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ASSESSORIA:
Flowers Assessoria (@flowersassessoria)

ILUSTRAÇÃO:
Tacyla Priscila (@tacylapriscila)
Júlio César (@julio_drawn_arts)

CAPA E DIAGRAMAÇÃO:
Giulia Rebouças (@gialuidesign)

REVISÃO:
Gabrielle Andrade (aleitoradoonibusdas12h)

BETAGEM:
Amanda Santana
Bianca Nolasco
Samantha Garcia
Shaylla Botelho
Thalita Maria
Sinopse
Nota da autora
Ilustração
Playlist
Dedicatória
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Epílogo
Epílogo 2
Agradecimentos
Já ouvi dizer que todos nascem com um propósito.
Bom, se isso for verdade, eu já sei qual é o meu: errar.
Errei quando aceitei me mudar para uma cidade que não gostava só porque meu ex-
namorado insistiu. Errei quando saí de noite ao invés de ficar em casa dormindo. Errei quando
ignorei tudo o que aquele cara representava e acabei na cama com ele.
Viu só? O meu propósito na Terra, com certeza, é cometer burradas.
Mas tudo bem. Pelo menos a única relação que tenho com esse homem é profissional,
afinal, ele voa e eu controlo seu voo. Não vamos nos encontrar de novo. Aquela noite aconteceu,
foi boa, mas será esquecida.
Exceto por um pequeno detalhe.
Um dos meus erros acabou me deixando sem ter onde morar e minha melhor opção é
dividir o apartamento com ele.
Lucas Alencar.
O melhor amigo do meu meio-irmão.
O piloto arrogante, debochado e convencido que sempre me atormenta quando voa.
O cara mais gostoso que eu já vi na face da Terra.
O mesmo cara com quem passei aquela noite que deveria ser esquecida.
Tudo bem! Posso fazer isso. É minha única opção. Só preciso me manter imune a ele e ao
seu papinho de piloto.
É só por alguns meses. Não tem como dar errado.
Queria começar essa nota da autora de uma forma inteligente. Talvez profunda. Mas eu
nunca consigo, então vamos direto ao ponto, tudo bem?
Não vou falar sobre pirataria, porque sei que quem faz isso não tem a menor decência
como ser humano e aprendi que com esse tipo de gente não se discute. Eles são capazes de te
rebaixar ao nível deles e ainda te vencem pela experiência de serem escrotos. Então se está
pirateando esse livro, aproveite o que você roubou, babaca.
Agora se você, leitor, sabe que essa pirataria está acontecendo, vamos fazer um trato?
Para cada vez que ver alguém roubando o trabalho de um autor, indique a obra dele para alguma
pessoa com caráter, pode ser? Realmente vai nos ajudar.
Passando para o próximo tópico, vamos aos gatilhos que vocês encontrarão em SOMC.
Apesar de ser uma comédia romântica, também é um livro +18, então se preparem para cenas de
sexo explícito e palavrões. Além disso, em determinado momento da história, é citado
alcoolismo, traição e relações familiares disfuncionais. Nenhum desses pontos é aprofundado,
mas eles acabam aparecendo.
De qualquer forma, como autora, é meu dever lembrar que isso aqui é apenas um livro.
Ele não vale a saúde mental de vocês, então, caso se sinta desconfortável em algum momento,
abandone a leitura.
Se priorize.
E, finalmente, vamos falar sobre Lucas Alencar.
Para quem não sabe, o protagonista de Sob O Mesmo Céu é o irmão caçula da Malu, a
protagonista de Meu Pior Pra Você, porém, já te adianto que apesar dos laços de sangue entre os
dois, os livros não estão conectados entre si. Podem ser lidos separadamente. Apenas ressalto
que você pode acabar pegando alguns spoilers sobre MPPV.
Sobre a ambientação de SOMC: nosso casal é militar e está diretamente conectado à
aviação, então alguns termos específicos foram utilizados ao longo da história, porém, todos
estão explicados em notas ou ao longo do enredo. Além disso, apesar da pesquisa que fiz com o
grandioso Google, preciso lembrar que esse livro não foi escrito com a intenção de formar
pilotos, controladores ou militares. Ele é uma ficção, então pode haver certas inconsistências ou
modificações causadas pela minha liberdade poética. E não se esqueça que qualquer semelhança
com a realidade é apenas uma coincidência.
Não vou me estender muito, afinal, tenho que dar espaço para que Agatha e Lucas
causem um pouco de caos, risos e possíveis lágrimas. Mas agradeço a chance de ter você aqui,
dando um pouco de atenção às vozes da minha cabeça.
Espero que aproveitem a leitura, que se encantem pelos protagonistas e que os
secundários, em especial a nossa personagem fanfiqueira, conquistem vocês.
Não se esqueçam de avaliar e indicar SOMC. Ajuda demaaais. E sintam-se livres para
invadir minha DM (autoradrisatys). Vou amar surtar com vocês.
E para concluir, desejaria uma boa leitura, mas... Se é uma leitura, já é boa.
Para quem já se colocou em segundo plano.
Nada é mais importante do que você.
Se priorize. Se cuide. Se ame.
E nunca deixe ninguém tirar a sua escolha.

Ah, e para aquelas que têm medo de avião:


Pense que seu piloto pode ser um Lucas Alencar,
só esperando para te levar nas nuvens.
SE ALGUÉM ME PEDISSE para escolher entre perder um braço e ser pressionada, eu
responderia:
— Você quer o direito ou o esquerdo?
Porque se tem uma coisa que eu odeio do fundo do meu coração é agir sob pressão.
Mas ao estar sentada dentro de um auditório com mais de quatrocentas pessoas enquanto
escolhemos para onde seremos transferidos após nossa formatura, é só isso que eu sinto. Pressão.
De todos os lados.
Respiro fundo e seco as palmas das mãos no tecido da calça camuflada enquanto assisto
os números mudarem no telão à nossa frente conforme meus colegas anunciam os destinos para
onde seguirão assim que nos tornarmos sargentos, o que acontecerá em cinco dias.
Procurando um pouco de conforto, olho por cima do ombro e encontro a atenção de
Antony sobre mim, os olhos familiares brilhando enquanto ele sorri, tentando me tranquilizar,
mas eu não retribuo o sorriso que meu namorado me lança, porque não estou tranquila. Nem um
pouco.
Durante os dois anos que passei aqui no quartel, sempre soube que precisaria enfrentar a
famigerada escolha de vagas. Eu sabia que as notas que tirasse ao longo do curso de formação
seriam as responsáveis por me classificar e me permitir escolher onde trabalharia como
controladora de voo. Eu sabia que esse momento chegaria e, desde então, me preparei para ele.
Fiz o meu melhor e consegui chegar à décima sexta colocação de uma turma de duzentos
controladores. Eu tenho cento e oitenta e cinco opções para escolher. Posso ir para o Norte ou
Nordeste. Sul ou Sudeste. Posso ir para qualquer lugar que tenha uma base da Força Aérea, mas
eu sempre imaginei que fosse para Porto Alegre.
Não sei por que, mas a capital gaúcha tem algo que me atrai. E é para onde quero ir.
Mas não é para onde meu namorado quer ir.
Eu e Tony estamos juntos desde... Bom, desde antes de realmente estarmos juntos.
Passamos a estudar na mesma escola quando tínhamos treze anos e sempre ouvimos que
formaríamos um ótimo casal. Quando nosso futuro se mostrou interligado e acabamos no curso
de formação militar, foi o que aconteceu. A gente já se conhecia há um bom tempo, sabíamos as
manias um do outro e... Sei lá, parecia óbvio. Então sem nem mesmo um pedido decente, há
quase dois anos, passamos a namorar.
No começo, foi estranho. Talvez pela falta de química que sempre me fez repensar essa
ideia de ficarmos, ou talvez porque a formação militar era exaustiva demais. Mas com o tempo,
eu meio que me acostumei e passei a gostar do nosso relacionamento. Quer dizer, da maior parte
dele.
Não vou negar que a pressão que essa relação tem imposto sobre a minha decisão atual é
algo que não me agrada. Nunca quis ir para Brasília, mesmo que tenha crescido em Goiânia, e
um dos motivos é bem óbvio: não quero trabalhar no mesmo lugar em que meu meio-irmão,
Willian.
Ele e eu nunca tivemos uma relação harmônica.
Tá! Não temos algo que pode ser chamado de relação.
E tá tudo bem!
Não crescemos juntos, nossas criações foram muito diferentes e... Eu sou fruto de uma
traição que afetou muito sua vida. Sei que não tenho culpa que nosso pai não manteve o pau
dentro das calças, mas não julgo Will por não querer ser próximo a mim. Até porque, também
não tenho qualquer anseio de me aproximar dele e isso inclui não ter a mínima vontade de
trabalhar no mesmo aeroporto militar que ele serve como tenente.
Por isso não quero ir para Brasília.
Mas também não quero terminar o namoro que foi meu momento de segurança ao longo
dos dois anos em que passei me fodendo dentro do quartel!
Tá vendo?!
Pressão pra caralho. De todos os lados. De todas as pessoas.
Não é a melhor hora, mas não posso deixar de me lembrar de quando minha mãe me
contava histórias para dormir e eu reclamava sempre que ouvia sobre o garoto que não queria ser
adulto e fugia para uma ilha mágica.
Não fazia o menor sentido! Quem seria maluco de querer continuar sendo criança?!
Até que eu entendi que Peter Pan não era um maluco. Ele era um visionário.
Eu gostava muito mais quando minha única responsabilidade era seguir para o sofá e
assistir aos meus desenhos favoritos. Gostava muito mais quando toda a pressão imposta sobre
mim se resumia a obedecer quando minha mãe me mandava lavar o cabelo. Gostava muito mais
de não ter que decidir meu futuro sem saber se estou fazendo o certo no presente.
Aposto que Peter Pan já sabia o que se torna mais claro para mim a cada segundo: ser
adulto é uma merda.
Queria que meu nome fosse Wendy e que, agora, ao invés de estar fardada dentro de um
auditório, eu estivesse voando por aí, oito anos mais nova, com a porra da Sininho jogando pó
mágico em cima de mim. E olha que eu tenho medo de voar!
Mas meu nome é Agatha Bittencourt, eu tenho vinte anos, estou prestes a me formar
sargento e preciso anunciar para todos ao meu redor para onde pretendo ir em cinco dias.
Ainda com as palmas suadas e sem a menor ideia do que fazer, engulo em seco quando o
microfone acaba em minha mão e todos, todos os olhares focam em mim.
Sem pressão, graças a Deus.
Todo meu corpo treme enquanto fico em pé e não me surpreenderia caso meu coração
parasse de bater. Sei que sou nova para ter um infarto, mas esses batimentos descontrolados, com
certeza, estão errados.
Estou nervosa. Apavorada. Perto de um colapso.
Passei dois anos me preparando para esse dia e não me sinto nem um pouco preparada.
Custava ter me raptado, Peter Pan?!
— Quer um convite, Bittencourt? — o Major Cezar, com a sensibilidade de uma mula,
pergunta com o mesmo tom severo que sempre usou para falar com minha turma.
— Não, senhor.
Na verdade, eu quero é que alguém decida por mim.
O problema de ser adulto não está em tomar decisões, mas sim em assumir a
responsabilidade e lidar com as consequências que qualquer das suas escolhas podem te trazer.
Aposto que Peter Pan não tinha medo da liberdade, mas sim da responsabilidade que
viria quando ele crescesse.
Mas, pelo menos, se eu escolher direito, vou poder ter outra pessoa para aguentar o peso
das consequências comigo. Vou poder ter alguém que vai me ajudar a arcar com os efeitos que
virão.
Mais uma vez, olho por cima do ombro, para onde os mecânicos de aeronaves estão
sentados e encontro o mesmo sorriso de Antony, enquanto ele assente, me incentivando.
Meu namorado vai estar comigo em Brasília e, mesmo não sendo minha escolha, vai ser
bom, como combinamos que seria. Estaremos juntos. Faremos dar certo.
Não é?
Volto a olhar para o telão e vejo a última vaga disponível para Porto Alegre.
Meu coração acelera. Minhas mãos tremem. Minha respiração se agita.
Eu quero ir para lá. Quero muito. Mas eu não sou mais a garotinha que pode fazer o que
quer sem pensar em todo o cenário, por isso, quando levo o microfone até minha boca, ajo como
a adulta que sou.
— Agatha Bittencourt... — Meu nome de guerra[1] ecoa pelo auditório e eu posso ouvir
meu coração martelar em meus ouvidos. — Brasília.
Os números mudam e eu sei que mesmo se eu tentasse, não poderia mais voltar atrás.
QUAL SERIA A PENA que eu cumpriria se arrancasse a cabeça de Antony e justificasse que o
motivo é que ele é um completo incapaz de devolver as coisas no lugar depois de usar?
Já faz quase meia hora que estou procurando o carregador do meu laptop, mas desde
quando meu namorado o pegou para carregar os controles do videogame, parece que ele foi
enviado para outra dimensão e isso me deixa puta!
Não posso dizer que sou a pessoa mais organizada do mundo, porque não sou. Meu
guarda-roupa é bagunçado e meus produtos de skincare vivem desordenados dentro do armário
do banheiro, porém é a minha bagunça e eu me localizo nela. Menos quando Antony mexe nas
coisas e desaparece com tudo!
— Filho da puta — resmungo, desistindo de brincar de caça ao tesouro, ou melhor, ao
carregador e me sento à mesa, abrindo o laptop de Tony e digitando a senha.
Ele não gosta muito que eu mexa nisso porque diz que eu sempre acabo desconfigurando
algum de seus jogos, mas eu preciso ler a atualização do regulamento de helicópteros, portanto,
seus jogos que se fodam. Vai ser bom para ele aprender a não sumir com minhas coisas.
Abro o Drive, onde Cecília disse que disponibilizou o documento, mas é a conta dele que
está logada e, sem querer, vejo o conteúdo da primeira imagem. Um print de uma conversa no
Whatsapp.
Aperto os olhos e passo para o próximo print, depois o próximo e o próximo.
Meu coração parece lutar para continuar empurrando o sangue para o resto do corpo e o
mundo ao redor se move em câmera lenta.
Eu sei o que estou lendo, mas... Não é possível que eu esteja lendo isso.
Só... Não é.
Sem pensar, pego meu celular e pressiono o botão para gravar um áudio para Beatriz e
Cecília.
— Eu acho que estou sendo traída. — A frase deixa um gosto ruim em minha língua. —
Será que vocês podem, sei lá, dar um pulo aqui pra me ajudar com isso, porque posso só estar
vendo coisas, né?
Assim que solto o botão, acrescento uma mensagem:

Me levanto apenas para destrancar a porta do apartamento, então volto a me sentar, ainda
sem assimilar direito o que estou lendo. Não pode ser.
Antony sabe sobre meu pai, a mãe de Willian e minha mãe. Ele sabe o quanto traição é
um assunto delicado para mim, porque eu contei sobre como, ainda criança, precisei de terapia
por sentir que nunca devia ter nascido.
Ele não faria isso comigo.
Não depois de quase três anos de namoro. Não depois de ter sido o motivo pelo qual eu
não fui para a cidade que eu queria.
Releio as mensagens duas, três, quatro vezes.
Ouço a porta ser aberta e sinto minhas duas amigas pararem uma de cada lado, os olhos
fixos sobre a tela em minha frente e enquanto elas não dizem nada, eu espero.
Torço para que Beatriz com suas habilidades como psiquiatra consiga entender algo por
trás desses prints. Desejo que Cecília e sua criatividade me mostrem que não é o que estou
pensando. E enquanto elas se mantêm em silêncio, eu espero. Espero, espero e... Espero.
Até que o silêncio se prolonga por tempo demais e a negação acaba, abrindo lugar para a
raiva, porque não adianta tentar negar nem procurar explicações. Antony me traiu.
— Maldito. Desgraçado. Filho da puta! — O último xingamento sai com um grito de
ódio que vem do fundo da minha alma.
— Agatha... — Bia tenta segurar meu punho no segundo em que empurro a cadeira para
trás, mas fujo de seu toque e sem dar tempo para que qualquer uma das duas me pare, agarro a
Alexa de cima da mesa e a arremesso contra a parede.
Foda-se! Eu sempre tive medo de que essa porra começasse a falar de noite mesmo!
— Agatha, calma!
— Calma é o caralho! — rujo, as lágrimas de raiva, mágoa e vergonha rolando por
minhas bochechas enquanto agarro o abajur e faço-o ter o mesmo destino que o maldito
dispositivo.
— A gente segura ela? — ouço Ciça questionar baixo.
— Ainda não. Vamos esperar um pouco — Bia responde e acena para o sofá, indicando
para que Cecília se sente ao seu lado.
— Esperem o quanto quiserem. Eu só vou me acalmar quando fizer aquele maldito
engasgar com o próprio sangue! — aviso e sigo na direção da prateleira onde sua taça do
Corinthians descansa.
Uma taça que eu comprei para esse traidor do cacete!
Ela acaba sobre os restos do abajur e da Alexa.
— Eu não acredito que ele fez isso!
— Amiga, eu sei, ele foi um imbecil. Mas vamos tentar pensar direito.
— Não tem como pensar direito, Beatriz, e sabe por quê?! Porque o peso dos chifres que
eu ganhei não me deixa raciocinar!
Meu vocabulário não é evoluído o suficiente para que eu consiga pensar em palavras que
expliquem o que estou sentindo nesse segundo. Mas estou furiosa. Irada. Puta pra caralho!
É. Acho que puta pra caralho é o que melhor descreve meu nível de raiva nesse instante.
Uma corna puta pra caralho.
— Ele é um filho da puta! — berro e agarro a almofada, arremessando-a contra a parede,
mas a falta do som de algo se quebrando só me enfurece ainda mais.
— Você precisa... — Sua frase é interrompida pelo toque estridente do telefone ao lado
de Cecília que se inclina, tirando-o do gancho.
— Pois não?
Eu nem mesmo sei por que ainda temos um telefone fixo aqui, sendo que ninguém usa
isso. Não sei nem mesmo o número dele! Para falar a verdade, eu nem queria essa porra! Foi
ideia do desgraçado!
Mais uma ideia dele que eu aceitei.
— Oi? — Ela pisca, assustada, olhando entre eu e Bia. — Calma aí que eu vou passar pro
responsável — avisa e entrega o aparelho para Beatriz. — Faça seu trabalho e controle os
malucos — sibila.
— Alô? O quê?! Não! Eu sei, mas é só uma forma de... Alívio de estresse. — Seus olhos
recaem sobre mim enquanto ela continua ouvindo o que quer que estejam dizendo. — Tudo bem.
Obrigada pela preocupação, Seu Durval.
Assim que o telefone volta para o gancho, ela respira fundo e diz:
— Seu vizinho quer chamar a polícia porque acha que tem alguém sendo morto aqui
dentro.
Velho fofoqueiro do caralho!
— Manda ele chamar a puta que o pariu!
— Agatha, para de gritar! — Bia me olha com a expressão severa, mas ver minha amiga
que parece a personificação do Buda começando a se estressar não é o bastante para causar
qualquer efeito dentro de mim.
— Eu não vou parar! — Enterro os dedos em meio ao meu cabelo e puxo os fios,
aceitando a dor que eu sinto como uma forma de punição por ter sido tão idiota. — Eu escolhi
ele! Eu abri mão do que eu queria por ele!
E ter cometido um erro tão grande assim é... Vergonhoso.
Eu fui burra demais por ter colocado outra pessoa antes de mim. Eu fui estúpida e agora
tenho um par de chifres enfeitando minha cabeça para me ensinar a deixar de ser uma idiota!
— Olha pelo lado positivo — Cecília diz, relaxando contra o sofá. — Você podia ter
tatuado o nome dele.
Não, eu não podia, porque a família dele odiava tatuagens e, por isso, eu nunca fiz
nenhuma.
— Ou podia ter tido filhos com ele, que é ainda mais eterno do que tatuagens.
Porra, isso eu podia, porque, mesmo que não fosse um plano pra um futuro próximo, eu
planejava ser mãe e o maldito traidor do caralho seria o pai!
Ensandecida, olho ao redor, procurando mais alguma coisa para quebrar.
— Amiga… — Bia começa, cautelosa, e se coloca em pé, vindo em minha direção. —
Eu sei que as coisas estão confusas, mas você precisa...
— Eu não vou me acalmar enquanto eu não matar aquele filho da puta! — Minha
garganta dói conforme os gritos saem, a voz ficando cada vez mais rouca. — Desgraçado! Filho
da...
— AAAAAAAAAAAAAH!
Minhas palavras são interrompidas quando Beatriz abre a boca e deixa que um grito alto,
profundo, estridente e forte saia, me fazendo congelar com a surpresa que atinge tanto a mim
quanto a Cecília.
Bia costuma ser pacífica. Ela é como o anjinho que sempre me diz para agir
racionalmente enquanto Ciça é o capetinha que me fala sobre como mandar se foder é a solução
para tudo.
Mas, então, que porra é essa?
— Por que é que você tá gritando? — pergunto, perplexa, assim que ela se cala e eu
posso ouvir minha própria voz.
— Porque você e esse seu surto estão me enlouquecendo!
— Mas você é uma psiquiatra!
— E daí? Você não tá pagando meu horário, então eu não preciso aguentar isso calada —
avisa e puxa uma respiração, jogando os ombros para trás ao tomar fôlego. —
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!
Sempre imaginei que, no fundo, ela fosse meio doida, mas isso é exagero.
O telefone toca mais uma vez e Cecília o puxa do gancho.
— Não, Seu Durval, não precisa chamar a polícia! — avisa e desliga, atordoada.
— Pronto, Agatha? Vai conseguir fechar a boca agora ou quer continuar bancando a
maluca? — Beatriz, ainda meio ofegante, me olha com reprovação.
— Ele é um filho da puta!
— Eu ouvi. Seu Durval ouviu. Se bobear, até o próprio Antony ouviu.
Ouvir seu nome em voz alta é como um tapa na cara. Um tapa que a realidade dá e que
dói. É vergonhoso, é triste e faz com que eu dê um soluço.
Meus ombros caem para frente e eu afundo no sofá, cobrindo o rosto com as mãos.
— Eu larguei tudo por ele e ele me traiu.
Sou atingida pelas memórias do dia em que abri mão da minha escolha de seguir para
Porto Alegre porque achei que quaisquer que fossem as consequências, ele estaria por perto para
me ajudar a lidar com elas.
Mas ele foi a consequência.
— Eu troquei meu sonho por um cara que me traiu. Eu deixei a minha vida de lado e... —
Balanço a cabeça, sem entender. — Por que isso aconteceu? O que eu fiz de errado?
— Você não fez nada de errado — garante Cecília. — Antony escolheu agir como agiu e
isso mostra o tipo de pessoa que ele é. Não diz nada sobre você.
— Diz sim. Diz que eu sou uma burra! Porque eu decidi vir atrás desse pedaço de merda.
Eu escolhi colocar ele em primeiro lugar. Eu... Porra, eu tenho mais é que tomar no meu cu
mesmo. Quem sabe assim eu aprendo a não ser trouxa!
— Agatha, fica calma!
— Olha, Bia, se a sua tática com seus pacientes é mandar eles ficarem calmos ou berrar
mais alto que eles, eu preciso dizer que você é uma psiquiatra de quinta, tá?
Sem deixar se afetar pelo comentário que sabe que estou dizendo da boca para fora, ela
me dá um olhar condescendente.
— Se eu fosse usar minhas táticas como psiquiatra com você, já estaria pensando sobre
internação involuntária, sua histérica! — Assisto-a se ajoelhar em minha frente e deixo que
pegue minhas mãos entre as suas. — Respira fundo. Puxa o máximo de ar que você consegue e
solta ele como se estivesse gritando, só que em silêncio.
Sem saber o que mais fazer, obedeço. Inspirando e expirando várias e várias vezes,
sentindo a tempestade interna se dissipar de maneira gradativa.
É bom, mas ao mesmo tempo é ruim, porque conforme a bagunça dentro de mim se
organiza, consigo pensar melhor em tudo o que fiz por ele.
A tatuagem que deixei de fazer porque sua família não gostava.
Os cachos que deixei de usar porque ele dizia não ser tão bonito quanto meu cabelo liso.
As músicas que deixei de ouvir porque meu sertanejo e pagode não se enquadravam em
seus eletrônicos sem sentido.
A vaga que eu deixei de escolher porque ele não achava uma boa ideia.
No final, o maior erro que eu cometi por ele foi deixar de viver a vida que eu queria. A
minha vida.
Depois da formatura, como anunciamos naquele dia, nós viemos para Brasília e
começamos um futuro. Alugamos um apartamento, mobiliamos a casa e compramos um carro.
Juntos.
Eu construí tudo o que eu tenho usando nosso relacionamento de alicerce e agora, ao
encontrar todos esses prints, eu não só me sinto burra como também me sinto perdida. Sem chão.
A minha casa é a dele. O meu carro é o dele. As minhas coisas são as dele.
Cinquenta por cento da minha vida não pertence a mim porque eu a entreguei a um cara
que me traiu!
— Pronta pra falar? — Bia pergunta, se sentando ao meu lado esquerdo.
— Ou quer quebrar mais alguma coisa, tipo o PS5 que continua intacto? — oferece Ciça,
acenando para o aparelho caríssimo conectado à TV.
— Eu não sei o que falar. Eu... Eu não sei o que fazer.
— Você vai terminar com ele?
Sem acreditar na pergunta de Beatriz, pisco algumas vezes, as lágrimas já secando em
meus olhos.
— Claro que vou terminar com ele! — respondo, quase ofendida.
— Então vamos trabalhar a partir daí — Cecília declara. — Vamos quebrar o videogame!
— Ninguém vai quebrar mais nada! — Bia avisa, autoritária, mas logo volta os olhos
para mim, esperando que eu diga algo, mas ao invés de falar, fico em pé em um sobressalto e, me
mantendo longe dos cacos, começo a andar de um lado para o outro, torcendo para que a
irritação se dissipe conforme me movo.
— Estou puta, envergonhada e arrependida — anuncio após alguns segundos. — Estou
puta com ele por ser um merda e comigo por ter escolhido confiar nesse desgraçado. Estou com
vergonha de ter agido como agi e ter acabado deixando minha vida de lado só pra fazer o que ele
queria. E, nossa, se arrependimento matasse, eu seria só a caveira. — As palavras saem como
um turbilhão. — A cada coisa que penso que fiz por ele, me sinto mais irritada e eu sei que devia
estar pensando em coisas importantes, por exemplo, sobre onde vou morar agora, mas a única
coisa que consigo pensar é que quero fazer isso! — Mal termino de falar antes de seguir para o
banheiro.
Ouço os passos apressados das duas vindo atrás de mim e sei que elas assistem o exato
segundo em que, sem me importar em tirar a roupa que estou usando, abro o chuveiro e me enfio
sob a água.
— Tá se sentindo suja ou alguma coisa assim? — Ciça questiona e eu balanço a cabeça,
esfregando os dedos em meus cabelos que se enrolam conforme o efeito liso é retirado.
— Quero meus cachos — digo e coloco uma quantidade generosa de shampoo na mão.
— Bia... — interrompo o movimento dos dedos e olho para ela. — Como psiquiatra, você acha
que estou agindo como doida?
— Não.
— Certeza? — Cecília me olha com preocupação.
— Sim. Não existe um jeito certo de sentir — responde com a voz tranquila, nem um
pouco parecida com a maluca que estava berrando em frente ao meu rosto alguns minutos atrás.
— As emoções chegam de formas aleatórias e cada pessoa reage a elas de uma maneira
diferente, então querer mudar seu lado externo como uma forma de espelhar a mudança interna
não quer dizer que você está maluca. É como um “renascer” simbólico.
— Mas uma dessas emoções não deveria ser, pelo menos, parecida com tristeza? —
questiono.
— Você se sente triste quando perde algo importante. Talvez, a falta de consideração que
ele teve por você esteja te fazendo vê-lo como alguém que não importa. Tá vendo a situação
mais como um livramento do que uma perda.
Continuo lavando o cabelo em silêncio e, depois de alguns minutos, as duas saem para
que eu termine meu banho enquanto as palavras de Bia atormentam minha mente, e no segundo
em que encaro meu reflexo no espelho, apenas uma toalha enrolada ao meu redor, entendo que
talvez, sem Antony, eu não esteja me sentindo perdida.
Talvez eu esteja me sentindo livre.
— SEU PAU É GRANDE?
Afasto os olhos do meu celular e ergo a sobrancelha para Nicole, que continua jogada na
poltrona de sua sala enquanto digita no laptop em seu colo, o cabelo escuro caindo como uma
cortina ao redor do rosto concentrado.
— Você já viu meu pau, Nicky.
— Foi o único que eu vi, não tenho parâmetro — rebate, erguendo o queixo para me
encarar como se uma ideia brilhante surgisse. — Você morou cinco anos em um alojamento,
deve ter visto vários paus. O seu é considerado grande ou pequeno? Aliás... Quantos centímetros
tem seu pau?
— Nunca medi.
Como se precisasse comprovar o quanto é maluca, ela abre a bolsa que está no chão ao
seu lado, pega uma régua e a atira em mim.
— Mede lá e me fala.
— Nicole!
— Porra, Lucas, eu preciso descrever um pau aqui! — se exaspera e vira o computador.
— Sabe que sou péssima escrevendo hots, dá pra me ajudar ao invés de me atrapalhar?!
— Vinte centímetros, sua maluca — cedo, jogando a régua de volta. — Quer uma foto
também?
— Se eu precisar, te peço — responde, voltando a digitar, e por mais absurdo que seja,
não seria surpresa se ela realmente pedisse por uma.
Eu juro que nunca achei que fosse ter uma amizade bizarra igual essa, mas aqui estou eu,
com Nicole Palazzini me perguntando sobre meu pau enquanto o usa de inspiração para o livro
que está escrevendo.
Conheci Nicky no estacionamento do quartel e, no primeiro momento, não sabia quem
era ela. O pneu de seu carro estava furado e eu a ajudei a trocar. Não vou negar que lancei um
olhar ou outro em sua direção, afinal, sua beleza é notável. Os olhos e cabelos escuros em
contraste com a pele clara chamam atenção. Mas quando ela me disse seu sobrenome,
imediatamente soube que ela estava fora dos limites.
A ideia de comer a filha do meu chefe não é algo que me agrade, entretanto, foi o que
aconteceu.
Nós acabamos nos tornando amigos e um dia, enquanto estávamos em um bar, ela apoiou
os cotovelos sobre a mesa e me encarou por longos segundos antes de soltar:
— Eu escrevo.
Continuei em silêncio, sem saber o que diabos aquilo queria dizer.
— Livros — acrescentou, sondando minha reação. — Sou uma autora.
— É? — Franzi o cenho.
— Sim. Eu escrevo romances e uso o pseudônimo de Nicky Rabelo. — Ela pegou o
celular e virou a tela para mim, me mostrando a capa de diversos livros com títulos e capas
variadas, mas todos escritos pela mesma pessoa. — É segredo, Lucas, então, por favor, não conte
a ninguém.
— Não vou contar — prometi. — Mas por que tá falando disso?
— Porque eu não quero que estranhe muito o que eu vou te pedir agora.
Naquela época, eu já sabia que ela era meio imprevisível, mas nada me preparou para o
que saiu quando Nicole abriu a boca:
— Pode tirar minha virgindade?
— Nem fodendo.
— Por favor.
— Não, Nicky. Tá doida?
— Lucas, escuta. — Ela se ajeitou no banco. — Eu escrevia romances fofinhos, mas eu
já tenho vinte anos, preciso colocar putaria na minha escrita. Só que não sei escrever sobre sexo
porque eu nunca transei. Eu não sei como descrever um pênis penetrando uma vagina porque não
sei qual é a sensação!
— Já te adianto que ninguém vai ler um livro onde você descreve uma foda como “um
pênis penetrando uma vagina”.
— Tá vendo?! — assentiu, claramente levando minha crítica como um apoio à sua ideia
maluca. — Por favor! Eu não tenho mais amigos pra me ajudar com isso. E é meio que um jeito
de você se vingar do meu pai, porque eu sei que ele é um escroto. Vai ser só uma vez, eu
prometo. É só que... Eu não quero ser ruim fazendo o que eu amo e eu amo escrever.
No final, eu fodi Nicole Palazzini e, foi, de longe, a foda mais estranha do mundo,
principalmente quando ela me olhou e disse:
— Não me beija.
— Tá falando sério?
— Claro que tô falando sério, Lucas. Vou transar com você porque preciso da
experiência da penetração. Beijar é algo que eu já sei, então mantenha sua boca longe da minha.
E, como se não bastasse o conjunto de bizarrice, enquanto estava enterrado entre suas
pernas, ela me olhou e perguntou:
— Quais os possíveis nomes para pau que eu posso usar pra descrever isso aqui?
Eu brochei.
Claro que eu brochei.
E foi a única vez que nós dois nos tocamos.
Hoje em dia, toda e qualquer ajuda que ela precisa para escrever essas cenas se resumem
a perguntas que ela faz e que eu respondo, porque comer minha melhor amiga foi uma
experiência traumática, mas que acabou nos aproximando mais, afinal, sou a única pessoa além
da sua assessora que sabe sobre seus livros.
Volto a mexer no celular e não posso deixar de sorrir para o vídeo que Leonardo postou
que mostra a barriga gigante de minha irmã se mexendo conforme meus sobrinhos se movem.
Assisto a filmagem, estremecendo ao ver a movimentação absurda da pele, mas apesar do
desconforto que aquilo deve causar, sou incapaz de sentir qualquer coisa além de felicidade
extrema ao pensar na família que Malu está formando.
Mais do que a pessoa que cresceu comigo e que implicou ao dizer que eu fui achado no
lixo, Maria Luiza é minha maior inspiração.
Quando ela ainda era uma criança, ouviu de muita gente que não seria ninguém. Viu
muitos dedos apontados em seu rosto enquanto afirmavam que seu sonho era impossível. Passou
anos sem apoio nenhum. E mesmo assim, ela conseguiu o que disse que conseguiria.
Eu sempre a achei gigantesca. Foda pra caralho. Mas hoje o mundo todo pode ver isso,
porque a minha irmã, a garotinha que passou por todas aquelas merdas, se tornou a maior
cirurgiã pediátrica do país. Sozinha.
Ela chegou ao topo sem ajuda de ninguém para subir qualquer degrau. E finalmente, ela
encontrou todo o apoio que sempre mereceu.
Malu vive a vida que eu sempre sonhei que ela vivesse. E eu estou orgulhoso pra caralho
da mulher que ela se tornou.
E quero que ela sinta isso de mim também.
Eu quero orgulhar Maria Luiza porque foi a minha irmã mais velha que tomou as
porradas que a vida deu. Ela absorveu tudo de ruim que ouviu e, ao olhar para mim, sorriu,
dizendo:
— Você pode conseguir o que quiser. O mundo é seu, Lucas Alencar.
Por isso fui atrás dos meus sonhos. Por isso passei cinco anos na AFA, para me formar
piloto. Por isso, hoje, estou em um dos esquadrões mais renomados da Força Aérea. Porque
minha irmã mais velha me inspirou a conquistar o que eu quisesse.
Então, dia vinte e três de dezembro, quando a vi chorar porque disse que não poderia
passar o Natal lá, me senti um merda.
A ideia era que eu passasse o feriado em Belo Horizonte, mas só pude passar uma tarde.
Assim que terminei a ligação e avisei que precisava regressar, os olhos de minha irmã se
encheram e eu assisti Maria Luiza chorar pela primeira vez na minha vida. Ela disse que era
culpa dos hormônios de gravidez e eu, com certeza, acreditei, afinal, ela está grávida de gêmeos,
mas saber disso não fez com que fosse menos angustiante vê-la daquele jeito.
A escala de voo está uma loucura. Escolta presidencial, treinamentos, missões em outras
unidades. Tenho passado mais tempo no ar do que no chão. Além do mais, se eu pedir por uma
folga agora, o Coronel Palazzini vai enlouquecer. O que só mostra o quanto ele é um imbecil,
porque foi ele quem decretou que não abriria vagas para novos pilotos, sendo que nós não
estamos dando conta da demanda.
Mas não adianta nada discordar do que ele decidiu, afinal, ele é o comandante. Quem
está abaixo dele na cadeia hierárquica, no caso, os mais modernos[2], precisam se adaptar.
O problema é que me adaptar está sendo difícil pra caralho enquanto penso em minha
irmã grávida.
Sim, ela está cercada de pessoas que a amam e eu não tenho dúvidas de que Leonardo
está enlouquecendo todo mundo para garantir que ela esteja bem, mas... É a primeira vez que eu
tenho a oportunidade de, efetivamente, apoiá-la, já que não sou mais a criança que ela queria
proteger, e mesmo assim não posso chegar até lá, porque preciso voar.
— Porra de bloqueio! — Nicole exclama depois de longos minutos e fecha o laptop,
soltando a cabeça contra o encosto da poltrona. — Faz uma semana que não consigo escrever
nem uma palavra que preste!
— Claro, você não descansa. Não faz nada além de tentar escrever. Tô tentando te
arrastar pra sair faz dois meses — relembro. — E vou tentar mais uma vez. Quer ir comigo pro
bar hoje?
— Não. Mas eu vou descansar — mente, na maior cara de pau, e se ajeita na poltrona. —
Vai, me conta alguma coisa aí pra me distrair.
— Não tenho nada pra contar.
— Pelo amor de Deus, Lucas, você pilota caças. Como é que a sua vida é tão chata
quanto a minha?
Bloqueio o celular e a encaro, os olhos castanhos fixos sobre mim.
— Acho que vou mudar de apartamento — solto, verbalizando o que já tenho pensado há
um tempo.
— Quê? Por quê? Você ama morar tão perto do trabalho.
— Mas eu odeio ter que limpar dois quartos a mais — resmungo, ainda irritado pela
faxina que ocupou minha tarde. — Eu moro sozinho, Nicky, e quase sempre tô em missão, não
faz sentido morar em um apê que comporta uma família inteira, ainda mais porque eu pago o
aluguel sozinho.
— E por acaso você namorava alguém quando escolheu onde morar?
— Não.
— Então por que não pensou nisso antes? — Imediatamente, estala a língua. — Esquece.
Você é homem. Nunca pensaria tão pra frente assim. Por que não arruma uma pessoa pra dividir
o apartamento com você?
— Porque viver cinco anos com aquele tanto de cara me traumatizou! Me recuso a morar
com outro homem.
— Arruma uma mulher, então.
— Tá se voluntariando, Nicole?
Ela ri.
— Meu pai ia amar saber que tô dividindo o apartamento com um dos caras com quem
ele trabalha — debocha. — Isso mataria ele ou faria ele matar você.
— Não duvido.
— Coloca na OLX que tá procurando uma colega de apartamento. Ah, aproveita e coloca
uma foto do seu tanquinho, aposto que vai atrair mais gente ainda. Já sei! — Nicky sorri e se
agita na poltrona, procurando o controle antes de mudar a música que toca na TV. — Coloca isso
aqui no anúncio: Ban-di-do mau, mas com carinha de neném — cantarola, mexendo os ombros.
— Só não pode falar que fode bem, porque você brocha.
Arremesso a almofada em seu rosto e ela ri ainda mais alto, o som escandaloso ecoando
pelo apartamento.
— Se eu tivesse que escolher entre perder meu pau e acabar na cama com você de novo,
eu perderia o pau.
— Ele não serve pra muita coisa mesmo.
Mesmo que já tenhamos ficado e apesar das nossas brincadeiras, não há um pingo de
desejo entre a gente. Porém, há muita intimidade, principalmente pela falta de filtros que permite
que ela faça as perguntas que faz.
— Já vou indo — aviso depois de algum tempo e fico em pé. — Tem certeza de que não
quer ir comigo?
— Nah. Minha bateria social hoje tá zerada.
— E quando não está? — comento e jogo um braço por cima dos seus ombros, a
abraçando. — Não fica se cobrando tanto, aposto que esse bloqueio vai passar logo e se precisar
de ajuda, Xvideos vai te dar um bom material.
— Boa ideia. — Sorri, inclinando a cabeça para que eu beije seu couro cabeludo. — Se
divirta.
— E você tranque a porta. É tão maluca que aposto que começaria a bater papo caso
alguém invadisse sua casa.
— Com certeza. Amo um enemies to lovers e não resisto a um dark romance.
Reviro os olhos, sem ter a menor ideia do que é que ela está falando.
— Como eu disse: maluca.
Ela ri e fecha a porta assim que saio para o hall do seu andar, mas só sigo na direção do
elevador após ouvir a chave sendo girada.
— AÍ, DEPOIS QUE EU SAÍ DO CHUVEIRO, mandei uma mensagem pra ele, avisando que
sabia da traição e terminando tudo, menti pras minhas amigas que queria dormir, me arrumei e
vim pra cá — concluo, pondo os cachos presos sobre o ombro esquerdo, mantendo os fios longe
de onde Isac continua furando minha pele. — Acha que estou ficando maluca?
— Oxe. Nem um pouco. Seria bom se todos se reerguessem tão rápido — responde
prontamente. — Minha irmã foi traída, uma vez, mas diferente de você que entendeu que estava
melhor sem um cara desse, Ana passou quatro meses enfiada no quarto, sofrendo.
Parece que Bia tem razão ao dizer que as pessoas reagem aos estímulos de maneiras
diferentes.
— E ela está bem hoje? — pergunto, curiosa.
— Tá. Ela foi pra Salvador, abriu um quiosque na beira da praia, tá casada e grávida do
terceiro filho. — Assim que termina a última palavra, o som do motor vibrando cessa e Isac
empurra a cadeira para trás. — Prontinho, querida. Dá uma olhada.
Ele posiciona um espelho na altura da minha cabeça para que eu consiga ver o reflexo da
tinta preta que marca minha pele formando o contorno de um pequeno aviãozinho.
Minha primeira tatuagem.
Sorrio.
Talvez eu me arrependa amanhã, mas, agora, estou feliz por fazer algo que eu quis fazer,
sem ouvir a opinião de ninguém.
Como contei a Isac, logo que cheguei à conclusão que ficar sem Antony, apesar de
impactar bastante em minha vida, era algo bom, garanti que não haveria volta e com uma
mensagem de voz em seu Whatsapp, disse:
— Você é um filho da puta e eu até pensei em perguntar o porquê você fez isso, mas a
resposta é bem óbvia. Você é um covarde traidor. Acabou, beleza? Tá livre pra comer quem
quiser... Se bem que você já tem feito isso há um tempo, né? Bom, foda-se. Agora pelo menos
não atrapalho suas fodas por estar de folga. Vou sair desse lugar porque estou com nojo de
pensar em tudo o que você fez dentro dessas paredes, mas saiba que eu quero metade do valor de
tudo. Se vira pra conseguir antes que eu arrume um advogado.
Como ele pretendia arrumar o dinheiro?
Eu não dava a mínima, mas mesmo sem saber para onde ir, eu sabia que não continuaria
lá e decretei essa decisão em alto e bom tom, fazendo minhas amigas arregalarem os olhos em
surpresa.
Aposto que elas pensavam que eu deveria ficar, afinal, ele foi o único que se esqueceu
que estava em um relacionamento, mas eu não viveria naquele apartamento nem amarrada!
Inclusive, me recuso a dormir na cama onde meu chifre foi consumado.
Mas não disse isso a elas porque eu sabia que, como minhas amigas, as duas tentariam
me ajudar a pensar melhor sobre o que eu queria fazer. Me dariam conselhos e opiniões e, por
mais que eu ame ambas, só queria fazer o que me desse na telha, por isso, disse que queria
dormir, mas ao invés de vestir meu pijama do Mickey após trancar a porta, coloquei uma
camiseta preta, uma calça jeans justa e sandálias de salto preto.
Se eu pudesse, seguiria para Porto Alegre assim que me desvinculei da amarra chamada
Antony, mas como militar, preciso passar pelo menos dois anos trabalhando em um lugar antes
de pedir transferência para outro. Ainda faltam onze meses.
Então, excluindo a opção de sair de Brasília, pulei para minha segunda maior vontade:
fazer uma tatuagem.
O engraçado foi que eu nem mesmo sabia o que eu queria tatuar, e acabei escolhendo o
pequeno aviãozinho em uma rápida olhada pelo Pinterest, enquanto ainda estava no Uber. Não
me dei tempo para refletir demais e permaneci imóvel enquanto a agulha perfurava minha pele e
espalhava a tinta por ela.
— O que você acha? — pergunta Isac e eu sorrio.
— Eu amei.
Porque essa tatuagem é um marco para a nova Agatha.
E eu amo a sensação de pertencer a mim mesma.
— Que bom que gostou, querida — Isac, que ao mesmo tempo em que age como um
Ursinho Carinhoso se parece com um Viking assassino, sorri e ajeita a barba ruiva. — Agora,
mate minha curiosidade, o que vem a seguir? Qual o próximo passo para comemorar sua
solteirice?
— Ouvir música de corno e entender a profundidade de cada sílaba.
— O bom e velho sertanejo — assente, concordando. — Duas ruas aqui pra cima você
encontra um barzinho novo que vai te dar o que você precisa.
— Então é pra lá que eu vou — aviso, saltando da mesa para o chão.
A caminhada dura menos de cinco minutos e eu sorrio antes mesmo de passar pelas
portas de vidro, a música alta sendo cantada em coro pelas várias pessoas espalhadas nas mesas
distribuídas pela calçada.
Me esgueiro até o banco próximo ao balcão e me sento sobre ele, tamborilando os dedos
contra minha coxa enquanto espero que o pobre barman consiga me atender em meio às dezenas
de pedidos de cerveja que se tornam mais frenéticos conforme a dupla insere as músicas de
Marília Mendonça no repertório.
Corro meus olhos pelo espaço, analisando os casais dançando, amigos conversando e...
Ah, mas que porra é essa?
Do outro lado do balcão, vestindo uma camiseta preta que se prende aos músculos de seu
peito e braços definidos, está a razão de todas as dores de cabeça que consigo sempre que
trabalho.
Lucas Alencar.
Melhor amigo do meu meio-irmão.
Líder do esquadrão de caça.
Piloto do Jaguar01.
O cara mais gostoso que eu já vi na face da Terra.
Aproveitando que seus olhos cinzentos estão focados no celular que parece minúsculo
em sua mão grande, o observo, desde a tatuagem em seu antebraço esquerdo até a dimensão de
seu peito gigante que mesmo coberto não esconde a definição. O cabelo loiro escuro, a barba
quase inexistente e a correntinha de prata que nunca aparece quando ele está vestindo o macacão
de voo.
Ele é gostoso e eu não o suporto desde antes de vê-lo, afinal, sem nem mesmo conhecer o
rosto do Tenente Alencar, eu conheci sua voz e o sorriso que é perceptível em seu timbre rouco
sempre que diz algo através do rádio que usamos para nos comunicarmos.
Um sorriso que vejo congelar no segundo em que seu olhar encontra o meu.
Que merda!
Só falta esse arrogante achar que eu estava encarando-o.
Eu estava, mas ele não precisa saber disso, portanto, volto a olhar para o barman que, por
sorte, vem em minha direção para ouvir meu pedido.
Enquanto espero por minha água com gás, faço questão de olhar para qualquer lugar que
não seja Lucas, sem a menor vontade de aumentar nosso número de interações frente a frente.
Apesar de trabalhar no mesmo aeroporto que ele há um ano, não nos vimos mais do que
cinco ou seis vezes porque, diferente da crença comum, um controlador de voo não é a pessoa
que fica parada em frente ao avião, acenando bastões luminosos enquanto ajuda o piloto a
estacionar. Esse é o balizador e eles, sim, acabam tendo contato direto com a tripulação,
diferente de mim, que me comunico com as aeronaves através de um rádio, sentada no sexto
andar da torre de controle do aeroporto, autorizando pousos e decolagens.
— Aqui está. — O barman coloca uma garrafa e um copo em minha frente, mas não tem
tempo de ouvir meu agradecimento antes que um grupo de jovens berrem por ele, eufóricos para
conseguir um pouco mais de álcool.
Sem querer me manter no campo de visão do homem sentado do outro lado do balcão,
agarro minha água e me viro, mas não consigo descer do banco antes que uma parede de
músculos se coloque em minha frente, fazendo com que eu me sobressalte.
— Ai, cacete! — exclamo, erguendo os olhos e me deparando com o mesmo sorriso que
vi na primeira vez em que o encontrei.
— Não tinha certeza se já tinha visto seu rosto, mas com certeza não confundiria essa
voz. E aí, Bittencourt?
Parece que vamos ter mais um encontro frente a frente, afinal.
Respiro fundo.
— E aí, Alencar?
NUNCA VI AGATHA vestindo algo que não fosse a farda.
Não que eu já a tenha visto muitas vezes, mas sempre que a encontrei, o tecido
camuflado estava cobrindo seu corpo enquanto o cabelo permanecia puxado em um coque firme
no topo da cabeça, por isso, não me surpreendo por não tê-la reconhecido quando nossos olhares
se chocaram.
Os cachos castanhos emoldurando seu rosto, os lábios cobertos pelo brilho vermelho e o
preto da camiseta destacando seus olhos, com certeza, não se parecem com a controladora
certinha que fez questão de deixar claro que não gostava de mim desde a primeira vez em que
nos vimos.
Há alguns meses, quando estava abaixado ao lado do trem de pouso do caça, fazendo
uma última inspeção visual antes da decolagem, notei uma movimentação na porta do hangar e
ergui os olhos para a mulher com a farda camuflada que analisava o espaço, curiosa.
— Bom dia — falei e fiquei em pé, me divertindo ao perceber que ela não parecia nem
um pouco feliz por ter sido notada por um superior.
— Bom dia, tenente. — A voz soou levemente familiar e eu entendi o motivo no segundo
em que li o nome preso em seu peito.
Agatha Bittencourt.
Willian, meu melhor amigo, nunca fez questão de esconder que não estava animado com
a ideia de sua irmã mais nova vindo para cá, por isso, nunca pedi muitos detalhes sobre ela,
tendo conhecimento apenas do nome e, bom, da voz, já que ela era uma das controladoras de voo
do aeroporto onde nossa base aérea estava localizada.
— Precisa de alguma coisa? — questionei, cruzando os braços para analisar os detalhes
do rosto por trás das instruções secas que vinham através do meu rádio, como se além de estar
familiarizado com a dicção perfeita, a respiração controlada e o tom mandão, eu quisesse
também decorar o verde dos olhos, as pintinhas na pele e o franzir de lábios.
Não achava que ela fosse feia, mas com certeza não imaginava que ela fosse tão bonita.
— Sabe se o tenente Willian já pousou?
Sim, eu sabia, mas ao invés de responder que ele ainda não estava em solo, sorri e rebati
sua pergunta:
— Não é você quem tem que saber quem pousa e quem decola daqui, Agatha?
Com um olhar atrevido, ela ergueu o queixo.
— Não estou na minha função de controladora, tenente.
Me inclinei um pouco mais para baixo.
— Então por que está usando esse tom comigo, sargento?
Mesmo que aquele fosse nosso primeiro contato frente a frente, eu já havia notado como
ela seguia todas as regras, incluindo as mais bobas, como nunca responder nossos cumprimentos
feitos pelo rádio já que o regulamento não permitia, por isso, sabia que ela não daria uma
resposta atravessada a um superior.
Entretanto, eu esperei por uma. Eu torci por uma. Não porque queria um motivo para
corrigi-la hierarquicamente, mas porque, por algum motivo, a ideia de vê-la quebrando uma
regra me divertia, até que Agatha respirou fundo, assentiu e prestou outra continência.
— Obrigada pela ajuda. Com licença, tenente — pediu, irritada, esperando pela minha
autorização para se retirar.
— Disponha, Bittencourt. Está dispensada.
Não vou mentir que enquanto ela se afastava com os passos firmes, sequei seu corpo,
analisando cada uma das curvas cobertas pela farda, mas no mesmo dia, ao avisar Willian que
sua irmã estava procurando-o, descobri que ela era namorada de um dos novos mecânicos e
Agatha automaticamente se tornou fora dos limites.
E é por ela estar fora dos limites que eu não faço a menor ideia do porquê não voltei para
meu banco ao invés de me sentar ao seu lado.
É, eu já fiquei com mulheres comprometidas, mas apenas quando não tinha
conhecimento do compromisso, o que não é o caso aqui, afinal, tenho plena ciência da relação de
Agatha com Antony.
Então por que ainda não meteu o pé, porra?!
— Alencar? — repito, provocando-a.
— Tá aqui como tenente? — questiona, arqueando a sobrancelha.
— Não.
— Então eu também não estou aqui como sargento, logo... Não vou te chamar de senhor.
— Não quero que me chame de senhor.
— Quer que eu te chame de quê?
— Lucas.
Ela assente, sorrindo.
— Tudo bem. Oi, Lucas. Tchau, Lucas.
Rio, mas antes que ela possa descer do banco, pergunto:
— Você não gosta de mim, não é?
— Como piloto? Não. — Agatha nem mesmo pensa para responder e sua honestidade me
diverte.
— Que bom que também não estou aqui como piloto, não é, controladora?
— Não vai ter arrogância e deboche de sempre, então?
Apoio a mão sobre o peito, fingindo estar ofendido.
— Você não gosta? É o ponto alto do meu charme. — Pisco, sorrindo, e ela bufa.
— Pois pode guardar esse charme pra outra pessoa. Esse papinho de piloto não funciona
comigo.
— Papinho de piloto? — repito enquanto assisto-a franzir o nariz para a tela do seu
celular, deslizando o dedo para recusar uma ligação.
— É — assente, voltando a me olhar. — Sei como as coisas funcionam pra vocês,
Alencar.
— Ah é? — Me movo no banco, apoiando o braço sobre o balcão para encará-la de
frente. — E como as coisas funcionam pra gente, Bittencourt?
Imitando minha posição, ela também se vira para mim, sem nem olhar quando rejeita
mais uma chamada do mesmo número.
— Vocês chegam, sorriem, dizem: “ei, meu bem, eu sou piloto”, piscam e
automaticamente... Mas que porra! — sibila, irritada, e interrompe seu pensamento para agarrar o
celular e, além de recusar a ligação, bloquear o número insistente.
— Trote? — pergunto, curioso, assim que o aparelho volta para cima do balcão com a
tela virada para baixo.
Agatha bufa um riso, destampa a garrafa e dá um gole na água antes de negar.
— Antes fosse. Eu teria muito mais paciência pra lidar com algum desocupado do que
com meu ex — resmunga, quase cuspindo a última palavra.
— O Antony? — Ex?
— É.
— Mas o que...?
— Tsc, tsc. — Balança a cabeça, negando. — Assunto proibido.
— Foi recente?
— Você entende o significado de proibido? — Me olha, séria.
— Não disse que não está aqui como controladora? — rebato, erguendo a sobrancelha e
ela franze o cenho, confusa.
— Disse.
— Então por que tá usando o mesmo tom que usa quando fala comigo enquanto voo?
— Porque você parece não entender o que eu digo, tanto como piloto, quanto como
pessoa. Não quero falar sobre o Antony.
— Não precisa ter vergonha de chorar perto de mim.
— Não corro o risco de chorar, Alencar. Só que não quero gastar minha primeira noite
solteira falando sobre meu ex com uma pessoa que eu nem sou amiga. Sem ofensas.
— Não ofendeu — garanto. — Mas então foi recente. Primeira noite solteira?
— Puta merda, você é surdo?
— Não, só tô te provocando mesmo — respondo, rindo.
Porque eu faço isso até mesmo quando estou voando. Sempre obedeço ao que os
controladores mandam, mas quando é essa voz me dando ordens, acabo soltando um comentário
ou outro antes de cumprir o que é mandado, só para conseguir que o tom mandão se torne
impaciente.
Ela revira os olhos, mas não diz nada e eu também não, afinal, como Agatha bem
pontuou, não somos amigos. Entretanto, sem vontade de voltar para o outro lado do balcão,
solto:
— Mas, voltando... Automaticamente...?
Agatha me encara como se eu tivesse enlouquecido.
— Quê?
— Você estava dizendo sobre como as coisas são fáceis pra nós, pilotos.
— Ah é. — Entendimento cruza suas feições. — Vocês chegam, sorriem, dizem que são
pilotos, piscam e, automaticamente, as calcinhas caem e as pernas se abrem.
— Então se eu fizer tudo isso que está dizendo, suas pernas vão se abrir pra mim?
Não sei qual de nós dois se surpreende mais com a pergunta que faço. Eu nem mesmo sei
de onde isso veio, assim como não sei de onde vem a pergunta que ela usa para rebater logo após
umedecer os lábios e me olhar séria.
— Por que você não tenta?
A música ao redor se torna um pouco mais baixa, como se uma bolha de tensão se
formasse ao nosso redor enquanto me arrasto para frente, no banco, diminuindo a distância entre
nós dois.
Sob a luz baixa, noto suas pupilas se dilatando e vejo o movimento de engolir em seco
quando me aproximo um pouco mais, sorrindo enquanto sigo o roteiro que ela acaba de citar.
— Agora eu falo, não é? — pergunto em voz baixa.
— É — sussurra, indecisa entre encarar meus olhos ou minha boca.
— Ei, meu bem, eu sou piloto. — E para concluir, pisco.
— Eu não gosto de pilotos.
— E eu não gosto de controladoras.
Isso deveria ser o motivo para nós nos afastarmos, entretanto, é justamente o oposto que
acontece, porque Agatha, sem aviso, se lança para frente e cola sua boca na minha.
APESAR DE PARECER UM IMPULSO, beijar Lucas Alencar é uma decisão muito bem
pensada.
Essa ideia surgiu em minha mente no segundo em que ele apareceu na minha frente e foi
ganhando força à medida que eu não conseguia encontrar nenhum motivo para não transar com
ele.
Não estou acostumada com sexo casual, então não sei como me sentiria caso precisasse
conviver com ele depois que fodêssemos, mas esse argumento se esvaiu por água abaixo quando
me lembrei que em um ano trabalhando no mesmo local, nos vimos menos de cinco vezes, o que
tende a diminuir agora que Antony não é mais um motivo para eu aparecer no hangar.
Além disso, por mais que eu nunca fosse levar isso em frente, caso ainda estivesse
comprometida, desde a primeira vez em que o vi senti uma coisa estranha. Desejo, eu acho.
Parecido com o que eu sinto sempre que vejo aquele cantor, Zach Thorne, na TV. O desejo por
uma pessoa inalcançável, exceto que Lucas está aqui, bem ao alcance da mão.
Ou melhor, da boca.
Então, para acompanhar minha primeira tatuagem, me lanço em mais uma primeira vez:
sexo casual.
Vai ser uma noite só e amanhã, apesar de saber que posso ouvir sua voz ecoando em
meus ouvidos durante algum voo, sei que não vou precisar conviver com Lucas Alencar, assim
como não precisei no último ano. E como se não bastasse toda essa sequência de pontos
positivos, passar a noite com ele, hoje, significa que não precisarei dormir na cama onde eu fui
traída.
Então eu o beijo.
Seguro seu rosto sentindo a pele mais áspera onde a barba começa a crescer e toco minha
boca na sua, sem entender as descargas elétricas que correm por meu corpo no segundo em que,
ao se recuperar da surpresa do meu avanço, sinto sua língua pedir passagem por entre meus
lábios.
Diferente dos garotos que beijei enquanto ainda era uma adolescente, ele não tem pressa,
nem afobamento. Uma de suas mãos toca a lateral do meu pescoço e avança para os fios em
minha nuca, enquanto a outra circula minha cintura e me puxa para perto, fazendo com que eu
sinta a rigidez de seu peito pressionar o meu.
Lucas me segura com firmeza, confiança e possessividade. É gostoso pra cacete, assim
como ele.
Me ajeito entre suas pernas e, aproveitando que continua sentado e nossa altura fica
próxima, abraço seu pescoço. Brinco com os fios macios e curtos, puxando-os com um pouco
mais de força e solto um gemido baixo quando seus dentes arranham meu lábio inferior.
Lucas ri em minha boca, então trilha beijos por minha bochecha, chegando até minha
orelha.
— Saiba que vou me lembrar desse gemido aqui sempre que ouvir sua voz na minha
cabine, controladora — anuncia em um sussurro baixo que faz toda minha pele se arrepiar.
— Você vai ser o único lembrando de algo, Alencar, porque amanhã isso aqui vai ser
esquecido.
— É o que veremos, Bittencourt — debocha, ainda em meu ouvido, e eu estremeço
quando sua barba curta acaba tocando os traços recém-feitos por Isac.
— Ai!
— O que foi? — pergunta, preocupado, e empurra meu cabelo para longe, examinando o
local. — Um aviãozinho? — Seu sorriso debochado se amplia. — Cadê a história sobre não
gostar de pilotos?
Cretino.
Como se eu também não fosse ligada à aviação.
— Achei que não estivesse aqui como piloto.
— Não preciso estar pra te levar nas nuvens, meu bem. Relaxa e aproveita a viagem.
Sua boca retorna para a minha e eu esqueço até mesmo o comentário que queria fazer
sobre sua arrogância. Me esqueço de onde estamos, de quem somos e de toda a raiva que senti
mais cedo. Me esqueço que preciso planejar o que fazer da minha vida, agora que ela foi virada
de cabeça para baixo.
Eu me esqueço e... Eu não quero lembrar.
Não agora.
Não enquanto sua língua se enrosca na minha. Exigindo. Tomando. Provocando.
Não enquanto seu corpo pressiona o meu.
Não enquanto estou agindo como a Agatha que faz o que quer, sem se importar com o
que outras pessoas podem dizer ou pensar.
Vai ser apenas uma vez e eu quero aproveitar, por isso, em meio ao beijo, peço:
— Me leva pra sua casa.
Lucas afasta o rosto para me encarar, os olhos cinzentos parecendo negros e eu não sei se
tem a ver com a baixa luminosidade ou com o tesão que reflete o meu.
— Tem certeza? — pergunta de maneira suave, diferente do aperto que mantém em
minha cintura.
— Você não tem?
Ele ri, balançando a cabeça, descrente.
— Não foi eu quem terminou um relacionamento longo hoje, meu bem. Não quero que se
sinta mal por fazer algo precipitado.
Sua preocupação me pega desprevenida e sinto quando meu queixo despenca. Não
conheço nenhuma história que diga que ele é um babaca e tirando a cara de quem não vale nada,
não sei nada sobre a forma como ele age com mulheres, mas não vou dizer que esperava esse
tipo de pergunta enquanto sinto seu pau tão duro contra mim, sua excitação evidente.
— Tenho certeza — garanto, mas ele não se move, ainda me encarando enquanto parece
buscar por qualquer indício de que não estou sendo honesta, até que sua expressão relaxa, seu
sorriso volta e ele toca a boca na minha mais uma vez.
— Então vamos.
Deixo que seus dedos se entrelacem nos meus enquanto sou guiada para fora do bar, mas
no segundo em que o Honda Civic branco pisca os faróis, indicando o destravamento da porta,
congelo no lugar.
— Mudando de ideia? — Lucas me encara.
— Ninguém sabe que tô aqui nem que tô indo pra sua casa.
Ele ergue a sobrancelha, a diversão surgindo em suas feições.
— E?
— E que isso é perigoso.
— Tem razão. Exceto pela parte que você sabe quem eu sou.
— Acha que saber seu nome e sua profissão é o bastante pra me fazer confiar em você?
— Não. Mas acho que mereço essa confiança.
— Ah é? — Ergo a sobrancelha. — E por quê?
— Porque eu confio em você sempre que faço o que manda enquanto voo. Todos os dias
eu deixo minha vida nas suas mãos, meu bem. Por essa noite, deixa o seu corpo nas minhas.
Espero alguma sensação de que estou cometendo um erro. Espero algum aviso da minha
consciência me dizendo para voltar para o bar ou então para casa. Espero que algum sinal divino
me mostre que não deveria passar pela porta do carro que ele segura aberta para mim.
Mas, francamente, mesmo que tudo isso acontecesse, enquanto ainda consigo sentir os
arrepios que suas provocações roucas me causaram, duvido que mudaria de ideia sobre o que
estou fazendo.
— Bittencourt? — Lucas diz assim que se senta no banco do motorista, seu rosto
iluminado apenas pelo brilho do painel do carro. — Isso é perigoso.
— Entrar no seu carro?
— No meu, não. Nunca te machucaria. Mas outras pessoas, talvez.
— Não que seja da sua conta, mas eu não pretendo fazer isso de novo. Só... — Faço uma
pausa, sem saber se devo ou não ser honesta assim, até que estalo a língua para mim mesma.
Quer saber? Foda-se. — Nunca fiz sexo casual. É só pela experiência. E é bom que seja com
alguém que...
— Você confia? — oferece quando deixo a frase incompleta e eu bufo.
— Não confio em você, mas se for um babaca, posso muito bem garantir que não vai
colocar aquele brinquedo no ar, porque você sabe como é, Alencar... — Tombo a cabeça contra o
banco e lhe lanço uma piscadela. — O céu é de todos, mas o controle é meu.
Ele balança a cabeça lentamente, desaprovando o que digo, apesar de deixar que um
sorriso perverso se forme.
— Que cara é essa? — questiono e ele dá de ombros.
— Tô só tentando imaginar como esse tom mandão vai soar quando perceber que hoje,
controladora, você não vai ter controle nenhum.
TODA A CALMA QUE eu demonstrei para não assustá-la durante nosso beijo do bar
desaparece no instante em que cruzamos a soleira da porta do meu apartamento e nos tornamos
dois desesperados, lutando para nos livrarmos da roupa, mas sem quebrar o contato de nossas
bocas, tropeçando na direção do meu quarto.
— Quer beber alguma coisa? — ofereço, me afastando para passar a camiseta por minha
cabeça enquanto ela faz o mesmo, ficando apenas com o sutiã preto.
Ela bufa e envolve meu pescoço, impulsionando o corpo para cima no segundo em que
volto a agarrar sua bunda e a puxo para meu colo.
— Acha mesmo que eu quero beber alguma coisa, Alencar?
Sorrio e mordo seu queixo, antes de correr a língua pelo pescoço esguio, sentindo o sabor
de sua pele se misturando com o cheiro doce que vem do seu cabelo e então, logo acima da
clavícula, deixo um chupão.
— Você me marcou? — questiona com a voz rouca assim que me afasto para admirar a
mancha arroxeada em sua pele morena.
— Sim. E vou marcar mais — aviso, puxando os fios de sua nuca e trazendo sua boca
para a minha, calando-a.
Garantir que Agatha se lembre de mim amanhã se tornou uma questão de honra depois de
ouvir como ela tinha tanta certeza de que não voltaria a pensar sobre o que estamos fazendo aqui.
Pode ser apenas uma vez. Eu até prefiro que seja, porque mesmo que eles não tenham
uma boa relação, a mulher em meu colo ainda é a irmã mais nova do meu melhor amigo e eu não
sei bem o que Willian pensaria caso descobrisse sobre o que estamos fazendo. Porém, mesmo
que nosso sexo não se repita, faço questão de estar presente em sua memória, pelo menos pelos
próximos dias.
Porque eu sei que é o que vai acontecer comigo, ainda mais se ela continuar me beijando
assim.
Chego até a beirada da cama e a solto sobre o colchão, usando a luz baixa que vem da
janela para conseguir assistir os cachos escuros se espalhando pelo lençol claro.
Definitivamente, a farda camuflada, apesar de não ser capaz de apagar sua beleza, não a
valoriza tanto quanto o cabelo cacheado e a maquiagem sutil. Agatha é uma das garotas mais
lindas que eu já vi e sei que depois de hoje, seu rosto se tornará tão inconfundível quanto sua
voz.
Cubro seu corpo com o meu, apoiando meu peso em um braço enquanto seguro seu
maxilar e ergo seu queixo, permitindo acesso ao pescoço. Alterno beijos, lambidas e mordidas e,
como avisei que faria, deixo mais algumas marcas espalhadas pela pele, o que ela parece gostar
tanto quanto eu, considerando os gemidos que ficam mais frenéticos a cada sugada mais intensa.
Brinco com o fecho frontal do sutiã, provocando-a e sorrindo quando suas unhas
afundam em minhas costas, uma punição silenciosa pela demora.
— Posso?
— Você não disse que eu não controlaria nada hoje? — rebate, mas segura meu rosto e o
puxa para cima. Nossos olhares se conectam com uma intensidade anormal. — Eu sei que tá
preocupado comigo me arrependendo e talvez isso aconteça, mas agora, eu quero isso, então sim,
Alencar, pode tirar minha roupa, porque estou fazendo o que pediu e confiando meu corpo a
você.
Não somos amigos e sei que fodê-la não vai mudar isso, porém, não consigo deixar de
me importar com o fato de que ela acabou um relacionamento hoje. Acho que porque eu gosto de
pensar que, caso fosse Malu ou Nicky passando por isso, também se importariam com as duas.
Mas a certeza em seus olhos esverdeados é o que eu preciso para saber que ela quer tanto quanto
eu, portanto, ao voltar minha boca para a sua, abro o fecho e exponho seus seios, cobrindo-os
logo em seguida com minha mão.
Belisco o mamilo e seu corpo arqueia sob o meu, o gemido baixo sendo abafado por
minha língua, que se enrola na dela.
Quebro o beijo mais uma vez e retorno minha descida, passando pelo maxilar, pescoço,
clavícula, chegando até o bico do peito, mas torturando-a um pouco mais, assoprando-o ao invés
de chupá-lo.
— Lucas! — Ergo meus olhos para sua reclamação e encontro seu olhar fixo em meu
rosto, excitação e impaciência marcando suas feições.
— O quê? — Sorrio, inocente.
— Anda logo.
— Anda logo com o quê?
Ela pisca, sem entender.
— Me diga o que você quer, meu bem.
— Você! — choraminga.
— Como? Me diga o que quer que eu faça com você.
Agatha bufa e ergue o corpo sobre os cotovelos, me olhando como se quisesse me matar,
mas volto a deitá-la com minha mão em seu pescoço, empurrando-a de volta para o colchão.
— Não estou te irritando, Bittencourt. Quero que me diga o que quer porque não sei o
que você gosta. Quer que eu lamba seus peitos? — ofereço e, sustentando seu olhar, passo a
língua pelo mamilo. — Chupe? — sugo-o com força e ela geme, apertando as pernas ao meu
redor enquanto tenta se esfregar em mim. — Quer que eu morda? — Roço os dentes com um
pouco mais de força, sem machucá-la, arrancando um grito surpreso. — Quer que goze em cima
deles?
— Lucas...
— Me diga, Bittencourt. O que quer que eu faça?
— Tudo, Alencar! — esbraveja, agoniada. — Quero tudo o que você acabou de oferecer.
Quero que morda, lamba, chupe e goze neles.
Meu pau pulsa, minhas bolas pesam e eu sei que preciso tomar cuidado com esse tipo de
provocação, ou posso acabar gozando só por ouvir essa voz familiar me dizendo esse tipo de
coisa.
— Com prazer — murmuro e cumpro o que Agatha quer que eu faça, arrancando
gemidos cada vez mais altos conforme mordo o mamilo, então o acalmo com minha língua,
chupando-o logo em seguida.
Ela puxa meu cabelo, arranha minhas costas e usa as pernas ao meu redor para conseguir
se esfregar em meu pau, as camadas de roupa sendo incapazes de ocultar o calor de sua boceta.
Passo um bom tempo ocupado com seus peitos, mas quando me dou por satisfeito tanto
pelos gemidos quanto pelos chupões, continuo meu caminho para baixo.
— Me faça um favor, meu bem — peço, abrindo o botão da calça que envolve suas
pernas. — Diga de novo.
— Que eu quero que goze em meus peitos?
Rio e roço os dentes na pele recém-exposta de seu ventre.
— Pode repetir isso também, se quiser. Mas aquela outra parte.
— Que parte?
— Sobre não cair no meu papo, mas repete enquanto levanta a bunda pra me deixar tirar
sua roupa.
— Cretino.
Sorrio.
— Hipócrita.
Ela sorri de volta.
— Tire a minha roupa, Alencar, e se for tão bom fodendo quanto pensa que é, eu digo o
que quer ouvir.
Aceitando seu desafio, arranco o jeans por suas pernas, puxando também as sandálias de
seus pés pequenos, deixando-a apenas de calcinha sobre minha cama.
— Vem cá — chamo e seguro seus tornozelos, puxando-a para a beirada da cama
enquanto me ajoelho no chão. Deslizo o tecido por suas pernas, mas antes de arremessá-lo para
longe, enquanto encaro seus olhos, trago-o até meu nariz e respiro fundo, inalando seu cheiro.
Péssima escolha.
Uma simples amostra do seu aroma é o bastante para que eu saiba que corro o risco de
não esquecer dessa noite nunca.
Atiro o tecido por cima do ombro, me encaixando entre suas pernas, abraço suas coxas
firmes e pairo sobre a boceta lisa, a umidade evidente mesmo com a pouca luz no quarto.
— Diga como quer — ordeno, rouco.
— Só me chupa. Vou te dizer quando chegar no ponto certo.
Me inclino para baixo, sustentando o olhar escurecido, e para provar que sei o que estou
fazendo, toco a língua em seu clitóris, fazendo-a engasgar e assentir, frenética.
— Aí! Aí, Lucas! — choraminga e agarra meu cabelo, tentando me manter imóvel no
ponto em que provoco.
— Assim?
— É!
— Eu sei — murmuro, convencido e beijo suas coxas. — Mas me deixa te provar antes
de te fazer gozar.
Seu aperto em meu cabelo diminui e eu sugo seu clitóris de maneira suave, mas não
deixo que os tremores em suas pernas se intensifiquem antes de descer um pouco mais e deslizar
minha língua para dentro dela.
— Cacete... — geme baixinho e aperta o tecido do lençol.
É. Cacete.
Ela é deliciosa. Melada. Apertada.
E estou desesperado para fodê-la. Por isso, mesmo que eu pudesse passar o resto da noite
com o rosto enterrado entre suas pernas, decido cortar minha própria tortura e volto para seu
clitóris, deixando que meus dedos se ocupem de sua entrada encharcada.
Sinto seu corpo retesar quando meu indicador a circula.
— Não gosta assim?
— Não gostei das outras vezes — confessa, mantendo os olhos no teto, como se não
quisesse olhar para mim ao dizer isso. — Mas agora... Eu acho que tá gostoso.
— Porque você é apertada, meu bem — explico e retiro a ponta do dedo, voltando-o até a
metade apenas, garantindo que não sinta nada além de prazer. — Ruim? — pergunto e ela nega,
mordendo o lábio inferior. — Prefere só minha boca em você?
— Não. A-assim... — Engole em seco. — Assim tá muito gostoso — choraminga e
rebola em minha mão, fazendo com que eu a penetre mais a cada movimento de seus quadris.
Não volto a chupá-la, apenas a fodendo com meu dedo, sentindo a pressão aumentar
conforme o orgasmo se aproxima. Suas pernas tremem, seu ventre pulsa e os nós dos dedos que
seguram o lençol se tornam brancos. E ela geme.
Agatha fecha os olhos, inclina a cabeça para trás e dá um choramingo alto no instante em
que o êxtase a atinge com força.
Gosto muito mais de sua voz gemendo para mim do que soando mandona enquanto me
dá instruções de voo e eu não tenho a menor dúvida de que me lembrarei desse som sempre que
for ela me controlando.
E eu quero mais, por isso, enquanto sua umidade escorre por meu dedo que ainda está
dentro dela, me inclino para baixo e abocanho seu clitóris, fazendo seu corpo, sensível pelo
orgasmo recente, estremecer.
— Meu Deus! — arfa e impulsiona os quadris, se esfregando em meu rosto. — Assim.
Assim, não para.
Eu não pararia nem se minha vida dependesse disso.
Quero senti-la gozando em minha boca, pedindo por mais enquanto perde a noção do
mundo ao redor.
Os tremores recomeçam, seus sons se tornam mais altos e sua boceta estrangula o dedo
que a fode enquanto aumento a sucção em seu ponto sensível, fazendo-a gritar com o gozo forte,
meu nome ecoando como um mantra, sendo repetido várias e várias vezes enquanto os espasmos
permanecem intensos.
Espero que se acalme, lambendo todo e qualquer vestígio de sua excitação antes de
refazer o caminho até sua boca.
— Lucas?
A moleza em seu rosto me faz dar um riso satisfeito. O pós-orgasmo lhe cai muito bem.
— Oi.
— Como me fez gozar fazendo algo que eu nem gosto?
— Porque quando eu digo que sou bom não é arrogância — murmuro e lambo sua boca.
— É um fato.
Agatha balança a cabeça reprovando o que eu digo, mas sorri e segura meu rosto, se
movendo sob mim. Entendo o que quer fazer e rolo para o lado, arrastando-a para cima enquanto
me deito de costas no colchão.
— Você é arrogante, Alencar — diz, montando em meus quadris, parecendo ainda mais
gostosa enquanto me encara de cima. — Mas não vou negar que também é bom, por isso… —
Ela se inclina até que nossos narizes quase se tocam, os olhos esverdeados presos aos meus. —
Fico feliz de ter caído no seu papo de piloto hoje.
Ela sorri, diabólica, passa os lábios sobre os meus, então desce, seguindo na direção do
meu pau. Seus dentes roçam meu queixo e sinto quando chupa a pele do meu pescoço, mas não
reclamo da marca que eu sei que deixa, afinal, fiz ainda pior com ela.
Agatha beija meu peito, meu abdômen e se detém no cós da calça, me provocando ao
girar o botão entre os dedos.
— O que quer que eu diga pra te fazer colocar meu pau na boca, meu bem? — questiono
após uns minutos de demora, ciente de que pretende fazer comigo o mesmo que fiz com ela.
— Que confesse.
— Confesso. Mas o quê, exatamente?
Ela pode me pedir para dizer o que quiser e eu vou obedecer sem pensar duas vezes, se
isso significar que ela vai me mamar.
— Que pode até não gostar de controladoras, mas que tá ansioso pra que eu chupe você.
Rio.
— E eu preciso confessar isso, Bittencourt? Acha que não tô quase enlouquecendo aqui
enquanto você tá me torturando, garota?
Agatha reflete por alguns segundos, então sorri e assente.
— Isso serve… — Então finalmente abre o botão e puxa minha calça para baixo,
arrastando a cueca, mas congela no instante em que meu pau fica à mostra.
— Aí você me fode, né? Como que não vou ser arrogante enquanto tá olhando pra ele
assim?
Ela parece horrorizada.
— E quer que eu olhe como? Isso daqui é enorme!
— Achou que fosse pequeno?
— Não imaginei que fosse tão grande.
Sorrio.
— Quer dizer que andou imaginando o tamanho do meu pau, Bittencourt?
Suas bochechas se tornam vermelhas e eu me sento, rindo enquanto seguro seu queixo e
forço seus olhos para os meus, impedindo que quebre o contato visual.
— Para de pensar demais. Você é apertada, mas vou ser cuidadoso e caso não caiba, não
tenho o menor problema em passar a noite te fazendo gozar na minha língua, então relaxa.
— Não vai dizer que se Deus fez é porque cabe?
Nego.
— Aposto que nem Ele imaginou que nós dois acabaríamos em uma cama.
Eu, com certeza, não imaginei.
Minhas palavras parecem relaxá-la e Agatha inclina a cabeça para meu toque, antes de
deixar um beijo em minha palma e empurrar meu peito para trás.
— Deita — diz baixo, e eu obedeço, desabando no colchão no segundo em que seus
dedos se fecham ao redor do meu pau.
— Porra, Bittencourt... — exalo, o ar abandonando meu corpo quando a língua quente
circula a glande em um movimento lento, sem pressa.
É perceptível que ela não tem prática, engasgando antes mesmo de chegar até a metade,
mas ainda assim, é um dos melhores boquetes que já ganhei. Sua saliva escorre por meu pau,
minhas bolas e seus dedos e a cada vez que toco o fundo de sua garganta, preciso me concentrar
para não gozar antes de fodê-la.
Acontece que esse tormento não facilita minha vida, então, quando seus dedos começam
a subir e descer pelo comprimento, seguro seu cabelo e afasto sua boca de mim.
— Vem aqui — peço e a beijo, segurando seu joelho e a guiando de volta para cima de
meus quadris.
Agatha abraça minha cabeça, os dedos brincando com meu cabelo enquanto cola o peito
no meu, a boceta quente e melada pressionando o comprimento do meu pau. Ela rebola, se
esfregando para cima e para baixo, sua excitação e saliva se misturando e encharcando meu
pênis.
Geme quando mordo seu lábio inferior e ainda com nossas bocas unidas, me inclino para
alcançar a gaveta, pegando alguns preservativos.
— Você vai guiar, tudo bem? — digo, desenrolando a camisinha ao meu redor e me
posicionando em sua entrada.
Ela não esconde a preocupação e eu não a julgo. Se sentia desconforto até com um dedo
a penetrando, sei que não posso ser bruto sem machucá-la. Preciso que se acostume com meu
tamanho antes.
Abaixo a cabeça, puxando o mamilo em minha boca e automaticamente sinto seu corpo
relaxar em cima de mim, permitindo que a glande a penetre. Em uníssono, gememos. Um
gemido que se repete várias e várias vezes conforme seus quadris descem, me levando mais
fundo, até que ela enterra o rosto em meu pescoço, cola os lábios em meu ouvido e com uma voz
que, ao mesmo tempo soa familiar também se parece irreconhecível, pede:
— Me fode, Lucas.
Circulo sua cintura e volto a nos girar, dessa vez apoiando suas costas contra a cama,
ainda mantendo o pau dentro dela.
Começo devagar, saindo e voltando, analisando suas expressões que não demonstram
nada além de prazer, os gemidos baixinhos me incentivando a aumentar a velocidade até que
sinto seu corpo me receber sem problemas.
Só então realmente a fodo.
Nossos corpos se chocam, nossos gemidos se combinam e nossos suores se misturam.
É forte, duro, intenso e eu perco a noção de tudo ao redor enquanto sinto as unhas de
Agatha afundarem em minhas costas ao mesmo tempo em que chama meu nome, gozando. Sua
boceta aperta meu pau e eu a sigo, enchendo o preservativo de porra.
Tentando acalmar a respiração, permaneço sobre ela, seu suor deixando o cheiro de seu
pescoço ainda mais gostoso, principalmente com os chupões que enfeitam sua pele.
— Achei que fosse gozar nos meus peitos — comenta, tão ofegante quanto eu.
— Vou. Na próxima.
— Próxima?
— É. Não acha que eu já acabei com você, não é, Bittencourt?
INCAPAZ DE ABRIR OS OLHOS após a noite maldormida, ignoro a vibração de meu
celular, me aconchegando no colchão e mantendo os olhos fechados. Sei que não trabalho hoje,
então não há urgência alguma em ver o que é a notificação.
Exceto que o aparelho vibra mais uma, duas, três, quatro, cinco vezes.
Talvez haja urgência, afinal.
Aliviada por Lucas permanecer imóvel ao meu lado, pego o celular debaixo do
travesseiro e pisco, atordoada, tentando entender as diversas notificações do meu banco.
Ainda sem vontade de lidar com qualquer reação que eu possa ter ao assimilar o que eu e
ele fizemos ontem à noite, tomo o máximo de cuidado possível para sair da cama sem acordá-lo
e sigo para o banheiro, clicando na primeira notificação.
Congelo antes de fechar a porta, sem acreditar no que meus olhos estão vendo.
Não tem a menor possibilidade de isso ser verdade.
Eu me recuso a acreditar que um ser humano é capaz de descer a esse ponto, mas quando
toco na segunda notificação, entendo que meu ex parece ser.
São transferências. Dezenas de PIX de um centavo de Antony para conseguir falar
comigo após eu ter bloqueado seu número ontem à noite.
E isso me enfurece. Não sei nem mesmo se a pior parte é o fato de que esse maldito não
respeita a minha vontade e está forçando uma forma de conversarmos ou se tem a ver com o fato
de que as transferências não são nem de um real! Nem mesmo um milhão de reais compraria
meu perdão, mas um centavo chega a parecer uma brincadeira de mau gosto.
Como eu bloqueio uma pessoa de me enviar PIX, porra?!
Ainda sem conseguir acreditar no que estou vendo, passo os olhos pelas mensagens, sem
dar muita atenção para quaisquer que sejam suas justificativas referentes ao par de galhos sobre
minha cabeça, até que eu chego à última transferência e me coloco em movimento.
Estou voltando para casa pra gente conversar e resolver tudo. Vamos dar um jeito. Eu
amo você.
Porra nenhuma.
Se eu não quero falar com ele, eu não vou falar com ele. E acabou!
E é para garantir que não vou passar nem um mísero segundo sob o mesmo teto desse
maldito que dou meia-volta, agarro as peças de roupa espalhadas pelo apartamento de Alencar e,
sem me despedir, vou embora.
Não tenho tempo para lidar com qualquer tipo de conversa com o homem que passou a
noite me fazendo gozar porque, nesse segundo, preciso me mudar. Não sei para onde, mas eu sei
quem pode me ajudar com isso.
Assim que me enfio no Uber, envio uma mensagem no grupo que tenho com minhas
duas melhores amigas:

A resposta das duas chega logo em seguida. Um aviso de que já estão a caminho.
Solto o corpo contra o banco do carro, relaxando ao saber que mesmo que a pessoa que
deveria ser o meu apoio quando vim para Brasília tenha se mostrado um verdadeiro filho da puta,
eu ainda tenha dois anjos comigo, mesmo que Cecília muitas vezes se pareça muito mais com
um capetinha.
Conheci Bia no dia de seu casamento. Ela quem me convidou porque, se dependesse do
seu noivo, eu não seria chamada.
Mas se ela não me conhecia, por que me chamaria?
Por um motivo bem simples.
Beatriz queria saber mais sobre a família do homem com quem estava se casando, por
isso, decidiu chamar a sua meia-irmã mais nova. Eu. Porque Beatriz Soares, há um ano e meio,
se casou com Willian, meu meio-irmão.
Ele não estava feliz por me ter lá, durante a cerimônia, e eu também não estava morrendo
de alegria por estar presente, mas por algum motivo, permaneci, e isso fez com que, durante a
festa, eu conhecesse a pessoa que se tornou uma espécie de irmã que eu nunca tive.
É de se esperar que Will tenha ficado puto com a nossa amizade, não é?
Pois bem, ele ficou. Mas Beatriz não teve o menor problema em olhar no fundo de seus
olhos e dizer:
— Eu já falei que você deveria procurar terapia pra tratar seus traumas de infância e esse
rancor da irmã que não tem culpa de nada o que aconteceu entre seus pais, mas você acha que é
besteira e eu respeito sua decisão. Não te obrigo, mas não me privo. Não vou ficar presa aos
traumas que você quer ignorar porque eles não são meus. Agatha é minha amiga e eu não vou me
afastar dela.
E ela não se afastou.
Bia, no começo, tentou ser a cola que nos uniria. Marcou alguns jantares, encontros, mas
não demorou muito para que entendesse que eu e meu meio-irmão não desenvolveríamos um
laço familiar porque, para ele, eu sou a responsável por destruir sua família.
A gente não se odeia. Pelo menos, eu não o odeio. Não desejo mal nem nada do tipo, mas
prefiro não estar no mesmo ambiente que ele, assim como é nítido que ele também não gosta de
estar no mesmo ambiente que eu.
Bia entendeu isso, e assim como Willian aceitou que nós duas seríamos próximas, ela
também aceitou que essa proximidade nunca existiria entre eu e seu marido.
De qualquer forma, foi assim que eu me aproximei da morena alta de vinte e oito que
hoje se parece com o anjinho sobre meu ombro.
Enquanto isso, me aproximar de Cecília foi algo mais tranquilo. Ela estava trabalhando
no dia em que cheguei até a base e desde o primeiro momento nós nos demos bem. Assim como
eu, Ciça é controladora de voo, mas já está aqui em Brasília há três anos, então tem bem mais
experiência do que eu. Ela também é casada, mas diferente de Beatriz que vive com uma pessoa
que quase não troco palavras, Cecília teve um gosto melhor e se casou com Fernanda, que é uma
das pessoas mais incríveis do mundo. Ela é aquele tipo de pessoa que sabe falar sobre tudo e
sempre que nos encontramos, passamos horas conversando. Infelizmente, quase nunca a vejo, já
que Fer trabalha como gerente de um clube no centro da cidade e tem se matado com as horas
extras porque as duas estão economizando para comprar um apartamento maior. A kitnet
minúscula em que vivem mal comporta uma pessoa, quem dirá as duas crianças que estão
planejando adotar.
Eu já havia me tornado amiga de Beatriz antes de conhecer Ciça, mas bastou uma
conversa para que eu soubesse que precisava apresentá-las.
E assim nasceram as meninas superpoderosas...
Nos tornamos inseparáveis desde então e tê-las em minha vida é uma das únicas coisas
que faz com que eu não sinta que joguei o último ano fora ao acabar aqui nessa cidade.
Posso ter chegado à Brasília pelos motivos errados, no caso, seguir um imbecil, mas pelo
menos essa decisão me trouxe até as duas que, por mais que me enlouqueçam ao se
personificarem no anjinho e capetinha sobre meus ombros, são minhas melhores amigas.
E também são a ajuda que terei para embalar minhas coisas e sumir desse apartamento
antes que eu veja o mão de vaca que teve a coragem de me enviar PIX de um centavo!
Eu ainda não consigo acreditar nessa porra!
Bato a porta do carro com um pouco mais de força e resmungo um pedido de desculpas
antes de correr para o apartamento.
Dou uma espiada lá dentro, garantindo que Antony não chegou ainda e deixo a porta
aberta para que Bia e Ciça entrem quando aparecerem.
Começo a juntar minhas roupas, ajeitando-as dentro da mala, mas a cada passo apressado
que dou, sinto meu corpo reclamar, mais precisamente minha boceta, porque Lucas acabou com
ela. De uma maneira muito gostosa, mas não muda que agora, enquanto caminho, estou ardida.
Nós transamos a noite toda e se não fosse pelas notificações que chegaram em meu
celular, ainda estaria deitada ao seu lado, recuperando minhas forças porque estou exausta.
Sexo nunca foi capaz de me deixar tão esgotada assim, mas Lucas conseguiu. Ele acabou
comigo.
Eu disse que depois que acabasse, esqueceríamos a noite. Alencar sorriu e duvidou.
Bom, ele estava certo em não acreditar em mim.
Enquanto guardo as coisas dentro das malas sobre a cama, apesar de saber que deveria
gastar meus neurônios tentando pensar em onde vou morar, só consigo pensar... Nele.
Sua voz rouca, seu corpo forte, seu cheiro fresco, sua pele quente.
Porra!
Lucas Alencar está me atormentando exatamente como faz sempre que voa, exceto que
dessa vez, ele está me atormentando de dentro da minha mente. Pelado. Igualzinho estava ontem
enquanto me fodia.
— Meu Deus, amiga, o que foi que aconteceu com seu cabelo? — Cecília pergunta de
trás de mim e eu me viro para respondê-la, mas os dois pares de olhos arregalados em minha
direção me calam.
— Puta que pariu, o que aconteceu?! — Bia quase berra, vindo até mim, apavorada. —
Isso aqui é um chupão?
— Um, Beatriz? — Ciça debocha, também se aproximando. — São uns cem chupões e...
— Ela franze o nariz ao olhar para a ponta de um cacho amassado. — Isso aqui é... Porra? Tem
porra no seu cabelo?
— Provavelmente — respondo e puxo o cabelo para trás, notando os nós que os dedos de
Lucas deixavam cada vez maiores sempre que enterrava os dedos nos fios.
Sabendo que não existe a menor possibilidade de não entrarmos nesse assunto, respiro
fundo e solto:
— Eu transei com o Lucas.
Elas se entreolham.
— Que Lucas? — Beatriz pergunta, atônita.
— O Lucas — a falta de entendimento me faz suspirar. — Lucas Alencar.
— Puta que pariu! — Cecília engasga com a respiração.
— E eu fiz uma tatuagem.
— Caralho!
— Agatha, você não colocou a gente pra fora ontem porque queria dormir? — Assinto.
— Você é sonâmbula, por acaso?
— O Alencar? — Ciça cobre a boca. — O piloto do Jaguar01? O que você sempre rola
os olhos quando decola?
— É, Cecília! Esse Alencar — resmungo. — Gente, eu preciso de ajuda pra embalar as
coisas porque quero sair antes que o Antony chegue, será que podem me ajudar?
— Só depois que explicar o que foi que aconteceu entre as sete horas de ontem e agora.
Olho para Bia, torcendo para que ela me ajude a fugir dos olhos inquisidores de Cecília,
mas seu lado psiquiatra que respeita os limites de cada um não parece estar presente enquanto ela
também espera pela resposta.
— Estar com Antony me privou de muita coisa e ontem, quando acabou, eu decidi ir
atrás disso. Fiz uma tatuagem. Cacheei meu cabelo. E fiz sexo casual. E eu não contei nada disso
pra vocês porque não queria correr o risco de ouvir que não era uma boa ideia. Talvez não fosse,
mas eu... Eu queria fazer. Eu. A Agatha. Sem ligar pra opinião de ninguém. Então, depois que
vocês foram embora, eu saí. Passei a noite no apartamento do Alencar e acordei agora de manhã
com o imbecil do Antony me pedindo perdão através de um monte de PIX de um centavo!
Aquele mão de vaca do caralho! Ele disse que está vindo e que vamos conversar, mas eu não
quero, então será que dá pra vocês me ajudarem a sair daqui? Porque eu não aguento mais fazer
o que eu não quero fazer!
Termino a frase com a voz elevada, o coração batendo rápido e as bochechas quentes.
Não estou brava com elas. Longe disso. Minha irritação é relacionada à situação em que
me encontro.
Estou sendo obrigada a fugir daqui, às pressas, porque meu ex, assim como não respeitou
o nosso relacionamento, não está respeitando minha decisão de não vê-lo.
Como foi que eu passei quase três anos com um cara que consegue ser tóxico a esse
ponto?
— Agatha. — Bia dá um passo para frente, as mãos vindo na direção dos meus ombros,
mas ela se interrompe antes de me tocar, fazendo cara de nojo e recuando mais uma vez.
Rolo os olhos.
— Eu tomei um banho depois de transar. Só que acabou sujando meu cabelo e eu não vi.
— Porque eu estava entretida demais assistindo-o gozar em meus peitos para pensar sobre
segurar os fios para longe.
— Nós vamos te ajudar a juntar suas coisas, mas vamos com calma, tudo bem? Pra onde
você vai?
— Por enquanto, pra um hotel — respondo. — Depois eu decido melhor o que fazer, só
não quero falar com Antony.
Não porque eu acho que posso ceder, caso o veja.
Não porque tenho medo de qualquer reprovação pelas marcas que Lucas deixou em mim.
Não porque acho que possa surtar.
Eu simplesmente quero que meu não seja respeitado.
— Vamos te ajudar, mas só pra você saber... — Bia sorri para mim. — Fico feliz que
tenha feito o que a Agatha queria.
— Não estão irritadas por eu ter mentido que ia dormir só pra colocar vocês pra fora?
— Me sinto um pouco ofendida por você ter pensado que eu não apoiaria uma transa
com um cara igual o Alencar, mas não — Ciça diz e caminha na direção da mala. — Mas você
pode nos recompensar dando detalhes de como foi ficar com uma geladeira Electrolux de duas
portas depois de ter passado três anos com um frigobar xoxo e capenga.
— Quer os detalhes por quê? Você nem gosta de pau — Bia comenta, seguindo para o
banheiro com uma nécessaire em sua mão.
— Não mesmo. Mas não estamos falando de qualquer pau. É o pau do Lucas Alencar.
Rolo os olhos, estalo a língua, mas no final, acabo fofocando sobre algumas coisas da
noite passada, sentindo meu rosto queimar ao me lembrar das provocações, toques e
comentários.
Em algum momento, depois que Bia repete que meu cabelo continua parecido com um
ninho, paro em frente ao espelho e constato que ninho é quase um elogio para o caos que os fios
se encontram e eu acabo deixando que as duas se ocupem de guardar minhas coisas, só para
tomar um banho e conseguir desfazer os nós que a noite passada me deu.
Quando estou vestida, sem porra no cabelo e com tudo o que é meu dentro das malas,
paro na porta do apartamento e espero a tristeza me atingir.
É quando eu me dou conta que nenhum sentimento de perda vai chegar, porque eu passei
pelo “luto” desse namoro antes mesmo que ele acabasse. Meu relacionamento com Antony
morreu antes da traição, mas ser traída foi o que eu precisei para, finalmente, conseguir enterrar
essa relação.
E agora eu consigo.
— Onde você vai? — Ciça questiona, assim que deixo a mala parada na porta e volto
para dentro.
— Fazer com que mais uma coisa vá pro túmulo junto com esse namoro — respondo e
com toda a força que tenho, jogo o PS5 no chão, assistindo-o se estraçalhar.
— Se eu disser que tô orgulhosa, vai ficar puta? — Cecília sorri para Bia, que nega,
retribuindo o sorriso.
— Não, porque eu também tô.
Quando fecho a porta atrás de mim, sinto que compartilho esse sentimento com minhas
amigas.
Também estou orgulhosa de mim.
PRESSIONO O BOTÃO ao lado do manche e digo:
— Torre, boa tarde. Jaguar01, pra pouso.
— Boa tarde, Jaguar01. Autorizado o pouso — a voz masculina responde, acabando
com minhas esperanças de ouvir o tom mandão de Agatha.
Já se passaram cinco dias e desde quando acordei com a cama vazia ao meu lado, não
soube mais nada sobre ela. Não a vi pelo hangar, não ouvi sua voz na fonia[3], nada.
E por algum motivo, isso me incomoda. Desde ter entendido que ela foi embora sem nem
mesmo se despedir, até não saber se ela também pensa naquela noite.
Volto minha atenção para a pista, que se torna cada vez mais próxima, e ergo o nariz da
aeronave, fazendo o trem de pouso traseiro tocar o asfalto antes de encostar a roda da frente,
controlando a velocidade do caça antes de apertar o botão mais uma vez, invadindo a frequência
e dizendo:
— Jaguar01, solo e controlado.
— Ciente, Jaguar01. No solo aos 12[4]. Prossegue até seu hangar.
Obedeço, fazendo o avião se mover pelo pátio e sigo aos sinais que o balizador faz com
os bastões luminosos, estacionando a aeronave.
Quando finalmente corto os motores e o som das turbinas desaparece, sinto meu corpo
ficar ainda mais pesado graças ao cansaço que a missão de três dias em Campo Grande causou.
Só quero pegar minhas coisas no alojamento, chegar em casa, tomar um banho e dormir.
E é o que pretendo fazer assim que salto para a asa do avião e logo para o chão, mas no instante
em que as solas dos meus coturnos tocam o piso, ouço:
— Alencar?
— Fala! — grito de volta, olhando para Marcondes, um dos pilotos de helicópteros do
Esquadrão Lince.
— O Coronel tá esperando você na sala dele — avisa e balança as sobrancelhas,
zombando da notícia que me dá porque todos aqui sabem quão ruim é interagir com o
comandante do quartel.
Francisco Palazzini é, de longe, uma das pessoas mais desagradáveis da face da Terra,
seja como militar, pai ou ser humano.
Como militar, é um imbecil. Usa sua patente para ser grosseiro porque sabe que ninguém
aqui é superior a ele para colocá-lo em seu lugar. Como pai, é relapso. Não consegue nem
mesmo perceber como a filha esconde o que realmente gosta só para não desagradá-lo. E como
ser humano... Bom, eu não o conheço como ser humano, mas não acho que seja muito diferente
do que acabo de citar.
E ele é a última pessoa com quem gostaria de lidar agora, mas como não posso
descumprir a ordem de um superior, faço o que preciso e sigo na direção de sua sala, batendo na
porta.
— Entra!
Respiro fundo e giro a maçaneta, me preparando para tudo o que possa vir, mas no
instante em que empurro a madeira, congelo, porque em nenhum momento esperei ver Agatha
Bittencourt sentada na cadeira em frente à mesa de Palazzini.
E a julgar pela forma como seus olhos se arregalam, me ver aqui também não é o que ela
esperava.
— Ah! Alencar! — o Coronel diz e acena para a cadeira ao lado dela. — Só estava
esperando você pra começar. Sente-se. Não sei se você já conhece, mas essa é a... Qual é mesmo
seu nome?
— Agatha, Coronel. E a gente já se conhece — responde com a voz firme e se coloca em
pé, prestando uma continência para mim. — Boa tarde, tenente Alencar.
Me fode, Lucas.
Ah, puta que pariu!
Eu sabia que acabaria lembrando de seus gemidos quando ouvisse sua voz novamente,
mas não achei que fosse ouvi-la na frente do meu chefe!
Como se flashes me atingissem, recordo do sorriso que ela me lançou na penumbra do
meu quarto, as pupilas dilatadas, o suor cobrindo a pele morena, a textura dos cachos entre meus
dedos.
— Boa tarde, Bittencourt. — Limpo a garganta e retribuo sua continência, antes de me
sentar. — Precisa de alguma coisa, Coronel?
— Sim. Sabem como esse aeroporto foi criado, não sabem? — questiona, e tanto eu
quanto Agatha assentimos.
Há alguns anos, antes mesmo que eu me formasse piloto, os voos militares costumavam
pousar e decolar do aeroporto internacional, o que acabava impactando demais na aviação
comercial, causando atrasos e prejuízos exorbitantes. Por isso, as companhias aéreas que voavam
aqui em Brasília se juntaram e, com a autorização da Força Aérea e do Governo, fundaram um
aeroporto exclusivo para voos militares. O Aeroporto Militar Marechal Antunes.
Eles financiaram a construção de toda a infraestrutura necessária para uma base aérea.
Uma torre de controle de seis andares, onde os controladores ficam. Um prédio
administrativo, no qual os militares que não são ligados à aviação cuidam dos afazeres. Um
alojamento para quem precisa passar a noite aqui que nada mais é do que um prédio com vários
dormitórios. E dois hangares. Um para os caças — Esquadrão Jaguar — e um para os
helicópteros — Esquadrão Lince.
— Pois bem, como agradecimento às companhias, estamos iniciando um programa de
interação entre a aviação comercial e a aviação militar — diz, mas basta um olhar trocado com
Agatha para que eu saiba que ela também não tem a menor ideia do que isso significa. — De
maneira sucinta, vamos receber representantes das empresas aéreas para que eles venham
conhecer como funciona um aeroporto exclusivamente militar. Tanto a parte da aviação, que será
apresentada por você, Alencar, como a parte do controle de tráfego, que será apresentada por
você, Agatha — explica, gesticulando entre nós dois. — Há um roteiro a ser seguido e vocês só
estarão por perto para tirarem dúvidas. Além disso, essas apresentações vão contar na carga
horária de vocês.
Que ótimo. Vou deixar de voar para brincar de recepcionista.
— O Major Souza vai explicar melhor como vai funcionar, mas quis adiantar o assunto,
porque quero saber se posso contar com vocês.
Minha vontade é dizer um sonoro não.
Pelo amor de Deus! Eu sou o líder de um esquadrão de voo! Quando todos os caças daqui
estão voando juntos, eu piloto a aeronave que vai à frente! Não deveria ser cogitado para assumir
a função de apresentar a base para pessoas de fora. Outros militares podem fazer isso. E eu
aposto que Agatha pensa o mesmo. Sua função é controlar voos, não tirar dúvidas.
Mas como tanto eu quanto ela estamos abaixo de Palazzini na cadeia hierárquica, mesmo
querendo negar, fazemos o que todo militar mais moderno faz: acata ordens, mesmo quando
essas ordens são disfarçadas de pedidos.
— Sim, senhor. — Nossa resposta sai de maneira quase uníssona.
— Ótimo. Então estão dispensados — avisa e gesticula para a porta, nos mandando sair
em um comando silencioso que nós obedecemos de bom grado.
Deixo Agatha passar em minha frente e ao ver o traço da tatuagem atrás de sua orelha,
sorrio, mas não tenho tempo de dizer nada, porque antes que feche a porta, ela já está
caminhando apressada para longe de mim, fugindo, exatamente como fugiu de minha cama, mas
é interrompida no instante em que Antony, um dos mecânicos daqui e seu ex-namorado, surge
em sua frente, fazendo com que todo seu corpo retese.
— Amor...
— Não. — Agatha dá um passo para trás, se esquivando das mãos que ele ergue para seu
rosto.
— Me deixa explicar. Aquilo... Aquilo foi um erro.
Ela bufa um riso.
— Traição não é erro. É escolha. Você escolheu.
Então esse é o motivo do término.
Bom, Antony é um imbecil. Primeiro porque traição é algo nojento e segundo porque eu
tive uma amostra do que ele perdeu. Ele, com certeza, foi um imbecil.
— Eu sei, mas, amor...
Ele avança mais uma vez e ela volta a recuar.
— Para de me chamar assim e para de tentar chegar perto. Já disse que não quero falar,
ver ou estar com você — diz, ríspida.
Antony dá mais um passo e isso me irrita pra caralho, o que faz com que eu desista de
assistir e me intrometa, antes mesmo que ela consiga se afastar novamente.
— Tá desenvolvendo problemas de audição, Antony? Não entendeu que ela disse que
não quer? — questiono, parando ao lado de Agatha, encarando-o com a expressão séria.
— O senhor precisa de alguma coisa?
— Sim. Que saía de perto dela. — Antes que eu tenha que te tirar daí.
— Tenente, com todo respeito, esse assunto é pessoal entre eu e a minha mulher.
Rio.
Se ele soubesse o quanto “sua mulher” gozou enquanto quicava no meu pau há algumas
noites não encheria o peito para chamá-la assim.
Mas, por mais que eu tenha vontade de lhe dizer exatamente isso, não quero que o que
aconteceu entre nós se torne uma fofoca aqui no trabalho, então decido seguir por outro caminho.
— Trate seus assuntos pessoais fora do seu horário de trabalho, sargento. Agora, vá
conferir os freios do Zero Um[5].
Eu me sinto o próprio Palazzini agindo assim, mas não me importo em ser babaca com
um cara que além de trair a namorada, tenta se aproximar mesmo que ela deixe claro que não o
quer por perto.
— Tenente...
Ergo a sobrancelha e cruzo os braços, encarando-o.
— Preciso ser mais claro que é uma ordem? Vá conferir os freios do Zero Um — repito
pausadamente.
Ele aperta o maxilar com força e antes de cumprir o que estou mandando, olha para a
garota ao meu lado, que o encara com frieza.
— A gente pode resolver isso. É só você querer.
Ela respira fundo e, sem me olhar, diz:
— Perdão pelo palavreado, tenente, mas Antony, na boa mesmo? — Ela balança a
cabeça, descrente. — Vai pra puta que te pariu, seu cuzão! — esbraveja e lhe mostra o dedo do
meio.
SAIO DO HANGAR sentindo meu sangue ferver e espero que Antony não tente chegar perto de
mim porque eu juro que vou chutar o saco desse infeliz!
Em que porra de mundo esse cara vive?
Ele me traiu. Eu descobri. Acabou.
Não adianta tentar falar comigo porque eu estou pouco me fodendo para as suas
desculpas!
O arrependimento é para todos, mas o perdão não.
E mesmo que eu o perdoasse, nunca, sob hipótese alguma, eu o deixaria se manter na
minha vida, ainda mais agora que consigo perceber quão mal sua presença me fez.
E como se não bastasse isso tudo, ainda tem o outro ponto que está deixando meu sangue
ferver, mas... Por outro motivo.
Vou trabalhar com Lucas.
O cara com quem transei, pensando que quase não o veria mais, agora vai ser a pessoa
com quem vou trabalhar nesse maldito projeto de interação!
Não sei lidar com sexo casual, cacete! Não acho que saiba agir naturalmente ao lado dele,
ainda mais sabendo que sorri quando sua correntinha bateu em meu rosto, que gemi ao ganhar
um tapa na bochecha e que pedi por mais quando ele diminuiu a velocidade para me provocar.
Eu agi como uma puta, na cama, porque pensei que não precisaria enfrentar quaisquer
possíveis olhares de julgamento, mas agora todo meu plano foi por água abaixo! Vou estar ao
lado de Alencar e da mesma forma como me lembrei de tudo o que fizemos, ele pode se lembrar.
E me julgar!
Não que seu julgamento impacte muito na vida, ainda mais nas atuais circunstâncias em
que me encontro de viver em um hotel por não ter onde morar, mas ainda assim, gostaria de não
vê-lo com frequência.
Ai, ai, Peter Pan... Era só ter feito uma passada na janela do meu quarto e você
impediria tudo isso.
Pelo menos na Terra do Nunca eu teria um lugar para viver, já que aqui em Brasília isso
está impossível.
Beatriz continua com a maluquice de achar que vou aceitar viver sob o mesmo teto que
Willian, mas felizmente Cecília já entendeu que é inviável colocar mais um adulto na kitnet onde
mora com Fernanda.
Enquanto espero que Bia caia em si, continuo vasculhando todos os sites que encontro,
diminuindo meus critérios cada vez mais na busca de um imóvel.
Como pretendo pedir transferência em onze meses, assim que completar o período
mínimo aqui, preciso de algum proprietário que aceite fechar um contrato por menos de um ano.
Além disso, quanto mais próximo do trabalho estiver, melhor. Sem contar que, como vou
recomeçar tudo quando for para Porto Alegre, tenho que economizar, logo, o ideal seria que o
lugar tivesse um pouco de mobília. E ainda, o valor não pode ser alto e a segurança tem que, no
mínimo, garantir que eu não seja assassinada dentro de minha própria casa.
Sabe quantas opções se encaixam nos meus critérios?
Exatamente.
Zero!
Graças à péssima escolha de seguir o cuzão que está dentro do hangar, acabei em Brasília
e os valores daqui são exorbitantes, por isso, já desisti de encontrar algo barato. Próximo ao
trabalho, então, nem se fale. Tudo aqui é longe para cacete! E já até abri mão da segurança
mínima. Acho que posso comprar um spray de pimenta e torcer para que seja o suficiente.
Frustrada e levemente atordoada com a minha situação, esfrego a mão pelo rosto,
encarando a tela do celular só para assistir mais um motorista cancelar a corrida de Uber.
Eu odeio Brasília.
Sei que não é só aqui que essas coisas acontecem, mas é aqui que estão acontecendo
comigo e isso é motivo o suficiente para eu odiar Brasília. Com todas as minhas forças.
— E aí, fujona?
Me sobressalto com a voz de Lucas e ergo a cabeça para ver o mesmo carro em que
entrei há algumas noites parado em minha frente, a diferença é que agora o homem que o dirige
está com o macacão de voo.
— Precisa de uma carona?
— Não, eu já... — Outro motorista cancela a corrida antes que eu termine a frase.
Respiro fundo e nego. — Estou bem. Não se preocupe.
Alencar apoia o braço na porta e me olha com curiosidade. E diversão.
— Posso fazer uma pergunta?
— Se tiver me perguntando como tenente, pode. — Até porque não dá para negar algo a
um superior.
— E se não estiver?
— Então eu prefiro que não pergunte.
Ele sorri.
— Vou aproveitar que nós dois estamos fardados e dizer que estou te perguntando como
tenente, pode ser, sargento?
— Sim, senhor — respondo da maneira mais doce que consigo, mas pelo sorriso que
ganho, sei que nota minha má vontade.
— Está me evitando?
— Não se parece com uma pergunta que um superior faria — alfineto.
— Se esse superior for um cara com quem você transou, parece — rebate. — Está me
evitando, fujona?
— Não — minto, mantendo a voz firme para não entregar minha farsa.
— Então por que foi embora sem se despedir? E por que tá se humilhando com
motoristas de aplicativo ao invés de aceitar minha carona?
Porque estou tentando te evitar, mas pareço estar fazendo um péssimo trabalho.
— Precisava resolver umas coisas e não quis te acordar.
— Então fugiu — conclui e seu sorriso se amplia quando não nego. — Fujona.
— Feri seu ego ao não pedir pra continuar lá? — resmungo, perdendo a paciência.
— Meu ego não se fere com tanta facilidade, meu bem. Se você repetir isso mais umas
duas ou três vezes, talvez ele seja afetado.
Ele está...?
— Não vai acontecer de novo — esclareço enquanto luto contra o calor que sobe por
minhas bochechas.
— Você fugir da minha cama?
— Eu acabar na sua cama.
— Tem certeza? — Sua confiança, apesar de fazê-lo parecer arrogante, também o deixa
ainda mais atraente e isso é irritante.
É irritante como Lucas Alencar consegue ser bonito, ainda mais com o macacão de voo,
óculos aviador e sorriso inabalável.
É irritante que eu, ao olhar para ele, não consiga fazer o que disse que faria e esquecer
aquela noite.
— Absoluta.
— Então não tem por que ter medo de aceitar uma carona minha. Se voltou a ser imune
ao meu papinho de piloto, não precisa se preocupar em entrar no meu carro porque sabe que
dessa vez o destino não é meu quarto.
Me sentindo desafiada, cancelo a solicitação do aplicativo e avanço para a porta do
passageiro.
— Pronto, tenente? — questiono, passando o cinto ao redor do meu corpo. — O senhor
tá satisfeito?
Lucas ri e balança a cabeça, divertido.
— Não fale como se só estivesse seguindo uma ordem porque sei que não foi minha
patente que te fez entrar no carro, meu bem. Não usaria a hierarquia pra conseguir nada de você.
— Mas usaria com Antony — comento e, pela primeira vez no dia, sorrio, sem me
importar em parecer uma filha da puta por ter gostado de ver Alencar falar com ele daquele jeito.
Ele dá de ombros, colocando o carro em movimento.
— Os freios estavam mesmo ruins. Mas fala aí. Qual seu endereço?
Como o nome do hotel sempre aparece nas buscas do aplicativo de carona, não sei nem
mesmo o nome do bairro, então pego o celular para conferir.
— Não sabe onde você mora? — zomba e eu rolo os olhos.
— Não moro lá. Só tô hospedada — explico, ligando o GPS.
— Hospedada?
— É. Por isso eu fugi da sua casa. Pra tirar minhas coisas da casa que dividia com meu ex
porque ele disse que estava voltando. — Só percebo o que estou contando depois de terminar a
frase.
— Ele te traiu e te colocou pra fora?
— Não. Eu avisei que ia sair. Só não parei pra pensar sobre o que viria depois.
— Como assim?
Franzo meu cenho para mim mesma.
— Nada. Não é importante. E nós não somos amigos pra eu ficar reclamando da minha
vida com você.
— Então a gente vai ficar em silêncio até você chegar no hotel? O que vai demorar...
Uma hora? — pergunta, encarando a tela do meu celular que mostra o tempo estimado até lá.
— Não vai julgar nada que eu te contar?
Lucas vira o rosto para mim e mesmo com as lentes em frente dos seus olhos, vejo a
confusão estampada neles.
— Por que eu te julgaria?
— Porque toda vez que lembro que escolhi vir pra Brasília só porque Antony quis, eu me
julgo. Fui burra pra caramba.
Ele reflete um pouco, então dá de ombros.
— Não acho que tenha sido burra. Talvez um pouco emocionada, mas você tinha o quê?
Uns vinte e um anos, quando escolheu a vaga?
— Vinte.
— Então. Você era bem nova. Acho que a opção de ter um apoio pra começar em uma
cidade desconhecida traria um peso na sua decisão.
— E agora esse peso mudou pra minha cabeça, onde os chifres nasceram.
Lucas ri e sem que eu perceba, acabo soltando:
— Eu queria ir pra Porto Alegre, mas acabei vindo pra Brasília. Por ele. E agora eu quero
ir embora daqui.
— Pra não ficar no mesmo lugar que ele?
— Não. Dessa vez, a escolha é por mim. Só por mim.
— Mas precisa completar dois anos antes de ser transferida — acrescenta e eu resmungo
uma concordância. — Falta um ano?
— Onze meses. E é esse o problema. É um tempo muito longo pra ficar em um hotel,
mas é um tempo muito curto pra qualquer contrato de locação daqui.
— E o que você vai fazer?
Rio sem humor, torcendo para não parecer muito histérica, mesmo que eu sinta minha
sanidade indo por água abaixo.
— Não sei. Conhece a esposa de Willian, não conhece? — pergunto e ele assente. — Ela
é minha melhor amiga e...
— A Beatriz?
— É.
— Achei que você e Will não se dessem bem.
— Não nos damos. E é por isso que não posso aceitar quando ela me oferece pra ficar na
casa dela. — Solto mais um riso, sentindo meus ombros pesados.
Lucas fica em silêncio por um tempo, pensativo, mas quando começo a ter certeza de que
ele está me achando a pessoa mais estúpida do mundo por estar enfrentando essas consequências
após ter seguido um cara, ele pergunta:
— E se eu disser que sei de um lugar onde você pode ficar?
— Se for embaixo de alguma ponte, já está anotado nas minhas opções.
Ele sorri.
— Eu acho que é um lugar um pouco melhor que debaixo da ponte, mas talvez você ache
que é pior, ainda mais se continuar querendo me evitar.
Franzo o cenho.
— Como assim?
— Faz um tempo que comecei a pensar sobre me mudar. Só te apresentei meu quarto,
mas o apartamento é grande demais pra uma pessoa só. Uma amiga me deu a ideia de arrumar
alguém pra dividir o lugar porque gosto de lá. É perto do trabalho, seguro, o condomínio é bom.
Meu coração bate de uma maneira estranha. Como se eu estivesse próxima a um infarto.
E eu acho que estou.
Não é possível que ele vai dizer o que eu acho que vai dizer.
— E você pode ficar lá por esses meses.
É. Ele está dizendo.
Lucas Alencar está me convidando para morar com ele e eu... Eu acho que vou aceitar.
— EU SÓ TENHO UMA COISA A DIZER — Nicole diz, jogada sobre o banco de supino
enquanto continuo fazendo flexões.
— Diga.
— Obrigada.
Estico os braços e olho para cima, sem entender.
— Quê?
— Obrigada.
— Pelo quê?
— É a minha trope favorita e vou poder acompanhar ela de pertinho! — diz, eufórica, e
eu, desistindo de tentar decifrar o que quer que esteja passando em sua cabeça, ajoelho e a
encaro.
— Do que é que você tá falando? Exatamente.
— Clichês, Lucas. Tropes! Sabe quando você tá lendo um livro ou vendo um filme e o
casal tem uma diferença grande de idade? — Assinto. — Age gap. Ou quando os dois se
odeiam? Enemies to lovers. Ou quando eles são proibidos um pro outro? Romance proibido. Ou
quando um dos dois faz coisas moralmente duvidosas, como ameaças, morte e essas coisas?
Dark romance. Ou...
Ela continua citando diversos enredos que eu sei que já foram usados dezenas de vezes e
mesmo que eu me atente às suas palavras, não consigo deixar de pensar em como seu pai é
incapaz de ver o quão feliz Nicole fica ao falar sobre isso.
Nicky tem razão ao sentir medo da reação que ele teria.
Não é segredo que o Coronel Palazzini esperava que a única filha seguisse seus passos e
ingressasse na carreira militar. Mas é impossível não ver que ela nasceu para fazer o que faz:
escrever.
E por isso eu dou o maior apoio do mundo para que ela continue. Por isso aceitei a ideia
maluca de tirar sua virgindade. Por isso continuo ouvindo tudo o que ela diz referente aos seus
livros, mesmo sem ter a menor ideia do que ela está falando.
Livros a fazem viva.
E seu pai é incapaz de ver isso. Desde que ela não suje o nome estampado em sua farda,
ele não se importa.
O bom é que Nicole também não. Ela está acostumada a não mostrar quão escandalosa é
sua risada, nem quão longe sua imaginação pode ir, nem o verdadeiro rosto por trás do
pseudônimo de Nicky Rabelo. Desde que ela possa continuar escrevendo, ela está tranquila.
— Esses são exemplos de tropes. Clichês que todos amam. E o meu favorito é o que você
e Agatha vão viver!
Diferente de seu pai, que não tem noção de quão longe sua imaginação pode ir, eu tenho,
por isso a interrompo:
— Ei, ei, ei. Eu e Agatha não vamos viver nada.
— Vão morar juntos!
— E só. Quer dizer, talvez nem isso. Eu ofereci e ela disse que ia pensar.
O que meio que me deixou orgulhoso, porque depois de ouvir como ela abandonou sua
escolha para seguir um cara, esperava que ela tomasse um pouco mais de cuidado antes de se
decidir.
— E você quer que ela aceite?
— Não sei — respondo honestamente. — Vai tirar a liberdade que eu tenho, além de
mudar a rotina dentro da minha própria casa, mas... Não sei, Nicky. Pareceu certo. Além disso,
nós dois ganhamos. Eu não preciso me mudar pra um lugar menor e ela não precisa se preocupar
em arrumar onde ficar só por onze meses.
— Então não tem nada a ver com você querer comer ela de novo?
— Pra alguém que só transou uma vez, você pensa bastante em sexo, né?
— Minha primeira vez foi frustrante demais pra eu tentar outras vezes — responde,
sorrindo com o deboche. — Anda logo e desembucha. Quer ou não quer?
— Quero. Mas... — me apresso em acrescentar, interrompendo a animação que brilha em
seus olhos. — Não acho que vá acontecer.
— Ah não! Lucas, não me fala que você brochou mais uma vez! Puta merda, a gente
precisa dar um jeito de resolver esse seu problema.
Mas que amizade filha da puta que eu arrumei com essa garota!
— O meu problema aconteceu única e exclusivamente quando tentei comer você.
— Se não passou essa vergonha com ela, por que não transariam de novo?
— Porque ela disse que não quer.
— Disse?
— Sim.
— Com todas as letras?
— Sim.
— E você acreditou?
Sorrio.
— Não.
Nicole dá um gritinho e cai deitada sobre o banco de supino, parecendo uma adolescente
animada.
— Obrigada, meu Deus, por me fazer leitora de romance e ainda me dar a oportunidade
de acompanhar isso de perto! — Então ela se senta e arregala os olhos para mim. — Quando
vocês estiverem casados, posso escrever a história de vocês?
Rolo os olhos, voltando a apoiar as mãos no chão para mais uma série de flexões.
— Se esse seu bloqueio passar, pode.
— Caralho, Lucas — resmunga, ofendida. — Que brincadeira pesada. Só por isso, vou te
descrever com pau pequeno e problemas eréteis.
Termino a sequência de flexões, sentindo os músculos queimarem pelo esforço e volto a
me ajoelhar, encarando-a
— Por que você tá arrumada? — questiono, sem entender por que ela está usando salto
alto.
Nicole odeia salto.
— Vou sair — responde, evasiva, e meu lado protetor vem à tona.
Ela é uma adulta, mas é completamente pirada e seu vício em romances bizarros
facilmente a enfiaria em uma relação com algum psicopata maluco.
— Com quem?
— Uma amiga.
Automaticamente, meu cenho se franze, a preocupação se transformando em confusão.
— Que amiga?
— Puta merda, Lucas! Dá pra parecer menos surpreso ao ouvir que tenho um ciclo de
amizade além de você? — Cruza os braços, ofendida.
— Desculpa, Nicky, é que você não é a pessoa mais sociável do mundo.
— Sou sociável. Só não por muito tempo. Minha bateria social só é longa pros meus
personagens — explica. — E eu não tenho muito contato com ela. A gente fica bastante tempo
sem se falar, mas de vez em quando se encontra e é como se nunca tivéssemos nos afastado.
— E por que eu nunca ouvi falar sobre essa amiga?
Ela abre um sorriso, divertida.
— Tá com ciúmes de não ser meu único BFF?
— Não sinto ciúmes. Só tô curioso.
— Não costumo falar muito sobre a nossa amizade.
— Por quê?
— Porque não. — Dá de ombros, atiçando minha curiosidade e me fazendo repassar em
minha cabeça qualquer possível pista que Nicole já possa ter dado sobre essa mulher. Sou
excelente com detalhes e depois de uma rápida vasculhada em minhas memórias, tenho certeza
de que nunca ouvi minha melhor amiga falando nada sobre isso.
— É a Gabriela?
— Que Gabriela?
— Sua assessora.
— É Gabriele — corrige, então nega. — E não, não é a Gabi.
— Quem é, então?
— Por que quer saber?
— Por que não quer me contar? — rebato. — Que porra de segredo todo é esse?
— Ela é uma figura... Pública.
Franzo o cenho.
— Tipo uma celebridade?
— É.
— Quão pública?
Nicole ri, parecendo incrédula, e me olha com uma pontinha de convencimento nos olhos
castanhos.
— Me diz a primeira pessoa que vier na sua cabeça, tá bom? — pede e eu assinto,
apoiando as costas contra a parede enquanto desisto do treino e me concentro no assunto. —
Quem é a primeira pessoa que você pensa quando eu digo o nome Jade?
— Aquela irmã do jogador do Real Madrid — respondo prontamente.
— Tá aí sua resposta. Ela é pública assim.
Levo alguns segundos para processar o que ela está dizendo, mas assim que minha ficha
cai, meu queixo vai junto.
— Você é amiga da Jade Raffiti?!
Não tenho nem um pouco de conhecimento sobre o mundo dos famosos, mas viver nos
dias de hoje e não ter visto o rosto da modelo e atriz estampada por aí é impossível. A irmã mais
nova do atacante do Real Madrid é um ímã para problemas e sempre está no topo dos boatos.
— Sou — Nicky assente. — Eu morei um tempo em Curitiba, quando era mais nova, e
estudei na sala dela — explica. — A gente se tornou amiga, mas meu pai foi transferido pra outra
unidade e a gente acabou se afastando. Acho que depois que me mudei, nós nos vimos... Umas
quatro vezes? Talvez cinco? — Dá de ombros. — Jade sempre está em alguma campanha fora do
país, mas hoje ela tem uma escala aqui em Brasília antes de pegar o voo pra Paris, então nós
vamos almoçar juntas.
Pisco algumas vezes, perplexo com a naturalidade com que diz que é amiga de uma
pessoa tão famosa quanto Jade Rafitti.
— Tá falando sério?
— Sim. Inclusive, já estou atrasada — comenta, estalando a língua e ficando em pé. — A
gente se fala depois?
— Claro. Ainda quero saber como nunca comentou que era amiga dessa mulher. —
Imediatamente, um pensamento me atinge. — Você conhece o irmão dela? — pergunto, fazendo
com que Nicky se interrompa na porta de saída da academia.
Sua postura muda e ela nem mesmo olha por cima do ombro antes de responder:
— Quase nada.
— VOCÊ NÃO PODE RECEITAR um tarja preta pra ela? — Cecília pergunta, sentada ao
lado de Bia enquanto ambas me assistem andar de um lado para o outro pelo quarto do hotel.
— Ela tá tão agitada que eu que tô quase tomando alguma coisa pra me acalmar.
— E se a gente amarrar ela em um lençol?
— Dá pra vocês pararem?! — peço, próxima a um colapso.
— A gente tá parada. Você quem tá quase abrindo um buraco no chão — Cecília acusa.
— Dá pra você contar o que foi que aconteceu?
— O Lucas aconteceu! E ele brigou com o Antony. E a gente vai trabalhar junto.
— Você e o Antony vão trabalhar juntos? — Beatriz arregala os olhos.
— Não. Eu e o Lucas.
— Mas vocês já trabalham juntos. Ele só voa porque você controla.
— Mas dessa vez a gente não vai trabalhar juntos pela fonia, Ciça. Vamos trabalhar
juntos pessoalmente.
— Quê? Mas como? Por quê?
— Porque o Coronel Palazzini mandou.
— Beleza. — Bia fica em pé e vem até mim, antes de segurar meus ombros e me guiar na
direção da cama. — Senta aí e conta tudo o que você fez no dia de hoje, desde acordar até...
— O Lucas me chamou pra morar com ele — cuspo, como se as palavras fossem veneno
em minha boca, porque o que está me deixando mais desorientada dentro da minha própria
cabeça é pensar que eu estou prestes a aceitar essa loucura.
— Como é que é? — Beatriz consegue perguntar enquanto Cecília me encara, em
choque.
Não a julgo. Acho que também me sinto meio em choque desde o segundo em que ele
propôs isso, minutos antes de me deixar na portaria do hotel e ficar esperando que eu entrasse,
para só depois ir embora.
Sem muita certeza se estou conseguindo pensar direito, repasso meu dia, contando desde
o momento em que o telefone tocou com o aviso de que o Coronel Palazzini queria falar comigo,
passando pela notícia de que eu e Lucas trabalharemos juntos nesse projeto, a forma como
Antony tentou se aproximar e foi impedido e, finalmente, a conversa dentro do carro que está me
deixando completamente nervosa.
— Isso é...
— Absurdo — completo por Bia.
— Uma ótima ideia!
— Quê? — Foi a psiquiatra quem enlouqueceu, não é possível. — Como que eu me
mudar para a casa de Lucas Alencar é uma ótima ideia?
— Bom... Considerando que as outras opções englobam ser uma desabrigada, morar na
casa do irmão que não te suporta ou na casa que não cabe nem quem já mora lá, eu também acho
uma ótima ideia — Cecília diz, juntando os fatos que não me deixam pensar em como contra-
argumentar.
É a melhor solução e eu sei disso desde o instante em que ele propôs essa maluquice, mas
ainda assim, é maluquice!
— O que você respondeu? — Bia pergunta e eu dou de ombros, sentindo minha garganta
seca.
— Que ia pensar.
E, assim como pensei naquela noite, antes de beijá-lo, eu não consigo encontrar um único
motivo para não fazer isso. Vai ser bom para todo mundo e mesmo que antes eu tivesse
planejado não me encontrar mais com ele, não é como se o Coronel já não tivesse estragado essa
ideia ao nos juntar nesse mesmo projeto, então conviver com Lucas é algo que vai acontecer. O
que eu nem acho mais que seja um problema, porque enquanto conversávamos no carro, em
nenhum momento me senti desconfortável como achei que pudesse acontecer após o sexo.
Além disso, trabalhamos por escala, portanto, é bem provável que a gente não se
encontre no apartamento. E como ele disse, o espaço é grande. Sem contar que tem tudo o que eu
estava procurando, desde a mobília, até a proximidade com o trabalho.
— E se ele for um psicopata, roubar meus órgãos e depois me matar? — atiro e Cecília
ri.
— Devia ter pensado nisso antes de acabar na casa dele sem avisar ninguém.
— Achei que você me apoiasse!
— Depois que vi que você estava viva e que os únicos estragos estavam no seu pescoço e
no seu cabelo sujo de porra, eu apoiei. Mas foi doideira ir pra casa de um cara sem contar pra
ninguém sobre seu paradeiro, sua descompensada. Não faz mais isso.
Fico em pé, apoiando as duas mãos na cintura.
— “Não faz mais isso” — repito, fazendo aspas com os dedos. — Mas me mudar pra
casa dele é uma ótima ideia?
— Sim. Entre as opções que você tem, é. — Bia acena uma concordância.
— Vocês acham mesmo que eu deveria aceitar? — pergunto, insegura, olhando entre
elas.
— Acho, mas se você não quiser, a gente continua procurando alguma outra opção. Não
precisa fazer o que te deixa desconfortável.
— E esse é o ponto — suspiro. — Por mais que a ideia se pareça muito absurda, eu não
me sinto desconfortável. Mesmo quando ele estava me enchendo o saco, me chamando de
“fujona”, sei lá, não gerou desconforto.
— Por que a gente não dá uma stalkeada nele? Dá pra descobrir muita coisa sobre uma
pessoa pelas redes sociais. — A proposta de Ciça me faz pensar e ela sorri, batendo no colchão.
— Vem, vamos brincar de FBI.
Me sento ao seu lado e, assim como Bia, mantenho a atenção na tela do celular.
— Começando pelo Instagram.
Por mais de uma hora, permanecemos assim, vasculhando a vida de Alencar e graças à
capacidade investigativa de Cecília, descobrimos não só sobre ele, como também sobre as
pessoas próximas a ele.
Lucas tem uma irmã mais velha chamada Maria Luiza[6]. Ela é casada com Leonardo
Fonseca, ambos são médicos e estão esperando um casal de gêmeos, Alice e Pedro. Vivem em
Belo Horizonte e, pelas fotos, são melhores amigos de Maitê e Bruno Rossi[7], que também são
médicos e além da filha, Evelyn, que é idêntica a mãe, também estão esperando um segundo
bebê, Daniel.
Bia surta um pouco quando percebe que Maitê Rossi, na verdade, é Maitê França e, por
longos minutos, eu e Cecília somos submetidas a uma palestra sobre como a família França
compõe a nata da sociedade médica e como o hospital onde eles trabalham, Hospital Lucas
França, é considerado o sonho de todos da área da saúde.
— Cara, eles parecem uma pintura — comenta Ciça, nos mostrando uma foto onde os
quatro caminham pelo corredor de um hospital, Maria Luiza, Maitê e Bruno com uma roupa
azul, enquanto Leonardo está vestido de rosa. — Deus tem mesmo seus preferidos.
— Por que mesmo que a gente tá stalkeando os amigos do Alencar e não ele? —
pergunto, incapaz de negar o que ela diz, mas sabendo que precisamos voltar ao foco principal.
— Porque fofoca pela metade mata o fofoqueiro — responde, mas volta para o perfil
dele. — E porque não tem muito o que falar sobre o Lucas. É gostoso, não tem vergonha de
esconder o quanto é fã da irmã mais velha, gosta de crianças, treina, pilota. Vai em festas, mas
não parece viver disso.
— Então, eu deveria aceitar.
— Você deveria conversar com ele — corrige Bia. — O diálogo é resposta pra noventa
por cento dos problemas.
— Os outros dez por cento são resolvidos no soco. — Pisca Cecília, mais uma vez se
colocando no papel de capetinha, enquanto meu anjinho lhe lança um olhar de reprovação. —
Mas eu apoio uma conversa. Sabe como é. Pactos claros...
— Amizades longas — completo, citando uma frase bastante conhecida no militarismo e
que se encaixa perfeitamente aqui.
Se eu e Lucas conversarmos e acertarmos tudo, não há motivos para termos atritos em
uma possível convivência. São só onze meses, vai ajudar a nós dois e eu aposto que algumas
regrinhas previamente definidas vão garantir que a gente consiga viver sob o mesmo teto.
As meninas vão embora depois de um tempo e assim que tranco a porta do quarto, me
jogo sobre o colchão, encarando o contato de Lucas, que ele me passou antes que fosse embora.
Ele disse que eu podia mandar mensagem, caso quisesse falar sobre isso e, mesmo sem saber
direito o que dizer, é o que eu faço:
Rolo os olhos para o apelido, mas o ignoro.
Sem lhe dar tempo de responder nada, emendo a próxima mensagem.
Me sinto envergonhada com a possibilidade de tê-lo ofendido, porém, eu também me
sinto aliviada. Essa parte está esclarecida entre nós, então acho que só falta uma coisa.
Eu nem mesmo sei de que voz ele está falando, mas aceito.

