIGMANN-
SILVA, 1997).

Análise dos processos de trabalho e vigilância

As ações de vigilância em Saúde do Trabalhador incluem a identificação, o


controle e a eliminação dos riscos nos locais de trabalho. Partindo de dados
epidemiológicos, de informações fornecidas pelos trabalhadores atendidos nas
unidades de saúde e/ou pelos sindicatos, além da bibliografia especializada,
definem-se as prioridades de atuação. O objetivo é identificar os riscos à saúde nos
contextos de trabalho e indicar modificações, visando à prevenção primária. O
processo de vigilância pode ser desencadeado por um evento sentinela, ou seja, a
ocorrência de doença, invalidez ou mortes evitáveis. A partir do conhecimento de
cada um dos eventos, ocorrerá uma investigação para determinar como eventos
similares podem ser prevenidos no futuro.
Um dos pressupostos que orientam a prática em vigilância é o diálogo entre a
vivência e a experiência cotidiana dos trabalhadores e o conhecimento técnico-
científico. É preciso ater-se cuidadosamente acerca desse ponto, pois, durante as
avaliações, o local de trabalho costuma ser apresentado pela empresa de modo a
aparentar menos danos à saúde: máquinas perigosas são desligadas, o ritmo de
trabalho é diminuído etc. A situação real, nesses casos, fica praticamente
inacessível. Além do mais, apenas com a participação dos trabalhadores poder-se-á
garantir a implementação das mudanças sugeridas a partir dessas avaliações, já

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que os trabalhadores, quando participam da elaboração de propostas, tornam-se


seus “fiscais” permanentes.
É principalmente enquanto pesquisador social que o psicólogo participa da
equipe interdisciplinar de vigilância, atuando como agente de investigação crítico
quanto à dimensão subjetiva nos ambientes de trabalho, sensível às formas
particulares como os trabalhadores veem os riscos do trabalho, os modos como eles
lidam com estes e como se organizam em cada microuniverso (SATO, 1996;
BERNARDO, 2002; SATO, LACAZ; BERNARDO, 2006).
As ações de vigilância apresentam-se como modalidades diferenciadas de
atuação para o psicólogo, e os aspectos relacionados à organização do trabalho
representam desafios de investigação e modificação do trabalho, pois ameaçam os
interesses do capital (BERNARDO, 2006). Os fatores relacionados ao tempo, ritmo,
turnos, sobrecarga de trabalho, pressão por resultados, excesso de horas extras,
horários irregulares e práticas de assédio moral são aspectos da organização do
trabalho que merecem atenção, pois podem gerar efeitos deletérios sobre a saúde
mental dos trabalhadores e repercutir na qualidade da vida familiar e social do
trabalhador.
Assim, ao se inserirem nas equipes interdisciplinares que realizam as ações
de vigilância, os psicólogos podem colaborar na apreensão de informações
relacionadas ao modo como o trabalho está organizado e suas consequências para
a saúde da população trabalhadora. Busca-se a descrição dos fenômenos e das
relações no trabalho para a compreensão dos sentidos, processos, hábitos e
representações construídos naquele espaço. Trata-se, portanto, de identificar a
experiência subjetiva com o desafio de responder como se dá o trabalho real. A
premissa básica nessa área de atuação considera que o trabalhador detém o
conhecimento sobre o universo do trabalho, porém tal conhecimento nem sempre se
apresenta pronto e acabado, sendo expresso em estratégias de enfrentamento das
situações cotidianas e de soluções para os problemas identificados.
Pode ser utilizada uma metodologia quantitativa ou qualitativa, por meio de
questionários, entrevistas, observações e grupos focais, dentre outros, sempre

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considerando as questões éticas envolvidas: anonimato, consentimento e


participação voluntária (FACCHINI, 1997).
Educação em saúde

Trata-se do desenvolvimento de cursos, seminários e estágios para técnicos,


gestores e trabalhadores, com a finalidade de capacitar técnicos integrantes das
instâncias de controle social e trabalhadores em geral, além de servir de modelo
para as instâncias municipais e regionais do SUS. Refere-se, ainda, à produção de
conhecimento, ou seja, à publicação de manuais, elaboração de artigos,
organização de livros, apostilas e audiovisuais técnicos.
O psicólogo, assim como os demais profissionais, pode contribuir para a
identificação de problemas de saúde e de outras questões relacionadas ao trabalho
que necessitam ser investigadas ou estudadas, de modo a produzir conhecimento
especializado, divulgar os dados, estabelecer cooperação técnica e subsidiar a
formulação e a implementação de políticas na área.
No âmbito da educação permanente dos profissionais, incluída a atualização
técnico-científica, o psicólogo pode atuar na formação e gestão do trabalho em
saúde, estimulando as discussões relativas às mudanças nas relações e nos
processos de trabalho e o trabalho em equipe.

O estabelecimento do nexo causal: um grande de- safio que se


apresenta ao psicólogo no campo da Saúde do Trabalhador

Um grande desafio que se apresenta ao psicólogo, nesse campo, consiste no


estabelecimento do nexo causal entre os transtornos mentais e os aspectos
organizacionais do trabalho. Embora tal questão não esteja ainda resolvida, para
uma análise da categoria trabalho como fator de risco para o desenvolvimento dos
transtornos mentais e do comportamento, conta-se com o seguinte modelo, proposto
pelo Ministério da Saúde, em 20013:
I – o trabalho pode ser causa necessária para o adoecimento – a exposição a
substâncias tóxicas – metais pesados: mercúrio, chumbo, manganês – pode

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comprometer funções cognitivas e levar ao quadro de transtorno orgânico de


personalidade; a exposição a um evento ou situação estressante de natureza
excepcionalmente ameaçadora – vítimas de assaltos, por exemplo, – pode
desencadear o quadro de estresse pós- traumático. Esse grupo abrange os
diagnósticos de demência, delírio, não sobreposto a demência, transtorno cognitivo
leve, transtorno orgânico de personalidade, transtorno mental orgânico, episódios
depressivos, síndrome de fadiga e transtorno do ciclo vigília-sono.
Os vários recursos de avaliação psicológica podem ser úteis na identificação
de alterações permanentes de funções como memória, atenção concentrada e
outras, advindas de transtornos orgânicos, que auxiliam o trabalhador a
compreender a sua real condição e, em consequência, a defender os seus direitos.
II – o trabalho pode ser fator contributivo, mas não necessário – a vivência de
esgotamento profissional em um contexto de estresse laboral prolongado, com ritmo
de trabalho penoso e ambientes que passam por transformações organizacionais,
pode levar à exaustão emocional e desencadear a síndrome de Bournout
(esgotamento profissional) ou a neurose profissional, nas quais o trabalho pode ser
considerado fator de risco no conjunto de fatores de risco associados à etiologia da
doença.
III – o trabalho como provocador de um distúrbio psíquico latente ou
agravador de doença já estabelecida – o trabalho em condições degradantes,
atividades que coloquem a vida do trabalhador em risco, jornadas extensas e/ou em
turnos alternados ou noturnos, dentre outros, pode se tornar importante fator
psicossocial que leva ao desencadeamento de distúrbios psíquicos latentes ou ao
agravamento de doenças já existentes, tais como a síndrome de dependência do
álcool.
Esses casos exigem especial atenção do psicólogo para não atribuir o
problema de saúde apresentado pelo trabalhador unicamente a fatores individuais.
Conforme mostra Seligmann-Silva (1994), além do diagnóstico, o olhar para o
contexto no qual o trabalho dá-se é fundamental.
Pode-se dizer que, de um modo geral, o estabelecimento da relação causal
entre doença e trabalho pode ser definido de acordo com as diretrizes do Ministério

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da Saúde (BRASIL, 2001, p. 31): “natureza da exposição, história ocupacional, grau


ou intensidade da exposição, tempo de exposição, tempo de latência, evidências
epidemiológicas e tipo de relação causal com o trabalho”.
Entretanto, de acordo com Jardim e Glina (2000), reforçamos que a
investigação diagnóstica em saúde mental e trabalho deve combinar diferentes
técnicas, como, por exemplo, entrevistas e testes psicológicos. No processo de
investigação diagnóstica, deve-se sempre perguntar sobre o trabalho, realizar uma
anamnese ocupacional, levantar aspectos da organização do trabalho, identificar as
exigências físicas e mentais, inquirir sobre a percepção do trabalhador a respeito
dos riscos, e observar o posto de trabalho, as condições ambientais e o processo de
trabalho. Observa- se, assim, que o nexo entre saúde/doença mental exige olhar e
atuação interdisciplinar, na qual o psicólogo tem papel de destaque.
Ainda, conforme afirma Jacques (2007), deve-se lembrar que, “mesmo
admitindo o reducionismo que a relação causal produz em se tratando de quadros
psicopatológicos, a exigência legal a impõe para o reconhecimento de doenças
relacionadas ao trabalho” (p.112), possibilitando, assim, que o trabalhador possa ter
acesso às “garantias previstas pela legislação, tanto de caráter econômico como sua
estabilidade por um ano quando do retorno ao trabalho” (p.117). A autora também
ressalta que a ênfase na Psicopatologia pode encobrir o contexto em que se dá a
relação entre o trabalhador e seu trabalho. Desse modo é importante que, ao buscar
estabelecer nexo entre trabalho e saúde/ doença mental, sejam considerados o
contexto laboral, a subjetividade do trabalhador e, principalmente, a relação entre
esses dois aspectos.
O estabelecimento de nexo causal ganhou um novo contorno ao entrarem em
vigor a Lei nº11.430, de 26 de dezembro de 2006, o Decreto nº 6042, de 12 de
fevereiro de 2007, e a Instrução Normativa nº 16, do INSS, de 27 de março de 2007
(IN 16), pois, a partir desse momento, o reconhecimento das doenças relacionadas
ao trabalho passou a ser identificado, pelo INSS, mediante o estabelecimento de
“nexo técnico epidemiológico” ligado à atividade profissional exercida, ou seja,
quando um trabalhador for afastado do trabalho por uma determinada doença que
tenha significância estatística no ramo econômico a que pertence o seu empregador,

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seu benefício será definido automaticamente pelo INSS como acidente de trabalho.
Assim, quando os dados epidemiológicos indicarem que, em determinado ramo
produtivo, há uma alta incidência de incapacidade laborativa decorrente de um
mesmo problema de saúde, não caberá mais ao trabalhador inserido em uma
empresa desse ramo a responsabilidade de comprovar que seu adoecimento – seja
físico ou mental – foi causado pela atividade que desempenhava. Ao contrário,
caberá ao empregador o encargo de provar que tal nexo não existe.
Para finalizar este tópico, é importante ressaltar que o nexo entre
adoecimento/sofrimento psíquico e trabalho é uma atividade importante na
assistência aos trabalhadores que, de alguma forma, já tiveram sua saúde afetada
pelo trabalho; no entanto, é importante lembrar que a identificação de tais situações
na atividade clínica do psicólogo deve ser vista também como um alerta para o
desencadeamento de ações preventivas no sentido de evitar que outros
trabalhadores permaneçam expostos às mesmas condições.

