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ONDAS VIAJANTES

1 ONDAS VIAJANTES

É importante assegurar a perfeita operação de uma linha de transmissão,


entregando energia aos centros consumidores com o mínimo de interrupções e
tornando-a mais segura. Com tal necessidade, têm crescido as técnicas de localização
de faltas, para que o impacto da falta possa ser mitigado e sua correção possa ser
mais rápida e precisa.
O método de ondas viajantes, que se utiliza de uma análise muito rápida de
tempo, sincronização e comprimento da linha entre os terminais, não fazendo o uso de
dados de tensão e corrente da linha de transmissão, mas, sim, da percepção temporal
da falta, é um método que pode ser utilizado para este objetivo. Este método pode ser
simulado no software ATP Draw (Alternative Transients Program), um simulador digital
utilizado para se estudar os transientes eletromagnéticos, com uma apresentação
muito amigável, permitindo analisar-se, de forma detalhada, os transitórios de um
sistema elétrico.
A localização rápida da falta na linha de transmissão permite uma ação imediata,
facilitando os reparos e a restauração da linha, sendo importante também no sentido
econômico, pois a concessionária responsável pela transmissão de energia é sujeita
a pagar altas taxas de indenização associadas ao tempo de duração da falta.
A desregulamentação do mercado da eletricidade e as exigências econômicas
e ambientais têm levado as concessionárias de energia elétrica a operarem linhas de
transmissão perto de seus limites máximos. O funcionamento correto das linhas de
transmissão é essencial para o mínimo de interrupção para os consumidores, uma
vez que se tornaram cada vez mais dependentes da energia com o crescimento da
tecnologia em todo o mundo. Isso requer uma operação confiável de equipamentos
de energia e satisfação dos consumidores.
Linhas de transmissão e distribuição apresentam falhas que são causadas
pela natureza, como tempestades, relâmpagos, nevascas, entre outros, e falhas de
curto-circuito causado por pássaros, galhos de árvores e outros objetos externos.
Na maioria dos casos, as falhas elétricas devem ser reparadas antes de se voltar a
religar a linha. Qualquer falha, se não for detectada e isolada rapidamente, poderá
causar diversos problemas para o sistema, causando interrupções generalizadas e
até mesmo apagões.

1.1 IMPORTÂNCIA DE UM LOCALIZADOR DE FALTA


Entre os elementos que compõem o Sistema Elétrico de Potência (SEP), tais
como transformadores, barramentos e disjuntores, a linha de transmissão é a mais
suscetível à falha, devido ao seu tamanho e extensão, devendo ser capaz de suportar
diversos climas, sujeita às variações ambientais e intempéries, além de sua manutenção
geralmente precisar ocorrer em locais de difícil acesso, apresentando maior dificuldade
de reparo, manutenção e monitoramento.
Um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP) levantou dados
estatísticos da ocorrência de falhas em um SEP, e mais de 80% das faltas são em
linhas de transmissão, como mostrado na Tabela 1.1.

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Sistemas elétricos em alta tensão

Equipamento Ocorrência

Linha de transmissão 82%

Disjuntores 4%

Transformadores 6%

Erro humano 5%

Barramentos 1%

Geradores 1%

Outros 1%

Tabela 1.1: Distribuição da ocorrência de faltas em um SEP.

A restauração do fornecimento de energia após a ocorrência de uma falta permanente


pode ser feita somente após a equipe técnica terminar a manutenção e reparar os danos
causados pela falha. Para esta finalidade, a localização da falha deve ser conhecida, caso
contrário, toda a linha deve ser inspecionada para encontrar a origem do problema. Essa
tarefa torna-se ainda mais trabalhosa se forem consideradas as linhas de transmissão
de alta tensão, geralmente com centenas de quilômetros de distância.
Os algoritmos de localização de falha mais utilizados podem ser divididos em
dois grupos principais: baseados em impedância e baseados em ondas viajantes.
Algoritmos baseados em impedância fazem uso dos parâmetros de linha (resistência,
indutância e condutância por unidade de comprimento e o comprimento da linha), assim
como dados de tensão e de corrente a partir de um ou mais terminais de linha para
calcular a distância à falta de uma referência pontual ou terminal da linha.
Algoritmos baseados em ondas viajantes utilizam a teoria de que as ondas viajam
ao longo de uma linha a partir de uma falha, na velocidade da luz, para calcular a
distância entre uma falha e um ponto de referência de onda e tempo de alcance de
um terminal de linha.

1.2 localização de faltas utilizando as ondas


viajantes
Ondas viajantes ocorrem após as falhas em comutações ou relâmpagos. Quando
ocorre uma falha ao longo de uma linha de transmissão, os transientes de tensão e
corrente viajam para os terminais de linha. Uma vez que as ondas viajam ao longo da
linha de transmissão com a velocidade muito próxima à velocidade da luz, medindo
com precisão o tempo necessário para propagação da onda para os terminais de
linha, a distância da falta pode ser encontrada.
A velocidade com que ela se propaga é dependente das características da
linha de transmissão, de seus materiais, de seus elementos, de seus isoladores, e da
distância de um terminal ao outro, entre outras.

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Pode até parecer estranho, à primeira vista, comparar as grandezas, indutância e
capacitância à velocidade; porém, o fato é que podem ser comparadas, pois o resultado
tem como origem as suas grandezas, dado que a indutância é expressa em Henry por
unidade de comprimento e, a capacitância, em Faraday por unidade de comprimento,
pois quando se multiplica L x C, obtém-se a dimensão de segundo ao quadrado, como
se pode verificar na Equação 1.1, chamada de Equação de Ressonância de um circuito
série simples, o que permite que seja obtida a velocidade angular.

�= = (1.1)

Sendo assim, pode-se obter a velocidade da onda (θ) em uma linha de transmissão
a partir da densidade linear da indutância e da capacitância de uma linha de transmissão,
como é mostrado na Equação 1.2.

= = (1.2)

onde L é a indutância e C é a capacitância da linha por metro.


O valor numérico de para condutores isolados a ar é próximo de 3.108
m/s, o que confirma a determinação experimental da velocidade da luz no espaço livre.
Isolantes sólidos, de constantes dielétricas maiores, fazem com que essa velocidade
se torne menor; além disso, as perdas na linha tendem, de alguma forma, a reduzir
esta velocidade. Contudo, as linhas de transmissão aéreas não apresentam isolantes,
são basicamente de alumínio nu, tendo como isolante somente o ar, que faz com que
a velocidade de propagação da onda possa ser muito próxima à da luz.
Os surtos de tensão, afundamentos de tensão, faltas ou quaisquer perturbações,
por viajarem juntamente com a onda de tensão e corrente, se propagam com a mesma
velocidade sobre as ondas principais. Com isso, a velocidade com que tais perturbações
se propagam é a mesma e, desta forma, é possível estimar sua localização através
de um cálculo básico. Sabendo-se a distância entre os terminais de linha e a sua
velocidade de propagação, é possível calcular a distância entre a falta e o terminal
de referência. A Figura 1.1 exemplifica a situação abordada.

Figura 1.1: Propagação das Ondas Viajantes em direção aos terminais.

A Equação (1.3) apresenta a solução de localização de falta através apenas


dos parâmetros: diferença de tempo de chegada da perturbação, distância entre os
terminais e velocidade da onda.

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Sistemas elétricos em alta tensão

(1.3)

onde:
𝐷0𝜗– distância da falta ao terminal A por ondas viajantes;
L – comprimento da linha;
𝜗𝑝 – velocidade de propagação da onda;
t A – tempo quando a falha é percebida pelo terminal A;
tB – tempo quando a falha é percebida pelo terminal B;
Com a diferença de tempo com que a perturbação chega aos dois terminais da
linha de transmissão e a velocidade da onda, é possível estimar a distância a um terminal
que ocorre a falta. Vale ressaltar que, além de um sistema de sincronização global de
tempo (GPS) individual, é necessário um canal de comunicação entre os dois terminais,
sincronizando-os e permitindo a troca de dados de tempo e informações da onda que chega
ao outro terminal. Assim, é possível obter dados confiáveis para a aplicação deste método.
Uma vantagem deste método sobre técnicas baseadas em impedância é a
persistência de pré-falta, falta e resistência de aterramento da linha com carga. A
desvantagem dos algoritmos por ondas viajantes é que eles não podem ser usados em
cabos subterrâneos, pois, como as alterações de impedância aumentam drasticamente
entre eles, resultam em grandes imprecisões na localização da falha. A precisão pode
ser afetada mediante erros na detecção das ondas, causados por grandes barramentos
no sistema de energia, que influenciam a tensão e a corrente devido à impedância de
linha, podendo reduzir a amplitude das ondas de tensão tornando-as mais difíceis de
detectar e reduzindo, assim, a sua precisão.
Para obter resultados satisfatórios, é necessário que os parâmetros da linha
estejam bem distribuídos para que o comportamento transitório de uma onda na linha
possa ser bem representado, pois assim é permitido que a teoria de ondas viajantes
sejam corretamente aplicada.
Existem algoritmos de localização de falta também baseados no método de
ondas viajantes muito interessantes, por exemplo, aqueles que utilizam a reflexão
da onda de falta que se propaga ao longo das duas linhas. Neste método, é possível
localizar a falta através dos dados apenas de um dos terminais de linha, não sendo
necessária a sincronização dos terminais e um canal de comunicação dedicado, pois
não há a necessidade de um localizador de um terminal se comunicar com o do outro
terminal. Muito viável para aplicações nas quais se podem ter dois equipamentos
diferentes e até mesmo de fabricantes diferentes, assim, não se tornam dependentes
da comunicação entre eles e/ou interferência no outro terminal de linha.
Na linha de transmissão, qualquer perturbação, seja por descargas atmosféricas
ou por condições permanentes, dá a origem a ondas viajantes, que se propagam nas
direções dos terminais da linha onde são refletidas. Ao longo desta reflexão da onda,
a mesma é atenuada pela perda resistiva da linha e corrente de fuga.

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A Figura 1.2 mostra como são formadas as reflexões das ondas através de
uma linha temporal na vertical e uma linha horizontal representando a distância
entre os terminais.

Figura 1.2: Diagrama de reflexão das ondas viajantes em uma linha de transmissão de dois terminais.

Porém, este método utiliza um forte embasamento matemático no qual se analisam


as componentes harmônicas, dado que a reflexão da onda é atenuada e havendo a
reflexão também de outras frequências que surjam com o sinal a ser analisado. Este
método utiliza os conceitos de Transformadas de Wavelet e Clarke somado a filtros
para as altas frequências. À medida que a onda é refletida e atenuada, a sua precisão
diminui, diminuindo também a confiabilidade dos dados. Com isso, aumentam os erros
e inviabiliza-se a aplicação para longas distâncias, onde uma pequena porcentagem
de erro representa algumas centenas de metros de uma zona de imprecisão.

1.3 Linha de transmissão: Teoria básica


Uma linha de transmissão tem seus parâmetros distribuídos ao longo da sua
extensão. Qualquer perturbação gerada por chaveamentos ou descargas atmosféricas
resulta na propagação de ondas pela linha. O efeito de uma variação de corrente
ou tensão em qualquer dos terminais da linha não é sentido pelo outro até que
ondas eletromagnéticas geradas por essa variação percorram todo o comprimento
da linha. Os modelos utilizados em cálculos de transitórios eletromagnéticos que
envolvem linhas de transmissão são baseados na solução das equações de onda
de tensão e corrente.

1.3.1 Equações de propagação para linhas monofásicas


As equações básicas do fenômeno de propagação de uma onda eletromagnética
em uma linha de transmissão podem ser deduzidas, considerando-se um condutor a
uma certa altura sobre um solo ideal – resistividade nula. A Figura 1.3 mostra esse

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Sistemas elétricos em alta tensão

arranjo. Existem várias maneiras de se deduzirem essas equações; uma delas é se


obter estas equações de propagação a partir:
●● Das formas integrais das equações de Maxwell;
●● Das formas diferenciais dessas equações;
●● Dos parâmetros por unidade de comprimento da linha;
●● De alguma composição desses três métodos.

Figura 1.3: Linha monofásica/solo ideal. a) Corte longitudinal; b) Corte transversal.

No caso, a linha está conduzindo uma corrente i e está também submetida a


uma tensão v. Tanto a corrente quanto a tensão são funções do tempo e da posição,
ou seja, seus valores variam a cada ponto da linha e a cada instante de tempo.
A Figura 1.4 mostra as linhas do campo elétrico e magnético em um determinado
ponto da linha, em determinado instante de tempo. Sabe-se que, para o solo ideal, a
geometria desses campos não muda na região acima dele com a substituição do solo
por um condutor imagem; e abaixo dele com profundidade igual à altura do condutor
real. Isso equivale a uma geometria de dois condutores paralelos sem a presença do
solo, como mostra a Figura 1.5.

Figura 1.4: Campo eletromagnético de uma linha monofásica/solo ideal.

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Figura 1.5: Campo eletromagnético de uma linha monofásica ideal: condutor imagem.

Rigorosamente falando, esse problema pertence à teoria das ondas eletromagnéticas.


