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DOI: 10.1590/1413-81232021267.

09242021 2719

“Namorar é só sofrência”: violências na relação afetivo-sexual de

artigo article
adolescentes de uma escola na região Costa Verde, Rio de Janeiro,
Brasil

“Dating is pure suffering”: violence within affective-sexual


relationships between adolescents in a school in the Costa Verde,
Rio de Janeiro, Brazil

Renata de Souza Carvalhaes (https://orcid.org/0000-0002-2592-8484) 1


Claudia Mercedes Mora Cárdenas (http://orcid.org/0000-0003-4854-3429) 1

Abstract This work is the result of a master’s Resumo O presente trabalho é resultado de uma
thesis that aimed to understand students’ per- pesquisa de mestrado que objetivou compreender
ceptions of violence within affective-sexual rela- como as violências nas relações afetivo-sexuais na
tionships between adolescents in a public school adolescência são significadas por estudantes de
in the Costa Verde, Rio de Janeiro. The study uma escola estadual da região Costa Verde do Rio
corpus was derived from participant observation de Janeiro. O corpus da pesquisa deriva da obser-
in the school and in-depth interviews with three vação participante no espaço escolar e de entre-
girls and three boys aged between 18 and 24 ye- vistas em profundidade com 3 moças e 3 rapazes
ars. The core areas of analysis were affective-se- entre 18 e 24 anos. Os eixos de análise foram: as
xual trajectories, experiences involving violence trajetórias afetivo-sexuais, as experiências que
within relationships, and agency in the face of envolvem algum tipo de ação violenta no relacio-
conflict. The findings reveal that violence is part namento e as agências diante dos conflitos. Os re-
of the everyday lives of adolescents and reinforce sultados revelam que as violências fazem parte do
the victim/aggressor dichotomy. The adolescents’ cotidiano e reforçam a dicotomia vítima e agres-
interpretations of violence were divided into two sor. As interpretações da violência são divididas
categories: “suffering” and “serious acts of violen- em dois sistemas, a “sofrência” e “ações violentas
ce”. These understandings influence the recogni- graves”, essas compreensões interferem no reconhe-
tion of violence and agency. The reproduction of cimento da violência e em suas agências. A repro-
gender norms contributes to sustaining gender dução de padrões sociais de gênero contribui para
hierarchy and inequalities, which affect girls and a manutenção de hierarquias e desigualdades que
boys differently. Silence on this issue contributes atingem a moças e rapazes de diferentes formas. O
to the invisibility of violence within relationships silenciamento a respeito do tema contribui para
and the consequent failure to seek support from a invisibilidade da violência no relacionamento e
relevant organizations and services. Further rese- consequentemente a não procura de cuidado junto
arch is needed to gain a deeper understanding of aos serviços de saúde. É posto como desafio a ex-
violence within affective-sexual relationships be- pansão de estudos que possibilitem compreender
1
Instituto de Medicina tween adolescents. melhor a violência nas relações afetivo-sexuais de
Social, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Key words Adolescence, Dating, Violence adolescentes.
R. São Francisco Xavier Palavras-chave Adolescência, Namoro, Violência
524, Maracanã. 20550-013
Rio de Janeiro RJ Brasil.
rcarvalhaes@gmail.com
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Carvalhaes RS, Mora Cárdenas CM