Aspectos éticos e políticos relacionados à atuação do psicólogo na


saúde do trabalhador

Se a Saúde do Trabalhador enquanto política pública surge como uma


alternativa à saúde ocupacional – a qual, conforme afirma Nardi (1997), tem como
foco primordial a “saúde da produção” e não a dos trabalhadores – pode-se dizer

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que o exercício da Psicologia na Saúde do Trabalhador no âmbito do SUS também


assume características que diferem das práticas tradicionais dos psicólogos nas
empresas.
Atuando no âmbito público, os profissionais da área de Saúde do Trabalhador
no SUS não estão inseridos em nenhum dos polos do conflito entre capital e
trabalho. Eles são representantes do Estado, e, enquanto tais, têm o dever de
proteger o lado mais frágil dessa relação. Para isso, devem estar atentos às
condições de qualquer tipo de atividade laboral (formal ou informal) que possa
representar riscos para a saúde dos trabalhadores, independentemente de que, para
o seu equacionamento, sejam necessárias ações que se oponham aos interesses
dos empregadores.
Assim, quando atua na Vigilância em Saúde do Trabalhador no SUS, o
psicólogo deve priorizar a adequação das condições do ambiente e da organização
dos processos de trabalho ao trabalhador, e não o contrário. Tais características
ampliam significativamente os limites de atuação do profissional, pois deve-se
lembrar que um psicólogo contratado por uma empresa está, em geral, subordinado
a ela, e, por isso, pode ter bastante dificuldade no enfrentamento das questões
relacionadas à saúde dos trabalhadores quando seu equacionamento envolver a
redução do lucro ou o aumento dos custos de seu empregador.
Naturalmente, em todas as atividades, o Código de Ética Profissional do
Psicólogo deve ser respeitado. No que se refere à Vigilância em Saúde, no entanto,
esse profissional também estará subordinado aos aspectos éticos relativos à
atividade de “autoridade sanitária”, que lhe conferem o papel de “polícia
administrativa”, com o poder de estabelecer punições – tais como multas e
penalidades educativas – aos empregadores que não respeitarem a legislação de
saúde. Nesse contexto, não é aconselhável aceitar presentes ou outras formas de
remuneração que possam configurar crime de corrupção, nem exercer função
remunerada pelas empresas situadas na região em que atua.
Um outro importante aspecto que envolve a ética da atuação do psicólogo na
área de Saúde do Trabalhador dá-se no âmbito das atividades de assistência e diz
respeito ao estabelecimento de “nexo causal” entre o problema de saúde e o

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trabalho, especialmente quando o profissional é solicitado a emitir laudos e


pareceres ou a depor em juízo. Nesses casos, deve seguir as determinações do
Código de Ética Profissional e das resoluções do Conselho Federal de Psicologia,
elaborando o seu laudo/parecer com fundamentação e qualidade técnica (Código de
Ética Profissional, art. 2º, letra g), levando em consideração os aspectos expostos,
respeitando o sigilo profissional e prestando as informações estritamente
necessárias a que teve acesso no atendimento ao trabalhador (Código de Ética,
arts. 9º, 10º e 11º). Também devem ser observadas as Resoluções do Conselho
Federal de Psicologia, especialmente a nº 15, de 13/12/1996, que institui e
regulamenta a concessão de atestado psicológico para tratamento de saúde por
problemas psicológicos, e a nº 07/2003, que institui o Manual de Documentos
Escritos produzidos pelos psicólogos.
Finalmente, é importante lembrar que o olhar para as questões que envolvem
a saúde do trabalhador deve ser incorporado pelo psicólogo independentemente do
tipo de serviço no qual esteja inserido ou de sua área de atuação. Na prática clínica,
na rede básica ou em unidades de emergência na rede de CAPS e na rede de
CERESTs, além, é claro, da atuação nas empresas, é muito importante que, ao
atender um indivíduo, o profissional esteja atento à possibilidade de que suas
queixas estejam relacionadas ao trabalho. Tradicionalmente, a formação do
psicólogo não contempla a relação entre trabalho e saúde mental, e o profissional
acaba por negligenciá-la. Mas, ao deixar de considerar esse aspecto, o psicólogo
arrisca-se a se tornar conivente com situações de “exploração, violência, crueldade
e opressão”, o que pode configurar uma violação aos princípios fundamentais do
Código de Ética Profissional.
Apesar disso, é preciso lembrar que, duas décadas após implantada a
Reforma Psiquiátrica, frente à ausência de políticas públicas claras e concretas de
atenção voltadas para esse segmento populacional, tentam se firmar, cada vez mais
fortes, práticas dominantes de cuidados eminentemente pautadas pelo modelo de
abstinência. Práticas fortalecidas na perspectiva de um plano terapêutico
hierarquizado, no qual o usuário muito recebe e pouco participa, firmada numa
clínica impositiva, que nega a complexidade de fatores relacionados à questão do

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consumo de drogas. Isso porque, tendo como foco a desinstitucionalização do


sofrimento psíquico, movi- mentos sociais e segmentos da esfera pública não
perceberam a dimensão que tomava o fenômeno do uso de álcool e outras drogas,
nem a urgente necessidade de que fossem debatidas as políticas psicossociais e
desenvolvidas novas tecnologias de cuidado nessa área.
De um lado havia expressiva luta da sociedade civil e da esfera pública pela
consolidação do SUS, da nova política nacional de saúde mental e de sua rede
substitutiva; de outro avançava um fenômeno complexo, com graves implicações
sociais, psicológicas, econômicas e políticas, que não poderia ser objeto de
intervenções isoladas e reducionistas: o aumento do uso de álcool e de outras
drogas.
Nos últimos anos, a Psicologia passou a ser convocada no cotidiano de uma
nova rede de serviços substitutivos de atenção e cuidados em saúde mental, na
implementação de ações de restituição de direitos dos chamados “loucos”. Mais
recentemente, também marcou sua presença nos movimentos de contestação pela
retomada do modelo asilar de caráter coercitivo e violento, agora voltado para os
que sofrem de problemas decorrentes do abuso de álcool e outras drogas. Entra na
cena social e política brasileira, uma vez mais, uma cultura hegemônica da exclusão,
internação e medicalização, entranhada tanto nos profissionais das diversas áreas,
quanto nos usuários e seus familiares. Na contramão de uma postura claramente
higienista, somente poderiam ser desenvolvidas respostas que acompanhassem e
se consolidassem nos princípios basilares da Reforma Psiquiátrica e nas diretrizes
da rede de atenção e de cuidado do SUS.
Uma rede de atenção e de cuidados, com serviços substitutivos diferenciados,
destinados ao atendimento integral das pessoas com problemas decorrentes do
consumo de álcool e outras drogas foi impulsionada pelo Ministério da Saúde, em
sua formulação de uma Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras
Drogas (BRASIL, 2003).
Trata-se de um marco teórico-político que chega para romper com
abordagens patologizantes e segregatórias, historicamente conhecidas no Brasil,
seja na esfera psiquiátrica seja na jurídica, pois é uma política de promoção,

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prevenção, tratamento e educação voltada para o uso de álcool e outras drogas


pautada no compromisso ético de defesa da vida, construí- da, necessariamente,
nas interfaces intra e intersetoriais.
Vale frisar que a construção e consolidação da Política de Atenção Integral a
Usuários de Álcool e outras Drogas se deu a partir da diretriz da Redução de Danos
(RD), nos vários níveis de intervenção - primário, secundário e terciário -, em
programas e ações voltadas para a prevenção de riscos e danos sociais e à saúde,
bem como na Política de Promoção da Saúde.
As estratégias de redução de danos partem dos princípios de que não se
pode esperar que se realize o ideal de a humanidade um dia prescindir de
substâncias psicoativas, e de que é indispensável o desenvolvimento imediato de
ações para diminuir os danos provocados para cada indivíduo e para a coletividade.
Assim, a política de redução de danos visa ao desenvolvimento de uma série de
ações no sentido de que o ideal é que os indivíduos não usem drogas, mas, se isto
ainda não for possível, que o façam com o menor risco possível (MARLATT, 1999).
O impacto dessa nova Política voltada para o uso de drogas, transversalizada
pela diretriz da redução de danos, se relaciona diretamente com a iniciativa de
inclusão dos usuários de drogas na agenda pública do SUS. O conhecimento e as
práticas da Psicologia têm papel fundamental na reconstrução de um novo pensar
acerca das dimensões subjetivas e sociais do usuário de drogas, contribuindo para
garantir uma participação mais ativa dessa população na construção de ações
integradas voltadas para suas vulnerabilidades.
A construção da Política Integral voltada para usuários de drogas, a
consolidação da nova rede de atenção psicossocial e própria história da RD no
Brasil contam com a presença da Psicologia, colaborando na desconstrução de
preconceitos e engessamentos, no desmonte de relações de poder, no trabalho de
reflexão e produção de discursos democráticos e de garantia de direitos - inclusive
do direito de continuar o uso e ter assegura do o acesso aos serviços do SUS.
Sendo a redução de danos uma abordagem baseada na aceitação e
valorização das experiências dos próprios usuários, no respeito às diferenças, no
acolhimento das contradições, da incompletude e do inacabado, é amplo seu

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encontro com as novas práticas da Psicologia ao lidar com o sofrimento físico,


psíquico e social, em qualquer dos serviços da rede de atenção psicossocial para
usuários de álcool e outras drogas (TOTUGUI, 2007).
Esse novo estilo de fazer e de pensar o processo de subjetivação do usuário
de drogas, a inserção social, o exercício político e as novas formas de estar no
mundo, enfim, leva os psicólogos a assumir um novo lugar, em outra perspectiva ou
outro paradigma da redução de danos, tanto no espaço institucional - como os
CAPS AD, os hospitais gerais, as Unidades de Acolhimento -, quanto na rua - com
os Consultórios na Rua ou outras equipes de abordagem social.
A consolidação da política brasileira de atenção integral a usuários de álcool e
outras drogas se dá por meio de uma rede definida como Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS), composta por uma série de serviços que buscam o
acolhimento integral e integrado das múltiplas demandas trazidas por esse
segmento populacional. A compreensão acerca da atenção psicossocial é norteada
pelos conceitos de território e comunidade, para os quais é dirigido o usuário e suas
demandas de acesso à saúde e à inclusão social. A ética da autonomia, que
referencia a construção de relações horizontais entre os diversos pontos de atenção
e cuidados da RAPS, deve incluir os diversos atores implicados com a questão. Por
isso mesmo, os profissionais da Psicologia devem compor e interdisciplinar com as
diversas áreas das equipes de saúde nos CAPS AD, nos Consultórios Na Rua, nas
equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF), nos Núcleo de Apoio à Saúde da
Família (NASF), nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Acolhimento
(UA), além de integrar os dispositivos do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), os Projetos de Inclusão Produtiva e de Geração de Trabalho e Renda, entre
outros dispositivos da rede.
Dentre outros serviços dessa rede substitutiva destinada ao atendi- mento
integral de usuários de álcool e outras drogas, estão os Centros de Atenção
Psicossocial a usuários de Álcool e outras Drogas (CAPS AD) que, em seus projetos
terapêuticos, abrigam práticas de cuidados flexíveis, inerentes à complexidade de
fatores envolvidos, dentro de uma lógica de trabalho voltada para a redução de
danos sociais e à saúde. Os psicólogos trazem suas práticas para atuarem de forma