E é assim que eu sei que, pelos próximos onze meses, viverei junto de Lucas Alencar.
A PRIMEIRA COISA que Agatha diz, no segundo em que abro a porta do apartamento para
que ela entre, é:
— Achei que o combinado fosse usar roupa.
Dou de ombros, sem me importar com as gotas de água que escorrem por meu peito
exposto.
— Tem sorte de eu ter vestido uma bermuda e não ter vindo só de toalha — respondo e
me abaixo, puxando suas malas para dentro antes de lhe dar espaço para passar. — Por que não
pediu pra eu ir te buscar? — pergunto, fechando a porta. — Trouxe tudo sozinha?
— Não. A Beatriz e a Cecília vieram comigo, só não podiam ficar, então pediram pra
dizer que elas sabem onde você mora e que se alguma coisa acontecer comigo, farão pior com
você.
— Diga para não se preocuparem. Vou cuidar direitinho de você, Bittencourt — provoco.
Ela me lança um olhar que indica que nota a malícia em minha voz, mas não faz nenhum
comentário enquanto se afasta de mim e segue pelo apartamento, os olhos atentos ao redor.
— Você é mais organizado do que eu imaginei.
— Você é muito bagunceira? — questiono, percebendo que além de termos transado e
criado uma regra de que não vamos mais fazer isso, não sabemos quase nada um sobre o outro.
— Um pouco — confessa. — Mas só com as minhas coisas, então se não entrar no meu
quarto, não vai ter problemas.
— Se eu entrar no seu quarto, com certeza não vou estar preocupado com a bagunça.
Agatha semicerra os olhos para mim.
— Não quero você no meu quarto — avisa e dou de ombros.
— Sem problemas. Você pode vir pro meu de novo. A gente não precisa alternar os
locais.
— Lucas! Se esqueceu que tem uma regra que diz que você não pode jogar esse papinho
de piloto pra cima de mim?
— Primeiro, não tô dizendo nada referente à minha profissão, então não acho que se
enquadre na categoria “papo de piloto”. Segundo, sou péssimo seguindo regras e acho que você
sabe bem disso.
Porque, apesar de sempre acabar fazendo o que ela manda enquanto estou voando,
sempre quebro uma norma ou outra. Uso expressões que não deveria, resmungo sobre suas
instruções. Nada perigoso, apenas o bastante para me divertir com seu tom autoritário se
tornando irritado.
— Eu sei. Mas também sei que sou ótima em te manter na linha, Alencar.
É. Ela é.
— Fique longe do meu quarto. E não dê em cima de mim. — A voz mandona e familiar
me faz sorrir e eu ergo as palmas.
— Tudo bem, meu bem. Vou ficar longe do seu quarto. Mas se você quiser...
— Tá, se eu quiser, eu vou até o seu. Sei o caminho e tudo. — Rola os olhos e eu rio,
assistindo-a sorrir junto comigo.
Aproveitando o clima leve e querendo mantê-lo assim, pergunto:
— Agora, só pra eu saber o que posso encontrar quando chegar em casa. Você tem
alguma mania?
Agatha pensa um pouco e eu só espero que ela não me diga que gosta de criar animais
peçonhentos e nem de fazer faxina durante a madrugada.
— Não sei se é mania, mas gosto de cozinhar e fazer skincare.
Relaxo. Posso conviver com ela usando o fogão que eu mesmo quase nunca usei e não
vou me importar caso a encontre com o rosto verde.
— E você? Alguma mania?
— Uma só. — Agatha tomba a cabeça, os cachos caindo por seus ombros enquanto ela
espera, sem disfarçar a curiosidade em seus olhos verdes. — Sempre que estou voando durante o
pôr do sol, demoro pra voltar pro chão. Invento desculpas e faço de tudo pra permanecer por lá o
máximo que consigo — confesso.
— Por quê?
— Porque o céu fica ainda mais lindo quando se está perto dele e eu gosto de assistir
coisas bonitas — digo, sem desviar os olhos dela.
— Mesmo que pra isso precise colocar sua vida em risco?
— Minha vida não tá em risco, Bittencourt.
— Voar é perigoso.
— Voar é libertador — corrijo. — Algum dia, vou te levar pra voar comigo e vou provar
o que estou dizendo.
Ela bufa um riso, balançando a cabeça.
— Isso não vai acontecer nunca.
— É um desafio?
— Não. É um fato — afirma, convicta.
— Acha que eu piloto mal?
— Ninguém acha que você pilota mal. Você é o líder de um dos esquadrões de caça mais
renomados na Força Aérea, Alencar. É claro que não pilota mal e todo mundo sabe disso.
— Está me elogiando, controladora? — provoco e, mais uma vez, ela rola os olhos.
— Como se você precisasse de elogios. Você é bom voando. Só não é bom seguindo
instruções.
— Então qual o problema?
— Eu tenho medo de voar — responde.
Um chute no saco me surpreenderia menos e sei que isso fica nítido quando meu queixo
cai.
— Como assim você tem medo de voar?!
— Não sei. Só tenho medo. — Dá de ombros, indiferente.
— É medo de altura?
— Não. Não tem a ver com a altura. Tem a ver comigo não estando conectada com o
chão.
— Mas essa é a graça!
— Esse é o perigo — corrige e eu balanço a cabeça mais uma vez, descrente. — Que foi?
— Tô tentando entender como que uma controladora de voo tem medo de voar!
Sua expressão se fecha e ela cruza os braços.
— Pra fazer o meu trabalho, eu não preciso estar no ar. Preciso estar no chão, vigiando
um monte de gente que é seguro demais de si mesmo.
— Talvez, meu bem, eu só esteja tão seguro assim de mim porque confio na voz que
garante minha segurança lá em cima — rebato, notando seu rosto corar diante do comentário. —
E esteja ciente, Bittencourt. Algum dia, você vai voar comigo e vou mudar sua cabeça.
Ela abre um sorriso zombeteiro.
— Nos seus sonhos, Alencar.
Incapaz de perder a oportunidade, dou um passo à frente, me aproximando, e sorrio ao
sentir seus olhos vagarem para meu peito, apenas por um milésimo de segundo, antes de
retornarem para meu rosto.
— Por mais que eu goste de voar, Agatha, se você estiver no sonho, aposto que não é
isso que estaremos fazendo.
Seu sorriso vacila, suas pupilas dilatam e ela engole em seco, mas antes que possa
reclamar sobre eu estar usando meu “papinho de piloto”, digo:
— Vem, vou mostrar seu quarto.
Carrego as malas e dou mais algumas explicações sobre as coisas aqui de casa, repetindo
que ela tem total liberdade, afinal, agora ela mora aqui, mas antes que possa me virar e sair para
deixá-la arrumar suas coisas, sua voz me para:
— Lucas?
Já notei que ela prefere usar meu sobrenome para falar comigo, o que é bem irritante. Sua
voz soa melhor dizendo “Lucas” do que “Alencar”.
— Que foi?
— Obrigada.
— Por?
— Oferecer que eu ficasse aqui.
— Disponha, meu bem. — Sorrio, sem conseguir olhar para longe de seu rosto. — Se
precisar de alguma coisa, me avisa.
Fecho a porta, dando-lhe privacidade.
Não posso imaginar o que ela está sentindo ao se mudar para a casa de um cara que mal
conhece, mas não quero que se sinta desconfortável. E esse é um dos motivos pelos quais não
estou freando as piadinhas relacionadas a sexo. Nós transamos e seria fácil ignorar se não
estivéssemos vivendo sob o mesmo teto, mas estamos, então é melhor que a gente encare isso de
maneira tranquila.
Sigo na direção do meu quarto, mas não tenho tempo de tocar a maçaneta antes que a
campainha soe.
— E aí? O que você tem pra me falar sobre... — Cubro a boca de Nicole, interrompendo
a pergunta que eu já sei que ela vai fazer antes mesmo que eu termine de abrir a porta.
— Quietinha — digo, arregalando os olhos assim como os dela.
Espero que assinta e só então tiro a mão da frente de sua boca que, no segundo que está
livre, volta a se abrir:
— Ela chegou?! — apesar de estar sussurrando, ela parece prestes a gritar enquanto
saltita. — Me apresenta ela!
— Agora não.
— Qual é, Lucas?! Nós seremos melhores amigas e eu vou ser a madrinha de casamento
dela ao invés da sua e... — Volto a cobrir sua boca, impedindo que Agatha ouça qualquer uma
dessas loucuras.
Estou acostumado com minha melhor amiga dizendo coisas absurdas, mas Bittencourt
não está. Ela já criou uma regra que diz que não vamos transar de novo, não quero nem pensar
em como reagiria ao ouvir que tem gente planejando o “nosso casamento”.
— Fala baixo, sua escandalosa — sibilo e espero que assinta mais uma vez antes de
soltá-la.
— Me apresenta ela!
— Não.
— Por quê?
— Porque ela já tá passando por uma situação complicada de vir morar na casa de um
desconhecido. Acha que ela precisa de uma maluca falando sobre como nós vamos nos casar, ter
dois filhos e um cachorro?
— Quatro filhos — corrige. — Você tem cara de pai de família grande.
Dou-lhe meu melhor olhar de “isso é sério?”, e Nicky bufa, mas assente.
— Tudo bem, você tem um ponto. Mas eu ainda quero conhecer ela.
— Quando ela ficar mais confortável aqui.
— Tão bonitinho você sendo protetor com ela. — Sorri e belisca minha bochecha.
Empurro sua mão para longe.
— Veio aqui só pra isso? — pergunto, tentando mudar de assunto.
— Não. Também vim te contar que eu vou viajar com a Jade.
Levo uns segundos para reagir a essa informação, primeiro porque ainda é absurdo saber
que Nicole é amiga de uma pessoa tão famosa como essa garota e segundo porque, além de
animada, Nicky também parece... Insegura.
— E você quer ir?
O suspiro pesado que abandona seu corpo me diz que a resposta é um pouco mais
profunda do que “sim” ou “não”.
— Vou pegar uma camiseta e a gente sai — respondo em seu lugar, e ela sorri,
assentindo.
Penso sobre avisar Agatha que estou saindo, mas não quero que ela pense que tem que
me avisar caso saia, então decido não atrapalhar sua organização e apenas sigo com Nicole para a
cafeteria aqui de perto.
— O que tá acontecendo? — pergunto, assim que uma caneca de café imensa acaba na
frente de Nicky. — Você não quer ir? O almoço foi estranho? Ela foi estranha?
— Não. A Jade é... Ela é incrível, Lucas. Sempre foi.
— Por que nunca falou que é tão próxima dela?
— Porque você é homem e homens não conseguem pensar direito quando o assunto é
Jade Raffiti. Igual agora. Você tá fugindo do que importa. Me conta sobre a Agatha! Eu nem
sabia que ela já estava se mudando!
— Vou te contar, mas primeiro: Você conhece o Xavier? — Não sou fanático por
futebol, mas entendo o bastante para saber que ele é uma lenda.
Acontece que no segundo em que faço essa pergunta, a expressão de Nicky escurece e a
animação que ela demonstrou ao me perguntar sobre minha nova colega de apartamento
desaparece.
— Quase nada. O Vi era legal comigo quando a gente era mais novo, só que depois que
eu me mudei nunca mais falei com ele, então não dá pra dizer que conheço, mas sim, já
conversamos algumas vezes.
Não há dúvidas de que falar sobre isso a incomoda e, por mais que eu queira descobrir o
motivo, decido lhe dar o que ela quer e falo sobre Agatha.
— A gente conversou ontem à noite, pra decidir como as coisas vão funcionar.
— É? — Seus olhos brilham e ela se ajeita na cadeira, voltando a se animar. — E como
vão funcionar? Sexo em todas as superfícies? Assistir filmes juntinhos? Dormir de conchinha?
Dizer...
— Você precisa parar de ler um pouco — interrompo-a e Nicole bufa.
— Como se isso fosse acontecer. Fala logo, o que foi decidido?
— A gente criou regras de boa convivência.
— Que tipo de regras?
— A primeira é a que bota um ponto final nesse seu sonho de que nós dois viveremos um
romance: não vamos transar.
Espero que minha melhor amiga entenda o que isso significa e perca o brilho empolgado,
mas minhas palavras têm o efeito contrário e Nicky dá um gritinho eufórico.
— Foi isso que eu pedi, sim! — Bate palmas, sem se importar com os olhares que se
viram em sua direção. — Meu Deus, Lucas, vocês estão saindo melhor que a encomenda!
— Tá feliz com isso?
— Claro que sim! — diz, como se minha pergunta fosse ridícula. — Sempre que têm
regras é melhor, porque o sabor de ver as regras sendo quebradas... — suspira, dramática, se
esparramando na cadeira e sorrindo. — Eu não acredito que vou ver isso de perto.
— Ou não, já que está indo viajar — relembro. — Vai pra onde, quando e com quem?
— Às vezes, eu até esqueço que sou filha única com você agindo como um irmão mais
velho — debocha.
— E às vezes eu esqueço que sou o caçula. Anda logo. Desembucha.
— Eu comentei com a Jade sobre meu bloqueio.
— Ela sabe que você escreve? — Pisco, surpreso.
— Aham. Inclusive foi ela que me ajudou a escolher o pseudônimo. Mas enfim, eu
comentei que já faz um tempo que tô bloqueada e ela deu a ideia da gente passar um tempo em
Ilhabela. Acha uma boa ideia eu relaxar.
Cruzo os braços.
— Tenho falado isso há semanas e você me ignora, mas quando é a modelo famosa você
decide até viajar?!
— Não foi a modelo famosa que me chamou pra viajar. Foi minha melhor amiga de
infância. Por isso eu aceitei. Não seja ciumento.
— Não sou ciumento.
— Tá bom. Sei. De qualquer forma, não é agora, então ainda vou poder acompanhar todo
o desenvolvimento desse romance entre vocês dois.
— Não é agora?
— Não. É em julho, que é quando a Jade vai ficar off.
— Por que vai ficar off?
— Não sei. Ela disse que quer se afastar um pouco da mídia. — Dá de ombros. — Ela
não fala muito, mas eu sei que todos os boatos que fazem sobre ela a abalam. As pessoas
esquecem que celebridades também sentem. Acham que por serem figuras públicas deixam de
ser pessoas.
Há alguns meses, Nicky passou por uma fase ruim. Apesar de usar o pseudônimo e não
expor sua imagem, ela costumava saber de tudo o que falam sobre Nicky Rabelo. Um dia
encontrei minha melhor amiga devastada devido a alguns comentários feitos sobre ela e seus
livros. Ela pensou sobre não publicar mais nada. Disse que não deixaria de escrever porque era o
que mantinha sua sanidade, mas que não iria mais expor suas histórias.
Eu não tinha ideia do que dizer. Não sabia como fazê-la se sentir melhor com o que
estava acontecendo, mas por sorte, sua assessora soube.
Gabriela — ou Gabriele, nunca tenho certeza —, acabou soltando a informação de que
Nicky Rabelo estava encerrando a carreira e as centenas de leitores de Nicole fizeram com que
ela mudasse de ideia através de mensagens, e-mails e vídeos.
Quando me contou que havia voltado atrás da sua decisão, ela me disse:
— O ódio me faz querer partir, mas o amor sempre vai me fazer ficar.
Entretanto, ser amada não impede que ela também seja vítima do ódio gratuito de
algumas pessoas.
— Ou seja, você tem seis meses pra estar usando uma coleira, porque eu preciso assistir
isso de pertinho — conclui e eu apenas rolo meus olhos, ciente de que não adianta discutir sobre
essas ideias absurdas.
DE BRAÇOS CRUZADOS, encaro o refratário com macarrão, tentando entender se minha
atitude será vista como um agradecimento ou uma tentativa de chamar atenção.
Quando fui até o mercadinho aqui de perto e comprei algumas coisas para fazer o jantar,
em momento nenhum pensei em Lucas. Eu só queria cozinhar minha própria comida, ainda mais
depois dos dias que passei no hotel, comendo marmitex, mas, quando medi a porção de macarrão
que colocaria no fogo, não pude deixar de pensar nele e, como um agradecimento por me
oferecer sua casa, fiz o bastante para nós dois.
Mas agora começo a me arrepender porque não quero que pareça que estou tentando
agradá-lo. Também não quero que se sinta forçado a comer só porque eu cozinhei, até porque,
ele pode muito bem já ter se alimentado na rua, afinal, faz horas que ele saiu com a garota que
veio aqui mais cedo.
Não vi seu rosto, mas ouvi a voz animada sendo calada quando Lucas saiu com ela.
Estou prestes a jogar o macarrão fora e deixar que ele se vire com o que quer que queira
comer, ou não, mas antes que possa me mexer, a porta atrás de mim se abre.
Tarde demais.
— Oi! — Lucas cumprimenta e cheira o ar, antes de me olhar, curioso. — Que cheiro é
esse?
— Fiz janta.
— Fez? Com o quê? Não te contei, mas eu e o fogão nos odiamos, então não compro
nada que precise ir ao fogo — comenta e eu assinto.
— Eu percebi. Mas dei um pulo no mercadinho aqui da esquina. E... — Mesmo sem
querer, sinto meu rosto corar. — Não sei se já comeu ou não, nem se tem costume de jantar, mas
fiz um pouco a mais. Caso você queira.
Seus olhos se arregalam em surpresa e Lucas alterna a atenção entre a cozinha e meu
rosto, mas não espero uma resposta antes de acrescentar:
— De qualquer forma, eu tenho algumas coisas pra fazer, então... Bom apetite. Ou não.
Então eu faço jus ao apelido que ele me deu e fujo para meu quarto.
Eu realmente tenho coisas para fazer, além de já ter jantado, mas não quero que minha
presença o force a comer, até porque, não sou nenhuma MasterChef, só gosto de cozinhar. Então,
se eu ficar no meu quarto, ele pode decidir se come ou não, sem se importar em me agradar.
Termino de organizar o armário do banheiro com minhas coisas de skincare e aproveito
para lavar meu rosto e passar o hidratante noturno, antes de me sentar na beirada da cama e pegar
o coturno para engraxar.
Ainda estou espalhando a graxa pelo couro quando um pigarreio atrai minha atenção e eu
ergo os olhos para Lucas, que está encostado no batente da porta.
— Onde você aprendeu a cozinhar tão bem? — pergunta e eu encolho os ombros, sem
interromper o movimento das mãos.
— Com a minha avó. Ela ajudou a me criar.
Ele se torna pensativo e, por longos segundos, sinto que quer perguntar algo, mas não
parece ter certeza, até que solta:
— Se eu for invasivo, não precisa responder, mas... O que aconteceu entre você e
Willian?
— Está sendo invasivo, mas não me importo de contar — respondo, afinal, não é um
segredo. — Só me surpreende que ele não tenha te contado. Vocês não são melhores amigos ou
algo assim?
— Somos — Lucas assente. — Mas só fiquei sabendo que ele tinha uma irmã quando
você estava prestes a chegar aqui, então...
— Meia-irmã — corrijo por hábito, mas suspiro e empurro minha bagunça para o canto,
abrindo espaço na ponta da cama. — Pode sentar, se quiser. A história é meio longa.
Ele ergue a sobrancelha.
— Tá me convidando pro seu quarto?
— Mudei de ideia. Fique em pé aí fora — resmungo, mas ele já está rindo enquanto se
aproxima e, além de sentar ao meu lado, se abaixa e pega o outro coturno, ajeitando-o para
começar a engraxá-lo. — Não precisa fazer isso.
— E você não precisava ter limpado a cozinha além de ter feito jantar. Eu não ajudei lá,
me deixe ajudar aqui — responde. — Vai, me conta.
— Will não gosta muito de mim porque eu nasci de uma traição — digo, sucinta, sem
interromper o movimento circular contra o couro. — João Carlos, meu pai, era casado com
Sônia, tinha um filho pequeno e uma carreira estável como capitão da aeronáutica. Ele era feliz,
mas não foi uma felicidade grande o suficiente pra evitar que, em uma noite, ele saísse e
conhecesse Catarina, minha mãe.
Apesar de não olhar em seu rosto, sinto seu foco sobre mim, toda sua atenção voltada
para minhas palavras.
— Catarina caiu no papo de piloto de João — debocho e encolho os ombros. — E eu fui
concebida. Umas semanas depois, quando minha mãe descobriu a gravidez, procurou pelo
endereço do meu pai e foi até a casa dele, mas quem abriu a porta foi Sônia, com Willian no
colo.
— Merda.
Rio e assinto.
— É. Merda. Foi uma bagunça. Minha mãe contou que tinha gritos, xingamentos, choros,
e o resultado foi: Sônia pediu o divórcio e se mudou de Goiânia pra Brasília, com meu meio-
irmão. Minha mãe decidiu que me criaria com a ajuda dos meus avós. E meu pai... Bom, a vida
dele ruiu. Quando a merda acertou o ventilador, ele não soube lidar e começou a beber. Muito.
Deu trabalho pra Força Aérea e foi exonerado. Isso só fez com que ele bebesse mais. Hoje em
dia ele tá internado em uma clínica de reabilitação no interior de São Paulo.
Chega a ser um pouco cômico a forma leve como as palavras fluem de mim. Pareço estar
contando uma fofoca sobre alguém do meu bairro e não algo que aconteceu na minha própria
família.
— Então você e Willian nunca tiveram contato? Enquanto cresciam?
— Tivemos, mas não muito. No começo, meu pai tentava se manter sóbrio e quando isso
acontecia, ele brincava de ser pai. Pra nós dois. Uma vez, no meu aniversário de sete anos, ele
achou que era uma boa ideia levar Will e eu não sei direito o que aconteceu, mas meu pai deu
uma bronca nele. E eu posso não lembrar de quase nada, mas nunca vou esquecer como Willian,
no meio da festa, disse: “Eu nem sei porque me trouxe aqui. Eu nem queria vir no aniversário da
bastarda.”
Lucas abre a boca, mas logo a fecha, parecendo não saber o que dizer.
— Foi uma das últimas vezes que meu pai tentou forçar nossa proximidade. E mesmo
que isso se pareça uma grande filha da putisse da parte de Will, ele era uma criança — explico,
tentando não afetar a forma como Lucas vê o melhor amigo. — Ele estava repetindo algo que já
havia escutado, então minha mãe nunca deixou que meu pai me levasse em nada que Sônia
fizesse, porque sabia que era assim que eles me viam. O fruto de uma traição.
— Willian era uma criança, mas você também era. Não foi justo com você.
— É, mas nada que umas boas sessões de terapia não resolvessem — brinco, encolhendo
os ombros. — No começo, eu ainda era nova demais pra entender, mas com o tempo, isso passou
a me afetar. Eu não podia deixar de pensar que eu era um erro. Que eu não devia ter nascido.
Já contei essa história antes. Já falei sobre tudo isso com Bia e Ciça, mas nunca me expus
tanto, dando vários detalhes, como estou fazendo com Lucas. Não que eu esperasse que minhas
amigas me julgassem, mas por algum motivo, eu tenho certeza de que ele não vai fazer isso.
— Na terapia, consegui entender que a forma como as coisas aconteceram foi errada,
mas que isso não fazia de mim um erro. Também entendi que não adianta tentar ficar onde não
lhe cabe. E eu não cabia na realidade de Willian. Assim como ele não cabia na minha. Então a
gente cresceu dividindo o mesmo sangue, mas não a mesma vida.
— O que aconteceu com sua mãe e Sônia?
— Eu não tenho contato com a mãe de Will, mas até onde eu sei, ela estava bem. Acho
que a vi, pela última vez, no casamento dele. E a minha mãe tá bem. — Sorrio. — Ela morou em
Goiânia a vida toda, mas há uns anos, depois que meus avós morreram, ela se casou com um cara
chamado Gustavo e, hoje em dia, eles vivem em Recife.
— E você gosta dele?
— Do Gus? — Lucas assente, interessado, e eu dou de ombros. — Gosto. Minha mãe só
casou com ele depois que eu saí de casa, então nunca tive muito contato, mas o pouco que o vi
foi o bastante pra saber que aquele homem beija o chão que ela pisa. E é o que importa. Ela tá
feliz e eu tô feliz por ela.
— Você tem contato com seu pai?
— Tenho. Pouco, mas tenho. Ele ainda tá na clínica e, de vez em quando, pede pra me
ver.
— E você vai?
— Vou. Ele foi um filho da puta e quando eu tiver meus filhos, vou usar meu pai como
um exemplo do que não ser. Mas eu não tenho raiva dele. Acho que, no fundo, eu tenho pena.
Sei lá. Tudo isso é consequência de uma escolha que ele fez, então sei que merece se ferrar,
mas... É meio triste.
Eu tenho algumas memórias boas de quando era pequena. Menos do que uma pessoa
normal tem, mas eu me lembro de quando ele me mostrou um avião de perto pela primeira vez.
Da visita ao zoológico. Do parque próximo de casa e de como eu sempre pedia para balançar
mais alto.
Aquele homem foi um filho da puta traidor, mas ele também foi meu pai em alguns
momentos. E o carinho por essas memórias acaba fazendo com que eu me sinta triste por ver o
estado em que ele chegou.
— Você tá bem? — Lucas pergunta, o tom preocupado fazendo com que eu lhe dê um
sorriso tranquilo ao assentir. — Tem certeza?
Rio.
— Tenho. Eu sei que parece meio pesado, mas eu tô de boa. Agora... Eu te contei sobre
como é não se dar bem com o irmão mais velho, quer me contar sobre como é ter o contrário?
Lucas aceita a mudança de assunto e sua preocupação desaparece no instante em que ele
semicerra os olhos para mim.
— Andou me stalkeando, Bittencourt?
Minhas bochechas queimam e eu sei que ele nota o rubor, mas faço meu melhor para
manter a expressão neutra ao assentir.
— Precisava garantir que não estava vindo pra casa de um psicopata.
— E não pensou nisso antes de vir transar comigo?
— Tá reclamando de eu ter vindo?
— Nunca. Só estou curioso.
— Não pensei em nada. — Dou de ombros, evasiva, e ele sorri, convencido.
— É. Eu também não consegui pensar direito enquanto estava te beijando.
Como é que esse homem consegue ir de preocupado para cafajeste em menos de trinta
segundos? E como é possível que uma frase solta de maneira tão natural possa me afetar tanto?
— Vai me contar sobre a sua irmã ou não?
— Vou, mas não hoje — responde, olhando o relógio em seu punho. — Tenho que ir pra
uma missão amanhã cedo e ainda preciso arrumar minhas coisas, mas... — Lucas ergue meu
coturno que brilha como um espelho. — Aqui está.
— Obrigada pela ajuda.
— Obrigado pelo jantar — diz e se coloca em pé, mas não faz menção de se afastar
enquanto continua me olhando. — Olha, eu vou ficar cinco dias fora e como eu não tive tempo
de fazer uma cópia da chave pra você, vou te deixar com a minha e a gente vai conversando, pra
saber quando eu vou voltar. Vou deixar o carro aqui também, caso queira usar. — Ele fez uma
pausa, refletindo. — Bom, você tem meu número. Pode me mandar mensagem, caso precise de
algo. Ou se quiser me enviar um nude — acrescenta, travesso.
— Ai, pelo amor de Deus! — exclamo e fico em pé, rindo junto com esse idiota. —
Tchau, Alencar. E bom voo.
É a primeira vez que lhe digo isso, mesmo que já tenha perdido as contas de quantas
vezes fui a responsável pela sua decolagem. Quando estou controlando, sigo as regras que dizem
que não posso usar essas expressões na fonia, mas aqui, eu não estou como controladora, apesar
de estar falando com o piloto que, de manhã, estará voando.
— Obrigado, meu bem. Até o regresso. — Pisca, se vira e sai, me deixando com um
sorriso idiota no rosto.
Os dias se passam e ao mesmo tempo em que aproveito a sensação de ter o apartamento
só para mim, também espero que ele volte logo.
Não sei direito por que. Talvez por ter gostado de nossa conversa, talvez por não querer
ficar sozinha com todas suas coisas, talvez porque ele seja uma vista muito agradável. Não sei o
motivo, mas quero que ele volte, por isso, no quinto dia, quando recebo sua mensagem dizendo
que ele deve chegar de noite, sorrio, sentindo a antecipação me atingir.
Só que... Ele não volta.
Com medo de não ouvir a campainha tocar e acabar não abrindo a porta, passo a noite
sem conseguir dormir direito, até que, às cinco da manhã, eu desisto de tentar cair no sono e fico
em pé, conferindo o celular mais uma vez, apenas para reler a mensagem que recebi ontem.

Parece que esse aviso foi enfiado no rabo!


Aposto que ele e essa “amiga” decidiram terminar a noite em outro lugar e o imbecil não
teve nem o trabalho de avisar que não estava vindo. Não que ele tenha que me avisar de nada,
mas pelo menos eu não passaria a noite acordada, preocupada com o risco de deixá-lo trancado
pra fora.
Frustrada, com sono e me sentindo uma idiota por saber que não tenho direito de me
sentir irritada, solto o celular e marcho para o banheiro.
EXISTEM MUITAS FORMAS de começar um dia, mas eu acho que uma das piores é me
deparando com Palazzini e seu olhar de ódio destinado a mim.
E lá vamos nós.
Não são nem seis da manhã. Não faz nem cinco minutos que meus pés tocaram o chão.
Mas aqui está ele, pronto para me dar um esporro que eu sei que não vai ser leve.
— Na minha sala — rosna ao passar por mim, sem dar atenção à continência que presto.
— Agora!
Ignoro a dor de cabeça que o cansaço está trazendo e o sigo, sentindo o corpo pesar com
a exaustão e a tensão que esses cinco dias me causaram, ainda mais quando, no primeiro dia,
quase realizei um pouso forçado[8].
A missão era em Manaus. Estão fazendo uma nova atualização nos radares e precisavam
de diversos tipos de aviões lá para calibrarem a visualização. Havia aeronaves que voam baixo,
alto, rápido, devagar. E, a princípio, os voos seriam distribuídos ao longo de cinco dias. Mas
quando estava prestes a fazer meu primeiro pouso no aeroporto de lá, assim que as rodas tocaram
a pista, notei que havia algo errado com os freios e, sabendo que não conseguiria parar a tempo,
dei potência no motor, voltando a subir.
Eu não tinha combustível para tentar alguma solução durante o voo, então, usando minha
experiência com o caça, consegui usar o vento ao meu favor para reduzir a velocidade e ao tocar
na pista novamente, freei a aeronave apenas com os mecanismos das asas.
Foi arriscado e, eu tive sorte pelo vento daquele dia ter ajudado, mas eu sabia que não
podia decolar antes que fizessem a manutenção no mecanismo de frenagem. E foi aí que tudo
desandou, porque, como os mecânicos de Manaus não estavam acostumados a lidar com o F-5,
que é a aeronave que piloto, eles levaram um tempo a mais do que o esperado e, ao invés de eu
ter cinco dias para realizar os voos necessários, tive apenas dois.
— Senta. — Palazzini aponta para a cadeira em frente à sua mesa e eu obedeço. — Você
tem alguma explicação, Alencar? Tem como justificar porque é que o meu esquadrão está sendo
motivo de deboche?!
— Não, senhor — respondo, sério.
Apesar de eu não ter conhecimento nenhum sobre o conserto de aeronaves, como líder do
Esquadrão Jaguar, o grupamento dos aviões de caça daqui, é minha responsabilidade cobrar a
equipe de manutenção.
Só espero que Antony tenha uma justificativa muito boa para os freios terem dado
problema, ainda mais após eu ter lhe dado uma ordem para que os conferisse.
— Entende que quando há uma ameaça sobrevoando o território nacional é o nosso
esquadrão que é chamado para cuidar disso?! — Sua voz se eleva e ele quase berra, as veias
saltando em seu pescoço, a pele se tornando vermelha conforme sua ira cresce.
— Entendo, Coronel. Não vai se repetir.
— Eu espero que não, Alencar! Sabe que não vão falar sobre como o Tenente Alencar
não tinha conhecimento de um problema antigo da aeronave, vão dizer que o líder do Esquadrão
Jaguar levou dois dias pra decolar porque não percebeu o quanto seus freios estavam em
péssimo estado! Foi vergonhoso receber a ligação e ouvir: “como você espera que seu
grupamento de voo defenda o espaço aéreo se eles nem conseguem decolar?!”
Ele fala por mais longos minutos e eu sinto minha dor de cabeça piorar até que,
finalmente, parecendo ter aliviado um pouco da sua raiva, ele diz:
— Não deixe que isso se repita.
— Não vou deixar, senhor — garanto e fico em pé, entendo minha deixa para sair dessa
sala.
Estou desesperado por um banho e algumas horas de sono, mas como preciso lidar com
essa situação de Antony e ainda participar da primeira visita do programa de interação com as
companhias, ao invés de ir para casa, sigo para o alojamento.
Tomo um banho, faço a barba e visto o macacão extra que sempre deixo dentro da
mochila, antes de entrar no quarto que costumo usar quando durmo aqui na base. Tiro o
carregador da bolsa e me sento na cama de solteiro enquanto espero que a tela do celular volte a
acender.
Depois de algum tempo, consigo ligar o aparelho e a tela chega a travar com o turbilhão
de mensagens de Nicole.
Merda.
Naquela tarde em que estivemos na cafeteria, Nicky disse que eu deveria deixar o carro
com Agatha, afinal, o apartamento só fica perto do trabalho, mas todo o resto é longe pra cacete.
Ela se ofereceu para me buscar aqui no dia em que eu chegasse e eu aceitei.
Acontece que era para eu ter chegado ontem à noite e, com o celular morto, não pude
avisar do meu atraso.
Ligação perdida.

Ligação perdida.

Ligação perdida.
Suspiro e pressiono o botão para retornar a ligação que, no segundo toque, é atendida.
— Falando diretamente do além? — questiona ela, a voz agitada indicando que já está
acordada faz tempo.
— Foi mal, Nicky. Meu celular descarregou e eu só consegui ligar ele agora. Desculpa
não ter avisado que não precisava vir.
— Pelo menos eu me distraí enquanto pensava que você tinha morrido — debocha. —
Que foi que aconteceu que meu pai quer sua cabeça?
— Já faz uns dias que notei que o freio do caça não tava bom. Falei com o mecânico
responsável e achei que ele tivesse consertado, mas quando tentei pousar em Manaus, vi que
ainda tava uma merda. Como não foi corrigido antes, o problema ficou maior e demorou mais
tempo pra resolverem. E isso atrasou o planejamento, então um dos coronéis de lá ligou pro seu
pai.
— E por que é que ele tá puto com você e não com o mecânico?
Coço a cabeça, procurando um jeito de fazer com que a cadeia de comando militar faça
sentido para Nicky que, apesar de ter crescido com Palazzini, nunca se interessou por isso.
— Imagina que seu pai é o diretor de uma empresa e eu sou o diretor do setor de...
Administração. Se uma das pessoas cometer um erro que gere um prejuízo, ele não vai falar com
a pessoa, vai falar comigo, porque é o meu setor, certo?
— Aham.
— É a mesma coisa. Eu sou o líder do esquadrão, então quando um problema acontece
com ele, eu sou cobrado pra que possa cobrar os responsáveis.
— Então o esporro só tá descendo a escada hierárquica — conclui.
— Exatamente.
— E já falou com seu mecânico?
— Não, tô esperando ele chegar.
Olho no relógio mais uma vez.
— E o meu pai foi muito babaca?
— Nada além do normal. — Dou de ombros. — Mas no fundo ele está certo. Quando
fazemos parte de uma tropa, se um erra, mancha todos. Então eu vou garantir que Antony não
erre mais.
— Tá falando igual o Coronel Palazzini.
— Eu sei. E eu não gosto disso. Mas têm pessoas que só funcionam assim — suspiro e
pressiono os dedos nos olhos. — Porra, eu preciso dormir.
— Que horas vai embora?
— Não sei. Ainda tenho que apresentar a base pra algum representante da JetFly.
— JetFly?
— É. Lembra que comentei sobre aquele programa que estão fazendo com as
companhias?
— O que você vai fazer junto com a Agatha?
É obvio que ela se atentaria apenas a essa informação.
— É, Nicky.
— Espero que essa visita demore. Você pode descansar quando morrer, mas não pode
viver seu romance se não fizer ela se apaixonar por...
— Eu tô cansado demais pra falar sobre essa maluquice — interrompo-a. — E eu tenho
um esporro pra dar, então a gente se fala depois?
— Com certeza. Vou até sua casa conhecer Agatha e receber atualizações.
Eu nem mesmo tento dizer que não terá nenhuma atualização de nada porque, porra, é a
Nicole. Ela vive a fanfic que cria, então apenas concordo antes de me despedir e desligar a
chamada.
Sem me dar tempo de cogitar deitar nessa cama porque sei que não vou conseguir
levantar, fico em pé, fecho o zíper do macacão de voo e confiro a hora mais uma vez.
08h00min.
Como os atrasos de Antony nunca atrapalharam minha vida, sempre fiz vista grossa para
eles. Mas é bom que hoje ele não teste minha paciência com isso.
Acontece que ele testa e enquanto eu espero, parado na porta do hangar, sinto meu
sangue ferver, a irritação crescendo juntamente com a exaustão e eu aposto minha bola esquerda
que o mau humor de minha irmã mais velha não está nem perto do que eu sinto agora.
Não gosto de ser babaca, mas eu sei ser um. E quando vejo Antony passar pelas portas
dos hangares dezessete minutos após o previsto, eu sou.
Seus olhos encontram meu rosto e, cauteloso, ele presta a continência obrigatória,
notando minha expressão severa.
— Tem algum motivo pra ter se atrasado? — questiono, sério, e ele pisca, surpreso com
o tom.
— Foram só... Dezessete minutos, tenente.
— É? — Cruzo os braços. — Acha pouco tempo?
Ainda cauteloso, ele assente.
— Tudo bem, então vamos ver o que você acha de passar dezessete minutos na flexão.
Eu nunca coloquei uma pessoa na flexão porque eu odiava quando me puniam dessa
forma.
No militarismo, existe a punição administrativa que pode custar sua carreira, e existe a
punição disciplinar, que geralmente consiste em flexões, corridas e outras atividades que ajudam
a lembrar que uma das características que um militar deve ter é a disciplina.
E é o que eu faço agora.
Antony leva menos de um segundo para obedecer. A mochila em suas costas é jogada
longe e as palmas tocam o chão do hangar.
— Marcando — aviso e pressiono o cronômetro. — Vamos aproveitar esse tempo pra
refletir sobre o que conversamos um tempo atrás, tudo bem? — digo e cruzo os braços, olhando-
o. — Se lembra que há alguns dias te dei uma ordem?
— Sim, senhor.
— E qual foi?
— Conferir os freios do Zero Um, senhor.
— E você cumpriu essa ordem?
— Eu...
— Você. Cumpriu?
— Não, senhor.
— Eu imaginei que não — respondo e olho para o relógio. Só se passaram três minutos.
— Embaixo. — Antony flexiona os cotovelos, descendo até quase tocar o peito no chão. — Em
cima. — Ele sobe. — Por que não obedeceu?
— Porque achei que fosse apenas uma forma de me tirar de perto de Agatha, tenente.
— O que não deveria ser uma necessidade, porque ela foi clara quando disse que não te
queria perto, não concorda?
Mesmo na flexão, ele ergue o rosto para me olhar, irritado.
— É um comentário como superior? — questiona.
— Não, é um comentário como homem. Quando uma mulher diz que não te quer por
perto, você sai de perto. Embaixo. Em cima. — Olho para o relógio. Só cinco minutos se foram.
— Mas mesmo que o motivo fosse te tirar de perto dela, você não deveria descumprir minha
ordem porque eu fui claro quando mandei conferir os freios do Zero Um. Não fui?
— Sim, senhor.
— Então por que é que a equipe de manutenção de Manaus precisou fazer isso?
Ele não responde.
— Por que é que o esquadrão que você faz parte se tornou motivo de chacota porque uma
das aeronaves não estava em condições de voar?
Nem uma palavra.
— Embaixo. — Ele desce o peito até próximo ao solo. — Ainda temos dez minutos aqui,
então vamos alinhar algumas ideias, tudo bem?
Noto seus braços trêmulos, o suor se formando em sua nuca, o rosto vermelho pelo
esforço.
— Tudo. Bem? — repito ao não ouvir resposta.
— Sim, senhor! — rosna.
— Em cima. Me explique: qual a principal função do Esquadrão Lince? — pergunto, me
referindo aos helicópteros.
— Buscar e resgatar vítimas de acidentes aéreos — responde prontamente.
— E qual a principal função do Esquadrão Jaguar?
— Defender o espaço aéreo.
— Como?
— Interceptando e, se necessário, abatendo aeronaves inimigas.
— Exatamente. — Aceno com a cabeça. — Embaixo. Em cima. Agora, vamos pensar
sobre seus atrasos. Você disse que dezessete minutos é pouco tempo, ainda acha que é?
— Não, senhor.
— Acha que uma pessoa que sofreu um acidente aéreo e precisa ser encontrada vai
concordar que dezessete minutos é pouco?
— Não, senhor.
— Acha que uma aeronave terrorista vai esperar dezessete minutos para que a gente
decole e a derrube antes que ela jogue uma bomba em algum lugar ou recrie o atentado das
Torres Gêmeas?
— Não, senhor!
— O tempo é relativo à situação em que nos encontramos, Antony. Agora, enquanto
estou em pé, não estou achando que esses minutos estão se arrastando. Mas você, que já está
tremendo por estar nessa posição, acha que é uma eternidade. Embaixo. Em cima. Da próxima
vez que eu ver que se atrasou, vou ficar na flexão com você e só vou deixar você levantar quando
eu não aguentar mais. Entendido?
— Sim, senhor.
— E da próxima vez que deixar de cumprir alguma ordem minha, não vou ter pena da
sua carreira antes de garantir que você seja chutado da Força. Embaixo. Em cima. — Ele mal
consegue estender os braços para elevar o corpo de volta.
— Não vai se repetir, tenente.
— Eu sei que não — respondo no segundo em que o número do relógio muda, indicando
o fim dos “poucos” minutos. — De pé. — Ele obedece. — Não se engane por conhecer apenas
meu lado tranquilo, Antony. Eu não tenho problema em usar a hierarquia para ser obedecido, eu
só não acho que é o melhor caminho.
Ele assente, meio ofegante, mas tentando parecer impassível, mantendo os ombros para
trás e os olhos fixos nos meus.
— Ande na linha. Não vou ficar procurando seus erros, mas se eu encontrar algum, a
conversa será diferente. Fui claro?
— Sim, senhor.
— Então dá o fora.
— E AÍ, BITTENCOURT?
Respiro fundo e me viro, ciente de que não posso ignorar o cumprimento de um superior,
mas realmente preferindo não falar com esse superior em específico.
— Bom dia, tenente. — Presto minha continência obrigatória e volto a olhar para longe,
esperando que o representante da JetFly chegue para que eu não precise conversar com o idiota
que foi incapaz de mandar uma mensagem dizendo que não chegaria ontem.
— Dormiu bem?
É sério?
— Com certeza. O senhor?
— Nem um pouco. — Basta um olhar em seu rosto para notar as olheiras que
comprovam o que ele está dizendo. O que só me irrita ainda mais, porque enquanto ele passou a
noite fodendo, eu passei a noite esperando por ele!
E foda-se que ele não pediu que eu o esperasse. Bia disse que não existe uma forma certa
de sentir e, nesse segundo, estou sentindo raiva, quer isso seja certo ou não.
— Tá tudo bem? — pergunta depois de alguns segundos, mas eu acabo não precisando
responder quando uma Ferrari preta estaciona na vaga dos visitantes e um cara de
aproximadamente quarenta anos sai do carro.
Aproveito a deixa e sigo em sua direção, me afastando de Lucas.
O nome do cara é Felipe, ele é piloto comercial há quinze anos e tem centenas de horas
de voo. Como suspeitei, ele não parece muito animado com a visita, mas isso era meio que óbvio
de acontecer, afinal, as companhias aéreas se juntaram para mandar a aviação militar para outro
lugar e agora precisavam enviar seus representantes para visitas?
Entretanto, apesar de não demonstrar animação, ele é simpático. Faz algumas perguntas,
a grande maioria relacionada ao militarismo em si e não à aviação, e só parece verdadeiramente
feliz quando, após conhecer o hangar, recebe a notícia de que fará um sobrevoo acima do
aeroporto.
Sua animação é inversamente proporcional à minha, porque assim que o piloto do
helicóptero nos olha, ele pergunta:
— Vocês vão com a gente?
Sinto meu coração bater mais forte com a mera possibilidade de entrar nessa coisa
gigante e que, facilmente, poderia cair, mas antes que eu possa pensar em alguma desculpa para
recusar a oferta do tenente que nos encara, Lucas responde:
— Dessa vez não, Marcondes. A gente tem que corrigir umas coisas no roteiro.
— Certeza, Alencar? — ele pergunta, surpreso. — Você nunca recusa voar.
— Acho que estou ficando velho. — Sorri. — Mas bom voo — acrescenta e estende um
braço em minha frente, me forçando a recuar alguns passos para longe da hélice.
— Sabe como é. Se é um voo, já é bom. — Marcondes pisca e, sem aviso, aciona o
helicóptero e eu me sobressalto, ainda andando para trás enquanto Lucas me afasta da aeronave
que sai do solo.
Espero que eles sigam na direção da pista, levando nosso visitante com ele, e só quando o
som do rotor se torna mais baixo, graças à distância, é que digo:
— O que temos que corrigir nesse roteiro?
— Nada.
— Então por que...?
— Não queria que você voasse com Marcondes.
— Por que não?
— Primeiro porque sei que tem medo e não quero que esse medo piore, o que aconteceria
já que ele é meio... Radical. E segundo porque eu quero ser o responsável por te mostrar o que é
a liberdade de voar. Não vou deixar que façam isso em meu lugar.
— Já te falei que não vou voar com o senhor.
— Por que tá me chamando de senhor?
— Respeito à hierarquia — digo, seca.
— Tá tudo bem, Agatha?
— Sim, senhor.
— Olha pra mim.
Pressiono o maxilar e viro o rosto, obedecendo sua ordem.
— Por que eu tô sentindo que aconteceu alguma coisa entre a última vez que a gente
conversou e hoje?
— Não aconteceu nada, tenente — garanto, fria, e volto a encarar o lado de fora do
hangar, assistindo as manobras bizarras que Marcondes faz com o helicóptero. — Mas obrigada
por não me forçar a voar — acrescento baixo, ciente de que já estaria chorando caso estivesse
dentro daquela aeronave.
— Disponha, meu bem — diz e mesmo com a forma de me chamar, noto o tom seco.
Sei que estou errada. Sei que ele não pediu que eu o esperasse. Mas não consigo
controlar minha irritação, ainda mais toda vez que olho para seu cabelo úmido e lembro o que ele
passou a noite fazendo enquanto eu nem mesmo dormia.
Parecendo entender que não quero conversa, Lucas para de tentar puxar assunto e se
concentra no celular, o clima leve que nos envolveu naquela noite, em meu quarto, nem perto de
passar por aqui.
Além disso, não consigo ignorar o incômodo que estar no mesmo ambiente que Antony
me causa. Felizmente, ele não tentou chegar até mim quando entrei no hangar, mas hora ou outra
sinto seus olhos sobre mim. E isso é desgastante.
Por sorte, o voo não dura muito tempo e quando Felipe retorna, seguimos o que o roteiro
manda e vamos para a torre.
Alencar se mantém afastado enquanto apresento o trabalho que fazemos aqui no
aeroporto, dando alguns exemplos de histórias e respondendo às perguntas que nosso visitante,
vez ou outra, faz.
— Vocês se reconhecem? — questiona, enquanto assiste um caça tocar a pista.
— Como assim? — Lucas pergunta, confuso.
— Você sabe quando é ela quem tá controlando?
— Sei . A voz dela é... Inconfundível.
O sorriso em seu tom atrai minha atenção e não precisa de uma única palavra para que eu
tenha certeza que ele está se lembrando do aviso que deu na noite em que transamos.
Saiba que vou me lembrar desse gemido aqui sempre que ouvir sua voz na minha cabine,
controladora.
Olho para longe, torcendo para que ele não note o rubor que sobe por minhas bochechas.
— E você? Sabe quando é ele? — Dessa vez, a pergunta é direcionada a mim e eu
assinto.
— O Tenente Alencar é o líder do Esquadrão Jaguar, então, sempre vai pilotar o
Jaguar01. E a voz dele é familiar também.
Assim como o sorriso que modifica seu tom, o ar debochado, a arrogância que mostra
que ele sabe o quanto é bom.
É uma merda assumir isso, mas a voz de Lucas Alencar é inconfundível também.
— Mais alguma pergunta? — questiono, limpando a garganta e sorrindo para Felipe.
A visita é encerrada depois de mais algumas palavras trocadas e assim que a Ferrari
some de vista, enfio a mão no bolso da gandola[9] e retiro a chave do apartamento de Lucas, lhe
entregando.
— Não vai embora? — ele pergunta e eu balanço a cabeça, negando.
— Preciso dar um pulo na torre — minto. — Ah, e seu carro tá no prédio.
— Aconteceu alguma coisa com ele?
— Não. Só não gosto de dirigir em Brasília, então preferi usar o Uber ao invés de
arriscar. Mas tenho certeza de que consegue uma carona. — Talvez da “amiga” que te buscou
ontem à noite. — Com licença, tenente. — Presto continência e espero apenas o aceno de cabeça
para entender que estou dispensada, então me viro e caminho para longe.
Ainda estou cansada, mas parece que conforme o dia passa, volto a cair em mim sobre
quão absurdo é agir como estou agindo.
Bia disse que as emoções vêm de forma aleatória, mas ela também disse que noventa por
cento dos problemas são resolvidos na base do diálogo. E ela tem razão.
Não adianta agir de maneira estranha com Lucas só porque tinha expectativas de que ele
me avisasse. Ele não tem culpa de eu ter esperado algo que ele nunca prometeu que faria. Estou
frustrada por culpa minha e estou descontando no cara que se dispôs a abrir a porta da própria
casa para uma desconhecida.
Não custa nada dizer a ele o que aconteceu ao invés de apenas virar a cara.
Moraremos juntos por onze meses. O diálogo precisa estar entre nós. E é bom começar
desde o início, por isso, desistindo de ficar fora de casa só para não precisar interagir com ele,
peço um Uber e volto para o apartamento, encontrando a porta destrancada.
E também encontrando uma garota sentada no sofá da sala.
Seus olhos castanhos brilham ao me ver e ela sorri.
— Oi! — exclama e, imediatamente, reconheço a voz que ouvi no dia em que me mudei
pra cá. — Agatha, não é? — pergunta e fica em pé, estendendo a mão em minha direção. — Eu
sou a Nicole, mas pode me chamar de...
— Nicky? — Lucas surge na sala como um furacão, os olhos arregalados e apenas uma
toalha enrolada em seus quadris.
Ele parece alarmado enquanto alterna a atenção entre eu e a garota, quase como...
Meu sangue gela em minhas veias quando a hipótese me atinge e eu não sei como meu
queixo não despenca.
Não. É. Possível.
Sem querer me manter perto dos dois, balbucio alguma desculpa ininteligível e quase
corro para meu quarto.
Me enfio no banheiro, puxo o celular do bolso da farda e, trêmula, pressiono o botão para
enviar um áudio no grupo das meninas.
— Gente... Eu acho que acabei de conhecer a namorada do Lucas.
EU E NICOLE NOS ENTREOLHAMOS enquanto o som da batida da porta do quarto de
Agatha ainda ecoa pelo apartamento.
Mas que porra foi essa?
— Ela tá bem? — Nicky pergunta, meio atordoada, meio preocupada, então franze o
cenho. — E por que você tá sem roupa?
— Porque eu não confio no que você pode falar — esclareço e olho por cima do ombro,
sem entender o que é que está havendo com Agatha.
Ela passou o dia estranha e... Isso não faz o menor sentido.
O que foi que aconteceu desde a última vez em que nos vimos e passamos horas
conversando?
— Lucas!
— O quê? — Volto a olhar pra Nicole.
— Vai falar com ela!
— Falar o quê? Ela passou o dia esquisita! — me defendo.
— O que foi que você fez?
— Ah, era só o que me faltava! — Olho-a feio. — Passei cinco dias me fodendo nessa
missão, volto e tomo esporro do seu pai, preciso bancar o oficial babaca e...
Bancar o oficial babaca!
Será que é isso?
Não é possível que nesse período em que fiquei fora Antony tenha conseguido se
reaproximar de Agatha ao ponto de ela tomar as dores pelo que aconteceu hoje. Ou é?
Porra, eu não sei quantos anos eles tiveram juntos e nem a história dos dois, mas sei que
ele a traiu e, pela conversa que tivemos, traição parece ser um assunto que a afetou tanto! Ela não
aceitaria isso.
E como você sabe? Só pela última conversa? Que também foi uma das únicas que
tiveram?
Porra, eu não conheço nada sobre ela. Talvez todas as complicações que esse término
está trazendo sejam o suficiente para que ela aceite o que aconteceu e perdoe. Se for esse o caso,
aposto que ele contou sobre o esporro que lhe dei hoje de manhã. E aposto que esse é o motivo
pelo qual ela está tão estranha.
— Eu já venho — aviso, voltando para o corredor.
— Vai falar com ela?
— Não.
Ela não quer falar comigo e eu não tenho nada a dizer, tampouco. É direito dela se sentir
incomodada por eu ter colocado seu namorado na flexão, mas isso teria sido evitado se ele
tivesse feito a manutenção nos freios. Não vou me justificar para Agatha, até porque, se ela
realmente tiver voltado com ele, aposto que não vai demorar até que acabe saindo daqui do
apartamento, o clima tenso não vai incomodar a nenhum de nós por muito tempo.
Quando estava prestes a sair do quartel, logo após a visita de Felipe, vi minha melhor
amiga caminhando na direção de seu carro, a expressão fechada indicando que havia acabado de
ter uma conversa com seu pai.
Ela me viu e, ao passar pelos portões da base, destrancou a porta para que eu entrasse.
Estava cansado, ainda estou, mas não conseguiria descansar sabendo que Nicky estava
com o mesmo olhar que fica sempre que Palazzini age como um escroto, então pedi para que
viesse para cá, dizendo ainda que lhe apresentaria Agatha. Imediatamente, ela se animou,
empolgada com a possibilidade de conhecer a pessoa que, na sua cabeça, vive uma comédia
romântica comigo.
O problema é que eu estava planejando estar por perto durante essa apresentação, então,
quando ouvi a voz alta de Nicole a cumprimentando, corri para evitar que esse ser desprovido de
filtros dissesse algo absurdo.
Não me surpreenderia se Nicky contasse todo o roteiro que tem planejado para mim e
Agatha, incluindo até mesmo os nomes dos filhos que acha que teremos.
Pelo menos, depois da forma como Bittencourt agiu, aposto que minha amiga vai deixar
esse delírio de lado.
Tomo um banho frio, usando a temperatura para tentar tapear o sono que fica cada vez
maior, mas quando volto para sala e a encontro vazia, envio uma mensagem pra Nicole.
Porque, ao não contar a Palazzini que é uma autora, ela precisa dar desculpas para não
trabalhar, então diz que ainda não sabe o que quer ser profissionalmente.