Introdução dimentos, os adolescentes narravam situações


que podiam ser classificadas como violência no
O tema da violência na adolescência é geralmen- namoro, mas que, na maioria das vezes, não ga-
te associado às violências praticadas por sujeitos nhavam essa interpretação. Esse fato trouxe algu-
adolescentes, tais quais: violências de gangues, nas mas questões: O que fazia com que essas situações
escolas e nas ruas1, ou às violências em que eles são ganhassem diferentes significados? Quais aspec-
alvo por parte dos adultos. Entretanto, as violên- tos das normas de gênero e sexualidade podiam
cias ocorridas no relacionamento afetivo-sexual influenciar as ações violentas nos relacionamen-
entre adolescentes dificilmente são discutidas. tos? Quais as agências realizadas frente à violência
Os primeiros estudos sobre o tema surgiram nas relações afetivo-sexuais?
na década de 1980 no Canadá e nos Estados Uni- É necessário ir além das categorias fixas e dos
dos. Com o tempo, a temática ganhou espaço em conceitos preestabelecidos da violência e das de-
Portugal, México, Espanha, Brasil, entre outros finições a priori da adolescência e sexualidade
países. como um “problema social”9. Concebemos a ado-
No Brasil, os trabalhos vêm crescendo a partir lescência e a juventude a partir de uma perspec-
da última década2-4. Algumas pesquisas privile- tiva cultural e contextual acerca do ciclo de vida.
giam abordagens epidemiológicas com o intuito Enquanto construções sociais, estas experiências
de quantificar prevalências e categorizar as ações são analisadas na sua multiplicidade e heteroge-
tidas como violentas5-7. neidade.
Caridade e Machado5 destacam três pontos A definição normativa no Brasil sobre a ado-
frágeis para pesquisar as relações violentas no na- lescência e da juventude é atravessada por distin-
moro entre adolescentes: a definição de violência; tas delimitações cronológicas que se justapõem
a dificuldade de acessar a população jovem e a es- em alguns períodos, como, por exemplo: o Esta-
cassa produção acadêmica sobre o tema. tuto da Criança e Adolescente10 (ECA), que define
A violência no namoro é definida como atos, a fase dos 12 aos 17 anos, 11 meses e 29 dias de
omissões e atitudes que produzam ou tenham po- idade; já a Organização Mundial de Saúde con-
tencial de gerar dano emocional, físico e sexual à sidera a adolescência o segmento entre 10 e 19
parceira ou ao parceiro afetivo-sexual na ausência anos, 11 meses e 29 dias de idade e a juventude
de vínculo marital7. Embora a violência pareça ser como o período entre 15 e 24 anos; e, por fim,
mais expressiva no namoro, ela também é verifi- no Estatuto da Juventude11, jovens são os sujeitos
cada em relações como o “ficar” (relação desper- entre 15 e 29 anos de idade.
tada por atração ou interesse que resulta na troca Optamos por utilizar o termo adolescência,
de carícias e beijos, podendo haver, ou não, rela- pois era a forma como os interlocutores se de-
ções sexuais). finiam (indistintamente da idade cronológica);
Um ponto importante na discussão sobre vio- trabalhamos com trajetórias de vida deste perío-
lência no namoro entre adolescentes é a aparente do devido à necessidade de dialogar com o cam-
igualdade da violência perpetrada por rapazes e po de garantia de direitos de adolescentes, o ECA,
moças2,5,8. Esses dados estimulam as discussões e da saúde. O uso da nomenclatura adolescente
em torno da dicotomia mulher/vítima e homem/ abarca também jovens com mais de 18 anos.
agressor e às diferentes manifestações das violên- Considerando os aspectos acima expostos, o
cias conforme o gênero. Esse cenário contempla objetivo da pesquisa foi analisar como a violência
as violências vividas pelos rapazes ainda pouco nas trajetórias afetivo-sexuais ao decorrer da ado-
exploradas nas pesquisas e evidencia que moças lescência é interpretada por estudantes de uma
e mulheres, de certa forma, também são agentes escola estadual no Rio de Janeiro.
nas cenas de violência.
O presente artigo é resultado de uma pesquisa
de mestrado em Saúde Coletiva intitulada “Entre Metodologia
laços e nós: narrativas de violência nas relações
afetivo-sexuais de adolescentes de uma escola na Consideramos a escola um local privilegiado para
região Costa Verde (RJ)”. Esta foi desenvolvida acessar o adolescente, seus espaços de socializa-
pela primeira autora, sob orientação da segunda ção e sociabilidade. A pesquisa ocorreu na região
autora. Costa Verde do Rio de Janeiro, em uma escola es-
A ideia da pesquisa surgiu da prática profis- tadual de ensino fundamental II (6º a 9º ano) e
sional da primeira autora, enquanto psicóloga em médio (regular e com cursos profissionalizantes),
uma Secretaria Municipal de Educação. Nos aten- localizada na região central da cidade.
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Mesmo a pesquisadora sendo profissional de de nomes fictícios. O sigilo e os cuidados éticos
