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(Orgs.)
ANAIS
XI CONGRESSO INTERCONTINENTAL DE
DIREITO CIVIL
Salamanca - ES
16 e 17 de novembro de 2023
COMISSÃO ORGANIZADORA
REALIZADORES
APOIO
LOCAL DO EVENTO
COMITÊ CIENTÍFICO
BANCA EXAMINADORA
DIAGRAMAÇÃO
ARTE E DESIGN
Coordenador executivo
Allan Christyan Sousa de Almeida
Coordenador de banca
Bruno Torquato Zampier Lacerda
Assessoria
Iara Gessica Rios
Vitória Dávila Ferreira Rocha
Vários autores
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1. Ensino. 2. Saberes. 3. Políticas. I. SETEPE. II. Silva, Antônia Bruna da. III. Nascimento, Débora
Maria do. IV. Cavalcante, Maria da Paz.
Todos os arquivos aqui publicados são de inteira responsabilidade dos autores e coautores,
e pré-autorizados para publicação pelas regras que se submeteram ao XI Congresso
Intercontinental de Direito Civil. Os artigos assinados refletem as opiniões dos seus autores
e não os da equipe que integra a Comissão Organizadora ou Comissão Científica do evento.
PROGRAMAÇÃO DO EVENTO
11h30 – Conferência – Silvio de Salvo Venosa – Reflexões sobre o direito digital e o juiz
17h30 – Conferência de encerramento – Nelson Nery Jr. - Proteção dos direitos difusos e
coletivos no Brasil
18h30 – Encerramento do evento e entrega dos certificados dos autores que apresentaram
artigos no Congresso
APRESENTAÇÃO
Resumo: O fim da vida, certeza única e absoluta de todos os seres, talvez seja também o
evento mais temido pelas pessoas. Em se tratando de crianças, a questão é ainda mais
polêmica, tendo em vista que o processo de tomada de decisões referentes a cuidado de fim
de vida em pediatria deve contemplar compartilhamento de responsabilidades entre equipe
de saúde e responsáveis legais, com a participação da criança sempre que possível. Desse
modo, o presente estudo busca discutir os aspectos relativos à tomada de decisão médica em
pediatria. Foram considerados princípios bioéticos e do cuidado paliativo, além de questões
jurídicas relacionadas a capacidade e autoridade parental, sob a perspectiva do ordenamento
jurídico brasileiro, da Doutrina do Menor Maduro e da efetivação do princípio da autonomia
progressiva. Concluindo-se que a tomada de decisão de final de vida em pediatria deve se
pautar na autonomia progressiva, ratificando a ideia de que o paciente é o ator principal,
necessitando, pois, de assistência humanizada e digna.
1 INTRODUÇÃO
1
Especialista em Direito Médico, Bioética e Biodireito pela UCSal. Membro da Comissão de Direito
Médico e da Saúde da OAB/BA. Defensora Dativa no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/BA. Graduada
em Direito pela Faculdade Baiana de Direito. Professora de Ética, Deontologia, Direito Médico e Medicina
Forense da UNIME. Professora da Universidade Corporativa da Associação de Hospitais e Serviços de
Saúde do Estado da Bahia - AHSEB. Advogada. Sócia do Oliveira e Rodrigues Advogados Associados.
Endereço eletrônico: hortencia_rocha@outlook.com.
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Em se tratando de crianças, a questão é ainda mais sensível. Na pediatria, o avanço
tecnológico trouxe inegáveis progressos em todas as especialidades, entretanto, apesar do
aparato tecnológico, algumas crianças ainda vivem em condições que ameaçam a vida.
Lidar com esse novo perfil de paciente exige do pediatra uma abordagem diferente. Mesmo
quando há tratamento curativo, cuidados paliativos devem e necessitam ser implementados,
com o objetivo central de proporcionar melhor controle dos sintomas e melhor qualidade de
vida para a criança e sua família.
Desse modo, o cuidado paliativo infantil deve ser focado na criança, orientado a toda família
e construído com uma boa relação médico-paciente-família. Deve-se avaliar individualmente
cada criança, e respectiva família, respeitando suas crenças e valores e oportunizando, quando
possível, que o menor participe da tomada de decisão sobre a sua saúde.
Assim, este trabalho foi construído com objetivo de analisar o direito à participação do
paciente pediátrico no contexto médico-clínico no fim de vida.
O método científico utilizado foi o hipotético-dedutivo, desenvolvido por meio da pesquisa
bibliográfica e científica nas áreas do Direito e da Medicina.
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No entanto, importa destacar que, a partir do estudo e implemento dos cuidados paliativos
existem diversas condutas que podem ser oferecidas ao paciente e sua família, como por
exemplo, o uso de medicamentos para o alívio da dor, diminuição do desconforto e
atenuação de sintomas, mas sobretudo é importante reconhecer, sempre que possível, a
autonomia e o respeito às escolhas do paciente, fazendo com que ele decida aspectos
relevantes no momento de possível “partida” (GUTIERREZ, 2001).
Segundo definição da Organização Mundial da Saúde cuidado paliativo é área de atuação
médica que busca melhora à qualidade de vida dos pacientes (adultos ou crianças) e de seus
familiares que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida. Além disso,
busca prevenir e aliviar o sofrimento por meio da investigação precoce, avaliação correta e
tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais ou espirituais.
Portanto, trata-se de assistência interdisciplinar que envolve cuidados integrados,
implementados quando a doença não responde a tratamentos curativos (ANDRADE et al,
2014, p. 127).
No âmbito da pediatria, os cuidados paliativos pediátricos (CPP) são iniciados quando a
doença é diagnosticada, progredindo de acordo com a evolução do quadro clínico. Desse
modo, torna-se necessário avaliar individualmente cada criança e sua família, respeitando
crenças e valores e facilitando a comunicação.
A definição de cuidados paliativos da OMS, anteriormente citada, abrange o cuidado ativo e
total promovido por uma equipe multidisciplinar visando a melhoria da qualidade de vida do
paciente e sua família (CARVALHO; PARSONS, 2012, p. 592). Estes cuidados são
direcionados aos pacientes com alguma doença ameaçadora à vida e busca a prevenção e o
alívio da dor total.
A implementação dos cuidados paliativos também busca oferecer condições para que o
paciente tenha uma morte digna e sem sofrimentos. Para tanto, é importante que a equipe
de saúde seja capaz de reconhecer a terminalidade, bem como reconhecer a morte como mais
uma etapa da vida humana (RODRIGUES; ZAGO, 2003, p. 89-92) e, assim, respeitar sua
dignidade dentro dos parâmetros éticos (OLIVEIRA, 2020, p. 22).
Nessa linha, necessário se faz o estudo do regime jurídico da capacidade civil em vigor, no
tocante às crianças e adolescentes. Esmiuçando o Código Civil (CC) e o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), bem como os critérios etários diversos adotados, explicitando que
não há coincidência entre as categorias “criança” e “adolescente” e as categorias
“absolutamente incapaz” e “relativamente incapaz”.
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A primeira, titularizada por toda e qualquer pessoa de acordo com o art. 1º do Código Civil,
se refere à aptidão para ser titular de direitos e obrigações (AGUIAR; BARBOZA, 2017, p.
20). A segunda, por sua vez, corresponde à habilidade de exercício dos direitos e
cumprimento das obrigações de que se é titular diretamente, de forma livre e consciente.
A incapacidade é uma restrição legal ao exercício dos atos da vida civil (MUNHOZ, 2014, p.
44).
Em relação à criança e ao adolescente, a determinação da incapacidade relativa ou absoluta
obedece a um critério etário. De acordo com o art. 3º do Código Civil, é absolutamente
incapaz para a prática dos atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. Serão
relativamente incapazes, por outro lado, aqueles com idade entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito)
anos, como disciplina o art. 4º, I do CC.
Já o Estatuto da Criança e do Adolescente adota definição diferente de criança e de
adolescente, conforme dispõe o seu art. 2º.
De acordo com este dispositivo, será considerada criança a pessoa com até 12 (doze) anos
incompletos e será considerada adolescente, por sua vez, aquele que tiver entre 12 (doze) e
18 (dezoito) anos incompletos.
Importante observar, portanto, que a criança e o adolescente com até 16 (dezesseis) anos
incompletos são considerados absolutamente incapazes para a prática dos atos da vida civil,
enquanto adolescentes com idade entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos incompletos são
considerados relativamente incapazes para tanto.
O instituto da incapacidade se justifica pelo seu intuito de proteger pessoas que não têm
aptidão para agir juridicamente, graduando a forma de proteção em absolutamente incapazes
(art. 3, Código Civil) e relativamente incapazes (art. 4, Código Civil) e, subsequentemente,
suprindo a incapacidade por meio de representantes aos absolutamente incapazes e
assistentes aos relativamente incapazes (MUNHOZ, 2014, p. 44).
Os deveres de representação e de assistência à prática dos atos da vida civil, conforme se
trate de um menor absoluta ou relativamente incapaz respectivamente, emanam do poder
familiar, conforme dispõem os arts. 21 e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente
combinado com o art. 1.634 do CC.
Embora o termo “poder” sugira a noção de autoridade, é preciso destacar que o instituto
está permeado por uma série de deveres e deve ser concebido à luz do princípio da proteção
integral de crianças e adolescentes (DIAS, 2013, p. 436).
Nota-se que a legislação vigente transfere aos pais ou ao tutor a competência para tomar
decisões a respeito da saúde do menor (criança ou adolescente), “transferência esta que é
completa no caso das crianças e adolescentes com menos de 16 anos, e parcial para os
adolescentes com idade entre 16 e 18 anos” (AGUIAR; BARBOZA, 2017, p. 22).
Fato é que ao final de vida de uma criança em cuidados paliativos emerge questões
conflituosas que dizem respeito à postura autônoma (ou não) do menor, dos pais e da equipe
clínica frente aos tratamentos que serão empreendidos.
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Diante dessa premissa, no tópico subsequente será abordado a autonomia como um fator
preponderante na relação médico-paciente e nos cuidados de fim de vida, ratificando a ideia
de que o paciente é o ator principal das decisões que tangem a sua saúde, necessitando, pois,
de assistência humanizada e digna.
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inegavelmente, coloca o princípio da autonomia do paciente em uma situação de
protagonismo, em relação aos demais princípios.
Tal princípio foi apresentado junto ao Relatório de Belmont, em 1978, elaborado pela
Comissão Nacional para Proteção dos Interesses Humanos de Biomédica e Pesquisa
Comportamental dos Estados Unidos (SÁ; NAVES, 2018, p. 8). Além disso, o princípio da
autonomia também é previsto na Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos da
UNESCO de 2005, que buscou adicionar a dimensão social como intrínseca à Bioética,
trazendo um novo referencial para a efetivação dos direitos humanos.
Verifica-se que o princípio da autonomia na Bioética representa a liberdade das pessoas na
autodeterminação e na prerrogativa de escolher as intervenções que serão realizadas em seu
corpo e é fundamento para autonomia privada no biodireito, que concede poderes de atuação
ao titular (SÁ; SOUZA, 2020, p. 59).
Além disso, para a Bioética, o princípio tem por fim sempre respeitar as decisões dos
pacientes de acordo com suas capacidades, levando em conta as suas decisões
substancialmente autônomas (MUNHOZ, 2014, p. 33).
A autonomia, ou respeito à autonomia, associa-se à privacidade, à voluntariedade, à
possibilidade de escolha e à responsabilidade decorrente das escolhas (ASHCROFT et al,
2007).
Em razão da autonomia que o indivíduo pode exercer suas próprias escolhas, livres de
determinações exógenas e endógenas, o que não significa um pleno entendimento da ação
escolhida ou uma ausência completa de influências sobre sua ação (MUNHOZ, 2014, p. 20).
Como referencial nortear da relação médico-paciente, a autonomia proporciona ao paciente
conhecer as possibilidades existentes para enfrentar a doença e ser livre para escolher sem
qualquer coação (GAZZOLA et al, 2020, p. 40).
Tal princípio legitima a atuação médica beneficente e não maleficente no paciente, além de
se congregar a uma atuação justa no universo da Saúde (MUNHOZ, 2014, p. 16).
Portanto, verifica-se que a autonomia ocupa hoje um lugar de destaque na conformação geral
das relações sociais, na medida em que a história caminhou para o alcance gradativo de
proteção ao exercício das liberdades individuais e da pluralidade cultural (AGUIAR;
MEIRELES, 2018, p. 134).
Ocorre que, a julgar pelo discurso conservador que envolve as discussões no Brasil, é possível
verificar a dificuldade de exercício da autonomia no tocante a proximidade e as escolhas
referentes ao fenômeno morte. A partir da implementação da Resolução nº 1.995/2012, do
CFM, foi possível perceber um tímido avanço nos procedimentos de consentimento e
negativa de procedimentos em situações de terminalidade.
No que tange aos cuidados paliativos, existe um quadro de fragilidade e vulnerabilidade do
paciente, o qual pode impactar de maneira direta no exercício da sua autonomia. Para Taciana
Cervi (2018, p. 99) “o processo que conduz a esse momento final de extinção da
personalidade denota momento ímpar da vulnerabilidade humana”.
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No entanto, é impossível afirmar de maneira determinante que as pessoas vulneráveis não
têm capacidade de consentir. É preciso, por isso, que o profissional de saúde compreenda o
estado precário de saúde e utilize estratégias para contornar essa situação, dentre as quais se
destaca a transmissão de uma informação clara (RAGAZZO, 2009, p. 55-57).
Independentemente do grau de seriedade da doença se impõe a responsabilidade médica de
transmitir a informação de forma que seja compreendida, devendo, inclusive, ter em mente
que mesmo enfermidades que não apresentam grave risco podem interferir na capacidade de
discernimento do paciente, a qual deve ser resgatada a partir de uma comunicação mais
apurada e abrangente entre médicos e pacientes (RAGAZZO, 2009, p. 55-57).
É preciso que o médico esteja preparado para ouvir aquilo que o paciente em situação de
terminalidade tem a dizer, até mesmo porque o seu conhecimento sobre si desafia muitas
vezes o conhecimento médico, promovendo um verdadeiro entendimento sobre a condição
do outro (ARMSTRONG, 2009, p. 85).
Importa, pois, reconhecer que “mesmo a mais perturbada das pessoas constrói um saber e
um conhecimento sobre suas condições e, por isto, diálogos que apostam neste saber têm
muita chance de serem compreendidos pelos pacientes” (FELÍCIO; PESSINI, 2017, p. 67).
Isso significa que mesmo aqueles que se descontrolam e se desestabilizam frente ao evento
(próximo ou não) da morte, podem e devem ser ouvidos nos procedimentos posteriores ao
diagnóstico.
No entanto, do âmbito da autonomia, para efeitos deste estudo, se faz necessário analisar as
pessoas com capacidade reduzida, por incapacidade jurídica, que os impeça de tomar
decisões substancialmente autônomas (MUNHOZ, 2014, p. 29).
Pessoas com a autonomia reduzida normalmente têm um responsável que decide por elas,
mas isso não as impede de tomar decisões autônomas, como, por exemplo, qual o tipo de
alimentação ela deseja comer ou não, qual roupa ela vestirá.
No caso das pessoas com deficiências intelectuais ou de alguma forma incapazes,
temporariamente ou não, por exemplo, geralmente têm um responsável que lhes ajuda a
decidir ou decidem por elas questões substanciais, mas o que determina o que é substancial
é o contexto em que a pessoa se encontra e não significa que ela não poderia tomar a decisão
sozinha ou acompanhada (MUNHOZ, 2014, p. 22).
Após receber as informações necessárias, sendo essas prestadas de forma compreensível, o
consentimento fornecido pelo paciente, constitui requisito indispensável da relação médico-
paciente, “por ser uma decisão que leva em consideração os objetivos, os valores, as
preferências e necessidades do paciente e por ele tomada depois da avaliação dos riscos e
benefícios” (DINIZ, 2002. p. 580).
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Nessa direção, indiscutível que o consentimento informado, previsto de forma simplista no
art.15 do Código Civil (“Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida,
a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”) e afirmado em diversas Resoluções dos
Conselhos profissionais, é o vetor para intervenções médicas, cirúrgicas ou não.
Da leitura do referido artigo, poderia levar ao entendimento de que somente as intervenções
que acarretassem risco de morte é que deveriam ser precedidas de consentimento informado
do paciente. Todavia, uma leitura constitucional desse dispositivo, com ênfase no princípio
da autonomia da vontade, leva à compreensão de que todo e qualquer procedimento médico
deve ser precedido de consentimento do paciente, mesmo que do mesmo não decorram
maiores riscos.
Para Heloisa Helena Barboza (2004, p. 10), o “consentimento é a expressão máxima do
princípio da autonomia, constituindo um direito dos pacientes e um dever do médico”.
Portanto, a autonomia é o princípio basilar do consentimento informado.
Para que um paciente participe das decisões que lhe interessem é imprescindível, portanto,
que tenha informações sobre todos os aspectos de sua enfermidade e das intervenções que
lhe são propostas (QUINTANA TRÍAS, 1996, p. 164).
Nesse ponto, importante informar que, apesar da interpenetração dos campos do Direito e
da Bioética, o princípio do respeito à autonomia e o princípio da autonomia da vontade são
distintos. O primeiro encontra-se no âmbito bioético, enquanto o segundo compõe-se no
meio jurídico.
Desse modo, a autonomia da vontade, ou autonomia privada, como descreve Perlingieri
(2002, p. 17), pode ser definida como “o poder, reconhecido ou concebido pelo
ordenamento estatal a um indivíduo (...), de determinar vicissitude jurídicas como
consequência de comportamentos – em qualquer medida – livremente assumidos”.
No tocante às crianças e adolescentes, a figura que permite que o indivíduo incapaz participe
da decisão é o assentimento informado. Esse instituto foi criado no âmbito clínico pediátrico
como uma maneira de respeitar o posicionamento de crianças, que não possuem capacidade
para consentir. A premissa do assentimento baseia-se no entendimento de que as crianças
possuem uma capacidade progressiva (MUNHOZ, 2014, p. 43).
O assentimento alicerça-se na capacidade de direito e na capacidade progressiva. A primeira,
a capacidade de direito, ou de gozo, Tepedino (2003) ensina que é atribuído a todo ser
humano, como explicita o artigo 1, do Código Civil, ou seja, refere-se à possibilidade de
usufruir de um negócio jurídico, mesmo sem poder estabelecê-lo (MUNHOZ, 2014, p. 43).
Já a segunda se encontra em uma lacuna jurídica, pois o Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu artigo 15, determina que a criança e o adolescente são pessoas em
desenvolvimento, o que significa que eles têm capacidade progressiva, que os permitiria
tomar decisões dependendo do seu estágio de desenvolvimento, no entanto, o Código civil
determina de modo estanque quem possui capacidade de fato, impedindo a ação autônoma
deles (MUNHOZ, 2014, p. 43).
Segundo Luciana (2014) esse debate é essencial para a compreensão do que é o assentimento
informado, tendo em vista que os pediatras não devem tratar as crianças como pequenos
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adultos, que têm plena autonomia, mas devem enxergar que há um desenvolvimento
progressivo da capacidade de consentir e, portanto, a criança deve ser tratada de acordo com
seu desenvolvimento moral na situação em que se encontra.
O reconhecimento da capacidade de assentir de uma criança, portanto, é o empoderamento
dela como ser humano, é reconhecer a dignidade humana que a criança tem por ser membro
da espécie humana. Além de que envolvê-la em decisões sobre seu tratamento de saúde pode
estimular resultados melhores.
Observa-se que, a expressão de autonomia que o assentimento se fundamenta está baseada,
além da autonomia, baseada no princípio da dignidade humana – que a bioética prega –, no
direito de personalidade de liberdade (MUNHOZ, 2014, p. 48-49).
Desse modo, a participação das crianças nas decisões sobre sua própria saúde deve ser
considerada desde que sejam identificadas pela equipe multiprofissional como capazes de
avaliar o problema. Idade, capacidade intelectual, cognitiva e emocional estão envolvidas na
habilidade em contribuir para as decisões.
A criança, portanto, tem direito a fazer opções sobre os procedimentos diagnósticos e
terapêuticos, embora, em situações entendidas como de risco e frente à realização de
procedimentos de alguma complexidade, torna-se sempre necessária a participação e o
consentimento dos pais ou responsáveis. No entanto, se a criança recusar o tratamento
deverá ser ouvida, especialmente se os benefícios desejados são pouco prováveis.
Deve haver relação de confiança, boa comunicação e respeito mútuo entre o médico, o
paciente e seus responsáveis – os pais, na maioria das vezes.
Detalhes sobre a doença, prognóstico e opções terapêuticas devem ser explicados
claramente, para que todos lidem com a situação de crise de forma racional.
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Dentro dessa limitação legal, a criança e o adolescente perdem a possibilidade de agir de
forma autônoma, já que não podem firmar o consentimento informado.
Em relação às crianças, a saber, pessoas com menos de 12 (doze) anos, são escassas na
doutrina considerações a respeito do exercício da autonomia, talvez porque se compreenda
que as crianças em geral, de fato, não possuem tal capacidade (AGUIAR; BARBOZA, 2017,
p. 29).
Em contrapartida, nasce nos Estados Unidos, nos anos setenta, a teoria do menor maduro.
A partir dessa acepção, “a sociedade e as leis americanas reconheceram a existência de um
estado de maturidade cognitiva independente da idade cronológica, conhecido como mature
minor status” (LOCH, 2012, p. 353).
De acordo com a teoria, um indivíduo será considerado maduro quando possui “uma
capacidade natural de juízo ou suficiente maturidade para compreender a natureza e
transcendência do ato ao qual consente e as consequências mais relevantes que se derivarão
dele” (CASABONA, 2005, p. 150).
Ainda, segundo a Doutrina do Menor Maduro, é permitido ao menor consentir ou se opor
a um procedimento ou tratamento médico, se ficar comprovado que a criança é
suficientemente madura para entender, discernir e apreciar os benefícios e os riscos do
tratamento médico proposto (MUNHOZ, 2014, p. 132).
Essa Doutrina reconhece, portanto, que as crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos
e concede-lhes a capacidade processual de exercer e reivindicar seu direito à autonomia
(MUNHOZ, 2014, p. 133).