Apesar de ser minha melhor amiga, não contei à Nicky o motivo pelo qual Agatha e
Antony terminaram, assim como não disse nem uma palavra sobre o que Bittencourt me contou
relacionado ao passado de seus pais. Não é minha história para contar e por mais que eu quisesse
explicar o porquê de não haver grandes chances de nos acertarmos, apenas respondo que ela será
a primeira a saber, então retorno para meu quarto e desabo em minha cama.
A exaustão faz meus olhos pesarem, mas demoro um tempo para apagar. Entendo que
não é da minha conta, mas saber que Agatha está se sujeitando a continuar com Antony me
incomoda. Ela merece mais do que um cara como ele.
Mas como ela já fez questão de repetir, nós não somos amigos, então esse não é um
assunto que vamos discutir, portanto, ao aceitar que não tem o que fazer, sinto minhas pálpebras
pesarem e o sono me alcança, mas não chego perto de conseguir recuperar as energias, porque
meu celular apita com uma mensagem de texto.
Penso em recusar, afinal, não estou em um bom dia e ainda gostaria de dormir mais, mas
levando em conta que já faz meses que não saio com Will, aceito.
Nos formamos juntos e viemos para o mesmo quartel, o que fez nossa amizade se
fortalecer ao longo dos anos, mas desde quando ele começou a se envolver com Bia, nos
afastamos um pouco.
Não por conta dela.
Beatriz é uma mulher incrível e fico feliz por meu amigo ter encontrado alguém como
ela, mas o distanciamento acaba ocorrendo porque, automaticamente, os interesses mudam. O
sábado que antes era passado em um bar, agora é um cinema. As conversas que antes eram sobre
mulheres, agora giram em torno de uma única pessoa. Porém, apesar de nos afastarmos um
pouco, continuamos amigos e sempre que conseguimos, saímos para algum lugar, bebemos
algumas cervejas e conversamos.
Como agora.
— Faz tempo que não te vejo — digo, me sentando na cadeira em sua frente no mesmo
barzinho de sempre. — Tá de férias?
— Não. — Sorri. — Folga. Sabe como é. Quem não é visto, não é lembrado. Ser um
mísero piloto de helicóptero tem mais vantagens do que ser o líder de um esquadrão de caça.
— Mais vantagens, mas menos emoção — retruco, gesticulando para o atendente e
pedindo por dois chopps.
— Por falar em emoção, você tá parecendo um viciado em adrenalina, né? O próximo
passo é o quê? Saltar de paraquedas sem o paraquedas?
Franzo o cenho.
— Do que você tá falando?
— Você sabe do que eu tô falando. E eu sei que você faz o que quiser da sua vida, mas
como amigo... Cara, isso é loucura. E não tô nem falando só porque estou sendo afetado.
Ele está fazendo menos sentido do que a Nicole e isso me preocupa.
Será que eu preciso rever meus critérios para escolher uma amizade? Não é possível que
todos sejam malucos.
— Você já tá bêbado?
— Não estou brincando, Alencar.
— Nem eu. Não tenho a mínima ideia do que você tá falando. Vai ser afetado pelo quê?
Will toma um gole do chopp que é colocado em sua frente, antes de suspirar.
— Não sei se você sabe, mas a Bia é bem amiga da minha meia-irmã. Se conheceram no
casamento e se tornaram bem próximas. Você não deve saber porque teve que voar no dia da
cerimônia, mas as duas são amigas. — Ele não esconde o desgosto ao dizer isso. — E agora eu
vou ter que aceitar a Agatha morando lá em casa porque a Beatriz já falou que não vai dar as
costas pra ela.
— Espera aí. Como é que é?
Imaginei que ela fosse se mudar para a casa do ex, não para a casa do irmão com quem
não se dá bem.
— Ela tá com medo de continuar lá e acabar se ferrando caso Palazzini descubra.
É oficial. Ou eu estou enlouquecendo, ou Willian está pronto para dar entrada em um
hospício.
— O que é que o Palazzini tem a ver com isso?
— Ele é o pai dela.
O quê?
— Da Agatha?
— Lucas, você tá usando alguma droga? — Ele pisca, sua confusão espelha a minha.
— Eu?! Você não tá falando coisa com coisa e eu que tô usando droga?
— Pra estar comendo a filha do Coronel, com certeza tem que ter algum ilícito
envolvido.
— A menos que você me diga que o seu pai é o Palazzini, eu te garanto que não comi a
filha dele recentemente.
Willian para, processando a informação antes que seu queixo despenque e seus olhos se
arregalem.
— V-você comeu a Agatha?!
— Sim. — E adianta mentir? Eu já nem sei mais o que é que estamos conversando.
— Porra, ela tá certa de sair da sua casa mesmo, antes que sobre pra ela.
— Willian, para de falar — peço e pressiono a ponte do nariz, sentindo minha cabeça
latejar com a confusão que esse filho da puta está criando.
Nem Nicole que, literalmente, cria universos consegue falar tanta coisa aleatória quanto
Will está falando nesse momento.
— Começa. Do. Começo.
— O começo é que você perdeu o amor à própria vida.
— Okay. Perdi. — Partindo do princípio que remédio para doido é um doido e meio,
entro em seu jogo, assentindo. — Mas o que foi que eu fiz pra que você descobrisse isso?
— Cara, a Bia me ligou hoje, perguntando se eu sabia se você era próximo de alguma
Nicole.
— De onde ela tirou isso?
— Da Agatha.
Da Agatha?
Mas por que ela quer saber disso?
— Eu respondi que a única Nicole que eu sabia que você conhecia era a filha do Coronel.
Will sabe que eu e Nicky somos amigos, mas não tem ciência de nada além disso. Nem
da sua profissão, nem do fato de já termos transado.
— A Bia não quis me dizer mais nada, mas quando ela chegou em casa, consegui fazer
ela falar porque, porra, eu sou seu amigo. Tenho que saber o que está acontecendo pra conseguir
te ajudar, e ela me contou que vocês estão juntos.
— Juntos, tipo, namorando? — Ele assente. — Eu e a Nicole? — Assente mais uma vez.
— Namorando?
— É.
— E a Agatha decidiu que vai sair da minha casa, porque...?
— Porque ela tinha medo da Nicole achar ruim te ver morando com alguma outra mulher
e acabar reclamando com o Coronel, o que afetaria a carreira dela. E agora que sei que você
comeu a Agatha, concordo. Se o Coronel descobre que você, além de pegar a filha dele, traiu
ela...
— Eu não traí ninguém! — me adianto, e só quando as palavras saem de minha boca é
que eu consigo entender o que está passando na cabeça daquela garota.
Se Agatha acha que eu e Nicole somos namorados, ela acha que eu agi como seu pai.
Porra.
Mas por que é que ela pensaria que eu e Nicky estamos juntos? E por que ela estaria
estranha desde antes de conhecer Nicole?
— Lucas, o que tá acontecendo?
Balanço a cabeça para Willian, negando.
— Eu não tenho a menor ideia.
Mas eu vou descobrir.
MINHA MÃE NUNCA ME CONTOU o que sentiu após conhecer Sônia de uma maneira tão
catastrófica quanto aconteceu, mas eu aposto que ela tinha o mesmo gosto amargo que eu tenho
no fundo de minha garganta.
Depois de ter entrado no quarto e ter mandado aquele áudio para as meninas, um
turbilhão de mensagens soterraram meu celular, quase fazendo a tela travar.
Cecília, tomada pelo ódio, enquanto xingava Lucas de todos os nomes possíveis, chegou
até a enviar alguns links dizendo ser o contato de assassinos de aluguel. Enquanto isso, Bia
tentava agir de forma racional, procurando entender de onde aquela teoria havia aparecido.
Expliquei tudo, desde o segundo em que ouvi sua voz pela primeira vez, no dia em que
me mudei, passando pelo fato de ele não ter vindo para cá depois que sua “amiga” lhe deu uma
carona e concluído com a cena que presenciei hoje, assistindo-o correr do banheiro como se sua
vida dependesse disso.
Cecília voltou a xingar, repetindo dezenas de vezes que era por isso que os homens
deveriam ser extintos, assim todas se tornariam lésbicas e sofreriam menos.
Já Bia parecia meio desconfiada da minha teoria, então, enquanto Ciça esbravejava sobre
todos os seres dotados de um pênis, Beatriz me ligou assim que disse que estava fora do
apartamento e que podia falar sem correr o risco de ser ouvida.
— Sabe que eu sempre vou escolher seu lado, mas... Você não acha que antes de surtar,
deveria ter um pouquinho mais de certeza de que é isso que tá acontecendo? Não conheço ele
direito, mas... O Lucas não parece ser desse tipo.
— Aposto que Sônia também pensava isso do meu pai e olha onde eu estou.
— Só... Não faz sentido, Agatha. Mesmo que ele namore essa garota e tenha traído ela
com você, por que ele ofereceria pra você morar com ele se não quer que ela descubra?
Eu sabia que ela tinha um ponto, mas o lado racional do meu cérebro parecia não
conseguir funcionar enquanto tentava entender como uma pessoa de vinte e um anos estava
lidando com traição pela terceira vez na vida.
Primeiro meu pai. Depois meu ex. Agora um desconhecido.
— Talvez porque ele ache que vai conseguir mais alguma rapidinha — respondi algum
tempo depois. — Eu não sei, Bia, mas o jeito como ele correu pra sala... Ele não queria que eu e
ela conversássemos.
— Tá. Concordo que essa atitude foi muito estranha. Mas Willian nunca falou nada
sobre Lucas estar namorando. E eles são melhores amigos.
Bufei um riso.
— São melhores amigos, mas Lucas nem mesmo sabia que ele tinha uma irmã até eu vir
pra cá, então é claro que não contam tanta coisa um pro outro.
— Olha, eu sei que não é o que você quer ouvir, mas não é melhor tentar resolver isso
tudo com uma conversa? Eu sei que o que você está dizendo faz sentido, mas ao mesmo tempo...
Não faz.
— Eu não dei chance nem pro meu ex se justificar, Bia, porque traição não tem
justificativa. Não vou dar essa chance pro Alencar.
Por sorte, minha amiga era boa em aceitar as decisões dos outros, então mesmo que não
concordasse comigo, suspirou e disse:
— Tudo bem então. E como vai ser agora?
— Eu vou me manter o mais longe possível dele, enquanto procuro um lugar pra ficar e
assim que achar, caio fora.
— Eu posso, pelo menos, perguntar se Will sabe alguma coisa sobre essa garota?
Eu sabia que se dissesse não, ela aceitaria minha resposta, mas eu também sabia que ela
estava agindo com racionalidade, enquanto eu só conseguia sentir raiva, por isso, cedi.
— Só não dê... Detalhes.
— Ele não vai saber o que aconteceu entre vocês — prometeu, antes de me dizer mais
algumas palavras de conforto, tentando me acalmar, para só então desligar.
Ela me deu a resposta algum tempo depois.
Nicole era filha do comandante do quartel.
Essa informação pesou sob meus ombros um pouco mais e após voltar para o
apartamento, me sentei na cama e é onde estou até agora, minha atenção fixa na mala que
terminei de desfazer ontem à noite.
Se toda essa bagunça se resumisse apenas à traição de uma pessoa aleatória, por mais que
eu ainda fosse me sentir mal, eu teria tempo para agir. Precisaria apenas evitar Alencar, procurar
um apartamento que se enquadrasse nas minhas necessidades e só depois me mudar.
O problema é que saber que Nicole é filha de um militar com uma patente tão alta me
assusta porque, caso ela descubra sobre o que aconteceu, seu pai pode atrapalhar todo o
andamento da minha transferência e eu posso nunca conseguir ir para Porto Alegre, por isso,
para diminuir as chances de irritá-la e sofrer as consequências na mão de Coronel Palazzini, eu
tenho que sair aqui.
Preciso encontrar outro lugar agora, mesmo que isso não se encaixe nas minhas
necessidades.
No pior dos casos, eu encontro algum imóvel sem mobília e compro o básico. Não é um
gasto que eu gostaria de ter nesse momento, ainda mais porque gostaria de economizar o valor
que Antony me mandou, mas não vejo outra opção.
Bia, ao ouvir que estou prestes a não ter onde morar mais uma vez, voltou com a ideia
maluca de que eu devo ficar na casa dela e de Will, enquanto Cecília... Ah, ela ainda está
xingando Alencar e eu não acho que vá parar tão cedo.
Olho para o laptop, encarando a página do site de imóveis e suspiro.
Brasília é a capital do país, porra. É inconcebível que eu não ache um único lugar para
morar que não seja a casa de Willian, nem a de Ciça e muito menos a de Lucas.
Fico em pé e me alongo, tentando aliviar a tensão que se acumula em minhas costas, uma
mistura do estresse com o cansaço.
Por mais que eu não queira desistir de vasculhar cada uma das opções disponíveis, sei
que preciso descansar, por isso, desligo o computador, tomo um banho e faço o skincare, antes
de vestir meu pijama do Mickey e ajeitar os travesseiros na cama.
Por sorte, amanhã estou de folga, então terei tempo livre para continuar minha busca,
nem que eu precise apelar para as medidas arcaicas e visitar todas as imobiliárias da cidade. De
qualquer forma, estou confiante de que após uma noite de sono, conseguirei resolver esse
problema.
Eu só preciso descansar. Amanhã é um novo dia.
Apago a luz do quarto, mas a batida em minha porta me faz congelar, impedindo que eu
dê um único passo na direção da cama.
Engulo em seco.
— Que foi? — digo, mantendo a voz firme apesar de sentir todo o meu corpo tremer.
Sei bem quem é que está do outro lado da madeira e, com certeza, não é alguém que
quero ver.
— Posso ter uma palavra com você, Bittencourt?
Nem. Fodendo.
— Amanhã.
— Vai fugir de mim mais uma vez, fujona?
Babaca do caralho.
Num impulso de coragem e aceitando o desafio que sua provocação lança, giro a
maçaneta e abro a porta, sem me importar com o pijama minúsculo que estou usando.
Sei que Lucas é mais alto e mais largo do que eu, mas a forma como as luzes da sala
lançam sombras sobre seu corpo faz com que ele pareça maior ainda. Imponente. Poderoso.
— O que foi? — repito, erguendo o nariz e sustentando seu olhar, fazendo de tudo para
não parecer tão pequena perto dele.
Lucas dá um passo mais para perto, se mantendo fora do meu quarto, mas se
aproximando o bastante para apoiar o braço contra o batente e me obrigar a levantar meu rosto
ainda mais.
— Não que seja da sua conta... — ele diz com a voz baixa, grave, repetindo o mesmo que
lhe disse na noite em que ficamos. Na penumbra, vejo seus olhos cinzas se tornarem quase
negros e sinto meu coração bater mais forte. — Mas eu e Nicole somos apenas amigos.
Sou tomada pela surpresa.
— O quê?
— Eu e Nicole somos apenas amigos — repete pausadamente.
— Por que tá me dizendo isso?
— Porque eu acho que você tem que ouvir isso. E porque eu quero te fazer uma pergunta.
Engulo em seco.
— Qual?
— Você voltou com Antony?
Meu choque se transforma em descrença.
— O quê? Ficou maluco!
— Não?
— É claro que não, Lucas.
Ele umedece os lábios, refletindo por alguns segundos, então assente, antes de informar o
óbvio:
— A gente precisa conversar.
É DIFÍCIL PRA CARALHO me concentrar em qualquer coisa que eu precise dizer enquanto
Agatha se senta no sofá em minha frente usando esse pedaço de pano que não cobre quase nada
de sua pele morena e ainda cruza as pernas.
— Tem uma confusão acontecendo aqui — declaro, gesticulando entre nós dois. —
Quem começa a falar?
— Pode começar me explicando de onde é que tirou isso de voltar com o Antony. Acha
que eu perdoaria uma traição depois do que eu te contei?
— E você acha que se eu estivesse namorando te levaria pra minha cama? — rebato no
mesmo tom ofendido que ela.
— Parecia que sim. Você correu pra não me deixar falar com ela, parecia ter medo!
Bufo uma risada de descrença.
— Era medo mesmo. Mas não do que você poderia falar.
— Como assim?
Não posso lhe contar sobre minha melhor amiga ser uma autora, mas quero, além de
entender o que ela estava pensando, explicar que ela está errada, por isso, digo:
— A Nicky gosta muito de romances e ela tem certeza de que eu e você vamos nos
apaixonar, casar, ter quatro filhos e um cachorro.
Choque toma suas feições.
— O quê?
— Exatamente. Ela diz que, nos livros, sempre que um casal começa a morar junto sem
se conhecer, eles se apaixonam e vivem felizes para sempre. Por isso corri pra cá. Porque fiquei
com medo de ela te assustar com essa maluquice. Imagina você ouvindo uma desconhecida te
falar que quer se tornar sua melhor amiga e também a sua madrinha de casamento.
Agatha pisca, atônita.
— Mas... — Ela abre e fecha a boca diversas vezes. — Então não foi com ela que você
passou a noite?
— Que noite?
— Ontem. Quando você chegou de Manaus.
— Eu não cheguei ontem. Cheguei hoje de manhã e fiquei na base até depois da visita.
— Mas o seu cabelo estava molhado — comenta, quase sem emitir som.
— Porque depois do esporro de Palazzini, tomei um banho pra tentar ficar acordado pra
esperar Antony.
— O que você queria com ele?
Mas que porra tá acontecendo aqui?
É como se eu e Agatha estivéssemos jogando peças aleatórias de um quebra-cabeça
complexo um no outro e não soubéssemos onde encaixá-las.
— Vamos do começo, meu bem — peço.
E nós vamos.
Apesar de saber que a ideia de eu e Nicole estarmos em um relacionamento é absurda,
não tenho como negar que entendo Agatha, ainda mais conforme ela explica seu ponto de vista,
passando desde o dia em que quase corri com Nicky daqui do apartamento, até hoje mais cedo.
Além disso, mesmo que eu não tivesse culpa por meu celular ter morrido, ouvir que ela passou a
noite acordada por medo de não me ouvir chegar faz com que eu me sinta mal.
Espero que ela conclua sua versão do que achou que estava acontecendo, antes de
acrescentar a minha teoria, assistindo entendimento chegar aos seus olhos, e quando eu termino
de explicar até mesmo sobre minha conversa com Willian, ficamos em silêncio.
Até que ela se ajeita no sofá e me olha, séria.
— Eu quero criar mais uma regra de boa convivência.
— Diga.
— A gente não tira conclusão de nada sem conversar antes.
— Gosto muito mais dessa regra do que a que diz que não podemos transar — comento,
provocando-a, e é como se o oxigênio voltasse a circular pelo espaço, todo o clima pesado de
hoje cedo desaparecendo ao entendermos que tudo isso não passou de uma confusão causada por
acasos alinhados.
— Alencar? — Agatha chama depois de um tempo.
— Oi, meu bem.
— Me desculpa.
— Não precisa se desculpar.
— Preciso sim. Eu te comparei com meu pai e com meu ex.
— Porque você não me conhece direito — justifico, mais aliviado por termos nos
resolvido do que efetivamente ofendido por isso.
— Você já jantou?
— Não. Por quê?
— Porque eu também não — responde e fica em pé, fazendo com que eu precise me
concentrar muito para não deixar meus olhos vagarem para baixo, contornando o pijama do
Mickey.
— O que vai fazer?
— Alguma coisa pra gente comer enquanto conversamos. Não tem como eu deixar a
Nicole ser madrinha do nosso casamento se eu não me apaixonar por você antes — zomba por
cima do ombro, caminhando na direção da cozinha.
Como o cretino que sou, acompanho o movimento de sua bunda dentro do short
minúsculo, mas logo fico em pé e a sigo.
— Quer ajuda?
— Não disse que você e o fogão se odeiam?
— Disse, mas posso lavar a louça.
— Combinado. Agora, comece a falar sobre quem é Lucas Alencar.
— Além de seu futuro marido?
Ela sorri, pegando algumas coisas de dentro da geladeira e espalhando-as sobre o balcão.
— É, Alencar. Além disso.
Permaneço encostado no batente da porta enquanto falo sobre mim, só me movendo para
pegar algo que ela me pede por não alcançar ou para lavar qualquer coisa que acabe dentro da
pia.
— Minha irmã diz que decidi ser piloto quando tinha uns cinco anos.
— Nunca quis ser médico também?
— Stalkeou até a minha irmã? — Rio e ela, apesar de corar, assente.
— Sim. Inclusive, parabéns, titio.
Pensar em meus sobrinhos faz com que eu sorria como o tio babão que eu sei que vou
ser, mas também faz com que eu, mais uma vez, me sinta mal por não estar mais presente
durante a gestação dos gêmeos.
— Obrigado. E não. Nunca tive o menor interesse por Medicina. Sempre foi aviação.
— Militar?
Balanço a cabeça, negando.
— Queria ser piloto comercial. Mas como não tinha grana pra pagar pelas horas de voo,
acabei fazendo o concurso e entrando pra Força Aérea.
— E gosta?
— De voar? Sim. Do militarismo? Nem um pouco.
— Por quê?
— Vários motivos, mas o principal é abrir mão das coisas que eu quero porque jurei que
faria isso.
No meu primeiro ano de formação, passei por uma cerimônia chamada Juramento À
Bandeira, onde junto com toda minha turma, juramos proteger a pátria, nem que para isso
precisássemos sacrificar nossa própria vida.
Naquela época, não assimilei direito o que isso impactaria, afinal, o país não costuma se
envolver em conflitos. Mas com o passar do tempo, entendi que esse sacrifício não me levaria
apenas à morte, mas também me faria colocar tudo em segundo plano. Se o serviço chamasse, eu
deixaria tudo de lado para servir. A Força Aérea seria minha prioridade.
— Por exemplo?
— Por exemplo, quando fui pra Belo Horizonte passar o Natal com minha irmã, mas fui
acionado e precisei voltar no mesmo dia que cheguei.
Ela assente e coloca uma panela dentro da pia. Automaticamente, me desencosto e
começo a lavá-la.
— Em um emprego normal, se você está de folga, você está de folga — concluo.
— Exatamente. Eu não me importo de trabalhar, até porque, amo o que faço. Mas não
poder estar presente na vida das pessoas que importam é algo que me faz repensar se quero
continuar no militarismo.
— O que sua irmã fala sobre isso?
— Nada. Não contei pra ela. Na verdade, não contei pra ninguém — assumo. — Veja só,
Bittencourt. Acho que nos tornamos amigos. Já estamos até compartilhando segredos!
Ela olha para mim e sorri, balançando a cabeça em descrença.
Já vi essa garota vestindo farda, roupa de sair e roupa de ficar em casa, mas eu acho que
nunca a achei tão linda quanto agora, com esse pijama minúsculo, o cabelo preso no topo da
cabeça e o sorriso leve no rosto.
— Que foi? — pergunta, se dando conta da forma como a olho.
— Você é linda.
— Não pode dar em cima de mim. É uma regra — relembra, corando.
— Não estou dando em cima de você. Estou fazendo uma constatação. Você é linda —
repito e dou de ombros, antes de me inclinar para frente e sorrir. — Mas, caso precise lembrar...
Ei, meu bem, eu sou piloto. — E para completar o roteiro que ela me passou na noite em que
ficamos, pisco.
Ela sorri, desliga o fogo e espelha minha posição, se inclinando para frente por cima do
pequeno balcão.
— E eu sou imune a essa história.
— Quer repetir isso em cima da minha cama igual da última vez?
— Você é um idiota.
— E você uma mentirosa.
Nos encaramos e, mais uma vez, o clima ao nosso redor muda. Dessa vez, se tornando
carregado de uma forma totalmente diferente. A excitação me afetando tanto quanto esse maldito
pijama.
Agatha entreabre os lábios, facilitando sua respiração e quando eu acho que ela vai
comprovar que a afeto tanto quanto ela me afeta, minha colega de apartamento engole em seco e
dá um passo para trás, fugindo da proximidade.
Sorrio, mas deixo que se afaste, porém, também deixo que ouça a única palavra que digo
assim que sai da cozinha, carregando os pratos para a mesa:
— Fujona.
NÃO GOSTO DE PENSAR que vivi um namoro tóxico por tanto tempo, mas é impossível não
aceitar que essa é a verdade, ainda mais quando me sinto tão bem perto de uma pessoa com
quem nem mesmo tenho um relacionamento.
Já faz um mês que estou morando no mesmo apartamento que Lucas e a sensação de lar
que eu tenho aqui nunca foi algo que senti enquanto vivia com Antony.
Alguns dias depois que conversamos e resolvemos o mal-entendido que quase fez com
que eu me mudasse, conheci Nicole.
Não foi um encontro marcado, mas quando abri a porta do apartamento, chegando do
trabalho, encontrei com os dois sentados no sofá. Não pude ignorar que assim que entrei, o
assunto acabou, mas não tive tempo de me sentir desconfortável antes que ela se colocasse em
pé, me olhasse séria e dissesse:
— Então você descobriu que vou ser sua madrinha de casamento?
— É, eu fiquei sabendo. — Ri, tirei a gandola e me sentei ao seu lado para que nos
conhecêssemos.
Eu e ela conversamos por horas. Falamos sobre nossa infância, músicas, viagens, filmes.
Nicole era divertida e, como Lucas já havia dito, não tinha nenhum filtro. Mesmo rindo,
não pude deixar de corar ao ouvi-la falar sobre como eu e ele estávamos vivendo um romance
digno de Oscar.
Mais tarde, quando ela foi embora para um jantar com seus pais, Alencar me encarou.
— Entendeu por que não queria te apresentar ela? Ela acabou de planejar até nossas
bodas de ouro.
Ela, realmente, tinha feito isso. Mas eu não me incomodava. Era divertido vê-la falando
sobre coisas impossíveis.
— Ela é meio doida — concordei. — Mas eu acho que gosto mais dela do que de você.
Lucas bufou.
— Eu duvido.
Depois desse encontro, nos vimos mais vezes e sempre conversamos um pouco, mas,
mesmo gostando de Nicole e apesar de notar como ela sempre fazia de tudo para que eu me
sentisse à vontade, era notável como eles mudavam de assunto sempre que eu estava por perto,
por isso, nunca ficava muito tempo. Eles eram melhores amigos. Era óbvio que eu não teria a
mesma intimidade que eles tinham, então inventava alguma desculpa e deixava que voltassem à
conversa particular.
Além disso, retribuindo o favor que Lucas fez ao me apresentar sua amiga doida, eu
apresentei as minhas a ele.
No caso, ele já conhecia Bia e já havia sido controlado por Ciça, mas não tinha tido um
encontro ainda com suas personalidades reais.
Foi, no mínimo, divertido.
Cecília demorou um pouco para se soltar, se mantendo presa à patente de Alencar, mas
não demorou para que os dois se juntassem e começassem a encher o meu saco, me provocando
só porque seguia as regras da fraseologia e não respondia os cumprimentos.
Beatriz, que já era uma conhecida de Lucas e que não precisava se importar com a
hierarquia, tentou apenas manter a pose de psiquiatra centrada, mas desistiu depois de alguns
minutos e, durante o jantar, não pude deixar de sorrir ao ver como minhas amigas estavam à
vontade com ele.
Infelizmente, também não pude deixar de pensar como elas nunca ficaram assim com
Antony.
No mesmo segundo em que esse pensamento surgiu, me chutei mentalmente.
Eu não devia comparar os dois, primeiro, porque era óbvio que eles não tinham nada de
similar e, segundo, porque Antony foi meu namorado, enquanto Lucas era apenas um amigo. E
eu não podia confundir isso.
O problema é que era muito difícil não querer sentar nesse amigo, ainda mais quando ele
não facilitava meu trabalho, tanto pelas provocações constantes quanto pela aparência, porque,
porra, ele é gostoso.
Já perdi as contas de quantas vezes me peguei encarando-o. As veias em seus braços, o
sorriso de canto, a barba quase sempre inexistente, a tatuagem no antebraço, a correntinha prata.
Até mesmo a forma como o macacão de voo cobre seu corpo consegue minha atenção.
E ele sabe.
Lucas sempre me pega no flagra e enquanto eu coro, preciso ouvir:
— Quer dizer em voz alta que é imune a mim pra ver se consegue se convencer?
Arrogante do cacete.
Mas ele está certo. Eu não sou imune a ele e isso fica mais claro a cada vez que o
ambiente ao nosso redor muda quando estamos sozinhos.
Foi assim no dia em que nos acertamos. Foi assim depois que Nicole foi embora, no dia
em que a conheci. Foi assim depois do jantar com minhas amigas.
E tem sido assim todos os dias.
Geralmente, honro o apelido que ele me deu e fujo, deixando seu riso baixo para trás
enquanto coloco a porta entre nós dois. Só que fugir de Lucas está se tornando cada vez mais
difícil, principalmente porque nossa foda, constantemente, surge em minha memória. Seus dedos
ao redor do meu pescoço, o sorriso em meio ao beijo, a sensação de seu pau dentro de mim...
Estremeço e abaixo a tela do laptop, desistindo da leitura do novo regulamento.
Não existe a menor possibilidade de me concentrar em algo, ainda mais com meu corpo
quente como está. Os flashes das lembranças são o suficiente para acabar com qualquer ponta de
foco e eu só consigo pensar em repetir o que tenho feito sempre que fujo dele: me masturbar.
Afasto o computador para longe e fecho meus olhos enquanto relaxo contra os
travesseiros, abrindo as pernas.
Mesmo sabendo que estou sozinha no apartamento e que Lucas não vai voltar da missão
até amanhã de noite, imagino-o abrindo a porta do meu quarto. Imagino o sorriso de canto e os
olhos escurecidos brilhando em minha direção. Imagino os passos confiantes e quando sinto o
toque em minha boceta, imagino que são os dedos dele e não os meus.
Choramingo e empurro a calcinha para o lado, encontrando mais uma prova de que estou
mentindo sempre que digo que não sou afetada por ele, porque Alencar, mesmo em outra cidade,
é o motivo para eu estar tão molhada assim.
Aperto meu mamilo por cima do tecido da camiseta branca e circulo meu clitóris,
relembrando a sensação de sua boca em meu pescoço, marcando a pele. Penso em seu beijo, sua
voz, sua pele e, como todas as outras vezes em que imagino que é Lucas me tocando, meu corpo
reage e um arrepio corre por mim.
Meu ventre pulsa e eu estremeço, afundando os dentes no lábio inferior para tentar conter
o gemido que escapa quando gozo.
Relaxo sobre o colchão e balanço a cabeça, descontente comigo mesma, enquanto espero
que minha respiração se acalme.
Nunca tive problemas em me masturbar. Inclusive, na maioria das vezes durante meu
namoro com Antony, essa era a única forma que eu encontrava de gozar. O problema é que eu
sei que não precisaria estar me masturbando se eu cedesse.
Rolo no colchão e estico o braço para a garrafa de água que está ao lado da cama, só para
encontrá-la vazia.
Fico em pé e saio do meu quarto, sem me importar em trocar de roupa, já que tenho o
apartamento apenas para mim até amanhã, mas então... Acontece.
Assim que fecho a geladeira, ouço o click da chave sendo girada e não tenho tempo de
me mover antes que a porta seja aberta e eu dê de cara com Alencar.
Que porra!
Todo meu corpo parece pegar fogo e eu não sei se é porque estou apenas de calcinha e
camiseta em sua frente ou se tem a ver com o fato de que, há minutos, estava me masturbando
pensando nele.
— E-eu... — gaguejo. — E-eu achei que só voltasse amanhã.
— É... — Lucas dá um passo hesitante para dentro, os olhos correndo por meu corpo. —
Cancelaram a segunda parte do voo.
Meu coração bate forte e eu me sobressalto quando a porta se fecha, o som parecendo
alto demais diante do silêncio tenso.
— Achei que sua função fosse me manter na linha, Bittencourt — ele diz com a voz
grave.
— E é.
— Não parece, porque te encontrar vestida assim tá dificultando muito seguir aquela
porra de regra que você criou.
Lucas dá mais um passo, se aproximando devagar, como se nem mesmo controlasse o
movimento do seu corpo e eu engulo em seco.
— Agora é a hora em que você deveria fugir de mim.
— Eu sei — sussurro.
Mas eu não me movo.
Eu o quero.
Ele me quer.
E assim como não encontrei nenhum motivo para não ceder, na primeira vez em que
ficamos, eu não encontro agora.
— Agatha...
— Só... — interrompo-o, sentindo todo meu corpo tremer enquanto luto para me manter
parada, me controlando para não me lançar em cima dele. — Prometa que as coisas não vão
mudar se a gente fizer isso.
Lucas avança um pouco mais e, para conseguir manter meus olhos nos seus, recuo um
passo, sentindo o balcão pressionar minhas costas, me encurralando.
Ele parece ainda maior ao estar tão perto assim, principalmente com o macacão de voo
cobrindo seu corpo.
— As coisas não vão mudar — garante.
Estamos próximos o bastante para que eu sinta seu cheiro, mas longe demais para que eu
sinta seu toque.
Lucas espera e eu entendo.
Ele quer que eu escolha qual o próximo movimento porque foi eu quem sempre evitei
isso.
Então, eu decido.
Como na primeira vez, me lanço sobre ele, mas, diferente daquela noite, quando nossas
bocas se conectam, torço para que não seja só dessa vez.
POR FALTA DE PALAVRA MELHOR, vou dizer que estava com saudade de sua boca,
então, quando Agatha me beija, não penso antes de retribuir, entrelaçando minha língua na sua,
sem disfarçar a agitação que sinto por ter conseguido o que quero desde o dia em que acordei
sem ela ao meu lado.
Enfio os dedos em seu cabelo, desfazendo o coque bagunçado e puxando os cachos com
um pouco mais de força, sorrindo ao sentir seu gemido em minha língua.
— Isso é você sendo imune a mim, meu bem? — provoco.
— Me responde você, Alencar. Seu pau duro desse jeito é você imune a mim?
Rio e balanço a cabeça, antes de aproximar minha boca de sua garganta e lamber a pele
até chegar ao seu ouvido.
— Não, mas eu nunca disse que era.
Porque eu não sou.
Nem perto disso.
E essa mentirosa que está se esfregando em mim também não.
Já faz dias que notei como Agatha me olha e por mais que tenha sido difícil assisti-la
correr para seu quarto sempre que achei que fosse ceder, também foi divertido observá-la lutar
tanto contra o desejo que nós dois sentimos.
Até que a diversão se tornou frustração porque as punhetas já não eram o suficiente.
Eu queria ela, mas nunca a deixaria desconfortável, então ria e a provocava, aceitando
sua recusa, mas torcendo para que ela deixasse de bancar a hipócrita e cedesse ao que nós dois
queremos.
Como está acontecendo agora.
Agatha arranha meu pescoço, descendo as mãos até o zíper do macacão de voo, mas sem
abri-lo.
— O que tá esperando? — pergunto, agarrando sua bunda e a guiando na direção do sofá.
— É que você realmente fica muito gostoso com isso — confessa e eu ergo a
sobrancelha. — Ah, qual é, Alencar? — Ela rola os olhos. — Você é consciente da sua
aparência.
— Sou. Mas não sabia que você também era.
— Agora você sabe — responde e me empurra, fazendo com que eu caia sentado no sofá.
— Lá se vai mais uma regra quebrada — resmunga, montando em meu colo e se esfregando em
meu pau.
— Estou sendo uma péssima influência pra você, não estou? Andando sem roupa pela
casa — pontuo, passando as mãos por sua bunda e subindo até a cintura. — Sexo no sofá. —
Agatha ergue os braços, deixando que eu tire sua camiseta. — Transando comigo.
— Acho que preciso parar de quebrar as regras.
— Acho que precisa parar de criar regras — corrijo e agarro sua nuca, puxando sua boca
para minha.
Nossas línguas voltam a duelar e enquanto ela continua a rebolar sobre mim, suas mãos
retornam para o zíper, mas dessa vez, Agatha não hesita antes de puxá-lo para baixo. Sem
quebrar o beijo, me desencosto e a ajudo a me livrar das mangas, grunhindo com o prazer que
sinto quando suas unhas voltam a arranhar minha nuca.
— Tira isso — manda, irritada com o tecido da camiseta branca que preciso usar por
baixo do macacão.
Rio da ansiedade que espelha a minha, mas obedeço e arremesso a peça para longe, antes
de abraçar seu corpo. Seus mamilos duros pressionam os meus e minha boca se enche com a
vontade de chupá-los, mas Agatha afasta qualquer ideia de minha cabeça quando morde meu
pescoço e suga a pele, logo trilhando a língua por meu peito enquanto se ajoelha em minha
frente.
— Nunca imaginei que ia mamar um piloto — observa, puxando o macacão para baixo.
— E aqui está você, prestes a fazer isso pela segunda vez.
— E última.
Rio.
— Nós dois sabemos que essa é só mais uma mentira, meu bem. Agora, para de falar e
baba no meu pau, baba.
Seus olhos brilham com luxúria e o verde quase se torna preto enquanto Agatha puxa
minha cueca, libera meu pau, agarrando a base e guiando-o até sua boca.
— Porra! — gemo e afasto seu cabelo, sem querer perder nem um segundo da visão que
é ter esses lábios inchados envolvendo meu pênis.
Ela encharca meu pau, engolindo o máximo que consegue e voltando para respirar.
Espero que se acostume com o movimento e, quando retorna, aumento o aperto nos fios e a
seguro no lugar, apenas o suficiente para que engasgue com a pressão da glande no fundo da
garganta.
As lágrimas surgem, mas mesmo em meio ao brilho do choro, ela assente, pedindo por
mais, e eu repito a ação, quase gozando com o tesão que é vê-la sufocar enquanto me mama.
Quando sinto minhas bolas pesarem, afasto-a, o fio de saliva pendendo entre a cabeça do
meu pau e sua boca.
— Minha vez — digo e me deito, puxando sua mão para mim. — Vem rebolar na minha
boca igual tava rebolando no meu colo.
Agatha pisca, parecendo insegura.
— É pra eu... Sentar no seu rosto?
— Nunca fez isso?
Ela nega e eu só tenho mais certeza de que seu ex era um imbecil.
— Posso? — pergunta, indicando a curiosidade com a nova posição e eu não consigo
deixar de rir.
— Pode esfregar a boceta na minha cara sempre que quiser, Bittencourt. Não precisa me
pedir — respondo e seguro sua coxa, ajudando-a se equilibrar até que ambos os joelhos estão nas
laterais das minhas orelhas.
Abraço suas pernas e beijo o tecido da calcinha, antes de puxá-lo para o lado.
— Tá molhada assim só com um beijo e um boquete?
Ela olha para baixo, os cachos emoldurando o rosto que cora, mas mesmo com a
expressão envergonhada, ela assume:
— Talvez tenha a ver com o fato de que eu me masturbei agora há pouco.
— Sua resposta vai dizer quantas vezes vou te fazer gozar essa noite — aviso, sem
entender como consigo me controlar com sua boceta tão perto de minha boca. — Foi pensando
em mim?
— Foi.
— Foi a primeira vez?
— Não.
— Ótimo — é só o que respondo antes de puxar seu corpo para baixo e prendê-la contra
minha língua.
— Cacete! — choraminga e tenta se levantar, mas a impeço, aumentando o aperto ao
redor de suas coxas. — Alencar... — geme, afundando os dedos em meu cabelo e girando os
quadris, melando meu queixo com o orgasmo que foi meu antes mesmo que eu estivesse
tocando-a.
Saber que se masturbou pensando em mim só faz com que meu ego cresça e entrando em
uma competição com o que quer que ela tenha imaginado, me esforço para conseguir que goze
ainda mais forte.
Fodo-a com minha língua, brinco com seu clitóris e estapeio sua bunda, sem nunca olhar
para longe dos olhos, que permanecem fixos nos meus. Ela morde o lábio inferior e suas coxas
estremecem. Agatha grita com o orgasmo e eu grunho contra sua boceta, quase gozando
enquanto a sinto mais melada que antes.
Seguro-a no lugar, esperando que os tremores se acalmem enquanto continuo lambendo-
a, para só depois permitir que desmonte do meu rosto.
Chuto os coturnos para longe e termino de tirar o macacão enquanto Agatha fica em pé e
desliza a calcinha pelas pernas, mas mal termino de me despir antes que ela volte para cima de
mim, me beijando.
— Cadê as camisinhas? — pergunta em minha boca.
— No quarto — respondo, mas ao invés de me afastar, seguro sua bunda e fico em pé,
carregando-a.
— Alencar! — exclama e se agarra ao meu pescoço. — Eu sou pesada!
— Não é não — garanto, beijando a tatuagem já cicatrizada. — É hipócrita, mentirosa,
linda e gostosa. Mas não é pesada.
— Está me xingando ou me elogiando? — reclama e grita quando a jogo na cama.
— Dizendo a verdade — corrijo e me ajoelho no chão, mais uma vez caindo de boca em
sua boceta.
— Alencar! — Ouvi-la me chamando assim, mesmo que em meio a um gemido, me faz
erguer o rosto para olhá-la.
— Lucas — peço e Agatha desencosta a cabeça do colchão, confusa.
— O quê?
— Me chama de Lucas.
— Por quê?
— Porque sua voz é ainda mais gostosa quando me chama assim — respondo e volto a
passar minha língua por sua boceta, assistindo-a voltar a deitar enquanto afunda os dedos no
lençol.
— Lucas!
Sorrio contra seu clitóris.
— Bem melhor.
Agatha se contorce, se esfregando em minha boca, mas também parecendo querer se
afastar da forma como a devoro. Ela grita mais alto quando a penetro com um dedo, mas
diferente da última vez em que transamos, seu corpo não fica tenso. Na verdade, o estímulo só a
deixa mais excitada, porque sua mão solta a roupa de cama e se afunda em meu cabelo, usando
os fios para me puxar contra si.
Sinto suas pernas voltarem a tremer contra minhas orelhas e mais rápido do que antes,
Agatha goza de novo.
Beijo a parte interna de suas coxas e trilho meu caminho para cima, voltando para sua
boca e sorrindo ao encontrar a expressão de puro êxtase.
— Melhor do que gozar sozinha? — questiono e chupo um mamilo. Ela estremece.
— Muito melhor.
— Pode me chamar quando quiser ajuda — ofereço e passo a língua ao redor do outro.
— Quero ajuda agora, mais especificamente do seu pau — avisa e empurra meu ombro,
me derrubando sobre o colchão e se esticando para pegar a camisinha na gaveta ao lado da cama.
Ela não tem habilidade nenhuma para desenrolar o preservativo pela minha ereção, mas o
toque de suas mãos é o suficiente para que eu sinta minhas bolas pesarem mais uma vez, o que só
piora quando, ao apoiar as mãos em meu peito, ela desliza por meu pau.
— Porra.
— Meu Deus! — geme e tomba a cabeça para trás, tão atordoada quanto eu, mas logo
começa a se mover.
Agarro sua bunda e me sento. Sua boca busca a minha com a mesma necessidade com
que procuro pela dela, porque não tem como negar que nosso beijo é bom pra caralho. Assim
como nosso sexo, por isso, enquanto nossas salivas se misturam, ajudo Agatha a subir e descer.
Gememos. Suamos. Fodemos.
E quando sua boceta me aperta, gozo junto com ela, enchendo o preservativo.
Ofegantes, nenhum de nós se move para longe. Seus braços permanecem ao redor do
meu pescoço, enquanto minhas palmas continuam traçando o contorno de suas costas suadas.
— Eu falei sério — digo em seu cabelo.
— O quê?
— Sobre você me chamar sempre que quiser gozar.
Ela parece parar de respirar.
— Tá me propondo uma amizade colorida?
— Sim.
— E não acha que o sexo pode acabar complicando as coisas?
— Não, porque podemos quebrar todas as regras que criarmos, menos a que garante que
vamos ser honestos um com o outro e onde tem honestidade, não tem complicação. Nosso sexo é
bom e não tem motivo para não aproveitarmos isso enquanto você tá aqui.
— Mas e se...?
Sua hesitação faz com que eu a afaste para olhar em seus olhos.
— O que é que te faz querer fugir disso aqui, Agatha?
— Não quero correr o risco de me apaixonar por você — confessa.
— É uma ofensa?
— Não. É só que... Eu não quero me deixar de lado. Não quero que, em dez meses,
quando eu puder escolher, eu não me escolha.
— Como aconteceu quando você veio pra cá, por causa do seu ex — deduzo e ela
assente. — Não precisa ter medo de se apaixonar por mim, meu bem. Não acho que vá
acontecer, mas se acontecer, pode ter certeza de que não vou deixar que escolha nada antes de si
mesma.
— E você não tem medo de se apaixonar por mim?
Rio e nego.
— Não tenho medo de sentimentos e também não acho que vá acontecer, mas se eu me
apaixonar por você, vou te dizer e lidar com isso.
— E como funcionaria? A amizade colorida?
— Da mesma forma como tá funcionando agora, mas quando eu te provocar, não vai
precisar mentir e dizer que é imune porque — olho para baixo, para o ponto onde nossos corpos
permanecem unidos, meu pau atolado dentro dela — claramente você não é.
— Arrogante.
— Hipócrita.
— Debochado.
— Gostosa.
— Ser xingado te deixa com tesão, Alencar? — Ergue a sobrancelha e eu rio, nos girando
no colchão.
— Você pelada no meu colo me deixa com tesão. Por isso, quero que aconteça mais
vezes.
Ela pensa por alguns segundos, até que morde o lábio inferior e prende o dedo na
correntinha que paira sobre seu rosto, me puxando para baixo.
— Não quero que as coisas fiquem estranhas — repete perto de minha boca e eu sei que
essa é sua última barreira caindo.
— Não vão ficar. — Então eu a beijo.
DESABO NO TRAVESSEIRO, ofegante e suada, ainda com o corpo trêmulo depois da
sequência de orgasmos.
Será que tem como morrer de tanto gozar? Acho que vou descobrir isso em breve, se
continuarmos assim. Minha boceta está até ardendo!
— Já vou pro meu quarto — aviso, sem olhar para onde Lucas está deitado, parecendo
tão ofegante quanto eu.
— Como assim?
— Não vou dormir aqui.
— Por que não? Você ronca, por acaso?
— Não.
— Então qual o motivo?
— Sei lá. Não é meio que uma das regras do sexo casual? Não dormir juntos?
— Não combinamos que acabaria essa história de regras? — resmunga, se virando de
lado para me olhar.
— Sim, mas essas não sou eu que estou criando. São pré-existentes. Não é errado que
amigos coloridos durmam juntos?
— Não. Pelo menos, não é algo que precisamos seguir. A gente dita como vamos
funcionar, Bittencour.
— Pactos claros, amizades longas.
Ele sorri.
— Exatamente.
Chega a ser preocupante como nada parece errado com Lucas, mesmo as coisas mais
absurdas.
Aceitar ir para sua casa, naquela primeira noite, não pareceu errado.
Aceitar me mudar para cá, mesmo sem conhecê-lo direito, não pareceu errado.
Aceitar uma amizade com benefícios não parece errado.
Tudo com ele parece certo, e eu acho que tem a ver com a honestidade com que lida com
as coisas. Lucas é verdadeiro de uma forma assustadora e é isso o que me deixa tão confortável
com ele. Odeio mentiras e não consigo vê-lo mentindo para mim.
— As meninas vão saber por razões óbvias — digo e tombo a cabeça, olhando para a
marca arroxeada em seu pescoço, ciente de que o meu deve estar ainda pior. — Mas... Eu não
quero virar fofoca na base. Sei que ninguém tem nada a ver com isso, mas...
— Não vão falar de você — garante, tranquilo. — Sei como as coisas funcionam e
concordo que não precisam saber o que nós dois temos. Mas caso descubram, não vão falar de
você.
— Não tem como garantir isso.
Lucas sorri e arrogância brilha em seus olhos cinzas.
— Tem sim.
— Vai bancar o militar babaca? — Ergo a sobrancelha.
— Se for preciso, sim.
— Devo me preocupar?
— Não. Você é a única que não precisa se preocupar com esse meu lado, meu bem. —
Pisca para mim e se ergue sobre o cotovelo, descansando a cabeça em sua mão para me olhar. —
O que mais?
— Como vai ser nossa interação quando não estivermos transando?
— Como assim?
— Sei lá. Vamos ficar... Abraçados?
Lucas ri.
— Pela sua cara, você não quer.
— Não é isso — garanto, sem saber direito como explicar. — É que eu não sei como
agir. Se eu chegar do trabalho, por exemplo, te cumprimento com um beijo, um aperto de mão ou
um “e aí?”
— Como você quiser. Vai ter dia que vai se sentir carente e vai querer se enfiar no meu
peito, mas vai ter dia que vai se irritar por eu te provocar na fonia que não vai querer nem me
olhar. A gente vai saber o que fazer.
— É só agir naturalmente, então?
— Sim. Vamos continuar sendo amigos, só que nossa amizade vai ter novos limites, já
que agora você pode passar a noite na minha cama ao invés de precisar procurar por sexo.
Reflito por algum tempo, tentando encontrar alguma coisa errada nessa afirmação só
para, mais uma vez, me dar conta de como tudo relacionado a ele parece certo.
— Você disse que não vamos precisar procurar por sexo, porque estaremos aqui. Quer
dizer que somos exclusivos? — pergunto.
— Quer que sejamos?
— Não sei — respondo, honestamente. — Não me importo de ficar só com você, mas...
Ele semicerra os olhos quando deixo minha frase morrer, parecendo ler minha alma antes
de afirmar:
— Tem medo de que eu aceite a exclusividade e quebre nosso combinado.
Encolho os ombros.
— Não seria uma traição porque não teríamos um relacionamento, mas eu sei que isso
afetaria a forma como agimos, então prefiro que a gente não ofereça algo que não podemos
cumprir.
Lucas se senta e se inclina para que seus olhos estejam conectados com os meus, uma
seriedade desconcertante surgindo em sua expressão.
— Sei que o que aconteceu com seu pai e Antony te deixam com um pé atrás no quesito
confiança, mas eu não sou como eles. A gente pode estar em um relacionamento ou não, se eu
disser que não vou ficar com ninguém além de você, Agatha, eu não vou.
— Não quis te ofender.
— Não me ofendeu, meu bem — garante e suaviza tanto o tom quanto o olhar, seus
dedos contornando meu rosto em um afago carinhoso. — Estou dizendo que mesmo que o
passado tenha te marcado, você não pode deixar que ele atrapalhe seu presente.
— Eu sei.
Só que eu gosto da amizade que estou criando com ele. Gosto de como vejo Lucas. Não
quero arriscar isso porque sei que, caso ele não cumpra o que está oferecendo, não vou perdoá-
lo.
— Seremos exclusivos — decreta, como se quisesse provar um ponto.
E eu não duvido que queira.
— Você quer exclusividade? — rebato.
— Não me importo com isso. Não sou ciumento. Mas com certeza não vou reclamar de
ser o único a tocar você.
— Quer me provar que nem todos os homens são iguais? — questiono, cética.
— Quero provar que eu não sou. — Lucas se inclina para frente e enterra os dedos em
meu cabelo. — Além do mais, seria bem injusto com qualquer outro cara que tentasse te tocar.
— Ah é? E por quê?
— Porque nenhum chegaria aos meus pés, Bittencourt. E você sabe disso.
— Arrogante.
Ele sorri e nega, aproximando o rosto ainda mais do meu, nossos narizes se tocando.
— Desde a primeira noite, você sabe que isso não é arrogância. Eu só sou bom.
É. Ele é bom.
Lucas me beija devagar, explorando minha boca com a língua em um movimento sem
pressa. Sinto meu corpo reagir ao seu toque, aquecendo pouco a pouco, mas quando ele sente
que estou perto de voltar para seu colo, seus lábios se movem em um sorriso convencido.
— Você não disse que trabalha amanhã? — pergunta, beijando meu maxilar.
— Disse.
— Então por que parece que quer voltar a sentar no meu pau ao invés de dormir? —
Morde o lóbulo de minha orelha e eu estremeço. — Precisa estar descansada pra controlar meu
voo.
Choramingo.
— Você vai voar?
— Aham. — Ri. — A manhã toda. O esquadrão inteiro, na verdade. Temos treinamento
de manobras, por isso — ele me puxa para si, enquanto volta a deitar no colchão —, é melhor
descansar.
— Não me dê problemas amanhã, piloto — peço, sentindo o sono se formar enquanto me
aconchego dentro de seus braços.
— Não vou dar, controladora — garante, e mesmo que não possa ver seu rosto enquanto
permaneço com a cabeça apoiada em seu peito, sei que ele está sorrindo. — Mas saiba que todo
segundo que eu ouvir sua voz na minha cabine, vou lembrar de como gemeu meu nome,
independentemente de quão mandona você soar. Tudo bem?
— Boa noite, Alencar — resmungo, rolando os olhos para seu comentário enquanto sinto
seu corpo vibrar com a risada baixa.
— Boa noite, meu bem.
FAÇO OS PROCEDIMENTOS PRÉ-VOO, checando os comandos do caça enquanto sorrio
para a voz de Agatha dando instruções para as outras aeronaves que estão decolando para o
treinamento de manobras que acontece, pelo menos, uma vez por mês.
Ela parece levemente entediada enquanto fala, mesmo que o tom imperativo não
abandone a dicção perfeita e assim que há silêncio no rádio, pressiono o botão e digo:
— Bom dia, torre. É o Jaguar01, pronto pra decolagem.
É a segunda vez que lhe dou bom dia.
A primeira vez foi quando acordei com seu rosto enterrado em meu pescoço, a respiração
tranquila atingindo minha pele de uma maneira gostosa.
Olhei a hora no celular e apesar de saber que já precisava ficar de pé, permaneci imóvel,
deixando que Agatha dormisse um pouco mais.
Era bom senti-la aconchegada contra mim, principalmente depois da nossa conversa de
ontem. Apesar de não ser ciumento e não me importar muito com exclusividade, havia algo
satisfatório em saber que ninguém além de mim a tocaria. Acho que ser sua primeira relação
casual me deixava possessivo, se é que isso faz sentido.
Além do mais, também gostava da ideia de ajudá-la a ver que mesmo que seu pai e seu ex
tivessem sido dois filhos da puta, nem todos agiriam assim com ela.
Eu não agiria assim com ela.
— Ei... — chamei depois de algum tempo e sorri quando Agatha resmungou alguma
reclamação, se encolhendo contra mim, tentando se esconder nos lençóis. — Você tem que
trabalhar.
— Não quero.
— Esqueceu que tem que controlar meu voo hoje?
— Por isso que não quero. Você sempre me dá problemas.
— Vou ser bonzinho — prometi.
— Não vai ter arrogância nem o deboche de sempre? — provocou, como se recriasse a
conversa que tivemos no bar.
— Você não gosta? É o ponto alto do meu charme.
Eu sabia que ela se lembrava do que me falou depois disso e quando ela se manteve em
silêncio, eu ri, empurrando-a contra o colchão para olhar em seus olhos.
— Repete o que disse naquela noite.
Agatha ergueu o queixo, petulante, se mantendo de boca fechada e eu dei risada mais
uma vez.
— Vamos, sua hipócrita. Repete que eu posso guardar meu charme pra outra pessoa
porque meu papinho de piloto não funciona com você.
— Idiota — resmungou e empurrou meu peito para longe, tentando se livrar de mim, mas
não me movi, também impedindo que saísse. — Alencar, se continuar enchendo o meu saco, não
vou te deixar decolar!
— Eu fico sem voar. Só quero que repita a ladainha de ser imune a mim depois de ter
passado a noite abraçada comigo. Fala que não te afeto, mas fala isso aqui, deitada na cama que
tá com o seu cheiro.
— Tá bom, Lucas! — rosna, se dando por vencida. — Eu posso ser imune ao papo de
piloto, mas descobri que não sou imune a você!
Empurrei os fios de cabelo para longe de seu rosto e me abaixei, sorrindo para sua
expressão sonolenta, porém irritada.
— Bom dia, Bittencourt — murmurei e deixei um beijo em sua boca, ciente de que era
uma coisa boa que eu não a visse enquanto ela controlava porque algo me dizia que eu teria
vontade de beijá-la, principalmente se sua irritação se parecesse com aquela.
Mas, diferente do “bom dia” que ela respondeu enquanto ainda estávamos na cama,
agora, enquanto nos comunicamos através do rádio, ela apenas diz:
— Jaguar01, prossegue até a cabeceira.
Certinha do caralho.
— Ciente, senhorita, prosseguindo.
Coloco o avião para se movimentar e mesmo sabendo que não conseguirei vê-la através
do vidro escuro, assim que saio do hangar, olho para a torre.
— Pronto pra partida, torre — informo, assim que checo os motores.
— Jaguar01, autorizado alinhar e decolar — diz, e eu obedeço, cumprindo o que
prometi e não lhe dando problemas.
— Alinha e decola — repito[10], indicando que recebi a autorização correta.
Aumento a potência da turbina, sinto a aeronave vibrar com a força dos motores e inicio
a corrida de decolagem, ganhando velocidade o bastante para que, em segundos, as rodas
descolem do chão e eu esteja no ar.