uma Secretaria Municipal de Educação, optamos se estendem para os relatos utilizados a partir da
por realizar a pesquisa em uma escola estadual no interação no pátio via a observação participante.
intuito de se posicionar em campo como pesqui- O roteiro de entrevista não lançou mão do ter-
sadora, evitando a assim a sobreposição de papéis. mo violência, com exceção de seu final, em que foi
Dentre os 1.695 alunos matriculados em questionado se, a partir das experiências afetivas
2018, havia estudantes brancos, pardos e negros, e das histórias narradas, eles haviam vivenciado
de várias idades, classes sociais e residentes em violência ou “relacionamento abusivo”. A indaga-
diversos bairros da cidade e municípios vizinhos. ção sobre “relacionamento abusivo” foi inserida
Esse quadro proporcionou a possibilidade de in- após percebermos o uso dessa expressão durante
teração de alunos com diferentes realidades cul- o trabalho de campo. Em suma, a interlocução
turais e sociais. visou compreender os significados atribuídos aos
A metodologia utilizada é de cunho etno- termos violência e relacionamento abusivo.
gráfico12, cujo material empírico resultou da ob- Cabe dizer que o uso da expressão “relaciona-
servação participante realizada ao longo de sete mento abusivo”14 se intensifica no Brasil a partir
meses (março-outubro/2018), no pátio escolar. de 2014, ele tem sido utilizado como sinônimo
Também foram realizadas 6 entrevistas (3 moças de violência física e/ou emocional. A partir de
e 3 rapazes) em profundidade. Ao decorrer do ar- coletivos feministas e instituições que lidam com
tigo algumas situações serão exemplificadas com assuntos referentes à violência contra a mulher, a
narrativas de alguns entrevistados e interlocuções expressão ganhou voz na internet e fora dela.
ocorridas no pátio. As entrevistas abordaram os seguintes aspec-
A entrada no campo foi gradual: inicialmente tos: trajetória afetivo-sexual desde as experiências
a pesquisadora era associada à equipe escolar, o iniciais; vivências que envolveram algum tipo de
que dificultava criar vínculos com os estudantes, ação violenta no relacionamento e as agências
no entanto, as funcionárias do portão estavam diante dos conflitos. O Quadro 1 trata das carac-
sempre conversando com os adolescentes. Elas terísticas sociodemográficas dos entrevistados e o
foram o elo inicial para estabelecer contatos com Quadro 2 sintetiza as narrativas dos entrevistados.
os estudantes. Mas, para evitar ser associada à “tia A análise partiu do conceito de gênero de
do portão” e conseguir instituir a figura de pes- Butler15 e suas intersecções com classe, raça e se-
quisadora no espaço, foi retomada a circulação no xualidade. Lançamos mão da noção de “roteiros
pátio e, assim, ampliou-se a rede de contatos. sexuais” de Gagnon16, bem como da perspectiva
A observação participante focou nas dinâ- da “violência relacional” de Gregori17, que enten-
micas do ambiente escolar; nas relações entre es- de mulheres e homens como autores e receptores
tudantes e os profissionais; nas representações e de violência. E, para compreender as agências que
expressões corporais; nos comportamentos pau- os sujeitos fazem diante dos conflitos e violências,
tados no gênero e sexualidade e nos relatos de alinhamo-nos ao olhar de Ortner18.
violências nos relacionamentos afetivo-sexuais.
Foram convidados para as entrevistas uma
moça e um rapaz de cada modalidade do ensino Resultados
médio, que tiveram contato prévio com a pesqui-
sadora através da convivência no pátio. Foram Afetos, sociabilidade e espaço escolar
consideradas as seguintes características sociais
dos entrevistados: idades entre 18 e 24 anos, com A sexualidade é tecida a partir de experimen-
diferentes raças/cor e sem distinção de orientação tações, troca de afeto, desejo e busca por praze-
sexual (identificação com base nos relatos das res. Essas aprendizagens são influenciadas pelos
práticas sexuais). roteiros sexuais16, que são habilidades interativas
A opção por essa faixa etária teve por intuito aprendidas nos contextos sociais e interiorizadas
garantir o caráter retrospectivo das entrevistas e por meio de regras e valores sociais, por meio da
respeitar a autonomia dos jovens na participa- convivência familiar, com amigos, escolar, religio-
ção, conforme Resolução 466/2012 do Conselho sa, com o que mídia19,20 reproduz e, atualmente,
Nacional de Saúde13. O projeto foi aprovado pelo com forte influência da convivência virtual nas
Comitê de Ética em Pesquisa. Os adolescentes redes sociais21,22.
entrevistados foram orientados e esclarecidos so- Os roteiros tendem organizar os pensamentos
bre os riscos e benefícios da pesquisa e sobre o e comportamentos sexuais e as escolhas das parce-
sigilo de suas identidades por meio da utilização rias. Alguns valores e expectativas que permeiam
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Carvalhaes RS, Mora Cárdenas CM