Assim como a Doutrina do Menor Maduro efetiva a possibilidade dos adolescentes de
tomarem decisões autônomas no âmbito da saúde, o princípio da autonomia progressiva
concede à criança essa mesma possibilidade, bem como expande a compreensão de que, da
mesma maneira o adolescente é um menor maduro que poderá consentir, a criança tem
desenvolvimento cognitivo e moral que se aperfeiçoa, podendo fazer parte da decisão
médica, por meio do assentimento informado.
O princípio da capacidade progressiva é um princípio interpretativo da Convenção sobre os
Direitos da Criança, de 1989, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710/1990.
De acordo com o art. 12 da Convenção, deve ser assegurado aos menores de 18 (dezoito)
anos o direito de expressar livremente as suas opiniões sobre os assuntos relacionados a si,
as quais devem ser levadas em consideração em função de sua idade e maturidade.
O artigo 12 promove uma verdadeira mudança na abordagem acerca da criança, que
anteriormente era tida como um recipiente passivo de proteção do adulto e agora é
reconhecida como agente ativo mediante o exercício do direito de participar da tomada de
decisões que afetem suas vidas.
No entanto, o artigo 12 assevera o direito da criança de estar envolvida no processo de
tomada de decisão em todos os assuntos que afetem sua vida, mas é o adulto que terá a
responsabilidade pelo resultado. O resultado, portanto, será decidido por adultos, mas
informado e influenciado pelas opiniões da criança (MUNHOZ, 2014, p. 135).
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Percebe-se que tanto a Doutrina do Menor Maduro quanto o princípio da capacidade
progressiva, conferem a capacidade decisória para os menores decidirem a respeito de sua
própria saúde.
A efetivação da autonomia progressiva e da Doutrina do Menor Maduro é o reconhecimento
de que os direitos de personalidade da criança e do adolescente não estão sujeitos ao pátrio
poder e que progressivamente eles adquirem capacidade para participar da tomada de
decisões e finalmente realizam-na sozinhos.
A partir do momento em que se admite que as crianças são sujeitos de direitos, é possível
enxergá-las como indivíduos cuja capacidade evolui progressivamente, podendo quando
criança fazer parte do processo de decisão e quando adolescente tomar a decisão.
Ao fazer parte do processo de decisão no âmbito médico-clínico, essa capacidade progressiva
ganha a roupagem de autonomia progressiva. Isso significa que o princípio do respeito à
autonomia de Beauchamp e Childress (2009), que deve ser percebido em conjunto com os
princípios da igualdade, da beneficência e da não maleficência, se torna progressivo,
conformados e, portanto, no princípio da autonomia progressiva.
Desse modo, a partir do momento em que se constrói a autonomia progressiva é possível o
envolvimento da criança e do adolescente no processo de tomada de decisão.
O adolescente, devido ao seu desenvolvimento cognitivo e moral, poderá, se desejar, tomar
a decisão. A possibilidade de entregar a responsabilidade ao adolescente sobre seus direitos
de personalidade não o sobrecarrega, pois ele agirá na medida de seu desenvolvimento,
podendo recorrer aos responsáveis legais, se ainda não se sentir capaz de tomar a decisão ou
se o médico em sua avaliação entender que ele não está preparado para tomar a decisão
(HARRISON, 1997).
No entanto, a criança, por sua vez, quando ainda muito pequena não participará de decisões
efetivamente importantes, mas poderá realizar pequenas escolhas, de acordo com cada caso
em específico.
Quando a criança acredita não ter capacidade de decidir é preciso definir e apoiar o papel
dela, por meio do equilíbrio entre o desejo dos representantes legais, do médico pediatra,
bem como o envolvimento da criança na tomada de decisão.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cuidados paliativos proporcionam assistência transversal nos diversos níveis de atenção por
meio de equipes preparadas para atuar de forma interdisciplinar, apoiando os familiares e
melhorando a qualidade de vida do paciente ao lhe garantir mais autonomia no processo de
saúde-doença e fim de vida.
Se percebe a necessidade de pesquisas que abordem a perspectiva da criança sobre os
diversos assuntos relacionados à qualidade de vida e ao adoecimento, a fim de melhorar o
cuidado prestado.
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Este estudo buscou dar um passo nesse sentido, de modo que as propostas analisadas ao
longo do trabalho podem ser reunidas em correntes distintas, qual seja, de um lado, aquelas
que indicam um critério etário, a partir do qual a capacidade decisória será presumida e, de
outro, os estudiosos que sustentam uma aferição casuística do discernimento ou competência
do menor, desvinculando-o dos parâmetros jurídicos, baseando-se na Doutrina do Menor
Maduro e autonomia progressiva.
A partir da capacidade progressiva, que reconhece a evolução da capacidade de crianças e
adolescentes no exercício dos direitos de participação dos atos que lhe envolvem, buscou-se
desenvolver os delineamentos do princípio da autonomia progressiva.
De acordo com tal princípio, o adolescente tem desenvolvimento cognitivo e moral
suficiente para tomar decisões no âmbito médico clínico e que a criança deverá estar
envolvida no processo de tomada de decisão acerca de procedimentos médicos.
Resta, portanto, continuar atentos ao cuidado diário de pacientes e familiares em um dos
momentos mais delicados da vida, e seguir progredindo para melhor estudar, compreender
e modificar a rotina assistencial, especialmente no que tange à autonomia do menor.
REFERÊNCIAS
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ISSNe 2595-1602 26
EMPREGO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA SELEÇÃO DE
EMBRIÕES HUMANOS DESDE A PERSPECTIVA DA
RESPONSABILIDADE À PRIVACIDADE
RESUMO
Este artigo objetiva investigar os cenários legais em torno do uso de inteligência artificial (IA)
na seleção de embriões humanos no contexto do direito civil. Assim, mediante o método
hipotético-dedutivo e por meio de revisões bibliográficas, ao examinar as estruturas jurídicas
existentes, buscou-se abordar questões de responsabilidade, explorar questões de proteção
de dados e privacidade, fornecendo informações importantes para profissionais do direito e
formuladores de políticas na interseção de IA e seleção de embriões humanos. A análise visa
facilitar discussões significativas e promover a compilação e sistematização de estruturas
legais eficazes diante da integração tecnológica da IA na reprodução humana assistida (RHA),
nomeadamente, a seleção embrionária.
Palavras-chave: Embriões humanos; Inteligência artificial; Privacidade; Responsabilidade.
1
Doutoranda em Direito na área de concentração: Teorias da Justiça (justiça e exclusão); linha de pesquisa:
direito e vulnerabilidades - Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP. Bolsista CAPES/PROSUP.
Doutoranda em Cotutela - Universidad Pública de Navarra - UPNA. Mestra em Direito pelo Centro
Universitário Eurípides de Marília - UNIVEM (2018). Graduada em Direito pelo Centro Universitário
Eurípedes de Marília - UNIVEM (2015). Professora Pesquisadora na Universidad Pública de Navarra -
UPNA. Advogada. E-mail: bruna.guesso@gmail.com. Lattes CV: http://lattes.cnpq.br/9701756143903023.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1881-3961
2
Doutor em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2008),
Mestrado (2003) e graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Marília, Fundação Eurípides Soares
da Rocha (1990). Atua como Delegado de Polícia da Polícia Civil do Estado de São Paulo e professor da
Academia da Polícia Civil do Estado de São Paulo, principalmente, nos seguintes temas: crimes
informáticos, furto mediante fraude, inquérito policial eletrônico e biobancos. E-mail:
mariofurlaneto1@gmail.com. Lattes CV: http://lattes.cnpq.br/2788979685888836 ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-8453-3848
3
Pós-doutor em Direito pelo Ius Gentium Conimbrigae da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra (2015). Doutor em Direito pela Instituição Toledo de Ensino - ITE, Bauru-SP (2012). Mestre em
Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP (2001). Graduado
pela Faculdade de Direito de Marília, hoje Curso de Direito do Centro Universitário Eurípides de Marília,
UNIVEM, mantida pela Fundação Eurípides Soares da Rocha (1995). Líder do Grupo de Pesquisa: Direitos
Fundamentais Sociais na era digital, DIFUSO. Autor de obras e artigos científicos. Professor da Graduação
(1999), Mestrado (2012), Coordenador do Curso de Direito (2020) do UNIVEM e Advogado (1996). E-
mail: teofiloleaojr@gmail.com. Lattes CV: http://lattes.cnpq.br/4869509829074146 ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-1983-4967
ISSNe 2595-1602 27
1. INTRODUÇÃO
ISSNe 2595-1602 28
Assim, propõe-se contribuir para a compilação e sistematização de estruturas legais
eficazes, que permitam uma integração responsável e legal da IA no emprego da seleção de
embriões. Considera-se a complexidade do tema proposto que está em constante evolução
e, espera-se que esta pesquisa estimule uma reflexão aprofundada, promovendo o
desenvolvimento de abordagens regulatórias equitativas e sustentáveis.
4
Nota-se que pode ser realizada a transferência de mais de um embrião simultaneamente, visando aumentar
as chances da gravidez, consequentemente este fato influencia a obtenção de estatísticas mais precisas sobre
a porcentagem de gestações geradas por FIV (STARIOLO, 2023, p. 01).
ISSNe 2595-1602 29
12-14% dos casais tenham problemas de infertilidade ao longo da vida” (TORRE DÍAZ,
2015, p. 183, tradução nossa). A Sociedade Espanhola de Fertilidade (SEF), em várias
publicações, indica que a prevalência de infertilidade estaria entre 15 e 25% dos casais (SEF,
2023). Além disso, em alguns países desenvolvidos, 2 a 4% dos nascimentos já ocorrem por
meio da RHA (na Dinamarca, ultrapassa 4%) (TORRE DÍAZ, 2015, p. 183, tradução nossa).
Observa-se com estes dados a crescente a demanda frente o uso das técnicas de
RHA mediante a FIV no Brasil e no mundo, o que motiva a busca de aprimoramento da
técnica em relação aos embriões que serão implantados no útero materno. Nesta esfera, a IA
foi recentemente introduzida neste processo de seleção. Hoje também é possível usar a
inteligência artificial para selecionar o embrião com maior capacidade de implantação para
cada caso e poder otimizar os resultados do RHA (DIMITRIADIS; ZANINOVIC;
BADIOLA; BORMANN, 2022, p. 189, tradução nossa).
Os métodos usados para selecionar embriões de alta qualidade para procedimentos
de transferência em FIV vale-se de abordagem tradicional baseando-se na análise
morfológica, usando observação visual e avaliação subjetiva por embriologistas. Vários
sistemas de pontuação foram propostos para auxiliar na seleção de embriões, mas esses
métodos são limitados em sua eficácia e podem estar sujeitos a restrições legais em alguns
países (MANNA, 2013, p. 43, tradução nossa).
ISSNe 2595-1602 30
combinações interativas em um denso emaranhado de dados, formando uma biologia
sistêmica” que revela todas as “dobras que compõem cada pessoa”.
A IA é aplicada na seleção de embriões por meio de algoritmos e análises complexas
que processam dados genéticos e informações clínicas dos embriões. Esses algoritmos
podem ajudar a identificar embriões com maior probabilidade de sucesso de implantação e
desenvolvimento saudável, aumentando assim as chances de uma gravidez bem-sucedida em
tratamentos de fertilidade, como a FIV.
O processo de seleção de embriões com IA envolve etapas como a análise do
genoma dos embriões, avaliação de características específicas e identificação de anomalias
genéticas ou cromossômicas que podem afetar o desenvolvimento fetal. A partir dessas
informações, a IA pode classificar os embriões em termos de viabilidade e potencial de
sucesso, auxiliando os profissionais de saúde na tomada de decisões sobre quais embriões
devem ser transferidos para o útero da mulher receptora (KRAGH; KARSTOFT, 2021, p.
1, tradução nossa).
ISSNe 2595-1602 31
A análise do sêmen é o primeiro passo na avaliação de casais inférteis:
ISSNe 2595-1602 32
reprodução humana assistida foi a Resolução CFM nº 1358/92 e, a atual trata-se da
Resolução nº 2.320/22 que atualizou as regras da reprodução humana assistida no Brasil e
foi publicada pelo CFM em 20 de setembro de 2022. As resoluções estabelecem as normas
éticas e técnicas para a utilização das técnicas de reprodução assistida.
A Resolução nº 2.320/22 estabelece as indicações, critérios e limitações para a
realização dos procedimentos de RHA, incluindo a fertilização in vitro (FIV), a inseminação
artificial e a transferência de embriões. A resolução também aborda questões de
consentimento informado, descarte de embriões e anonimato do doador de gametas.
Deveras, há idade limite para a utilização das técnicas, bem como obrigatoriedade
de acompanhamento médico adequado durante todo o processo. Por sua vez, o número
máximo de embriões que pode ser transferido durante um procedimento de RHA varia
conforme a faixa etária da mulher receptora e a técnica utilizada (BRASIL, 2022).
Os critérios e limitações são estabelecidos para garantir a segurança e a eficácia dos
tratamentos, evitando gestações múltiplas que possam apresentar riscos tanto para a mãe
quanto para os fetos. Para a FIV, os critérios de transferência de embriões são: Mulheres de
até 37 anos podem implantar até dois embriões, acima desta idade, cada uma poderá
transferir até três. Em caso de embriões euplóides5 (com 46 cromossomos), a resolução
delimita a implantação em até dois embriões, independentemente da idade. Em caso de
gravidez múltipla, a redução embrionária é proibida (BRASIL, 2022).
Quanto à idade limite para a utilização das técnicas de reprodução assistida, a
resolução estabelece que mulheres com até 50 anos podem se submeter aos procedimentos
de FIV e outras técnicas de reprodução assistida. No entanto, é importante destacar que a
decisão de aceitar pacientes com mais de 50 anos fica a critério da equipe médica, levando
em consideração a saúde geral da paciente e a possibilidade de complicações associadas a
gestações em idades avançadas (BRASIL, 2022).
Por outro lado, o consentimento informado também é uns pontos principais da
resolução do CFM que enfatiza a importância do instituto por parte dos pacientes antes de
iniciar qualquer procedimento de reprodução assistida. O consentimento informado deve ser
obtido de forma clara e compreensível, garantindo que os pacientes estejam plenamente
cientes dos procedimentos, riscos, benefícios, limitações e implicações legais e éticas
envolvidas. É fundamental que os pacientes sejam informados de todas as opções
disponíveis, permitindo-lhes fazer escolhas esclarecidas de acordo com suas circunstâncias e
valores (BRASIL, 2022).
A resolução também estabelece diretrizes claras em relação ao descarte de embriões
excedentes após os procedimentos de RHA. O número total de embriões gerados em
laboratório não é mais limitado, devendo os pacientes decidir sobre quantos serão
transferidos a fresco. Os excedentes viáveis devem ser criopreservados. Antes da geração
dos embriões, os pacientes devem informar por escrito o destino a ser dado aos
5
Embrião com mais potencial para se implantar no útero e com mais probabilidades de evoluir para uma
criança saudável.
ISSNe 2595-1602 33
criopreservados em caso de divórcio, dissolução de união estável, falecimento de uma das
partes ou de ambas, sendo a doação uma possibilidade (BRASIL, 2022).
No que diz respeito ao anonimato do doador de gametas (óvulos ou
espermatozoides), a resolução determina que a doação deve ser realizada de forma voluntária
e anônima. O doador não deve ter conhecimento da identidade do receptor e vice-versa.
Esse anonimato visa preservar a privacidade e os direitos de ambas as partes envolvidas,
protegendo a identidade do doador e a autonomia do receptor (BRASIL, 2022).
É importante ressaltar que a resolução também aborda outras questões relacionadas
à reprodução assistida, como a utilização de técnicas de FIV por pessoas solteiras e casais
homoafetivos, a proibição da seleção de sexo do embrião (salvo por indicação médica) e as
normas para a realização de procedimentos de doação de gametas e embriões (BRASIL,
2022).
Outrossim, além da resolução supramencionada, existem outras legislações que
também são relevantes para a aplicabilidade jurídica da RHA no Brasil. Os principais
regulamentos de direito civil em RHA, pode ser encontrado diretamente no Código Civil que
estabelece os princípios gerais do direito civil, incluindo questões relacionadas ao direito à
vida e à proteção dos direitos da personalidade.
Além disso, a Lei nº 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) aborda questões
relacionadas à utilização de técnicas de reprodução assistida, manipulação genética e
utilização de células-tronco embrionárias, estabelecendo as normas para a pesquisa e
aplicação de tecnologias reprodutivas no Brasil (BRASIL, 2005). Esses são alguns dos
principais regulamentos em RHA no país.
Conquanto, cumpre destacar que o uso de IA na seleção de embriões ainda é uma
área em constante evolução e pesquisa, questões legais, nomeadamente relacionadas a seara
civil, também devem ser consideradas para garantir que essa tecnologia seja aplicada de forma
responsável e em conformidade com os preceitos jurídicos que envolvem a medicina
reprodutiva.
E assim chega-se a um dos pontos centrais deste artigo: a responsabilidade civil. A
questão fundamental da responsabilidade legal no contexto da seleção de embriões assistida
por IA deve examinar quem são os agentes envolvidos neste processo, como clínicas de
reprodução assistida, profissionais de saúde e desenvolvedores de sistemas de IA. A
atribuição de responsabilidade em casos de resultados desfavoráveis ou falhas decorrentes
do uso da IA na seleção de embriões e a importância de estabelecer padrões claros para
garantir a integridade e segurança dos procedimentos.
Portanto, para aprofundamento da temática proposta, passa-se trazer à baila análise
de possíveis questões de responsabilidade civil envolvendo sistemas de IA na seleção de
embriões.
ISSNe 2595-1602 34
Atualmente, com o impulso da nova revolução tecnológica, enfrenta-se uma série
de desafios legais, o que exige cuidadosamente análise da situação fática e jurídica.
Definida por Klaus (2016, p. 14) esta revolução tem o potencial de transformar
completamente a humanidade, impactando vidas, trabalho e relacionamentos de maneira
profunda. A quarta revolução industrial é algo sem precedentes, em termos de sua escala,
escopo e complexidade, e promete mudanças radicais nunca experimentadas pela
humanidade, razão pela qual essencial a análise jurídica da temática proposta.
Inobstante, a responsabilidade civil decorrente de danos resultantes do emprego de
IA na seleção de embriões humanos pode estar sujeita às regras dispostas tanto no Código
Civil quanto no Código de Defesa do Consumidor (CDC), dependendo do contexto
específico em que ocorre o dano.
O Código Civil é a principal fonte de normas que regula a responsabilidade civil no
Brasil. No âmbito da reprodução assistida com o uso de IA na seleção de embriões, o Código
Civil pode ser aplicado em várias situações, como a responsabilidade profissional, se assim
ocorrer um erro ou negligência por parte de profissionais de saúde, como médicos,
embriologistas ou outros envolvidos nos procedimentos de RHA com IA, as regras de
responsabilidade civil do Código Civil podem ser aplicadas para responsabilizar o
profissional ou a clínica por danos causados aos pacientes.
De acordo com Nogaroli (2023, p. 02, grifo nosso):
ISSNe 2595-1602 35
cause danos aos pacientes, eles podem recorrer ao Código Civil e seus artigos relacionados
para buscar reparação pelos danos sofridos.
Além do artigo 186, outros dispositivos do Código Civil também podem ser
relevantes para a responsabilidade civil em casos específicos, como o artigo 927, que trata da
obrigação de indenizar, e o artigo 942, que estabelece a responsabilidade solidária em casos
de atividades de risco (BRASIL, 2002).
Por outro lado, há a responsabilidade contratual, se houver um contrato entre as
partes (pacientes e clínica de reprodução assistida, por exemplo), o Código Civil também
pode ser aplicado em caso de descumprimento do contrato ou falha na prestação de serviços,
incluindo danos decorrentes do uso de IA na seleção de embriões.
O artigo do Código Civil que trata da responsabilidade contratual é o artigo 389,
estabelecendo a obrigação de reparação dos danos causados pela parte que não cumprir ou
cumprir de forma inadequada com suas obrigações contratuais. In verbis: "Não cumprida a
obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado" (BRASIL,
2002).
Portanto, se em um contrato relacionado aos procedimentos de reprodução
assistida com o uso de IA na seleção de embriões, houver falha no cumprimento das
obrigações estabelecidas no contrato, o devedor (neste caso, o prestador de serviços ou
clínica) poderá ser responsabilizado pelos danos causados ao paciente, além de arcar com
perdas e danos, juros e atualização monetária, conforme estabelecido no artigo 389.
Todavia, o CDC, também pode ser aplicado para proteger os pacientes
(considerados consumidores) em caso de danos decorrentes da prestação de serviços, desde
que danos sejam causados por defeitos ou falhas nos procedimentos de seleção de embriões
com IA. O artigo do CDC que pode ser aplicado é o artigo 14:
ISSNe 2595-1602 36
A aplicação do CDC é importante quando o paciente se enquadra como
consumidor nos termos da lei, ou seja, quando ele contrata um serviço ou produto para uso
pessoal ou familiar. Nesse contexto, a relação entre a clínica de reprodução assistida e o
paciente é considerada uma relação de consumo, e o CDC é aplicado para proteger os direitos
e interesses do consumidor.
Nesta perspectiva, com base no Código Civil e CDC passa-se analisar eventuais
hipóteses dos danos causados pelo emprego de IA na seleção de embriões humanos,
elencando a responsabilidade de cada uma delas:
Os desenvolvedores e fornecedores de sistemas de IA podem ser responsabilizados
caso ocorram erros ou falhas nos algoritmos utilizados na seleção de embriões. Nesse caso,
a responsabilidade é subjetiva, pois depende de comprovar a culpa ou negligência dos
desenvolvedores ou fornecedores. Se a IA apresentar falhas devido a erros no
desenvolvimento do software ou negligência na sua implementação, os responsáveis podem
ser considerados responsáveis pelos danos resultantes.
Todavia, se a IA for incapaz de fornecer resultados precisos e confiáveis, o
desenvolvedor ou fornecedor do software pode ser considerado responsável por danos
resultantes de tais falhas. Neste caso, a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe da
comprovação de culpa ou negligência. Mas, se a IA não cumprir sua função adequadamente,
o desenvolvedor ou fornecedor pode ser responsabilizado pelos danos causados, mesmo que
não tenham agido com culpa, nos termos do artigo do Código Civil 927 (NOGAROLI, 2023,
p. 2).