No entanto, podem-se, ainda, utilizar as equações da teoria de circuitos se algumas
hipóteses simplificadoras forem feitas. A primeira delas consiste na consideração de
que a distância entre os condutores é pequena em relação ao comprimento da onda
propagante. A segunda é mais complexa e diz respeito a dois fatos: o primeiro, a corrente
nos condutores não é constante ao longo da linha; o segundo, a impossibilidade de se
determinarem regiões, no espaço, que envolvem a linha em que existe somente campo
magnético ou somente campo elétrico. Não se pode, assim, falar de resistência, indutância
e capacitância concentradas em pontos determinados. Para se usar as equações de circuito
nessas condições, o artifício é considerar a linha como um elemento com parâmetros
distribuídos – resistência, indutância e capacitância por unidade de comprimento.
A Figura 1.6 mostra um elemento diferencial – comprimento dx – de uma linha
monofásica, representada por dois fios, e as tensões nos seus terminais.

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Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.6: Aplicação da Lei de Indução de Faraday.

Seja:
●● c a capacitância por unidade de comprimento em F/m;
●● ℓ a indutância por unidade de comprimento em H/m;
●● r a resistência por unidade de comprimento Ω/m;
●● g a condutância por unidade de comprimento Ω-1/m.
O comprimento do elemento deve ser pequeno, pois é preciso supor-se ora a
corrente, ora a tensão constante ao longo dele.
Aplicando-se a Lei da Indução de Faraday ao caminho pontilhado da Figura
1.6, tem-se:

(1.4)

Sejam 𝑣 (x, t) a tensão entre A e D e 𝑣 (x, t) + dx a tensão entre B e C. A


integral de linha do campo elétrico ao longo da superfície do condutor é igual à queda
resistiva (na verdade, se o condutor real acima do solo tem uma resistência r em Ω/m,
quando for substituído pelo condutor imagem, os dois condutores – real e imagem –
terão de passar a exibir uma resistência r/2, a fim de se manterem as mesmas perdas
ôhmicas) e, portanto, a Equação 1.4 pode ser assim escrita:

(1.5)

(1.6)

sendo a queda de tensão positiva e, a elevação, negativa.


O fluxo magnético que corta a área ABCD é proporcional à corrente:

φ = ℓ . dx . i (1.7)

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Essa equação é aproximada, pois o cálculo do campo magnético é feito supondo-
se uma corrente constante ao longo do comprimento dx da linha. Essa aproximação
só é válida se a distância entre os dois condutores da linha – ou entre o condutor
e a terra, em uma linha monofásica – for pequena em relação ao comprimento da
onda viajante. Nesse caso, somente correntes percorrendo as partes do condutor
mais próximas contribuem para a criação desse campo vetorial no ponto sob exame.
Considerando-se, portanto, as Equações 1.5, 1.6 e 1.7, pode-se escrever:

(1.8)

Essa equação tem um significado muito claro: a variação da tensão ao longo da


linha deve-se à queda de tensão em sua resistência e em sua indutância.
Para se examinar a variação da corrente ao longo da linha, considere-se a Figura
1.7. A equação de continuidade, que expressa a conservação da carga, para o volume
limitado pela linha pontilhada da Figura, deve ser agora utilizada. A corrente que entra
pela esquerda é i(x, t) enquanto a que sai pela direita é i(x, t) + dx. Parte da diferença

entre essas duas correntes deve-se à corrente que sai pelo lado do cilindro em direção
ao outro condutor. Essa corrente é proporcional à tensão e é igual a 𝑣 (x, t) . g. dx.

Figura 1.7: Equação de continuidade da corrente.

A outra parte da diferença deve-se às cargas que se acumularão ou desaparecerão


da seção dx do condutor. A taxa de variação da carga em dx é

(1.9)

A equação de continuidade fornece, então,

(1.10)

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Sistemas elétricos em alta tensão

Portanto,

(1.11)

Essa equação significa que a variação espacial da corrente ao longo da linha deve-se
à fuga de cargas para o outro condutor, e também ao seu acúmulo na superfície deste.
Escrevendo as duas equações obtidas para a tensão e corrente, tem-se:

(1.12)

(1.13)

Essas são as equações que governam o fenômeno de propagação de ondas


eletromagnéticas nas linhas monofásicas. Resolvendo-as, determina-se a variação
da tensão e corrente tanto no tempo quanto ao longo da linha.

1.3.2 Uso da transformada de laplace


A transformada de Laplace é uma ferramenta matemática muito útil na solução
de equações diferenciais. Normalmente, ela é usada no caso de equações diferenciais
ordinárias, mas nada impede seu uso no caso das Equações 1.12 e 1.13, que são
diferenciais parciais. Para isso, faz-se

(1.14)

(1.15)

em que a letra maiúscula indica as Transformadas das funções (em minúsculas).


As derivadas parciais em x foram substituídas por derivadas totais, pois
nessas equações s é apenas um parâmetro. As relações dadas são igualmente
válidas para a corrente.
Para condições iniciais nulas, tanto para a tensão quanto para a corrente, pode-
se escrever

(1.16)

(1.17)

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Derivando-se a Equação 1.16 em relação a x e substituindo-se a derivada da
corrente em relação a x pela Equação 1.17 e fazendo-se o mesmo para a equação da
corrente, substituindo a derivada da tensão, tem-se:

(1.18)

(1.19)

A solução de quaisquer dessas equações é, agora, trivial. No entanto, mesmo


obedecendo a equações diferenciais parciais idênticas, a tensão e a corrente estão
relacionadas pelas Equações 1.16 e 1.17, que são as relações físicas fundamentais. Assim,
se γ = e resolvendo a equação da tensão (com base na teoria das
equações diferenciais, sabe-se que a equação d2y/dx2 = γ2y tem como soluções eγx e
e-γx. A solução geral se constitui na combinação linear dessas exponenciais. Tem-se:

V(x, s) = A(s) e -γx + B(s) eγx (1.20)

Com a solução da tensão, usa-se a Equação 1.16 para o cálculo da corrente,


obtendo-se

(1.21)

em que Zc(s) = .

As constantes A(s) e B(s), na verdade, constantes em relação a x, são determinadas


a partir das condições de contorno no início e no final da linha. As funções γ(s) e Zc(s)
são chamadas, respectivamente, de constante de propagação e de impedância
característica da linha. Note-se que ambas são funções da variável s, que é complexa.
Em alguns casos particulares de linhas, Zc(s) transforma-se em uma constante
real pura – casos de linhas sem distorção e sem perdas.
No caso de uma linha sem perdas r = g = 0 e, portanto, γ = s e Zc = ,
pode-se escrever

(1.22)

(1.23)

em que v = 1/ .
Para a definição de uma linha sem distorção, é necessário fazer primeiro:

(1.24)

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Sistemas elétricos em alta tensão

(1.25)

em que
δ= é o fator de atenuação;

σ= é o fator de distorção.

Uma linha sem distorção é definida como sendo aquela em que σ = 0. Assim.

(independentemente de s). Deste ponto em diante, para

simplificar, a notação Zc, sem o (s), será usada para representar indistintamente a
impedância característica de uma linha com ou sem distorção ou perdas. Quando o
contexto deixar alguma dúvida, explicitar-se-á a dependência com a frequência.
As Equações 1.20 e 1.21 se transformarão em

(1.26)

(1.27)

Comparando-se essa solução com as Equações 1.22 e 1.23, pode-se compreender


a razão pela qual δ é chamado fator de atenuação.

1.4 Linha semi-infinita: O conceito de onda viajante


Teoricamente, uma linha semi-infinita é definida como uma linha que tem uma
das extremidades acessível – normalmente chamada de início da linha – e a outra
inacessível, por encontrar-se no infinito. Dito de outra forma, uma linha semi-infinita
é aquela em que, de uma das suas extremidades, àquela localizada no infinito não
chega nenhum sinal.
Apesar de parecer uma definição arbitrária, ela tem aplicações práticas em
problemas em que o tempo de trânsito do fenômeno eletromagnético é muito maior
que o tempo de interesse para um estudo particular. Nesses casos, o tempo de
interesse exaure-se antes que chegue algum sinal da outra extremidade da linha. Isso
é equivalente a considerar a outra extremidade no infinito.
Considere-se, então, uma linha semi-infinita sem perdas, inicialmente desenergizada,
em que se aplica um degrau de tensão no tempo zero, como mostrado na Figura 1.8.
A solução das Equações 1.22 e 1.23 – para a tensão e corrente em qualquer ponto da
linha e em qualquer instante de tempo – é obtida levando-se em conta as condições de
contorno e iniciais do problema. Isto é, essas condições são usadas para a determinação
das constantes de integração.

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Figura 1.8: Energização de uma linha semi-infinita.

Considere-se a equação da tensão

(1.28)

As constantes A(s) e B(s) – constantes apenas em relação à variável espacial –


são determinadas a partir das seguintes considerações:
●● Condições de contorno: pela definição de linha semi-infinita, nada volta da
extremidade à direita da linha (conforme Figura 1.8). Como inicialmente a linha estava
desenergizada, corrente e tensão nulas em todos os pontos dela, então, B(s) = 0. Na
outra extremidade (x = 0), v(0, t) = u(t);
●● Condição inicial: o degrau unitário (u(t) = 1, para t > 0, e u(t) = 0, para t ≤
0) tem uma descontinuidade que ocorre em t = 0. Como a transformada inversa de
Laplace do degrau unitário é 1/s, pode-se escrever V(0, s) = 1/s. Assim, colocando-se
x = 0 na Equação 1.28 e igualando-se o resultado a 1/s, tem-se:

(1.29)

Portanto, a solução geral para a linha semi-infinita sem perdas é

(1.30)

O significado físico dessa equação fica claro quando a análise é feita no domínio
do tempo, utilizando-se o teorema da translação da transformada de Laplace (se f(t)
. u(t) tem uma transformada de Laplace F(s), então, a transformada de Laplace de f
(t – T) . u (t – T) é e -sT. F(s)).

(1.31)

Isto é,

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Sistemas elétricos em alta tensão

v(x, t) = u (t – x/v) (1.32)

Com base na definição da função degrau u(t), sabe-se que v(x, t) = u(t – x/v) =
1, se (t – x/v) > 0 e u (t -x/v) = 0 para os outros pontos. Quando se fotografa a tensão
em todos os pontos da linha em um determinado instante de tempo t = T, o resultado
está mostrado na Figura 1.9, item a. Fotografias tiradas subsequentemente, com o
passar do tempo, ou seja, com o aumento contínuo de T, vão mostrar um valor unitário
constante de tensão propagando-se ao longo da linha.

Figura 1.9: Propagação de onda de tensão em linha semi-infinita.

Considerem-se duas fotografias tiradas em dois instantes T1 < T2. Podem-se ver
nelas dois pontos X1 = v T1 e X 2 = v T2 sendo energizadas pela tensão. A velocidade

de propagação da tensão pode ser calculada como = v. Portanto, o parâmetro

v = 1/ é, na verdade, a velocidade com que o distúrbio de tensão se propaga ao


longo da linha.
Se um voltímetro for instalado em um determinado ponto da linha (X) e o tempo
for cronometrado a partir do instante em que a chave da Figura 1.8 for fechada, tem-se
que fazer as seguintes observações:
v(X, t) = u(t – X/v) = 1, se t > X/v;
v(X, t) = 0, se t ≤ X/v.
Dito de outra forma, só há medição no voltímetro instalado em x = X para tempos
maiores que X/v, quando, então, esse voltímetro marcará o valor unitário constante.
A Figura 1.9 - item b) mostra essa situação.
A onda de tensão v(x, t) é acompanhada, em sua propagação, por uma onda de
corrente i(x,t), que pode ser obtida pelas Equações 1.22 e 1.23, considerando-se B(s)
= 0 e transformando-se I(x,s) para o domínio do tempo:

(1.33)

Essa equação mostra claramente a razão de Zc ser denominada impedância


característica da linha – relação entre tensão e corrente (o nome impedância é indevido,
pois, para as linhas sem perdas, ela é um número. Uma impedância real é uma
resistência, o que não procede para o caso da impedância característica).

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1.4.1 Linhas finitas: reflexões em descontinuidades
Para linhas monofásicas sem perdas com as duas extremidades acessíveis –
linhas finitas – vale a solução geral, em qualquer ponto da linha:

(1.34)

(1.35)

Soluções do tipo de Vp(x, s) e Ip(x, s) são ondas propagando-se na direção do


crescimento de x – ondas progressivas. Pode-se mostrar, da mesma forma, que Vr(x,
s) e Ir(x, s) são ondas que se propagam na direção negativa de x, ondas regressivas.
O sinal negativo da equação da corrente pode ser assim interpretado: a corrente
tem a direção associada com a magnitude. Uma corrente na direção positiva é aquela que
produz uma deflexão positiva no amperímetro mostrado na Figura 1.10. Analogamente,
se uma onda de corrente, movendo-se na direção x, passar pelo amperímetro, ela
entrará pelo sinal negativo e, consequentemente, produzirá uma deflexão negativa.
Outra característica importante das ondas de tensão e corrente nas linhas é que elas
respeitam o princípio da superposição. Assim, duas ondas viajando em sentido contrário
somam-se no ponto de encontro e depois continuam suas propagações independentes.

Figura 1.10: Interpretação dos sinais da equação de onda de corrente.