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interdisciplinar no interior dos CAPS AD, nas ações de prevenção e de tratamento,


com o compromisso social de fortalecer a redução de danos, como diretriz clínica e
política, na perspectiva de uma clínica ampliada de base comunitária e territorial,
muito longe de uma postura engessada que venha se sustentar no especialismo. A
Psicologia tem estado no interior dos CAPS AD, no trabalho de mobilização da
sociedade civil para participar das práticas preventivas, terapêuticas e reabilitadoras,
como importante articulador de parcerias comunitárias.
O crescente e preocupante cenário epidemiológico do consumo de drogas no
início do século XX, anteriormente citado, e as graves implicações de natureza
diversa, principalmente na dimensão física e social, aos usuários e seus familiares,
culminam na necessária expansão da Rede de Atenção Psicossocial, com a criação
de modalidades e serviços capazes de acolher novas e específicas demandas
nascidas no contexto de intensa desigualdade e vulnerabilidade social, mas também
como consequência da produção e da oferta de novas, impiedosas e desconhecidas
drogas, como por exemplo, o crack.
Surge, então, o CAPS AD III, novo componente da Atenção Especializada da
Rede de Atenção Psicossocial, destinado a proporcionar atenção integral e contínua
a pessoas com problemas decorrentes do consumo de álcool, crack e outras drogas,
com funcionamento nas vinte e quatro horas do dia e em todos os dias da semana,
inclusive finais de semana e feriados.
Há um novo desafio no interior desses dispositivos, para a atuação da
Psicologia, que se concentra para recriar ou reinventar novas formas
interdisciplinares de pensar e fazer o acolhimento integral do usuário de drogas, de
forma a provocar e potencializar práticas, saberes e espaços transdisciplinares,
muito além de uma intervenção psicoterápica individual.
Nesse mesmo tempo, as Unidades de Acolhimento (UAs) são cria- das como
outro equipamento na Rede de Atenção Psicossocial, como um lugar que oferece,
temporariamente, acolhimento voluntário e cuidados contínuos para pessoas com
necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em situação de
vulnerabilidade social e familiar, e que demandam acompanhamento terapêutico e
protetivo (BRASIL, 2012). A presença da atuação de psicólogos vincula-se à

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mobilização de ações voltadas para a garantia de direitos e deveres dessa


população no espaço de convivência coletiva e sua mobilidade para outros
dispositivos componentes da RAPS. As práticas psicológicas podem, ainda, durante
a permanência do usuário na UA, seja criança, adolescente ou adulto, articular
ações que visem garantir o direito de acesso a outras políticas públicas. É oportuno
pontuar que, no trabalho com crianças e adolescentes usuárias de álcool e outras
drogas, pode-se indicar os mesmos equipamentos pensados para atender usuários
de álcool e drogas adultos no caso da atenção na rua. Nesse contexto, há que
integrá-los com a comunidade e com equipa- mentos específicos voltados para
crianças e adolescentes, como é o Centro de Atenção Psicossocial para crianças e
adolescentes usuárias de álcool e outras drogas (CAPS ADi). Devem ser ativados
intersetorialmente, como importantes aliados da rede de atenção, os serviços
ligados ao sistema de educação, em um primeiro momento pela problematização do
uso, e de- pois por meio de práticas inclusivas das crianças e adolescentes
marginalizados do sistema de ensino (CFP, 2013).
Essa ampla participação da Psicologia nos diversos componentes da RAPS
ocorreu, ao longo do tempo, no desenvolvimento de práticas de cuidado que têm
como fundamento a defesa dos direitos humanos das pessoas que fazem uso de
álcool e outras drogas, no trabalho de promoção da saúde e da qualidade de vida
das pessoas e das coletividades.
A Psicologia tem a possibilidade de assumir papel estratégico para além da
articulação e do fazer da RAPS, da assistência direta e da regulação de seus
serviços. Muito mais que adaptar suas práticas, psicólogos saem do campo
tradicional de atuação, criam novos postos de trabalho e investem na construção de
políticas de relações que valorem a vida e permitam o protagonismo (GUARESCHI,
2007). Sua inserção na Atenção Primária à Saúde (APS) está focada numa
abordagem integral do indivíduo e do seu contexto familiar e cultural. O trabalho
intersetorial dos psicólogos junto aos profissionais de saúde praticado no Núcleo de
Apoio à Saúde da Família (NASF) permite um cuidado longitudinal, em que o
usuário e a comunidade são acompanhados por estratégias dinâmicas de atenção
integral das pessoas atendidas pela Estratégia de Saúde da Família (ESF). As

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ações dos psicólogos que atuam na ESF buscam ter um impacto positivo na
qualidade de vida das pessoas atendidas, a partir de práticas que estimulem a
promoção e a prevenção em saúde, assim como ações curativas e reabilitadoras.
No NASF, os psicólogos compõem a equipe que apoiará os profissionais envolvidos
na Saúde da Família, a partir de di- retrizes compartilhadas de trabalho, em que a
interdisciplinaridade passa a ser importante componente para o trabalho clínico e
comunitário, e a participação social atua como fortalecedora no protagonismo dos
sujeitos.
O trabalho em conjunto com as equipes de Saúde da Família e Agentes
Comunitários de Saúde visa a promoção da vida comunitária e da autonomia dos
usuários de drogas, contribuindo na articulação dos recursos existentes nas políticas
e redes intersetoriais, como a assistência social e educação, e também a formação
de cooperativas que visem a inclusão produtiva de usuários de drogas e seus
familiares.
Pode-se destacar Rauter (1995) que, ao problematizar a prática do psicólogo
na rede pública, aqui considerando a rede de atenção psicossocial, traz a
necessidade de que o profissional habite o paradoxo de sua função e construa
estratégias provisórias e singulares, deixando de lado seu aprisionamento a uma
mera identidade profissional, e se aprofundando nos problemas da subjetividade
contemporânea e na produção de subjetividade e de suas políticas.
No encontro com as diversas manifestações coletivas dessa rede de atenção
psicossocial, enquanto agente social, deve o psicólogo se deixar transformar e
produzir uma política freireana de aprender a aprender, onde o saber pode ser
problematizado e processado pelo movimento da construção, desconstrução e
reconstrução de novas formas de trabalho e de subjetivação. A participação das
Psicologia neste processo formativo que contribui na elaboração de estratégias que
fortaleçam e consolidem a política de atenção a usuários de álcool e outras drogas,
que põe em movimento e articulação a Rede de Atenção Psicossocial, passa,
necessariamente, pela gestão compartilhada com gestores, trabalhadores e usuários
do SUS.

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O princípio da integralidade preconizado pelo SUS e constante no cotidiano


da RAPS torna imprescindível o envolvimento de vários ato- res, além da
interdisciplinaridade entre as equipes e a intersetorialidade de ações. O psicólogo,
nesse contexto, oferece importante contribuição na compreensão contextualizada e
integral do indivíduo, das famílias e da comunidade, na reestruturação da atenção
psiquiátrica territorial, bem como na constituição de redes de apoio social e de
serviços comunitários de suporte e de produção de cuidados. No entanto, e aqui não
serão abordados os diversos fatores envolvidos, a articulação entre os diversos
componentes da RAPS e a atenção básica é um complexo desafio a ser enfrentado
ainda nos dias atuais, podendo a postura articuladora da Psicologia contribuir para a
aproximação entre essas Políticas.
Diz-se que, de forma geral, a caracterização da atuação do psicólogo no
contexto da Atenção Primária no Brasil, a exemplo do Consultório Na Rua, não
atende às demandas da saúde coletiva, dada a difícil transposição do modelo clínico
tradicional para a necessária contextualização da realidade do usuário em situação
de rua e de intensa vulnerabilidade social. Se há verdade nisso, os profissionais de
Psicologia enfrentam o grande desafio de redimensionamento de suas práticas, de
complementação e efetiva flexibilização das tecnologias a serviço de suas atuações.
No âmbito do SUS, o Consultório Na Rua funciona articulado com a Política
de Saúde Mental e a Atenção Primária à Saúde, com a proposta de atender a
usuários de drogas em situação de rua (morador ou não), não alcançados pelas
políticas públicas e pelos serviços de saúde. Tem como objetivo promover a
acessibilidade a serviços da rede institucionalizada, a assistência integral e a
promoção de laços sociais para os usuários em situação de exclusão social,
possibilitando um espaço concreto do exercício de direitos e cidadania (BRASIL,
2010, p.10).
Parece haver grande mobilidade de lugar e de trabalho do psicólogo nos
serviços da Atenção Primária (BRASIL, 2006a), a exemplo de sua inserção,
participação e bom desempenho nas equipes matriciais de apoio - dos CAPS AD,
por exemplo -, nas equipes de Saúde da Família, nas unidades locais de saúde e na
comunidade de sua área de abrangência (ROMAGNOLI, 2006). Isso o possibilita

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interdisciplinar e integralizar sua prática, assumir o papel de profissional de saúde,


como os demais, e sair do contexto de suposto especialista na atenção
especializada.
Registra-se, ainda, a presença da Psicologia na atenção terciária, nas
equipes dos serviços psicossociais especializados na questão de álcool e outras
drogas, localizados no interior de hospitais gerais. Cabe esclarecer que estão
previstas enfermarias nos hospitais gerais, com leitos específicos para o cuidado de
usuários de álcool e outras drogas. São leitos para internações específicas voltadas
para o tratamento de complicações graves decorrentes do abuso ou dependência de
álcool e outras drogas, considera- dos, portanto, como importantes componentes de
apoio da RAPS.
No cenário da promoção da saúde como vertente da Política de Atenção
Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, as práticas da Psicologia são
importantes espaços de promoção e manutenção da saúde, e de prevenção e
tratamento das doenças. Sua atuação volta-se ao processo de capacitação da
comunidade, de forma a buscar a fusão da saúde e bem-estar, além de estratégias
para melhores condições de vida biopsicossociais. A inserção do psicólogo na
política de promoção da saúde no contexto do consumo de drogas se dá pela via de
uma prática educativa orientada para a melhoria da qualidade de vida, que vise o
cuidado, a humanização e a qualificação da atenção à saúde. Tais ações não são de
domínio exclusivo da Psicologia. Entretanto, sua execução, muitas vezes, tende a
ser direcionada aos profissionais psicólogos, que devem provocar a busca de
autonomia pelos sujeitos e pela coletividade.
Conclui-se que a função da Psicologia não deve ser apenas as práticas
clínicas, mas também a saúde pública, embora esta tenda a modificá-las durante as
ações da vida cotidiana. Assim, no âmbito da Política de Atenção Integral a Usuários
de Álcool e outras Drogas, o psicólogo deve dimensionar seu trabalho e intervir
intensamente nos diversos aspectos da vida do usuário, sempre preservando o
caráter ético e político de suas ações.
É possível perceber que adentrar o campo das políticas sobre drogas é fazer
uma imersão em um espaço de conflitos, e de competição de saberes e de práticas.