Quadro 1. Caracterização sociodemográfica dos adolescentes entrevistados.


Nome/ Raça/cor Composição
Escolaridade Renda Familiar Religião
Idade autodeclarada Familiar
Ana Negra 2º ano E.M* 0-1 S.M** Evangélica Pai, madrasta, 3
20 anos irmãos
Ingrid Branca 3º ano E.M Não informado Evangélica Mãe, padrasto e
19 anos (não praticante) 1 irmã
Lígia Branca 1º ano E.M Não informado Espírita Pai, madrasta e 1
18 anos (não praticante) irmã
Carlos Pardo 3º ano E.M 3-5 S.M Não possui Pai, mãe, 1 irmã
19 anos (Pais evangélicos)
Guilherme Negro 1º ano E.M 1-3 S.M Católico Pai, mãe, 1 irmão
18 anos (não praticante)
Willian Negro 3º ano E.M 3-5 S.M Evangélico Pai, mãe, 2
18 anos irmãos
*E.M: Ensino Médio; **S.M: Salário Mínimo.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Quadro 2. Experiências afetivo-sexuais; vivência de violências, rede de apoio.


Nome Experiência afetivo-sexual Violência praticada ou sofrida Agência
Ana Primeiro beijo: 14 anos. Sofreu e revidou agressão física; Não buscou ajuda, porém teve
Status de relacionamento: Sofria Violência psicológica; suporte familiar e de amigos;
solteira. Foi Induzida a afastar-se dos amigos. Não buscou auxílio profissional.
Ingrid Primeiro beijo: Não soube Agressão física, xingamentos, por Reagia aos conflitos (verbal e
precisar a idade. ambos; fisicamente).
Status de relacionamento: Controle de celular; Não buscou auxílio
namorava há 1 ano. Sofreu Coerção sexual. profissional.
Lígia Primeiro beijo: 14 anos. Agrediu fisicamente um namorado; Solicitou apoio da irmã e
Status de relacionamento: Sofreu Coerção sexual; amigos.
solteira. Havia muitas discussões. Recorreu à ajuda psicológica
Carlos Primeiro beijo: 10 anos. Não relatou violências. Recorreu a um amigo.
Status de relacionamento:
namorava há 2 anos.
Guilherme Primeiro beijo: 12 anos. Discussões e ofensas por ambas as Recorreu à família e às amigas
Status de relacionamento: partes; para solicitar conselhos;
solteiro. Sofreu agressões físicas; Não buscou auxílio
Teve fotos íntimas expostas. profissional.
William Primeiro beijo aos 8 anos. Forçou uma namorada a lhe dar um Recorreu ao pai e aos amigos.
Status de relacionamento: beijo; Não buscou auxílio
solteiro. Brigas e insultos por parte da profissional.
namorada;
Foi induzido a afastar-se das amigas.
Fonte: Elaborado pelos autores.

os roteiros, influenciados permanentemente pelo dantes utilizavam o espaço para potencializar seu
contexto e as relações dos sujeitos, tanto podem capital de produção do desejo, sendo o uso do
instigar conflitos e ações violentas, quanto impul- uniforme um exemplo disto. De uso obrigatório,
sionar agências diante das violências. os estudantes o readaptavam e incorporavam ao
A escola representa para alguns o principal uniforme elementos advindos dos seus espaços
lugar para paquerar e encontrar parceiros. Estu- de convivências e da cultura fora da escola.
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O namoro era frequente na escola, havia ca- lência. As fofocas e discursos, por exemplo, ilus-
sais heterossexuais e, em menor frequência, ho- tram como estes estereótipos se reproduzem. De
mossexuais. Contudo, as manifestações públicas acordo com Butler15(p.30): “os limites da análise
de afeto eram diferentes, as interações homo- discursiva do gênero pressupõem e definem por
afetivas eram mais comedidas quando compa- antecipação as possibilidades das configurações
radas às dos casais heterossexuais. Não se viam imagináveis e realizáveis do gênero na cultura”.
casais de meninos andando pela escola, apenas No entanto, isto não significa que não possa haver
de meninas. Embora haja algumas observações outras possibilidades de gênero, mas esses limites
a respeito, as observações das interações homo- são estabelecidos em uma linguagem cultural he-
afetivas e discriminações foram limitadas no am- gemônica pautada em estruturas binárias que se
biente investigado. apresentam como universais.
Comumente as pautas das conversas eram Quanto às relações homoafetiva, não houve
sobre relacionamentos afetivos e geralmente as interações com rapazes que se autodeclarassem
histórias que surgiam eram em torno das desi- homossexuais. Quanto às moças, Lígia (18 anos,
lusões: “Cada coisa que a gente passa, namorar é branca) auxiliou a elucidar algumas situações les-
só sofrência” (Guilherme, 18 anos). A “sofrência” bofóbicas dentro da escola, como por exemplo:
era uma forma de expressar os acontecimentos “Esse ano eu quase apanhei de uns cinco meninos
negativos na relação, os desentendimentos, ciú- daqui da escola, eles pegaram uma madeira pra
mes, traição, términos, as brigas. me bater, tipo, porque eu gosto de menina”. Por
Embora a “sofrência” não represente apenas não confiar na escola, ela não levou o caso à di-
situações de violências, neste artigo o termo é reção. Ela apontou ainda que os funcionários, ao
utilizado de maneira sistemática para dividir for- verem casais namorando, davam advertências aos
mas de interpretar as diferentes violências. Divi- casais homossexuais com mais frequência do que
diremos as relações violentas em dois sistemas, aos casais heterossexuais.
o que chamaremos de “sofrência” e o das “ações A escola acaba operando como um local de
violentas graves”. controle, reprodução de moralidades e julgamen-
Na “sofrência”, o lugar de vítima ou agressor tos da sexualidade. Desta forma, segundo Louro25,
é ambíguo. As relações transitam entre a jocosi- torna-se um dos espaços mais complicados para
dade, a dor, a humilhação, as práticas violentas assumir a homossexualidade, por ser um lugar
não recebem “rótulos”. Já no sistema das “ações que habitualmente silencia, nega e ignora essas
violentas graves”, o lugar da vítima e do agressor orientações sexuais e, quando estas são “aceitas”,
são bem definidos, tanto quanto as características espera-se que sejam vividas de forma discreta.
das violências e a gravidade das mesmas. Essas situações evidenciam a fragilidade da
Os distintos valores morais impostos para escola em exercer seu papel protetor e de realizar
meninas e meninos eram presentes nas falas dos uma reflexão crítica sobre temas de relevância
estudantes e dos profissionais. Na escola, a fama social junto aos estudantes. A rigidez e o pouco
negativa circulava rápida e se tornava assunto diálogo relativos a questões da sexualidade e de
de fofoca. As fofocas podem exercer a função gênero geram perda de credibilidade e suscitam o
de controle social da sexualidade e, em muitos afastamento dos adolescentes nos momentos em
casos, têm um caráter depreciativo das pessoas que poderiam solicitar apoio da escola.
envolvidas23. As consequências mais danosas em
decorrência do comportamento sexual recaíam A violência nas interações afetivo-sexuais
principalmente para as moças heterossexuais,
bem como para moças e rapazes com práticas Nas primeiras semanas no campo, no pátio,
homoafetivas. Aline (18 anos, branca) narrou que aos 13 anos
As meninas estigmatizadas, carregavam mar- namorava um rapaz de 18 anos que a pressiona-
cas sobre seu status moral24 e elas podiam ser va para ter relações sexuais: “Eu era muito nova,
penalizadas através de insultos, passavam a ser não tinha idade pra isso, aí ele ficava cercando
excluídas dos grupos de amigos e até mesmo um monte de “mulézinha”. Ela engravidou aos
agredidas. Entretanto, os garotos geralmente não 14 anos e, em uma briga com o namorado, ele a
eram criticados por suas interações afetivo-sexu- atingiu com um chute na barriga, o que lhe pro-
ais, recebiam status de “poderosos” o que reforça- vocou um aborto: “Ele teve é sorte que eu não dei
va o imaginário de homem viril. queixa dele na polícia, se quando eu abortei eu
Os estereótipos de gênero são atravessados tivesse dado, ele tinha ido preso, ainda mais com
por moralidades que permeiam e validam a vio- a idade que eu tinha, ele era maior”.
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Carvalhaes RS, Mora Cárdenas CM