No que concerne aos profissionais de saúde e clínicas de reprodução assistida que
utilizam a IA na seleção de embriões podem ser considerados responsáveis se não cumprirem
os padrões adequados de cuidados e diligência, ao propor a IA uma solução deve haver a
avaliação do profissional, caso siga a proposta de tratamento bastante fora do padrão trazido
pela IA, a aferição da culpa médica se torna, de certa forma, menos complexa, pois o
profissional age em evidente falta de diligência (erro grosseiro) (NOGAROLI, 2023, p. 2).
Neste caso, a responsabilidade é subjetiva, pois depende de comprovar a culpa ou
negligência dos profissionais ou clínicas. Se eles não adotarem os devidos cuidados na
implementação e monitoramento da IA podendo evitar resultados adversos, podem ser
considerados responsáveis pelos danos causados, de acordo com os artigos 186 e 927.
De acordo com Nogaroli (2023, p. 2) para verificar “se um médico agiu
culposamente em um caso específico, devem ser analisados os padrões de conduta
profissional exigidos no momento da atuação médica”. Corroborando, Price (2023, tradução
nossa) aduz que o médico, “caso não seja diligente na utilização da IA, pode ser
responsabilizado”. Nesta perspectiva, Molnár-Gábor (2020, p. 350-35, tradução nossa)
preleciona que “se os médicos reconhecerem, com base em suas expertises, que as
informações fornecidas pela IA estão incorretas naquele caso específico, não devem
considerá-las como base para sua decisão”.
ISSNe 2595-1602 37
seguiu o diagnóstico ou tratamento sugerido pela IA; ou (ii) porque - e
com base em quais fatores - ele se desviou da recomendação algorítmica.
O médico é livre para escolher seus meios de diagnóstico e propostas de
terapia, mas também é responsável por suas escolhas. De todo modo, há
uma premissa básica na avaliação da culpa médica, que será sempre uma
constante na análise jurídica dos eventos adversos ocorridos por ato
essencialmente médico: a álea terapêutica, os fatores aleatórios da prática
da Medicina tornam impossível impor ao médico uma obrigação de
infalibilidade ou absoluta exatidão (NOGAROLI, 2023, p. 3).
ISSNe 2595-1602 38
uma lógica diversa daquela tradicional visão da responsabilidade civil
contratual (NOGAROLI, 2023, p. 7).
ISSNe 2595-1602 39
armazenamento e utilização desses dados sejam realizados em conformidade com as
regulamentações vigentes.
Byung-Chul Han (2018, p. 57) já alertava que “a comunicação automática entre as
coisas, que ocorre sem qualquer intervenção humana, fornecerá novo sustento para
fantasmas”, segundo ele, “ela é como que conduzida por mãos fantasmagóricas. Os
fantasmas digitais cuidariam talvez para que tudo em algum momento saísse de controle”.
Nesse cenário, informações altamente sensíveis são coletadas e processadas para a
tomada de decisões cruciais na reprodução assistida. A proteção desses dados deve ser
encarada como uma prioridade, assegurando que os pacientes tenham controle sobre o uso
de suas informações genéticas e pessoais, bem como que os fornecedores de serviços e
desenvolvedores de sistemas de IA estejam em conformidade com as normas legais e éticas
aplicáveis (SOCIEDADES DEL GRUPO QUIRÓNSALUD, p. 01, 2023, tradução nossa).
A implementação de medidas de segurança tecnológicas e a adoção de protocolos
rigorosos de privacidade são essenciais para garantir que essas informações sejam tratadas
com confidencialidade e respeito à dignidade dos pacientes.
Para assegurar a transparência e segurança nesse cenário, é essencial que os
pacientes sejam devidamente informados sobre o propósito, extensão e potenciais riscos do
uso de suas informações para a seleção de embriões. Ademais, é imprescindível fornecer
informações claras sobre como a IA será empregada no processo, as etapas envolvidas e as
medidas de segurança implementadas para proteger os dados. O consentimento informado
deve ser obtido de forma livre e esclarecida, permitindo que os pacientes tomem decisões
informadas e tenham controle sobre o uso de suas informações.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil é o marco legal essencial a ser
considerado nesse contexto. A LGPD, Lei nº 13.709, foi promulgada em 14 de agosto de
2018, regulamentando o tratamento de dados pessoais por entidades públicas e privadas e,
estabelecendo regras para proteger a privacidade e os direitos dos titulares dos dados no país.
A LGPD entrou em vigor em setembro de 2020 e trouxe importantes mudanças no cenário
de proteção de dados, garantindo maior controle e segurança sobre as informações pessoais
dos cidadãos.
Na seara da reprodução assistida, a coleta e o processamento de dados genéticos e
informações médicas dos pacientes são comuns durante os procedimentos de seleção de
embriões. A utilização de IA para analisar e tomar decisões com base nesses dados intensifica
a necessidade de proteção da privacidade e da segurança dos dados.
Isto porque, “as novas vulnerabilidades tecnológicas nunca são apenas tecnológicas:
também se convertem em vulnerabilidades humanas, existenciais” (COECKELBERH, 2021,
p. 93, tradução nossa).
A LGPD impõe alguns princípios e requisitos importantes que devem ser
observados no contexto da reprodução assistida com IA sendo o consentimento, a finalidade,
a transparência, a segurança, direito dos titulares e transferência internacional de dados.
Nessa dimensão, a LGPD exige que o tratamento de dados pessoais seja realizado
com o consentimento dos titulares dos dados. Isso significa que os pacientes devem ser
ISSNe 2595-1602 40
informados sobre como seus dados serão utilizados, com quem serão compartilhados e para
quais finalidades. O consentimento deve ser livre, informado e inequívoco, conforme
previsto no inciso I do artigo 7º (BRASIL, 2018).
A coleta e o processamento de dados pessoais devem ter uma finalidade específica
e legítima. No caso da reprodução assistida com IA, os dados devem ser utilizados somente
para a seleção de embriões e outros procedimentos relacionados à saúde reprodutiva, de
acordo com o princípio da finalidade, disposto no artigo 6°, inciso I, da lei em comento
(BRASIL, 2018).
A LGPD exige que os pacientes sejam informados de forma clara e acessível sobre
o tratamento de seus dados pessoais. As clínicas e profissionais de saúde devem fornecer
informações detalhadas sobre o tratamento dos dados durante os procedimentos de
reprodução assistida, promovendo o princípio da transparência, disposto no artigo 6°, inciso
VI, da lei em comento.
Destaca-se a importância da transparência e explicabilidade em sistemas de IA e
como essas características podem afetar a confiança dos cidadãos na tecnologia e em seus
criadores. Menciona-se que os cidadãos têm o direito de saber as razões por trás das decisões
tomadas pelos algoritmos de IA e que essa explicação deve ser compreensível para eles.
Transparência não significa revelar todo o código do software, mas fornecer explicações
razoáveis sobre as decisões tomadas pela IA sem precisar revelar seu funcionamento
detalhado. Ressalta-se que a prestação de contas e a rastreabilidade são essenciais para
garantir a confiança na IA e evitar possíveis vieses discriminatórios em suas decisões (RUIZ
BLÁZQUEZ, 2022, p. 265-267, tradução nossa).
Ruiz Blázquez (p. 267-268, 2022) se refere à falta de transparência nos algoritmos
de IA como opacidade, destacando que funcionam como "caixas pretas" cujo funcionamento
interno é desconhecido para os usuários, criando uma sociedade cada vez mais tecnológica e
desconectada das decisões tomadas. De acordo com o autor, reconhece-se que o risco zero
no desenvolvimento de tecnologias emergentes não é possível, mas enfatiza-se a importância
de determinar e regular o limite de risco que a sociedade está disposta a assumir. A falta de
conhecimento e responsabilidade em relação à IA é um problema ético e legal. Destaca-se a
necessidade de analisar as decisões tomadas pelos algoritmos de IA e evitar a opacidade para
evitar vieses que possam afetar a sociedade.
Dworkin (2000, p. 5-32) defende uma teoria de igualdade que reconhece a
importância da responsabilidade individual e da igual consideração dos indivíduos. No
contexto da seleção de embriões com o uso de IA, a aplicação dessa teoria requer uma
abordagem que considere as particularidades de cada paciente e suas responsabilidades na
tomada de decisões. Ao utilizar IA na seleção de embriões, é essencial que os pacientes
tenham acesso transparente e informado ao processo, e que suas escolhas e circunstâncias
individuais sejam adequadamente consideradas. A aplicação de IA deve garantir que as
informações fornecidas pelos pacientes sejam precisas e que os algoritmos de seleção levem
em conta a diversidade das circunstâncias individuais.
Portanto, a correlação com os ideais de responsabilidade preceituados por Dworkin
no uso de IA na seleção de embriões envolve encontrar um equilíbrio entre a igual
ISSNe 2595-1602 41
consideração e respeito pelos pacientes e o reconhecimento de suas responsabilidades
individuais na tomada de decisões no contexto da reprodução assistida.
Ademais, as entidades que realizam a reprodução assistida com IA devem adotar
medidas de segurança adequadas para proteger os dados pessoais dos pacientes contra
acessos não autorizados, perdas ou vazamentos, nos termos do artigo 47 da LGPD (BRASIL,
2018).
A LGPD concede, mediante seu artigo 18 e incisos, aos pacientes uma série de
direitos em relação aos seus dados pessoais, incluindo o direito de acesso, correção, exclusão
e portabilidade das informações (BRASIL, 2018).
E, a norma em testilha também estabelece regras, disposta em seu artigo 33 e
incisos, para a transferência internacional de dados pessoais. Caso os dados dos pacientes
sejam compartilhados com entidades fora do Brasil, devem ser observadas as exigências
legais para essa transferência (BRASIL, 2018).
Denota-se que a LGPD é aplicável ao tema da reprodução empregados por IA
garantindo a proteção da privacidade e da segurança dos dados pessoais dos pacientes
envolvidos nesses procedimentos. Indubitavelmente, o cumprimento da LGPD é essencial
para assegurar que o uso da IA na seleção de embriões seja realizado de forma legal
respeitando os direitos e a privacidade dos indivíduos.
Portanto, as abordagens normativas apontadas e analisadas oportunizam a
compilação e a sistematização de estruturas legais eficazes visando melhores práticas por
profissionais antes, durante e após o emprego de IA na seleção de embriões humanos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
ISSNe 2595-1602 42
A determinação da responsabilidade civil no contexto do uso da IA na seleção de
embriões humanos é multifacetada, podendo recair sobre diferentes atores envolvidos no
processo, dependendo das circunstâncias específicas e das leis aplicáveis em cada jurisdição.
Os desenvolvedores e fornecedores de sistemas de IA podem ser responsabilizados caso
ocorram erros ou falhas nos algoritmos utilizados na seleção de embriões. Se a IA for incapaz
de fornecer resultados precisos e confiáveis, o desenvolvedor ou fornecedor do software pode
ser considerado responsável por danos resultantes de tais falhas.
Outra banda, profissionais de saúde e clínicas de RHA que utilizam a IA na seleção
de embriões podem ser considerados responsáveis se não cumprirem os padrões adequados
de cuidados e diligência. Isso inclui garantir que a IA seja corretamente calibrada,
implementada e monitorada para evitar resultados adversos. Em alguns casos, os próprios
pacientes e usuários também podem ser considerados responsáveis por danos causados pelo
uso da IA na seleção de embriões, especialmente se não fornecerem informações precisas ou
omitirem informações relevantes que poderiam afetar o processo de seleção.
Assim, a responsabilidade civil no contexto da seleção de embriões com o uso da
IA depende de diversos fatores, incluindo a natureza das falhas ou danos ocorridos e o papel
desempenhado por cada agente envolvido no processo. É fundamental que haja uma análise
detalhada das circunstâncias de cada caso para determinar com precisão a responsabilidade
civil. É crucial reconhecer que o julgamento profissional e o diagnóstico clínico definitivo
não podem ser automatizados, pois haverá situações em que o médico, com base em
fundamentos sólidos e científicos, não deverá convalidar os resultados da IA.
Outro aspecto fundamental a ser destacado é a proteção da privacidade das
informações genéticas e médicas dos indivíduos. A IA requer acesso a dados sensíveis para
realizar análises precisas, levantando preocupações sobre o uso ético e compartilhamento
seguro desses dados. Garantir medidas apropriadas de proteção de dados e adesão estrita aos
padrões de privacidade durante o processo de seleção de embriões são essenciais para
proteger os direitos individuais dos pacientes, observando os ditames da LGPD.
Portanto, diante destes cenários desafiantes, é fundamental que a lei civil
acompanhe e adapte constantemente suas estruturas regulatórias para inibir resultados
danosos da IA na seleção de embriões humanos. A legislação trazida à baila, nomeadamente
o Código Civil, o CDC e a LGPD abrangem temas como responsabilidade das partes,
proteção de dados pessoais, além da Resolução nº 2.320/22 do CFM resguardando os
direitos reprodutivos individuais.
Um equilíbrio cuidadoso entre a inovação tecnológica e a proteção dos direitos
individuais e da privacidade é crucial. A maximização dos benefícios da IA na RHA deve ser
sempre acompanhada de um firme compromisso com a ética, a integridade e o respeito às
normas vigentes e aos valores fundamentais dos envolvidos.
Indubitavelmente, a presente pesquisa conclui que seus resultados servem como
base para a compilação e a sistematização de estruturas legais eficazes visando melhores
práticas por profissionais antes, durante e após o emprego de IA na seleção de embriões
humanos, garantindo conformidade, responsabilidade e proteção dos direitos individuais.
ISSNe 2595-1602 43
REFERÊNCIAS
BRASIL. Resolução nº 2.320/22 do Conselho Federal de Medicina. Adota normas éticas para a
utilização de técnicas de reprodução assistida –sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas
e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudam a trazer maior segurança e eficácia a
tratamentos e procedimentos médicos, tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos
médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM nº 2.294, publicada no Diário Oficial da União
de 15 de junho de 2021, Seção I, p. 60. Disponível em:
https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2022/2320. Acesso em: 29 jun.
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https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 29 jun. 2023.
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Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm.
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ISSNe 2595-1602 46
A PROTEÇÃO DO DIREITO DA PERSONALIDADE À IMAGEM E
OS IMPACTOS CAUSADOS PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
GENERATIVA: ESTUDO COMPARADO NORMATIVO ENTRE
BRASIL E PORTUGAL
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo verificar como a legislação brasileira e
portuguesa vêm evoluindo e tratando os impactos causados pela inteligência artificial, em
especial a generativa, que tem capacidade de produzir novos dados, imagens e voz, com o
intuito de analisar se a legislação existente no Brasil e Portugal se encontram adequadas para
a proteção dos direitos da personalidade de imagem. A metodologia utilizada foi a dedutiva,
descritiva e comparativa, com pesquisa bibliográfica e qualitativa, partindo-se dos novos fatos
sociais e tecnológicos que impactam os direitos à imagem como direito da personalidade
expressamente previsto pelas legislações brasileira e portuguesa. Para tanto, parte-se da
Teoria Tridimensional do Direito, no Brasil, amplamente estudada e defendida por Miguel
Reale, para demonstrar a importância da análise adequada dos novos fatos sociais.
1. INTRODUÇÃO
1
Advogada. Professora Universitária. Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Professora de graduação e pós graduação na Escola de Direito das
Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e Professora convidada de pós graduação na
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autora de livros e artigos jurídicos. E-mail:
maira.alves@feltrinalves.com.br .
2
Doutora e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professora da Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e das
Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU em São Paulo. Pesquisadora e Advogada. E-mail:
aelwc@terra.com.br
ISSNe 2595-1602 47
Na Sociedade da Informação, tida como a sociedade moderna e fundamentada na
tecnologia, considerada como resultado da evolução humana, revoluções sociais e científicas
pós industrialização, um novo ambiente jurídico e de consumo se apresenta.
É fato que esse novo ambiente tecnológico impactou a forma como se estudam e se
observam as relações jurídicas modernas. Por exemplo, o avanço tecnológico propiciou que
as tratativas de consumo ficassem mais fáceis, mais acessíveis, por outro lado, o marketing
digital como mecanismo impulsionador das relações de consumo, tornou-se ferramenta
valiosa para estratégias de publicidade e captação de interesses. Contudo, percebe-se que o
uso dessas novas tecnologias, como o caso a inteligência artificial generativa vêm
contribuindo para violação de direitos, em especial, os pessoais, da personalidade.
Note-se que inteligência artificial generativa é aquela que tem capacidade de aprender
padrões de comportamento a partir de uma base de dados, utilizando-se da técnica conhecida
como machine learning3, resultando, por exemplo, na ferramenta conhecida como ChatGPT
que consegue reproduzir e criar conteúdos novos (escrito, por imagens ou músicas) a partir
de um extenso banco de dados.
Portanto, a inteligência artificial generativa, proporciona reprodução do
conhecimento e da linguagem humana, em deep learning4, possibilitando experiências que
reproduzem ou mesmo criam imagem, voz e condutas das pessoas. Neste sentido, mister
entender como este novo evento fático enquadra-se ou é enquadrado sob a tutela e proteção
jurídica, bem como se, nessa esfera as normas vigentes são suficientes e adequadas à sua
própria incidência.
Neste sentido, tendo por base a análise das normas de direito da personalidade e de
regramento de ética para a inteligência artificial em estudo comparado normativo de Brasil e
Portugal, o presente estudo tem como objetivo verificar como a legislação brasileira e
portuguesa vêm evoluindo e tratando do assunto, com o intuito de analisar se a legislação
existente se encontra adequada e suficiente, ou mesmo se seria necessária nova formação
legislativa.
A metodologia para o desenvolvimento deste estudo baseia-se em método dedutivo,
descritivo, e comparativo, com pesquisa bibliográfica e qualitativa, de modo a compreender,
a partir dos novos fatos sociais de geração e utilização de inteligência artificial, como, dentro
do ordenamento jurídico vigente em Brasil e em Portugal, se pode considerar a imediata
tutela jurídica do direito da personalidade.
Dessa feita, preliminarmente analisa-se a dinâmica social e valorativa que enseja a
necessidade de tutela jurídica. Pondera-se, a seguir, acerca do direito à imagem, direito da
3
Machine learning (aprendizado de máquina ou aprendizagem de máquina) é um método de
análise de dados que automatiza a elaboração de modelos analíticos, indicando uma ideia de que
os sistemas podem aprender através dos dados que lhes são fornecidos, indicar padrões e tomar
decisões mediante reduzida intervenção humana.
4
Deep learning (aprendizagem profunda) baseia-se no machine learning para que, a partir de uma
base de dados significativa e com diversas camadas de algoritmos em processamento, possa
permitir que um computador aprenda por si mesmo e execute tarefas muito semelhantes às
executadas por humanos.
ISSNe 2595-1602 48
personalidade, que justifica essa guarida, analisando-o de acordo com a perspectiva normativa
comparada brasileira e lusitana, para, então, identificar dentro do espectro das fontes
normativas vigentes nos dois Países e que, de maneira imediata, são adequadas e suficientes
à proteção de tais direitos, diante dessa nova perspectiva fático-tecnológica.
ISSNe 2595-1602 49
constante entre o primeiro e o segundo aspectos, que originam e também se relacionam com
o terceiro. Essa comunicação é chamada pelo próprio autor de "dialética da implicação-
polaridade", ou seja, "dialética da complementaridade". Essa dialética consiste na percepção
de que fatos e valores estão constantemente relacionados na sociedade de forma irredutível
(polaridade) e em dependência mútua (implicação).
Onde quer que haja um fenômeno jurídico, há sempre e necessariamente um fato
implicado e contido (econômico, geográfico, técnico, ou de qualquer outra espécie.) e, por
fim, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um desses
elementos ao outro: o fato ao valor, o valor à necessidade normativa. De tal modo, tais
elementos ou mesmo fatores do Direito não se dissociam e, ao revés, necessariamente
coexistem em uma unidade concreta, em reciprocidade e interação dialética e incidentemente
dinâmica, fazendo resultar daí o próprio Direito.
Pensando sobre a inteligência artificial generativa, é notório que contemporâneo fato
social rápida e intensamente emergente, com utilização frequente e disseminada, tendo
assumido relevância social, compreende o primeiro e o segundo aspectos (fático-social e
axiológico) proposto pela Teoria Tridimensional do Direito. Assim sendo, especialmente em
países cuja estrutura normativa é primordialmente positivista, exsurge a necessidade de uma
norma jurídica de correspondência, fazendo-se contemplar o terceiro aspecto (normativo)
da referida teoria.
E, neste mister, relevante é analisar o ordenamento jurídico já vigente, a fim de
verificar se há norma que possa se aplicar de maneira adequada a essa nova realidade.
Importante dizer que a inteligência artificial generativa passa por uma estrutura que
permite que as redes neurais [artificiais] adversariais (Generative Adversarial Networks – GANs)
estejam aptas a gerar novos conteúdos e novos dados, a partir de um acervo de dados em
que foram insertas. Essa técnica faz parte do chamado campo de aprendizagem profundo
(deep learning), composta de redes generativas5 e redes discriminadoras6 e que interagem entre
si nas múltiplos intercâmbios que realizam.
O papel da rede generativa nesse contexto é o de, mediante informações iniciais,
aprender e criar conteúdos novos com a simulação dos dados de entrada que tenha recebido.
Por sua vez, a rede discriminadora permite identificar e diferenciar os dados fornecidos [e
criados] pela rede generativa dos dados de realidades que serviram de entrada.
Ora, tal complexa atividade tecnológica abre inúmeras possibilidades de geração de dados,
interagindo, necessariamente, no campo da proteção à pessoa, como regula o Direito Civil.
Neste estudo, a proposta é considerar, em específico, a incidência e influência da
inteligência artificial generativa em relação ao direito à imagem, porquanto direito da
personalidade, analisando a perspectiva normativa de sua proteção jurídica no Brasil e em
Portugal.
5
Redes generativas são arquiteturas neurais complexas, compostas normalmente por duas redes
adversárias (GANs), capazes de aprender, imitar, criar qualquer distribuição de dados.
6
Redes discriminadoras fazem a análise de dados da rede, para tentar discernir entre o que é real
e o que é criado.