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Psicologia da saúde

Apesar do cenário de avanços e retrocessos, a Psicologia tem conseguido fomentar


e manter uma discussão no plano coletivo, tanto nas áreas de atuação, quanto na
ampliação dessa pauta para as dimensões ética e política em que se encontra
implicada. (Nascimento, 2001).

A psicologia e a política de atenção integral a usuários de álcool e


outras drogas

Através deste capítulo, se pretende abordar o encontro da Psicologia,


enquanto ciência e profissão, com a Política de Atenção Integral a Usuários de
Álcool e Outras Drogas no Brasil, enquanto importante área de atuação profissional
no campo das políticas públicas. É imprescindível, para a constituição de um
conhecimento sobre os cuidados relacionados ao uso de drogas no Brasil, uma
contextualização histórica, política e social no processo de construção dessa
política, além do lugar das práticas e do processo formativo da Psicologia nesse
cenário.
Parece ser unânime o destaque da participação e do compromisso da
Psicologia brasileira na garantia de direitos dos cidadãos e no processo de
construção de uma sociedade mais justa e equânime. Contudo, historicamente, nas
décadas de 1970 e 80, a Psicologia teve uma presença social muito restritiva, a
serviço do cidadão com condições econômicas de acesso. Seus recursos voltados
para a análise da cena institucional e política eram limitados, suas práticas tinham
como foco a individualização de sintomas e a patologização das complexas
questões sociais, o que a distanciava do exercício da vida pública, da cidadania e
dos direitos humanos.
Entretanto, o processo brasileiro de democratização levou à Psicologia a
urgente necessidade de se ressignificar nessa realidade e no campo transdisciplinar.
A reivindicação de toda sociedade por um bem-estar social amplo e irrestrito, em
que as distorções e desigualdades sociais pudessem ser minimizadas, trouxe à
Psicologia a grande tarefa de se reconstruir junto com a própria história do país. As
mudanças sociais brasileiras passaram a demandar práticas psicológicas mais

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inclusivas e menos descritivas e psiquiatrizadas, principalmente no interior das


instituições sociais, longe de uma formação assistencialista, domesticadora e
patologizante das subjetividades. Na transição política brasileira, a Psicologia se
implicou e foi implicada na constituição de propostas mais democratizantes,
participativas e inclusivas, provocadoras de processos de subjetivação não-
discriminadores e excludentes, voltadas à garantia de direitos e à superação das
iniquidades existentes no País.
A Constituição Cidadã de 1988 foi o marco para a expansão da cidadania e
possibilidades de ampliação das práticas da Psicologia junto a grupos populacionais
antes excluídos ou segregados. Ao transversalizar as práticas sociais e
institucionais, passou a contribuir para invenção de diferentes modos de vida, tanto
na saúde coletiva quanto no processo de desinstitucionalização da loucura A
elaboração do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil gerou importante
demarcação ética, com a presença do protagonismo e compro- misso sociais da
Psicologia na luta pela Reforma Psiquiátrica, em que a loucura passa a ser
compreendia como um fato social a ser acolhido no convívio social, e não a ser
institucionalizado nos manicômios. Práticas inclusivas, implícitas ou explícitas nas
diretrizes do SUS, tomam grande expressividade na realidade brasileira, trazendo a
perspectiva de engajamento nos espaços sociais e na vida comunitária de sujeitos,
antes submetidos ao confinamento institucional ou domiciliar, característicos do
modelo hospitalocêntrico. Nesse contexto, as práticas psicológicas passam a ser
intersetoriais, inclusivas e geradoras de cidadania, na medida em que colaboram
para romper com a exclusão do sofrimento psíquico e social e para sua inserção no
contexto social e familiar, bem como para convocar a presença do Estado na
construção de uma ampla rede integral de atenção e de cuidados. Uma rede
inclusiva composta por serviços substitutivos abertos, em que a comunidade e o
território passam a ser condição significativa no processo de subjetivação.
Durante muito tempo, houve expressiva mobilização da sociedade civil,
juntamente com as políticas públicas, na consolidação e no fortaleci- mento dessa
nova rede de serviços substitutivos de atenção e cuidados, e na minimização e
extinção de espaços que ainda tendem a institucionalizar o sofrimento psíquico e

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social. Foram obtidos importantes avanços tanto na lógica de pensar e acolher o


sofrimento psíquico, quanto na cobertura desses serviços em todo o país.

Papéis do psicólogo no consultório na rua

O eixo central deste tópico é refletir sobre os papéis do psicólogo inserido no


contexto do Consultório na Rua (CnR). Esta modalidade de serviço, pertencente à
Atenção Básica em Saúde (ABS), é responsável pela atenção integral à saúde das
pessoas em situação de rua, considerando as especificidades de suas demandas e
trabalhando dentro da lógica de redução de danos. Os Consultórios na Rua são
formados por equipes multiprofissionais e sua atuação no território ocorre de modo
itinerante e in loco; assim, são preconizados a pactuação e o desenrolar de
processos de referência-contrarreferência com as Unidades Básicas de Saúde
(UBS), com os CAPS, e com os serviços de urgência/emergência de hospitais
gerais.
A complexidade deste cenário envolve, portanto, desde arranjos vinculados à
elaboração/manutenção de políticas públicas e à implantação de políticas
governamentais até o mapeamento/cobertura dos territórios pelas equipes de
Consultório na Rua (eCR). Desta forma, estão inclusas, em todos os âmbitos que
compõem o serviço, as relações desenvolvidas entre gestores, trabalhadores dos
espaços de Saúde e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS); neste sentido, a
formação e o olhar teórico-metodológico do psicólogo se apresentam como

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Psicologia da saúde

ferramentas relevantes para a atuação, especialmente pela importância


caracteristicamente dada pela Psicologia ao vínculo e à subjetividade para a
construção de ações coerentemente amparadas na realidade e nas necessidades
dos sujeitos.
Espera-se que este texto sirva como fonte de pesquisa e de construção
teórico-metodológica na formação e na prática tanto do psicólogo quanto dos demais
profissionais do Sistema Único de Saúde que tenham interesse nos princípios, na
história e na lógica de funcionamento do Consultório na Rua.

O Consultório na Rua: Nascimento e Consolidação

No Brasil, um dos pioneiros na estruturação de uma modalidade de serviço de


Saúde destinada a atender a população em situação de rua foi o professor Antônio
Nery, coordenador do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (CETAD)
da Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia (UFBA). Seu projeto,
construído e fortalecido na década de 90, foi batizado Consultório de Rua (grifo
nosso), e tinha como objetivo fornecer acesso aos serviços de Saúde para pessoas
que, por estarem em situação de rua, tendiam a ser invisibilizadas socialmente, ou
seja, a sofrer em função de atitudes de indiferença e de exclusão exercidas pela
sociedade como um todo (SOARES et al., apud NERY et al., 2012). Marginalizadas
e estigmatizadas nos âmbitos econômico, político e social, estas pessoas careciam

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também de uma via de acesso ao cuidado à saúde, de maneira que o Consultório de


Rua se organizou enquanto estratégia essencial para este fim: originalmente, o
serviço se constituía de equipes multiprofissionais que iam ativamente até os locais
com maiores concentrações de pessoas em situação de rua, no intuito de
estabelecer vínculos e de oferecer atenção e cuidado em saúde.
Inicialmente, tendo em vista sua relação com o Centro de Estudos e Terapia
do Abuso de Drogas, o Consultório de Rua emergiu conectado à lida com o uso de
álcool e outras drogas, mas não se limitou a isto: a prerrogativa era auxiliar as
pessoas em situação de rua no que dizia respeito a quaisquer cuidados básicos em
saúde, de modo que fossem levadas em consideração suas especificidades,
enraizadas em todos os âmbitos cita- dos, e também suas singularidades enquanto
sujeitos. Nesta perspectiva, os princípios norteadores do Sistema Único de Saúde −
a Integralidade, a Universalidade e a Equidade − serviram como fundamento para a
elaboração de medidas que pudessem abarcar a complexidade dos cenários de rua,
bem como evidenciaram a importância de que as ações fossem coordenadas: a)
multidisciplinarmente, conforme exposto, por profissionais de diferentes áreas; b)
setorialmente, por articulações com os atores locais, e por abertura de campos de
atuação mediante essas articulações; e c) intersetorialmente, por diálogos com a
rede institucionalmente estruturada de Saúde (BRASIL, 2010).
Apesar de ter sua implantação pleiteada ao longo de toda a década de 1990,
o Consultório de Rua só foi colocado em prática em 1999, quando a concentração
de pessoas que moravam na rua e faziam uso de drogas aumentou nos pontos
turísticos de Salvador, que, neste momento, haviam sido recém-inaugurados, após
reforma, e movimentavam consideravelmente a economia local. Assim, estas
circunstâncias constituíram um cenário político e social favorável à estruturação
concreta do Consultório de Rua. Em 2004, esta equipe – a primeira do Brasil –
passou a ter como base física o primeiro Centro de Atenção Psicossocial Álcool e
Drogas (CAPS ad) de Salvador, em que permaneceu até 2006. A vinculação tanto
com o Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (cujo caráter era
ambulatorial) quanto com o CAPS ad (caracterizado como um espaço de uso diário
pelo fluxo de clientes do serviço) permitiu um monitoramento e uma avaliação do

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funcionamento do Consultório de Rua na arquitetura da rede de Saúde enquanto


estratégia para atender pessoas que moram nas ruas e fazem uso de álcool e/ou de
outras drogas, tendo este processo se desdobrado em outras movimentações.
Embora o Consultório de Rua tenha sido originalmente desenhado de acordo
com o projeto inicial do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas, o
processo de trabalho instaurado na parceria com o CAPS ad foi promissor para a
reorientação dos contornos da estratégia, de forma que ela passasse a abarcar
novas demandas e novas especificidades. Esta abertura para a reorganização a
partir de novas circunstâncias emergidas na prática, em consonância com o
alinhamento às características essenciais do serviço, transformou-se em uma das
premissas fundamentais na estruturação das atuações e da própria composição da
equipe de Consultório de Rua, justamente devido ao reconhecimento de que as
clientelas e os espaços de trabalho variam enormemente neste campo. Como
experiência inaugural, o Consultório de Rua de Salvador foi tomado como modelo
para a definição de outras equipes em novos locais: sob este aspecto, a
responsabilidade da equipe em relação à constante melhoria na operacionalização
de seu funcionamento face às mudanças e às novidades colocadas pelo trabalho se
configurou como pilar na construção de todos os novos serviços. Inclusive, a própria
definição acerca de quais categorias profissionais devem compor o Consultório de
Rua sofreu várias reordenações, até que fosse encontrado um conjunto que, de
acordo com as experiências instauradas, tivesse maior resolutividade das demandas
e proporcionasse maior amparo às próprias dinâmicas das equipes.
A avaliação e o monitoramento da experiência de Salvador também
monstraram que as intervenções do Consultório de Rua favorecem a referência-
contrarreferência ao viabilizar a inserção, na rede de Saúde, dos sujeitos mais
comprometidos em termos de abuso de substâncias e de vulnerabilidade social.
Assim, foi considerada a pertinência desta estratégia como alternativa para o
atendimento desta população, tendo em vista as dificuldades encontradas, nesta
esfera, para o estabelecimento de vínculos efetivos de cuidado na oferta tradicional
dos serviços de Saúde. Por estas razões, o Ministério da Saúde (MS) propôs, na
portaria nº 1190, de 4 de junho de 2009, que o Consultório de Rua se tornasse um

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dos dispositivos do Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e


Prevenção em Álcool e Outras Drogas (PEAD) no Sistema Único de Saúde, sendo
incluído também, em 2010, ao Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack, com os
objetivos de ampliar o acesso aos serviços de Saúde e de melhorar e qualificar o
atendimento oferecido pela rede às pessoas que estão em situação de rua e usam
álcool e/ou outras drogas.