O caso ilustra a forma como adolescentes uma série de provocações que ocasionaram briga
podem estar suscetíveis a violências desde muito e transferência de unidade escolar.
cedo e sua fragilidade em buscar ajuda ou a falta Como assinalado por Petrossillo22, a exibição
de ação da família em recorrer aos órgãos legais do rapaz através das fotos é uma forma de mos-
a fim de responsabilizar quem comete agressão. trar sua virilidade, já o ato da moça é visto como
Nos relatos dos adolescentes os principais “putaria”, ou seja, comportamentos sexuais ina-
motivadores dos conflitos foram: ciúme, des- dequados. Essas exposições evidenciam os valores
confiança e traição. O ciúme apareceu como um morais em torno da sexualidade feminina, sendo
sentimento unânime dos interlocutores da pes- as mulheres as mais atingidas pelo abuso digital8.
quisa. Cabe ponderar que as emoções não são A coerção sexual foi mencionada por duas
sentimentos universais, são traçadas e legitima- moças que relataram serem pressionadas para
das por “regras de relacionamento”, em que há terem relações sexuais. Ambas consideravam a
expectativas de reciprocidade e exclusividade26. situação como experiências ruins e reclamavam
A forma de lidar com o ciúme pode ficar na es- por não serem respeitadas.
fera do sentimento ou ser traduzida em ações, As agressões físicas pareciam ser comuns no
desencadeando brigas com parceiros e terceiros, cotidiano, foram citados episódios ocorridos no
agressões e etc. próprio relacionamento e nos de amigos. Como
Geralmente os adolescentes justificavam o demonstram as narrativas: “Ter falado merda, ter
ciúme através do medo da perda, de traição, in- xingado de piranha, eu tomava tapa na cara. Eu
segurança, como demonstra a fala: “Mesmo você era mais novo e era idiota mesmo” (Guilherme,
‘ficando’ com a pessoa, sempre acaba rolando um 18 anos, negro). “Um garoto que eu tava ficando,
ciúme. Você acaba ficando insegura, sei lá, ainda falou uma graça pra mim, que eu não lembro o
mais quando a pessoa acaba tendo também mui- que era, e me deu o tapa. [...] eu virei a mão de
ta amizade com mulher” (Ingrid, 19 anos). volta. Aí nisso que ele veio pra cima de mim, eu
A amizade era um fator forte para gerar ciú- fui pra cima dele” (Ana, 20 anos, negra).
mes. Algumas moças relataram situações em que Os garotos não citaram descobertas de traição
foram levadas a se afastar dos pares, fosse pelo diferente das moças, as quais tiveram distintas re-
convívio pessoal ou das redes sociais na inter- ações como a indignação, a depressão seguida de
net. Quanto aos rapazes, apenas um apontou ser autoagressão e a agressão física ao parceiro. Segue
pressionado para se afastar das amigas, mesmo um relato de campo ilustrativo: em uma conversa
ele as evitando, não cortou vínculos. Esse com- no pátio, Débora (14 anos, negra) relatou sobre a
portamento controlador tende a cercear princi- traição do namorado, ela acometida pela raiva o
palmente as meninas e mulheres de suas redes de agrediu fisicamente. Ele a segurou pelos braços,
sociabilização8. para contê-la, deixando-os roxos. Ela mencionou
Outro aspecto identificado na análise foi o que não sabia como o namorado não “foi para
abuso digital, que se destacou pelo controle do cima”, em seguida, acrescenta: “se viesse, eu cha-
celular do parceiro e relato de divulgação de fo- mava a polícia”. Débora, ao ser questionada sobre
tos íntimas. Estes comportamentos fazem parte a possibilidade do namorado chamar a polícia
do cotidiano dos adolescentes, sendo motivados para ela, afirma: “ele não poderia fazer isso, mas
pelo ciúme e pela desconfiança. Estes achados eu chamava e metia Maria da Penha”. Ela alegava
convergem com a literatura, que aponta a difi- que ele não poderia bater nela, pois ela era mu-
culdade dos adolescentes de significar os abusos lher, então foi interrogada se menina pode bater
digitais como violência ou, quando a situação é em menino, sem reação, respondeu: “Eu bato
incômoda, tendem a qualificá-la como compor- mesmo, tava com raiva”.
tamento “irritante” e esse tipo de abuso é comu- A partir das situações narradas, notam-se
mente interpretado como “prova de amor”, sen- ambiguidades e tensões nas relações de gênero,
sação de segurança, cuidado ou ainda como uma a dicotomia vítima e agressor é reforçada e as
“brincadeira”27. agressões violentas são naturalizadas no cotidia-
Quanto à exposição de fotos, foram narra- no. Para Gregori17, os diferentes padrões insti-
dos dois casos: um de uma moça e outro de um tuídos para homens e mulheres, por não serem
rapaz. Em ambas as situações, as imagens foram lineares e fixos, são atualizados nas relações in-
exibidas pessoalmente aos colegas e as consequ- terpessoais e podem constituir uma dinâmica de
ências deixam claras as hierarquias de gênero em comunicação violenta entre o casal.
torno da sexualidade. À medida que nenhum co- A diferença de idade apresentou-se como
mentário foi feito ao menino, a menina recebeu relevante na escolha de parceiros. Os rapazes