ISSNe 2595-1602 50
Isto faz passar pela análise dos normativos gerais existentes nos dois países acerca
dessa seara de direitos e de sua tutela jurídica, bem como avaliar se é suficiente à proteção
mediante a implementação e utilização da inteligência artificial.
ISSNe 2595-1602 51
inerentes e naturais das pessoas naturais e, no que couber, das pessoas jurídicas7, lastreando-
se em uma classificação física e psíquica. De fato, parte da doutrina, nomeadamente indica
também a existência de direitos morais da personalidade.
Assumem, deveras, características cuja identidade brasileira e lusitana pode ser
apontada e que acabam por tornar-se poderes jurídicos daqueles que os detém per si ou por
legitimidade de representação (inter vivos ou post mortem)8.
São, assim, os direitos da personalidade oponíveis erga omnes, tornando-os absolutos,
mas não ilimitados, haja vista não se subordinarem a uma necessidade premente de
tipificação, posto que inerentes, em princípio, à condição de pessoa humana. São inalienáveis,
intransmissíveis e irrenunciáveis, igualmente, e pelas mesmas razões. Aqui se poderia
ponderar acerca da obtenção de valor econômicos do direito autoral, v.g.. E justamente assim
deve ser encarada: como uma repercussão econômica do direito, este anterior, invalorável,
inalienável e extrapatrimonial, dado que não está na esfera de acervo patrimonial da pessoa,
mas notadamente de direito eminentemente pessoal. Cite-se que são tratados, por vezes,
como inatos, aparecendo como bom exemplo dessa condição a previsão constitucional
italiana de “direitos invioláveis ao homem”9. Por serem absolutamente vinculados e
indissociáveis ao indivíduo, não podem ser transmitidos e nem renunciados à existência e à
tutela, embora possam sofrer limitação voluntária – desde que temporária – e que não ofenda
a ordem pública (tal qual asseverado pelo art. 81º do Código Civil Português). A legitimidade
de sucessores em relação aos direitos da personalidade de um indivíduo não contraria essas
regras, haja vista que permanece em virtude da existência daquela pessoa sucedida.
Assumindo, ainda, as características da perpetuidade e da imprescritibilidade.
Nota-se que pelos sistemas jurídicos brasileiro e português, estabelecem-se cláusulas
gerais, complementadas pela produção teórica – tal qual a que designa as características
apontadas – quanto pela análise casuística e produção jurisprudencial.
A legislação nos dois países lusófonos traz preceitos mais gerais, que perpassam por suas
Constituições – no Brasil, em especial o artigo inaugural em seu inciso III - e por seus
Códigos Civis – arts. 11 a 21 na versão brasileira e arts. 70º a 81º na versão portuguesa -,
embora em relação aos temas nomeados tratados nos dispositivos se distingam em algumas
espécies.
Dessa dialeticidade entre Constituição e legislação civil exsurge a consequente ilação de que
se constituem inerentemente à pessoa e relacionam intrinsecamente com seus preceitos de
dignidade.
7
O Código Civil Brasileiro indica a incidência da tutela aos direitos da personalidade à pessoa
jurídica, no que couber, em seu art. 52. No Direito Português essa proteção exsurge muito mais
da atividade jurisprudencial casuística.
8
Neste particular, podem ser mencionados como referências normativas, embora não exclusivas,
classificando as características dos direitos da personalidade: Roberto Senise Lisboa, no Brasil e
Capelo de Sousa, em Portugal.
9
Art. 2º da Constituição Italiana
ISSNe 2595-1602 52
4. PRODUÇÃO GENERATIVA DE CONDUTA HUMANA PELA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A TUTELA AO DIREITO À IMAGEM
[...] portanto, não pode ser coisificado, nem reificado, ao ponto de ser
submetido às quaisquer vontades de seus semelhantes. É uma situação que
denota a magnitude do ser humano pelo simples fato de assim o ser,
estando, desta feita, tutelado e elevado ao fim maior de atenção da norma,
tendo em conta a dignidade da pessoa humana.
ISSNe 2595-1602 53
telemático, próprio, ínsito em si e limitado e que não se confunde à vida concreta e humana.
O que se pondera neste estudo é justamente a exteriorização dessa possibilidade de
criação de autoimagem e de imagem de pessoas já falecidas, legitimamente – ao menos em
tese – representadas por sucessores que autorizem sua reprodução. Nesta seara a vontade
pode ser até a de proporcionar uma presença dos entes queridos já falecidos, lastreadas por
uma afetuosidade e com intenções puras neste sentido. No entanto, não se pode
desconsiderar que tal produção telemática pode ofender direitos personalíssimos dos
envolvidos e de terceiros.
Como se viu anteriormente, os direitos da personalidade não são inicialmente
passíveis de limitação, invocando-se neste ponto sua oponibilidade erga omnes, ademais. Pois
bem. A esta premissa significaria dizer que o indivíduo e seus sucessores podem defender
seus direitos da personalidade, dentre eles o direito à imagem, de maneira irrestrita, do
mesmo modo que podem exercê-lo com a mesma qualidade. Tal premissa é verdadeira,
porém submetida a pressupostos de atenção à ordem pública – diga-se, aqui, limites éticos e
outros direitos fundamentais – e à atuação em defesa, ressalte-se, em defesa de direitos da
personalidade ofendidos.
Assim sendo, se em pleno exercício de seu direito à imagem uma pessoa solicita a
criação à inteligência artificial de sua autoimagem telemática ou a daquele a quem
legitimamente representa, não pode esperar que esse viés do direito à imagem seja
absolutamente irrestrito.
Este argumento se sustenta por algumas razões jurídicas, pautadas por regramento
ético igualmente. Promover a interação humana com a imagem telemática e generativa de
uma pessoa gera um paralelismo de “seres” e a possibilidade de interações que não são reais,
que criam circunstâncias e memórias não produzidas efetivamente por aquele indivíduo
representado. Isto macula a própria existência do ser e macula fundamentalmente as relações
que se estabeleçam com terceiras pessoas. A autonomia da telemática para a geração de novas
experiências daquele avatar pessoalizado é, ao momento da redação deste estudo, já possível
e eficiente para, a partir de uma base de dados muito bem alimentada e estruturada, realizar
interações novas, tal como se a pessoa fosse. No entanto, não é a pessoa.
Tanto para os terceiros que conheceram, como para aqueles que tomam contato com
essa “paralela” pessoa telemática, baseada em uma pessoa real, podem criar novas memórias
e relações baseadas em uma invenção tecnológica. Muito eficiente e apurada, mas não real.
A titularidade do direito à imagem, porquanto direito da personalidade, da pessoa em si e de
legitimados sucessores é garantida pela lei civil brasileira e lusitana. Esta titularidade autoriza
a sua defesa e não a sua utilização absoluta em algumas excepcionais circunstâncias, como é
o caso em estudo. Situação ainda mais questionável é a do sucessor que realiza ou autoriza a
criação de uma autoimagem do indivíduo sucedido, falecido, e que, em verdade, extrapola o
seu direito que, neste caso, é de defesa, de tutela e de oponibilidade. Ao revés, promove uma
utilização inadequada e não autorizada, em princípio, de direito da personalidade alheio.
Diferente seria se houvesse apenas o compilado de imagens e voz, para um arquivo de
memórias, tão somente. Ou mesmo se o titular houvesse autorizado a automatização de sua
imagem e de sua voz à criação de novos fatos, como tem promovido em contratos a indústria
ISSNe 2595-1602 54
cinematográfica hollywoodiana. E, neste caso, estar-se-ia novamente às voltas com o debate
a que se propõe. Afinal, essa promoção irrestrita da perpetuidade do indivíduo e com novas
condutas e atuações também se subsumiria a certos limites.
Por isso, o indivíduo, em nome do princípio da dignidade – se não a sua, a de terceiros
que se relacionem com o ser telemático – resta limitado da utilização da imagem com esse
propósito. Igualmente, pode-se inferir tratar-se de uma limitação pautada pela ordem pública,
afinal, há que se promover a atenção ao cunho social, antropológico e filosófico que a
inteligência artificial generativa, sob esse viés, está a ser produzida e utilizada.
A inteligência artificial tem sido capaz de promover tantas interações que repercutem
social e juridicamente, que diversos Estados de Direito passaram a promover certa
normatização, como uma espécie de carta de princípios éticos a fim de nortear essa atividade
telemática.
É certo que não apenas a atividade generativa é aquela proveniente de inteligência
artificial, de modo que os parâmetros éticos que vão surgindo prestam-se à tutela elementar
e de pauta de diversas vertentes à inteligência artificial.
Como neste estudo o enfoque está na produção telemática generativa e, mais
especificamente, no direito à imagem, as ponderações acerca das premissas éticas por esse
viés são aqui abordadas.
A União Europeia vem se preocupando em tratar e normatizar parâmetros éticos há
alguns anos, não sendo de momento imediato o enfrentamento da questão. No Brasil, os
debates ainda são incipientes e a produção normativa específica nesta seara ainda não
alavancou para além de algumas poucas disposições administrativas, em atos normativos
como Portaria ou Resolução.
Na Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece
regras harmonizadas em matéria de inteligência artificial (regulamento inteligência artificial)
e altera determinados atos legislativos da UE, na parte de “Práticas de Inteligência Artificial
Proibidas”, na Exposição de Motivos do documento, enaltecem-se os seguintes aspectos na
linha deste estudo:
ISSNe 2595-1602 55
despercebidas ou explorar as vulnerabilidades de grupos específicos, como
as crianças ou as pessoas com deficiência, para distorcer substancialmente
o seu comportamento de uma forma que seja suscetível de causar danos
psicológicos ou físicos a essa ou a outra pessoa. Outras práticas
manipuladoras ou exploratórias que são possibilitadas pelos sistemas de
IA e que afetam os adultos podem ser abrangidas pela legislação em
matéria de proteção de dados, de defesa dos consumidores e de serviços
digitais, que garante que as pessoas singulares sejam devidamente
informadas e tenham a liberdade de decidir não se sujeitar a uma definição
de perfis ou a outras práticas que possam afetar o seu comportamento. A
proposta também proíbe a classificação social assente na IA para uso geral
por parte das autoridades públicas. Por último, é igualmente proibida a
utilização de sistemas de identificação biométrica à distância «em tempo
real» em espaços acessíveis ao público para efeitos de manutenção da
ordem pública, a não ser que se apliquem determinadas exceções limitadas.
(UNIÃO EUROPÉIA, 2021)
Essas diretrizes pautam a normativa indicada pelos itens 1 e 2 artigo 5º do Título II,
bem como pela alínea a do artigo 7º. do mencionado regramento europeu.
No Brasil, a Portaria GM nº 4.617, de 6 de abril de 2021, do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovações, pretendeu instituir a estratégia brasileira de inteligência artificial e
seus eixos temáticos, o que se denota muito menos pelos seus três artigos do que pela sua
Exposição de Motivos, que assim delineia:
ISSNe 2595-1602 56
entre (i) a proteção e a salvaguarda de direitos, inclusive aqueles associados
à proteção de dados pessoais e à prevenção de discriminação e viés
algorítmico; (ii) a preservação de estruturas adequadas de incentivo ao
desenvolvimento de uma tecnologia cujas potencialidades ainda não foram
plenamente compreendidas; e (iii) o estabelecimento de parâmetros legais
que confiram segurança jurídica quanto à responsabilidade dos diferentes
atores que participam da cadeia de valor de sistemas autônomos.
[...]
Além disso, é frequente a afirmação de que os sistemas devem ser
projetados de maneira a respeitar os direitos humanos, os valores
democráticos e a diversidade, impondo-se a inclusão de salvaguardas
apropriadas que possibilitem a intervenção humana, sempre que
necessária, para garantir uma sociedade justa. Para promover um ambiente
institucional e regulatório propícios à inovação e ao desenvolvimento
tecnológico, dada sua natureza de rápida evolução, tem-se um cenário no
qual a regulamentação é complexa e propensa a se tornar obsoleta
rapidamente. Sendo assim, cabe aos governos avaliar esse cenário e refletir
antes de adotar novas leis, regulações ou controles que possam impedir o
desenvolvimento e uso responsáveis da IA.
ISSNe 2595-1602 57
(direitos humanos), não se torna imprescindível absolutamente a formulação de normas
específicas para a inteligência artificial, sob o argumento de que não haveria, então, um
parâmetro especial, objetivo e evidente. Ao revés, ademais, a identificação de uma ofensa,
um ato ilícito, segundo os parâmetros já vigentes em cada ordenamento jurídico promove a
possível tutela de salvaguarda dos direitos da personalidade, mesmo em esfera
infraconstitucional. Assim é pelo Código Civil Brasileiro (arts. 186 e 18710, como regra geral
de reparação civil, inclusive apontando como solução uma obrigação de fazer ou de não
fazer) e pelo Código Civil Português art. 70º11, como regra específica à proteção de danos
aos direitos da personalidade).
Diante desse contexto normativo já presente, pode-se inferir que a geração telemática de
autoimagem, em verdade, não se constitui prerrogativa do direito personalíssimo do
indivíduo à imagem, haja vista que, em uma interpretação sistêmica, ofende diversos outros
preceitos constitucionais e infraconstitucionais, promovendo ofensa, ato ilícito e dano (ao
menos em potencial).
CONCLUSÃO
10
Código Civil Brasileiro:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.
11
Código Civil Português:
Art. 70º (Tutela Geral da Personalidade) - 1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa
ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 2. Independentemente da
responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as
providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça
ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
ISSNe 2595-1602 58
Tais premissas são suficientes para orientar a interpretação sistemática e conforme as
atividades generativas da inteligência artificial, de modo a colocar-lhe limites, quando
necessário.
Ao se tratar da possibilidade de um indivíduo promover a criação ou a produção
generativa de sua autoimagem ou a de outro indivíduo já falecido em relação ao qual detenha
direitos sucessórios de tutela, esbarra-se em um limite a que se deve ater o ordenamento
jurídico. A indicação desse limite pode, inicialmente, aparentar uma antinomia entre o inato
direito da personalidade à imagem e, ao mesmo nível de relevância protetiva, direitos
fundamentais, humanos, ordem pública e interesse social. Essa antinomia, no entanto, não
existe, à medida em que se considera, em verdade, a produção de autoimagem telemática.
Esta vem aí dotada de certa “autonomia”, dada a criação a partir de metadados dispostos
numa base a que a inteligência artificial promoverá correlações, de modo a ser capaz de criar
novas atitudes daquele avatar, críveis como se da pessoa fossem, porém, não concretas e não
reais. Isto é suficiente para ofender preceitos máximos e fundamentais de um Estado de
Direito, impondo uma certa fantasia, que causa falsas experiências, irreais impressões e
potenciais (ao menos) danos a terceiros.
Dado isto, não se pode considerar como exercício mesmo de direito à imagem a
produção generativa da autoimagem telemática, sendo suficientemente presentes os
regramentos de direitos fundamentais e humanos, ao mesmo de início, não servindo de
escusa para a livre atuação a ausência de parâmetros normativos próprios à inteligência
artificial, nem mesmo em se tratando de uma carta geral de princípios e valores éticos
positivados.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.406, de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acessado em: 18
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jul.2023.
ISSNe 2595-1602 61
A NEGAÇÃO AO DIREITO À EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UMA
APROXIMAÇÃO HISTÓRICA E O VIÉS JURISPRUDENCIAL DE
REPARAÇÃO
1 INTRODUÇÃO
1
Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Mineiros/GO. E-mail:
nelliosresende@gmail.com.
2
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Jataí – UFJ e Docente Adjunto do curso de
Direito do Centro Universitário de Mineiros – UNIFIMES, endereço eletrônico:
romulo@unifimes.edu.br
ISSNe 2595-1602 62
Nesse contexto, a discussão perpassa por diversas nuances e é deveras antiga. Por
grande parte da história, as pessoas com deficiência estiveram alheias à participação social,
como acesso aos estudos e tratamento digno. E só no Século XX, houve algum tipo de
alteração, ainda que superficial e tímida. Nesta pesquisa, de forma breve, será vislumbrado
como se deu a gradação até o período de inclusão.
Sobre a temática, desperta no escriba o anseio de verificar na jurisprudência, a
apreciação de casos práticos de negação ao direito à educação inclusiva e como tem se dado
a reparação de tais danos. E com fito de recrudescer as inquietações tenta-se verificar nos
documentos a formação do ideal de educação inclusiva. Após isso, irá ser realizado um
apanhado jurisprudencial, conjuntamente com verificação bibliográfica do que for
encontrado.
Em se tratando de um aspecto da abstração, não se tem por ora a intencionalidade
de consolidação de algum produto ou viés essencialmente prático, não tendo característica
de pesquisa aplicada.
Desse modo, o objetivo geral desta pesquisa é analisar como se dá a reparação de
casos de negação ao direito à educação inclusiva no Brasil. Como objetivos específicos
propõe-se: compreender brevemente sobre a evolução até a educação inclusiva em
conjunto com principais documentos e pontos de destaque. Também, analisar a
jurisprudência em conjunto à bibliografia nos casos de negação a uma educação inclusiva.
2 DO DESENVOLVIMENTO
2.1 DA METODOLOGIA APLICADA
ISSNe 2595-1602 63
ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa.
(Ibidem, p. 51).
ISSNe 2595-1602 64
outros, o Departamento do Ensino, o Instituto Benjamim Constant, a
Escola Nacional de Belas Artes, o Instituto Nacional de Música, o
Instituto Nacional de Surdos Mudos, a Escola de Aprendizes
Artífices, a Escola Normal do Artes e Ofícios Venceslau Braz, a
Superintendência dos Estabelecimentos do Ensino Comercial, o
Departamento de Saude Pública, o Instituto Osvaldo Cruz, o Museu
Nacional e a Assistência Hospitalar. (BRASIL, 1930, grifos nossos).
Cada vez mais me inclino a acceitar como axioma o velho ditado ‘quem é
bom já nasce feito’ e, assim considerando, avançar, talvez, um paradoxo,
dizendo que a humanidade se compõe de tres especies de gente: gente
innata e intrinsecamente humana, gente domesticavel e gente doente ou
inodomavel, esta ultima intangível a todos os processos e esforços
educativos.
A grande maioria, certamente, pertence ás duas ultimas especies.
Dentro deste criterio, terá a pedagogia moderna de encarar os seus
problemas do mesmo modo por que são tidos na medicina os problemas
therapeuticos: - considerar o doente antes da doença, e, do mesmo
modo, considerar o educando antes da educação que se lhe pretende dar.
[...]
Os methodos educativos modernos baseam-se nas indicações fornecidas
pela psychologia. Isto não nos parece sufficiente. Torna-se necessario
tambem os seus caracteres somaticos e constitucionaes. A
individualidade, como a personalidade, - o modo de sentir, de agir, as
tendencias, os costumes, a capacidade intellectual ou physica são reflexos
desses caracteres innatos.
Eis, porque, a educação esbarra, impotente, em muitos casos, não
conseguindo domesticar um indocil, cuja constituição é resultante da um
processo hereditário irremovível.
‘Quem é bom já nasce feito!...’. (KEHL, 1929, p. 1).
Em seguida veio o Estado Novo em 1937, com nova Constituição. E no que está
expresso sobre a União realizar, houve uma ampliação em relação ao anterior, que
ISSNe 2595-1602 65
simplesmente se falava que a União traçaria orientações na educação nacional. Nessa
Constituição conhecida como “polaca”, no inciso IX, do Artigo 15, se fala que: “Art 15 -
Compete privativamente à União: [...] IX - fixar as bases e determinar os quadros da
educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelectual
e moral da infância e da juventude;” (BRASIL, 1937).
Em sequencia, com a gestão de Eurico Gaspar Dutra, em 1946, inaugura-se uma
nova carta maior. O documento retoma a questão da educação ser um direito de todos
presente na Constituição de 1934, também insere princípios norteadores quais sejam o da “
[...] liberdade e nos ideais de solidariedade humana [...]” (BRASIL, 1946). E, direcionando,
para o objeto deste, pode-se afirmar que aqui o legislador inseriu força motriz, quando
dissertou o Artigo 172: “Art 172 - Cada sistema de ensino terá obrigatoriamente serviços de
assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência
escolar.” (Ibidem). Percebe-se que em tese o Estado determinou parcela de
responsabilidade em relação à tutela de direitos daqueles à margem, até o presente
momento.
Na cronologia, surge documento importantíssimo, no contexto internacional. A
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948, que nos Artigos
1º, 2º e 26, conta a tendência da época, do pós-guerra, de valorização do ser humano pelo
ser humano, nesse meio, o direito a educação é para a universalidade:
Artigo 1
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
outros com espírito de fraternidade.
Artigo 2
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou
qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição
política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença
uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem
governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
[...]
Artigo 26
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita,
pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução
elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível
a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do
ISSNe 2595-1602 66
ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos
raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em
prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução
que será ministrada a seus filhos. (ONU, 1948).
E apesar que essa Declaração seja mais recente, muito do que contém em seu teor,
já estava presente na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
Contudo, como se pode constatar as disposições elencadas são muito semelhantes as
dispostas nas Constituições de 1934 e 1946 do Brasil, mas na prática o “todo ser humano”
era mais limitado, até porque consoante o suscitado a seguir sobre as Políticas que o Estado
tentou implantar após a Constituição de 1946, de atendimento às pessoas com deficiência o
caráter era predominantemente terapêutico na análise de uma das “Campanhas” (ROSSY,
2001, p. 1 apud GUIMARÃES, 2008, p. 4). Nesse sentido as medidas, foram instituídas
por intermédio de Decretos e o pano de fundo é o assistencialismo e há incidência da fase
segregacionista. O primeiro foi o Decreto nº 42.728/57, que estatuiu a Campanha para a
Educação do Surdo Brasileiro (CESB). (BRASIL, 1957)
Em seguida veio o Decreto nº 44.236/58 estreando a Campanha Nacional de
Educação e Reabilitação dos Deficitários Visuais (BRASIL, 1958) com nome substituído
em breve futuro por Campanha Nacional de Educação de Cegos – CNEC, pelo Decreto nº
48.252/1960 (BRASIL, 1960a).