— Jaguar01, decolado aos 26, autorizado a troca de frequência.
Avanço com a mão para o rádio, pronto para entrar na frequência que preciso, mas me
interrompo quando Agatha, pela primeira vez desde quando chegou aqui em Brasília, quebra a
regra que diz que não pode ser cortês e acrescenta:
— Bom voo.
No hangar, temos o costume de falar que “se é um voo, já é bom”, mas quando é essa
garota falando isso, algo me diz que será ainda melhor, então, como um idiota, sorrio e imagino
que posso olhar em seu rosto quando respondo:
— Obrigado, senhorita. Até mais tarde.
Passo toda a manhã voando, realizando manobras de interceptação conforme instruído
pelos controladores responsáveis, até que, por volta das onze, preciso retornar para o aeroporto e
reabastecer, mas decolo logo em seguida e permaneço no ar até depois do pôr do sol, quando
finalmente faço o pouso final e sigo para o hangar.
Completo os procedimentos pós-voo, mas quando as solas dos meus coturnos tocam o
chão e eu olho para meu celular, sinto meu coração parar de bater ao me deparar com sete
chamadas perdidas de meu cunhado.
Sete.
Sem pensar, retorno a ligação, a preocupação se formando em meu estômago enquanto
penso em minha irmã e em meus sobrinhos.
— Lucas? — Leonardo responde no terceiro toque.
— Acabei de pousar. O que aconteceu? — Minhas mãos tremem.
Não é incomum falar com Leo, mas é incomum ver todas essas ligações perdidas. Me
apavora pra caralho.
— A Malu passou mal e precisou vir pro hospital.
Olho para o caça, mentalizando o tempo necessário para abastecer esse avião, fazer um
plano de voo e decolar para Belo Horizonte, pouco me fodendo para quaisquer problemas que
teria ao roubar uma aeronave militar para cuidar de assuntos pessoais.
— Ela tá bem — garante, como se soubesse o que estou planejando fazer. — Os três
estão.
— Quem tá bem não vai pro hospital, Leonardo.
— Mas quem tá grávida de gêmeos de quase oito meses vai. Ela teve algumas
contrações e eu te liguei pra avisar que eles podiam nascer, mas já tá controlado.
Esfrego o cabelo com força.
— Tem certeza?
— Acha que eu estaria falando no telefone com essa calma se eu não tivesse certeza de
que minha mulher e meus filhos estão bem?
Não. Eu sei que ele não estaria.
Mas saber que minha irmã está bem não evita que eu pense no que aconteceria se ela não
estivesse.
Apesar dessa possibilidade ter passado por minha cabeça, sei que não posso pegar uma
aeronave militar para cuidar de assuntos particulares. Assim como sei que, segundo nossas
normas, deixar de cumprir meu dever pode acarretar punições sérias, então não poderia sair
daqui sendo que tenho um voo programado para amanhã cedo.
Mas caralho! Eu também não poderia ficar sem chegar até minha irmã que é uma das
pessoas mais importantes da minha vida!
Acredito no que Leonardo está dizendo. Sei que ele estaria completamente enlouquecido
se ela não estivesse bem. Mas não muda que a minha carreira está impedindo que eu cuide da
minha família!
Maria Luiza tem Leonardo, tem seus amigos, tem o maior hospital do país, todos prontos
para ajudarem, mas eu sou seu único irmão! Eu deveria conseguir estar lá, se fosse necessário.
— Posso falar com ela? — peço, assim que ele termina de explicar que esse tipo de
contração não coloca nem Malu e nem meus sobrinhos em risco.
— Loirinha? — ouço-o chamar, a voz distante do telefone. — Lucas quer falar com
você.
— E aí, maninho? — Maria Luiza diz com tranquilidade e sua calma faz com que eu
relaxe, encostando contra a parede do hangar como se fosse incapaz de sustentar meu próprio
corpo.
— Como você tá?
— Tô bem.
— Malu...
Ela ri.
Quando ela era mais nova, sua risada era um som raro de ser ouvido, principalmente
porque ela quase nunca tinha tempo para se divertir enquanto estudava para se tornar médica,
mas desde quando conheceu seu marido, seu riso se tornou mais frequente, indicando o quanto
ela está feliz.
— Estou bem, Lucas. Alice e Pedro também estão bem. Falei que Leonardo não
precisava te ligar.
— Não precisava me ligar?! — repito, perplexo. — Como assim não precisava me ligar?!
Ficou maluca? E se você estivesse parindo? Ou, sei lá, com algum problema?
— Eu não estava. E mesmo se eu estivesse, não tem muito que você pode fazer.
— Poderia estar aí.
Seu silêncio prolongado diz que ela, assim como eu, sabe que não, eu não poderia.
— Estamos bem. Não se preocupe com a gente.
Fico mais alguns minutos falando com ela e, por mais que eu queira garantir que logo
vou conseguir aparecer lá, não digo isso porque odeio mentir, principalmente para minha irmã.
A escala de voo aqui do esquadrão está absurdamente cansativa e não tenho esperança de
que melhore. Com isso, a previsão que tenho de conseguir visitar Maria Luiza é setembro, que é
quando estarei de férias.
Mas ainda estamos em fevereiro! Os gêmeos, se não nascerem prematuros, o que
Leonardo já disse que é provável que aconteça, estarão aqui em março. Não quero que demore
tanto para conhecer meus sobrinhos. Não quero que minha irmã passe por mais uma experiência
tão grande quanto essa sem que eu esteja por perto. Até hoje me sinto culpado quando lembro
que não pude estar presente em sua formatura de Medicina, graças à punição que levei durante a
formação.
— Eu preciso desligar. Tenho que dormir um pouco antes que as contrações voltem.
— Tem certeza que isso...?
— Sim, Lucas. São normais — garante pela quarta ou quinta vez.
— Tá dizendo como médica ou como irmã que não quer preocupar seu irmão caçula?
Mais uma vez, ela ri.
— Os dois. Não se preocupe. Quando eles realmente forem nascer, peço pra te
avisarem.
Eu não precisaria ser avisado se conseguisse estar mais presente.
Suspiro.
— Tudo bem, maninha. Se cuida e cuida das minhas crianças. Preciso assustar os dois
dizendo que foram achados no lixo.
— Pode deixar. E você também. Se cuida, principalmente quando estiver voando. Estou
com saudade.
— Eu também. Amo você.
— Amamos você, tio Lucas.
Sorrio, mas quando a ligação é encerrada e eu olho ao redor do hangar, meu sorriso
escorrega.
Eu nunca odiei o militarismo, mas agora, enquanto ser militar me impede de ser um bom
irmão para a pessoa que sempre fez de tudo por mim, não consigo dizer que amo minha
profissão.
Me desencosto da parede, guardo o celular e vou para casa.
ACORDO COM O SOM da porta da frente se fechando e coço os olhos, tentando me
acostumar com a claridade.
Cheguei do trabalho logo após o turno da manhã e depois de almoçar, voltei para a leitura
do regulamento de ontem, mas acho que a noite que passei transando me cansou mais do que eu
imaginei, porque caí no sono sem nem mesmo apagar a luz.
Meio sonolenta, me levanto e abro a porta do quarto, mas franzo o cenho ao encontrar
Lucas sentado no sofá, ainda com o macacão de voo, porém, diferente da animação de hoje de
manhã, ele parece exausto.
— Oi — digo, cautelosa, e dou alguns passos em sua direção.
— Oi, Bittencourt — responde, mantendo a cabeça apoiada no encosto do sofá enquanto
os olhos permanecem fechados.
— Tá tudo bem?
Ele dá um sorriso pequeno.
— Aham. Só tô um pouco cansado.
Ontem, ele me disse que agiríamos de maneira natural, mas apesar da vontade que sinto
de me aproximar, não acho que classificaria isso como natural, então decido fazer o contrário e
aviso:
— Eu vou voltar pro meu quarto.
— Não. — Finalmente, ele abre os olhos e me encara. — Vem ficar aqui comigo —
pede, parecendo ter a mesma vontade que eu.
— Tem certeza que você tá bem?
— Só quero me distrair um pouco. Vem cá — chama, acenando com os dedos.
Ainda cautelosa, obedeço e me aproximo até acabar sentada ao seu lado, mas me
surpreendo quando Lucas passa um braço ao meu redor e me puxa para si, primeiro com
suavidade, me dando tempo para me afastar, porém, quando percebe que não tenho intenção de
sair de perto, termina de me arrastar até que acabo em seu colo.
— Acho que é você quem tá carente hoje — comento quando ele enterra seu rosto em
meu pescoço e sinto seu riso fraco contra minha pele.
— Estou.
— O que foi que aconteceu? Deu alguma coisa errada com o voo?
— Não. O voo foi tranquilo. Só cansativo. — Sua voz próxima ao meu ouvido faz meu
corpo amolecer. É gostoso, mas não impede que eu me preocupe com sua expressão tensa.
— Então por que parece chateado?
— Minha irmã me ligou.
— Ela tá bem? — pergunto, e ele assente, mas suspira.
— Sim. Ela e os gêmeos estão bem.
— E isso não é bom?
— É. Mas também me fez pensar que, se ela não estivesse bem, eu não poderia nem
mesmo estar por perto porque decidi ser militar e isso impede até que eu cuide da pessoa que
sempre fez de tudo por mim.
Ele não aumenta a voz para dizer isso, mas seu corpo fica tenso, sua respiração mais
pesada e eu sinto a frustração irradiar dele.
Me lembro da conversa que tivemos há alguns dias, sobre como ele reforçou que pensa
sobre abandonar a carreira militar por conta dos sacrifícios que precisa fazer. Além disso, no
último mês, ouvi sobre Maria Luiza e entendi a admiração que ele tem pela irmã, então imagino
quão incomodado ele deve estar.
— Posso tentar uma coisa? — pergunto, sem saber ao certo como tranquilizá-lo, mas sem
gostar de ver como está tenso. — Acho que pode te relaxar.
— Sexo?
Estalo a língua.
— Não.
— Você vai precisar sair do meu colo? Tá gostoso te segurar assim.
Sorrio, tendo uma ideia.
— Dá pra fazer o que eu quero assim — respondo.
— Então tudo bem. Faça.
— Eu já venho — aviso e fico em pé, me apressando até meu quarto.
Encho os braços com produtos e retorno para a sala, soltando um riso ao ver a expressão
assustada que toma o rosto de Lucas assim que me vê.
— Eu acho que mudei de ideia — comenta e pega o face roller[11], encarando-o com
preocupação. — O que é que você quer fazer com isso aqui, Bittencourt?
— Skincare — digo e empurro seus ombros para que volte a se encostar no sofá. Monto
em seu colo e o encaro de perto, seus olhos fixos nos meus. — Pensei em te chamar pra cozinhar,
mas você disse que é péssimo, então pensei nisso porque... Sempre me acalma. — Dou de
ombros, sentindo meu rosto corar.
De onde foi que eu tirei que Lucas Alencar, o piloto do Jaguar01, líder de um esquadrão
de caça, vai me deixar fazer skincare nele?
Ele me olha, atônito, e quando mais tempo leva para que diga alguma coisa, mais sem
jeito me sinto, até que começo a me levantar, assimilando quão ridícula essa ideia é, mas não
tenho tempo de sair de seu colo antes que Lucas segure minha cintura, me impedindo.
— Sabe que estragar meu rosto não vai me deixar menos irresistível pra você, não sabe?
— Pra sua sorte, não preciso mais resistir a você, então não corre o risco — garanto,
voltando a relaxar sobre ele.
— Então fique à vontade, meu bem.
Lucas desce as mãos para o topo de minhas coxas e solta o corpo contra o sofá.
— Vou começar limpando sua pele — aviso e puxo um lencinho, sem colocar a tiara no
cabelo curto que, com certeza, não vai atrapalhar. — O que foi que aconteceu com a sua irmã?
— Não aconteceu nada. Ela e os gêmeos estão bem. Mas quando eu pousei, vi várias
chamadas perdidas do meu cunhado e entrei em desespero.
— Porque achou que tivesse algum problema — deduzo.
— É. Eu sempre falo com Leonardo, mas eram sete ligações. Parecia algo sério.
— E não era? — Pego o hidratante, descartando os ácidos porque duvido muito que
Alencar use protetor solar antes de voar e não quero correr o risco de manchar seu rosto.
— Eles disseram que não. Parece que se chama contração de treinamento e que é uma
coisa normal, mas ela precisou ir pro hospital pra garantir que não tava entrando em trabalho de
parto.
Movo seu queixo para cima e começo a espalhar o produto por suas bochechas.
— E tá tudo bem. Os bebês não nasceram. Ela não tá sentindo dor. Tá tudo bem, mas não
dá pra não pensar que se tudo estivesse mal, eu não teria o que fazer. Eu não poderia estar lá.
Pressiono os polegares em sua testa, espalhando o creme, mas também massageando as
rugas que se formam conforme sua frustração cresce.
— Saber que eu não posso estar por perto da pessoa que sempre fez de tudo por mim...
Sei lá, me faz pensar que o que estou fazendo é errado. Usar isso aqui parece ser mais um peso
do que um privilégio — diz e solta uma das mãos de minha coxa só para puxar o tecido do
macacão.
— Não tem nenhuma chance de conseguir uma folga? — pergunto e ele ri.
— Conseguir, eu consigo. O problema é que se alguma coisa acontecer e cancelarem essa
folga, eu preciso estar aqui.
— Porque você é militar vinte e quatro horas por dia e quando o dever chama, você
precisa atender — repito as palavras que ouvi durante minha formação e fecho o frasco de creme
enquanto ele assente. — Sei que não conheço sua irmã, mas aposto que ela sabe que você
gostaria de estar lá com ela.
— Eu sei que sim — diz e move os polegares, enfiando-os por dentro do tecido da minha
camiseta e circulando a pele da minha barriga em um movimento distraído. — Mas não muda
que eu não estou. Hoje, não consegui atender as ligações porque estava voando. No Natal, não
pude ficar lá, porque precisava voar. E eu não preciso de semanas de folga. Posso fazer um bate-
volta em dois dias, mas não tenho nem mesmo os finais de semana livre.
Ele não está exagerando.
Desde quando cheguei aqui, não o vi passar mais de um dia sem trabalhar. Às vezes, não
leva mais de uma hora para que ele retorne da base, mas ainda assim, são missões que ele não
pode deixar de cumprir por estar viajando.
Gostaria de poder lhe dar uma solução, mas não posso dizer para que abandone a carreira
que tem na Força Aérea, até porque, como líder de um esquadrão, é óbvio que ele ainda vai
crescer muito no meio militar. Porém, é horrível ver essa chateação em seu rosto. É terrível não
conseguir confortá-lo. Faz com que eu me sinta mal pra caramba.
— Quer que eu chame a Bia? — ofereço e Lucas me olha, sem entender. — Ela sempre
sabe o que dizer. Ou a Nicole? Ela com certeza vai conseguir te fazer rir com alguma coisa. Só...
Quero que você fique bem.
Lucas sorri e sua expressão se suaviza enquanto suas mãos sobem para meu rosto.
— Estou bem. Só estou cansado do militarismo, mas estou bem. E relaxado — garante.
— Parece que o skincare funcionou.
Ele ri baixinho e balança a cabeça.
— Acho que não foi o skincare — murmura e puxa minha boca para a sua em um
selinho, então abraça meu corpo e me segura contra seu peito.
— Ainda tá carente? — pergunto em um sussurro, sem entender por que meu coração
parece prestes a quebrar minhas costelas por conta de um abraço, sendo que ontem à noite
fizemos muito mais do que isso.
— Sim. Muito carente. — Seus braços se estreitam ao meu redor, como se quisesse
garantir que não vou a lugar nenhum.
— Então tá tudo bem eu ficar assim, não é?
Não parece estar tudo bem.
Se estivesse, meu coração não bateria tão forte, minhas mãos não estariam trêmulas e
minhas pernas não pareceriam fracas.
O benefício que acrescentamos à nossa amizade é o sexo e não esse tipo de contato. Ele
deveria me fazer gozar e não sentir borboletas no estômago.
Ontem, Lucas disse para agirmos de forma natural, mas não imaginei que isso
aconteceria. Aqui, mesmo que esteja sentada em seu colo, não há nada sexual. Há apenas...
Carinho. Afeto. Cuidado.
— Sim — ele responde, também parecendo não ter certeza.
E mesmo assim, nenhum de nós se move porque, mais uma vez, não parece errado.
Pelo contrário.
Nada nunca pareceu tão certo quanto permanecer aqui.
ME SOBRESSALTO QUANDO uma almofada acerta meu rosto e olho para Nicole, sem
entender.
— Não faz essa cara pra mim — diz e balança a cabeça, voltando a bater os dedos sobre
as teclas do computador. — Sua lesma.
— Do que você me chamou?
— Lesma — repete, sem nem mesmo me olhar. — Tartaruga. Caracol.
— Você enlouqueceu.
— Não enlouqueci, não. Você que parece que tá andando pra trás — acusa. — Seu...
Seu... Seu... Jabuti!
— Jabuti?
— É. É um tipo de tartaruga.
Estalo a língua.
— Eu sei o que é um jabuti, Nicole, tô querendo saber por que estou sendo chamado
disso.
— Porque você é lerdo. LER-DO!
Na cabeça dela, tem um motivo para eu estar sendo xingado, mas como ninguém
consegue acompanhar o raciocínio de Nicole Palazzini, eu apenas espero que ela esclareça o que
é que eu fiz.
— Uma semana, Lucas! — Balança a cabeça, descontente. — E ainda não teve nem um
“estou apaixonado por você”?
Ah não.
— Que tipo de mocinho cadelinha você é?
Esfrego o rosto, repensando a necessidade dessa amizade.
Como sabíamos que aconteceria, Nicky, Bia e Ciça descobriram sobre nossa amizade
colorida em menos de dois dias, e apesar das amigas de Agatha serem um pouco menos eufóricas
que Nicole, todas apoiaram, dizendo que não havia por que não unir o útil ao agradável.
— Eu não sou cadelinha.
Ela me olha, cética.
— É sim. Só não tá agindo de acordo. Eu vou viajar em alguns dias e não teve nem um
“eu te amo”!
— Alguns dias, Nicole? Estamos em fevereiro e você viaja em julho! — Dá para
acreditar nessa exagerada?
— Mas pelo andar da carruagem, nem se eu viajasse em dezembro do ano que vem, eu
veria esse casal se formar.
— E sabe de quem é a culpa? — questiono, aceitando que não adianta lutar contra a
história de que eu e Agatha nos tornaremos um casal ainda mais com a pessoa que já até criou
um shipper para nós dois. BittenCar. — Do seu pai.
— Olha, meu pai é culpado de muita coisa, mas não de você ser uma lesma.
— Eu teria mais tempo de me apaixonar por Agatha se não passasse o tempo todo
viajando, ou esqueceu que eu acabei de chegar de uma missão de quatro dias?
— E meu pai tem culpa de você ser piloto?
— Ele tem culpa de não solicitar mais pilotos pra que eu voe menos.
— Tá. Meu pai tem culpa — concorda, cedendo. — Mas ele é só uma pedra no caminho
até o seu felizes para sempre.
— Por que não para de se preocupar com o meu felizes para sempre e se concentra nesse
livro aí? — Aceno com o queixo para o laptop.
— Porque eu preciso de ajuda.
— Eu não vou te ajudar com nada — aviso, sério, me lembrando que da última vez que
aceitei “ajudá-la”, acabei tirando sua virgindade.
Amo Nicole, mas eu nunca mais quero pensar na possibilidade de encostar nela, ainda
mais considerando que não consigo pensar em tocar ninguém que não seja a garota de cabelo
cacheado que, nesse segundo, abre a porta e entra, vestindo a farda camuflada.
Ignoro a preocupação que sinto ao entender que quatro dias foram o bastante para que eu
sentisse saudade dela e sorrio para a surpresa que surge em seu rosto quando ela nos vê no sofá.
— Mas ela vai me ajudar! — Nicky diz, animada e isso sim me preocupa. — E aí, meu
bem? — debocha, chamando-a da mesma forma como eu.
— Oi, Nicky. — Agatha sorri e fecha a porta antes de me olhar. — Achei que voltasse só
mais tarde.
— Não finja que não tá feliz em me ver, Bittencourt — provoco. Porque eu estou feliz de
estar de volta e não tem nada a ver com o cansaço da missão em São Paulo. Tem a ver com ela.
— Ai... Por. Favor! Se casem! — Nicole pede, choramingando com as mãos apoiadas
sobre o peito.
Não sei o que eu faria se Agatha não aceitasse essa maluquice de Nicky com tanta
tranquilidade. Claro que não me afastaria da minha melhor amiga, mas seria, no mínimo,
complicado conciliar a existência das duas em um mesmo lugar se elas não se dessem bem.
— Vamos nos casar em breve — garante, rolando os olhos e ajeitando a bolsa no ombro.
— Quer ajuda com o quê?
— Anal.
Pelo amor de Deus!
Meu queixo cai ao mesmo tempo em que os olhos de Agatha se arregalam.
— Como é que é? — ela pergunta, assim que consegue recuperar o poder da fala, o que é
mais do que eu, porque não acredito no que Nicole está dizendo.
— Você mora com o Lucas e vocês transam, então ele já comeu seu cu, não é?
Bittencourt me olha, desorientada, procurando por intervenção.
E eu também acho que alguém precisa intervir. De preferência, um médico, considerando
quão grave essa situação está.
— Eu acho que você precisa se tratar — digo, por fim, olhando para Nicky.
Ela faz uma careta para mim, fecha o laptop e respira fundo, antes de olhar para Agatha
com uma seriedade incomum de ser vista no rosto de minha melhor amiga.
— Pode guardar um segredo? — questiona, e imediatamente entendo o que está
acontecendo.
Apesar de não ter passado despercebido o desconforto que Bittencourt sentia sempre que
notava como eu e Nicole encerrávamos algum assunto relacionado ao pseudônimo de Nicky
quando ela estava por perto, nunca pediria para que minha melhor amiga revelasse esse segredo,
mesmo confiando em Agatha. Assim como nunca trairia sua confiança, revelando-o por mim
mesmo.
Mas quando vejo que é isso o que vai acontecer aqui, me sinto aliviado.
— Posso — assente, cautelosa.
Vejo os olhos castanhos voltarem para mim, como se pedisse algum conselho sobre o que
está fazendo.
Sorrio.
— Confio minha vida a ela sempre que estou voando, Nicky. Ela nunca me decepcionou.
— Então acho que vou confiar meu segredo a você também. — Sorri e respira fundo. —
Eu sou uma autora.
Por longos minutos e sem se importar em ainda estar fardada, Agatha ouve o que Nicole
diz. Ela fala sobre como sempre amou livros e como, em algum momento, decidiu escrever.
Conta como sabia que seu pai não apoiaria essa ideia, então teve ajuda de uma amiga para
escolher um pseudônimo. Explica como foi seu primeiro lançamento e como os números
cresceram. E, para concluir, ela diz:
— Inclusive, aproveitando que estou te contando tudo isso, Lucas já autorizou, mas
gostaria de pedir os direitos autorais pra escrever a história de vocês quando estiverem casados,
com os quatro filhos e o cachorro.
Por alguns segundos, Agatha fica em silêncio, assimilando tudo o que acaba de ouvir, até
que ri, balançando a cabeça em descrença.
— Então é daí que vem tanta criatividade.
— É.
— Me sinto honrada por conhecer uma autora de tanto sucesso — diz, ainda sorrindo,
porém com os olhos mais suaves. — E eu sinto muito que precise esconder isso.
— Tá tudo bem. — Nicole dá de ombros. — Tô acostumada a não falar sobre isso com
muita gente. Mas, agora que eu posso falar com você, vai me ajudar?
— O que exatamente você precisa?
— Que você descreva como é o sexo anal.
— Eu nunca fiz anal — Agatha responde.
— Aposto que Lucas não vai se incomodar em te ajudar com isso — garante e bate a
mão no meu ombro.
— Não mesmo — respondo, provocando-a.
— Se eu ceder os direitos autorais da nossa história, você esquece essa ideia de anal? —
propõe ela, ignorando minha oferta.
— Só se eu puder ser sua madrinha também — Nicky faz a contraproposta e Agatha ri,
assentindo.
— Feito.
Quando elas se abraçam, eu sorrio.
Gosto de ver minha melhor amiga confiando em alguém ao ponto de contar algo tão
importante quanto isso, assim como gosto de não precisar mais encerrar um assunto porque
Agatha não podia ouvir o que estava sendo dito.
Mas não é só por isso que sorrio.
E por mais que eu queira ignorar a verdade, não muda que eu me sinto feliz por ver duas
pessoas tão importantes para mim se dando bem. Porque é isso o que Bittencourt se tornou sem
que eu sequer percebesse. Importante pra caralho.
GRITO QUANDO O TAPA ESTALA em minha bunda e ao sentir seu pau indo mais fundo,
mordo o lençol, sem conseguir raciocinar diante do tesão desumano que irradia de nós dois.
Não deu para ver o que estava acontecendo e eu não sei onde foi que minha farda acabou,
porque logo que Nicole saiu daqui e a porta foi fechada atrás dela, eu e Lucas nos lançamos um
sobre o outro.
Foram só quatro dias, mas estava com saudade do seu toque. Dos seus beijos. Do seu
pau.
— Lucas — reclamo quando o cretino desacelera as estocadas.
— O quê? — Ele nem mesmo consegue esconder que está sorrindo ao me ver rebolar em
busca de mais velocidade.
— Mais rápido.
Lucas se inclina para a frente e segura meu pescoço, erguendo meu tronco até que seu
peito pressione minhas costas. Seus lábios tocam a parte de trás da minha orelha, bem acima da
tatuagem que ele gosta de beijar.
— Não use essa voz mandona comigo enquanto estou te comendo, meu bem — diz,
rouco, e eu gemo, desesperada por mais.
Mas ele não me dá o que eu preciso e parece se divertir enquanto me contorço sob ele.
— Que merda, Alencar! — rosno, irritada, e grito quando ganho mais um tapa em minha
coxa.
— Esqueceu que prefiro que me chame de Lucas?
— E você esqueceu como se fode? — rebato, e finalmente, finalmente ele volta a estocar.
Meu rosto é pressionado contra o colchão mais uma vez e o som de sua virilha se
chocando contra minha bunda ecoa pelo quarto, se misturando com nossos gemidos.
Meu ventre pulsa, minhas coxas tremem e eu grito com o orgasmo. Lágrimas rolam por
minhas bochechas e aperto os olhos fechados, desabando de bruços, mas ele não para. Na
verdade, ele vai ainda mais forte, tomando cuidado apenas para não me esmagar sob seu peso
quando deita sobre mim.
Lucas puxa meu cabelo para o lado e enfia o rosto no meu pescoço, sugando a pele e
gemendo junto comigo.
Os tremores recomeçam, mais lágrimas se formam e eu jogo a cabeça para trás,
apoiando-a em seu ombro.
— Goza, Agatha. Não é o que você quer? — pergunta em um rosnado, a respiração tão
acelerada quanto a minha. — Então goza.
Como se meu corpo realmente estivesse sob seu controle, eu obedeço. Sinto minha
boceta apertar seu pau e fecho os olhos quando ele geme mais uma vez. Sua mão cobre a minha,
onde aperto o lençol, e nossos dedos se entrelaçam quando o clímax nos atinge como um tsunami
e nós gozamos juntos.
É intenso pra cacete e só quando os espasmos finalmente nos abandonam, abaixo o rosto
contra o colchão, ofegante.
É o único movimento que acontece, porque Lucas continua com o corpo em cima do
meu. Seu pau continua enterrado em mim. Nossos dedos continuam entrelaçados.
— Odeio admitir... — começa e beija meu ombro. — Mas senti sua falta nesses dias.
— Carência de novo, Alencar?
— Sinceridade, Bittencourt — corrige. — Pode admitir que também não via a hora de me
ver aqui.
Olho para ele, encontrando o olhar cinzento fixo em meu rosto e sem perceber, confesso:
— Também senti saudades.
Ele sorri, beija minha bochecha e se empurra para longe, saindo de dentro de mim.
Me ajeito em sua cama e puxo o lençol sobre meu corpo enquanto espero que Lucas volte
e assim que ele se deita ao meu lado, pergunto:
— Como que você e Nicole se conheceram?
Ele ri, virando de lado para me olhar.
— De onde veio essa pergunta?
— Sei lá. Eu não sabia que o pai dela tinha uma cabeça tão fechada, mas agora que sei,
imagino que não goste muito da amizade de vocês, então não acho que foi ele quem apresentou
vocês dois.
— Não. Mas eu conheci ela lá na base. Banquei o herói e ajudei ela a trocar o pneu. Com
segundas intenções, obviamente.
— Meu Deus, você não vale nada. — Balanço a cabeça.
— Só que quando descobri que era a filha do Coronel, desisti de pegar ela, mas continuei
conversando por mensagens e a gente meio que virou amigo.
— Então vocês nunca ficaram?
— Ficamos. Uma vez. — O desconforto fica claro em seu rosto e eu semicerro os olhos.
— Que cara é essa? O que foi que aconteceu?
— Lembra quando ela queria que você desse o cu pra passar as experiências pra ela
escrever? — Assinto, ainda sem acreditar que ela estava falando sério sobre isso. — Ela pediu
que eu tirasse a virgindade dela porque ela não conseguia escrever cenas de sexo.
— E você tirou? — Meu queixo despenca.
— Tirei. Pelo menos eu tinha certeza de que eu não ia machucar ela nem nada. Do jeito
que ela é doida, ia acabar pedindo pra algum desconhecido.
— E nunca mais tentaram nada?
Lucas ri.
— Nem se minha bola direita dependesse disso. Porra, nem se a direita, a esquerda e o
meu pau dependessem disso — ele se corrige, balançando a cabeça. — Foi traumático.
— O que aconteceu com ela?
— Com ela? — Bufa. — O que aconteceu comigo, né, Bittencourt? Foi traumático pra
mim.
Dou risada. Não tenho a menor dúvida de que Nicky pode traumatizar alguém.
— O que ela fez?
— A gente não tinha química nenhuma. Ela falou que não queria que eu beijasse ela
porque estava fazendo aquilo só pela experiência e ela não precisava de experiência pra beijar. E
no meio... Do ato...
— Do ato? — repito, sem acreditar que o mesmo cara que acabou de me mandar gozar
está usando essa expressão para se referir a sexo.
— É. Odeio lembrar que já encostei nela assim. Mas, teve um momento que ela me
perguntou quais os possíveis nomes ela podia usar pra se referir a um pau.
Pressiono os lábios juntos, lutando contra o sorriso.
— E o que aconteceu?
— Eu brochei, Agatha. O que você acha que ia acontecer? Meu pau desistiu daquela
maluquice.
Rio.
— Então você tem problemas com seu amiguinho? — provoco, e imediatamente seu
sorriso convencido surge.
— Me diz você. Depois de quase esfolar sua boceta, acha que meu pau tem algum
problema?
— Acho que a gente deveria fazer o teste. Da próxima vez que transarmos, não vamos
nos beijar.
— Nem fodendo.
— Com medo de brochar?
Ele bufa.
— Acho que meu pau subiria pra você até se eu estivesse morto, Bittencourt.
— Então qual o problema?
— Gosto do seu beijo e não vou ficar sem beijar a sua boca só porque quer testar algo
que você sabe que funciona muito bem.
— Sei? — Ergo a sobrancelha, tentando não me sentir afetada pelas palavras que acabo
de ouvir.
— Quer mais uma amostra, meu bem? — oferece e ameaça vir em minha direção, mas eu
balanço a cabeça, negando.
— Não!
— Então larga mão de falar merda e vem pra cá — pede, agarrando meu punho e me
puxando para perto.
Sem nem mesmo pensar em resistir, avanço para seu peito e me aconchego contra ele,
inalando a mistura de nossos cheiros.
— Como que foi esses dias sem mim?
Conversamos, nos provocamos e em algum momento, acabo com as costas pressionadas
contra o colchão, rindo contra sua boca enquanto ele me beija, também rindo de alguma bobeira.
Nossa intimidade é boa.
Nossos toques são gostosos.
Nossas risadas são verdadeiras.
Nossas conversas são fáceis.
É perfeito. Parece certo.
E por isso é assustador.
Eu não deveria sentir isso com uma pessoa que, em alguns meses, não fará mais parte da
minha realidade, porque por mais que Lucas cause borboletas em meu estômago, eu preciso
manter minha decisão e me escolher.
Não vou negar que Brasília parece um lugar melhor desde quando me mudei para sua
casa e passei a conviver com ele, mas eu preciso sentir que tenho o controle da minha vida e
seguir para Porto Alegre é uma forma de fazer isso.
Então, por mais que eu consiga ver que Lucas Alencar está cada vez mais enfiado dentro
do meu coração, nem mesmo me dou a chance de pensar na possibilidade de ficar.
Eu prometi que seria minha prioridade. E eu serei.
Mas eu ainda não preciso tomar essa decisão, então escolho não pensar sobre isso e
apenas me entregar ao que estou vivendo ao lado de um cara que logo vai ser apenas um amigo
distante.
— O que foi? — pergunta, afastando o rosto para me olhar, preocupado.
— Estou pensando que vou sentir sua falta quando eu for embora. — Nem mesmo hesito
antes de lhe dar a verdade, porque isso é uma das coisas que mais gosto sobre nós dois. A
sinceridade.
— Ainda tem quase dez meses aqui, meu bem. Para de pensar no futuro e aproveita o
presente.
Ele está certo, por isso, decido deixar esse problema para a Agatha do futuro, esperando
apenas que ela não sofra demais caso realmente se apaixone pelo cara que deixará para trás.
OS GÊMEOS NASCERAM dia quinze de fevereiro e eu nunca pensei que pudesse amar tanto
duas coisinhas daquele tamanho, mas no instante em que Leonardo mudou a câmera e me
mostrou os dois pacotes deitados dentro do berço, eu os amei.
Queria viajar até Belo Horizonte e refleti muito sobre conseguir um atestado médico só
para conhecer meus sobrinhos, mas minha ética me parou e eu me contentei apenas em saber que
eles estavam bem. Até o segundo em que Malu pegou o celular, sorriu para mim, e eu senti meus
olhos se encherem com a emoção de ver minha irmã, finalmente, conseguindo o futuro perfeito.
— Tô orgulhoso de você, Maria Luiza. Orgulhoso pra caralho.
E eu estava.
Queria que os dias corressem mais depressa para que eu finalmente conhecesse Alice e
Pedro, mas ao mesmo tempo, torcia para que o relógio se movesse devagar porque eu não estava
nem um pouco ansioso para ver Agatha indo embora.
Sei que é o que ela precisa fazer, e quando chegar a hora, vou ajudá-la de todas as
maneiras que conseguir, nem que precise dirigir até Porto Alegre caso ela não queira ir de avião.
Mas nem fodendo que vou dizer que estou animado para que ela saia da minha vida.
Eu não estou.
Respiro fundo, ignorando esses pensamentos e puxo as mangas do macacão até os
antebraços enquanto caminho para a entrada da base, onde eu e ela encontraremos o visitante de
hoje.
— Bom dia, tenente Lucas — Agatha diz, sedutora, prestando a continência assim que
paro ao seu lado e eu balanço a cabeça, antes de retribuir o gesto e cruzar meus braços.
— Não coloque ideias na minha cabeça com essa voz manhosa, Bittencourt. Posso acabar
querendo que me chame assim quando estivermos sozinhos.
Ela ri, mas não tem tempo de responder antes que um Audi prata passe pelos portões da
base e estacione na vaga que um dos soldados indica.
— Parece que nosso visitante chegou — comenta e descruza os braços, sorrindo para o
cara alto que vem em nossa direção.
Antes de cada visita, recebemos uma ficha sobre a pessoa que está vindo, afinal,
enquanto ele está aqui dentro da base é nossa responsabilidade, portanto, cabe a mim ou Agatha
autorizarmos sua entrada pelo portão principal, por isso, sei que seu nome é Diogo Passos, ele é
piloto da Latam e tem vinte e nove anos.
Nada demais. Nenhuma informação incomum.
Porém, basta dois segundos na sua presença para que eu tenha vontade de socá-lo.
— Bom dia! — ela diz, sorrindo, e estende a mão para ele. — Bem-vindo ao Aeroporto
Militar Marechal Antunes. Seremos os responsáveis pela visita. Sou a sargento Agatha
Bittencourt.
Ele sorri e lhe estende a mão.
— É um imenso prazer te conhecer, Agatha — diz, como se testasse o som do seu nome.
Involuntariamente, meu maxilar se contrai e penso sobre enfiar o braço entre os dois e
quebrar esse contato, mas ela é mais rápida e faz isso, dando um passo para longe.
— E esse é o tenente Alencar. — Acena para mim.
— Prazer, Alencar.
O imenso prazer é só para ela, seu filho da puta?
— Bem-vindo. — Estendo a mão, encarando-o de maneira fria.
— Tudo bem... — Agatha olha entre nós dois, parecendo notar minha expressão fechada,
então gesticula para a entrada da base. — Vamos começar?
— Vamos. Quanto mais rápido, mais rápido.
Nunca uma expressão militar fez tanto sentido na minha vida como agora. Se não
demorarmos pra começar, não demoraremos pra encerrar. Só quero acabar logo com essa visita e
nem mesmo sei o motivo.
Diogo é educado, faz comentários e perguntas inteligentes, mas sorri para Agatha de uma
forma que me incomoda, passa os olhos por ela como se imaginasse o que está sob a farda, diz
seu nome com um tom mais grave.
E tudo isso me deixa puto pra caralho.
— Tenente? — O toque familiar em meu braço me puxa de volta para a realidade e eu
olho para Agatha, que me encara, preocupada. — Quer falar mais alguma coisa sobre o hangar?
A única coisa que quero dizer é que não gosto de como ele está encarando minha mulher.
— Não — respondo e coloco os dedos na boca, assoviando para a tripulação que está
perto do helicóptero. — Marcondes? Tá pronto?
— Só tô esperando vocês acabarem de fofocar, garotas — debocha, mas olha para
Agatha. — Com todo respeito, sargento — brinca, já acostumado com a presença dela aqui,
considerando todas as vezes em que guiamos alguma visita e ela precisou aparecer no hangar.
— Perfeito, então. — Olho para Diogo. — Você vai pra um voo panorâmico para
conhecer o aeroporto, depois volta, e vamos pra torre — explico.
O imbecil, parecendo não entender onde está se metendo, volta os olhos para a garota ao
meu lado e, sorrindo, pergunta:
— Você vai voar comigo, Agatha?
Meu sangue ferve e se não soubesse o quanto isso pode trazer problemas a ela, já teria
puxado-a para perto só para deixar claro que ela é minha.
— Não, ela não vai — digo, seco, e aceno para o helicóptero. — Mas faça um bom voo.
O instinto de sobrevivência parece aflorar na cabeça de Diogo, porque ele apenas assente
e caminha na direção da aeronave, cumprimentando a tripulação. Espero que ele esteja de costas
para mim e, ao encontrar os olhos de Marcondes, bato no relógio em meu punho e giro o dedo do
ar, pedindo que dê algumas voltas e enrole para retornar com esse desgraçado.
Prendendo os headsets no ouvido, o piloto de helicóptero sorri e acena uma concordância
sutil antes de, com um estrondo, acionar o rotor.
Espero que o trem de pouso saia do chão para olhar para Agatha, encontrando-a com a
sobrancelha erguida para mim.
— O que é que tá acontecendo com você? — pergunta baixo, tomando cuidado para que
nenhum dos militares ao nosso redor ouça a forma como não me chama de senhor, ignorando a
hierarquia.
— Vem comigo. — Caminho em sua frente, sabendo que ela não está familiarizada com
essa parte do hangar e empurro a primeira porta à esquerda, abrindo espaço para que ela entre.
— O que foi que...?
Agatha não tem tempo de terminar de falar, porque assim que estamos dentro do
alojamento vazio, agarro seu rosto e a beijo, pressionando seu corpo contra a porta.
— Lucas! — Ela tenta me empurrar, assustada, mas eu balanço a cabeça, negando.
— Ninguém vai ver a gente — prometo perto de sua boca, alternando a atenção entre as
pupilas dilatadas e os lábios entreabertos.
— O que você tá fazendo?
— Me acalmando — sussurro e volto a me aproximar, dando tempo para que ela me
empurre, se quiser, mas sendo tomado pelo alívio quando, ao invés de evitar o contato, Agatha
circula meu pescoço e me puxa para si.
Senti-la se entregar ao beijo é como ter uma dose de calmante correndo por minhas veias,
e enquanto nossas línguas se acariciam, sinto a irritação se esvair até que, ofegantes, quebramos
o beijo, mas permanecemos próximos, deixando nossas testas unidas.
— Vai explicar o que aconteceu?
— Não gostei de ver aquele cara te olhando daquele jeito — digo.
Ela não pede explicações e isso só demonstra que ela também notou, mas Agatha
também não perde a chance de me provocar e com um sorrisinho convencido, comenta:
— Achei que não fosse ciumento.
— Não sou.
— E o que é que você tá sentindo agora?
— Ciúmes pra caralho — confesso sem o menor problema.
É a primeira vez que sinto algo tão amargo quanto isso. É uma mistura de insegurança,
com irritação e... Sei lá o que mais. É incômodo, mas também é real. Estou completamente
enlouquecido de raiva por ver um homem dando em cima dela.
Eu acabo de ter uma crise de ciúmes só porque um cara flertou com uma mulher que nem
minha namorada é! Somos amigos coloridos. Não estamos em um relacionamento, apesar de
sermos exclusivos. E mesmo assim, todo meu corpo parecia prestes a entrar em combustão com
a fúria que sentia.
— Pode guardar esses ciúmes, Alencar — ela diz assim que se recupera da surpresa que
cruza seu rosto ao ouvir minha confissão. — Temos exclusividade.
— Eu sei. Mas não senti ciúmes por pensar que você me trocaria por aquele imbecil. Só
não gostei de ver alguém querendo o que é meu.
— E o que exatamente é seu?
— Você, Agatha — informo, sério, e sem abrir espaço para oposições. — Pelo tempo
que tivermos juntos, você é minha.
MEU FEMINISMO QUE ME PERDOE, mas naquela semana, gostei de ouvir Lucas Alencar
dizer aquilo enquanto seu corpo coberto pelo macacão de voo me pressionava contra a porta.
Aquela frase ainda martela em minha cabeça, principalmente porque pela forma como ele
me olhou ao afirmar que eu pertencia a ele, pude ver que ele também pertencia a mim.
Pelo tempo que tivermos.
Naquele dia, por mais que eu não quisesse admitir, me senti aliviada por meu tempo aqui
em Brasília não ser tão curto.
Queria mais das crises de ciúme. Mais da irritação se transformando em calma contra
minha boca. Mais das risadas na cama. Mais das conversas na cozinha. Mais de acordar em seus
braços.
Eu queria mais de Lucas e eu esperava conseguir me satisfazer de tudo isso até
dezembro.
Exceto que, talvez, eu não tenha até dezembro.
— O quê? — Pisco, sem conseguir assimilar o que Cecília acaba de me dizer.
— Senta aí. — Acena para o sofá do apartamento em que vivo e eu obedeço, incerta
sobre conseguir me manter firme sobre as pernas. — Tem uma controladora que formou comigo,
chamada Yasmin, que tá trabalhando em Porto Alegre. Ela disse que estava pensando em vir pra
Brasília porque quer ficar perto da família, mas quando ela pediu a transferência, disseram que
não tem vaga nenhuma pra cá.
Assinto, demonstrando entendimento.
— Ela me mandou mensagem, perguntando se eu sabia de alguém que está querendo sair
daqui e eu comentei que tinha uma amiga que queria ir, justamente, pra Porto Alegre. — Sinto
minha garganta secar. — E ela ofereceu de vocês fazerem uma permuta.
— Ou seja...?
— Ela ocupa sua vaga aqui em Brasília e você ocupa a vaga dela em Porto Alegre. Como
nenhuma das bases vai ficar desfalcada, você não precisaria esperar até dezembro pra se mudar.
Espero a felicidade, mas sou tomada pela angústia.
— Se eu aceitar, eu vou agora?
Ciça nega e olha para o celular.
— Estamos no começo de março, até toda a documentação ser aprovada, você iria... Em
maio, mais ou menos.
Maio.
Sete meses antes do que eu estava esperando.
— Ei... — Cecília segura minha mão, atraindo minha atenção para seu rosto. — Não
precisa responder agora. Eu não confirmei nada com ela, só vim te dar a opção. Sei que precisa
pensar primeiro. Talvez conversar com Lucas sobre isso.
Por que eu falaria com Lucas sobre uma decisão minha? Não foi isso que fodeu tudo
antes? Não foi por isso que eu acabei vindo para uma cidade que eu não queria? Por eu ter
decidido conversar com Antony e aceitar sua opinião?
Tão logo esse tipo de pensamento chega até mim, eu o descarto por um simples e único
motivo: Lucas Alencar não tem nada a ver com Antony.
Cecília não fica por muito tempo porque precisa trabalhar, e assim que estou sozinha no
apartamento, tomo um banho e deito em minha cama, ciente de que preciso organizar o que estou
sentindo antes de tomar qualquer decisão.
Quando peguei aquele microfone e abri mão da minha escolha para seguir Antony, desde
o momento em que considerei não ir para Porto Alegre, senti que estava cometendo um erro, mas
por teimosia e falta de experiência, segui em frente.
Agora, conhecendo os enganos que a Agatha do passado cometeu, posso usar minha
experiência para não fazer o mesmo no presente, então sei que devo seguir para a capital gaúcha,
porque essa sempre foi minha vontade. A minha escolha, e eu mereço me escolher.
Eu sinto que ir é o certo.
Mas pensar que isso vai colocar um ponto final no que tenho com Lucas é horrível.
Não sou idiota. Já percebi que meus sentimentos estão mudando e que o cara que eu nem
mesmo gostava de ouvir a voz se tornou a pessoa que arranca meus sorrisos mais sinceros. Já
notei como sinto sua falta sempre que ele é mandado em alguma missão. Já reparei que sempre
que ele vai voar, esqueço da fraseologia e lhe desejo bom voo, realmente torcendo para que
consiga aproveitar o que tanto ama fazer e volte seguro. Para mim.
É nítido que estou apaixonada por Lucas, mesmo que eu faça de tudo para não pensar
nesse fato. E não tenho dúvidas de que me despedir dele vai machucar meu coração.
Mas essa é a minha decisão.
Espero sentir qualquer indício de que eu esteja errada, mas eu sei que me colocar como
prioridade é o certo.
Me escolher nunca vai ser nada menos do que certo.
Mas porra, não quer dizer que não doa pensar que o tempo que teríamos acaba de ficar
mais curto. Porque dói. Ainda mais quando lembro que ele não é a única pessoa que vai sair da
minha vida.
Beatriz, Cecília e Nicole também vão.
Sei que existem diversas formas de comunicação. Entendo que me mudar não significa
que estou morrendo e que nunca mais vou vê-las, assim como sei que distância nenhuma é capaz
de acabar com uma amizade. Porém, não gosto de me iludir ao pensar que tudo o que temos vai
continuar igual. Nem com as meninas e nem com Lucas.
Ainda mais com Lucas.
Sinto uma lágrima rolar por meu rosto e a seco, apressada, mas ciente de que outras virão
a seguir.
Eu sabia que corria o risco de me apaixonar por ele e tinha medo de que esse sentimento
fizesse com que eu me colocasse em segundo plano, mas não cheguei a considerar que eu corria
o risco de ter meu coração partido por mim mesma.
Até poderia escolher ele, mas preciso me escolher.
Consigo sobreviver a um coração quebrado, mas não a uma vida perdida.
A batida na porta do meu quarto faz com que eu me assuste e erga o rosto.
— Tudo bem? — Lucas pergunta, parecendo preocupado, e eu assinto, feliz pelas
lágrimas decidirem não cair agora.
— Vem aqui — chamo e me movo na cama, abrindo espaço.
— Tá mesmo me chamando pro seu quarto? — Ergue a sobrancelha e eu rolo os olhos,
assistindo-o se aproximar e deitar ao meu lado.
— Não finja que não tem esperado por esse momento desde o dia em que me mudei pra
cá — resmungo, erguendo a cabeça para que seu braço acabe debaixo dela e ele me abrace,
puxando meu corpo para perto do seu.
— Por que tá chorando?
— Não tô chorando.
— Eu conheço sua voz, Bittencourt — diz, passando as pontas dos dedos por minhas
costas. — O que foi que aconteceu?
Olho para seu peito coberto pelo tecido da camiseta preta e apoio a mão sobre ele,
sentindo seu coração bater em minha palma.
— Cecília veio até aqui me falar que tem uma controladora em Porto Alegre interessada
em fazer uma permuta comigo — conto e tenho a impressão de que os batimentos se tornam um
pouco mais rápidos.
— Pra quando?
— Considerando o tempo que a documentação e procedimentos administrativos levam,
maio.
— Dois meses?
Assim como Lucas conhece minha voz, eu conheço a dele, então não é difícil notar que
ele também está chateado com a notícia.
— É.
— E o que você respondeu?
— Que ia pensar.
— E?
Felizmente, ele não consegue ver meu rosto, então não percebe quando mais uma lágrima
rola por minha bochecha.
— E que eu preciso ir. Eu devo isso a mim mesma. Mas...
— Pode parar por aí — me interrompe com o tom suave, porém, sério. — Não tem
“mas”, meu bem. Você sempre quis isso e agora tem a chance de conseguir. Nada pode vir antes
de você.
No dia em que conversamos sobre nossa amizade com benefícios, quando confessei ter
medo do que aconteceria caso me apaixonasse por ele, Lucas garantiu que não permitiria que eu
não me colocasse em primeiro lugar e é exatamente isso o que ele está fazendo aqui.
— Eu vou sentir sua falta — confesso.
— Se esqueceu que eu piloto um avião supersônico e que posso chegar até você em
algumas horas?
Não, eu não me esqueci. Mas assim como ele, até hoje, não teve chance de voar até Belo
Horizonte para conhecer os sobrinhos, sei que não terá tempo de voar até Porto Alegre para me
ver.
— Acha que eu deveria aceitar a permuta, então? — pergunto baixinho.
Lucas fica em silêncio por alguns segundos, parecendo refletir e, apesar de querer ouvir
uma negativa, algo que, pelo menos, me faça refletir sobre ficar mais tempo, quando ele suspira,
sei que não é isso que virá.
— Acho. A permuta é uma certeza que você consegue ir pra lá, a transferência pode ser
negada.
— Isso tudo é ansiedade pra se livrar de mim? — brinco, e ele ri fraco.
— Com certeza não estou ansioso pra me livrar de você, meu bem. Mas a saudade que
vou sentir de te ter por perto não vai impedir que eu apoie o que é o melhor pra você.
— Vai sentir saudade de mim? — pergunto, como uma verdadeira idiota.
— Pra caralho, Agatha. Mais do que eu gostaria de admitir.
Um bolo se forma em minha garganta e eu ergo o queixo para ele, sem me importar em
expor meus olhos úmidos.
— Obrigada, Lucas.
— Pelo quê?
Por ter feito Brasília parecer um lugar melhor.
Por ter me recebido mesmo sem me conhecer.
Por ter sido sincero em cada segundo que estivemos por perto.
Por ter arrancado sorrisos que eu nem queria dar.
Por ter me mostrado que algumas regras merecem ser quebradas.
Eu tenho tanto a agradecer, mas acabo apenas abrindo um sorriso e dizendo:
— Por tudo.
EU NÃO QUERO QUE ELA VÁ.
Desde o dia em que ouvi Agatha dizendo sobre a possibilidade da permuta, odiei essa
possibilidade. Já odiava a ideia de que ela iria em dezembro, mas ouvir que isso aconteceria em
maio foi como ter meu peito sendo esmagado, principalmente quando engoli o egoísmo, olhei
para ela e disse que ela deveria aceitar.
Porque ela deveria.
Agatha esteve em um relacionamento tóxico com um homem que a traiu depois de tê-la
incentivado a escolher algo que ela não queria.
Agora, ao ter a chance de recuperar esse tempo e reassumir as rédeas de sua própria vida,
é o que ela precisa fazer. É o que ela merece fazer.
Mas porra, pensar em perdê-la dói pra caralho!
Quase aceitei a ideia que Nicole deu sobre criar táticas para mostrar a ela que Brasília
não é um lugar tão ruim e que ela pode ser feliz aqui, mas desisti logo em seguida.
Eu não seria egoísta com Agatha.
Então eu a apoiei, sem me importar com o quão incômoda era a ideia de não tê-la mais
por perto.
Porém, seguindo o que estou acostumado a fazer, ao invés de gastar minhas energias
preocupado com o futuro, vivo o presente da melhor maneira possível. E nesse momento, só
quero aproveitar a presença de Agatha.
O que não está sendo possível, porque eu continuo passando mais tempo no ar do que no
chão!
Assim que o trem de pouso toca o solo, aciono os mecanismos das asas e aciono os
freios, diminuindo a velocidade até que pressiono o botão e digo:
— Jaguar01, no solo e controlado.
— Ciente, tem táxi livre.
Sigo todo o procedimento pós-voo, preenchendo o relatório da missão e o mais rápido
que posso, volto para casa. Dessa vez, no entanto, não tem nada a ver com estar cansado após as
horas voadas. Tem a ver com a saudade que sinto da garota que mesmo ainda estando aqui, já
está fazendo meu peito ser rasgado de saudade.
Uma saudade que se torna confusão no segundo em que abro a porta do apartamento e
me deparo com a mesa abarrotada de comida disposta em refratários que eu nem sabia que
existiam aqui em casa.
Confiro o número preso na porta, preocupado com a possibilidade de estar invadindo o
espaço onde uma família de umas cinquenta pessoas está prestes a se alimentar, só para
confirmar que estou no lugar certo.
— Agatha? — chamo. — A gente vai dar uma festa ou algo assim? — pergunto e fecho a
porta, encontrando-a em frente ao balcão da pia, vestindo o pijama do Mickey enquanto assiste a
batedeira, que também não sabia que tínhamos, mexer alguma massa que pode se tornar um bolo,
um pão ou qualquer coisa assim.
Tem alguma coisa errada.
— Agatha?
— Oi.
— O que aconteceu?
— Nada.
Coloco a mochila no chão e dou passos cautelosos em sua direção.
— Você disse que cozinha quando tá estressada — relembro. — E pela quantidade de
comida que tem ali, você tá muito estressada.
Ela desliga o aparelho e respira fundo antes de se virar para me olhar.
A primeira coisa que noto em seu rosto é a chateação. A segunda é o tom avermelhado
em sua pele.
Imediatamente, avanço até ela.
— O que aconteceu? — pergunto, preocupado, e ergo seu queixo com cuidado.
— Eu tentei relaxar fazendo skincare, mas acho que coloquei força demais na esfoliação.
— Quer ir ao médico? Quer que eu compre alguma coisa pra dor? Quer que assopre? O
que eu faço?
— Não tá doendo. E eu já passei um gel calmante. Daqui a pouco o vermelho some —
garante, mas não é o suficiente para que eu me afaste ou me sinta mais tranquilo. Não consigo
ficar calmo enquanto sei que há algo errado com ela.
— O que foi que aconteceu que te deixou estressada assim?
— Saiu a data. — Mal consigo ouvir suas palavras, entretanto, é o suficiente para que
meu peito pareça estar sendo pressionado sob o peso do mundo.
— Quando?
— Semana que vem. Dia dez.
Dez de maio.
A data em que Agatha será transferida.
A data em que ela vai embora.
Quero ficar feliz por ser o que ela quer há tanto tempo, mas pensar em ficar sem essa
garota não me causa nada além de angústia e isso só aumenta a certeza no que se refere aos meus
sentimentos por ela.
Eu a amo.
Eu a quero aqui. Comigo.
Mas eu também quero que esteja feliz, por isso, mesmo que eu não esteja nem um pouco
animado com sua partida, sorrio e passo o polegar por sua bochecha vermelha, acariciando a
pele.
— Não é o que você queria?
— Era. Aliás, é! — ela se corrige, atordoada. — Mas... É real. Vai mesmo acontecer.
Semana que vem vou estar em outro Estado, sem Beatriz, sem Cecília, sem Nicole e... — Ela
engole em seco. — Sem você.
— Se livrar de mim não deveria te deixar feliz?
— Eu só consigo me sentir triste — confessa em meio a um riso, então balança a cabeça
e eu assisto o momento exato em que seus olhos brilham com as lágrimas que se formam. —
Merda, Alencar, eu vou sentir tanta saudade de você, seu piloto arrogante do cacete.
Puxo-a para meu peito, desesperado para senti-la contra mim, sem conseguir nem mesmo
debochar da forma como ela me chama.
— Também vou sentir saudade de você, meu bem. Pra caralho.
— Não sei se você já percebeu, mas... — Agatha inclina a cabeça para trás e me encara.
— Brasília só se tornou um lar quando você chegou.
— Você não devia me dizer esse tipo de coisa, Bittencourt — aviso, sem pensar muito
nas palavras que me abandonam.
— Por que não?
Meu coração bate mais depressa, sinto minhas palmas suarem e nem no meu primeiro
voo solo[12] estive tão nervoso quanto agora, enquanto a confissão se forma com uma
naturalidade que sempre foi nossa.
Tudo entre nós dois foi natural. Foi sincero. Nunca tivemos segredos e, por isso, eu deixo