1.4.1.1 Comportamento das ondas em descontinuidades


As descontinuidades em linhas são definidas como mudanças súbitas da relação
entre tensão e corrente em algum ponto. Terminais abertos, curto-circuitos, junções
de linhas diferentes são exemplos de tais descontinuidades. As ondas viajantes têm
um comportamento singular quando encontram descontinuidades em seus caminhos.
Considere-se a Figura 1.10, que mostra uma onda progressiva de tensão Vp(x,
s), também chamada de tensão incidente à descontinuidade, acompanhada por uma
onda progressiva Ip(x, s), incidindo em uma descontinuidade localizada em x = 0 e
representada por uma impedância concentrada Z(s).

26
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.11: Descontinuidade: impedância concentrada Z(s).

Em x = 0, a razão entre a tensão e a corrente é

(1.36)

Essa condição não pode ser satisfeita nem por um par (tensão/corrente) de ondas
progressivas, cuja relação é Zc, nem por um par de ondas regressivas, cuja relação
é Zc. Ambos os pares de ondas devem existir, obrigatoriamente, na descontinuidade,
a despeito de, inicialmente, só existir o par de ondas progressivas. É comum dizer-se
que a descontinuidade gera o outro par regressivo, porém, na verdade, o que gera o
par de ondas regressivo é a condição de contorno do problema na descontinuidade,
que deve ser obedecida pela equação da linha.
No início, tem-se

e (1.37)

Na descontinuidade, o par de ondas regressivas gerado é descrito por:

e (1.38)

O valor dessas grandezas, no ponto de descontinuidade (x = 0), é:

Vp(0, s) = A1 (s) Vr(0, s) = A 2 (s) (1.39)

Usando-se a propriedade da superposição, a tensão V0(s) e a corrente I0(s) na


descontinuidade são

V0(s) = Vp(0, s) + Vr(0, s) = A1(s) + A 2(s) (1.40)

27
e

(1.41)

Além disso, V0(s) = Z(s) . I0(s). Daí, deduz-se que

(1.42)

(1.43)

ou seja,

(1.44)

Ir(x, s) = - = - G (s) . (1.45)

Os coeficientes G(s) e H(s) são chamados, respectivamente, de coeficientes


de reflexão e de refração da tensão. Analogamente, os coeficientes G(s) e K(s) são
chamados, respectivamente, de coeficientes de reflexão e da refração da corrente.
Neste quadro, indicam-se mais claramente esses coeficientes:

Coeficiente de reflexão Coeficiente de refração

Tensão

Corrente

1.4.1.2 Terminação resistiva


A análise da terminação resistiva de uma linha de transmissão mostra um
fenômeno que só ocorre em circuitos de parâmetros distribuídos e tem um papel
importante no entendimento dos transitórios eletromagnéticos em geral. O quadro
pode ser modificado para o caso em pauta, ou seja, Z(s) = R:

28
Sistemas elétricos em alta tensão

Coeficiente de reflexão Coeficiente de refração

Tensão

Corrente

Note-se que, para o caso de linhas sem perdas, Zc é um número real, o que
implica fatores de reflexão e refração reais. Não há, portanto, deformação da onda
incidente quando ela se reflete e se refrata nessa terminação.
Dois casos extremos são os da terminação aberta (R → ∞) e do curto-circuito (R = 0).
No caso do circuito aberto, por manipulações algébricas simples, chega-se a este quadro:

Coeficiente de reflexão Coeficiente de refração


Tensão 1 2
Corrente -1 0

O fator de reflexão da tensão é 1, o que significa Vr(0, s) = Vp(0, s). Coerentemente,


o fator de refração é 2, pois V0(s) = Vp(0, s) + Vr(0,s) = 2 Vp(0,s), ou seja, a tensão na
terminação em aberto é o dobro da tensão incidente na descontinuidade.
Para o caso de uma linha terminada em curto-circuito, vale este quadro:

Coeficiente de reflexão Coeficiente de refração


Tensão -1 0
Corrente 1 2

Análise análoga àquela apresentada para o circuito aberto pode ser feita.
Nesses dois casos extremos, ou a tensão ou a corrente refratada dobra após a
incidência. Esse fenômeno não ocorre em circuitos com parâmetros concentrados. É
possível entendê-lo a partir de considerações sobre a energia eletromagnética que
se propaga na linha.
Já foi dito que as tensões e corrente na linha estão ligadas a campos eletromagnéticos
em torno de seus condutores (Figura 1.4). A energia divide-se, igualmente, entre energia

magnética ( ) e elétrica ( ), quando de sua propagação.

Quando a onda alcança uma descontinuidade, parte dessa energia é absorvida


e parte é refletida, conservando-se a energia total. No caso de um curto-circuito, a
energia elétrica que desapareceria no momento da incidência [V0(s) = 0], na verdade,
transforma-se totalmente em energia magnética. Para facilitar a análise, considere-se
que I1 é a corrente incidente no curto, I2 é a corrente refletida e I3 é a corrente refratada.
A energia eletromagnética total que viaja em direção ao curto é

(1.46)

29
A energia total, após a incidência, só será magnética e pode ser dada por

(1.47)

Essas duas energias têm que ser iguais,

(1.48)

Como, por definição, a corrente refratada é a soma da corrente incidente à


refletida (I3 = I1 + I2), então I3 = 2 I1.
Para o caso do circuito aberto, chega-se à conclusão de que V3 = 2 V1.
A Figura 1.12 mostra os efeitos que sofre a onda de tensão após trafegar em
uma linha de transmissão em direção a diversas terminações – como circuito aberto,
resistor com a mesma impedância de surto da linha, curto-circuito e centelhador ideal.

Figura 1.12: Efeito da carga resistiva nos terminais da linha, na forma de onda da tensão.

A Figura 1.12 - item a) mostra a linha com terminal em aberto (R → ∞), em que
o coeficiente de reflexão da tensão é igual a 1. A tensão no terminal aberto é o dobro
da tensão incidente.

30
Sistemas elétricos em alta tensão

A Figura 1.12 - item b) mostra a linha conectada a uma resistência igual à sua
impedância de surto (R = Z); o coeficiente de reflexão da tensão e corrente são nulos,
não havendo reflexão. A tensão na carga é a própria onda incidente no terminal.
A Figura 1.12 - item c) mostra a terminação em curto-circuito (R = 0), em que a
onda de tensão refletida é igual e tem sinal contrário ao da onda incidente.
A Figura 1.12 - item d) mostra a terminação em um centelhador, que se comporta
como um circuito aberto até atingir a tensão de ruptura. Em seguida, comporta-se
como um curto-circuito.

1.4.1.3 Terminação indutiva


A terminação indutiva, assim como a capacitiva, introduz deformações nas
ondas refletidas e refratadas, pois, agora, os fatores de reflexão e de refração são
dependentes da frequência, como se mostra neste quadro:

Coeficiente de reflexão Coeficiente de refração

Tensão

Corrente

A Figura 1.13 mostra um degrau unitário incidindo – em t = 0 – em uma terminação


indutiva – que se encontra em x = 0. As ondas refletidas são:

(1.49)

(1.50)

Figura 1.13: Linha semi-infinita: terminação indutiva.

31
A tensão refletida pode ser colocada na forma

(1.51)

A mesma tensão, no domínio do tempo, fica, então

(1.52)

Essa expressão está plotada na Figura 1.14 - item a).

Figura 1.14: Terminação indutiva.

Muitas vezes, é importante conhecer a tensão sobre a indutância (tensão refratada).


Esse é o caso de incidência de descargas sobre transformadores, em que há alta
probabilidade de danos. Para isso, basta fazer

(1.53)

ou seja,

(1.54)

Essa expressão mostra que o indutor se apresenta, inicialmente, como um


circuito aberto (por isso, cuidados especiais devem ser tomados na energização de
circuitos a vazio ou indutivos por intermédio de linhas de transmissão, para se evitar as
sobretensões) [v0(0) = 2 u(t)] e, com o passar do tempo (t → ∞), como um curto-circuito
[v0(t → ∞) = 0]. A Figura 1.14 - item b) mostra o gráfico da tensão sobre o indutor.

32
Sistemas elétricos em alta tensão

1.4.1.4 Terminação capacitiva


O comportamento de ondas incidentes em um capacitor pode ser analisado de
forma análoga ao do indutor. Nesse caso, os coeficientes são dados neste quadro:

Coeficiente de reflexão Coeficiente de refração

Tensão

Corrente

Porque a tensão incidente é um degrau unitário, a tensão refletida é expressa como

(1.55)

ou no domínio do tempo,

(1.56)

Análise semelhante à anterior leva aos gráficos da Figura 1.15. Vê-se que o
capacitor se comporta como um curto-circuito inicialmente e depois, como um circuito
aberto (diferentemente do caso do indutor, a energização de cargas capacitivas por meio
de linhas de transmissão causa correntes elevadas na terminação – também chamadas
de correntes inrush de banco de capacitores, essa corrente dobra inicialmente, e
depois, tende a zero exponencialmente).

Figura 1.15: Terminação capacitiva.

33
Das análises anteriores, pode-se ver que, nas terminações capacitivas e indutivas,
a impedância característica (Zc) se comporta como um resistor na composição da
constante de tempo dos fenômenos. Mais uma vez, essa grandeza surpreende mediante
comportamentos inesperados.

1.5 Diagrama de reflexões


O método de cálculo manual de transitórios eletromagnéticos chamado diagrama
de reflexões foi concebido, na década de 1930, por Bewley e ganhou larga aceitação
antes do advento dos computadores. Mesmo depois, esse método foi adaptado ao
cálculo digital, produzindo um programa de amplo uso na década de 1960.
O diagrama de reflexões permite o cálculo de transitórios com linhas finitas
e várias terminações. Atualmente, há ainda alguns poucos programas que utilizam
o diagrama de reflexões. Ele pode, entretanto, ser usado com muito êxito como
ferramenta didático-pedagógica que, por meio de alguns exemplos simples, mas
ilustrativos, auxilia a fixar os principais conceitos envolvidos no cálculo de transitórios.
Ele pode ainda ser usado como método de ataque a problemas mais complexos,
como primeira aproximação. Serve também para análises rápidas onde e quando
não existe outra ferramenta disponível.

1.5.1 O método
O método do diagrama de reflexões é uma simplificação bidimensional de um
problema tridimensional. A representação de uma onda, por exemplo, de tensão,
propagando-se em uma linha, demanda três eixos: o eixo das amplitudes, o eixo dos
tempos (t) e o eixo das distâncias (x). O eixo das amplitudes contém a informação
sobre a forma da onda propagante. Esse eixo é posteriormente omitido armazenando-
se sua informação de outra forma. Esse é, na verdade, o princípio da simplificação
mencionada acima.
Um exemplo simples ilustra o procedimento. A Figura 1.16 mostra uma linha
monofásica de impedância característica Zc, tempo de trânsito τ terminada por um
resistor R e energizada em t = 0, por uma fonte de tensão contínua de amplitude V.
(o tempo de trânsito é o tempo gasto pela onda para propagar-se entre a fonte e a
terminação R, ou seja, ele é igual ao comprimento da linha dividido pela velocidade
de propagação). Os eixos x e t e as linhas retas inclinadas que representam a onda
se propagando de uma extremidade a outra da linha são traçados. Cada segmento
de reta inclinado representa uma onda progressiva ou regressiva, dependendo de
sua direção de propagação. Sua inclinação é numericamente igual à velocidade de
propagação. A informação perdida com a omissão do eixo das amplitudes é restituída,
se, ao lado de cada segmento, for anotada a forma de onda – progressiva ou regressiva.

34
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.16: Diagrama de reflexões simples.

Note-se que o diagrama bidimensional ainda contém, em sua parte superior, em


ambas as extremidades, os respectivos fatores de reflexão de tensão. Assim, entre
zero e τ segundos, o degrau V propaga-se ao longo da linha (onda progressiva). Ele
é refletido no final da linha e gera uma onda refletida (regressiva) a . V, que, por sua
vez, é refletida no início da linha, gerando uma onda progressiva (-1) . a. V, e assim por
diante (o método do diagrama de reflexões acompanha somente as ondas refletidas,
a partir da onda original V. Como a onda refratada pode ser obtida com a soma da
onda incidente e a onda refletida, ela também pode ser avaliada).
O diagrama assim construído contém toda a história de propagação do degrau
de amplitude V ao longo da linha, a partir do tempo zero. Pode-se agora, extrair o
perfil completo da tensão, tanto no tempo quanto no espaço.
A obtenção da variação de tensão em um determinado ponto é feita por intermédio
de uma linha vertical que passa por esse ponto. Somam-se todas as tensões que
incidirem nessa linha nos respectivos tempos de incidência. Por exemplo, se o ponto
for o meio da linha, a Figura 1.17 mostra o diagrama de reflexões, incluindo-se a reta
vertical e os pontos de interseção. Entre 0 e τ/2 segundos, não há tensão no meio
da linha. Exatamente em τ/2, chega uma onda de valor V, em forma de degrau. Essa
situação não se modifica até 1,5 τ segundos, quando, então, chega outra onda ao ponto
central da linha com o valor a . V, também em forma de degrau, que será adicionada
à anterior. Seguindo-se essa computação, pode-se construir o gráfico da Figura 1.18,
para o caso particular de um curto-circuito no final da linha (R = 0 ⇒ a = -1)

35
Figura 1.17: Diagrama de reflexões para o cálculo da tensão no ponto central da linha.

Figura 1.18: Gráfico da tensão no ponto central da linha para R = 0 ⇒ a = -1.