Por fim o Decreto nº 48.961/60 que trouxe a tona a Campanha Nacional de
Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais – Cademe.3 (BRASIL, 1960b)
Um ano depois, é publicada a Lei nº 4.024, Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), nesse diploma legal, o título X, nomeado “Da Educação de
Excepcionais”, colocava:
3
Essa foi a análise realizada por Rossy, aludida anteriormente.
ISSNe 2595-1602 67
demais entes que realizam a atividade-fim “educação” no contexto dos ditos
“excepcionais”, visto que os excepcionais deveriam ser educados no “sistema geral de
educação” e verificando todo o teor da Lei, apenas nesse momento há previsão de
estímulos aos estabelecimentos privados nessa Constituição.
Em ato contínuo, com a chegada do Regime Militar, em 1967 houve nova
Constituição, essa é silente em relação às pessoas com deficiência, e apenas reproduz
fielmente a redação do Artigo 172 da Constituição de 1946, no artigo 169, §2º. A Emenda
Constitucional nº 1/69, que em muito alterou a Constituição de 1967, há repetição
mencionada só que no artigo 177, §2º, mas acrescenta o seguinte, no artigo 175, §4º: “§ 4º
Lei especial disporá sôbre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sôbre a
educação de excepcionais.” (BRASIL, 1969). Insta salientar que na Constituição de 1967, a
redação no artigo 167, §4º era bem semelhante, alterando a qualificação da lei e “incluindo”
excepcionais: “§ 4º - A lei instituirá a assistência à maternidade, à infância e à adolescência.”
(BRASIL, 1967).
Seguidamente em 1971, vem a tona a segunda Lei de Diretrizes e Bases, há avanço
na nomenclatura, passando a ser “deficientes”, contudo o disposto não é na toada da
realização da inclusão, em realidade o artigo não é muito específico, todavia olhando todo o
teor da Lei e sua organização, talvez o que aponte para a construção de uma sala especial
em rede de ensino regular, é o fato do artigo estar no mesmo título que regula o ensino de
1º e 2º grau:
Por amor ao debate, é válido considerar o que em noticia de Organização sem Fins
Lucrativos – Todos pela Educação, coloca sobre: “Ou seja, a lei não promovia a inclusão
na rede regular, determinando a escola especial como destino certo para essas crianças.”
(TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020).
Antes de partir para a Constituição Cidadã, em 1978 houve a Emenda
Constitucional nº 12 em relação àquela em vigor (Constituição de 1967). O objetivo era
trazer melhorias para os deficientes4:
4
Essa, não é nomenclatura mais adotada e aceita na atualidade.
ISSNe 2595-1602 68
II - assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do
país;
III - proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho
ou ao serviço público e a salarios;
IV - possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos. (BRASIL,
1978).
5
Essa, não é nomenclatura mais adotada e aceita na atualidade.
ISSNe 2595-1602 69
mesmo documento, em discussão tratada no capítulo seguinte, vem à superfície o Princípio
da Isonomia, estampado no Art. 5º, caput:
Mas que acaba sendo melhor elucidado em outros dizeres, consoante o que a
jurisprudência trouxe:
No ano seguinte, em 1989, lançou-se a Lei 7.853, que tratou da integração das
pessoas com deficiência, inaugurou a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência – Corde, também colocou atribuição à Secretaria Especial dos
Direitos Humanos da Presidência da República para gestão e estabelecimento de ações no
que toca as pessoas “portadoras de deficiência”6. Direcionando à educação, nota-se o uso
da palavra “inclusão” no artigo 2º, inciso I, alínea “a”, mas por todo o exposto, o rumo era
o da integração, nesse caso, a referência é no sentido de incluir a Educação Especial no
sistema de educação e o apontado fica transparente na alínea “f” no mesmo local, mas
também é nesse mesmo ponto, que há um grande benefício, que é a obrigatoriedade da
matrícula em rede regular de ensino, seja particular ou público:
6
Essa, não é nomenclatura mais adotada e aceita na atualidade.
ISSNe 2595-1602 70
Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos
e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no
âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objetos esta Lei,
tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de
outras, as seguintes medidas:
I - na área da educação:
a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como
modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as
de 1º e 2º graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais,
com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios;
b) a inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais,
privadas e públicas;
c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em
estabelecimento público de ensino;
d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a
nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais
estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos
portadores de deficiência;
e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos
aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e
bolsas de estudo;
f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos
públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de
se integrarem no sistema regular de ensino; (BRASIL, 1989, grifo
nosso).
Art. 15. Para atendimento e fiel cumprimento do que dispõe esta Lei,
será reestruturada a Secretaria de Educação Especial do Ministério da
Educação, e serão instituídos, no Ministério do Trabalho, no Ministério
da Saúde e no Ministério da Previdência e Assistência Social, órgão
encarregados da coordenação setorial dos assuntos concernentes às
pessoas portadoras de deficiência. (Ibidem).
ISSNe 2595-1602 71
implantar a fase anterior, inclusive isso foi evidenciado no próprio Plano. Importante
destacar que pelo acostado houve colaboração de estados e municípios, além de recintos
destinados ao atendimento especializado das pessoas com deficiência para elaboração.
A Declaração de Salamanca – Marco Internacional Legal no âmbito da tutela do
direito das pessoas com Deficiência em relação à educação – traz em seu bojo a atual e
última fase, a inclusão. O documento é fruto da Conferência Mundial de Educação
Especial: acesso e qualidade, realizada em Salamanca, município da Espanha, com
impulsionamento pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura – UNESCO – que segundo o Ministério da Educação e Cultura: “é uma agência
especializada das Nações Unidas (ONU)” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, c2018). Em
se tratando de demonstrar o teor exato da Declaração, caberia grandiosa extensão, já que
esta envolve não só o comando positivo, mas também a motivação, o basilar,
principiológico. Algumas passagens importantes do documento:
ISSNe 2595-1602 72
•as escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem os
meios mais capazes para combater as atitudes descriminatórias, criando
comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e
atingindo a educação para todos; além disso, proporcionam uma
educação adequada à maioria das crianças e promovem a eficiência,
numa óptima relação custo-qualidade, de todo o sistema educativo.
3.Apelamos a todos os governos e incitamo-los a:
•conceder a maior prioridade, através das medidas de política e através
das medidas orçamentais, ao desenvolvimento dos respectivos sistemas
educativos, de modo a que possam incluir todas as crianças,
independentemente das diferenças ou dificuldades individuais,
•adoptar como matéria de lei ou como política o princípio da educação
inclusiva, admitindo todas as crianças nas escolas regulares, a não ser que
haja razões que obriguem a proceder de outro modo,
•desenvolver projectos demonstrativos e encorajar o intercâmbio com
países que têm experiência de escolas inclusivas,
•estabelecer mecanismos de planeamento, supervisão e avaliação
educacional para crianças e adultos com necessidades educativas
especiais, de modo descentralizado e participativo,
•encorajar e facilitar a participação dos pais, comunidades e organizações
de pessoas com deficiência no planeamento e na tomada de decisões
sobre os serviços na área das necessidades educativas especiais,
•investir um maior esforço na identificação e nas estratégias de
intervenção precoce, assim como nos aspectos vocacionais da educação
inclusiva,
•garantir que, no contexto duma mudança sistémica, os programas de
formação de professores, tanto a nível inicial como em-serviço, incluam
as respostas às necessidades educativas especiais nas escolas inclusivas.
(UNESCO, 1994, p. 2-3).
Classe comum
Ambiente dito regular de ensino/aprendizagem, no quai também estão
matriculados, em processo de integração instrucional, os portadores de
necessidades especiais que possuem condições de acompanhar e
ISSNe 2595-1602 73
desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum,
no mesmo ritmo que os alunos ditos normais.
Classe especial
Sala de aula em escolas de ensino regular, organizada de forma a se
constituir em ambiente próprio e adequado ao processo
ensino/aprendizagem do alunado da educação especial. Nesse tipo de
sala especial, os professores capacitados, selecionados para essa função,
utilizam métodos, técnicas e recursos pedagógicos especializados e,
quando necessário, equipamentos e materiais didáticos específicos.
(BRASIL, 1994, p. 19).
ISSNe 2595-1602 74
3.2 DA JURISPRUDÊNCIA NOS CASOS DE NEGAÇÃO A UMA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
ISSNe 2595-1602 75
zombaram da aparência física da autora, utilizando-se de filtros de
aplicativo de celular para alterarem os próprios rostos em alusão à última.
Situação que se situou num prática de Intimidação Sistemática (Bullying).
Ré que não agiu para impedir ou alterar as marginalização, discriminação
e ridicularização sofridas pela autora. Omissão descabida e que
representou violação de direitos fundamentais e de normas previstas em
diversas leis - Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência),
Lei º 9.394/96 ( Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96),
Lei nº Lei nº 13.185/2015 (introduziu o "Programa de Combate à
Intimidação Sistemática (Bullying)"). Ré que se limitou a suspender os
alunos, diante do vídeo, que não se cuidava de um fato isolado, mas
demonstrava, isto sim, uma prática de bullying. Tanto que o Ministério
Público terminou por ajuizar ação civil pública para obrigar a ré a
promover educação inclusiva, até então negada em favor da autora, a
qual se viu compelida a mudar de escola. Defesa que alterou a verdade
dos fatos, não só ao qualificar o fato como isolado, mas também ao
negar o bullying. Danos morais configurados. Situação que ultrapassou o
mero aborrecimento. Autora que teve frustrada a expectativa de ter um
ambiente escolar saudável, inclusivo e integralmente adequado às suas
necessidades. Valor da indenização de R$ 30.000,00, que se revelou
módico para as circunstâncias do caso concreto. Reconhecimento de
litigância de má-fé, de ofício, na fase recursal. Ré que alterou a verdade
dos fatos e apresentou recurso manifestamente protelatório. Ação
parcialmente procedente. Aplicação de multa processual de 9,5% sobre o
valor da causa (atualizado) para sanção da litigância de má-fé da ré
apelante. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO COM
DETERMINAÇÃO.
[...] que embora não reconhecido pelo juízo de primeiro grau, o Tribunal
deu provimento ao recurso de Apelação proposta, condenando a
instituição que negou a matrícula de aluno com paralisia cerebral ao
pagamento de uma indenização por dano moral na quantia R$20.000,00,
além de arcar com multa diária de R$1.000,00 pelo descumprimento de
determinação contida na decisão. (FREIRE NETO, 2020, p. 100)
ISSNe 2595-1602 76
Como se pode notar, no âmbito da responsabilidade civil há respaldo
jurisprudencial. Porquanto trata-se de uma afronta legal, ou seja, a negativa de acesso ou
outro aspecto que permute a educação inclusiva por outra que traga segregação ou
tratamento indigno, é ato ilícito, passível de reparação. Como mencionado por Cavalieri
Filho (2023, p. 11):
Além disso, o Código Civil é patente em colocar a definição de ato ilícito no Art.
186: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
(BRASIL, 2002) e estabelecer o regime de responsabilidade se objetiva ou subjetiva mais a
frente no corpo de leis.
Fica muito bem retratado no seguinte julgamento, o aspecto do dano moral, que é
não é por conta da condição, mas sim de uma ofensa:
ISSNe 2595-1602 77
MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/3/2015, DJe
16/4/2015.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No fluir desta Pesquisa foi possível perceber que houve um vasto período de
exclusão de pessoas com deficiência, e que é deveras inicial a ideia de inclusão em relação a
toda a história. Não obstante, nota-se que já existem documentos que visam a assegurar em
algum grau a inclusão e sobretudo no aspecto educacional.
Também, constata-se que há um grande volume de documentos, legislações que
versam sobre a educação e pessoas com deficiência. Não é possível concluir com a presente
pesquisa sobre o retorno da prática em cada alteração da legislação. Contudo, vislumbra-se
que foi com a Declaração de Salamanca que o contexto brasileiro começou a se alterar, ao
ponto de gerar várias regulações posteriores.
Nesse ínterim, verifica-se ainda que superficialmente a presença de julgados
favoráveis à reparação de danos para pessoas com deficiência que se viram lesadas com a
negação a uma educação inclusiva, e essa veio de diversas ordens, até mesmo da omissão
escolar em combater “bullying”.
Em relação à metodologia aplicada, essa se mostrou suficiente, com apanhado
documental e bibliográfico, e em resumo, a pesquisa realizada em razão da motivação
exposta, trouxe uma discussão prévia. E, evidentemente, que pode ser ainda utilizada como
embasamento para demais estudos por outros pesquisadores entusiastas do assunto.
É temática ampla e sugestiona-se a realização de estudos posteriores, por quem se
entusiasma pelo assunto da educação inclusiva, sobretudo no âmbito que envolve o Direito
Civil.
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PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 11. ed. – São Paulo : Saraiva
Educação, 2018. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553600298/. Acesso em: 15 mai.
2021.
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ANÁLISE PANORÂMICA DA LEI 14.286/21 - A NOVA LEI DO
MARCO CAMBIAL
RESUMO
O estudo denominado Análise panorâmica da Lei 14.286/21 brasileira, assunto esse que
tange a nova Lei do Marco Cambial tem como objetivo explanar as principais alterações da
Lei, assim como seus pontos positivos e negativos e efeitos da mesma, trazendo ainda as
mais aparentes características da recente norma, os impactos possíveis que virão à tona tanto
a brasileiros residentes no país e não residentes. Qual será o meio regulador, quais serão as
sanções em casos de fraudes, contratos e meios de pagamentos. Quais as consequências para
o mercado nacional e internacional. A metodologia usada foi a de pesquisas bibliográficas e
digitais.
Palavras-chave: Lei; câmbio; características; impactos; moeda estrangeira
1 – INTRODUÇÃO
Sancionada em dezembro de 2021, a nova lei do Marco Cambial entrou em vigor a partir de
31 de dezembro de 2022, sendo essa o objeto do presente estudo. Trouxe mudanças
substanciais para o mercado de câmbio, sendo esse um dos motivos ensejadores da
necessidade desse estudo.
O objetivo do estudo é de extrema relevância para apresentar as características da nova
norma, as mudanças, os efeitos na vida dos brasileiros e da economia pós alterações.
A lei moderniza, simplifica e consolida a legislação do mercado de câmbio e de capitais
internacionais no país. A lei busca desburocratizar o mercado cambial brasileiro, prestando
informações ao Banco Central. A revisão de regras promovida pelo Marco de Câmbio vem
facilitar operações que envolvam câmbio, tínhamos descritas regras arcaicas, com normas
que tinham quase um centenário, totalmente descabidas para o contexto mundial, na qual
nos últimos anos houve um aumento descomunal em negociações financeiras internacionais,
gerando movimentações em que nossa antiga lei de câmbio já não mais fazia jus.
1
Lucilaine Braga Luciano Candido Martins, graduada em Direito, pós-graduada em direito empresarial,
conciliadora e mediadora, coautora de obras jurídicas, email: luciluciano@gmail.com
ISSNe 2595-1602 84
Nessa toada, o novo regimento, trará mudanças importantes para os agentes financeiros,
importadores, exportadores e todas as pessoas (físicas e jurídicas) que desejam operar em
moeda estrangeira.
A revisão de regras promovida pelo Marco de Câmbio vem facilitar operações que envolvam
câmbio e trará mudanças importantes para os agentes financeiros, importadores,
exportadores e todas as pessoas (físicas e jurídicas) que desejam operar em moeda estrangeira.
Nelson Abrão define o termo “câmbio” de 2 maneiras:
A primeira, por um ponto de vista genérico:
E a segunda:
“Já num sentido específico, “câmbio” vem a ser a troca de moeda estrangeira
pela nacional. Compra-se e se vende a moeda como se mercadoria fosse dando a estrangeira
denominação de “divisa”, seja ela representada por bilhetes, peças metálicas, ou mesmo
escritura”. (ABRÃO, 2018 Ed)
Tais definições trazem não somente as bases do mercado cambial em seus
primórdios, mas também institutos surgidos na modernidade, facilitadores de seu
funcionamento, que são amplamente utilizados nas operações cambiais atualmente
no Brasil e no mundo.
A Lei dispõe sobre fluxos, estoques e prestação de informações de capitais brasileiros no
exterior, entendidos como os valores, os bens, os direitos e os ativos de qualquer natureza
detidos fora do território nacional por residentes.
Nessa esteira, são considerados também como capitais brasileiros no exterior os
financiamentos, empréstimos diretos e créditos comerciais concedidos no País a não
residentes.
2
ABRÃO, Nelson; Direito bancário, 18 Ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018
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O novo texto legal anseia um maior alinhamento das operações de câmbio realizadas no
sistema financeiro, permitindo maior liberdade nas transações e maiores esclarecimentos de
informações junto ao Banco Central.
A nova legislação equipara o tratamento das movimentações de contas dos residentes no
Brasil e os não residentes, se tratando apenas das contas pessoas físicas e jurídicas, e não
contas de instituições financeiras estrangeiras, pois essas operações se igualam à
movimentação do mercado de cambio.
A classificação das operações que antes contavam com mais de cento e oitenta códigos, passa
a estabelecer apenas dez códigos, ocorrendo assim uma simplificação.
Com as novas regras, se espera impactar de forma positiva a atração de capitais estrangeiros,
tanto para investimento no mercado financeiro e de capitais como para investimento direto,
inclusive investimentos de longo prazo e em projetos de infraestrutura e de concessões.
Além do maior ingresso internacional, a lei contribui para o maior uso internacional da nossa
moeda corrente do país, o real, ajudando a utilização da moeda brasileira em operações
financeiras fora do país, permitindo a entrada e remessa de ordens de pagamento em reais a
partir de contas em reais de instituições do exterior mantidas em bancos no país.
A recente legislação é concisa e tem linguagem atual, o que trará maior nível de segurança
jurídica para os assuntos discutidos.
Há também alterações das regras de transações realizadas por pessoas naturais, podendo
haver negociação de moeda estrangeira entre pessoas físicas de forma eventual e não
profissional, com limite de até US$500. Antes, esse tipo de operação era proibido. Houve
ampliação para US$10.000, ou equivalente em outras moedas, o limite a partir do qual o
viajante que ingressar ou sair do Brasil deve declarar o porte de valores em espécie.
Na atual lei cambial, o Banco Central do Brasil permite a criação de contas em reais em
outros países. A grande novidade está em uma das funções programadas para o Pix, a
transferência internacional.
Com a globalização, o mercado de câmbio se expandiu e a atual norma entendeu a
necessidade de simplificar entrada e saída de moedas internacionais do Brasil e diminuir
restrições para exportadores usarem livremente seus recursos, podendo assim ampliar o
espaço para a atuação de fintechs no mercado de câmbio, entre outras medidas.
A lei vem para diminuir a burocracia desse segmento e atender uma necessidade imposta por
mudanças tecnológicas e pelo tráfego das relações internacionais. Além disso, possibilitarão
novos participantes no mercado e contribuirá para o maior uso internacional do real.
Assim sendo, várias atribuições do Conselho Monetário Nacional (CMN) passam para o
Banco Central, tais como a de regular operações de câmbio, contratos futuros de câmbio
usados pelo Banco Central para evitar especulação com o real (swaps) e a organização e
fiscalização de corretoras de valores, de bolsa e de câmbio.
Os ganhos de eficiência no mercado trazidos com essa nova legislação acabam atraindo
também o capital estrangeiro.
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3. CARACTERÍSTICAS NA NOVA LEI DE CÂMBIO.
DESBUROCRATIZAÇÃO
A atual lei de câmbio vem para proporcionar uma menor exigência de apresentação de
documentos por parte das empresas para as operações, com a redação no sentido de que a
instituição autorizada a operar no mercado de câmbio não poderá exigir do cliente
documentos, dados ou certidões que estiverem disponíveis em suas próprias bases de dados
ou em bases de dados públicas e privadas de acesso amplo. Isso deve facilitar o processo e
diminuir a burocracia atual do fluxo de documentos físicos e/ou digitais.
Mises destaca expressamente seu ponto de vista em sua obra “Burocracia”:
3
MISES, Ludwig von. Burocracia/ Ludwig von Mises; tradução de Raul Martins- Campinas,SP: Vide edit.
2018
ISSNe 2595-1602 87
Com a nova Lei, a instituição financeira autorizada tem autonomia para dispensar
informações e documentos comprobatórios, considerando a avaliação de risco do cliente e
as características da operação.
Importante ressaltar que a autorização para a atuação no mercado de câmbio só
é concedida pelo Banco Central do Brasil quando a instituição financeira está realmente
qualificada para tal.
As operações entre pessoas físicas, independentemente do valor, eram feitas através de uma
instituição financeira autorizada, com o advento da nova norma, será permitida a troca
eventual de moeda estrangeira em espécie entre pessoas físicas, com valor máximo de USD
500 (ou o equivalente em outra moeda).
MODERNIZAÇÃO
A nova lei vem em tempo para desobstruir a burocracia desse segmento e atende uma
necessidade imposta por mudanças tecnológicas e pelo tráfego das relações internacionais.
Tínhamos um arcabouço regulatório muito antigo, com normas com quase cem anos.
Com o advento da Nova Lei, ocorre também sua modernização, pois como já descrito, a Lei
consolida mais de 40 normativos que vinham dispondo, desde o longínquo ano de 1920,
sobre aspectos relativos a esses temas se oferece maior segurança jurídica para o mercado,
haja vista contemplar as recentes inovações tecnológicas e apoiar as necessidades da
economia brasileira; compatibiliza a legislação brasileira com as necessidades operacionais
decorrentes das cadeias globais de produção, facilitando o comércio exterior e o fluxo de
recursos de investimentos; e favorece investimentos estrangeiros no Brasil, bem como
investimentos brasileiros no exterior, de modo proporcional ao valor do negócio e aos riscos
envolvidos.
As empresas brasileiras ou suas offshores poderão receber financiamento e empréstimos
com recursos captados no país ou no exterior.
Houve a disrupção e a inovação na nova Lei cambial no que tange aos bancos poderem
financiar empresas no exterior, mesmo que não tenham vínculo com empresas brasileiras,
por exemplo, um banco no Brasil poderá financiar um importador americano que não tenha
nenhum capital brasileiro em sua empresa, que esteja importando do Brasil.
A nova lei prevê a modernização do mercado de câmbio, com destaque para agilidade na
cadeia global de valores e flexibilização nos pagamentos de dívidas. Além disso, foca na
ampliação das instituições que prestam serviço de câmbio incentivando a concorrência e
inserindo novos participantes que atenderão pequenos valores.