De Consultório de Rua a Consultório na Rua

Embora o Consultório de Rua tenha surgido vinculado à Saúde Mental, a


portaria nº 2.488 de 21 de outubro de 2011 do Ministério da Saúde, concernente à
aprovação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), instituiu a absorção do
Consultório de Rua pela Atenção Primária. Deste modo, o Consultório de Rua foi
vinculado à Estratégia Saúde da Família (eSF), mais especificamente ao dispositivo
Equipe de Saúde da Família Sem Domicílio, e ao Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS). A partir disto, a modalidade de intervenção passou
a ser chamada de “Consultório na Rua” (grifo nosso), e a ser regida pela portaria nº
122, de 25 de janeiro de 2012, que definiu as diretrizes de organização e de
funcionamento das equipes de Consultório na Rua.
Os dois principais motivos para esta movimentação foram: a) a importância de
que o Consultório na Rua contasse com recursos financeiros perenes, que são
fornecidos pela Política Nacional de Atenção Básica, e b) a proximidade entre as
premissas e as atuações do dispositivo Consultório de Rua (grifo nosso) e entre as
premissas e as atuações da Atenção Primária. Sob esta perspectiva, é fundamental
salientar que a Política Nacional de Atenção Básica é resultado da experiência
acumulada de diversos ato- res envolvidos historicamente com a pluralidade, o
desenvolvimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (dentre usuários,
profissionais, gestores de todos os níveis e movimentos sociais), cuja trajetória tem
produzido caminhos para um cuidado à saúde pautado: a) em termos operacionais,
pela descentralização, pela capilaridade, pela territorialidade, pela aproximação com
o cotidiano dos usuários e pela utilização/otimização de tecnologia presente e

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necessária em parceria com os recursos disponíveis na localidade, e b) em termos


de relação com os usuários, pela universalidade, pela acessibilidade, pela equidade,
pela integralidade, pelo vínculo horizontalizado e humanizado, pela continuidade do
acompanhamento e pela participação social (COSTA, 2009).
Neste sentido, o pertencimento do Consultório na Rua à Atenção Básica se
alinha perfeitamente tanto à manutenção das prerrogativas e dos modos de trabalho
que originaram o Consultório de Rua (grifo nosso) quanto à possibilidade de
fortalecimento, de expansão e de renovação das intervenções do dispositivo, visto
que os métodos e os serviços da Atenção Básica têm sua estruturação com ênfase
na promoção de um cuidado global, complexo e integral à saúde. Sob uma ótica
pragmática, também cabe frisar que a forma de cobertura operacional realizada pela
Atenção Básica está afinada com as necessidades de deslocamento e de busca
ativa dos clientes levadas a cabo pelas equipes de Consultório na Rua, visto que as
atividades da estratégia são principalmente de cunho itinerante, mas também
demandam, em determinados momentos, a parceria com, e a alo- cação física, nas
Unidades Básicas de Saúde. Esta é uma mudança crucial na dinâmica de trabalho
em relação ao Consultório de Rua (grifo nosso), que firmava sua base física em
serviços do tipo CAPS: as equipes de Consultório na Rua, se necessário, devem
utilizar fisicamente os espaços das Unidades Básicas de Saúde de seus territórios,
vinculando-se aos CAPS apenas mediante as demandas de referência-
contrarreferência dos processos dos sujeitos que acompanham.
A portaria nº 122, de 25 de janeiro de 2012, que definiu as diretrizes de
organização e de funcionamento das equipes de Consultório na Rua, foi adicionada
a portaria nº 1029, de 20 de maio de 2014, que reorganizou a formação das
diferentes modalidades de equipe, e acrescentou mais categorias profissionais à sua
possível composição. Desta forma, atualmente, de acordo com sua modalidade, as
equipes de Consultório na Rua são formadas por:
- Modalidade I: minimamente, quatro profissionais, dentre os quais dois
destes, obrigatoriamente, devem estar entre as categorias enfermeiro, psicólogo,
assistente social e terapeuta ocupacional, e os demais dentre as categorias agente
social, técnico ou auxiliar de enfermagem, técnico em saúde bucal, cirurgião

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Psicologia da saúde

dentista, profissional/professor de educação física e profissional com formação em


arte e educação (pela portaria de 2012, a Modalidade I era formada minimamente
por quatro profissionais, sendo dois profissionais de nível superior e dois de nível
médio);
- Modalidade II: minimamente, por seis profissionais, dentre os quais três
destes, obrigatoriamente, devem estar entre as categorias enfermeiro, psicólogo,
assistente social e terapeuta ocupacional, e os demais entre as categorias agente
social, técnico ou auxiliar de enfermagem, técnico em saúde bucal, cirurgião
dentista, profissional/professor de educação física e profissional com formação em
arte e educação (pela portaria de 2012, a Modalidade II era formada minimamente
por seis profissionais, sendo três de nível superior e três de nível médio);
- Modalidade III: equipe da Modalidade II acrescida de um profissional médico
(pela portaria de 2012, a Modalidade III também era formada pelo acréscimo de um
profissional médico à equipe de Modalidade II).
As equipes de Consultório na Rua devem cumprir uma carga horária semanal
mínima de 30 horas, sendo que seus horários de funcionamento devem se adequar
às demandas das pessoas em situação de rua, podendo ocorrer em período diurno
e/ou noturno em todos os dias da semana.
É relevante considerar que, de acordo com a legislação do dispositivo,
“agente social” se caracteriza como um profissional que desempenha funções no
intuito de garantir a atenção e a proteção às pessoas em situação de risco pessoal e
social, assim como de aproximar as equipes de Consultório na Rua dos valores, dos
modos de vida e da cultura das pessoas em situação de rua. Assim, é essencial que
o agente social trabalhe alinhado à lógica de referência-contrarreferência, à lógica
de redução de danos e à habilidade/competência de promover intervenções criativas
e inovadoras capazes de lidar com as diferentes demandas deste contexto. Ainda de
acordo com a regulamentação do Consultório na Rua, a participação de todos os
profissionais nas equipes incorre em educação permanente/ formação continuada na
lógica de redução de danos, e também em suporte nas demandas relacionadas às
situações de inconstância proporcionadas pela situação de rua.

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É também relevante salientar que todas as modalidades de equipes do


Consultório na Rua poderão agregar equipes do Programa de Agentes Comunitários
de Saúde (PACS) como parceiras na complementação de suas ações. Em
contrapartida, as equipes da Estratégia Saúde da Família que atendem pessoas em
situação de rua poderão ter sua habilitação modificada para equipes de Consultório
na Rua, desde que respeitem tanto os critérios de definição da clientela quanto os
de composição profissional prevista para cada modalidade.
Acerca da caracterização e da implantação da estratégia nos territórios, os
munícipios e o Distrito Federal deverão seguir os processos descritos na Política
Nacional de Atenção Básica para o credenciamento e o financiamento; sob este
aspecto, o suporte necessário ao nascimento e ao exercício das funções das
equipes de Consultório na Rua se constitui como uma ação coordenada e conjunta
entre as esferas municipal e federal. Por sua vez, a quantidade de Consultórios na
Rua presentes em cada município é definida de acordo com o parâmetro de que
deve haver uma equipe para cada grupo de oitenta a cem pessoas em situação de
rua. No caso de munícipios com mais de trezentos mil habitantes, o cálculo tem
como base os dados extraídos de pesquisas do Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS) e da Secretaria de Direitos Humanos; para os municípios com
população entre cem mil e trezentos mil habitantes, o cálculo tem como base uma
estimativa feita a partir dos dados extraídos das pesquisas acima citadas.

Papéis do Psicólogo no Consultório na Rua

É possível afirmar que o psicólogo é um dos membros de base do Consultório


na Rua, haja vista a composição das categorias profissionais de todas as
modalidades de equipes presente na portaria nº 1029/14. O destaque da Psicologia
nesta política representa uma conquista considerável da área e um importante
reconhecimento do escopo da profissão, que devem ser sustentados e defendidos
pela atuação do psicólogo tanto junto ao público-alvo do serviço quanto em relação
ao desenvolvimento e ao fortalecimento da estratégia em si.

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Psicologia da saúde

A prática profissional no Consultório na Rua é complexa, envolvendo cenários


diferenciados que exigem uma visão integrada da participação dos sujeitos que
compõem as equipes e a população atendida, bem como as relações destes
cenários com posicionamentos político-ideológicos no que tange à manutenção da
política pública. Para melhor compreender a inserção do psicólogo no Consultório na
Rua, podemos destrinchar suas intervenções em dois eixos principais: 1) sua
atuação voltada para o atendimento das pessoas em situação de rua e sua postura
dentro da equipe de que faz parte, e 2) seu papel na composição e na concretização
da estratégia em si.

Papéis do psicólogo do Consultório na Rua na própria rua e dentro da


equipe

O cotidiano do Consultório na Rua é muito versátil, já que o deslocamento até


os locais em que há concentração de pessoas em situação de rua faz com que não
se possa controlar nem planejar as condições das intervenções. Assim, o contexto e
o público do Consultório na Rua são atípicos em relação ao normalmente
encontrado nos ambientes de trabalho em Saúde, e isto traz dificuldades para os
profissionais que o compõem: o fato de não haver um ambiente físico definido e uma
certeza acerca de quantos encontros ocorrerão impõem uma série de dificuldades
em geral, lembrando que boa parte dos procedimentos em Saúde implica, ou é
pensada, desde a formação, de modo que haja domínio do cenário pelo profissional.
O público que mora na rua também configura uma realidade de invisibilidade social,
representando, em outras palavras, um grupo cujas necessidades são alheias à
sociedade em função de uma série de preconceitos e de estigmas. Logo, a maioria
das pessoas, profissionais inclusos, não está acostumada a lidar com as
especificidades e as subjetividades que se constituem a partir deste lugar,
enfrentando demandas e desafios de ressignificação de afetos, de
pensamentos/conhecimentos e de ações no que diz respeito ao reconhecimento das
pessoas em situação de rua como sujeitos de direitos e à construção de vínculos de
atenção e de cuidado.