1.5.1.1 Exemplo de cálculo 1.1


Considere-se uma linha com uma extremidade aberta e alimentada por uma
tensão em forma de degrau unitário. A Figura 1.19 mostra a linha e o diagrama de
reflexões para a tensão na linha. Pode-se montar esta tabela:

36
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.19: Linha aberta alimentada por degrau unitário.

Tempo (τ) Tensão (V)


0 0
1 1+1=2
2 2
3 2–1–1=0
4 0
5 1+1=2
6 2
⋮ ⋮
Tabela 1.2: O desenvolvimento temporal da tensão no final da linha da Figura 1.19.

Tem-se, então, o gráfico da tensão x tempo mostrado na Figura 1.20.

Figura 1.20: Gráfico da tensão no final da linha aberta da Figura 1.19.

37
Pode-se, igualmente, calcular a corrente em qualquer ponto, bastando, para isso,
que se faça o diagrama de reflexões para a corrente, como o mostrado na Figura 1.21.
Note-se que os coeficientes de reflexão da corrente são diferentes dos da tensão.

Figura 1.21: Gráfico da tensão no final da linha aberta da Figura 1.19.

1.5.2 Resistor de pré-inserção


No Exemplo 1.1, a energização de uma linha em aberto provoca transitórios no
final dela de amplitude de 2 pu. Para evitar-se essa sobretensão, usam-se algumas
vezes os chamados resistores de pré-inserção. A linha é então energizada por meio
desses resistores, colocados em contatos auxiliares do disjuntor, de forma a atenuar
as sobretensões máximas na energização. Depois de certo tempo, os resistores são
retirados do circuito e a linha passa a funcionar normalmente.
O efeito de um tal resistor é mostrado calculando-se, pelo diagrama de reflexões,
a tensão no final da linha da Figura 1.22. Note-se a presença do resistor próximo à
chave. Sabe-se que o valor ótimo do resistor – que promove a mínima sobretensão – se
localiza próximo à impedância característica da linha a ser energizada. Dois cálculos
são feitos: o primeiro com o valor de Zc/10; e o outro com o valor de Zc. Em ambos os
casos, calcula-se a tensão no final da linha.

Figura 1.22: Resistor de pré-inserção: diagrama do circuito.

38
Sistemas elétricos em alta tensão

A diferença do cálculo em relação aos anteriores é que, nesse caso, a tensão que
começa a se propagar na linha precisa ser calculada. Em t = 0, a fonte que alimenta
a linha enxerga o resistor de pré-inserção em série com a impedância característica
da linha. Assim, há uma divisão de tensão, sendo que a que começa a propagar-se é

(1.57)

Agora, o cálculo pode ser feito como anteriormente. É o que mostram as Figuras
1.23 e 1.24. O resistor de pré-inserção permanece por alguns milissegundos conectado.
Depois do tempo de inserção (t1), o contato principal do disjuntor se fecha e o resistor
é desconectado. Tanto a conexão quanto a desconexão do resistor geram transitórios.
Os transitórios mostrados se referem apenas à inserção (em t = 0) do resistor e não
ao desligamento do mesmo (em t = t1).

Figura 1.23: Resistor de pré-inserção: cálculo da tensão no final da linha para R = Zc/10.

Figura 1.24: Resistor de pré-inserção: cálculo da tensão no final da linha para R = Zc.

39
O resistor de pré-inserção diminui a tensão no final da linha mediante a absorção
da energia da sobretensão. No caso em que R = Zc, não há sobretensão alguma no
final da linha, sendo essa a situação ideal.

1.5.3 Linha com cargas residuais


Se uma linha é desligada quando ainda submetida a diferenças de potencial,
seus condutores mantém certa quantidade de carga elétrica que, dependendo da
configuração do circuito após o desligamento, escoam muito lentamente para a terra.
Se acontece um religamento automático da linha antes do escoamento completo
das cargas, há o aparecimento de sobretensões severas. Quando as linhas são
desligadas para manutenção, elas são normalmente curto-circuitadas por meio de
chaves seccionadoras de aterramento, por razões de segurança pessoal.
O transitório causado pelo aterramento de uma das extremidades de uma linha
com cargas residuais será analisado agora. Todos os pontos da linha estão a uma
mesma elevação de potencial (E) em relação a terra. Esse problema envolve condições
iniciais não-nulas. Pretende-se calcular a tensão que aparece na extremidade oposta
à chave de aterramento, o que é mostrado na Figura 1.25

Figura 1.25: Escoamento de cargas residuais.

A primeira parte do problema consiste no cálculo da tensão antes da operação


da chave de aterramento. É suposto, então, que todos os pontos da linha estão a um
potencial E acima da terra. Assim, nenhum cálculo especial é necessário.
A segunda parte referente à ação da fonte de cancelamento demanda o cálculo do
transitório envolvido, que, depois, é somado ao cálculo da primeira parte do problema.
O diagrama de reflexões e a variação temporal da tensão são mostrados na Figura
1.26. O resultado final é obtido, como mostrado na Figura 1.27, somando-se a essa
tensão o valor E, calculado na primeira parte do problema.

40
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.26: Escoamento de cargas residuais: diagrama de reflexões. Tensão no terminal em aberto.

Figura 1.27: Escoamento de cargas residuais – resultado final.

1.5.3.1 Condições iniciais não-nulas


Problemas com condições iniciais não-nulas são muito comuns em cálculo de
transitórios em sistemas de energia elétrica. Eles acontecem sempre que o transitório
ocorre em um circuito em funcionamento prévio no regime permanente. Chaveamentos
de linhas são um exemplo clássico dessa situação.
Uma maneira simples de considerar as condições iniciais quando se está tratando
de sistemas lineares consiste em usar o princípio da superposição. Basta, para tanto,
que se transformem a abertura e o fechamento de chaves em fontes equivalentes,
chamadas fontes de cancelamento.

41
A abertura de uma chave entre dois nós é simulada pela inclusão de uma fonte de
corrente que anula a corrente que flui entre os dois nós, após o momento de abertura
dela. O cálculo total, então, é feito para os dois momentos, antes e depois da inclusão
da fonte, separadamente e, depois, somados temporalmente, como mostrado na Figura
1.28. Note-se que, quando se consideram as fontes de cancelamento, as fontes reais do
sistema devem ser mortas, isto é, os ramos das fontes de tensão devem ser substituídos
por curtos-circuitos e os das fontes de corrente, por circuitos abertos.

Figura 1.28: Fontes de cancelamento para consideração de condições iniciais em problemas de cálculo
de transitórios.

A Figura 1.28 também mostra a inclusão de uma fonte de cancelamento de


tensão para a simulação do fechamento de uma chave. Nesse caso, a situação é
análoga à anterior.

1.5.4 Distância de proteção de para-raios


Um dos dispositivos de proteção contra descargas atmosféricas mais utilizado é
o para-raios. O para-raios ideal é aquele em que, quando a tensão em seus terminais
ultrapassa determinado valor, chamado nível de proteção, sua impedância se anula
momentaneamente a fim de descarregar a energia da sobretensão. Quando a tensão
volta ao normal, sua impedância recupera o valor de regime permanente, que é infinito.
Um para-raios real funciona bem próximo do ideal.
Vai-se analisar a atuação de um para-raios ideal na proteção de um transformador
em uma determinada subestação. Para isso, considere-se o arranjo mostrado na
Figura 1.29, em que se vê um disjuntor, um para-raios e um transformador, modelado
por um circuito aberto. Vê-se, ainda, uma onda viajante, causada por uma descarga
atmosférica na linha que alimenta a subestação, aproximando-se do arranjo.

42
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.29: Arranjo de proteção de um transformador.

O objetivo é analisar a tensão sobre o transformador, quando a subestação é


atingida pela sobretensão que faz o para-raios ideal atuar. Suponha-se que o nível de
proteção (Nível de proteção de um para-raios é a maior tensão que ele suporta sem
atuar. Qualquer tensão maior que seu nível de proteção fará com que o para-raios atue
e proteja o equipamento a ele ligado) oferecido pelo para-raios é V0 e que a forma da
onda incidente na subestação (Vi) é a mostrada na Figura 1.30. (Nota-se que essa
forma de onda é altamente idealizada, pois a descarga atmosférica é um fenômeno
estatístico, que apresenta as mais diversas formas de onda a valores de pico. Assim,
é bastante improvável que uma onda tenha um valor de pico que esteja relacionado
ao nível de proteção de um para-raios, como nesse caso). Suponha-se, ainda, que o
tempo de propagação entre o para-raios e o transformador é de 1 µs.

Figura 1.30: Onda incidente na subestação.

O conceito de fonte de cancelamento é novamente utilizado. A atuação do para-


raios ideal pode ser resumida da seguinte forma: antes da atuação, como um circuito
aberto e, depois dela, como uma fonte ideal de tensão de V0 Volts (Figura 1.31).

43
Figura 1.31: Modelagem do para-raios.

A tensão no transformador é calculada em duas etapas. Primeiro, supondo-se


a não atuação do para-raios, calcula-se a tensão nos terminais deste. Enquanto essa
tensão é superior a V0, determinada desconsiderando a existência do para-raios, o
para-raios a mantém nesse valor. Na primeira parte do cálculo, determina-se o instante
de tempo t0 em que a tensão atinge V0. Na segunda parte, insere-se no ponto de
localização do para-raios uma fonte de tensão de cancelamento (vc) que, somada à
tensão calculada sem o para-raios, resulta em uma tensão V0, enquanto o para-raios
estiver atuando. É o que mostra a Figura 1.32.

Figura 1.32: Fonte de tensão de cancelamento.

44
Sistemas elétricos em alta tensão

Calculando-se agora o transitório devido à vc e somando-o com a tensão


sem o para-raios, tem-se a tensão sobre o transformador, como mostrado na
Figura 1.33. Note-se que a tensão sobre o transformador (Vp) pode ser bastante
diferente do nível de proteção do para-raios (V0). Essa diferença não depende só
da inclinação da tensão incidente, que não pode ser controlada, pois se trata de
um fenômeno natural e estatístico, mas também da distância, menor o grau de
proteção proporcionado ao transformador.

Figura 1.33: Distância de proteção do para-raios: Vp = V0 + 2 K .

1.6 Solução periódica das equações de onda


O fenômeno de propagação de ondas eletromagnéticas em linhas monofásicas é
governado pelas Equações 1.12 e 1.13. Foi visto que é possível solucionar essas equações
usando-se a transformada de Laplace. A solução obtida é geral para qualquer forma de onda.
Há, no entanto, uma solução particular muito importante. Trata-se da solução
periódica no tempo e no espaço, que pode ser escrita, para as tensões como:

v (x, t) = V(ω) e jωt ± γ x (1.58)

ω é tratado como parâmetro. A solução v(x, t) é válida para qualquer valor de ω e V (ω).
Essa tensão (na verdade, há, também, uma solução análoga para a corrente) é
a solução das Equações 1.12 e 1.13 desde que

(1.59)

As grandezas γ, r, ℓ, g e c já foram definidas.


Se

45
γ = ± (α + j β) e (1.60)

Tem-se

(1.61)

(1.62)

Essas duas soluções correspondem às ondas progressivas e


regressivas, de velocidade de propagação v. A presença do
fator eωt garante a periodicidade temporal da solução. Para
a periodicidade espacial, basta que dois pontos distanciados
entre si de ∧ correspondam ao mesmo ponto da onda (1.63)
espacial, em um determinado instante de tempo. Assim,

sendo:
γ - fator de propagação;
∧ - comprimento da onda;
α - fator de atenuação;
β - fator de fase. Ele determina a periodicidade espacial da onda quando sua
velocidade de propagação 𝑣 = , para cada componente periódico de frequência ω.

Então,

(1.64)

Dessa forma, as ondas periódicas no tempo e no espaço também se propagam


progressiva e regressivamente na linha, com velocidade 𝑣, se atenuam no sentido
progressivo segundo o fator α, tem período temporal de e um período espacial

de . Isso pode ser visto na Figura 1.34.

46
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.34: Onda periódica no tempo e no espaço.

A essas ondas de tensão estão associadas ondas de corrente, que podem ser
obtidas tomando v (x, t) = V(ω) e jωt ± γ x, supondo i(x, t) = I (ω) e jωt ± γ x e usando a
Equação 1.12 com

47
(1.65)

A grandeza Zc (ω) é, como antes, a impedância característica da linha. O sinal


positivo vale para as ondas progressivas e o negativo para as ondas regressivas.