CONCISA
ISSNe 2595-1602 88
Houve uma diminuição dos códigos de classificação cambial, gerando uma simplificação para
as empresas no processo de enquadramento das operações de câmbio.
Existiam mais de 200 códigos cambiais para enquadramento da operação, com a nova Lei
Cambial, as naturezas cambiais passaram por alterações:
Para operações até USD 50 mil, por exemplo, passa a ser possível realizar a classificação em
apenas 8 códigos.
Para operações com valores acima de USD 50 mil, valem os códigos atuais mais 4 novos
(ativos virtuais, jogos e apostas, reembolso por serviços prestados ou recebidos
e Indenização não relacionada a seguros), e fica facultado ao cliente utilizar esses códigos de
classificação também para operações até USD 50 mil ou seu equivalente em outra moeda.
LIBERDADE DE MERCADO
Com a recente Lei de câmbio, as empresas inseridas no mercado internacional, deverão ter
processos operacionais mais modernos e, portanto, reduzir a distância para as grandes
economias globais.
O exportador brasileiro sempre enfrentou burocracia e complexos processos para inserir
seus produtos ou serviços no mercado global. Finalmente, agora a resiliência do empresário
será parcialmente compensada com o novo marco cambial que entrou em vigor.
Eros Grau, leciona:
“Esse poder autônomo, no capitalismo moderno, seria a livre iniciativa, ou seja,
“a possibilidade de os agentes econômicos entrarem no mercado sem que o Estado
crie obstáculos.” (GRAU)4
Amplia assim a liberdade de pessoas físicas e pessoas jurídicas, aumenta o espaço para bancos
brasileiros atuarem no exterior, desburocratiza as operações com moeda estrangeira e eleva
o limite de dinheiro autorizado para porte de quem viaja ao exterior, passando de R$ 10 mil
para US$ 10 mil ou o equivalente em outra moeda que não o dólar.
Essa liberdade regulatória ainda carece de certa timidez e poderia ter ido mais além, mas já é
um bom início para um país que historicamente se inibiu a abrir sua economia para o exterior,
fato esse que tem grande parte de culpa no atraso brasileiro e pela dificuldade de retomar o
crescimento econômico.
Deve a lei assegurar de fato, a liberdade sem que se perca
a ordem, deve, portanto, o fazer sem retirar ou mitigar a liberdade, algo natural do
ser humano.
A nova Lei proporcionará uma abertura maior de mercado
através, por óbvio, da desburocratização cambial, para que o Brasil tenha acesso a
novos conhecimentos, técnicas, maquinários e matérias primas o que desenvolverá
4
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2018
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nosso mercado interno e externo, bem como poderá futuramente elevar o país a categoria
de nação de primeiro mundo.
Com a nova lei, várias atribuições do Conselho Monetário Nacional (CMN) passam a ser
atribuições do Banco Central, como regular operações de câmbio, contratos futuros de
câmbio usados pelo Banco Central para evitar especulação com o real (swaps) e a organização
e fiscalização de corretoras de valores, de bolsa e de câmbio.
A nova lei atribui ao Banco Central do Brasil, a competência para regulamentar o mercado
de câmbio e suas operações e dispor sobre os tipos e as características de produtos, formas,
limites, taxas, prazos e outras condições.
Na letra da Lei 14.286/21, descreve que:
ISSNe 2595-1602 90
II - por assegurar o processamento lícito de operações no mercado de
câmbio.
§ 1º A instituição de que trata o caput deste artigo adotará medidas e
controles destinados a prevenir a realização de operações no mercado de
câmbio para a prática de atos ilícitos, incluídos a lavagem de dinheiro e o
financiamento do terrorismo, nos termos da Lei nº 9.613, de 3 de março
de 1998, observado o regulamento a ser editado pelo Banco Central do
Brasil.
Uma vez concedida tal autorização para operar no mercado de câmbio, não a torna
irrevogável, o Banco Central do Brasil poderá rever a decisão de autorização, considerando
a relevância dos fatos, tendo por base as circunstâncias de cada caso e o interesse público,
conforme artigo 33 da Resolução, caso verifique:
ISSNe 2595-1602 91
II - circunstâncias preexistentes à decisão capazes de afetar a avaliação
relativa ao atendimento aos requisitos para as autorizações.
ISSNe 2595-1602 92
Nessa esteira, trará benefícios para ao setor que contará com a redução de custos com
operações que preveem a mitigação de risco cambial e de liquidez, o qual decorre da taxa de
câmbio referente ao momento da contratação até a operação efetivamente.
Nesse momento em que a nova Lei começa a despontar, ainda não se tem um retorno do
mercado como os participantes gostariam, mas se espera que a lei impactará de forma
positiva na atração de capitais estrangeiros, não apenas com relação aos investimentos no
mercado financeiro e de capitais, mas também para os investimentos de longo prazo,
especialmente em projetos de infraestrutura.
RISCOS
ISSNe 2595-1602 93
Sobre o risco, o real sendo depreciado perante várias outras moedas internacionais, a nova
Lei incentiva os não-residentes se endividarem em reais para comprar dólares e revendê-los
em seguida, e ataques especulativos contra a moeda brasileira, o que aumentaria a variação
do câmbio.
Existem também os riscos de que o novo marco cambial poderá incentivar a migração do
real para o dólar em momentos de incertezas.
Dessa forma o país pode seguir por um caminho sem volta em direção à dolarização e à
situação de instabilidade como vimos em vários países latino-americanos.
A formalização da operação por meio de contrato de câmbio era exigência legal, com a nova
Lei Cambial, a forma de celebração da operação de câmbio passa ter liberdade, desde que a
instituição autorizada seja capaz de comprovar que as partes têm conhecimento das
informações referentes e que comungam com as condições estabelecidas.
Os dispositivos legais, em seus núcleos, ditavam a regra de que contratos celebrados e
executados no Brasil apenas poderiam prever pagamento em moeda nacional, proibindo
pagamentos expressos ou vinculados a ouro ou a qualquer tipo de moeda estrangeira,
ressalvadas as exceções previstas no Decreto-Lei 857/1969, em seu artigo 2º, que descrevia
cinco exceções em que contratos poderiam estipular obrigação de pagamento em moeda
estrangeira.
Essas exceções foram atualizadas pela Lei de câmbio, que, além de ter revogado o Decreto-
Lei nº 857/1969 e o artigo 6º da Lei nº 8.880/1994, em seu artigo 13º aumenta para nove as
situações de exceções.
Diante da nova redação, nos casos de obrigações exequíveis em território nacional, será
admitida a estipulação de pagamento em moeda estrangeira, principalmente:
ISSNe 2595-1602 94
VI- a exportação indireta de que trata a Lei nº 9.529, de 10 de dezembro
de 1997;
VII- nos contratos celebrados por exportadores em que a contraparte seja
concessionária, permissionária, autorizatária ou arrendatária nos setores de
infraestrutura;
VIII- nas situações previstas na regulamentação editada pelo Conselho
Monetário Nacional, quando a estipulação em moeda estrangeira puder
mitigar o risco cambial ou ampliar a eficiência do negócio;
IX- em outras situações previstas na legislação.
O artigo 13º da lei de câmbio, também deixa espaço para a criação de novas exceções
mediante regulamentação a ser editada pelo Conselho Monetário Nacional, quando o
pagamento em moeda estrangeira puder mitigar o risco cambial e, especialmente, ampliar a
eficiência do negócio.
Tal disposição é muito interessante, considerando que a regulação pelo Conselho Monetário
Nacional, além de trazer maior segurança jurídica e contratual, também poderá abarcar os
novos modelos de negócios e tecnologias que vêm surgindo como, por exemplo, marketplaces
e facilitadores de pagamento que preveem maior eficiência mediante o recebimento de
valores em outro tipo de moeda, ou até mesmo em criptomoedas.
Salienta-se que tal fato não macularia no todo o contrato, não tendo como efeito a nulidade
de todo o contrato, mas traria dificuldade nas negociações e tratativas sobre a forma de
pagamento dos valores devidos.
Nesse tocante, outras cláusulas, com o tema financeiro do contrato, poderiam ser declaradas
nulas, o que poderia assim, denotar a total impossibilidade de cumprimento do contrato e a
necessidade de sua alteração, formatação de um novo contrato ou até mesmo a rescisão.
Todavia, importante ressaltar que a jurisprudência brasileira já reconhece a possibilidade de
estipulação de pagamento em moeda estrangeira, desde que o respectivo valor seja pago em
reais, convertido pela cotação da moeda na data da efetiva contratação e celebração do
contrato.
Concluindo assim, sobre as formas de pagamentos trazidos pela nova lei cambial existe a
ampliação de possibilidades de pagamento em moeda estrangeira de obrigações devidas no
país. Isso será possível, por exemplo, em contratos de comércio exterior, em que uma das
partes envolvidas for oriunda de outro país, ou, então, em contratos de arrendamento
mercantil (leasing) feitos entre residentes no Brasil, se os recursos forem captados no
exterior.
A Nova Lei de câmbio pode ser considerada uma porta que se abre para a implementação
do chamado PIX internacional. A operacionalidade do sistema estará subordinada às regras
próprias do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional.
ISSNe 2595-1602 95
Antes do advento da atual lei de câmbio, quando era necessário fazer pagamento ou
recebimento envolvendo moedas de países diferentes, seja para viagem internacional, doação,
compra de produtos ou outro motivo qualquer, era necessário trocar a moeda de um país
pela moeda de outro país, caracterizando uma operação de câmbio.
Hoje não é mais necessário qualquer tipo de autorização governamental para fazer remessas
do Brasil para o exterior e nem para receber recursos vindos de fora do país.
O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central, alteraram a regulamentação cambial e
de capitais internacionais para alinhá-las às inovações tecnológicas e aos novos modelos de
negócios sobre pagamentos e transferências internacionais, as novas regras buscam
promover um ambiente mais competitivo, inclusivo e inovador para a prestação de serviços
aos cidadãos e empresas que enviam ou recebem recursos do exterior.
As novas medidas permitirão que as instituições de pagamento (IPs), as fintechs, autorizadas
a funcionar pelo Banco Central, também possam operar no mercado de câmbio, atuando
exclusivamente em meio eletrônico.
No artigo 14 da Lei Cambial, descreve que:
O Artigo 15 descreve:
ISSNe 2595-1602 96
II- pessoas e empresas poderão pagar contas no Brasil em moeda
estrangeira, em algumas situações. Isso será possível em contratos de
comércio exterior; quando uma parte envolvida for de outro país, ou em
contratos de "leasing", entre outros.
III- bancos brasileiros poderão financiar no exterior a compra de
exportações brasileiras, com isso, argumenta o BC, haverá maior
competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional.
IV- importações poderão ser pagas mesmo sem o ingresso dos bens no
Brasil.
V- será reduzida a burocracia para entrada de investidores estrangeiros no
Brasil. Atualmente, o pequeno e médio investidor estrangeiro não
consegue, por exemplo, investir no Tesouro Direto (programa de compra
e venda de títulos públicos por pessoas físicas pela internet).
VI- um exportador brasileiro que receba recursos no exterior poderá
emprestá-los a uma subsidiária da empresa fora do país. Antes da atual lei,
era proibido. O objetivo é aumentar a competitividade das empresas
brasileiras.
VII- o pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis em
território nacional, tem amparo legal no artigo 13 da Lei 14.286/21, elenca
as situações nas quais obrigações exequíveis em território nacional podem
ser pagas em moeda estrangeira. Dentre elas, destaca-se o inciso VII, que
dispõe sobre contratos celebrados por exportadores em que a contraparte
seja concessionário, permissionário, autorizatário ou arrendatário nos
setores de infraestrutura.
VIII- a compensação privada entre residentes e não residentes, é descrita
no artigo 12 da nova lei de câmbio, na qual autoriza a realização de
compensação privada de créditos ou de valores entre residentes e não
residentes, nas hipóteses previstas em regulamento do BCB. Na legislação
atual, tais compensações são vedadas.
IX- existe também a necessidade de declaração de valores superiores a
US$ 10.000,00 (dez mil dólares dos Estados Unidos da América) em
moeda estrangeira em espécie, na entrada e saída do país. O artigo 14, §1º
da Lei 14.286/21 eleva o valor que deve ser declarado em moeda
estrangeira em espécie, no ato de entrada ou saída do país, de R$ 10.000,00
(dez mil reais) para US$ 10.000,00 (dez mil dólares dos Estados Unidos da
América).
ISSNe 2595-1602 97
No procedimento das operações de câmbio, o cliente assinará um termo de adesão à
instituição mediadora, na qual declara sob as penas da lei, ter conhecimento de todos os
pontos ali descritos.
Sobre o enquadramento das operações, o cliente tem ciência que é o responsável por
informar a instituição a finalidade das operações de câmbio cursadas, compreendidas
como o conjunto de códigos que a partir da classificação indicada na regulamentação.
O cliente também prestará compromissos com a Instituição mediadora em relação às
movimentações de câmbio, sempre que for solicitado pelos reguladores.
O cliente é contribuinte da IOF (imposto sobre operações financeiras), aplicável às
operações de câmbio objeto da transação, o recolhimento do imposto será recolhido
sobre o agente de câmbio conforme legislação aplicável.
O cliente é o responsável pelo cálculo e pagamento de qualquer outro tributo adicional
ao IOF, como exemplo o (IRRF) imposto de renda, como por demais obrigações
exigidas em decorrência da lei ou transação quanto ao recolhimento de tributos.
Produtos específicos deverão ser informados pelo cliente que possivelmente receberá
um SMS na qual será informado sobre a existência de ordem de pagamento recebida em
moeda estrangeira e será questionado sobre a autorização para liquidação da operação
de câmbio nas condições informadas pelo próprio SMS que deverá ser respondido com
a palavra-chave descrita na mensagem, a OPR será liquidada de forma automática, e o
crédito dos reais será disponibilizado no mesmo dia na conta do cliente.
Nessa toada o §2º do artigo 14, em seu inciso II, dispõe que o BCB regulamentará quais
os tipos de instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio que não poderão
efetuar o ingresso no país e a saída do país de moeda nacional ou estrangeira,
considerados o porte, a natureza e o modelo de negócio das instituições, em linha com
o princípio da proporcionalidade regulatória.
7. CONCLUSÃO
ISSNe 2595-1602 98
Nessa toada haverá estímulo à redução de estruturas operacionais e jurídicas dos
participantes do mercado de câmbio, com maior eficiência no procedimento das
operações e no envio de informações determinadas pelo Banco Central.
Na prática, tudo isso tem como principal objetivo tornar as transações internacionais
mais simples, o que beneficiará principalmente a atuação do Brasil no comércio exterior.
De forma geral, o novo marco legal do câmbio se mostra como uma alternativa para
melhorar o ambiente de negócios do Brasil, à medida que visa promover o
fortalecimento do real. Para isso, simplificará as transações em moeda estrangeira, desde
as mais simples (como entre pessoas físicas) até as de comércio exterior, facilitando a
inserção de mais empresas nas cadeias globais.
Com mais visibilidade no cenário externo, espera-se maior fluxo de capital estrangeiro
no Brasil, tanto para investimentos no mercado financeiro quanto na própria estrutura
produtiva das empresas.
Outro impacto das novas normas diz respeito aos custos para os usuários. Com novos
players nesse mercado, a expectativa é de que os custos das operações de câmbio sejam
reduzidos ao longo dos anos. Isso sem falar na evolução tecnológica, que agilizará as
transações com outros países, contribuindo também para a maior eficiência do comércio
internacional.
Todos esses pontos levam a crer que o novo marco cambial poderá contribuir
positivamente para o fortalecimento do real frente a outras moedas. No entanto,
especialistas chamam atenção para o fato de que poderá haver desestabilização do
câmbio se esse fluxo financeiro não ocorrer de forma equilibrada.
BIBLIOGRAFIA
ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 18a ed. São Paulo: Saraiva, 2018
MISES, Ludwig von. Burocracia/ Ludwig von Mises; tradução de Raul Martins-
Campinas, SP: Vide edit. 2018, p. 20
ISSNe 2595-1602 99
FAKE NEWS E LIBERDADE DE EXPRESSÃO: OS DESAFIOS DAS
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NA ERA DA PÓS-VERDADE.
RESUMO
O presente estudo aborda questões atuais acerca da disseminação das fake news, o uso da
liberdade de expressão e a forma com a qual elas têm sido veiculadas, podendo trazer
resultados nocivos e prejudiciais à sociedade contemporânea. Objetiva-se, analisar os efeitos
dessas notícias e suas consequências, a responsabilidade dos cidadãos no tocante a essa
prática levando em conta os aspectos da era da pós-verdade e compreender a aplicabilidade
da liberdade de expressão enquanto uma garantia constitucional tendo em vista a
possibilidade de violações dessa liberdade e a probabilidade de intervenção jurídica por meio
da criação de uma norma específica. Justifica-se o presente por sua discussão séria e atual,
tendo em vista que as notícias falsas podem interferir nas relações sociais gerando graves
consequências. Questionou-se: o que fazer quando o discurso propagado pelas fake News
pode violar direitos? Lastreado na metodologia da pesquisa qualitativa, por meio do método
referencial bibliográfico, exploração de estudo descritivo cujo referencial teórico se ancora
no Código Civil, bem como na Carta Magna e autores como Cunha Jr (2016), Moraes (2016),
Silva (2021), jurisprudências que abordam o assunto, além de artigos científicos, revistas e
notícias de periódicos de grande credibilidade. Em suma, é importante buscar equilíbrio entre
a Liberdade de expressão, a Liberdade individual e o incentivo à veracidade dos fatos
noticiados. Estar consciente dos perigos da desinformação dessas notícias é reafirmar o valor
da verdade dos fatos a fim de que medidas sejam tomadas com o escopo de combater
condutas ilícitas atreladas a esse fenômeno.
1 INTRODUÇÃO
A discussão entre Direito e sociedade se dá com a premissa de, sendo o Direito
estático, garantir que sua manifestação somente ocorra quando há a necessidade de
intervenção na sociedade. Em um contexto sociológico, é comum expressar que a sociedade
se modifica e sempre há diversas mudanças no seio social ao longo do tempo. Premissa muito
1
Licenciado em Letras-Inglês, Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Bacharel em Direito – Faculdade
Anísio Teixeira- FAT. Pós-graduado em Ciências Criminais – CERS. Pós-graduando em Direito Penal e
Processo Penal – FACIBA. Oficial de Justiça Avaliador TJBA – Servidor lotado na Comarca de Conceição
do Coité – Ba. binocoite@hotmail.com
2 OBJETO DE ESTUDO
Embora a prática de propagar informações falsas não seja algo tão recente, a presente
nomenclatura oriunda do inglês "fake news" teve notoriedade em larga escala e
internacionalmente durante as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Nesse ínterim, a
expressão se evidenciou e ganhou mais amplitude pelos meios de comunicação e pela
população que começaram a utilizar tal termo.
O termo "fake news" ou notícia falsa, tem se tornado vastamente conhecido e muito
utilizado na atualidade, no entanto, no que concerne à sua origem, vê-se que foi em 2016.
Um neologismo que, segundo Foster et al (2021), faz alusão a uma desordem informacional
que gera desinformação, informação enganosa, ou informação falsa exibida como sendo
verdadeira e sem qualquer vestígio de questionamento de sua inveracidade.
A disseminação de informações por intermédio das redes sociais e a facilidade ao
compartilhá-las contribuíram para um aumento expressivo do fenômeno das fake news, pois
“agem na subjetividade dos indivíduos, a partir de suas visões de mundo construídas em seus
processos de sociabilidade.” (ALMADA,2021, p. 121)
Os meios digitais foram os meios mais eficientes no que concerne à propagação de
informações enganosas, que em muitas das vezes foram utilizadas com o fim de manipulação
da opinião pública, na perspectiva do viés ideológico, bem como para poder influenciar
eleições, prejudicar a reputação de pessoas e instituições.
Denota-se que a expressão adquiriu uma carga negativa, sendo utilizada para
credibilizar informações notadamente falsas que circulam amplamente e que podem gerar
danos à sociedade. Conforme o entendimento de D’Ancona (2018), existe uma estratégia por
traz dessas mentiras, um planejamento para que verdades sejam ocultadas e traga confusão
para o receptor dessas informações. Para o referido autor é um meio de criar controvérsias
em lugares em que anteriormente não existiam. Um modo de dar o crédito ao que é falso e
inverídico em detrimento do fato e da verdade.
Impera destacar que a palavra "fake news" é um termo que conglomera diferentes tipos
de desinformações e notícias criadas sem qualquer responsabilidade que levaram, inclusive,
muitas pessoas a serem prejudicadas e vítimas de tal comportamento. Seu uso desenfreado
tornou-se tão comum que muitos países, inclusive o Brasil, passaram a discutir maneiras de
combater as Fake News, promovendo o que se chama de alfabetização midiática, por meio
de agências de checagem da verdade, a fim de que se possa promover o pensamento crítico
como meio de lidar e frear tal prática que se difunde a passos largos.
Para Silva (2021), espalhar notícias falsas se evidencia que não há comprometimento
com a verdade ou com a veracidade da informação. Para o referido autor, o que importa é a
forma de impacto que aquela notícia causará e qual o estrago como resultado esperado e suas
consequências. Um meio de justificar uma mentira por meio de um discurso perverso que
gera violência.
Em suma, a palavra "fake news" surgiu para descrever a propagação de informações
falsas, sobretudo no contexto digital e sua origem está ligada ao aumento considerável da
A crescente preocupação que o Brasil tem vivido nos últimos anos no que tange às
notícias falsas não é em vão, uma vez que tal conduta resulta em impactos sociais. Por esta
razão, imprescinde refletir acerca dos efeitos jurídicos que também podem acarretar. Nesse
aspecto é imperioso destacar como o Direito tem atuado na responsabilização do indivíduo
que propaga notícias notadamente falsas, primordialmente quando se configuram os danos
causados às vítimas. Importa, portanto, explorar os efeitos jurídicos de tais notícias no Brasil
à luz do Direito Civil, com base na responsabilidade civil e quais os caminhos a serem
percorridos a partir dessa perspectiva do Direito e suas relações de intervenção na sociedade.
O Código Civil, no Art. 186, aduz que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”. (Brasil, 2002,).