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chamavam a atenção dos amigos que “ficavam” tos-alvos de agressões, e as moças pouco reco-
com meninas “novinhas”, pois podia “dar cadeia” nheceram a violência praticada por elas mesmas.
(menção indireta a Lei de Estupro de Vulne- Cada um possui inúmeras maneiras de perceber
rável28), e não viam problemas dos meninos se e conceber um evento, esses significados podem
relacionarem com mulheres mais velhas: “[...] o variar de acordo com as construções culturais e
cara de 18 nunca vai estar com a menina de 14 socioeconômicas do sujeito e, a partir do mo-
só pra dar uns beijinhos, ele sempre vai querer mento em que ganha um sentido, o evento vai
coisa a mais [...], a menina de 18, ela também vai sendo incorporado às relações18.
querer fazer, só que a mulher quer mais um rela- Quando questionados sobre o que significa
cionamento sério, quer afeto. Homem tá nem aí” violência e “relacionamento abusivo” no “ficar” e
(Juan, 14 anos). no namoro, a maioria dos interlocutores as defi-
Novamente os estereótipos de gênero surgem niram como categorias distintas. Os que correla-
como classificadores de práticas sexuais ora auto- cionaram violência às agressões físicas a interli-
rizadas ora proibidas, e são utilizados para relati- garam a atos que geram danos físicos mais sérios
vizarem leis que entendem determinadas práticas e visíveis, exemplificando com casos de repercus-
como violentas. Aqui a figura do homem aparece são midiática, o sistema das “ações violentas gra-
como hiperssexualizada, e a figura da mulher de ves”. Durante as entrevistas, as explicações dadas
forma dicotômica, ora vulnerável ora sexual- à violência levantam a hipótese de que a maior
mente responsável. parte dos adolescentes que praticou e/ou viveu
Apesar disso, as identidades de gênero não algum tipo de agressão física não o tenha citado
são fixas. Para Butler15, mesmo que as expressões por não as terem associado a casos “graves”.
de gênero sejam produzidas e naturalizadas em Já o termo “relacionamento abusivo” foi alu-
torno ao masculino e o feminino, elas também dido às questões de ordem psicológica e coerções
são desconstruídas e transformadas, seu caráter sexuais: “quando a pessoa quer tentar passar dos
plural permite rupturas dentro de um sistema limites [...] Quer forçar uma coisa que sabe que
naturalizado. não se sente bem, mas quer fazer aquilo porque
O acionamento discursivo da Lei Maria da ele gosta; A pessoa usar o seu sentimento, saben-
Penha29 e da Lei de Estupro de Vulnerável28 por do que você é apaixonada” (Lígia, 18 anos).
parte dos adolescentes trouxe as seguintes ques- Os significados atribuídos ao “relacionamen-
tões: Os adolescentes estão mais cientes de seus to abusivo” dizem respeito às ações cotidianas
direitos? De que maneira as informações sobre as que geram mal-estar, mas são difíceis de serem
leis chegaram? Como a (des)informação sobre os identificadas como violentas, assim como no sis-
próprios direitos influenciam a agência dos con- tema da “sofrência”. Essa percepção pode gerar o
flitos? risco das agressões permanecerem no lugar ape-
A princípio, acreditamos que os jovens não nas do incômodo e desagrado e de banalizarem-
estejam necessariamente mais conscientes de seus se no dia a dia.
direitos, pois, discursivamente, as leis funciona-
vam como um agente de controle da sexualidade As fronteiras entre o dito e o não dito:
demarcado pelo gênero. As violências atreladas a agência dos conflitos
essas leis foram demarcadas de forma polarizada,
rapazes/agressores e moças/vítimas. Conforme De acordo com Ortner18, as agências ocorrem
Sarti30, observamos que as percepções sobre a como “formas de poder que as pessoas têm à sua
violência dizem respeito ao que se convenciona disposição, de sua capacidade de agir em seu pró-
como vítima mais do que pelo ato em si. prio nome, de influenciar outras pessoas e acon-
Quanto à análise sobre a percepção dos ado- tecimentos e de manter algum tipo de controle
lescentes acerca das violências vivenciadas, parte sobre suas próprias vidas”18(p.64). Desse modo,
das narrativas que poderiam ser categorizadas, cada sujeito irá agir, reagir e resistir aos conflitos.
teoricamente, como violentas foram interpre- A agência não é um processo simplesmente
tadas como: acontecimentos “ruins”, “chatos” e individual e autônomo, pois o sujeito não con-
“desagradáveis”. As situações identificadas pelos trola completamente as teias sociais em que está
adolescentes de fato como ações violentas ou inserido, assim, a agência se desenrola de forma
abusivas foram episódios com algum impacto interativa e negociada nas relações sociais. Quer
negativo marcante. dizer, a agência é atravessada, por um lado, pelas
Os rapazes apresentaram maior dificuldade relações de solidariedade e, por outro, pelas rela-
em perceber a violência vivida, enquanto sujei- ções de poder e de desigualdade.
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Carvalhaes RS, Mora Cárdenas CM