que a verdade saia enquanto nossos olhos permanecem conectados:
— Porque eu posso acabar ainda mais apaixonado do que eu já estou.
Ela não assimila as palavras de imediato, e seu choque cresce gradativamente. Primeiro,
Agatha fica confusa, então, seus olhos se arregalam, as pupilas dilatam e o queixo cai, até que ela
pisca e puxa uma respiração que mais se parece um arfar surpreso.
— V-você...?
— Eu avisei que se me apaixonasse por você, te diria — digo.
— Mas... — Ela parece atordoada. — Você falou que não se apaixonaria por mim.
— Eu disse que não achava que aconteceria — corrijo. — Mas não tem como não amar a
forma como você tenta esconder o sorriso que me dá quando estamos na base, nem como ignorar
como meus voos sempre são melhores quando você quebra a regra por mim e me deseja “bom
voo”, e nada me deixa mais feliz do que chegar aqui e encontrar você vestindo essa porra desse
pijama ou com o rosto cheio de produtos.
— Lucas...
— Eu amo você.
Ela balança a cabeça e dá um passo para trás.
— Não.
— Agatha.
— Não! — Sua voz se eleva. — Você não pode dizer que me ama agora que não tem
mais a possibilidade de eu escolher ficar! — diz, severa, aumentando a distância entre nós. —
Você não pode dizer que me ama porque eu não posso ter a certeza de que escolhi errado mais
uma vez! — Seu rosto se torna mais vermelho e eu vejo o medo brilhar nas írises verdes. —
Você não pode dizer que me ama porque eu não vou conseguir me despedir do cara que eu amo
sabendo que só não ficaremos juntos porque eu escolhi ir embora.
Sua angústia me atormenta, mas mesmo sentindo meu peito apertar por vê-la dessa
forma, não consigo ignorar como meu coração bate mais rápido ao ouvir que ela também me
ama e saber disso só me faz ter certeza de que vou fazer de tudo para não perdê-la.
— Não diga que me ama quando a gente só tem alguns dias de nós dois — pede com a
voz baixa.
Com cuidado, dou alguns passos em sua direção, até que apenas uma lufada de ar esteja
entre nós.
— Podemos ter todo o tempo que quisermos. — E eu quero todo o tempo do mundo com
ela.
— Estou indo embora, Lucas — repete, e eu balanço a cabeça, negando.
— Enquanto estivermos sob o mesmo céu, Agatha, não me importo com a distância que
eu precise voar para chegar até você.
— O que isso significa?
— Que eu te amo e não vou deixar que alguns quilômetros entre nós dois acabe com isso.
— Não são alguns quilômetros. São mil seiscentos e vinte! — ela diz os números de
maneira pausada, mas eu apenas dou de ombros, chego mais perto e sorrio.
— Não me importo em cruzar o céu pra te encontrar, afinal... Ei, meu bem, eu sou piloto.
— Mais uma vez, sigo o roteiro que ela me passou naquela noite e pisco.
Por alguns segundos, ela não se mexe, apenas me olha com a expressão carregada de uma
mistura de sentimentos. Amor, raiva, saudade, angústia, medo...
E eu entendo, afinal, sinto o mesmo.
Amo-a o bastante para querer que ela vá em busca do que sempre quis, mas odeio que
isso vai me tirar de perto da minha garota. Porém, não tenho dúvidas de que distância nenhuma
vai impedir que eu tente fazer com que a gente funcione.
Não sei como foi que esse sentimento começou, mas me recuso a acreditar que alguns
quilômetros que eu, facilmente, voaria em algumas horas vai ser o bastante para acabar com o
que temos.
Eu só preciso que ela aceite essa ideia e quando seu corpo me atinge sem me dar chance
de me preparar, sorrio, sabendo que ela também não vai desistir de nós dois.
— Isso é você sendo imune ao meu papo? — provoco em sua boca, sentindo seu coração
bater tão rápido quanto o meu.
— Como eu seria imune ao cara que eu amo, Alencar?
A realidade só me atinge no instante em que ela abraça meu pescoço e eu a beijo.
Uma vez, ouvi minha melhor amiga descrevendo o amor como estar em queda livre.
Eu discordo.
Enquanto seguro Agatha e entendo que ela sente o mesmo que eu e que não vamos
desistir, não sinto que estou caindo. Sinto que estou voando. E esse é, de longe, o voo mais
emocionante que eu já fiz.
Giro nossos corpos e a pressiono contra a porta de entrada, engolindo o gemido que ecoa
em minha língua, mas soltando um grunhido de frustração quando suas mãos empurram meu
peito para longe.
— A gente tem que conversar! — avisa, ofegante. — O que acontece agora? Eu não
posso mais cancelar minha transferência e lá não tem aviação militar, então você não pode ir e...
— Cancelar sua transferência nunca foi uma opção, meu bem — garanto e passo o
polegar por seu maxilar. — A gente vai dar um jeito.
Eu não sei como, mas vamos fazer dar certo.
Ela reluta um pouco, mastigando o interior da bochecha enquanto me olha, pensativa,
mas, por fim, Agatha abre o mesmo sorriso que tem me ganhado cada vez mais, abraça meu
pescoço e assente, concordando.
— Enquanto estivermos sob o mesmo céu, daremos um jeito.
Então voltamos a nos beijar.
APESAR DE JÁ ESTAR ACOSTUMADA com esse toque, esse beijo e esse cheiro, enquanto
eu e Lucas tropeçamos na direção de seu quarto, ao mesmo tempo que tudo parece familiar, tudo
também está diferente.
É mais intenso, mais eufórico. É feliz e triste. É amor e saudade.
Estou indo embora e ele não poderia ir comigo nem mesmo se quisesse, afinal, Porto
Alegre não trabalha com aviação militar. Não posso ficar, tampouco. Minha transferência já foi
aprovada e não tem mais volta.
Além disso, sei que ele manteria sua palavra sobre o que disse no dia em que falamos
sobre nossa amizade com benefícios. Mesmo que eu me apaixonasse por Lucas, ele não me
deixaria escolher nada antes de mim mesma.
E eu acho que esse é mais um dos motivos para amar o cara que está me beijando. Ele
nunca pediria que eu não fosse minha prioridade, porque ele é incrível. Ele é o lar que encontrei
aqui em Brasília. E apesar de me sentir triste por saber que logo vou perder a sensação de estar
por perto, me sinto feliz porque daremos um jeito.
Não preciso olhar para que minha mão chegue ao zíper do macacão de voo, já
acostumada a deslizá-lo para baixo.
— Do que você tá rindo? — pergunto, notando o sorriso que se abre contra minha boca.
— É que pra quem dizia não gostar de pilotos, o macacão te deixa bem excitada, né?
Sorrio.
— Você é ridículo, Alencar.
— Faz parte do meu charme. — Pisca, jogando os ombros para trás, me ajudando a tirar
as mangas por seus braços fortes. — Ainda quer que eu guarde esse charme pra outra pessoa? —
provoca.
— Fique à vontade. — Dou de ombros, provocando-o de volta. — Posso guardar minha
voz de controladora pra outra pessoa também.
Lucas ri, balança a cabeça e leva a mão até meu pescoço, apertando-o de um jeito
possessivo, fazendo minha boceta pulsar em resposta à pressão dos seus dedos.
— Sei que ainda não conversamos direito sobre isso, meu bem, mas dizer que te amo e
ouvir que também me ama acabou de prolongar nosso tempo juntos. Sabe o que isso significa?
— pergunta, a expressão se tornando séria e, porra, ele fica ainda mais gostoso me olhando
assim.
— O quê? — questiono, lutando para que minha voz não saia como um gemido que
confirme quão afetada eu fico pela forma como me segura e me olha.
— Que você vai continuar sendo minha por tempo indeterminado, Bittencourt. Se
depender de mim, pra sempre — avisa e volta a puxar minha boca para a sua.
Enfio os dedos por baixo da camiseta branca e traço o contorno de seu abdômen,
arranhando os gominhos que já contornei diversas vezes e, como sempre, sinto o arrepio que
corre por seu tronco quando faço isso.
Lucas se livra de nossas camisetas e me puxa contra si, agarrando minha bunda e
apertando-a com força, antes de dar dois tapas logo abaixo do tecido do short, acertando o topo
de minhas coxas e me fazendo choramingar com a ardência.
— Eu preciso te chupar — avisa e me empurra contra a cama.
Lucas desce por meu corpo, mas se interrompe em meus peitos, me fazendo gemer com a
sequência de mordidas, lambidas e chupadas que espalha pela carne.
Estou encharcada desde o instante em que ele me pressionou contra a porta, mas
diferente daquele segundo em que ainda tinha parte do meu cérebro funcionando e consegui
pensar sobre conversar, agora, eu sou uma mistura de desespero e tesão.
— Já te falei o quanto gosto desse pijama? — pergunta e pressiona meu clitóris,
afundando os dentes contra o mamilo excitado, mesclando uma pontada de dor e prazer e eu
reviro os olhos, em êxtase, rebolando para aumentar o atrito que o toque e a costura do short
proporcionam.
— Não parece. Sempre que me vê com ele tenta tirá-lo.
— É porque gosto ainda mais de te ver pelada — responde e desce a boca por meu
abdômen.
O caminho de seus beijos causa um arrepio e quando Lucas passa a língua pelo tecido
que cobre minha boceta, um gemido nos abandona.
— Tá tão molhada que dá pra sentir seu gosto até com esse short — murmura, rouco,
mas leva as mãos até o elástico em minha cintura.
Ergo a bunda para facilitar seu trabalho e ele arrasta a peça de roupa por minhas pernas
antes de jogá-lo por cima do ombro, afastar meus joelhos e enterrar o rosto contra meu clitóris.
Grito seu nome, tombando a cabeça contra o lençol e seguro seu cabelo, enquanto puxo
sua boca contra mim. Ele me devora e eu não tenho um pingo de pudor ao me esfregar em seu
rosto. Me contorço com a língua que brinca com meu ponto sensível e estremeço quando seu
indicador me penetra. Não leva mais do que poucos segundos para que minhas pernas tremam e
eu sinta meu corpo sair de órbita quando o clímax me atinge.
Engasgo com minha própria respiração e tento fechar as pernas, mas ele empurra meu
joelho e continua chupando com vontade.
— Lucas!
— Não vai mais fugir de mim, fujona — avisa e a voz grave reverbera por minha boceta.
Me contorço de novo, mas ele balança a cabeça, sorri como um demônio e desliza a
língua por toda minha fenda. Sem nunca desviar os olhos dos meus enquanto assiste o que me
causa.
Os tremores que não chegaram a me abandonar ficam mais fortes, e eu gozo mais uma
vez, sustentando seu olhar escurecido enquanto sinto cada uma das minhas células queimar com
a intensidade do orgasmo.
Lucas não me dá tempo de recuperar os sentidos antes de trilhar o caminho inverso, dessa
vez subindo até minha boca, a palma calejada roçando meu clitóris enquanto ele volta a me
beijar, ainda me fodendo com os dedos.
Gemo ao sentir meu gosto em sua língua e arranho suas costas, abrindo as pernas para lhe
dar mais acesso.
Meus choramingos se misturam ao som do entra e sai que fica cada vez mais rápido e eu
fecho os olhos quando sinto sua boca tocar meu pescoço. Sei que ele vai deixar uma marca e
gosto de saber disso. Amo os vestígios que nosso sexo deixa.
— Lucas... Lucas! — arfo quando ele acerta um par de tapas em minha boceta e afundo
os dentes em seu ombro, perdendo a noção de... Tudo.
Nunca senti nada parecido. Uma mistura de ardor e prazer que parece se transformar em
uma corrente elétrica que corre desde meus dedos dos pés até o último fio do meu cabelo.
É devastadoramente delicioso.
— Caralho, Agatha! Vai devagar! — ele rosna e agarra meu pescoço, me arrancando de
seu trapézio e permitindo que eu veja a marca que meus dentes acabam de deixar. — Se agir
como uma cadela, vai ser fodida como uma.
Não sei se ele entende como essa ameaça vai diretamente para a minha boceta que pulsa,
mas para que Lucas não tenha dúvida de que gosto muito do que ouço, puxo sua correntinha,
aproximando-o de mim e provoco:
— Au, au.
Seus olhos brilham, ele sorri e, sem aviso, se apoia nos joelhos para me girar na cama e
eu acabo de bruços, o cabelo caindo em meu rosto e entrando em minha boca quando grito com a
invasão repentina de seu pau.
Não é carinhoso, mas puta que pariu, como é gostoso.
Engasgo com as estocadas brutas e mesmo que a sensação de pele na pele já não seja
uma novidade para nós, ainda faz com que eu veja estrelas a cada segundo que ele chega mais
fundo.
Tento impulsionar meu corpo contra o seu, sem saber se aguento mais, mas querendo que
seja mais forte e, como resposta, Lucas agarra meus quadris e os ergue, me colocando de quatro.
Nossos corpos se chocam com força e sua mão marca minha bunda em uma sequência de
tapas que ao mesmo tempo que ardem, me excitam e, com o rosto apoiado contra o colchão,
rebolo em sua direção.
— Vai latir agora, Agatha? — debocha entredentes e puxa meu cabelo, erguendo minha
cabeça. — Late, minha cadela.
Por que porra isso é tão excitante?
— Não para, por favor! — imploro, as palavras saindo entrecortadas pelas estocadas
brutas e minha voz parece ser o combustível para fazê-lo ir mais fundo.
É demais.
Meu corpo estremece, minha boceta pulsa e eu gozo ao seu redor, pressionando seu pau
que, com mais alguns movimentos, esporra dentro de mim enquanto Lucas grunhe um gemido
rouco.
— Cacete — murmura depois de alguns segundos, ofegante, e tomba sobre o colchão, me
puxando junto até que acabo de costas contra seu peito enquanto ele me abraça.
— Cacete — repito, fraca, fechando os olhos em deleite com o beijo carinhoso que ganho
em meu couro cabeludo.
— A gente precisa conversar.
— Eu sei — concordo e me aconchego ainda mais dentro de seu abraço, como se tê-lo ao
meu redor fosse me proteger de qualquer problema que o mundo real possa me trazer como, por
exemplo, me despedir do cara que eu amo e que acabo de descobrir que me ama também. — Mas
não sei por onde começar.
O silêncio que toma o quarto mostra que ele não parece saber, tampouco, até que
pergunta, de repente:
— Como você se sentiria com um relacionamento à distância?
Bufo um riso.
— Tá me pedindo em namoro, Alencar?
— Meu pedido de namoro vai ser um pouco mais elaborado do que uma conversa pós-
sexo, Bittencourt. E também vai englobar a frase: “quer namorar comigo?”. Então, não, não
estou te pedindo em namoro. Ainda.
— Que bom, porque eu não vou dizer que sou sua namorada a menos que você peça.
— Não se preocupe, meu bem. Se for preciso, até imploro. Mas responda minha
pergunta. O que você acha dessa ideia?
Mordo o interior da bochecha, pensando um pouco antes de suspirar.
— Eu não sei. Não consigo deixar de pensar em como dois relacionamentos que não
eram à distância acabaram em traição e... — Assim que percebo como estou soando, me viro
entre seus braços e o olho, preocupada com a possibilidade de magoá-lo. — Não estou te
comparando com eles, eu só...
— Ei. — Lucas sorri, pacífico, e tira os fios do meu rosto. — Agatha, os exemplos de
homens com quem você conviveu foram péssimos. É normal que você tenha receio de confiar
em alguém.
— Mas eu confio em você — garanto, com uma convicção que surpreende até a mim
mesma.
Ele sorri, parecendo gostar do que ouve e se ajeita um pouco mais para baixo no
travesseiro, nivelando nossos olhos enquanto me encara daquela forma suave que agora sei que
se trata de amor.
Lucas me ama.
— Então me deixe reformular minha pergunta: o que você acha de namorar à distância
comigo?
Ao mesmo tempo em que é estranho sentir minhas inseguranças desaparecerem com esse
novo cenário, também era bem óbvio que isso aconteceria, porque tudo que envolve Lucas
Alencar parece certo. Ele parece certo.
— Preferiria não ter a parte da distância, mas se é a única opção... Eu gosto dessa ideia
— respondo baixinho.
— Eu também. Principalmente porque sua voz falando sacanagens no telefone deve ser
uma coisa gostosa pra caralho — acrescenta, e eu rio. — Então, já que nós dois estamos ok com
isso de manter um relacionamento EAD, só precisamos nos organizar pra que essa distância seja
vencida algumas vezes, porque, porra, Agatha... — Seu sorriso desaparece e eu assisto a angústia
surgir em seu rosto enquanto ele me encara sem nenhuma barreira para esconder o que sente. —
Eu vou morrer de saudade de você, garota.
Me afundo em seu peito, procurando uma forma de me fundir a ele. Seus braços me
envolvem como se Lucas tivesse a mesma vontade que eu.
Ao mesmo tempo em que quero ir para Porto Alegre, pensar em ficar sem esse homem
faz com que meu corpo doa. Meu coração parece prestes a se partir e as lágrimas se esforçam
para encontrar uma saída.
— Eu não sei o que fazer — confesso, escondendo meu rosto em seu pescoço.
Gostaria de saber em que momento da vida adulta passamos a ter certeza das decisões
que tomamos. Não é possível que o medo de estar fazendo a escolha errada seja algo constante
na existência de uma pessoa.
Se eu ainda tivesse a opção e escolhesse ficar, estaria deixando de me priorizar mais uma
vez. Mas se eu for... Porra, vai doer pra caralho. Ficar sem Lucas vai ser enlouquecedor.
— Pra sua sorte, meu bem, eu sei — diz e passa os dedos por meu cabelo em um cafuné
que, no meio do caos interno, consegue me acalmar. — Você vai pra Porto Alegre semana que
vem, igual queria ter feito há mais de um ano.
— Lucas... — sussurro e nego.
— Shh, me deixa falar. Você não disse que não sabia o que fazer? Então escute o passo a
passo que estou te dando — pede, carinhoso. — Vai pegar aquele apartamento que você gostou,
com a varanda na sala, sabe? O que é perto do aeroporto?
— Sei.
Não tenho dúvidas de que ele nota o choro em minha voz.
— Então. Vai montar seu espaço como quiser. Encher os armários com produtos de rosto
e cabelo. Usar todas as panelas, temperos e frascos. Vai ser o seu espaço e ele vai ter a sua cara.
Enquanto Lucas Alencar me impulsiona na direção de algo que eu sempre quis, eu o amo
um pouco mais, até que ele garante que sempre será o dono do meu coração ao dizer:
— E em um dia aleatório, eu vou aparecer por lá pra ver a minha garota.
— Sua garota?
— É — assente e beija minha cabeça. — Minha garota. Vou aparecer sem te avisar só
pra te encontrar com o pijama do Mickey e o rosto com alguma máscara verde. — Sorrio,
gostando muito mais desse cenário. — Vou dar um jeito de te provocar sobre a história do
papinho de piloto, te beijar e dizer o quanto estava com saudade. — Consigo sentir o sorriso que
acompanha sua voz enquanto ele também mostra o quanto a ideia o agrada. — Vou repetir que te
amo e vou sorrir a cada vez que me disser isso também.
— E depois?
— Depois vou fazer você quebrar as regras na sua própria casa e vou te deixar pelada pra
te comer no sofá e ainda vou gozar nos seus peitos, igual da primeira vez.
— Lucas! — Rio, erguendo o rosto enquanto ele ri também. — Você tava indo tão bem
nessa versão romântica — reclamo.
— Posso ser romântico enquanto você quica no meu pau, Bittencourt. Pra cada sentada é
um “eu te amo”. O que você acha? — propõe, os olhos brilhando de uma forma travessa e eu,
incapaz de me controlar, abaixo o rosto para beijar seu sorriso, porém, suspiro com a realidade se
solidificando em minha mente, apagando a névoa do sonho que acabamos de criar.
— Mas quando isso vai acontecer?
Não adianta pensar que vivemos em um conto de fadas e que vamos conseguir nos ver
em breve, afinal, ele ainda vai continuar com a rotina puxada do esquadrão de voo. Ainda vai
continuar sendo o líder de um grupamento de caça da Força Aérea e isso sempre vai ser sua
prioridade, quer ele goste ou não.
Sei que ele entende o que estou perguntando, mas ao invés de se preocupar com o futuro,
Lucas dá de ombros.
— Não posso te dizer. Falei que vou aparecer sem te avisar. Faz parte do meu charme —
brinca. — Agora, vem aqui que eu já tô com saudade de você, Bittencourt.
SOB A PALMA DA MINHA MÃO que descansa em sua coxa, sinto o corpo de Agatha se
retesar quando entende onde estamos.
— Você só pode ter ficado doido — declara assim que puxo o freio de mão, estacionando
o carro. Ela balança a cabeça e vira o rosto para mim. — Não.
— Sim.
— Não. Nem fodendo. Eu não vou.
— Está usando a voz de controladora pra cima de mim?
Ri, incrédula.
— Você tá querendo bancar o piloto pra cima de mim! Nada mais justo.
— Não disse que confia em mim?
— Claro que confio em você, Lucas!
— Então qual o problema?
— O problema é que eu confio em você quando estou no chão! — explica, voltando a
olhar para a fachada do aeroporto particular.
— Meu bem — chamo e desligo o carro, me virando de frente para a garota que amanhã
de manhã vai deixar de ser uma presença constante em minha vida. — Acha que eu piloto mal?
Agatha bufa mais um riso.
— Já tivemos essa conversa e concluímos que eu sei que você é um dos melhores.
— E sabe que eu nunca faria nada que pudesse te machucar, não é?
— Eu sei, mas eu ainda acho que desafiar as leis da física é algo perigoso.
Solto meu cinto e me inclino para a frente, entrelaçando nossos dedos e beijando o dorso
de sua mão.
— É por causa daquela promessa? — questiona, se referindo ao dia em que garanti que a
levaria para voar.
— Também. — Dou de ombros. — Mas tem o fato de que quero que você fique
confortável quando pegar o voo amanhã. — Sozinha.
Isso tem me enlouquecido.
Pensar em Agatha embarcando para outro Estado sem que ninguém esteja com ela está
acabando com a minha sanidade. E não é porque acho-a frágil nem incapaz de se virar em Porto
Alegre. Tem a ver com o medo que ela já me disse que sente.
Odeio imaginar que não vou estar por perto caso ela se sinta assustada durante o voo, por
isso, pensei em trazê-la até aqui hoje. É uma tentativa de mostrar que ela não precisa se
preocupar.
Se não fosse pela missão que vai me obrigar a viajar para Porto Velho amanhã de tarde,
entraria naquele avião e passaria a viagem abraçando-a para que se sentisse segura. Mas como a
porra do meu trabalho sempre consegue impedir que eu faça o que quero, o máximo que poderei
fazer é me despedir de Agatha no portão de embarque.
Estou evitando pensar sobre essa situação porque não quero que minhas últimas horas
com ela sejam desperdiçadas com minha frustração profissional, mas é quase impossível não me
irritar com essa merda.
— E tem também o fato de que você vai precisar viajar algumas vezes pra conseguir me
ver — acrescento enquanto a preocupação cresce em seu rosto. — Se você disser que não quer,
de verdade, não vou insistir. Mas me deixa pelo menos tentar te convencer, por favor. Te mostrar
o hangar, a aeronave...
Agatha suspira e balança a cabeça, me olhando com reprovação.
— Só estou aceitando porque você fica lindo dizendo “por favor” — cede e eu sorrio,
mordendo a pontinha de seu dedo. — E não se anima! Não estou dizendo que vou aceitar voar.
Só vou sair do carro ao invés de me manter trancada aqui.
— Posso lidar com isso — aviso, animado com a ideia de fazer o que eu mais amo
enquanto minha mulher está ao meu lado.
Assim que saímos do veículo, nossos dedos se entrelaçam e eu a guio na direção do
hangar, acariciando o dorso de sua mão, tranquilizando-a.
— Lucas?
— Oi.
— Você não precisa fazer o curso pra pilotar uma aeronave diferente do F-5?
— Aham. Mas eu fiz o curso.
— Fez?
— Sim. Lembra que comentei que só entrei pra AFA porque não conseguia pagar pelas
horas de voo pra piloto privado? — assente. — Depois que me formei, eu paguei. Fiz amizade
com o pessoal daqui do aeroclube e apareço de vez em quando.
— Quando foi isso?
— Faz uns dois anos.
— E quantas pessoas já trouxe aqui desde então? — pergunta e eu rio de como ela tenta
esconder o ciúme do seu tom.
— Quantas pessoas ou quantas mulheres? — provoco, ganhando um olhar assassino que
ao invés de me assustar, me diverte ainda mais.
Não estou acostumado a sentir ciúmes, mas sou possessivo pra caralho quando o assunto
é essa garota. Gosto de ver que ela sente o mesmo em relação a mim.
— Depois que acabei as aulas, nunca voei com ninguém — digo.
— Nunca?
— Nunca. Você é a primeira mulher que eu levaria pra voar, Bittencourt, até porque...
Nunca fizeram uma tatuagem em minha homenagem, então...
Me encolho com o tapa que ela dá em meu ombro.
— Sua homenagem porra nenhuma!
Agarro seus punhos e rio enquanto puxo-a em minha direção, prendendo suas costas
contra meu peito.
Sinto como não se esforça para se soltar de mim e apoio a boca no traço atrás de sua
orelha, sentindo o arrepio percorrê-la.
— É quase uma assinatura minha, Bittencourt — provoco com a voz baixa.
— É quase uma assinatura do Diogo também — rebate, mencionando o imbecil que deu
em cima dela durante a visita.
— Não é o nome do Diogo que você chama quando goza, meu bem. Se esse avião
representa algum piloto, sou eu — digo, convencido, e beijo a tatuagem, inalando o cheiro doce
que vem do cabelo cacheado. — Agora, vem. Temos horário.
— Temos? — questiona para si mesma, confusa, mas me segue, soltando minha mão
para que eu empurre a porta do hangar e revele a aeronave branca com detalhes em vermelho.
Empurro a chave de força para cima e aciono a iluminação do espaço, deixando que
Agatha assimile os detalhes do avião em sua frente.
— Você pilota isso?
— Depois dessa pergunta, tenho até medo de dizer que sim.
— Não, é que... — Ela balança a cabeça. — Quantas pessoas cabem nisso?
— Onze. Nove passageiros e dois tripulantes. — Com cuidado, chego até a porta e a
destravo, puxando-a para que consiga ver o interior da fuselagem. — Pode entrar, se quiser.
Agatha hesita, me olhando com preocupação.
— Linda, sou eu — falo, me aproximando até segurar seu rosto. — Claro que quero
acabar com esse seu medo, mas se você disser que não quer sair do chão, vou respeitar sua
vontade e a gente não decola — prometo e toco nossos narizes em um carinho suave. — O que
acha de brincar de controladora? Só faço o que você autorizar.
— Por que você não era tão bonzinho assim quando eu estava te controlando?
— Porque eu gostava muito de ouvir sua voz mandona irritada. Ah, e porque eu ainda
não tinha tomado um chá de boceta — acrescento e rio para seu rolar de olhos, antes de beijar
sua boca. — Confia em mim. Nunca deixaria nada acontecer com você.
— Tá — suspira e se afasta. — Como é que eu subo nisso aqui?
Puxo a escada, travando-a no chão, mas antes de pisar no primeiro degrau, Agatha dá um
choramingo e me encara, descrente.
— Por que porra eu tive que me apaixonar por um maluco que gosta de voar?!
— Tudo culpa do papo de piloto e sua falta de imunidade a mim. — Dou de ombros e
estendo a mão. — Vamos, controladora. Hora de conhecer a parte divertida.
Ela resmunga algumas reclamações, mas entra na aeronave e eu a sigo, mantendo a porta
aberta enquanto me sento atrás do manche e a observo estudar o interior do avião.
— Nunca controlei um desse — comenta. — Ele é muito rápido?
— Não tanto quanto o caça.
— E qual a altura máxima que ele voa?
— Ele chega até trezentos e sessenta mil pés.
Seus olhos se arregalam.
— Isso é quase cento e vinte mil metros!
— Eu sei — assinto, tranquilo. — Mas não precisamos ir tão alto.
Agatha passa as mãos no cabelo e umedece os lábios, respirando fundo, antes de assentir.
— Se a gente fosse fazer isso, como seria?
— Você sentaria aqui e eu prenderia seu cinto — explico, assistindo-a se aproximar até
que acaba sobre o assento do co-piloto que hoje, por ser um voo curto, não precisa estar presente.
Com cautela, prendo a fivela ao seu redor, demonstrando o que digo. — Aí, eu colocaria os fones
pra você conseguir falar comigo e o barulho das turbinas não atrapalharem.
Ela inclina a cabeça na minha direção e eu coloco os headsets em seus ouvidos,
sustentando o peso do seu olhar preocupado.
Apesar de odiar ver essa expressão no rosto da mulher que eu amo, não consigo deixar de
pensar que é melhor que isso aconteça agora, enquanto estou com ela, ao invés de acontecer
amanhã, quando não houver nenhum conhecido ao seu lado.
Quando eu não estiver ao seu lado.
— E depois? — pergunta baixinho, e eu aceno para trás.
— Precisaria fechar a porta e faria o mesmo em mim.
— Fecha a porta, então — pede, e eu obedeço antes de voltar a me sentar, colocar os
fones e prender o cinto.
Toco em um dos botões do painel e ouço sua respiração acelerada ecoar em meus
ouvidos. Estendo minha mão para pegar a sua.
— Agora eu consigo falar com você assim — falo e ajeito o microfone em frente à sua
boca. — Me diga alguma coisa pra eu testar se está funcionando daí.
— Não me deixe cair.
— Nunca te deixaria cair, controladora.
— Então me leve pra voar, piloto.
Trago seus dedos até minha boca e beijo-os, antes de soltá-los para segurar o manche.
— Feche os olhos e só abra quando eu falar — peço, já acionando os motores.
Por ser um aeroporto privado, os procedimentos daqui são diferentes dos que costumo
seguir, então não preciso de autorização de ninguém para iniciar a corrida de decolagem, dando
potência nas turbinas, até sentir o trem de pouso descolando do chão.
— Ai, meu Deus. Ai, meu Deus. — O desespero carrega sua voz e tento tocar seu joelho
para tranquilizá-la, mas Agatha empurra minha mão para longe. — Segura nesse volante,
Alencar!
Me sinto o maior filho da puta do mundo quando rio, mas não consigo evitar.
— Chama manche, meu bem.
Ela solta um riso que mescla incredulidade e histeria.
— Ele pode se chamar Tadeu, Lucas! Só segura isso! — manda, e eu obedeço,
controlando a velocidade com que subo e evitando as áreas de turbulência enquanto mantenho
contato com o controlador responsável, até que ultrapasso a camada das nuvens e sorrio ao ver
que chegamos a tempo.
— Agatha?
— Oi.
— Abre os olhos.
Apesar de ativar o piloto automático, permaneço com as mãos no manche para lhe dar
segurança, mas toda minha atenção se volta para a mulher ao meu lado e eu admiro, fascinado, o
instante em que ela me obedece e dá de cara com o pôr do sol.
É lindo.
E eu não estou falando dos tons de laranja que cobrem o céu.
Estou falando de Agatha Bittencourt.
Seus olhos parecem mais verdes do que o normal e seus lábios se entreabrem em
surpresa.
Tô fodido.
Sempre amei assistir ao pôr do sol aqui de cima, mas não tenho a menor dúvida de que
nenhum vai ser igual a esse pelo simples fato de estar com a garota que eu amo ao meu lado.
— E aí? — pergunto. — O que achou?
— Que faz sentido que você demore pra pousar quando tem isso aqui pra assistir —
responde e sorri para mim, ainda parecendo nervosa, porém, mais tranquila do que durante a
decolagem.
— Já ouviu falar que os controladores de voo são os anjos da guarda da aviação?
Ela assente.
— Você tem guardado meus voos há meses, Bittencourt, mas nunca se pareceu tanto com
um anjo como agora. Obrigado por confiar em mim pra te trazer até aqui e ainda sorrir desse
jeito.
— Só sorriria durante um voo se você fosse o piloto, Alencar.
— Quer dizer que esse sorriso é pra mim?
Agatha assente.
— Já faz um tempo que meus sorrisos têm sido pra você — confessa baixinho e volta a
olhar para frente.
É fácil manter a aeronave acima das nuvens, evitando que ela veja a distância do chão e
aproveito que não preciso prestar atenção no que estou fazendo para deixar a maior parte do meu
foco se manter sobre ela.
Analiso o formato do queixo, do nariz, dos lábios. Encaro o comprimento dos cílios e os
cachos bonitos.
Ela é ridiculamente linda.
Agatha tem o tipo de beleza que atordoa uma pessoa e eu tenho muita sorte por ela ter
mentido quando disse que era imune ao meu papo porque foi naquela noite que conheci a mulher
que domina meus pensamentos.
Espero que o sol termine de se pôr para só então regressar para o aeroclube.
Quando furo a camada das nuvens, dessa vez, descendo, ela volta a fechar os olhos e sua
respiração se torna agitada, só se tranquilizando quando desligo os motores, já dentro do hangar.
— Sã e salva — comento assim que ela aceita minha mão e as solas de seus sapatos
tocam o chão, fora da aeronave.
— Minhas pernas estão tremendo.
— Achei que já estivesse acostumada comigo te causando isso — provoco e sorrio
quando Agatha rola os olhos, mas ergue o rosto para mim.
— Por mais que eu ainda ache que voar é perigoso, eu amei — diz, erguendo os braços e
circulando meu pescoço. — Amei ter sido a primeira pessoa a voar com você e amei ter uma
amostra de algo que você gosta tanto.
— Você vai ser a primeira e única a voar comigo assim — garanto e abraço sua cintura.
— Só minha namorada tem esse direito.
— Achei que fosse ter um pedido.
— E vai. Na verdade, era pra eu ter feito esse pedido enquanto a gente tava lá em cima,
mas me distraí olhando pra você — confesso, sorrindo para o rubor que surge em suas
bochechas. — Mas agora que tocamos no assunto...
— Não precisa...
— Ah, precisa sim — afirmo, interrompendo-a. Ela merece um pedido de namoro
decente. E eu serei o único a lhe dar isso. — Eu poderia passar anos aqui dizendo tudo o que amo
sobre você. E eu iria do início. A voz mandona que me fazia sorrir desde antes de eu conhecer o
rosto, os cachos que me fascinam, a boca que me provoca, as mentiras que me divertem. Falaria
sobre como seu abraço me acalma, como seus olhos me confortam e como meus voos sempre
são melhores quando você está controlando.
Faço uma pausa.
— Uma vez admiti que sempre enrolava pra pousar quando podia assistir ao pôr do sol,
se lembra?
— Sim.
— Isso mudou quando você entrou na minha vida, porque o céu podia estar me dando
um show particular que eu faria de tudo pra voltar ainda mais rápido pra casa, só pra te
encontrar. Você se tornou minha visão preferida. Estar com você é o meu momento preferido. E
eu sei que se a gente pudesse continuar tão perto quanto estamos seria ainda melhor, mas
distância é só um número e eu nunca deixaria um número atrapalhar o que eu sinto por você.
Nada atrapalharia. Em Brasília ou em Porto Alegre, estaremos sob o mesmo céu e eu não me
importo de cruzá-lo quantas vezes for preciso só pra te encontrar.
Respiro fundo e sorrio para a mulher em meus braços.
— Não estou dizendo que vai ser fácil, mas estou disposto a fazer de tudo pra que a gente
dê certo. Por isso, mesmo não sendo o pedido elaborado que eu queria fazer acima das nuvens...
Quer namorar comigo, fujona?
Agatha abre um sorriso tão lindo que eu até mesmo esqueço que acabo de lhe fazer uma
pergunta, mas quando seus olhos brilham com lágrimas de emoção e ela assente, subindo nas
pontas dos pés, acabo sorrindo contra sua boca enquanto ouço seu “sim” emocionado ser abafado
em meio ao beijo que me dá.
— SURPRESA!
Me sobressalto no instante em que abro a porta do apartamento, ainda com os dedos
entrelaçados com os de Lucas, e me deparo com Bia, Ciça e Nicky.
Abro a boca para dizer que, com certeza, estou surpresa, mas minha voz não sai e eu só
consigo balançar a cabeça antes que o choro se inicie.
Mas que porra eu tô fazendo?!
Por que é que eu vou aceitar essa loucura de me mudar para outro Estado e deixar tudo
isso para trás?
É tão incerto! Inseguro! Assustador!
Posso chegar até lá e odiar a cidade, o apartamento, o trabalho. Posso odiar a nova versão
da minha vida, mas já vai ser tarde demais porque eu terei decidido abandonar o que eu tinha. Eu
terei escolhido ir embora.
Cubro meu rosto e choro como uma criança assustada porque é isso o que eu sinto que
sou. Uma garotinha impulsiva que está trocando o certo pelo duvidoso só porque colocou na
cabeça que viver na capital gaúcha é uma forma de assumir o controle da própria existência.
Acontece que a minha existência não vai ser tão boa sem as quatro pessoas que estão me
abraçando enquanto o medo toma todas as minhas células!
Por longos segundos, eles apenas me seguram, até que meus soluços diminuem.
— Ei — Lucas diz baixinho e beija meu cabelo, ainda com um braço ao meu redor. —
Respira, meu bem. Tá tudo certo — murmura, angustiado ao me ver dessa forma.
Assinto e fungo, aceitando o copo que Bia me entrega.
— Ai, gente. Me desculpa — peço, envergonhada. E ainda chorando. — É que pensar na
saudade que eu vou sentir de vocês... — engasgo. — Merda. — Rio e pressiono os dedos contra
as pálpebras. — Eu amo vocês.
Mais um fungar ecoa e todos nós olhamos para Cecília, a capetinha sobre meu ombro,
que tenta esconder a vermelhidão dos olhos, mas desiste e abre os braços para mim.
— Vem aqui, sua descompensada — chama, e eu obedeço. — Eu não quero saber se a
sua casa vai ser apertada, nem se você vai morar embaixo da ponte, mas saiba que mês que vem
já estarei aparecendo pra te visitar — avisa, sem dar espaço para recusas que nunca viriam de
mim.
Ciça me recebeu em um ambiente novo. Ela me ajudou a lidar com o medo que eu sentia
de não conseguir cumprir uma função tão importante quanto controlar aviões. Ela me acolheu,
primeiro como colega de trabalho, depois como amiga e agora como uma irmã.
Quando pensei sobre me mudar, lembro que um dos pontos que cogitei foi que nossa
amizade acabaria ficando diferente, graças à distância. E eu não acho que isso seja mentira.
Aos poucos, as mensagens vão se tornar menos frequentes, os assuntos serão diferentes
até que a gente passe a se falar uma vez por mês. Se dermos sorte, talvez uma vez a cada duas
semanas. Nossas interações serão baseadas em algum comentário no feed ou uma resposta a um
story.
E isso é horrível, mas é a verdade.
Porém, apesar de saber que tudo isso vai acontecer, eu também sei que quando a gente se
encontrar, vai ser como se nunca tivéssemos nos separado. Vamos rir das piadas bobas, contar as
novidades, reclamar de bobeiras. É o melhor tipo de amizade que uma pessoa pode ter.
E entender isso faz com que meu coração pareça menos apertado, permitindo que eu
sorria ao me afastar para olhá-la.
— E eu estarei te esperando — prometo.
Bia para em minha frente logo em seguida, suas mãos tocam as minhas e eu sinto mais
lágrimas rolarem por minhas bochechas.
— Preciso dizer que estou orgulhosa de você — diz, suave.
— Não acha que estou cometendo um erro?
Ela sorri.
— Se colocar em primeiro lugar nunca vai ser um erro, Agatha. Sei que você ama a gente
e sei que vai sentir saudade, mas ver que você entende que amar outras pessoas não anula quem
você é, não anula suas vontades... É lindo. E não ache que quando Cecília aparecer em Porto
Alegre, ela vai sozinha, porque eu estarei junto com ela. Não tem como deixar uma maluca dessa
solta por aí.
Eu e Willian não temos uma boa relação. Sei que ao entrar no avião, amanhã, irei sem me
despedir dele e por mais que isso pareça frio, está tudo bem. Eu e ele não somos importantes para
a vida um do outro, porém, nunca vou deixar de ser grata ao meu meio-irmão porque ele, mesmo
sem querer, me deu uma das pessoas que eu mais amo no mundo.
Aparecer no casamento dos dois e conhecer Beatriz foi um dos maiores presentes que
poderia ganhar.
Eu e ele nunca fomos irmãos, mas eu e Bia, com certeza, somos.
Meu trio. Minhas meninas. Minhas amigas. Minhas companheiras.
— Prometo guardar todos os meus surtos para quando você estiver por perto — digo, e
ela assente.
— Vou levar a camisa de força — zomba e beija minha testa. — Eu sei que você tá com
medo, mas eu também sei que vai conseguir resolver tudo o que vier. Sempre vamos estar por
aqui — diz, me abraçando uma última vez, antes de me soltar.
Nicole limpa a garganta assim que se aproxima de mim e me olha.
— Eu nunca tive muitas amigas — começa. — Minha mãe me perguntava o motivo e eu
colocava a culpa nas transferências constantes do meu pai. Dizia que não dava tempo de criar
laços com ninguém. — Dá de ombros. — Até que eu te conheci e, tudo bem, talvez eu tenha sido
emocionada e me jogado rápido porque você estava me dando a chance de assistir minha trope
favorita acontecer diante dos meus olhos — divaga e eu rio junto com ela. — Mas te conhecer
fez com que eu entendesse que uma amizade não precisa de tempo pra se formar. Eu realmente
vou sentir sua falta, meu bem. — Sorri e me abraça apertado.
— Vai me visitar também? — pergunto em meio ao cabelo escuro e ela ri.
— Claro que vou. Preciso de detalhes pro meu livro — sussurra a última parte, evitando
que Bia e Ciça ouçam o que continua sendo um segredo para elas.
— Prometo te dar todos os detalhes.
Nicky beija meu rosto antes de se afastar e eu sorrio quando Lucas dá um passo em
minha direção.
— Vai dizer que vai sentir saudades também? — brinco e ele ri.
— E eu preciso dizer o óbvio, Bittencourt? — questiona e ergue uma espécie de pasta de
veludo para mim.
— O que é isso?
— Um presente.
— Por que você tá dando presente pra ela e a gente não? — Nicole questiona e Lucas
sorri, confiante.
— Porque eu sou o namorado — avisa, sugando o ar da sala ao apoiar o braço sobre
meus ombros e me virar para encarar as três. — Quer dar a novidade, meu bem?
Claro que não esconderíamos isso delas. Aliás, enquanto ele dirigia do aeroclube até
aqui, concordamos que não vamos esconder isso de ninguém. Estamos juntos e mesmo que
pensem que é uma loucura iniciar um namoro com essa distância ou que julguem nossa diferença
de patente, não nos importamos com nada além do que sentimos.
Mas contar para as três faz com que um sorriso idiota se forme em meu rosto ainda
úmido das lágrimas e eu diga:
— Lucas me pediu em namoro e... Eu aceitei.
Espero que elas, pelo menos, pareçam surpresas, mas Beatriz e Cecília rolam os olhos
enquanto Nicky estende a mão.
— Passem — diz, convencida, e eu assisto, perplexa, o momento em que as duas
colocam algumas notas sobre a palma de Nicole.
— O que é isso? — Lucas pergunta, tão atônito quanto eu.
— Eu apostei que você pediria Agatha em namoro antes que ela fosse embora — explica.
— Eu apostei que você iria até lá pedir ela em namoro — Beatriz acrescenta.
— E eu apostei que ela ia quebrar esse costume de que é o homem quem tem que pedir
em namoro e ela pediria — Ciça conclui.
Eu e Lucas nos entreolhamos, então voltamos a encará-las.
— E a opção de não namorarmos? — questiono, sem acreditar que não foram nem um
pouco surpreendidas com a notícia.
Nicky bufa.
— Olha, eu posso até ser emocionada e enxergar romance em tudo, mas até um cego
conseguiria ver que era só uma questão de tempo até vocês oficializarem isso — garante e
balança as sobrancelhas para as meninas. — Quem tá pronta pro bolão do pedido de casamento?
Rio, sem acreditar no que estou ouvindo, mas volto minha atenção para o objeto em
minha mão.
— Esse é um presente dos esquadrões — Lucas diz, ainda com o braço sobre meus
ombros enquanto encara o veludo.
Com cuidado, ergo a tampa e arregalo os olhos ao ver uma placa de metal. De um lado, o
símbolo do Esquadrão Jaguar e do outro o do Lince.
— Desejamos que seu próximo voo seja seguro, assim como sempre garantiu que os
nossos fossem. Pelo bom serviço prestado, obrigado, Sargento Controladora Agatha Bittencourt.
Nos encontramos nas aerovias da vida — leio em voz alta, passando os dedos sobre as letras
gravadas. — Foi ideia sua?
Lucas bufa.
— E acha que eu gosto de um bando de marmanjo dando presente pra minha mulher? —
questiona. — Eles descobriram que você ia embora e correram atrás disso.
Imediatamente entendo o motivo da placa e rio.
— Foi por causa da comida, não foi?
Semana passada, quando fiquei sabendo a data em que ia embora, acabei tentando relaxar
na cozinha e exagerei na quantidade de... Bom, de tudo o que preparei, então, depois de fazer um
jantar com as meninas, ao me dar conta de que acabaríamos precisando jogar muita coisa fora,
Lucas deu a ideia de levarmos o restante para a equipe que estava de serviço naquele horário.
— Não é todo dia que eles comem um banquete sem motivo nenhum. — Dá de ombros.
— E isso aqui... — Enfia a mão no bolso de trás da calça, puxando uma caixa, também de
veludo, porém, verde e menor que a anterior. — É meu.
Ele segura a placa que o esquadrão deu, permitindo que eu me ocupe com seu presente.
Com cuidado, abro a tampa e sorrio ao ver o colar prateado com o pequeno pingente circular
gravado a laser.
— Um aviãozinho? — provoco, mas não deixo de sorrir ao tirá-lo da caixa.
— É. Pelo menos agora um dos seus aviões vai te fazer lembrar de mim, já que a
tatuagem não foi em minha homenagem — diz enquanto ergo o cabelo para que ele prenda a
correntinha ao redor do meu pescoço.
— Puta que pariu, vocês são tão fofos! — Cecília diz entredentes, parecendo perto de nos
apertar.
— São, não são? — Nicky suspira. — Meu Deus, eu me sinto numa poltrona de cinema
assistindo isso aqui.
— Eu amei. — Toco o pingente com carinho, ignorando as duas. — Mas o que vai te
fazer lembrar de mim? — Me viro para olhá-lo.
— Não preciso de nada pra isso, meu bem. Mas se prometer que vai pensar em mim
quando usar o colar, prometo que vou pensar em você quando estiver voando.
— Você sempre voa — murmuro e Lucas sorri.
— Exatamente — sussurra e beija minha testa, antes de olhar para as meninas. — Cadê
as pizzas?
— Esfriando enquanto vocês não se desgrudam — Ciça zomba, ficando em pé e
seguindo na direção da cozinha.
Passamos quase três horas juntos. Rimos, comemos, conversamos e enquanto estou
cercada pelas minhas amigas e meu namorado, esqueço de todas as preocupações futuras,
aproveitando apenas o presente.
É gostoso, e eu sei que essa será uma das minhas memórias favoritas do que vivi nessa
cidade.
É o tipo de momento que vai me fazer chorar de saudade.
É o tipo de acontecimento que eu vou querer reviver.
— A gente se encontra no aeroporto amanhã de manhã, tá bom? — Bia diz, me
abraçando enquanto Ciça e Nicky esperam do lado de fora do apartamento, prontas para irem
embora.
— Tá bom — concordo e sorrio para as três, assistindo-as caminharem na direção do
elevador enquanto o nó começa a aumentar em minha garganta, mais uma vez.
— Vem aqui. — Lucas, percebendo que estou prestes a cair no choro de novo, segura
meu punho e me puxa para seu abraço, mas não diz nada.
Ele apenas me segura.
Me acalma.
Me protege.
Lucas não diz que eu não preciso chorar, nem promete que tudo vai ficar bem e nem
tenta me distrair. Ele apenas acolhe a dor que sinto ao me despedir das pessoas que eu amo e,
com a cabeça apoiada em seu peito, ouvindo seus batimentos, eu relaxo.
— Podemos passar a noite acordados? — pergunto, abraçando sua cintura enquanto
respiro seu cheiro.
— Claro que sim. Ainda mais se isso te envolver pelada — provoca, e eu rio fraco,
erguendo meu rosto para olhá-lo.
— Você vai ser a minha maior saudade, Lucas Alencar.
Ele não tenta esconder como seus olhos brilham com lágrimas que também quer
derrubar. Mesmo sem usar palavras, ele é sincero sobre suas emoções. E eu amo tanto isso.
— Você vai ser minha maior saudade, Agatha Bittencourt — admite e passa o nariz pelo
meu. — Seu cheiro, seus olhos, seu cabelo, sua voz... Eu vou morrer um pouco a cada dia que
estiver longe de você, meu bem. Mas saiba que mesmo que doa pra caralho, estou feliz de te ver
indo na direção do que quer.
Porque amar não é só estar perto. Amar também é ver felicidade na felicidade do outro.
— Lucas?
— Oi.
Toco seu rosto, passando os dedos pelo maxilar onde a barba começa a despontar e ele
inclina o rosto contra minha mão, sem olhar para longe de mim.
— Eu amei o colar e não vou tirá-lo por nada, mas eu também não preciso de nada pra
me lembrar de você.
Ele me abraça, apoiando a boca em meu ouvido e pede:
— Vamos pra cama.
Obviamente, a gente transa. Mas depois que nossa respiração se regulariza, nós
conversamos, rimos, fazemos planos. Em alguns momentos, apenas nos mantemos em silêncio.
Em outros, repetimos o quanto vamos sentir saudade um do outro.
Até que às 06h24min da manhã, enquanto estou com as costas apoiadas no peito de
Lucas, assisto ao nascer do sol pela janela de seu apartamento.
É igualmente lindo ao espetáculo que assisti ontem, acima das nuvens, exceto que
também é triste, porque eu sei que é meu último dia acordando ao seu lado.
Tudo bem, talvez eu esteja sendo exagerada, afinal, nenhum de nós dois vai morrer e nós
prometemos que vamos nos reencontrar, mas a falta de uma certeza de quando isso vai acontecer
me deixa angustiada.
— Eu preciso ir me arrumar — sussurro, e seus braços se estreitam ao meu redor.
— Me dá mais cinco minutos — pede em meu ouvido, a boca bem acima da tatuagem
que mesmo não tendo sido feita para ele, sempre vai me lembrar dele.
Me contorço e acabo montada em seu colo, o rosto enterrado em seu pescoço enquanto
ele me abraça mais apertado.
— Ainda estaremos sob o mesmo céu — sussurro quando nossos cinco minutos se
encerram. Digo isso para ele, mas também para mim, porque antes mesmo de me soltar, meu
peito dói com a saudade.
Lucas respira fundo, o nariz enterrado em meu cabelo e, por alguns instantes, ele apenas
me segura, até que assente e repete:
— Ainda estaremos sob o mesmo céu.
Então seus braços se afrouxam e ele me deixa ir.
EU NÃO TENHO PROBLEMAS em ser visto chorando, mas nunca lutei tanto para conter as
lágrimas como agora, enquanto caminho com Agatha pelo saguão do aeroporto.
Por mais que ela saiba o quanto já sinto sua falta, não preciso relembrá-la desse fato,
principalmente porque ela não deixou de chorar desde o segundo em que entramos no carro.
— E se eu estiver cometendo um erro, Lucas? — perguntou, angustiada. — E se tudo der
errado?
— Se tudo der errado, você volta pra cá — respondi, beijando seus dedos. — Mas e se
tudo der certo?
— Se eu acabar voltando, você vai me receber na sua casa?
— Se não inventar de criar regras que dizem que não posso te comer, sim.
— E se eu criar?
Sorri para sua provocação.
— Vou te fazer quebrar cada uma delas de novo, meu bem.
Fiquei orgulhoso de mim mesmo por conseguir arrancar um sorriso dela, mesmo que
pequeno, mas logo que a fachada do aeroporto entrou em nosso campo de visão, senti meu peito
voltar a apertar.
É estranho querer tanto que alguém que eu amo vá para longe de mim porque a mera
ideia da distância me machuca, mas eu não consigo pensar na possibilidade de desmotivá-la,
mesmo sabendo que sua desistência a manteria aqui. Comigo.
— Ei. — Bia pega um frasco de comprimidos, andando ao seu lado na direção da área de
embarque. — Abre a mão.
— Aaah, Beatriz! Agora você vem com o tarja preta?! — Cecília questiona, apoiando as
mãos na cintura.
— Que tarja preta, sua maluca?! É valeriana. É natural e a dosagem é baixa —
resmunga e volta a olhar para Agatha. — Vai te ajudar a ficar mais tranquila no voo.
Ela não pensa antes de aceitar o comprimido e jogá-lo na garganta, sem nem mesmo se
preocupar com a água para ajudar a engoli-lo.
Odeio vê-la tão nervosa assim. Odeio não conseguir resolver tudo isso. Odeio assistir
minha garota com medo de algo que ela tanto quer. Odeio não poder embarcar ao seu lado para
cuidar de qualquer medo que apareça durante o voo.
Assisto-a se despedir das meninas, me mantendo afastado até que é minha vez e, porra,
como essa merda dói.
— Me liga assim que pousar — peço, arrastando sua mala até próximo da área de
embarque.
— Você não vai estar voando?
Balanço a cabeça.
— Só vou decolar depois que souber que você está no chão — garanto, sem me importar
com qualquer reclamação que possa receber por atrasar alguma missão. Se eu não tiver certeza
de que ela chegou bem, eu é quem vou causar um acidente. — Tenta dormir quando embarcar.
Passou a noite acordada e o remédio vai ajudar. E, se ficar com medo, pensa que sou eu quem
estou pilotando. E...
Ela interrompe minhas palavras quando joga os braços ao redor do meu pescoço e me
abraça apertado.
— Eu vou ficar bem. Você vai ficar bem. E mais rápido do que a gente imagina, sem
aviso, você vai aparecer em Porto Alegre pra me encontrar com o pijama do Mickey e a cara
verde — diz, como se fosse uma certeza do futuro, e não um sonho que não sabemos nem
mesmo quando se realizará.
— Vamos pensar apenas nisso — concordo e a afasto, segurando seu rosto. — Eu quero
que você entre nessa área de embarque e não olhe pra trás, tudo bem?
Ela sorri com os olhos marejados.
— Tem medo que eu desista?
Tenho medo de te pedir para ficar.
— Eu não deixaria isso acontecer — murmuro e beijo sua boca, antes de repetir o gesto
em sua testa. — Eu amo você.
— Eu amo você.
Quando dou um passo para trás, apesar da dor que parece ficar ainda maior, consigo
sorrir e dizer:
— Bom voo, controladora.
— Até a próxima, piloto.
Então minha garota faz o que eu pedi.
Agatha se vira e caminha pela rampa que leva até a área de embarque, sem olhar para
trás, seguindo na direção de algo que quer há tanto tempo.
— Ei... — Cecília bate seu ombro no meu e me dá um sorriso solidário. — Vamos
embora. — Acena na direção da saída.
— Você quer conversar? — Nicky pergunta assim que chegamos ao estacionamento e eu
balanço a cabeça, dando-lhe um sorriso que eu espero ser o suficiente para tranquilizá-la.
Sei que Nicole não está acostumada a me ver assim e não quero que ela se preocupe
comigo enquanto os próprios olhos estão úmidos com a despedida. Sem contar que, com a
viagem se aproximando, ela precisa organizar tudo.
Além do mais, eu quero ficar sozinho.
Preciso ficar sozinho. Por isso, recuso a oferta e dou um abraço nas três antes de me
enfiar no carro e dirigir até o apartamento, só para entender que a dor que eu achava estar grande
antes fica ainda maior quando o único vestígio de Agatha é seu cheiro.
Seu cheiro e todas as memórias de sua presença aqui.
Para cada canto que olho, lembro de algum momento que gostaria de reviver. É como ser
torturado com a ausência que mal chegou e já parece prestes a me enlouquecer.
Me jogo na cama e rio, sem humor, ao entender que aqui é o lugar que mais me faz
pensar nela. O sexo, os risos, as conversas, as confissões.
Porra!
Eu quero minha mulher na minha cama. Quero dormir e acordar com o rosto enterrado
naqueles cachos. Quero ser seu despertador só para deixá-la dormir mais alguns minutos. Quero
ser provocado. Quero tudo o que eu tive nesses meses em que vivi com ela.
Mas, além disso, também quero que ela se sinta realizada, então em meio ao cheiro que
sai dos meus lençóis, aceito que a saudade é só a parte negativa de vê-la feliz.
Como sabia que aconteceria, não consigo dormir apesar da exaustão da noite em claro,
então permaneço deitado até a hora de me arrumar para o trabalho. Durante o banho, ouço a
vibração do celular e desbloqueio a tela, sorrindo ao ver a foto de Agatha fazendo um biquinho.