Ao tratar do referido tema é de suma relevância mencionar o que diz Carlos Roberto
Gonçalves quando ele afirma que “a obrigação de indenizar decorre, pois, da existência da
violação de direito e do dano, concomitantemente”. (Gonçalves, 2022, p. 65). Aquele que
divulga ou dissemina notícia falsa, a partir do pensamento do referido civilista não deixa
dúvidas de que há a possibilidade de indenizar quem dela foi vítima. Em outras palavras fica
clarividente que quem disseminar tais notícias, pode ser responsabilizado por seus atos. Vale
ressaltar que além do aspecto apresentado no contexto cível – objeto desse estudo - também
há a correlação com o Direito Penal e com o Direito Eleitoral.
Ao iniciar um capítulo tão importante citando Gustave Le Bon é justamente por sua
imprescindibilidade para a psicologia social. Ocorre que, pelo aumento exponencial da
disseminação das notícias falsas há a possibilidade de tal fenômeno se tornar difícil de
combater. Não obstante o uso da liberdade de expressão, algo que será discutido a posteriori,
para além disso, discutir, além da responsabilidade outrora mencionada, como a Lei, no seu
contexto mais específico de combate às notícias falsas, tem se comportado diante da situação.
Na citação alhures fica evidente que se não houver um posicionamento por parte
das autoridades há a possibilidade, inclusive, conforme Le Bon (2018) menciona de
democracias ruírem pelo poder das massas. Por essa razão, existe a necessidade de
desenvolver marcos legais e regulatórios adequados à situação vigente que tem sido abordada
para combater a desinformação e que promova transparência das plataformas nas redes
sociais. Uma parceria imprescindível no fortalecimento da democracia que juntem esforços
com o fim de desacelerar e combater a proliferação das notícias falsas.
Em virtude dos constantes debates tanto no âmbito acadêmico como sociopolítico
o Projeto de Lei (PL) nº 2630/2020 tem como ementa:
Por mais que nos seja garantido esse direito, Moraes (2016) enfatiza que ter liberdade
para se expressar não é premissa para certificar que condutas ilícitas devam ser reiteradas.
Fica claro e veemente que ao agir de modo errôneo com desrespeito à dignidade do outro
não é uma garantia constitucional. Nenhum discurso que contrapões o inciso IV e IX no
artigo 5º da Constituição Federal tem amparo jurídico.
Em consonância com o exposto o STJ afirma que o fato de se ter liberdade de
expressão, principalmente em um ambiente democrático é diferente de se veicular conteúdos
notadamente falsos e que coadunam com alteração da verdade factual. Na verdade, para o
referido tribunal, essa é uma maneira de se alcançar uma finalidade criminosa incondizente
com a verdade.,
Não é proibido publicar nenhum conteúdo, até porque as leis brasileiras não admitem
censura prévia. Mas admite a proibição posterior como bem explana Moraes (2026) no texto
citado anteriormente. “Apesar da vedação constitucional da censura prévia, há a possibilidade
de compatibilizar a comunicação social com os demais preceitos constitucionais [...]”
(MORAES, 2016, p. 887).
Mas o que o autor supra quer intensificar é o fato de que ao desproteger um cidadão
e violar seus direitos, trazendo com isso situação vexatória e humilhante, retira-se desse
indivíduo, aspectos importantes de sua dignidade enquanto ser social isso garante, inclusive
o dever de indenizar.
É comum na era da modernidade que a nossa sociedade esteja cercada por uma gama
de informação e conhecimento propiciada pelo acesso rápido e amplo que a internet,
enquanto tecnologia da informação e comunicação proporciona. Mas o que esperar de todo
esse aparato de informações fáceis, rápidas e imediatas na relação das pessoas em sociedade?
Pode-se esperar um fenômeno que tem crescido e se destacado nas últimas décadas, com o
advento das redes sociais: pós-verdade (post truth).
Almada (2021) afirma que o imediatismo é uma característica comum nos tempos
atuais e a velocidade com a qual chegam essas informações, visto que em minutos uma pessoa
pode lançar uma notícia aqui no brasil e chegar a diversos locais distantes do país de origem
em que tal texto ou imagem fora enviada.
O supramencionado autor ainda aduz que isso se faz pelo poder dos avanços
científicos e tecnológicos que se demonstra na utilização de smartfone, tablet ou outro meio
comunicador semelhante aos exemplificados, pois isso é suficiente “para ter acesso a bancos
ou serviços públicos, usar um streaming para ouvir músicas e ver vídeos ou navegar nas
famosas redes sociais, como Facebook, Twitter ou Instagram (ALMADA, 2021, p. 120).
De acordo com o explicitado acima, entende-se que além dos já mencionados,
existem diversos outros meios de obtenção de informação produzidas pelo ambiente virtual;
o que proporciona às pessoas uma quantidade enorme e surpreendente de informação. Com
isso, Almada (2021) relaciona essa quantidade exacerbada de informação com os aspectos
dos individualismos dos sujeitos consumidores dessas informações, para ele, fica claro que
existem seus anseios e subjetividades que não podem ser descartados.
Isso se dá, conforme o ainda mencionado autor, que como meio de satisfazer as
individualidades de terceiros, sem se importar com a responsabilidade do que é veiculado,
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, foi explorado o complexo e controverso cenário das fake news, a
liberdade de expressão e o surgimento da pós-verdade. Ao longo do referido estudo, foi
REFERÊNCIAS
RESUMO
O presente artigo tem por finalidade discorrer acerca da filiação socioafetiva, abordando seus
fundamentos constitucionais com a promulgação da Constituição Federal de 1988, bem
como o relevante papel que a multiparentalidade desempenha nos vínculos sociais ao atender
os princípios da função social da família e primazia dos interesses da criança e do adolescente,
estabelecendo vínculos pautados no afeto com igual relevância, obrigações e deveres à
filiação biológica. Desse modo, o trabalho parte das seguintes indagações: Qual é a relevância
da filiação socioafetiva no ordenamento jurídico brasileiro? O ordenamento jurídico
brasileiroreconhece a filiação socioafetiva e a multiparentalidade? É possível a coexistência
da filiação biológica e socioafetiva? Para responder esses questionamentos, assim como
alcançar os objetivos estabelecidos, a metodologia selecionada trata-se da pesquisa
qualitativa, com objetivo descritivo e exploratório, tendo como abordagem o estudo
bibliográfico. As principais fontes utilizadas são artigos, livros, doutrina e jurisprudência. Os
resultados obtidosdemonstram que na atualidade existem variados modelos de famílias na
sociedade brasileira, sendo a família construída a partir dos laços afetivos e da convivência
contínua, um modelode família reconhecido perante o ordenamento jurídico. Além disso,
os direitos, as garantias e deveres são assegurados as famílias multiparentais e socioafetivas,
não existindo hierarquias, tampouco discriminação por parte do âmbito jurídico diante desses
modelos de famílias.
ABSTRACT
1
Advogada, graduada em Direito pelo Centro Universitário Católica de Quixadá – UNICATÓLICA,
graduada em Administração, e-mail: evelynmadvocacia@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
A promulgação da Constituição da República de 1988 significa mudança de
paradigma das relações familiares, visto que, até então eram reconhecidos como filhos
somente aqueles dentro do casamento, ficando desamparadas do ordenamento jurídico
aqueles cujas relações foram constituídas pelo tempo com envolvimento de afeto e zelo, em
especial, aquelas que existem no contexto de novas configurações familiares.
Contudo, uma vez presente os elementos constituintes do que se denomina como
filiação socioafetiva, estes filhos passaram a ocupar status como tal, sendo detentores de
direitos e deveres tais como filhos biológicos. Os elementos primordiais são a conivência
continua, o afeto solidificado dia a dia, como relações de cuidado, amor, proteção e efetiva
participa da vida do filho em todos os aspectos.
Com o reconhecimento da filiação socioafetiva e a multiparentalidade no
ordenamento jurídico, é possível visualizar-se grandes modificações na sociedade, sobretudo,
nos lares desses pais e filhos, corroborando com os preceitos constitucionais instituídos pelos
princípios da dignidade da pessoa humana, uma vez que, a função social da família na
sociedade tem se cumprindo ao atender o melhor interesse da criança e do adolescente.
Nesse ínterim, o objetivo do presente trabalho trata-se de demonstrar com julgados
como a filiação socioafetiva possui a mesma relevância e direitos tais como a filiação
biológica, sendo possível a coexistência de ambas as filiações em razão do convivo contínuo,
além disso, o artigo busca apontar que a filiação socioafetiva pode se sobrepor à biológica,
bem como propõe refletir acerca da importância de tal instituto na função social da família.
O método utilizado para a elaboração deste trabalho consiste na pesquisa qualitativa,
com objetivo descritivo e exploratório, mediante a realização do estudo bibliográfico. Sendo
utilizadas como principais fontes para o arcabouço teórico: livros, artigos, legislações,
doutrina e jurisprudência.
Para alcançar os objetivos elencados acima, discorrer-se-á inicialmente sobre a
evolução do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro e o status de soberania
dos princípios constitucionais da CF/88. Ademais, aborda-se o instituto da filiação
socioafetiva nocenário nacional tendo como base questões como definição, aplicabilidade,
requisitos para suaconstituição, assim como os efeitos jurídicos decorrentes.
Por fim, serão contempladas questões oportunas como a coexistência da filiação
socioafetiva e a biológica em perspectiva com o princípio da função social da família, com
apresentação de julgados e como a jurisprudência tem se portado frente a existência
concomitante dos dois institutos.
2
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6 ed. ver., atual e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010.
3
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidente da República, [2016].
4
CARBONERA, Silvana Maria. O Papel Jurídico do Afeto nas Relações de Família. In: FACHIN, Luiz
Edson. (coord.). Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de
Janeiro : Renovar, 1998, p. 281.
5
TEPEDINO, Gustavo. A Disciplina Civil-Constitucional das Relações Familiares. In: BARRETO,
Vicente (org.). COMMAILLE, Jacques et al. A Nova Família: Problemas e Perspectivas. Rio de Janeiro :
Renovar, 1997, p. 56 apud BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Novos Contornos do Direito de Filiação: a
Dimensão Afetiva das Relações Parentais. Revista da AJURIS, Porto Alegre : Associação dos Juízes do
Rio Grande do Sul, v. 26, n. 78, p. 197-250, jun. 2000.
6
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 273.
7
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
8
BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Código Civil.
compostas por muitas pessoas que moram juntas e dividem a criação das crianças, não sendo
uma obrigação apenas dos pais, assim todos os membros adultos que constituem o agregado
familiar são responsáveis pela educação da criança, além daquelas, cuja configuração se dá
com inserção do padrasto e/ou madrasta, ocupando verdadeiro papeis de cuidar e zelar.
Mediante o exposto, verifica-se assim que presentes os pressupostos basilares de uma
relação de afeto, constitui-se tão logo a função social da família na sociedade, uma vez que a
paternidade decorre mais do amor e do cuidado, de modo que tais vínculos merecem a tutela
pelo direito de família contemporâneo.
9
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 3. ed.
rev., atual.e ampl. São Paulo: Atlas, 2017, p. 17.
10
MADALENO, Rolf Hanssen. Novas Perspectivas no Direito de Família. Porto Alegre : Livraria do
Advogado, 2000, p. 40.
princípio do melhor interesse da criança, e essa é a razão pela qual cada vez mais os
julgadores têm valorizado o critério socioafetivo em detrimento do biológico ou registral, a
fim de proteger os filhos, bem como os seus direitos, no âmbito da convivência família.11
Muito embora a filiação socioafetiva/multiparentalidade não esteja prevista de forma
expressa no texto legal, pode ser compreendida no art. 1.593 do Código Civil Brasileiro pela
expressão “outra origem”, de modo que não há dúvidas de que a multiparentalidade, assim
como a filiação biológica, confere direitos e obrigações às partes, tendo o Instituto Brasileiro
de Direito de Família disposto no Enunciado nº 09 que: A multiparentalidade gera efeitos
jurídicos.12
Nos termos do atual ordenamento jurídico, a filiação socioafetiva pode ser
reconhecida de forma judicial ou extrajudicialmente. A medida judicial para o
reconhecimento da multiparentalidade é aquela em que os interessados ajuízam ação própria
para tanto, insta salientar que pouco importa a nomenclatura utilizada para propor esta ação,
haja vista que, o que estará em questão e que será efetivamente considerado para o
reconhecimento da filiação socioafetiva é a comprovação da posse de estado de filho e o
vínculo afetivo decorrente da relação.
Em decorrência da ausência legislativa sobre a temática dos operadores do Direito
devem se amparar no disposto pelo Conselho Nacional de Justiça, que em agosto de 2019
instituiu o Provimento 83, determinando em seu artigo 10-A que:
11
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A Nova Filiação: O Biodireito e as Relações Parentais: O
Estabelecimento da Parentalidade-Filiação e os Efeitos Jurídicos da Reprodução Assistida Heteróloga.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 482-483.
12
BRASIL. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Enunciado 09. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam> Acesso em: 17 jun, 2023.
13
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento 83/2019 do Conselho Nacional de Justiça.
Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files//provimento/provimento_83_14082019_15082019095759.pdf
Acesso em: 17 jun, 2023.
Ante o exposto, observa-se que o ordenamento jurídico brasileiro por meio de suas
decisões reconhece não apenas a legitimidade da filiação socioafetiva ou da
multiparentalidade, como também define direitos, garantias e deveres para esses modelos de
famílias e formas de filiação.
Conforme explicitado neste trabalho, é inegável que o afeto é elemento essencial para
configurar a relação de pais e filhos, sobretudo, quando se fala em reconhecimento da filiação
socioafetiva, no entanto insta explanar como se dá a relação da criança ou adolescente com
a sua família biológica em concomitância com os entes socioafetivos, uma vez que, a
coexistência desses vínculos tampouco era cogitada no passado. Todavia, atualmente a
multiparentalidade é uma realidade entendida como um “fenômeno típico da
contemporaneidade”, arquitetada sob valores plurais, desconstituída das leviandades do
passado” (GHILARD16, 2017, p. 93). Em convergência, Dias (2022, p. 241) afirma que:
14
BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Agravo de Instrumento nº 2225968-
92.2015.8.26.0000; Relator: Carlos Alberto Garbi; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro
de São Pedro - 2ª Vara; Data do Julgamento: 10/08/2016.
15
BRASIL. Instituto Brasileiro de Direito da Família. Disponível
em: < http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam>. Acesso em: 2, jun,
2023.
16
GHILARDI, Dóris. Economia do afeto: Análise Econômica do Direito no Direito de Família. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2017.
O afeto, elemento identificador das entidades familiares, passou a servir de parâmetro para a
definição dos vínculos parentais. Se de um lado existe averdade biológica, de outro lado há uma
verdade que não mais pode serdesprezada: a filiação socioafetiva, que decorre da estabilidade
dos laços familiares.
Para o reconhecimento da filiação pluriparental, basta flagrar a presença do vínculo de filiação com
mais de duas pessoas. A pluriparentalidade é reconhecida sob o prisma da visão do filho, que passa a
ter dois ou mais novos vínculos familiares.
Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação
constitucional reconhecê-los, na medida em que preserva direitos fundamentais de todos os
envolvidos, sobretudo o direito à afetividade. […]17
Ampliando a discussão, é necessário tecer considerações acerca da
multiparentalidade. Em relação esse termo, depreende-se que a multiparentalidade é
entendida como “a possibilidade de concomitância” (FARIAS, ROSENVALD, 2017, p. 615)
de diferentes tipos de parentalidade por uma mesma pessoa. Ou seja, a viabilidade de
um indivíduo “possuirmais de um pai e/ou mais de uma mãe simultaneamente, produzindo
efeitos jurídicos em relação a todos eles a um só tempo” (FARIAS, ROSENVALD, 2017, p.
615).
Ainda assim, concebe-se que a configuração de uma filiação socioafetiva não elimina
apossibilidade de concomitante filiação biológica, ou ainda jurídica. Em verdade, “cuida-se
de critérios completamente distintos, originários de circunstâncias próprias e específicas e,
por esta razão podem coexistir simultaneamente” (FARIAS, ROSENVALD, 2017, p. 616).
Destarte, no âmbito da configuração da filiação socioafetiva/multiparentalidade
imensaé a relevância do princípio da aparência. Segundo Maria Berenice Dias18 (2022, p. 50)
“a aparência faz com que todos acreditem existir situação não verdadeira, fato que não pode
ser desprezado pelo direito”. O princípio da aparência, pois diz respeito à posse de estado
de filho, seria a demonstração perante a sociedade de relação paterno-filial com a
exteriorização da convivência familiar afetiva, independentemente de vínculo biológico.
Insta mencionar a temática da coexistência dos vínculos é divergente na doutrina.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2017, p. 615) defendem que diante dos
“diferentes critérios constitutivos de cada filiação (legal, biológico e socioafetivo), apenas um
deles deve “avultar”, viabilizando a relação paterno-filial”. Nesse mesmo sentido, Flávio
Tartuce (2017, p. 263) alega que “a afetividade prevalece sobre o vínculo biológico, razão
pela qual, comprovada a convivência duradoura entre pai e filho, a descoberta da verdadeira
ascendência genética não justificaria a “perda” da parentalidade socioafetiva já constituída”.
Similarmente, o professor Rolf Madaleno (2018, p. 651) aduz que seria expressamente
necessário demonstrar que nenhuma das modalidades de parentalidade possui mais peso do
que a outra, o que seria difícil em seu julgamento pelos “fortes laços socioafetivos
17
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 15. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora
JusPodivm, 2022.
18
DIAS, Maria Berenice. Filhos do Afeto: questões jurídicas. 3. ed. Salvador: Juspodivm, 2022.
impregnados pela convivência do passado, e que jamais serão superados pelos frágeis
vínculos biológicos reclamados para o futuro”.
No entanto, na jurisprudência, na Repercussão Geral 622, de 2017, Supremo Tribunal
Federal (STF), os ministros entenderam o afeto como vínculo de parentesco, sem nenhuma
hierarquia entre a filiação originada da consanguinidade, possibilitando inclusive ser
concomitante. Posteriormente ao entrar em vigor o provimento nº 63 do CNJ, a incerteza
jurídica de qual paternidade/maternidade merece prevalecer em registro vem sendo
superada, isso porque o novo modelo registral traz o campo filiação com espaço para se
registrar atédois (02) pais, duas (02) mães e até oito (08) avós.
19
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 898.060. Relator: Ministro Luiz Fux. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24%2ESCLA%2E+
E+898060%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+898060%2EACMS%2E%29&
base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/oxbmklf>. Acesso em: 13 jul. 2023.
20
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Apelação nº 0013384-
47.2013.8.19.0203. Relator: Desembargador Fernando Cerqueira Chagas.
Disponível em:
<http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ImpressaoConsJuris.aspx?CodDoc=3348824&PageSeq=0>. Acesso em:
14 jun. 2023.
21
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.059.214. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão.
Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21399240/recurso-especial-resp-1059214- rs-
2008-0111832-2-stj/inteiro-teor-21399241>. Acesso em: 29 jun. 2023.
Ante o apresentado, é notório que o afeto tem pautado as decisões judiciais e por essa
razão se mostra de grande valor a figura da multiparentalidade para crianças e adolescentes
como meio de possuir uma criação pautada no acolhimento e estima, bases para uma criação
sólida, sabe-se que não basta a menção na certidão de nascimento para criar laços de afeto.
Como bem salienta Brauner (2000, p. 194): “Ora, não se pode negar que o vínculo relacional
entre pai e filho não se cria através de um documento, é preciso querer ser pai ou ser mãe
e,de parte da criança, é necessário se sentir como filho”23
O reconhecimento dado pelo ordenamento jurídico brasileiro aquelas relações, onde
o cuidado, o permanente convivo se estabeleceu, concedo-lhes o poder familiar, colaborou
com a construção de uma sociedade brasileira mais justa. Ao possibilitar o reconhecimento
da parentalidade socioafetiva em concomitância com a filiação biológica no seio dos registros
públicos, efetivou-se os princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da
criança e do adolescente, além da solidariedade familiar, a paternidade responsável e
igualdade da filiação.
5 CONCLUSÃO
Ante o exposto no presente estudo, pode-se verificar que o conceito de família sofreu
22
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70016894719, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. RS, 29 nov. 2006.
23
BRAUNER, Maria Cláudia Crespo. Novos Contornos do Direito de Filiação: a Dimensão Afetiva das
Relações Parentais. Porto Alegre: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, 2000.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 898.060. Relator: Ministro Luiz Fux. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24
%2E
SCLA%2E+E+898060%2ENUME%2E%29+OU+%28RE%2EACMS%2E+ADJ2+8980
60%
2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/oxbmklf>. Acesso em:
13jul. 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 1.059.214. Relator: Ministro Luis Felipe
Salomão. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21399240/recurso-
especial-resp-1059214-rs-2008-0111832-2-stj/inteiro-teor-21399241>. Acesso em: 29 jun.
2023.
2000.
CARBONERA, Silvana Maria. O Papel Jurídico do Afeto nas Relações de Família. In:
FACHIN, Luiz Edson. (coord.). Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro
Contemporâneo. Rio de Janeiro : Renovar, 1998, p. 281.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6 ed. ver., atual e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2010.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 15. ed. rev. ampl. e atual. Salvador:
Editora JusPodivm, 2022.
DIAS, Maria Berenice. Filhos do Afeto: questões jurídicas. 3. ed. Salvador: Juspodivm,2022.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias.
9.ed. Salvador: Juspodivm, 2017. 1024 p.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense; 2017.
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
O Direito Civil do século XXI é marcado por características oriundas da teoria dos
direitos fundamentais, da prioridade das situações existenciais em relação às patrimoniais,
pela força normativa dos princípios constitucionais e, inclusive, pela funcionalização de seus
conceitos e categorias. Nesse contexto, a consagração do Estado Democrático de Direito
pela Constituição Federal de 1988 teve, como um dos pilares, o reconhecimento de outras
entidades familiares para além do tradicional e formal casamento.
Com a evolução social e o prestígio ao elemento afetivo, à liberdade e
autodeterminação, outras espécies de família passaram a ter seu reconhecimento e a merecer
a tutela estatal, dentre elas, a união estável que integra o rol exemplificativo do art. 226 da
Carta Maior.