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Levando em consideração a Psicologia, a atuação com os sujeitos em


situação de rua pode parecer, para alguns, muito distante do trabalho do psicólogo,
especialmente devido à configuração histórica da área no Brasil como prática
majoritariamente de cunho isolacionista e tradicionalista, realizada dentro de quatro
paredes e sem pertencimento ou responsabilidade perante processos sociais,
culturais, econômicos, políticos e ideológicos – chegando, inclusive, a se dizer
“neutra” e a servir, leviana ou intencionalmente, como ferramenta de naturalização e
de banalização de contextos macro (DIMENSTEIN, 2001; GONÇALVES, 2010).
Porém, a caracterização de Psicologia(s) contrária(s) a esta prática, e voltada(s)
para a reflexão e ação críticas acerca da(s) realidade(s) brasileira(s), possibilita
refletir para além dos preconceitos e dos estigmas acerca das pessoas em situação
de rua, permitindo a consciência de que são sujeitos dignos de respeito, e
compreendendo o fato de viverem na rua como um dos vários elementos que não só
constituem sua subjetividade, mas também revelam as dinâmicas sociais, culturais,
econômicas, políticas e ideológicas de nossos tempos.
Desta forma, se torna palpável o entendimento de que as pessoas em
situação de rua, em seus processos de desenvolvimento, se constituíram e ainda se
constituem dentro das relações de que fazem parte, e podem, por conflitos atuais ou
passados, estruturais ou conjunturais, passar por sofrimentos psicológicos de
variados tipos e diversas ordens. Assim, cabe ao psicólogo, no contexto do
Consultório na Rua, oferecer ativamente seu serviço à clientela a partir da
perspectiva de que há necessidades e demandas destas pessoas que podem e
devem ser trabalhadas a partir de seu métier teórico-metodológico por excelência –
e não somente mediante pedidos de intervenção feitos por profissionais de outras
categorias acerca de questões da clientela tidas como comprometedoras para o
exercício de suas intervenções. Ademais, e em consonância com esta postura,
também cabe ao psicólogo imerso no Consultório na Rua o esforço perene de
constituir com as pessoas em situação de rua vínculos capazes de trabalhar, nas
condições que se apresentam, suas necessidades e suas demandas; vínculos estes
que, por excelência, devem se configurar como aberturas para o inesperado, o

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surpreendente e o novo e, inclusive, para a consideração de que é necessário


estruturar modos específicos de entendimento destas pessoas.
Em um encontro com um sujeito em situação de rua, o psicólogo deve se
manter disponível para ouvir a pessoa e compreender suas experiências sem
colocar barreiras apriorísticas ao contato, utilizando a interação em si mesma como
veículo primordial por que se realiza a intervenção (ROGERS, 1995), especialmente
em virtude da inconstância deste cenário: como a busca pela clientela é feita
ativamente pelo psicólogo membro do Consultório na Rua, há de se considerar que
a recepção das pessoas em situação de rua de uma aproximação e de uma
abordagem acontecerá de acordo com os momentos que elas estiverem vivendo, de
modo que o psicólogo deve estar disponível para a interação tal como ela ocorre.
Isto significa aprender a lidar também com negativas e com rejeições por parte da
clientela, e por tomar estas circunstâncias como oportunidades de tatear e de
compreender o contexto para, então, formatar estratégias diferencia- das e
específicas de apresentação e de vinculação.
Neste sentido, é importante para o psicólogo inserido no Consultório na Rua
aprender a conectar as potencialidades de seu arcabouço teórico- metodológico às
especificidades de cada cenário, aliando sua formação aos contornos e às
possibilidades de cada situação. É preciso então repensar o formato dos
atendimentos e criá-los a partir do que se verifica em cada panorama, já que existem
matizes do estar em situação de rua que, embora se organizem como valores,
modos de vida e culturas, se configuram como características singulares nas
subjetividades individuais e também nas subjetividades grupais de pessoas em
situação de rua que, por quaisquer motivos, passem a viver juntas. Desta maneira, é
preciso que o psicólogo atuante no Consultório na Rua se mantenha reflexivo acerca
de suas próprias concepções e de suas próprias atuações, no intuito de constituir
intervenções que, ao mesmo tempo, considerem as particularidades da situação de
rua sem, contudo, reduzir os sujeitos presentes neste contexto bem como suas
vinculações, ao simplista e invisibilizante rótulo de “população em situação de rua”.
Tendo isto em vista, os delineamentos e os recursos do atendimento
individual e também do atendimento grupal no exercício profissional do psicólogo

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presente no Consultório na Rua devem ser diferenciados no que tange à prática


usualmente efetivada pela Psicologia. Neste cenário, o atendimento individual deve
se configurar propriamente na interação entre o psicólogo e o sujeito em situação de
rua no ato do deslocamento do psicólogo até o território, sendo necessário, assim,
que se opere uma atenção e um cuidado constituídos como um acolhimento radical
das diferenças do sujeito, inclusive em termos de seu pertencimento à rua – que se
oferece como um espaço subjetivamente vivenciado e valorado – e de seu não -
pertencimento às vias institucionalizadas de acesso à Saúde e também a outros
direitos (LEMKE; SILVA, 2011). Por sua vez, o atendimento grupal deve se
desenvolver mediante a demanda – construída junto às pessoas em situação de rua
– de trocas para elaborações conjuntas e de resoluções necessárias para os devires
dos sujeitos envolvidos. Assim, estas ações devem corresponder ao que é
vivenciado e compartilhado pelos sujeitos que vislumbram sentido nesta proposta,
devendo ser evitados programas rígidos pré-moldados, visto que cada grupo é um
organismo vivo com sua própria dinâmica única (ROGERS, 1973).
Levando tudo isto em consideração, é fundamental ressaltar que é parte
essencial da atuação do psicólogo inserido no Consultório na Rua o fomento, nos
atendimentos, do empoderamento, da autonomia e da responsabilidade das
pessoas em situação de rua no que tange à construção de sua própria cidadania:
afinal, o reconhecimento destes sujeitos como detentores de direitos por parte do
psicólogo incorre necessariamente em tecer nas interações com eles este senso,
bem como as variadas possibilidades de exercitá-lo pragmaticamente em seus
cotidianos. Esta atribuição do trabalho do psicólogo se mostra primordial para a
construção, na rede de Saúde, das relações de referência-contrarreferência, em
virtude da importância da autoafirmação das pessoas em situação de rua tanto para
o manejo de seu autocuidado quanto para a reinvindicação de acompanhamento
adequado em seus trânsitos pelas Unidades Básicas de Saúde, pelos CAPS e pelos
hospitais gerais – infelizmente, em função dos preconceitos e dos estigmas vigentes
em nossa sociedade, esses sujeitos ainda são fortemente rechaçados nestes
espaços pelos próprios trabalhadores de Saúde, passando a conceber as

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Psicologia da saúde

intervenções que deveriam ser-lhes asseguradas por direito como atos de


benevolência isolada quando elas se tornam concretas.
Pensando nesta faceta da atuação do psicólogo – a construção da cidadania
por meio do vínculo voltado à consideração da subjetividade –, é possível pensar
outra modalidade para os atendimentos grupais além da acima destacada, cujo
cunho é fundamentalmente vivencial: a formação de grupos voltados à lida com
temáticas concernentes à saúde das pessoas em situação de rua, cujo cunho seria
ainda vivencial, mas abarcaria também a disponibilização de informações e a
psicoeducação em saúde como eixos primordiais e como ferramentas para a
prevenção e a promoção em Saúde. O Manual sobre o Cuidado à Saúde junto à
População em Situação de Rua (BRASIL, 2012) indicou tuberculose, uso de álcool e
outras drogas, sexualidade e gravidez de risco como elementos ligados à saúde
estatisticamente significativos para este público 1. É pertinente ressaltar que esta
modalidade de intervenção também deve respeitar o processo de construção de sua
demanda junto aos sujeitos a que se oferece, inclusive atentando para as
singularidades das pessoas que se organizam como grupos.
Nesta perspectiva, ao se considerar as necessidades das pessoas em
situação de rua enquanto comunidade(s), e não apenas enquanto sujeitos isolados,
emergem aspectos que podem ser trabalhados sob a ótica e os métodos da
Psicologia Comunitária, que visa à construção de sentidos a partir da percepção da
dinâmica comunitária por seus membros, a fim de promover autonomia de atores
sociais que reverberem elaborações éticas, políticas e sociais do grupo (GÓIS,
1994; apud XIMENES, 2009). O psicólogo imerso no Consultório na Rua pode
colaborar, a partir desta prerrogativa de fomentar o fluir da conscientização
comunitária, como media- dor de sujeitos e como facilitador de sentidos, buscando
fazê-lo não como um agente externo que instrui os saberes, mas como colaborador
de igual importância a todos os membros da comunidade. Nesta forma de fazer
Psicologia, é crucial buscar a multidisciplinaridade, havendo o incentivo e a
necessidade da participação dos demais profissionais da equipe do Consultório na
Rua e mesmo de equipes de outros serviços que atuem junto a pessoas em situação
de rua, como, por exemplo, das Unidades Básicas de Saúde, dos CAPS, dos

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hospitais gerais e dos Centros de Referência Especializado de Assistência Social


(CRAS).
Aproveitando este gancho, é fundamental explicitar que, no que diz respeito
aos papéis do psicólogo atuante no Consultório na Rua nas relações dentro da
equipe à que pertence, tendo como foco a prática de ponta do serviço, é
fundamental para o desenvolvimento do trabalho a disponibilidade do psicólogo para
atuar de modo multidisciplinar. O diálogo com saberes de outras áreas da Saúde
deve ser contínuo, e deve haver interesse do psicólogo em promover a máxima
compreensão dentre todos os profissionais da equipe. Neste sentido, é pertinente
evitar jargões e rebuscamentos desnecessários, pois estes são fatores que
dificultam a comunicação e impedem que ela se torne efetivamente inteligível para
quem participa do diálogo (BOTEGA, 2006): desta forma, cabe ao psicólogo que
está no Consultório na Rua apresentar suas concepções e suas ações aos demais
membros da equipe de maneiras que possam ser acessíveis para eles, entendendo
esta postura como uma demonstração de disponibilidade para a discussão e a
intervenção conjunta.
Uma boa interlocução na equipe de Consultório na Rua contribui para a
concretização da integralidade no acompanhamento dos usuários do ser- viço, como
preconizado pelo Sistema Único de Saúde. Ademais, a comunicação eficaz entre
profissionais favorece um bom ambiente de trabalho e facilita o desempenho da
equipe, sobretudo se ultrapassar conteúdos unicamente técnicos e se permitir a
criação de vínculos e de um sentimento de pertencimento e de confiança entre os
trabalhadores (ALBUQUERQUE; PUENTE-PALÁCIOS, 2004). Assim, o cultivo de
relações significativas entre os membros da equipe do Consultório na Rua é
interessante também para a saúde dos próprios profissionais, especialmente se
levados em consideração os desafios colocados pela atuação junto às pessoas em
situação de rua: poder contar com os demais membros da própria equipe para
superá-los em conjunto pode inclusive reduzir as chances de adoecimento mental,
como, por exemplo, crises de burnout (LEITER, 1988).
O psicólogo da equipe de Consultório na Rua pode contribuir para o
fortalecimento do grupo em diversos aspectos por meio de um sistema de análise