1.7 Linhas reais de alta energia


As linhas de alta energia são linhas de transmissão que conduzem blocos de
energia elevada e trabalham, a maior parte do tempo, em regime periódico de tensão
e corrente. Compõem os sistemas de transmissão de um país ou região e têm como
características uma condutância muito pequena e uma resistência muito menor que
a reatância indutiva. Isso permite uma simplificação nas fórmulas da impedância
característica e do fator de propagação.
De um modo geral, a impedância característica Zc (ω) e o fator de propagação
γ (ω) podem ser colocados nas seguintes formas:

e (1.66)

Para as linhas reais de transmissão de alta energia, g → 0 (este parâmetro diz


respeito à corrente de dispersão entre as fases e a terra, que ocorre, principalmente,
nas cadeias de isoladores. O efeito corona também contribui para o aumento de g) e
r << ω ℓ. Com isso, pode-se simplificar as fórmulas de Zc (ω) e de γ (ω) para

(1.67)

(1.68)

Como

(1.69)

consideram-se somente os dois primeiros termos da expansão, o que fornece

(1.70)

48
Sistemas elétricos em alta tensão

(1.71)

Assim,

(1.72)

(1.73)

Nem sempre é possível a utilização de fórmulas tão simplificadas para a impedância


característica e a constante de propagação, como é o caso de linhas de alta energia.
No caso geral, quando a linha está trabalhando em regime permanente, um circuito
simplificado ainda pode ser usado no caso de linhas eletricamente curtas.

1.7.1 Modelo 𝜋 de uma linha em regime permanente


A solução das Equações 1.12 e 1.13 pode ser escrita como (para se obter a
solução fasorial, domínio de Fourier, s é substituído por j ω):
V (x, ω) = Vk (ω) cosh (γx) – Zc (ω) Ik (ω) senh (γx) (1.74)

(1.75)

em que Vk (ω) e Ik (ω) são a tensão e a corrente na extremidade k da linha.


Essas equações sugerem um modelo de linha como o quadripolo mostrado na
Figura 1.35. Para as tensões e correntes da Figura, valem as seguintes relações:

Vx (ω) = Vk (ω) – Z [Ik (ω) – Y1 Vk (ω)] (1.76)


Ix (ω) = Ik (ω) –Y1 Vk (ω) – Y2 Vx (ω) (1.77)

Figura 1.35: Circuito equivalente fasorial de uma linha.

49
A Equação 1.76 pode ser escrita como Vx (ω) = Vk (ω) (1 + Z Y1) – Z Ik (ω).
Substituindo-se esse valor na Equação 1.77, tem-se

Ix (ω) = (1 + Z Y2) Ik (ω) – (Y1 + Y2 + Z Y1 Y2) Vk (ω) (1.78)

Comparando-se as duas últimas equações com as Equações 1.74 e 1.75, nota-se que

1 + Z Y1 = 1 + Z Y2 = cosh (γ x) (1.79)

Z = Zc (ω) senh (γ x) (1.80)

(1.81)

Essas equações são satisfeitas para

Z = Zc (ω) senh (γ x) e e (1.82)

que constituem os ramos do circuito equivalente.


A Figura 1.35 e as equações dadas constituem o que se chama de modelo π
da linha de transmissão.

1.7.2 Linha eletricamente curta


Uma linha é considerada eletricamente curta quando seu comprimento x for
pequeno em relação ao comprimento de onda considerado (∧). Para efeito de análise,
considere-se uma linha sem perdas. Então, valem as seguintes relações:

e γ (ω) = j β = j ω (1.83)

Com esses valores, tem-se:

e (1.84)

Portanto as equações (1.82) transformam-se em

Z=j sen Y1 = Y2 = j tg (1.85)

Se a linha é curta, tem-se (sendo que ∧ = 2 𝜋/β = 2 𝜋/ω )

50
Sistemas elétricos em alta tensão

(1.86)

(1.87)

Assim, em uma linha eletricamente curta, podem-se desprezar os efeitos dos


parâmetros distribuídos e supô-los concentrados em L e C (as equações aproximadas
para as linhas curtas definem o que se chama o modelo 𝜋 nominal da linha, em contraste
com as Equações 1.82, que se denominam modelo 𝜋 exato).

1.8 Linha de transmissão longa: solução das


equações diferenciais
Na solução exata de qualquer linha de transmissão e na solução com alto grau
de precisão de linhas de 60 Hz com mais de 150 milhas (241,40 km) de comprimento,
deve-se considerar que os parâmetros da linha são atribuídos uniformemente ao longo
dela e não concentrados.
A Figura 1.36 mostra a conexão de uma fase e do neutro de uma linha trifásica.
Não são mostrados parâmetros concentrados porque considerou-se a solução da linha
com admitância e impedância distribuídas uniformemente. O mesmo diagrama pode
também representar uma linha monofásica se for utilizado a admitância em série do
laço da linha monofásica no lugar da impedância por fase trifásica e se for utilizado a
admitância em derivação entre os dois condutores em lugar da admitância entre linha
e neutro da linha trifásica.

Figura 1.36: Diagrama simplificado de uma linha de transmissão, mostrando uma fase e o retorno pelo
neutro. Estão indicadas as nomenclaturas para a linha e para o elemento de comprimento.

Considera-se um elemento muito pequeno da linha e calcula-se a diferença de


tensão e a diferença de corrente entre as duas extremidades do elemento. Chamar-se-á
x a distância medida a partir da barra receptora até o pequeno elemento da linha, e

51
o comprimento do elemento será chamado de ∆x. Então, z ∆x será a impedância em
série, e y ∆x a admitância em derivação do elemento da linha. A tensão ao neutro na
extremidade do elemento do lado da carga é V, que é a expressão complexa do valor
eficaz da tensão, cujas amplitude e fase variam com a distância da linha. A tensão
na extremidade do lado do gerador é V + ∆V. A elevação de tensão neste elemento
da linha no sentido do crescimento de x é ∆V, que é a tensão na extremidade do lado
do gerador menos a tensão no lado da carga. Esta elevação de tensão é também o
produto da corrente que circula em direção oposta ao crescimento de x ela impedância
do elemento, ou I z ∆x. Então

∆V = I z ∆x (1.88)

ou

(1.89)

e quando ∆x → 0, o limite do quociente acima se torna

(1.90)

Da mesma forma, a corrente que flui para fora do elemento no lado da carga é
I. A amplitude e a fase da corrente I variam com a distância ao longo da linha, devido
à admitância em derivação distribuída pela mesma. A corrente que flui dentro do
elemento, do lado do gerador, é I + ∆I. A corrente que entra no elemento pelo lado
do gerador é maior do que a que sai pelo lado da carga de uma quantidade ∆I. Esta
diferença de corrente é a corrente V y ∆x que flui pela admitância em derivação do
elemento. Portanto,

∆I = V y ∆x (1.91)

e, através de passos semelhantes aos seguidos nas Equações 1.88 e 1.89, obtém-se

(1.92)

Derivando as Equações 1.90 e 1.92 em relação a x, obtém-se

(1.93)

(1.94)

Se os valores de dI/dx e dV/dx das Equações 1.90 e 1.92 forem substituídos nas
Equações 1.93 e 1.94, respectivamente, obtém-se

52
Sistemas elétricos em alta tensão

(1.95)

(1.96)

Agora, tem-se uma Equação 1.95, onde as únicas variáveis são V e x e outra
Equação 1.96 na qual as únicas variáveis são I e x. As soluções das Equações 1.95
e 1.96 para V e I, respectivamente, devem ser expressões de modo que, quando
derivadas duas vezes em relação a x, levem à expressão original multiplicada pela
constante y z. Por exemplo, a solução de V quando derivada duas vezes em relação
a x deve dar y z V. Isto sugere uma solução exponencial.
Supõe-se que a solução da Equação 1.95 seja

(1.97)

sendo que o termo ( x) na Equação 1.97 e em equações semelhantes é equivalente


a ε elevado à potência x, ou seja,
Tomando a segunda derivada de V em relação a x da Equação 1.97, tem-se

(1.98)

A Equação 1.97 é a solução da Equação 1.95. Quando se substitui na Equação


1.90 o valor de V dado pela Equação 1.97 obtém-se

(1.99)

As constantes A1 e A 2 podem ser calculadas usando as condições de contorno


na barra receptora da linha, ou seja, x = 0, V = VR e I = IR. Substituindo estes valores
das Equações 1.97 e 1.99, tem-se

VR = A1 + A 2 (1.100)

Substituindo Zc = e resolvendo para A1, tem-se

(1.101)

Então, substituindo os valores obtidos para A1 e A2 nas Equações 1.97 e 1.99


e fazendo γ = , obtém-se

(1.102)

53
(1.103)

onde Zc = é chamada a impedância característica da linha, e γ = é chamada


de propagação.
As Equações 1.102 e 1.103 fornecem os valores eficazes de V e I e seus ângulos
de fase em qualquer ponto sobre a linha em termos da distância x entre a barra
receptora e o ponto dado, desde que VR IR e os parâmetros da linha sejam conhecidos.

1.8.1 Linha de transmissão longa: interpretação


das equações
Tanto γ quanto Zc são grandezas complexas. A parte real da constante de
propagação γ é denominada constante de atenuação α e é medida em Nepers por
unidade de comprimento. O Neper (Np) é utilizado para expressar uma razão entre
valores de grandezas como o nível do campo, tensão, corrente ou pressão acústica.
Os logaritmos naturais são utilizados para se obter os valores numéricos das razões
expressas em nepers. A parte imaginária de γ é chamada constante de fase β e é
medida em radianos por unidade de comprimento. Então

γ=α+jβ (1.104)

e as Equações 1.102 e 1.103 se tornam

(1.105)

(1.106)

As propriedades de εαx e de εjβx ajudam a explicar a variação dos valores fasoriais


de tensão e de corrente em função da distância ao longo da linha. Com variações
de x, εαx varia em amplitude, enquanto εjβx, que é idêntico a cos βx + j sen βx, tem
amplitude constante igual a 1,0 e provoca um deslocamento de fase de β radianos
por unidade de comprimento da linha.
O primeiro termo da Equação 1.19 [(VR + IR Zc)/2] εαx εjβx cresce em amplitude e
avança em fase, à medida que cresce a distância a partir da barra receptora. Inversamente,
se for considerado o deslocamento pela linha a partir da barra transmissora, este
termo diminui em amplitude e se atrasa em fase. Esta é a característica de uma onda
viajante e é semelhante ao comportamento de uma onda na água, cuja amplitude varia
com o tempo, em qualquer ponto, enquanto sua fase é retardada e seu valor máximo
diminui com a distância à origem. A variação no valor instantâneo não é representada
no termo, mas é evidente, por serem VR e IR fasores. O primeiro termo da Equação
1.103 é chamado tensão incidente.

54
Sistemas elétricos em alta tensão

O segundo termo da Equação 1.103 [(VR + IR Zc)/2] ε-αx ε-jβx diminui em amplitude e
se atrasa em fase da barra receptora para a barra transmissora. Ele é chamado tensão
refletida. Em qualquer ponto ao longo da linha, a tensão é a soma das componentes
incidente e refletida naquele ponto.
Como a equação da corrente é semelhante à equação da tensão, ela também
pode ser considerada composta de correntes incidente e refletida.
Se uma linha for conectada à sua impedância característica Zc, a tensão na
barra receptora VR será igual a IR Zc e não haverá ondas refletidas de corrente nem
de tensão, como se pode ver trocando VR por IR Zc nas Equações 1.103 e 1.104. Uma
linha que alimenta a sua impedância característica é chamada linha plana ou linha
infinita. A segunda denominação se baseia no fato de que uma linha infinita não pode
produzir onda refletida. Normalmente, as linhas de potência são assim projetadas de
modo a eliminar a onda refletida. Um valor típico de Zc é de 400 Ω para uma linha
aérea de circuito simples e de 200 Ω para dois circuitos em paralelo. O ângulo de fase
de Zc situa-se quase sempre entre 0º e -15º. As linhas de cabos múltiplos possuem
valores de Zc mais baixos porque possuem valores menores de L e valores maiores
de C do que as linhas com um único condutor por fase.
Em sistemas de potência, a impedância característica é frequentemente chamada
impedância de surto. Este termo é, no entanto, reservado apenas para linhas sem perdas.
Se uma linha é sem perda, ela possui resistência e condutância nulas, e a impedância
característica se reduz a , que é uma resistência pura. Quando se estudam altas
frequências ou surtos devidos a descargas atmosféricas, as perdas são quase sempre
desprezadas e a impedância de surto se torna importante. O carregamento de uma linha
impedância de surto (SIL) é a potência fornecida por uma linha a uma carga resistiva
pura igual a sua impedância de surto. Nestas condições, a linha fornece uma corrente de

(1.107)

onde é a tensão de linha na carga. Como a carga é uma resistência pura

(1.108)

ou, com em kV,

(1.109)

Às vezes, pode-se representar a potência transmitida por uma linha em valores


por unidade de SIL, isto é, a razão entre a potência transmitida e o carregamento
pela impedância de surto. Por exemplo, o carregamento permitido de uma linha de
transmissão pode ser representado por uma fração de seu SIL, e o SIL fornece um
termo de comparação das capacidades de carregamento das linhas.

55
Um comprimento de onda λ é a distância entre dois pontos da linha correspondente
a um ângulo de fase de 360º ou 2 𝜋 rad. Se β for o defasamento em radianos por
quilômetro, o comprimento de onda em quilômetros será

(1.110)

A uma frequência de 60 Hz, o comprimento de onda é de aproximadamente 4.800


km (3.000 milhas). A velocidade de propagação de uma onda em quilômetros por segundo
é o produto do comprimento de onda em quilômetros pela frequência em Hz, ou

(1.111)

Se a linha estiver em vazio, IR será igual a zero, e como foi determinado pelas
Equações 1.103 e 1.104, as ondas incidente e refletida são iguais em amplitude e em
fase na barra receptora. Neste caso, as correntes incidente e refletida são iguais em
amplitude, mas defasadas de 180º na barra receptora. Então, as correntes incidente
e refletida se cancelam na barra receptora de uma linha em aberto, mas não em
qualquer outro ponto da mesma, a menos que a linha seja inteiramente sem perdas
de modo que a atenuação α seja nula.