Quanto às agências realizadas pelos ado- também são passíveis de serem verbalizados. En-
lescentes em seus relacionamentos, o revide de tretanto, situações atuais que podem ser conside-
agressões, os insultos e o acionamento de ami- radas “graves” e/ou que estão sujeitas a julgamen-
gos e familiares para a intervenção nas situações tos, tendem a serem mantidas em sigilo.
de conflito foram as ações mais citadas. Contu- Não solicitar ajuda também pode estar in-
do, quando questionados de forma direta sobre terligado à dificuldade de ver-se em uma relação
como resolviam os conflitos, a maioria respon- com violência, há uma lacuna entre a identifica-
deu que buscava o diálogo. Logo, é diferente o ção e a experiência. É mais difícil compreender
modo compreendido como ideal para resolução situações mais abstratas e de microviolências,
de conflitos e a gestão dos sentimentos e atitu- haja vista que as ações não concretizadas no cor-
des que emergem em um momento de tensão. po demoram a serem elaboradas como violentas.
Em meio às relações de poder e desigualdades, as A diferenciação existente para os adolescen-
emoções e as agências são complexas e contradi- tes sobre o que é da ordem do “relacionamento
tórias18. abusivo” e da violência define em quais situações
Os adolescentes apresentam resistência em devem procurar apoio institucional, ocorrendo
solicitar ajuda, contudo os pares são os mais pre- geralmente quando há violência física. Com isto,
sentes e os mais acionados para aconselhamen- corre-se o risco de minimizar a gravidade e efei-
to e para ajudarem a resolver os problemas. Isto tos de outros tipos de violências na saúde mental,
converge com a análise de Murta e Santos31, que física e social dos sujeitos. Assim sendo, cuidados
aborda que conversar com os amigos traz mais em saúde, e ações de prevenção à violência têm
conforto, pois vivenciam situações próximas nos seu potencial limitado.
relacionamentos. Ao tentarmos identificar a quem ou quais
Poucos citam a família como apoio, já que instituições eles recorreriam como apoio se, hi-
parte dos adolescentes disseram ter dificuldade poteticamente, vivenciassem alguma violência;
de relação com os pais. O receio em conversar e unanimemente indicaram a Delegacia de Polícia,
pedir ajuda aos adultos era devido à falta de con- porém mencionaram para as violências “sérias”,
fiança e vergonha de se expor. De acordo com como a seguir: “Sério para mim seria bater, for-
Njaine et. al.32, esta dificuldade retrata o modo çar o ato e tal” (Carlos, 19 anos, pardo). Poucos
como muitos jovens se consideram sozinhos no apontaram como possibilidade a família, psicó-
momento de lidar com este tipo de problemas re- logo e/ ou psiquiatra.
sultando em uma ausência de orientações. É relevante notar que os órgãos de garantia
A busca por ajuda pode representar fragilida- de direito e de promoção de cuidado não foram
de, o que faz com que, principalmente, os me- citados, como por exemplo, os equipamentos de
ninos tendam a resolver os problemas sozinhos, saúde, da assistência social, escolares e os Conse-
como ilustrado a seguir: “Se ficar demonstrando lhos Tutelares. É importante considerar a fragili-
muita fraqueza, vou acabar parecendo muito dade das instituições no debate sobre violências
vítima e não sou vítima de nada. [...] vou aca- e sexualidade, tornando o tema quase “invisível”,
bar me ferrando, então prefiro ter mais postura, e, consequentemente, distanciando estes locais
mostrar confiança” (Guilherme, 18 anos, negro). como pontos de referência de cuidado e proteção.
Nesse sentido, Ortner18 assinala que a agên-
cia é construída social e culturalmente, com isso,
também é atravessada pelo gênero, pelas dife- Considerações finais
renças e desigualdades. Para os meninos, assu-
mir que vivenciam uma violência pode ser mais Há a necessidade de problematizar as formas de
uma maneira de demonstrar fraqueza e colocar vivenciar as relações afetivo-sexuais que ultra-
a masculinidade à prova, o que sugere que possa passam os tradicionais padrões de gênero. Re-
ser um dos fatores para os rapazes não falarem ou conhecer que as moças praticam violências não
minimizarem as violências vividas. significa afirmar que a violência é simétrica, pois
Levantamos a hipótese de que o receio do as hierarquias e desigualdades de gênero vulnera-
julgamento estabelece uma fronteira entre os bilizam de formas diferentes as meninas e os me-
adolescentes e suas redes de convivência, demar- ninos. Em suma, como é bem sabido, as moças
cando as situações que são passíveis de serem fa- e as mulheres têm maiores desvantagens sociais
ladas e as que devem ser mantidas em sigilo. Por e tendem a ser alvo das violências mais graves, e
exemplo, há enredos que são socialmente aceitos, com maior recorrência, quando comparado com
como o ciúme. Episódios passados e superados o universo masculino.
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Ciência & Saúde Coletiva, 26(7):2719-2728, 2021