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Psicologia da saúde

das estratégias utilizadas pelos profissionais como time no exercício de suas


atribuições. Um possível modo de promover este processo é por meio de um
sistema como a Matriz FOFA, que corresponde a um acrônimo para Fortalezas,
Oportunidades, Fraquezas e Ameaças, também conhecido pela sua sigla em inglês
SWOT (Strengths, Weaknesses, Oppor- tunities and Threats). Este sistema visa à
percepção de capacidades e de potencialidades, levando em conta tanto fortalezas
e fraquezas (considerados elementos internos) quanto ameaças e oportunidades
(elementos externos) e, assim, avaliando dinâmicas, vulnerabilidades identificadas,
possibilidades de mudança, etc., permitindo um diagnóstico da funcionalidade da
equipe (VAN WIJNGAARDEN et al., 2012). A partir disto, os próprios membros do
grupo podem elaborar propostas de intervenções – que devem ser posteriormente
avaliadas a partir de critérios e indicadores previamente pactuados pela equipe.
Um exemplo prático de uma análise deste tipo seria, em uma reunião,
perceber e visibilizar um sofrimento compartilhado pela equipe relativo às
dificuldades de lidar com as pessoas em situação de rua, devido ao fato de este ser
um público diferente daquele para que os profissionais foram formados. Analisando
a situação em grupo, os membros percebem que suas fraquezas são a insegurança
da equipe, a sensação de impotência e uma for- mação profissional com lacunas. Já
suas fortalezas são a confiança no grupo, e a disposição/o engajamento para
aprimorar sua prática. Quanto a questões externas, a ameaça é relativa à falta de
apoio na rede de Saúde e à escassez de recursos materiais. Por outro lado, a
oportunidade é a possibilidade de solicitar cursos de formação continuada para a
Secretaria de Saúde, bem como o apoio da comunidade local ao serviço. A partir
desta análise, faz-se um plano de execução para lidar com os problemas. No que
tange às ações externas, os profissionais pediriam, por exemplo, a concretização de
uma formação continuada para as equipes de Consultório na Rua de seu território, e
tentariam realizar reuniões com profissionais das Unidades Básicas de Saúde locais
a fim de fazer contatos e fortalecer o vínculo da equipe com a rede de Saúde.
Internamente, poderiam realizar grupos de encontro para trocar experiências e
convidar, se houver outra(s) equipe(s) de Consultório na Rua no território, pessoas
de outros grupos para contribuir. Após dois meses, por exemplo, poderiam avaliar a

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Psicologia da saúde

efetividade das ações, e se decidir pela manutenção ou pela alteração das


estratégias adotadas.
O sistema de análise FOFA é apenas uma das diversas formas de pensar
criticamente as equipes de Consultório na Rua, e pode ser usado também para
deliberar acerca de outras questões, como, por exemplo, para trabalhar com as
pessoas em situação de rua suas percepções acerca dos atendimentos feitos e seus
posicionamentos a este respeito, trazendo-as para dentro do debate, conforme
preconizado pela Política Nacional de Humanização (PNH) na pactuação das ações
entre gestores, trabalhado- res e usuários do Sistema Único de Saúde. Entretanto,
se utilizado para monitoramento e avaliação de dinâmicas de equipes de Consultório
na Rua, é crucial que o sistema de análise FOFA seja realizado por todos os
membros, e em conjunto. Ainda que surja como uma proposição do psicólogo, não
se deve pensar que a efetivação de um sistema desta ordem deva ser feita somente
por este profissional como uma avaliação isolada dos demais trabalhadores do
grupo: esta atitude, que sequer procede, poderia gerar mais desentendimentos do
que soluções, pois é importante ter em mente que uma eventual sensibilidade para
avaliar criticamente conflitos, desenvolvida por uma formação em Psicologia, está
longe de equivaler a uma capacidade de liderar, ou mesmo de conseguir resolver
conflitos independentemente, se o próprio psicólogo está envolvido na situação.
Neste sentido, um sistema de análise como o FOFA se oferece como uma
contribuição do psicólogo à equipe enquanto ator ativo e participativo dos processos
que a compõem, devendo ser compartilhada e elaborada por todos os seus
membros, promovendo a cogestão e a corresponsabilidade, pontos também
defendidos pela Política Nacional de Humanização e, evidente- mente, pelo Sistema
Único de Saúde, no que diz respeito à construção coletiva das relações dos espaços
de Saúde.

Papéis do psicólogo no desenvolvimento e no fortalecimento da política


pública Consultório na Rua

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Psicologia da saúde

Historicamente, a aproximação da Psicologia com as políticas públicas em


Saúde é recente, e devido a diversos fatores. A própria Psicologia é jovem no Brasil,
tendo começado a se organizar como campo teórico- metodológico com mais
consistência apenas a partir da segunda metade do século passado, e tendo
passado a se ocupar de reflexões e ações críticas no que tange aos contextos
macro – e, assim, no que diz respeito a possíveis intervenções/contribuições na
estruturação da Saúde Pública no País – apenas a partir dos movimentos de
contracultura originados nos anos 1960 e 70 (ESCOREL; TEIXEIRA, 2013). Neste
sentido, a construção de Psicologia(s) voltada(s) à valorização da subjetividade, do
vínculo, da autonomia, do empoderamento e da corresponsabilidade em uma
atuação comprometida com a constituição da esfera pública, pautada em uma práxis
que é uma ética ela mesma, delineia-se no mesmo período histórico em que se
organizou a luta pelo Sistema Único de Saúde, movimento militante que culminou na
concretização deste sistema conforme definido na Constituição Cidadã de 1988
(GONÇALVES, 2010). Assim, o adentramento das políticas públicas em Saúde pela
Psicologia tem se realizado em diferentes níveis e de diferentes formas. As
contribuições da Psicologia para a constituição de estratégias de enfrentamento do
HIV/Aids, por exemplo, foram notórias para que se atingisse o grau de elaboração e
os resultados que são hoje observados neste âmbito, e serviram como pontapés
iniciais para a categoria se ambientar e se constituir nos espaços de Saúde, de
modo que, cada vez mais, não só profissionais de Psicologia fazem parte da gestão
e da atuação em ponta em Saúde, mas também se organizam como coletividade
para legitimar seus lugares e seus pertencimentos a esta esfera.
Levando isto em consideração, no que diz respeito aos papéis do psicólogo
no desenvolvimento e no fortalecimento da política pública Consultório na Rua, é
crucial, em primeiro lugar, que o profissional psicólogo conheça as relações
históricas entre a Psicologia e as Políticas Públicas em Saúde no intuito de se
aproximar criticamente deste percurso, e de realizar reflexões e posturas
conscientes acerca de sua própria participação nesta trajetória. Esta é uma
prerrogativa fundamental para que se possa desenvolver mais forte- mente, em
termos de estratégias e de ações, interesse no Consultório na Rua e nas Políticas

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Psicologia da saúde

Públicas em Saúde como um todo, visto que estes são espaços em que a Psicologia
pode e deve contribuir para efetivamente concretizar a responsabilidade cidadã que
defende como sendo um dos principais mobilizadores do exercício da profissão no
contexto brasileiro. Esta construção é essencial também para que a própria
Psicologia possa se redefinir e se atua- lizar, se apresentando como corpo teórico-
metodológico contributivo para a lida com as demandas complexas, holísticas e
multifacetadas que a contemporaneidade impõe para nossa sociedade como um
todo em relação à Saúde Pública no País – principalmente em função do fato de que
o cumprimento adequado dos princípios do Sistema Único de Saúde coloca a
urgência de que a Psicologia tenha seus lugares de inserção criados e
compreendidos a partir dos próprios processos de delineamento, de monitoramento
e de avaliação das Políticas Públicas em Saúde.
Para tanto, é preciso que sejam desenvolvidos métodos de apresentação e de
apropriação da política pública Consultório na Rua, e desde dentro de articulações
políticas dos próprios psicólogos: assim, é importante que os eixos gestão, atuação
em ponta, organização da categoria enquanto grupo agente/participativo e formação
sejam trabalhados em suas particularidades e em suas interpenetrações, compondo
uma teia coesa de suporte à atuação na estratégia. Neste sentido, é papel dos
psicólogos, no que tange ao desenvolvimento e ao fortalecimento do Consultório na
Rua enquanto política pública, se estruturar e se comunicar enquanto grupo
direcionado a esta finalidade, visto que a transversalidade entre os domínios citados
demanda a busca dos profissionais uns pelos outros e o reconhecimento de com
que pessoas e com que espaços é possível trabalhar. A identificação e o
mapeamento desta rede, em suas diferentes amplitudes – municipal, estadual,
regional, nacional –, se constituem como passos iniciais na elaboração de metas
para que a Psicologia se torne efetivamente mais presente e mais expressiva nesta
política pública.
Pensado este panorama mais amplo, é preciso também discutir os papéis do
psicólogo no que diz respeito a alguns pontos característicos da atual composição
do Consultório na Rua enquanto estratégia. A inserção da Psicologia neste cenário
tem a ver com o próprio processo histórico de formação do serviço; afinal, ele surgiu

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em Salvador, ainda como Consultório de Rua, tendo sido alocado no Sistema Único
de Saúde, em um primeiro momento, dentro da Saúde Mental, e especialmente pela
ênfase feita à lida com o uso de álcool e outras drogas em suas atividades. De fato,
a preocupação com a Saúde Mental, e com o uso de álcool e outras drogas, é válida
e deve existir nas atribuições da Psicologia no Consultório na Rua. Todavia, é
relevante ressaltar a importância de o psicólogo manter um olhar integral para os
sujeitos nas maneiras de tratar o delineamento e a implantação da própria política
pública, visto que, nas inter-relações entre gestão, atuação em ponta, organização
da categoria enquanto grupo agente/participativo e formação, a adoção de posturas
políticas de visibilização e cultivo deste paradigma é fundamental para que
preconceitos, estigmas e manobras midiáticas/governamentais não eclipsem o real
propósito maior do Consultório na Rua, que é o de se constituir como via de acesso
à atenção e ao cuidado em Saúde para pessoas em situações de rua, e não o de
servir de instrumento de controle de uso de álcool e outras drogas, ou de
intervenção mandatória em Saúde Mental.
Um exemplo da relevância desta coerência se expressa na observação de
que, no Portal Brasil, plataforma oficial do Governo Federal, o site oficial sobre o
Consultório na Rua está contido em uma página do programa “Crack, É Possível
Vencer”, que envolve a ação conjunta de diferentes serviços (sendo o Consultório na
Rua a estratégia representante da Atenção Básica) no combate ao crack, com
grande destaque na mídia devido à atual situação das ‘cracolândias’ no País Neste
sentido, é visível o foco dado por uma movimentação governamental a certos
aspectos da política pública Consultório na Rua, motivo pelo qual se tornam papéis
do psicólogo envolvido neste cenário a consciência das nuances colocadas por
estas tensões, e o discernimento sobre como lidar com elas sem se desviar das
prerrogativas, dos métodos e dos objetivos da política pública em si – que valorizam
intervenções territorializadas, humanizadas e integradoras das subjetividades das
pessoas em situação de rua no âmbito da Saúde Pública.
Assim, não se deve perder de vista que, embora alguns setores da sociedade
possam esperar e exigir intervenções a fim de acabar com as ‘cracolândias’ – e, por
extensão, com todos que ocupam estes lugares –, o foco da Psicologia por