1.9 Demonstração matemática para uma Linha


sem perdas
Uma linha sem perdas é uma boa representação para linhas de alta frequência
nas quais ωL e ωC se tornam muito grandes comparados com R e G. Para surtos de
descargas atmosféricas em uma linha de transmissão, o estudo de uma linha sem perdas
é uma simplificação que permite compreender fenômenos com teorias complicadas.
A abordagem do problema é semelhante àquela usada para a dedução das
relações de tensão e de corrente em regime permanente para uma linha longa com
parâmetros distribuídos. Agora, será medida a distância x ao longo da linha a partir
da barra transmissora (e não a partir da barra receptora) até o elemento diferencial
∆x mostrado na Figura 1.37. A tensão v e a corrente i são funções de x e de t, de
modo que deve-se usar derivadas parciais. A queda de tensão em série através do
elemento da linha é

(1.112)

e pode-se escrever

(1.113)

56
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.37: Diagrama simplificado de uma seção elementar de uma linha de transmissão, mostrando uma
fase e o retorno pelo neutro. A tensão v e a corrente i são funções de x e de t. a distância x
é medida a partir do terminal transmissor da linha.

O sinal negativo é necessário porque, para valores positivos de i e de ∂i/∂t, v +


(∂v/∂x) ∆x deve ser menor do que v. Da mesma forma

(1.114)

Pode-se dividir ambos os termos das Equações 1.13 e 1.14 por ∆x e, como foi
considerado somente uma linha sem perdas, são iguais a zero, resultando em

(1.115)

=-C (1.116)

Pode-se agora eliminar i tomando a derivada parcial de ambos os termos da


Equação 1.115 com respeito a x e a derivada parcial de ambos os termos da Equação
1.116 em relação a t. Este procedimento resulta no aparecimento de ∂2i/∂x ∂t em ambas
as equações resultantes, e a eliminação desta derivada parcial de segunda ordem de
i das duas equações resulta em

= (1.117)

A Equação 1.117 é chamada equação da onda viajante de uma linha de transmissão


sem perdas. Uma solução da equação de (x – v t) e a tensão é representada por

v = 𝑓 (x – v t) (1.118)

57
Esta função é indefinida, mas deve ser unívoca. A constante v é dimensionada
em metros por segundo se x for dado em metros e t em segundos. Pode-se verificar
esta solução substituindo esta expressão de v na Equação 1.117 para determinar v.
Primeiro, se faz a troca de variáveis

u=x–vt (1.119)

e escreve-se

v (x, t) = 𝑓 (u) (1.120)

Logo,

(1.121)

(1.122)

Da mesma se obtém

(1.123)

Substituindo estas derivadas parciais de segunda ordem de v na Equação 1.117

(1.124)

E se vê que a Equação 1.118 é uma solução de 1.117 se

(1.125)

A tensão representada pela Equação 1.118 é uma onda viajante que se desloca no
sentido positivo de x. A Figura 1.38 mostra uma função de (x – v t) que é semelhante à
forma de uma onda de tensão provocada por uma descarga atmosférica que se desloca
através de uma linha. A função é mostrada para dois valores de tempo t1 e t 2, t 2 > t1.
Um observador que se desloque junto com a onda, e permaneça no mesmo ponto
sobre ela, não perceberá variação de tensão naquele ponto. Para este observador

x – v t = constante (1.126)

de onde se conclui que

(1.127)

para L e C em H/m e F/m, respectivamente. Portanto, a onda de tensão viaja no sentido


positivo de x com velocidade v.

58
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.38: Uma onda de tensão que é função de (x – v t) é mostra para os valores de t iguais a t1 e t 2.

Uma onda de (x + v t) também é uma solução da Equação 1.117, como pode ser
comprovado; e, por um raciocínio semelhante, pode ser interpretada como uma onda
que se desloque no sentido negativo de x. A solução geral da Equação 1.117 é, então,

v = 𝑓1 (x – v t) + 𝑓2 (x – v t) (1.128)

que é uma solução para a ocorrência simultânea de componentes que se desloquem


para frente e para trás sobre a linha. As condições iniciais e as condições de contorno
(terminais) determinam os valores particulares de cada componente.
Se for representada uma onda viajante que se desloque para frente, também
chama onda incidente, por

v + = 𝑓1 (x – v t) (1.129)

Resultará uma onda de corrente das cargas que se movem, que será representada por

(1.130)

que pode ser verificada por substituição destes valores de tensão e corrente na Equação
1.117, considerando que v é igual a 1/ .
Da mesma forma, para uma onda que se desloque para trás, onde

v - = 𝑓2 (x + v t) (1.131)

a corrente correspondente é

(1.132)

Das Equações 1.129 e 1.130

(1.133)

e das Equações 1.131 e 1.132

59
(1.134)

Se para a corrente i- decidi-se admitir o sentido positivo como sendo o da onda


que se desloca para trás, os sinais negativos desapareceriam das Equações 1.132 e
1.134. Entretanto, prefere-se considerar a corrente positiva no sentido positivo de x
tanto para a onda que se desloca para frente quanto para a que se desloca para trás.
O quociente entre v+ e i+ é chamado impedância característica Zc da linha. A
impedância característica na solução da linha longa em regime permanente é Zc e é
definida por que é igual a quando R e G são nulos.

1.10 Análise de transitórios: reflexões


Considera-se agora o que acontece quando uma tensão é aplicada à barra
transmissora de uma linha de transmissão que termina em uma impedância ZR .
Considera-se ZR como sendo uma resistência pura. Se a carga fosse diferente de uma
resistência pura, deveria-se recorrer a transformadas de Laplace. As transformadas
da tensão, da corrente e da impedância seriam funções da variável s da transformada
de Laplace.
Quando se fecha a chave aplicando uma tensão a uma linha, uma onda de
tensão v+ e uma onda de corrente i+ começam a viajar pela linha. Em qualquer tempo,
o quociente entre a tensão vR no final da linha e a corrente iR no final da linha deve ser
igual à resistência de carga Zc. Portanto, a chegada de v+ e de i+ na barra receptora
onde estes valores são e deve resultar em ondas viajantes refletidas, ou que
se deslocam para trás v- e i- que na barra receptora tenham valores e , de tal
forma que

(1.135)

onde e são os valores das ondas refletidas v- e i- medidos na barra receptora.


Se Zc for feito igual a , obtém-se pelas Equações 1.133 e 1.134

(1.136)

(1.137)

Substituindo estes valores de e na Equação 1.135, tem-se

60
Sistemas elétricos em alta tensão

(1.138)

A tensão na bara receptora é evidentemente a mesma função de t de


(porém com amplitude diminuída, a menos que ZR seja zero ou infinito). O coeficiente
de reflexão ρR para a tensão na barra receptora da linha é definida como / de
onde, para a tensão,

(1.139)

Pelas Equações 1.136 e 1.137, vê-se que

(1.140)

e que, portanto, o coeficiente de reflexão para a corrente é sempre o negativo do


coeficiente de reflexão para a tensão.
Se a linha alimenta sua impedância caraterística Zc, os coeficientes de reflexão
de tensão e de corrente serão nulos. Não existirão ondas refletidas e a linha se
comportará como se fosse infinitamente longa. Somente quando uma onda refletida
retorna à barra transmissora é que a fonte percebe que a linha não é infinitamente
longa nem terminada em sua impedância característica Zc.
A terminação em curto-circuito resulta em um ρR igual a -1 para a tensão. Se
a linha termina em um circuito aberto, ZR será infinito e ρ R será obtido dividindo o
numerador e o denominador da Equação 1.139 por ZR e levando ZR a tender ao infinito,
obtendo no limite ρR = 1 para a tensão.
Neste momento, poderia-se observar que as ondas que se deslocam em direção
à barra transmissora sofrem novas reflexões determinadas pelo coeficiente de reflexão
ρs da barra transmissora. Para uma impedânica igual a Zs na barra receptora, a
Equação 1.139, torna-se

(1.141)

Com uma impedância Zs na barra receptora, o valor da tensão inicial injetada na


linha seria a tensão da fonte multiplicada por Zc/(Zs + Zc). A Equação 1.133 mostra que
a onda incidente de tensão encontra uma impedância de linha de Zc e, no momento
em que a fonte é ligada à linha, Zc e Zs, em série, agem como um divisor de tensão.
As reflexões não ocorrem necessariamente apenas nas extremidades da linha. Se
uma linha estiver conectada a uma outra de impedânica característica diferente, como
no caso de uma linha aérea conectada a um cabo subterrâneo, uma onda incidente à
junção se comportará como se a primeira linha terminasse no Zc da segunda. Entretanto,
a parte da onda incidente que não é refletida viajará (como uma onda refratada) pela

61
segunda linha até o seu final onde ocorrerá uma onda refletida. As bifurcações de
uma linha também provocarão ondas refletidas e refratadas.
Deve-se, agora, ser evidente que um estudo subsequente de transitórios em
linhas de transmissão é um problema complicado. Evidencia-se, entretanto, que um
surto de tensão como aquele mostrado na Figura 1.38 ao encontrar uma impedância
no final de uma linha sem perdas (por exemplo, em uma barra transformadora) fará
com que uma onda de tensão com mesma forma viaje de colta para a fonte do surto.
A onda refletida será reduzida em amplitude se a impedânica no terminal da linha for
diferente de um curto-circuito ou de um circuito aberto, mas este estudo mostrou que
se ZR for maior do que Zc a tensão terminal de pico será, muitas vezes, maior do que
quase o dobro da tensão de pico de surto.
O equipamento terminal é protegido por para-raios. Um para-raios ideal conectado
da linha a um neutro aterrado deveria:
●● Tornar-se condutor a uma tensão especificada em projeto acima da tensão
nominal do para-raios;
●● Limitar a tensão em seus terminais ao seu valor especificado em projeto;
●● Tornar-se novamente não condutor quando a tensão entre fase e neutro cair
abaixo do valor de projeto.

1.11 Ondas viajantes em linhas polifásicas


A maioria das linhas dos sistemas de potência são constituídas de mais de uma
fase, razão pela qual introduz-se o assunto em linhas polifásicas.
Para o estabelecimento dos principais conceitos envolvidos com a propagação de
ondas eletromagnéticas em linhas polifásicas, considere-se, para simplificar, uma linha
bifásica, como mostrada na Figura 1.39. Essa linha é constituída de dois condutores
iguais, a uma mesma altura do solo, com os seguintes parâmetros:
●● r é a resistência dos condutores, por unidade de comprimento;
●● g é a condutância dos condutores, por unidade de comprimento;
●● k é a capacitância mútua entre os condutores, por unidade de comprimento;
●● c é a capacitância entre os condutores e a terra, por unidade de comprimento;
●● m é a indutância mútua entre os condutores, por unidade de comprimento;
●● ℓ é a indutância própria dos condutores, por unidade de comprimento.
Generalizando-se as Equações 1.12 e 1.13, pode-se escrever para as tensões
v1 e v2, respectivamente e as correntes i1 e i2, respectivamente dos condutores 1 e 2

(1.142)

(1.143)

(1.144)

62
Sistemas elétricos em alta tensão

(1.145)

Figura 1.39: Linha bifásica de transmissão.

Para uma linha de n fios, pode-se escrever (para j = 1, 2, ... , n)

(1.146)

(1.147)

com os subíndices iguais indicando valores próprios e, os diferentes, valores mútuos.

1.11.1 Transformações modais


A essas equações pode-se aplicar a Transformada de Laplace, como feito
anteriormente, o que resultará, utilizando-se a notação matricial, em:

(1.148)

(1.149)

Eliminando-se as variáves de corrente e desprezando-se as perdas, a primira


dessas equações se transforma em

(1.150)

63
ou, mais simplificadamente,

(1.151)

Note-se que as derivadas de V1 (x, s) e de V2 (x, s) são funções das duas tensões,
o que dificulta a solução de cada uma das subequações da equação matricial. A
forma usual de resolver uma tal equação matricial consiste em transformá-la em uma
equação matricial equivalente, em que cada uma das derivadas das funções auxiliares
seja função apenas de uma delas.
Transformam-se os vetores de tensão [V1, V2]t e corrente [I1, I2]t das fases nos
vetores modais e , respectivamente, fazendo

(1.152)

(1.153)

Substituindo-se as relações das tensões nas Equações 1.150 e 1.151, tem-se

(1.154)

ou, mais simplesmente,

(1.155)

Para que a equação (x, s) só dependa de (x, s), o mesmo valendo para
(x, s), calcula-se a matriz de transformação de tal forma que

(1.156)

seja uma matriz diagonal. O mesmo deve ocorrer em relação às correntes. Uma
possível forma de e é

(1.157)

Dessa forma, tem-se

64
Sistemas elétricos em alta tensão

(1.158)

em que = e =

a solução para as tensões modais [Vmod] tem a conhecida forma

(x, s) = (s) + (s) (1.159)

(x, s) = (s) + (s) (1.160)

Assim, em uma linha de dois fios, há duas ondas modais viajantes de tensão,
com velocidades diferentes ( e ), cada uma delas composta por uma onda
progressiva e uma regressiva (esse resultado é generalizável para uma linha de n
fios). A partir das tensões, é possível calcular as correntes da mesma forma que no
caso monofásico.
Para isso, usa-se a primeira das Equações matricias 1.144 para uma linha
sem perdas.