Não identificamos uma busca efetiva por analítico, a definição de violência é um ponto
parte dos adolescentes por seus direitos. De um ainda complexo que demanda atenção.
lado, a falta de entendimento de quais são os es- A partir dos movimentos sociais, do feminis-
paços de proteção e garantia de direitos ou de mo e do aumento da discussão sobre violência
seus funcionamentos e objetivos. Por outro lado, contra a mulher, termos como relacionamento
a frágil discussão jurídica quanto à proteção fren- abusivo e tóxico são usados como sinônimos
te à violência no relacionamento afetivo-sexual de violência. É importante compreender se tal
vivenciada por adolescentes, tanto no Estatuto da diversificação de sentidos influencia em algum
Criança e do Adolescente10 quanto na Lei Maria grau na capacidade de reflexão e rompimento
da Penha29, que não contemplam esta questão de do ciclo da violência entre os adolescentes ou se,
forma clara em seus artigos. pelo contrário, dificulta a percepção e identifica-
A pesquisa deixa algumas lacunas que preci- ção das violências vivenciadas.
sam ser preenchidas em outro momento. O silen- Por fim, a despeito da escola reproduzir certo
ciamento a respeito do tema que contribui para controle sobre a sexualidade e imposição de mo-
a invisibilidade da violência no namoro e no “fi- ralidades acreditamos na potência transformado-
car” nas instituições e políticas públicas de garan- ra da educação. Entendemos a escola como um
tia de direitos; a expansão de estudos sob a lente agente fundamental para o debate da sexualidade,
dos marcadores sociais da diferença; os sistemas do gênero e da violência, bem como um local para
das violências nas relações homoafetivas; os atra- instrumentalizá-los a perceberem as possíveis
vessamentos gerados pelas tecnologias digitais; as violências vividas e praticadas em seus relaciona-
potencialidades das agências diante da violência mentos, e as instituições às quais podem recorrer.
e as mudanças nas formas de vivenciar o gênero Portanto, apostamos na potência da infor-
e a sexualidade. mação e do diálogo com os adolescentes sobre
Diante dos desafios apresentados por Cari- questões pertinentes às suas trajetórias afetivo-
dade e Machado5 nas pesquisas sobre violência sexuais, o que pode contribuir para o fortaleci-
no namoro, esta pesquisa nos permite apontar a mento das agências frente às violências e o reco-
aproximação dos sujeitos não inseridos em rede nhecimento dos adolescentes como sujeitos de
escolar como um desafio importante. No plano direitos.

Colaboradores Referências

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