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excelência (na gestão, na atuação em ponta, na organização da categoria enquanto


grupo agente/participativo, na formação), ao adentrar o Consultório na Rua, é a
promoção da dignidade humana e do direito à saúde a partir das contribuições que
seu corpo teórico-metodológico lhe permite fazer, envolvendo manejos que
contemplem as integralidades das pessoas em situação de rua, e não apenas o uso
de álcool e outras drogas, ou condições circunscritas à Saúde Mental. Isto é real e
vigente para todas as profissões que compõem o Consultório na Rua, mas se torna
extremamente delicado e contundente para o psicólogo por conta das funções
coercitivas, moralizantes e normalizadoras que tantas vezes, por suas raízes
históricas e suas ações irrefletidas, a Psicologia cumpriu (FOUCAULT, 2000, 2001).
Sob esta perspectiva, é fundamental que o psicólogo envolvido no
desenvolvimento e no fortalecimento da política pública Consultório na Rua possa se
relacionar criticamente também com alguns entraves colocados pelo próprio Sistema
Único de Saúde e pela própria legislação – entraves estes que acabam por se
constituir também como incongruências político-ideológicas – no que diz respeito à
execução das atividades da estratégia. Uma destas dificuldades é a exigência de
critérios, para trânsito pela rede de Saúde, que nem sempre são facilmente
atendidos pelas pessoas em situação de rua, como, por exemplo, a apresentação de
RG, de CPF e de comprovante de residência para cadastro nos serviços. Sendo
uma das principais atribuições do Consultório na Rua tornar-se porta de entrada
para o acompanhamento desta população no Sistema Único de Saúde, sendo
necessário que o psicólogo, ao atuar como agente na construção e na mediação da
referência-contrarreferência, se mantenha atento aos impactos promovidos por estas
dificuldades nas subjetividades das pessoas atendidas, e também na formação dos
vínculos entre os usuários da estratégia e os profissionais de Saúde dos espaços
procurados para o devido encaminhamento da atenção e do cuidado. O reflexo disto
para o psicólogo envolvido no desenvolvimento e no fortalecimento da estratégia
consiste em trazer esta percepção para dentro da discussão e da delimitação da
política pública em si, problematizando estas exigências não só a partir de seu
cotidiano de lida com a clientela, mas inclusive nos próprios contornos do Sistema
Único de Saúde – ferido em suas proposições de Universalidade, Equidade e

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Integralidade ao fechar as portas para pessoas cujos motivos para a falta de posse
de documentação muitas vezes estão relacionados a mazelas sociais, culturais,
econômicas e políticas. Sem dúvidas, uma parceria indispensável para este trabalho
é o Serviço Social, especialmente pelo caráter multidisciplinar demandado pela rede
de Saúde.
Outra dificuldade desta ordem é em relação às crianças e aos adolescentes.
Se, por um lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) defende a proteção
integral dos menores, o que muitas vezes tem a ver com retirá-los da rua, por outro,
há famílias e pessoas que se constituem subjetivamente ligadas às dinâmicas de
viver na rua, inclusive fazendo a opção de permanecer nesta situação em detrimento
de outras que se apresentem como viáveis – em algumas circunstâncias, justamente
em função de a rua se apresentar como uma alternativa melhor, em suas vivências,
a outras que surjam. Neste ponto, é preciso promover uma reflexão e um suporte a
partir da presença do psicólogo na composição da política pública, no que diz
respeito à necessidade de compreender os sujeitos em seus próprios processos
como pressuposto para a atenção e o cuidado mediante as possibilidades de os
profissionais se depararem com cenários conflituosos, inclusive porque aqueles que
atuam na ponta se tornam responsáveis pela denúncia de crianças e de
adolescentes em situação de rua junto às autoridades. De acordo com a própria
legislação:
Isto não significa, no entanto, que o encaminhamento da criança ou
adolescente a seus pais ou responsável (notada- mente quando constatado que este
se encontra numa situação ‘de rua’ ou tenha fugido de casa, por exemplo) deva
ocorrer de forma ‘automática’ e/ou sem maiores cautelas. Como nos demais casos,
antes da aplicação desta medida é necessário submeter a criança ou o adolescente
atendidos a uma avaliação interprofissional, de modo a descobrir o porquê da
situação, que pode ter se originado por grave omissão ou abuso dos pais ou
responsável e determinar alguma intervenção (ainda que a título de mera
orientação) junto a estes. Deve a medida, enfim, estar amparada por um verdadeiro
programa de atendimento, que contemple inclusive previsão de recursos para
eventual deslocamento dos pais ou responsável pela criança ou adolescente até o

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local em que esta se encontre, de modo que aqueles mesmos a tragam de volta a
seu local de origem, quando se constatar que esta providência é viável, sem a
necessidade de deslocamento de técnicos da área social para promover o recâmbio
(o que por sinal encontra respaldo no disposto no art. 100, par. único, inciso IX, do
ECA). (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2013, p. 146)
Neste contexto, também se torna papel do psicólogo, no que tange ao
desenvolvimento e ao fortalecimento da estratégia Consultório na Rua, sensibilizar
as relações cultivadas nos espaços de gestão, de atuação, de identidade
profissional coletiva e de formação em Saúde para a realidade acima descrita, e
especialmente em virtude do seu olhar e da sua práxis para a com- preensão de
subjetividades e para a construção de vínculos ressignificadores de sentidos, de
afetos e de posicionamentos. Cabe considerar que o psicólogo dispõe tanto de
ferramentas oriundas de seu próprio campo – como, por exemplo, sistemas de
análise no estilo do FOFA – quanto de dispositivos colocados pela própria Saúde
Pública – como, por exemplo, dispositivos da Política Nacional de Humanização –
para atingir este intento; desta forma é possível considerar também como papel do
psicólogo na política pública Consultório na Rua a constituição de alianças de
trabalho entre variadas instâncias, abrindo novos lugares de inserção e
reconstruindo métodos nos lugares já existentes, inclusive junto ao Ministério da
Saúde e às Secretarias de Saúde. No cenário atual da Saúde Pública no País,
composto de trabalhos pouco articulados entre si, e perpassado pelo sofrimento de
trabalhadores e de gestores e pela pouca resolutividade de ações, esta articulação
se apresenta como uma via para a construção de intervenções intersetoriais e
interinstitucionais, institucionalizadas e duradouras (SANTANA, 2014).
Ressalta-se, portanto, que a interação e a colaboração com outras áreas de
conhecimento e com outros pertencimentos de saberes é essencial, in- contornável
e deve ser sempre fomentada em todos os âmbitos – gestão, atuação, organização
profissional coletiva e formação. A facilitação e a valorização deste diálogo podem e
devem ser viabilizadas na esfera da formação em todas as profissões da Saúde,
uma vez que o contato, ainda na graduação, com diferentes cursos e profissões,
tanto nas salas de aula quanto em estágios e em projetos de extensão e de

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pesquisa, é basilar para que sejam desenvolvidas: a) uma apropriação do próprio


papel na trajetória e nos espaços de Saúde – conforme discutido no início desta
seção no que concerne ao psicólogo; b) uma construção identitária subjetiva e
profissional consciente- mente alinhada com as propostas e os métodos do Sistema
Único de Saúde, e c) uma rede de suporte entre profissionais que se apoiem
mutuamente e que se organizem, em quesitos políticos e ideológicos, para a
pactuação e para a troca na composição das políticas públicas em Saúde.
Afunilando esta discussão para a formação em Psicologia e para a lida, a
partir do métier deste campo, com as pessoas em situação de rua no contexto da
Atenção Básica – conforme preconizado pela estratégia Consul- tório na Rua –, este
debate se torna extremamente importante. Os papéis caracterizados ao longo deste
texto como cabíveis ao psicólogo imerso neste contexto exigem que: a) a Psicologia
seja problematizada e discutida, pelo profissional, em sua história, em sua
epistemologia e em seus métodos, b) questões de Direitos Humanos e de Cidadania
sejam enfocadas enquanto construção relacional em todos os espaços humanos, e
especificamente, no caso, no reconhecimento das pessoas em situação de rua como
sujeitos de direitos e como cidadãs, c) haja contato com o Sistema Único de Saúde
nas salas de aula, nos estágios e nos projetos de extensão e de pesquisa e,
particularmente, que ele seja tratado em sua totalidade e em sua pluralidade de
lugares para o psicólogo, com discussões e práticas, claro, vinculadas também à
Saúde Mental, mas não restritas exclusivamente a ela, e d) se trabalhe em equipe,
justificando e explicando seus princípios e suas ações, e construindo, assim, redes
de atuação conjunta e também de articulação política.
Desta forma, para viabilizar concepções e atuações afinadas com a
atualidade do cenário brasileiro no que tange ao Consultório na Rua, é essencial que
esta série de atribuições se torne componente por excelência da formação em
Psicologia, e que este movimento seja compreendido como fundamental para a
implementação cada vez mais adequada e efetiva do Sistema Único de Saúde, visto
que uma formação com lacunas no que tange à contemplação das demandas
impostas pelo trabalho nesta esfera é uma das maiores dificuldades enfrentadas
pelos profissionais da Psicologia – e também de outras áreas da Saúde. Em função

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da dedicação do psicólogo à compreensão de subjetividades e à construção de


vínculos, o vazio teórico-metodológico concernente ao não-tratamento destas
questões na formação se torna ainda mais agravado na inserção no Consultório na
Rua, tendo em vista as atividades já discutidas neste capítulo como competências
do psicólogo neste panorama. Neste sentido, é relevante ressaltar que não basta,
também, apenas pro- mover uma inserção precoce dos alunos de Psicologia no
campo da Saúde Pública. É essencial que existam docentes qualificados para prover
aos estudantes bases contextualizadas em relação tanto ao significado do Sistema
Único de Saúde para o País quanto acerca da trajetória da Psicologia na
Saúde Pública em diferentes esferas (SOUSA; CURY, 2009). Concomitantemente a
isto, é preciso construir relações de aprendizagem humanizadas e humanizadoras:
permitir que as pessoas se façam a si mesmas subjetivamente e profissionalmente
nas interações com professores, com colegas, com outras pessoas que venham a
atender e a trabalhar com ao se inserirem na rede de Saúde, e na lida com o que
processualmente se configure como o descobrir, o surpreender-se, o criar perante o
novo, é que se viabiliza a possibilidade de alicerçar posturas e intervenções afinadas
com os contextos adentrados (ROGERS, 1977), compreendendo que, para uma
formação consistente e de qualidade, é decisivo que sejam contempladas não
apenas as expansões de conhecimentos formais, mas o todo das experiências
formativas dos futuros profissionais de Psicologia dentro do Sistema Único de
Saúde.

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