Conforme dispõe o art. 1.723 CC/02, a união estável se constitui quando verificados
os pressupostos de natureza objetiva, quais sejam, a convivência pública, contínua e
duradoura; bem como um pressuposto de cunho subjetivo, de natureza volitiva, a intenção
mútua de constituição de família. Assim sendo, descortina-se uma multiplicidade de núcleos
familiares com o advento da CF/88, surgindo a consequente e adequada alteração na
nomenclatura deste ramo do Direito Civil para o plural: Direito das Famílias.
Nas últimas décadas, a família patriarcal e formada apenas pelo casamento,
indissolúvel até 1977, foi perdendo seu espaço exclusivo como entidade familiar digna de
tutela jurídica.
Oportuno mencionar que, no projeto do Código Civil de 1916, o que se propunha
como forma de dissolução da sociedade conjugal sem, contudo, romper o vínculo
matrimonial, era o desquite, conforme já defendido por Clóvis Bevilaqua, segundo o qual:
E continua:
Verifica-se que, relativamente aos efeitos da união estável, há zonas cinzentas, pontos
obscuros que merecem ser discutidos. Destacam-se aqui os efeitos patrimoniais. As dúvidas
pairam notadamente sobre o termo inicial e final dessa modalidade de família e os respectivos
efeitos. Seriam eles inter partes ou erga omnes?
O art. 94-A da Lei 14.382/2022 possibilita o registro lato sensu dos títulos declaratórios
do reconhecimento da união estável ou de sua extinção, previstos no rol do § 3º do art. 1º
do Provimento 141, ora transcrito:
Ressalte-se, porém, que o efetivo início dessa relação e seu fim normalmente não
coincidem com o mencionado registro. Na prática, o que ocorre é que, mesmo vivendo em
união estável, a decisão de tornar pública em cartório essa união ocorre tempos depois, mas
ela teve um marco inicial a partir do qual gerou, validamente, todos os efeitos que lhe são
próprios.
Nessa conjuntura, o Provimento 141 do CNJ de 16/03/2023, na tentativa de
delimitação desse lapso temporal da união estável e visando a evitar incertezas e conflitos,
regulamentou, nos §§ 4º e 5º do supracitado art. 1º, a previsão de inserção da data inicial e
final da união estável nos títulos inscritíveis acima descritos, nos seguintes moldes:
Infere-se, pois, das disposições acima, que é possível inserir as datas que marcam o
início e fim da união estável tão somente em caso de decisão judicial ou certificação eletrônica
cujo procedimento está previsto no art. 9º-F do Provimento 141 em comento.
Já quanto aos termos declaratórios e escrituras públicas, a delimitação temporal pelos
companheiros está condicionada à mesma data de lavratura do respectivo instrumento e à
declaração expressa de ambos os companheiros dessa fixação de limites temporais.
O §5º do art. 1º acima transcrito é enfático ao restringir a possibilidade de inclusão
de datas de início e fim da união estável apenas nas hipóteses taxativas do § 4º do supracitado
art. 1º do Provimento. Portanto, a contrario sensu, a celebração e registro de termos
declaratórios e escrituras públicas sem observância dessas condições, a despeito de
conferirem a desejada publicidade, mantêm a problemática dos efeitos jurídicos pretéritos ao
registro e supervenientes à data da efetiva dissolução, mormente se precedida de separação
de fato.
No que tange aos efeitos patrimoniais, o Provimento 141 do CNJ passou a
estabelecer também a faculdade de alteração formal do regime de bens, conforme se infere
do art. 9º-A, ora transcrito, desde que sejam atendidos os requisitos do art. 9º-B dessa mesma
espécie normativa:
Diante do exposto, entende-se que, com a entrada em vigor da Lei 14. 382/2022, a
união estável deu mais um importante passo no percurso da equiparação com o casamento
no que tange ao aspecto formal, bem como à prova de sua eficácia interna e externa, mas,
devem permanecer os cuidados e atenção relativamente ao período precedente ao registro
(que, repita-se, é facultativo) e posterior ao eventual rompimento dessa relação, mesmo
considerando as restritas e, igualmente, facultativas hipóteses de inclusão das datas de início
e fim.
Não se pode descurar que, sendo facultativo o registro e a própria feitura dos títulos
declaratórios, a união estável de muitos casais continuará desprovida de qualquer formalidade
e publicidade, sem deixar, contudo, de existir e produzir todos os efeitos que lhe são próprios.
Inevitavelmente, muitos conflitos e injustiças continuarão a existir, a exemplo do que ocorreu
nos seguintes e recentes julgados, um do STJ e dois oriundos do TJMG:
[A] família deixou de ser objeto de proteção autônoma – colocada como uma
realidade baseada em si mesma – e tornou-se funcional, ou seja, instrumento de
promoção e desenvolvimento dos seus membros, realçando a dignidade da pessoa
humana em suas relações. (TEPEDINO, p. 352)
Não se pode olvidar que um dos princípios que compõe os pilares do Direito das
Famílias contemporâneo é o princípio da Intervenção Mínima do Estado, também
conhecido como direito mínimo das famílias. Nesse sentido, transcreve-se o entendimento
de Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto:
[O] afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações familiares e das
relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo
dar sentido e dignidade à existência humana. (MADALENO, 2008, p. 66)
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todo o exposto, pode se afirmar que a evolução legislativa passou por inúmeros
avanços com o objetivo de, cada vez mais, concretizar a subsunção dos fatos sociais às
normas, bem como atender aos anseios do bem-estar nas relações afetivas.
Portanto, é coerente e consentânea com a realidade atual a edição da Lei 14.382/2022
que inseriu o art. 94-A na Lei de Registros Públicos, cuja vigência iniciou-se em 28 de junho
de 2022, data de sua publicação.
De fato, em atendimento à tendência de desjudicialização de determinados atos e
negócios de direito privado, passou a regulamentar e permitir o registro extrajudicial dos
títulos declaratórios da existência e dissolução da união estável, quais sejam, escrituras
públicas, distratos, sentenças judiciais e termos declaratórios confeccionados diretamente
perante o oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais.
Uma vez registrados tais atos no Livro E do Registro Civil das Pessoas Naturais, essa
união de fato torna-se pública e, mais que isso, eficaz perante terceiros.
Contudo, uma interpretação crítico-reflexiva nos permite concluir que alguns
problemas remanescem mesmo diante do permissivo legal conferido pela Lei. 14.382/2022.
Efetivamente, os registros no Livro E dos atos de declaração da existência da união estável
ou da sua extinção por meio dos títulos acima apontados delimitam e comprovam a união e
seus efeitos; contudo, períodos retroativos e prospectivos a esse interregno temporal, durante
os quais os mesmos efeitos são produzidos, continuarão demandando dilação fático-
probatória.
Não se procura rechaçar a finalidade da norma jurídica delineada no art. 94-A LRP,
mas tão somente discutir acerca da efetiva demarcação temporal nas quais seus devidos
efeitos jurídicos são produzidos, a fim de que se possa resguardar os direitos dos próprios
companheiros, de seus possíveis herdeiros e terceiros com quem estabeleçam relações
jurídicas.
Neste momento, e por fim, parece pertinente ressaltar as palavras de Jones Figueirêdo
Alves:
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, R.; RODRIGUES JÚNIOR, W. E. Direito Civil - Famílias. 2 ed. São Paulo:
Editora Atlas, 2012.
ALMEIDA, R.; RODRIGUES JÚNIOR, W. E. Direito Civil - Famílias. 3 ed. São Paulo:
Editora Atlas, 2023.
BEVILÁQUA, C. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis
Beviláqua. v. 2. 12. ed. atual. por Achilles Bevilaqua. Rio de Janeiro: Editora Paulo de
Azevedo Ltda, 1960.
BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF:
Presidência da República. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 10 dez. 2022.
BRASIL. Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF:
Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 02 nov. 2022.
FARIAS, C. C. de; ROSENVALD, N. Direito das Famílias. volume único. 3 ed. Salvador:
Juspodivm, 2011.
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar a natureza jurídica do divórcio judicial como uma
espécie de negócio jurídico processual, indicando os limites e as possibilidades do acordo
para que não haja infringência a direitos indisponíveis e de ordem pública. Nesse sentido,
sob o prisma dos princípios da autonomia privada (art. 190 do CPC) e da cooperação das
partes (art. 6º do CPC) identificou-se a possibilidade de as partes alterarem o rito da ação do
divórcio e estabelecerem deveres e obrigações que serão cumpridas após à homologação do
acordo submetido à apreciação judicial, podendo ser incluso nas cláusulas os alimentos
compensatórios entre os cônjuges, prazo para a partilha de bens e regulamentação de guarda
e convivência dos filhos incapazes. Como forma de alcançar o resultado inicialmente
pretendido, a pesquisa científica se orientou pelo método dedutivo e se instrumentalizou a
partir da análise exploratória na bibliográfica pertinente e na consulta ao entendimento
jurisprudencial emanado pelo Superior Tribunal de Justiça, sem prejuízo da consulta na
legislação.
ABSTRACT
This work aims to analyze the legal nature of judicial divorce as a kind of procedural legal
business, indicating the limits and possibilities of the agreement so that there is no
1
Pós-doutora e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da graduação e do
Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-
mail: danielapaiano@hotmail.com.
2
Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Bolsista Capes por
Demanda Social. Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL). Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade Legale (FALEG). Graduada
em Direito pela Universidade Positivo (UP). Bolsista Capes por Demanda Social. E-mail:
gloryaoldemburg@gmail.com.
INTRODUÇÃO
O divórcio consensual tem sido uma modalidade cada vez mais adotada no âmbito
do direito de família, por oferecer uma alternativa mais rápida, amigável e menos onerosa
para o término de um casamento.
Este artigo tem como objetivo analisar a natureza jurídica do divórcio consensual
como uma espécie de negócio jurídico processual, destacando os limites e as possibilidades
desse acordo, a fim de evitar infringências aos direitos indisponíveis das partes envolvidas.
Nesse contexto, são examinados os princípios da autonomia privada e da cooperação das
partes, que fundamentam a possibilidade de as partes alterarem o rito da ação de divórcio e
estabelecerem deveres e obrigações a serem cumpridos após a homologação dos termos.
O problema central abordado neste estudo diz respeito à compatibilidade entre a
autonomia privada e a proteção dos direitos indisponíveis no divórcio consensual como
negócio jurídico processual. A partir dessa problemática, busca-se compreender até que
ponto as partes podem exercer sua liberdade contratual e estabelecer acordos que afetam
questões como alimentos compensatórios, prazo para partilha de bens e regulamentação de
guarda e convivência dos filhos, sem desrespeitar os limites impostos pelo ordenamento
jurídico brasileiro.
Para alcançar o objetivo proposto, a pesquisa científica adota o método dedutivo,
partindo de premissas teóricas e chegando a conclusões específicas. Além disso, utiliza-se de
uma análise exploratória na bibliografia pertinente, a fim de embasar o estudo com
fundamentação teórica sólida. Também se recorre ao entendimento jurisprudencial emanado
pelo Superior Tribunal de Justiça, considerando a relevância das decisões judiciais para a
compreensão e aplicação do direito no contexto dos negócios jurídicos processuais. Não se
negligencia, igualmente, a consulta à legislação nacional e estrangeira, de modo a obter uma
visão ampla e comparativa sobre o tema em estudo.
3
Art. 318. Dar-se-á também o desquite por mútuo consentimento dos cônjuges, se forem casados por mais
de dois anos, manifestado perante o juiz e devidamente homologado.
4
Art. 267. Dissolve-se a comunhão:
IV - Pelo divórcio. (Incluído pela Lei nº 6.515, de 1977)
5
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado
§ 6o O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um
ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
6
Um dado interessante trazido à baila por Paulo Lobo (2021, p. 149) é sobre a força dos acordos realizados
no curso do divórcio litigioso, uma vez que “Levantamentos feitos das separações judiciais demonstram
que a grande maioria dos processos de separação litigiosa era concluída amigável, sendo insignificantes os
que resultaram em julgamentos de causas culposas imputáveis ao cônjuge vencido. Por outro lado, a
preferência dos casais era nitidamente para o divórcio direto”.
7
Art. 695. Recebida a petição inicial e, se for o caso, tomadas as providências referentes à tutela
provisória, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação,
observado o disposto no art. 694.
§ 1º O mandado de citação conterá apenas os dados necessários à audiência e deverá estar
desacompanhado de cópia da petição inicial, assegurado ao réu o direito de examinar seu conteúdo a
qualquer tempo.
§ 2º A citação ocorrerá com antecedência mínima de 15 (quinze) dias da data designada para a audiência.
§ 3º A citação será feita na pessoa do réu.
§ 4º Na audiência, as partes deverão estar acompanhadas de seus advogados ou de defensores públicos.
8
“Como apontamos, necessariamente deve conter normas disciplinadoras acerca da manutenção,
subsistência e convivência dos filhos menores. Quanto ao mais, em linha geral, como manifestação de
vontade negocial emanada de pessoas maiores e capazes, os cônjuges gozam de ampla liberdade quanto ao
conteúdo do acordo. Desse instrumento não devem constar, contudo, as causas da separação, nem
reconhecimento de culpa de qualquer dos cônjuges ou qualquer ponto de constrangimento para as partes.
Apresentando-se o acordo com cláusulas nesse patamar, deve o juiz repelir a homologação. Em síntese, não
pode ser admitida qualquer cláusula que implique ofensa à dignidade dos cônjuges” (VENOSA, 2022, p.
162).
CONCLUSÃO
Com base nas informações apresentadas, conclui-se que o divórcio consensual tem
se tornado uma opção cada vez mais popular no campo do direito de família. Ele é visto
como uma alternativa mais ágil, amigável e econômica para o fim de um casamento. Este
artigo científico tem como objetivo analisar a natureza jurídica do divórcio consensual como
REFERÊNCIAS
BRASIL. CÓDIGO CIVIL (1916). Brasília, Distrito Federal: Senado Federal, 2023.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em: 21 jun.
2023.
BRASIL. CÓDIGO CIVIL (2002). Brasília, Distrito Federal: Senado Federal, 2023.
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.
Acesso em: 12 jan. 2023. Acesso em 20 jun. 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa nº 1.810.444, Edcl no Resp. Relator: Ministro
Luis Felipe Salomão. Brasília, DF, 13 de dezembro de 2021. DIÁRIO DE JUSTIÇA
ELETRÔNICO. Brasília, 15 dez. 2021.
LOBO, Paulo. DIREITO CIVIL: famílias. v. 5. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
RESUMO
O texto analisa o impacto do uso de inteligência artificial nas relações humanas cotidianas,
em especial como a discriminação algorítmica afeta as mulheres. Acredita-se que a
complexidade tecnológica e os conflitos de jurisdição internacional podem dificultar a defesa
de direitos fundamentais dos usuários desses serviços. Como resultado desse cenário, o
instituto civilista da perda de chance terá uma defesa mais complexa e que pode frustrar os
interesses da parte ofendida. A resposta seria o fortalecimento dos meios de cooperação
entre os Estados e a elaboração de legislações mais rigorosas sobre o uso da inteligência
artificial no Brasil. Para desenvolver essa hipótese se aplicou o método dedutivo em uma
pesquisa documental sobre dois projetos de lei atualmente em tramitação no Congresso
Nacional com vistas a criar um novo marco tecnológico no país, considerando-se questões
de direito interno e estrangeiro. Também se realizou uma análise comparativa com as normas
que estão sendo implementadas recentemente na União Europeia, continente em que esse
debate já está mais adiantado do que no Brasil. Conclui-se que a promulgação do marco legal
brasileiro é urgente, tendo em vista que sem esse normativo se torna precária a
responsabilização dos gestores dos sistemas de inteligência artificial pelas oportunidades
perdidas pelos usuários dos sistemas digitais, em especial quando os servidores não se
localizam em território nacional.
ABSTRACT
The text analyzes the impact of the use of artificial intelligence on everyday human
relationships, in particular how algorithmic discrimination affects women. One believes that
1
Doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestrado em Sociologia
pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora da Faculdade de Políticas Públicas da Universidade
do Estado de Minas Gerais. Professora do Programa de Mestrado em Direito da Faculdade Milton Campos.
Líder do grupo de pesquisa Cidades Inteligentes e Desenvolvimento Humano (CNPq). E-mail:
profalucianacsouza@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
Art. 927-A. É admissível a reparação civil pela perda de chance real ou com alto
grau de probabilidade e séria, que não ficará adstrita à indenização por danos de
natureza extrapatrimonial conforme as circunstâncias do caso.
Ante o que foi dito, indaga-se sobre como efetivamente reparar ou indenizar pessoa
física ou jurídica que tenha perdido oportunidade devido à ato decorrente de interação com
IA considerando-se os desafios acima expostos.
Quanto ao conceito de IA, o Art. 2º segue a terminologia que tem sido aplicada em
âmbito global, em consonância com os debates de outros Estados sobre o tema. O Art. 9º
aponta uma estratégia que diversos países também seguem, de apontar qual a legislação
aplicada em seus territórios. Estabelecer a competência privativa da União, como faz esse
último artigo, é importante porque, para além do prediz a Constituição da República do Brasil
Esse artigo precisa com urgência entrar em vigência no Brasil para evitar posturas
eivadas de preconceito que migram a discriminação que acontece nas relações presenciais
para as que se desenvolvem no ambiente virtual. Não há um hiato entre essas realidades. Os
instrumentos digitais e as novas tecnologias podem ser empregados para reduzir direitos, o
que deve ser fiscalizado e punido pela autoridade pública, visto ofender a Constituição da
República de 1988 e a Agenda 2030, a qual tem por metas mitigar a desigualdade de gênero,
a qual com frequência prejudica chances de desenvolvimento humano das mulheres em
sociedade. Assim dispõe o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 – Igualdade de
gênero: a) Meta 5.1, acabar com todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas;
b) Meta 5.5, garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de
oportunidades; c) Meta 5.b, aumentar o uso de tecnologias para promover o empoderamento
das mulheres (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2015).
Para fiscalizar ações discriminatórias, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o
seu Guia de Boas Práticas preveem que a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD)
poderá realizar auditoria para verificação de aspectos discriminatórios em tratamento
automatizado de dados pessoais. (BRASIL, 2020, p. 20). Todavia, essa previsão normativa é
insuficiente para responsabilizar os supervisores de IAs para casos como perda de chance,
em razão de a LGPD não oferecer meios sancionatórios adequados que efetivem a proteção
das mulheres e outros grupos discriminados perante ações das Big Techs. Para isso, o PL
2.338/2023 contribuirá mais do que as estratégias atuais da ANPD.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Guia de Boas Práticas Lei Geral de Proteção De Dados. Brasília: Comitê
Central de Governança de Dados, 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/governodigital/pt-br/seguranca-e-protecao-de-
dados/guias/guia_lgpd.pdf. Acesso em 22 de junho de 2023.
BRASIL. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Brasília: Senado Federal, 2018. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em:
28 de maio de 2023.
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 22 de
junho de 2023.
BUSHBY, H. O trauma devastador de quem teve imagem usada em 'deepfakes' pornôs. BBC
News Brasil, 19 de junho de 2023. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c7299325zn3o. Acesso em 27 de junho de 2023.
DASTIN, J. Amazon scraps secret AI recruiting tool that showed bias against women.
Reuters, 10 de outubro de 2018. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-
amazon-com-jobs-automation-insight-idUSKCN1MK08G. Acesso em 27 de junho de 2023.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Agenda 2030. Nova York: UN, 2015.
Disponível em: https://www.undp.org/content/dam/brazil/docs/agenda2030/undp-br-
Agenda2030-completopt-br-2016.pdf. Acesso em 20 de junho de 2023.
RESUMO
1
Graduada em Direito pela Faculdade Doctum. Capacitada em: advocacia para mulheres pela
EBDM - Escola Brasileira de Direitos das Mulheres. Capacitação Técnica para assistência
jurídica em Vítimas de Violência Doméstica, pela ESA OAB SP., militante pela humanização do
parto e violência obstétrica. Contato: Sousapintoadv@gmail.com
2
Advogada inscrita na OABRJ nº 142.047. Graduada em Direito pelo Centro Universitário da
Cidade do Rio de Janeiro – UNIVERCIDADE. Especialista em Direito do Consumidor pela
Universidade Cândido Mendes - UCAM. Especialista em Direito Médico Universidade Cândido
Mendes - UCAM. Especialista em Processo Civil Universidade Cândido Mendes - UCAM.
Especialista Direito Penal e Processo Penal Universidade Cândido Mendes - UCAM. Delegada
da Comissão de Prerrogativas – CDAP/ OABRJ. Membro da Comissão de Direito médico da 13ª
subseção Teresópolis/RJ. Membro da Comissão de direito médico e da saúde ABA RJ. Contato:
g.garcezadvoabrj@yahoo.com.br
3
Advogada inscrita na OABSP nº 420.740, Especialista em Direito e Processo Civil pela Escola
Paulista de Direito, Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie, Pós-graduanda em Responsabilidade Civil e Contratos pela Verbo Juridico. Graduada
em Direito pela Universidade Anhembi Morumbi. Contato: Stheffany.santos@hotmail.com
ABSTRACT
This research aims to analyze civil liability and the possibility of making health plans liable in
cases of obstetric violence. For this purpose, the deductive method was used. Initially, the
concept of obstetric violence through acts of health professionals, as well as private hospital
institutions, against pregnant women, withdrawing and restricting their autonomy, or
preventing them from making decisions about their deliveries, was satisfactory. In a second
moment, an analysis of Civil Liability was carried out in order to determine medical civil
liability in cases of obstetric violence, with a focus on the Federal Constitution of 1988,
legislation, international treaties and practical case and doctrines. Finally, Law 9.656/98,
known as the law of health plans, was analyzed, drawing a parallel with the Consumer
Defense Code in health plan contracts as well as its abusive practices, to then analyze possible
Joint Liability of Health Plans Health Health with health professionals accredited with them.
At the end of the studies, it is concluded that the configuration of subjective and objective
responsibility has been the means used by the courts to hold medical and hospital teams
accountable for the damage caused by the practice of Obstetric Violence, and regarding the
Civil Liability of the Health, the operator cannot remain inert, and must be held responsible
by the contracted hospital, and this will be held responsible for the performance of the health
professional who deals with Obstetric Violence.