(1.161)

Aplicando-se as transformações e já definidas nas tensões e nas


correntes, respectivamente, e lembrando que, nesse caso, . Mesmo quando
e são matrizes diferentes, resultado similar pode ser conseguido, tem-se

(1.162)

65
As correntes modais podem ser, agora, calculadas, derivando-se o vetor [Vmod]
em relação a x, o que resulta em

(x, s) = - (1.163)

(x, s) = + (1.164)

em que

= é a impedância característica da linha de modo zero;

= é a impedância característica da linha de modo positivo.

A relação entre as tensões e correntes modais progressivas é

= (1.165)

onde é a matriz impedância característica modal da linha.


Para as tensões e correntes modais regressivas, vale esta relação

= (1.166)

1.11.2 Significado físico das ondas modais


A transformação modal, que, inicialmente, se constituiu em um procedimento
matemático necessário para a solução das Equações 1.148 e 1.149, fisicamente, significa
a transformação de uma linha de dois fios em duas linhas monofásicas desacopladas,
ou seja, independentes. Os dois pares de onda – ondas de tensão e corrente de modo
zero e positivo – propagam-se em linhas diferentes – com impedâncias Z0 e Z+ e com
velocidades também diferentes.
Essas duas linhas podem ser determinadas observando-se que, de acordo com
as Equações 1.152 e 1.153, se pode escrever para as tensões

= . (1.167)

Como =½ , então,

66
Sistemas elétricos em alta tensão

= (1.168)

ou

(x, s) = [V1 (x, s) + V2 (x, s)] (1.169)

(x, s) = [V1 (x, s) - V2 (x, s)] (1.170)

Da mesma forma, as correntes modais em função das correntes de fase são

(x, s) = [I1 (x, s) + I2 (x, s)] (1.171)

(x, s) = [I1 (x, s) - I2 (x, s)] (1.172)

Conclui-se, assim, que as tensões e correntes de modo zero (também chamado


modo terra) se propagam entre as fases e o circuito de terra. Já as correntes e as tensões
de modo positivo (também chamado modo aéreo) são aquelas que se propagam entre
os dois condutores. Eis, então, as duas linhas monofásicas mencionadas anteriormente.
Após o cálculo do transitório em termos dos valores modais, recuperam-se as
tensões e corrente originais – valores de fase – aplicando-se as relações 1.152 e
1.153 e calculando-se os valores [V] e [I] em função de [Vmod] e [Imod]. O procedimento
do cálculo das matrizes de transformação e é um problema de cálculo de
autovalores e autovetores.

1.12 Localização de faltas por ondas viajantes


– abordagem baseada em decomposição wavelet
Os métodos para localização de faltas em linhas de transmissão têm sido
classificados em duas diferentes categorais:
●● Métodos baseados nos componentes da frequência fundamental e,
●● Métodos baseados nos transitórios de alta frequência gerados pela falta.
Esses últimos costumam ser chamados na literatura de métodos de ondas viajantes.
Métodos baseados em componentes fundamentais estão sujeitos a erros devido
ao efeito combinado da corrente de carga e da resistência de falta (Rf ), tipo de falta,
ângulo de incidência da falta, infeed remoto, impedâncias mútuas de sequência zero,
dentro outros. Melhorias em tais métodos tem sido alcançadas quando são utilizadas
medições sincronizadas em ambos terminais de uma linha de transmissão via sistema
de posicionamento global (GPS).
Por outro lado, o mais conhecido método de localização de faltas basado em
ondas viajantes baseado foi desenvolvido por Maclaren. Nesse método, é utilizada

67
a correlação cruzada entre uma seção da primeira onda viajante direta, detectada e
armazenada, e a segunda onda viajante reversa que reflete no ponto de falta e retorna
ao ponto do relé. Com isso, se consegue estimar o intervalo de viagem dos transitórios,
determinando-se assim a distância da falta. Essa abordagem é mais eficaz quanto
mais adequada for a largura da janela de dados para armazenar o formato da primeira
onda viajante. Uma vez que essa seleção da largura da janela depende da localização
da falta, em principio desconhecida, o tamanho da janela permanece uma questão
não resolvida para a implementação prática do método.
Dentre as limitações dos métodos que trabalham com ondas viajantes, o
requisito de elevadas taxas de amostragem é frequentemente considerado. Cabe
mencionar porém que, atualmente, a tecnologia de conversores A/D de alta velocidade
e de processadores de sinais digitais (DSPs) de alto desempenho, como também
dos transdutores óticos de corrente e tensão têm permitido operações a elevadas
taxas de amostragem. Além disso, técnicas com processamento paralelo tendem a
viabilizar altas velocidades de execução de tais tarefas.
Recentemente, tem sido proposto o uso de redes neurais (RNs) para localização
de faltas. Fica evidente, porém, que o uso de componentes na frequência do sistema,
extraídos no período pós-falta, é mais vantajoso, implicando em RNs de menor
dimensão, treinamento mais rápido e melhores resultados. Sendo assim, quaisquer
componentes de alta frequência, como ondas viajantes, harmônicos, etc., devem
ser pré-filtrados. Nesse caso, métodos baseados em RNs tornam-se muito similares
aos métodos baseados na forma de onda, os quais podem estar sujeitos a erros
como anteriormente mencionado.
Considerando-se que as ondas viajantes geradas por uma falta aparecem
como distúrbios impulsivos superpostos aos sinais de frequência fundamental, a
transformada de Wavelet (TW) se torna muito mais adequada para a obtenção da
localização da falta. Neste item, será apresentada uma abordagem baseada na
teoria de ondas viajantes associada à transformada de Wavelet dos sinais de tensão.
A Transformada de Wavelet tem sido usada com sucesso na análise de transitórios
em sistemas de potência. Diferentes propostas de aplicação foram introduzidas com
obejtivo principal de avaliar aspectos de qualidade de energia elétrica. Relacionadas à
área de proteção/supervisão, poucas contribuições foram apresentadas até o momento,
destacando-se a: detecção de faltas de alta impedância, localização de falta e identificação
de faltas.
Agora serão introduzidas algumas novas habilidades como a identificação
das fases envolvidas na falta e uma mais adequada política de descriminação da
metade faltosa da linha.
Seja o sistema de transmissão da Figura 1.40.

68
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.40: Sistema de transmissão simulado.

1.12.1 Transformada wavelet


A transformada Wavelet é uma operação linear que decompõe um sinal em diferentes
escalas com diferentes níveis de resolução. Diferente da análise de Fourier, que fornece uma
representação local (no tempo e na frequência) de um determinado sinal. Esta localização
no tempo permite que distúrbios em sinais sejam detectados, tão logo se iniciem.
A transformada Wavelet de um sinal contínuo 𝑓 (t) (TWC) definida em um espaço
vetorial de funções quadráticas integráveis L2 (R), é dada por:

(1.173)

onde * denota o conjugado complexo e as funções ψab (t) são versões escaladas e
transladadas de uma dada função ψ (t), denominada Wavelet mãe, e dadas por:

(1.174)

com a ∈ R+, b ∈ R, chamados de parâmetros de escalamento (expansão ou contração)


e de translação, respectivamente.
Sendo a TWC uma transformação contínua, para uso computacional, torna-se
necessária a discretização dos parâmetros a e b. Uma forma bastante comum de
discretizar esses parâmetros é fazer a = ,b=n b0 ≠ 0. Com isso, o resultado
da Equação 1.174 será um conjunto finito de coeficientes, porém, ainda para uma
representação contínua da TW. Tal transformação é normalmente denominada de
expansão em série wavelet.

69
Quando a função a ser analisada é uma série temporal 𝑓 (k), então deve-se
utilizar a Transformada Wavelet Discreta ou simplesmente DWT (Discret Wavelet
Transform) definida por:

(1.175)

Pela seleção cuidadosa de a0 e b0, famílias de Wavelets expandidas podem


constituir bases ornonormais de um espaço L 2 (R). Para que isso seja possível, a
mais simples escolha é fazer a0 = 2 e b0 = 1. Neste caso, a transformada de Wavelet
é chamada diádica-ortonormal. Uma das razões para tal procedimento é a obtenção
de um elegante algoritmo, conhecido como análise multi-resolução (AMR).
A idéia básica da AMR é dividir o espectro de um sinal em sub-bandas e, então,
tratar individualmente cada uma das sub-bandas, considerando o propósito desejado.
A AMR inicia-se com a escolha conveniente de uma função ϕ (x) chamada função
escalamento, cujas características que a descrevem são: energia finita, oscilatória,
média zero e um rápido decaimento em ambos os lados. Essa função pode ser obtida
de forma recursiva, a partir da própria função escalada e transladada no tempo, tal que:

(1.176)

onde as amostras g (k) são definidas como o produto interno de ϕ (x) e ϕ (2x – n)
representando os coeficientes do filtro de escalamento.
Em contrapartida, a função Wavelet mãe ψ (x), também pode ser obtida de
modo similar:

(1.177)

Se as Wavelets filhas, dadas por

ψj,k (x) = 2-j/2 ψ (2-j x - k), j,k ∈ Z (1.178)

formarem uma base ortogonal para L2 (R), vantagens adicionais são obtidas.
Com um conjunto de funções ϕk (x) e ψj,k (x) gerando um espaço L2 (R), qualquer
função 𝑓 ∈ L2 (R) pode ser escrita como uma expansão em série de n termos das
funções Wavelet e escalamento. Assim

(1.179)

sendo os parâmetros d1 (k), d2 (k), ..., dN (k) os coeficientes Wavelet e a sequência


{c N(k)} o sinal de mais baixa resolução (coarsest scale) no nível N.
Em termos de processamento de sinais, as estruturas das Equações 1.176 e 1.177
sugerem que a análise Wavelet não necessita tratar diretamente com as funções ϕ
(x) e ψ (x), mas somente com os coeficientes g(n) e h(n) = (-1)n g (-n + 1), bem como
com os coeficientes de expansão dj (k) e cj (k), presentes na Equação 1.179. Os dois

70
Sistemas elétricos em alta tensão

primeiros coeficientes podem ser vistos como resposta ao impulso de filtros digitais
e os dois últimos como sinais digitais propriamente ditos.
Assim, a TW, quando usada para analisar um sinal discreto, pode ser implementada
usando-se dois filtros digitais: um passa-altas, h(n), relacionado a uma dada Wavelet mãe
ψ (x), e sua versão espelhada passa-baixas g (n), associada à função escalamento ϕ (x).
De posse destes filtros, uma estrutura de filtragem para decompor um sinal
em diferentes níveis de resolução pode ser construída, tal como a que é mostrada
na Figura 1.41. Nessa estrutura, c0 (n) representa as amostras 𝑓(x), cj (n) é a versão
alisada (passa-baixas) e dj (n) é a versão detalhada (passa-altas) de c j-1 (n). o número
de níveis de decomposição depende da aplicação desejada.

Figura 1.41: Decomposição do sinal c 0 (n) em dois níveis.

A operação de dizimação por um fator dois, representada por ↓2 nas saídas dos
filtros, realiza um escalamento no sinal para o processamento do estágio subsequente.
Desse modo, o sinal decomposto tem a metade das amostras do sinal anterior (metade
da largura de banda). Contudo, em muitas aplicações, a operação de dizimação pode
ser omitida. São usados filtros Wavelet do tipo Daubechies com quatro coeficientes,
omitindo-se a operação de dizimação com decomposição apenas na primeira escala.
Essas características de filtragem mostraram-se suficientes para capturar eficazmente
as informações relevantes à identificação e à localização das faltas.

1.12.2 Abordagem do problema


A teoria das ondas viajantes mostra que a ocorrência de uma falta em uma
linha de transmissão produz ondas de tensão que se propagam, a partir do ponto de
falta, nos dois sentidos da linha. Ao encontrar uma descontinuidade, essas ondas
se refletem e retornam ao ponto de defeito onde haverá novas reflexões, gerando,
portanto, transitórios de alta frequência.
Uma maneira prática de abordar o problema é através do diagrama de Lattice,
como mostrado na Figura 1.42.

71
Figura 1.42: Diagrama de Lattice.

O diagrama de Lattice mostra que a distância x da falta pode ser calculada, a


partir do terminal A, pela seguinte equação:

(1.180)

sendo θ a velocidade de propagação das ondas; t A1 o tempo de propagação da


primeira frente de onda originada no ponto de falta até o terminal A. t A2 é o tempo de
propagação, considerando-se o tempo de retorno dessa primeira onda até o ponto de
falta e desse ponto novamente ao terminal A. A Equação 1.180 é usada para faltas não
aterradas, pois, nesses casos, as ondas refratadas no ponto de defeito, provenientes
do terminal remoto, podem ser desprezadas.
Sabe-se que, por causa do acoplamento mútuo nas linhas de transmissão, existirão
diferentes modos de propagação das ondas no caso das faltas aterradas, normalmente
um modo terra θ 0 e dois modos aéreos θ1 e θ2 (iguais nas linhas equilibradas). Esses
modos de propagação podem ser separados com o uso das transformações modais
como, por exemplo, a transformada de Clarke ou Wedepohl. Uma vez separados,
utiliza-se a velocidade do modo aéreo para o cálculo da distância.
No caso das faltas aterradas, as ondas refletidas no terminal remoto e refratadas
no ponto de falta não podem mais ser desprezadas e duas diferentes condições devem
ser consideradas:
●● Faltas na primeira metade da linha: a distância pode ser calculada pela
Equação 1.180 após a obtenção do intervalo de tempo entre as duas primeiras ondas
que chegam ao terminal de medição.
●● Faltas na segunda metade da linha: nestes casos, a primeira onda refletida
no terminal remoto e refratada no ponto de falta chegará antes da segunda onda direta
refletida no ponto de falta, como mostrado no diagrama de Lattice da Figura 1.42.
Sendo assim, a distância da falta pode ser calculada por

(1.181)

onde é o comprimento total da linha.

72
Sistemas elétricos em alta tensão

1.12.3 Aplicação da análise wavelet


De modo a facilitar a descrição do algoritmo, ele será apresentado a seguir em
duas etapas:
●● 1ª etapa: Os sinais trifásicos normalizados de tensão, medidos no terminal da
linha de transmissão, alimentam três filtros h (n), fornecendo os coeficientes Wavelet dj
(k) de mais alta resolução no tempo. Estando esses coeficientes mutuamente acoplados,
eles podem ser desacoplados, utilizando-se uma matriz de pesos modais baseadas na
matriz de Clarke (para linhas com plano de simetria transpostas ou não). Como resultado,
tem-se um sistema com sete saídas contendo os coeficientes Wavalet das tensões de
fase. A primeira saída refere-se ao modo terra e as demais aos modos aéreos.
●● 2ª etapa: faz-se tal descrição através de um exemplo. Seja uma falta bifásica,
localizada a 50% do comprimento da linha de 161 km. Tomando os sinais de tensão
dessa falta e executando o algoritmo da primeira etapa, tem-se os sete sinais, conforme
mostrado na Figura 1.43. A existência de coeficientes praticamente nulos – ordem
de 10 -9 – na saída 1 (modo terra) e na saída 6, bem como a existência de valores
impulsivos mais elevados nas demais saídas, denota o padrão de comportamento de
uma falta bifásica envolvendo as fases A e B.

Figura 1.43: Coeficientes Wavelet desacoplados com detalhe da saída 7.

73
O detalhe de uma das saídas, por exemplo, a saída 7, mostra que o ponto de falta
pode ser localizado com precisão se os instantes exatos dos valores máximos dos
dois primeiros picos que se referem às duas primeiras ondas viajantes forem obtidos.
A detecção do primeiro pico é baseada em limiares previamente definidos, os
quais são ajustados em função do histórico do nível de ruído em regime permanente
presente no sinal. Após essa detecção, o instante de ocorrência do valor máximo
do primeiro pico é obtido. Por sua vez, o segundo pico é detectado utilizando-se um
segundo limiar que considera os amortecimentos das ondas viajantes. Após a detecção,
o instante do valor máximo do segundo pico é obtido.
Assim, utilizando-se a velocidade do modo aéreo, qualquer uma das sete saídas
(exceto as não excitadas) servirá para o cálculo da distância da falta usando a Equação
1.180. No caso particular do exemplo apresentado, tem-se ∆ti = t 2 – t1 -= 0,017495 –
0,016955 s, o qual fornecerá uma distância de 80,42 km (θ1 = 297.856 km/h)
No caso das faltas aterradas, a saída 1 (modo terra) também será ativada
com picos de coeficientes Wavelet. Além disso, o primeiro pico da saída 1 estará
atrasado em relação ao primeiro pico das demais saídas. Isso é facilmente entendido,
considerando que a velocidade do modo terra é menor do que a do modo aéreo.
Com tais características, a metade faltosa da linha pode ser determinada. Dois
encaminhamentos têm sido experimentados;
i. Havendo um canal de comunicação entre os terminais da linha de transmissão,
medem-se em cada terminal os intervalos de tempo (∆te) existentes entre o primeiro
pico da saída 1 e o primeiro pico das demais saídas. Assim, esses intervalos (∆te)
podem então ser comparados. Se ∆teA < teB significa falta na primeira metade da linha,
caso contrário, a falta estará na segunda metade e a distância é determinada pela
Equação 1.181. Não há necessidade de medição sincronizada.
ii. Com o intervalo de tempo (∆ti) entre as duas primeiras subsequentes ondas
de uma mesma saída, pode-se calcular uma distância x1 usando a Equação 1.180 e
outra distância x 2 pela Equação 1.181 (complemento de x1). Ainda, com o intervalo de
tempo ∆te e sabendo-se o tempo total de propagação da onda (τ) por toda a linha de
transmissão, dois valores de θ 0 podem ser calculados:

(1.182)

(1.183)

Um dos dois valores estará fora da possível faixa de variação da velocidade


de propagação no modo terra (por exemplo, θ 0 = 0,7 θ1 ± 10%). Se isso ocorrer com
(1.41), a distância x1 estará correta. Caso contrário, a distância x 2 será a verdadeira.
Seja, por exemplo, uma falta fase A – terra com 100 Ω de resistência shunt,
ocorrida a 112,7 km do terminal A (linha de 500 kV, Figura 1.40), e os sinais de tensão
dessa falta (ilustrada na Figura 1.44) com uma razão sinal-ruído (SNR) de 60 dB em
regime permanente.

74
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.44: Sinais de tensão – falta AT.

Aplicando-se o algoritmo descrito aos sinais da Figura 1.44, as sete saídas do


sistema apresentarão o padrão de uma falta A–terra, ou seja: a saída 3 com coeficientes
relativamente pequenos (quase nulos) e as demais saídas com valores significativos,
dentre os quais os picos devido às ondas viajantes. A Figura 1.45 apresenta os detalhes
desses picos presentes na saída 1 e na saída 7 (o eixo das abscissas refere-se às
amostras dos sinais). Assim, são obtidos: ∆te = 165 µs e ∆ti = 325 µs. aplicando-se as
equações (1.180) e (1.181), obtém-se, respectivamente, x1 = 48,40 km e x2 = 112,60 km.
Considerando-se ainda τ = 540,5 µs e usando o critério (ii) para distinção da metade
faltosa da linha, tem-se: = 147.786 km/h e = 207.366 km/h. Esse segundo
valor refere-se aproximadamente à velocidade θ 0 da linha em questão, confirmando,
portanto, que o local da falta está a 112,60 km do terminal A.

Figura 1.45: Detalhes dos coeficientes Wavelet das saídas 1 e 7.

75
1.12.3.1 Características dos dados simulados

Os dados de sinais faltosos foram obtidos através dos programas ATP/EMTP.


As linhas de transmissão (Figura 1.40) foram modeladas por parâmetros distribuídos
com e sem dependência da frequência. O intervalo de amostragem é de 5 µs. Foram
considerados vários tipos de faltas em diferentes localizações ao longo da linha, com
diferentes ângulos de incidência, resistências de falta e condições de carga.

1.12.3.2 Faltas localizadas

De um banco de dados de aproximadamente 440 arquivos, praticamente 100%


das faltas foram localizadas considerando-se valores de SNR acima de 80 dB em
regime permanente. Para valores de SNR (40 dB), a percentagem de acerto reduz-se
para cerca de 92%.
De todas as faltas localizadas, os maiores erros (ε) encontrados foram para as
faltas do tipo fase-fase-terra, cujos valores se aproximaram de 2,8% a 10% do terminal
da linha, e 1,5% para ocorrências próximas à metade do comprimento das linhas de
transmissão (Figura 1.40). Os erros foram calculados em relação à localização real
da falta e não em relação ao comprimento da linha (normalmente encontrado na
literatura), ou seja:

(1.184)

1.12.3.3 Parâmetros de influência

É sabido que o ângulo de incidência da falta influencia as amplitudes dos


transitórios gerados. Para ângulos de incidência próximos a 0 V, os transitórios são
quase imperceptíveis. Mesmo assim, a TW possui grande habilidade em detectar
detalhes sutis contidos em um sinal, inclusive, os instantes das frentes de onda,
como pode ser observado na Figura 1.46, a qual mostra os sinais de uma falta fase
A – terra, com ângulo de incidência muito próximo de 0 V e alta resistência de falta
(200 Ω). Apesar da sutileza da falta, a mesma é localizada com precisão, a 80,4 km
do terminal de medição.

76
Sistemas elétricos em alta tensão

Figura 1.46: Sinais de tensão (falta AT) e instantes de ocorrência das ondas viajantes fornecidas nas
saídas 1 e 7.

Deve-se considerar, porém, que a TW é bastante sensível ao ruído não correlacionado.


Assim, para faltas com ângulo de incidência muito próximo de 0 V (como a do
exemplo anterior), a dificuldade em determinar o local da falta é evidente quando
o valor de SNR é baixo. Nesses casos, a perturbação gerada pela falta estará no
mesmo patamar do nível de ruído, não sendo mais possível distinguir o instante
pelo qual o percentual de faltas localizadas é menor. Investigações neste sentido
estão sendo encaminhadas com o uso de outros tipos de Wavelet e/ou outros níveis
de decomposição.
Finalmente, deve-se mencionar que, no caso das localizações, há uma distância
mínima do terminal de medição para a qual o algoritmo consegue manter um erro aceitável
e suficiente para a proteção (abaixo de 5%). Essa distância fica em torno de 10 km.

77
1.13 exemplo

1.13.1 Exemplo 1.1


Uma fonte CC de 120 V com resistência desprezível é ligada através de uma
chave S a uma linha de transmissão sem perdas com Zc = 30 Ω. Se a linha termina em
uma resistência de 90 Ω, faça um gráfico de em função do tempo até t = 5 T onde
T é o tempo necessário para que uma onda de tensão percorra todo o comprimento
da linha. O circuito é mostrado na Figura 1.47.

Figura 1.47: Esquema do circuito para o exemplo 1.1, onde a resistência na barra é de 90 Ω.

Solução:
Quando S é fechado, a onda incidente de tensão inicia a viagem através da linha
e é representada pela equação
v = 120 U (vt – x)
onde U(vt – x) é a função degrau unitário que é igual a zero quando (vt – x) é negativo
e igual à unidade quando (vt – x) é positivo. Não existirá onda refletida enquanto a
onda incidente não atingir o final da linha. A impedância à onda incidente é Zc = 30 Ω.
Como a resistência da fonte é nula, v+ = 120 V

Quanto v+ atinge o final da linha, origina-se uma onda refletida de valor

e, assim,
vR = 120 + 60 = 180 V
Quando t = 2 T, a onda refletida chega à barra transmissora, onde o coeficiente
de reflexão ρs da barra transmissora é calculado pela Equação 1.141:

E uma onda refletida de – 60 V parte para a barra receptora, para manter a


tensão na barra transmissora igual a 120 V. Esta nova onda atinge a barra receptora
em t = 3 T e reflete para a barra transmissora uma onda de

e a tensão na barra receptora se torna


180 – 60 – 30 = 90 V

78
Sistemas elétricos em alta tensão

Um excelente método de acompanhar as várias reflexões à medida que elas


ocorrem é o diagrama de treliças mostrado na Figura 1.48. Neste diagrama, o tempo
é medido no eixo vertical em unidades de T. Nas linhas oblíquas, é mostrada a soma
das ondas acima do espaço, o que corresponde à corrente ou à tensão em um ponto
naquela área do diagrama. Por exemplo, para x igual a ¾ do comprimento da linha e t
= 4,25 T, a interseção das linhas tracejadas que passam por estes pontos está dentro
da área que indica a tensão de 90 V.

Figura 1.48: Diagrama de treliça para o exemplo 1.1, onde a resistência na barra é de 90 Ω.

Os diagramas de treliças também podem ser feitos para a corrente. Deve-se


lembrar, no entanto, que o coeficiente de reflexão para a corrente é sempre o negativo
do coeficiente de reflexão para a tensão.
A Figura 1.49 mostra a tensão na barra receptora em função do tempo. A tensão
tende a seu valor permanente de 120 V.

Figura 1.49: Gráfico da tensão em função do tempo para o exemplo 1.1, onde a resistência na barra é de 90 Ω.

79
Se a resistência do final da linha do exemplo 1.1 for reduzida para 10 Ω como
é mostrado no circuito da Figura 1.50 - item a), o diagrama de treliças e o gráfico da
tensão toma a forma apresentada nas Figuras 1.50 - itens b) e c). A resistência de 10 Ω
dá um valor negativo para o coeficiente de reflexão para a tensão, que sempre ocorrerá
para resistência quando ZR for menor do que Zc. Como se pode ver comparando as
Figuras 1.48, 1.49 e 1.50, um valor negativo de ρR provoca um salto inicial de tensão
a um valor maior do que o aplicado originalmente na barra transmissora.

Figura 1.50: Esquema do circuito, diagrama de treliças e gráfico da tensão em função do tempo quando
a resistência da barra receptora do exemplo 1.1 é modificada para 10 Ω.

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Sistemas elétricos em alta tensão

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