Respondo com uma foto, deixando claro que estou no chuveiro.

Rio.
Sorrio com a próxima mensagem que chega.
Saio de casa mais tranquilo do que cheguei.
Claro que mensagens de texto nunca vão se igualar a ouvir sua voz frente a frente, assim
como sei que chamadas de vídeo não vão chegar perto de matar a saudade de seu rosto, mas não
vai ser tão ruim.
Pelo menos foi o que eu pensei enquanto dirigia para o quartel, mas naquele mesmo dia,
após a missão, quando cheguei ao apartamento e não a encontrei, entendi que estava errado.
A cada vez que encerrávamos uma chamada e eu me dava conta de que não sabia quando
a veria, minha sanidade se esvaía um pouco mais. Além disso, a escala de voo parecia piorar a
cada segundo.
Já faz três semanas que Agatha foi embora e eu tenho quase certeza de que esse é o
tempo que estou sem conseguir dormir direito. Estou exausto ao ponto de sentir meus
pensamentos mais lentos.
Me sinto letárgico, quase anestesiado, e essa dormência não permite que eu obedeça ao
comando que o controlador de voo dá enquanto me aproximo para pouso no aeroporto.
— Jaguar01, arremeta[13].
Eu ouço suas palavras, mas não entendo o que ele quer, então continuo descendo na
direção da pista.
— Jaguar01. Arremeta! — Aciono os mecanismos para tocar o solo. — Arremeta agora!
O tom alto que mais se parece com um grito ecoa em meus ouvidos e eu volto para a
realidade, sem entender o que estou fazendo, porém, agindo no automático ao obedecer sua
ordem.
Puxo o manche, erguendo o nariz do avião, e aumento a potência dos motores,
cumprindo a instrução. Volto a subir, me mantendo no ar ao invés de pousar em cima de uma
aeronave que está parada na pista.
Meu coração bate forte, minhas mãos suam e minha respiração se agita.
Porra.
Olho para trás, encarando o ponto exato onde eu bateria meu avião se não tivesse
obedecido a ordem de arremeter.
Eu. Quase. Bati.
Porque não consigo pensar. Porque estou exausto o suficiente para o meu cérebro não
funcionar direito. Porque a porra do meu trabalho está impedindo que eu tenha uma vida.
Ainda não conheço meus sobrinhos, faz meses que não vejo minha irmã e eu nem mesmo
consegui acompanhar minha namorada enquanto ela se mudava de Estado, tudo isso porque eu
preciso voar.
Acontece que a mesma coisa que sempre fez com que eu me sentisse vivo, quase causou
a minha morte há alguns segundos.
E é essa constatação que me faz pousar, estacionar a aeronave e seguir até a sala de
Palazzini.
Um dos princípios da aviação é a segurança. Dezenas de regulamentos foram criados
para assegurar que a segurança seja mantida a qualquer custo e uma das normas diz que quando
uma pessoa, seja um piloto, um controlador ou mecânico admite não estar bem para
desempenhar as funções, ele é afastado por tempo indeterminado.
O processo é complicado e envolve bastante burocracia. É solicitada uma avaliação
médica e psicológica, além de prejudicar a carreira do militar, dependendo da veracidade da fala.
Portanto, o risco que esse tipo de afirmação traz faz com que seja raro ver alguém fazer isso, mas
quando entro na sala do Coronel e presto minha continência, não hesito ao dizer:
— Não estou em condições de continuar voando, senhor. Preciso me afastar.
EU AMO PORTO ALEGRE. Mas eu odeio tudo o que precisei deixar para conseguir estar
aqui.
Amanhã completa um mês desde quando embarquei naquele avião e chorei até cair no
sono.
Amanhã faz um mês que me despedi das minhas amigas.
Amanhã faz um mês que vejo Lucas apenas pela tela do celular.
E por mais que eu esteja amando a experiência de procurar decorações no Pinterest para
ter ideias de como decorar o apartamento, ainda acabo chorando uma vez ou outra com a
saudade que eu sinto.
Esses choros costumam vir logo após as ligações com Lucas porque eu sei que, se ele
estivesse por perto, estaria em seu abraço.
E, porra, como eu sinto falta do seu abraço.
Por instinto, assim que penso nele, toco o pingente em meu pescoço, sentindo a frieza da
prata contra meus dedos.
Pela mensagem que recebi há algumas horas, ele está voando. De novo.
Sei que é o que ele ama fazer e que é excelente pilotando, mas não consigo deixar de me
preocupar, tanto pelo fato da distância entre ele e o chão, quanto pelo fato de que ele não
descansa.
Não sei como é estar no comando de uma aeronave, porém, sei quão importante é estar
cem por cento atento ao que está sendo feito e por mais que Lucas seja um dos melhores, ele
ainda é humano e ninguém consegue se manter tão alerta por tanto tempo.
Porém, também sei que isso não depende apenas dele, afinal, o dever sempre vai chamar.
E ele sempre precisará atender ao chamado.
Suspiro, enquanto o elevador me leva até o décimo andar e olho para a tela do celular,
esperando a mensagem que diga que ele já está no solo, mas as últimas palavras trocadas
continuam sendo o “eu te amo” que me enviou antes de colocar o aparelho no modo avião.
Esperava que, com os dias, a saudade se tornasse menos incômoda. Não que ela fosse
diminuir. Sabia que não iria, mas torcia para que eu, pelo menos, me acostumasse à ausência de
Lucas.
Só que isso não está nem perto de acontecer.
Sinto falta de dormir em seus braços, assim como sinto falta de rolar os olhos para seus
comentários engraçadinhos. Sinto falta das nossas provocações. Dos nossos beijos. Dos nossos
momentos.
Sinto falta da gente.
E, hoje, isso está um pouco pior porque é dia nove de junho.
Faz um mês que ele pediu que eu me vestisse e fez segredo sobre onde estava me
levando, até que conseguiu me convencer a entrar em um avião para me mostrar o pôr do sol, só
para, após o pouso, dizer palavras que me fizeram querer chorar ao sentir um amor tão puro
sendo direcionado a mim.
Ele me ama de uma forma quase palpável. Ele me ama ao ponto de, mesmo sentindo
minha falta, me impulsionar na direção do que eu queria. Ele me ama ao ponto de ficar feliz por
eu ser minha prioridade.
O problema é que não consigo me sentir tão feliz por me escolher, considerando que essa
decisão está me mantendo longe do cara que eu amo.
Saio do elevador e digito a senha no teclado ao lado da porta do meu apartamento,
empurrando-a ao ouvir o bip do destravamento, mas no instante em que passo pela soleira, meu
mundo se abala.
Meu coração erra algumas batidas, meu queixo treme e meus olhos se arregalam antes
que solte a bolsa no chão.
— Lucas! — arfo seu nome e me lanço sobre ele.
Nossos corpos se chocam e sinto-o recuar alguns passos com o impacto, mas só consigo
me importar com a sensação de seus braços se fechando ao meu redor em um aperto gostoso.
Casa.
Seu abraço se parece com casa.
— Oi, meu bem — murmura em meu cabelo, o tom carregado do mesmo alívio que sinto
ao tê-lo por perto.
— Eu não acredito que você tá aqui — digo, ainda enroscada em seu pescoço, com medo
de me afastar e perceber que isso não passa de um sonho ou alguma alucinação.
Não me surpreenderia. Estou mesmo quase enlouquecendo de saudade.
— Eu não te avisei que algum dia viria sem avisar? — pergunta e beija meu cabelo. —
Você que não cumpriu sua parte. Cadê o pijama e o rosto verde?
Me inclino para longe e o encaro, ainda atordoada por estar entre seus braços.
— O que você tá fazendo aqui?
Lucas segura meu rosto e aproxima sua boca da minha, me dando um selinho antes de
voltar a me olhar com carinho.
— Senti saudades da minha garota.
Balanço a cabeça, o choque finalmente dando espaço à emoção e junto com o sorriso
bobo que surge em meu rosto, também sinto as lágrimas começarem a se formar.
— Também senti saudades de você — confesso e o beijo, voltando a abraçá-lo apertado.
— Meu Deus, você tá aqui mesmo! — Rio, inalando seu cheiro.
Sei que um mês não é tanto tempo, mas para mim foi como se eu ficasse décadas sem
conseguir respirar direito. E agora eu consigo porque ele está aqui.
E é nesse instante em que percebo quão impossível é isso.
— Mas como é que você tá aqui?
Lucas ri baixo, passando o nariz por meu maxilar.
— Você me disse que Brasília só se tornou seu lar depois que eu cheguei. Bom, Brasília
deixou de ser meu lar no instante em que você se foi.
A forma como ele diz isso faz com que meu coração bata mais rápido, como se eu
sentisse que algo está prestes a acontecer, então me afasto para olhá-lo.
— O que isso significa?
Nunca o vi preocupado com nada, mas nunca achei que uma pessoa pudesse estar tão
tranquila ao dizer algo como as palavras que chegam até sua boca:
— Estou pedindo desligamento da Força Aérea e me mudando pra Porto Alegre.
PALAZZINI ME DEU UM OLHAR preocupado, mas eu sabia que não era uma preocupação
dirigida a mim, mas sim ao Esquadrão Jaguar, que estava prestes a ficar sem o líder por algum
tempo. Entretanto, por ser tão fiel a todos os regulamentos militares, ele não tentou debater sobre
o que eu estava lhe dizendo. Ele não podia retrucar o fato de que eu não estava bem para voar.
Então o Coronel apenas assentiu e disse que pediria ao Major Souza para que cuidasse de toda a
parte burocrática que viria a seguir, desde os relatórios até a parte médica.
Sabia que esse trâmite levaria algum tempo, portanto, não pensei antes de chegar até meu
apartamento, pegar uma mala e seguir para o aeroporto.
Eu precisava fazer isso.
Comprei uma passagem, embarquei e, ao pousar, peguei um Uber até o endereço.
Ao mesmo tempo em que estava nervoso, também me sentia ansioso. Animado, porém,
preocupado. Não queria decepcioná-la, mas não tinha como continuar vivendo daquela maneira,
então puxei uma respiração e pressionei a campainha, sentindo meu coração bater mais forte no
instante em que Maria Luiza abriu a porta com um bebezinho em seu colo.
Os olhos cinzas de minha irmã se arregalaram, como se ela também não pudesse
acreditar no que estava vendo, mas logo seu sorriso surgiu.
— Veja só se não é aquele que foi achado no lixo — brincou, e eu ri, envolvendo seus
ombros em um abraço.
— Veja só se não é a pessoa que chorou quando o “encontrado no lixo” foi embora no
Natal — debochei e beijei seu cabelo. — Oi, maninha.
— Oi, maninho — respondeu e se afastou para que eu conseguisse, finalmente, olhar no
rosto do meu sobrinho, que permanecia tranquilo em seu colo, os olhos brilhando em um tom
verde-acinzentado. — Esse é o Pedro.
Minúsculo.
Ele parecia minúsculo até no colo da minha irmã e Malu nem podia ser considerada uma
pessoa grande.
Pedro era pequeno, o rosto era menor que minha mão e eu apostava que ele não pesava
mais do que uns quatro quilos. Mas ele era perfeito.
Não sabia que era possível algo tão pequeno ter tantos detalhes porque nunca vi um
recém-nascido tão de perto, mas ele tinha até cílios!
— Vamos, Lucas. Pode ser o tio babão. — Ela riu e não deu tempo de me preparar antes
que puxasse meu braço e colocasse Pedro em meu colo.
— Puta merda — congelei, apavorado com a possibilidade de fazer qualquer movimento
que o machucasse.
— Loirinha, quem é que...?
Mal me movi para erguer a cabeça e assistir Leonardo adentrando a sala, um sorriso
divertido se abrindo ao ver como eu estava apavorado com o fato de ter um protótipo de pessoa
em meu colo.
— Parece que o piloto de caças tem medo de bebês — debochou, e provando ser um
completo maluco, se aproximou com minha sobrinha e sem que eu pudesse recusar, a colocou
em meu outro braço. — Finalmente, temos uma babá.
Puta. Que. Pariu.
Tinha dois protótipos de pessoa no meu colo e eu não conseguia me mexer porque eles
pareciam tão frágeis. Tão pequenos. Tinha certeza de que o menor dos movimentos poderia
assustá-los.
— Ele tá respirando? — meu cunhado perguntou à Malu e ela negou.
— Eu acho que não. Vem sentar. Eles são pesados — chamou, e depois que Leonardo
puxou minha mala para dentro e fechou a porta, ambos seguiram na direção do sofá, me
deixando plantado com os gêmeos em meu colo.
— Pelo amor de Deus. Como que eu ando? — Quase engasguei a pergunta, e Leonardo,
ainda se divertindo, deu de ombros.
— Com as pernas. Um pé na frente do outro.
— E se eu derrubar um deles?
— Por que derrubaria um dos seus sobrinhos? — Maria Luiza questionou, também se
divertindo.
Leo tinha infectado minha irmã com sua loucura.
Olhei para baixo, finalmente encarando o rosto minúsculo de Alice, que era bem mais
agitada que Pedro, mas idêntica a ele. Até mesmo a quantidade de cabelo e a cor dos olhos.
— Eles são iguaizinhos — sussurrei, perplexo, e ao notar que estavam bem posicionados
em meus braços, dei passos lentos e robóticos até acabar sentado ao lado de Malu. — Meu Deus,
eles são perfeitos. — Ergui meus olhos para minha irmã e meu cunhado, encontrando-os com
sorrisos bobos ao me ouvir elogiando seus filhos. — Desculpa não ter vindo antes.
— A gente entende, Lucas — ela garantiu. — Fico feliz que esteja aqui agora. Só não
entendi por que não avisou que vinha.
Suspirei, me preparando para uma conversa que, apesar de já ter imaginado algumas
vezes, nunca pensei que realmente fosse tê-la. Nunca cogitei que as coisas fossem chegar àquele
ponto.
— Porque eu não vinha. Era para eu estar trabalhando.
— E por que não está?
Não sabia em que momento Maria Luiza adotou uma expressão tão sábia quanto aquela,
mas eu não tinha dúvida de que, ao olhar em meus olhos, minha irmã entendeu que havia algo
errado.
— Leo? — chamou e tocou o joelho do marido.
Sem que precisassem de palavras para se comunicar, meu cunhado ficou em pé e sorriu
para mim.
— Devolva meus filhos, Alencar. Se gostou, arrume os seus próprios — brincou e pegou
Alice, ajeitando-a no braço esquerdo antes de pegar Pedro com o direito, sem nenhuma
dificuldade ou medo. Eu só não tinha certeza se sua confiança vinha do fato de ele ser pediatra
ou se era só por ser o pai. — Vamos deixar vocês conversarem — avisou. — Enquanto isso, eu e
você, Pedro Fonseca, vamos ter que dar um jeito de fazer essa garota dormir — continuou,
conversando com os gêmeos enquanto caminhava na direção do corredor. — Aposto que foi todo
o açúcar que sua mãe comeu ao longo da vida e...
— Então... — comecei, voltando-me para Malu. — Você é mãe.
— De gêmeos — acrescentou, como se nem mesmo ela acreditasse nisso. — Mas
continuo sendo sua irmã mais velha e sei quando meu irmãozinho está com problemas. O que
aconteceu?
Nunca tive problemas para me expressar. Sempre achei que a honestidade fosse o melhor
caminho, por isso, nunca tentei esconder nada das pessoas que eram importantes para mim.
Entretanto, o medo de decepcionar quem sempre fez de tudo para que eu alcançasse meus sonhos
me deixou um pouco hesitante.
— Sabe que você sempre foi minha maior inspiração, não sabe? — perguntei, sem
esperar uma resposta, porque tinha certeza de que ela tinha ciência disso. — Sabe que ver você
alcançar o patamar em que está, como uma médica mundialmente renomada, me deixa orgulhoso
pra caralho de ocupar o posto de seu irmão. Já te falei várias vezes, Malu, mas sempre que
precisei de força durante a formação militar, era em você que eu pensava. Eu queria ser igual
você, mas eu também queria que sentisse orgulho de mim.
— Tá tentando me fazer chorar, Lucas? — questionou, piscando algumas vezes. — Já
pari, mas acho que os hormônios ainda não se regularizaram, então vai com calma.
Ri baixo, antes de esfregar o cabelo e negar.
— Só... Eu nunca quis te decepcionar.
— Você nunca me decepcionou, maninho.
— Mas talvez eu faça isso agora — avisei e puxei uma respiração. — Eu não quero
continuar sendo militar. Odeio só ter conseguido ver meus sobrinhos depois de meses. Odeio que
a mulher que eu amo tenha ido embora e eu não tenha nem mesmo ido com ela porque precisava
voar. Odeio não ter estado com você enquanto estava grávida. Odeio tudo o que estou perdendo
porque preciso priorizar o militarismo. E eu não quero mais, Malu. Na verdade, nunca quis.
Estou cansado. Exausto física, emocional e psicologicamente. E odeio pensar que isso pode te
decepcionar, mas... Eu não aguento mais.
— Ei! — Maria Luiza me interrompe e se aproxima de mim, me olhando com um misto
de chateação, confusão e solidariedade. — Quando foi que eu me tornei a irmã babaca?
— Acho que desde que nasceu — consegui provocá-la só para ganhar um olhar feio.
— Estou te perguntando quando foi que eu dei a entender que alguma coisa deveria vir
antes da sua felicidade?
— Nunca. — Não pensei antes de lhe responder. — Mas eu sei o quanto se orgulhava de
ver onde eu estava e...
— Eu me orgulho de você, Lucas Alencar, por ver a pessoa que você é. Sei que se tornar
um Tenente foi algo difícil, mesmo que nunca tenha me contado muito da formação. Foi um
desafio e você venceu, então claro que vou sentir orgulho disso. Mas nada se compara ao que
sinto quando penso que meu irmãozinho, o que foi achado no lixo, se tornou um homem assim.
— Acena na minha direção. — Você é um dos exemplos que eu quero que Pedro siga.
— Então não vou me tornar sua maior decepção caso abra mão da carreira militar?
— Vai se tornar minha maior decepção caso abra mão da sua felicidade.
Foi como se meu coração recuperasse espaço para bater corretamente.
Eu era adulto, era o responsável pelas minhas decisões, e minha irmã não precisava
aprovar ou não as escolhas que eu faria, mas receber seu apoio e não sua crítica era um alívio.
No fundo, eu sempre seria o irmão mais novo procurando agradecê-la por tudo o que ela
fez por mim. Mas naquele segundo, entendi que Malu queria minha felicidade como
agradecimento.
— Posso dizer que também tenho orgulho da pessoa que você se tornou? — perguntei e
ri, pressionando os dedos contra os olhos para conter qualquer possível lágrima de emoção.
— Pode. Aí aproveita e me conta que história é essa de garota que você ama indo embora
— mandou, se ajeitando para me olhar. — Leonardo, vem cá ouvir isso! O Lucas tá namorando!
— FAZ QUATRO DIAS que fui até BH — Lucas diz, sentado na mesa em frente ao sofá,
segurando minhas mãos e me olhando com carinho. — No outro dia de manhã, voltei pra
Brasília e dei entrada na documentação do desligamento.
Lucas está me contando que está abrindo mão de uma carreira promissora na Força Aérea
com a mesma calma e tranquilidade que eu usaria para falar sobre o clima!
— Devo efetivar tudo nessa semana e, depois, eu me mudo pra cá.
Quero gritar de felicidade ao ouvir sobre a opção de não precisar ficar longe dele, mas
não posso deixar que minha emoção se sobreponha ao que é melhor para ele, por isso, umedeço
os lábios e aperto seus dedos.
— Não duvide que estou muito feliz com a ideia de ter você por perto, porque eu tô.
Lucas, eu achei que fosse enlouquecer com a saudade que tava sentindo — admito, e ele sorri,
passando o polegar pelo dorso da minha mão. — Mas tem certeza disso? Tem certeza de que é o
melhor pra você?
— Tá com medo de que eu esteja tomando essa decisão baseada no nosso namoro, não é?
Assinto.
— Não vou mentir que ficar longe de você e não ter ideia de quando te veria foi algo que
pesou na minha cabeça. Mas não foi só isso. O militarismo nunca foi minha vontade, eu só entrei
porque era a forma mais fácil de começar a voar. Te falei disso.
— Eu me lembro — digo, e ele concorda com a cabeça.
— Eu não quero que meu trabalho seja o centro da minha vida, meu bem. Quero
conseguir visitar minha irmã e meus sobrinhos. Queria estar ao seu lado quando embarcou
naquele dia. Quero poder fazer planos pra próxima semana sem precisar me preocupar em ser
acionado ou não. E o militarismo não vai me deixar ter essas coisas.
— Mas se você sair, também vai parar de voar, e eu sei o quanto ama arriscar sua vida
com isso.
Lucas me dá um olhar animado, então se lança na minha direção. Ele se senta no sofá ao
meu lado e puxa minhas pernas para cima do seu colo.
— Então, essa é outra parte que eu preciso te contar — avisa. — Que também envolve a
parte de eu me mudar pra Porto Alegre. E essa parte teve muito da sua influência.
— Por quê, exatamente?
— Porque eu tinha a opção de escolher São Paulo, Natal, Porto Alegre, Brasília ou
Recife. Então escolhi a que me deixaria perto de você.
— Mas que opções? Como assim? Se você sair da Força Aérea, você não vai ser, sei lá,
desempregado?
— Não. Porque estou sendo contratado pela JetFly.
Meus olhos se abrem como pratos.
— A companhia aérea? Como assim? Quando foi isso? Como foi isso? — Pareço uma
metralhadora de perguntas, mas não consigo evitar. Faz só um mês desde que vim embora. Como
é que tanta coisa aconteceu?
— Lembra do Felipe? O primeiro piloto que foi até a base pra visita? — questiona, e eu
assinto, atordoada. — Ele tinha comentado sobre a expansão da empresa e deixou o número dele,
pro caso de algum dia eu pensar sobre mudar pra aviação comercial.
— Que horas foi isso? Como que eu não vi essa conversa?
— Provavelmente porque tava me ignorando por estar com ciúmes. — Pisca,
debochando. — Antes mesmo de voltar pra Brasília, liguei pra ele. A gente conversou e... Parece
que vou conseguir realizar meu sonho de ser piloto comercial. E como Porto Alegre é uma das
bases da empresa, seria útil viver aqui. Além disso, eu percebi uma coisa nesse mês que
passamos longe.
— O quê?
Lucas segura minha nuca e puxa meu rosto mais para perto até que nossas testas se
toquem.
— Estar só sob o mesmo céu que você não é o suficiente, Agatha. Eu preciso ser capaz de
estar com a mulher que eu amo.
Quero sorrir, mas ao mesmo tempo, tenho vontade de pular de alegria.
Estou feliz por entender o que está acontecendo, mas estou ainda mais feliz por ele.
Me lembro o quanto ele se incomodava com as coisas que perdia graças ao militarismo.
Me lembro da chateação em seus olhos cinzas e do cansaço em sua voz.
Desde o primeiro momento em que o vi dessa forma, quis resolver a situação, mas não
sabia como. Agora, estou ouvindo como tudo se ajeitou e não consigo sentir nada além de
felicidade extrema por ele.
Lucas vai continuar fazendo o que ama, que é voar, mas não vai precisar abrir mão do
que é importante para ele, como a família. E além disso tudo, estaremos juntos.
— Você não vai mais embora, então? — pergunto baixinho, e ele sorri.
— Não. E também não vou te deixar fugir de mim de novo, fujona.
Rio e abraço seu pescoço, puxando meu corpo para a frente até que acabo em seu colo.
Seus braços me circulam e eu inspiro seu cheiro mais uma vez.
— Lucas?
— Oi, meu bem.
— Você acabou de transformar Porto Alegre em casa — digo baixinho.
— Eu acabo de sentir que Porto Alegre é minha casa — devolve no mesmo tom.
Por alguns segundos, não nos movemos, acalmando a saudade que sentimos um do outro.
Mas conforme nossas mentes se tranquilizam com nossa nova realidade, nossos corpos
esquentam porque não somos só amor. Nós também somos desejo.
Sinto o ambiente ao nosso redor mudar e considerando a forma como a respiração de
Lucas se torna mais profunda, ele também sente a tensão.
— Bittencourt?
— O quê?
— Eu ainda sou um piloto, ok?
Porra, como eu não amaria esse cara?
Rio e afasto meu rosto para olhá-lo.
— E eu ainda não aprendi a ser imune a você e esse seu papo, Alencar.
Nossas bocas se unem em um beijo lento, sem pressa, como se finalmente aceitássemos
que temos o todo o tempo do mundo para ficarmos juntos.
— Amo quando sorri me beijando — ele diz contra meus lábios, e só então me dou conta
de que realmente estou sorrindo.
— Amo você, Lucas — sussurro e me movo para acabar montada em seu colo.
— Amo você, Agatha — responde, enfiando as palmas calejadas por baixo do tecido da
minha camiseta, o contato áspero fazendo minha pele arrepiar. — Agora, me diga, meu bem.
Vou estar quebrando alguma regra se eu te comer nesse sofá?
Bufo.
— Você nunca ligou pra isso mesmo.
— Não tem como ligar pra nada que não seja você — retruca e suga meu lábio inferior,
antes de arranhar meu queixo com os dentes e lamber meu pescoço, me fazendo estremecer. —
Porra, que saudade que eu tava do seu cheiro. E esse cabelo... — ele quase rosna contra minha
pele, enterrando os dedos em meus cachos. — Meu Deus, como eu senti falta de fazer isso.
— Chega de saudade — decido, arrastando as unhas pelos gominhos de seu abdômen,
querendo sua pele contra a minha.
— Chega de saudade — concorda e volta a me beijar.
Nossas camisetas acabam jogadas no chão e eu choramingo quando sua boca corre por
minha garganta, distribuindo beijos, mordidas e chupões ao mesmo tempo em que arranho seus
ombros, rebolando contra sua ereção.
Lucas nos gira no sofá e eu sinto o estofado contra minhas costas, mas perco a noção de
tudo quando sinto seus lábios se fecharem ao redor do meu mamilo, gritando com a pressão de
seus dentes.
— Shh. Acabou de se mudar. Quer que os vizinhos te odeiem? — pergunta, mas não
espera a resposta antes de voltar a mamar meu peito.
— Os vizinhos que se fodam. Não aguento mais gozar só pensando em como é sua boca
em mim.
Aperto o maxilar quando Lucas belisca meu outro mamilo e jogo a cabeça para trás com
o tesão que irradia por meu corpo.
— A partir de hoje, todas as vezes que gozar, vou estar por perto pra assistir — promete
e abre o botão do meu short, puxando-o junto com a calcinha e me deixando nua.
Ele se ajeita no sofá, abraça minhas coxas e sinto meu coração bater mais depressa
quando sua respiração acerta meu clitóris.
— Não feche as pernas, Agatha.
— Se esqueceu que não é mais meu superior, Lucas? Não preciso te obedecer.
Ele abre um sorriso perverso.
— Ah, meu bem, se você quer gozar, sim, você precisa.
Nossos olhares se travam por alguns segundos, como se ele me desse tempo para
entender que está falando sério.
— Quer um convite formal pra me chupar, Alencar? — Ergo a sobrancelha, provocando-
o.
— Quero que peça “por favor”.
— Achei que estivesse com saudade do meu gosto.
— E eu achei que estivesse com saudade de ser fodida pela minha boca — rebate.
Porra, como eu senti saudade desse cretino.
— Me chupa, Lucas. Por favor — cedo, sentindo minha boceta pulsar com sua respiração
quente tão perto.
Sua língua acaricia meu clitóris e eu gemo, afundando os dedos nos fios de seu cabelo e
puxando-o contra mim.
Não sei se é o tempo que estou sem senti-lo, se é a euforia de saber que não vamos nos
separar ou se só tem a ver com ele ser tão bom como é, mas a velocidade com que o orgasmo se
aproxima chega a me envergonhar.
Aperto os olhos fechados e pressiono minhas coxas contra suas orelhas, estremecendo
com as descargas elétricas que parecem correr por mim, arrepiando cada poro do meu corpo com
o gozo forte.
Lucas solta um grunhido abafado e eu olho para baixo, encontrando sua atenção focada
em meu rosto.
Ele parece gostar de assistir como me afeta e eu, com certeza, gosto de assisti-lo me
chupando.
Fica mais intenso. É como se o contato visual lhe desse todo o controle do meu corpo e
eu fosse apenas um brinquedinho em suas mãos, pronta para ser usada como ele bem entender.
Acontece que eu gosto dessa sensação porque confio nele. Confio que vou gostar de tudo
o que ele fizer. Então me entrego. Afasto meus joelhos ainda mais, abrindo espaço para que me
devore e aproveito a pulsação que se reinicia em meu ventre.
— Vai melar meu rosto de novo, Agatha? — pergunta, confiante, e esfrega a barba por
minha boceta encharcada. — Goza pra mim, meu bem. Me deixa matar a saudade do seu gosto.
Mordo o lábio inferior, tentando abafar o gemido mais alto que se forma, mas falho e
acabo chamando seu nome repetidas vezes, me esfregando em sua língua até que os espasmos
diminuam, que é quando desabo no sofá, ofegante.
— Ainda tá tomando o remédio? — pergunta, e eu ergo a cabeça, sentindo minha
garganta secar ao me deparar com a imagem de Lucas ajoelhado entre minhas pernas,
massageando o pau, que brilha com a gota pré-ejaculatória.
— Sim.
— Ótimo — murmura, grave, e se inclina, esfregando a glande por minha fenda antes de
posicioná-la em minha entrada. — Porque tô com saudade de ver minha porra escorrendo de
você — diz e empurra seu quadril, me invadindo com uma lentidão agonizante. — Caralho,
Agatha.
Minhas paredes o apertam e eu tento me acostumar com seu tamanho mais uma vez. Ele
sente a resistência do meu corpo, tomando cuidado para não me machucar, mas quando meus
gemidos passam a carregar apenas prazer e necessidade, Lucas estoca com mais força.
Sua boca cobre a minha e ele engole cada um dos gemidos que solto conforme nossas
pelves se chocam. Seus dedos se entrelaçam com os meus e ele prende minhas mãos acima da
minha cabeça enquanto me fode. A posição me deixa vulnerável e se eu quisesse fugir, não
conseguiria.
Mas não me importo de ficar assim, porque nunca mais vou tentar fugir de Lucas
Alencar.
Ele que se vire para encontrar outro apelido para mim. Fujona não se enquadra mais.
Sua boca traça meu pescoço, me marcando, e a respiração quente contra minha pele me
deixa mais excitada, até que minha boceta contrai ao redor de seu pau.
— Porra, garota. Você vai acabar comigo — ele grunhe, a testa suada enquanto tenta se
controlar para não gozar.
Acontece que não quero que ele se controle também.
— Não para — peço, ofegante e Lucas sorri.
— Nem se eu quisesse — murmura e se ajeita, erguendo o corpo para conseguir meter
mais forte.
O olhar escurecido, a correntinha acertando meu rosto, os sons que emitimos, o cheiro do
nosso sexo... Tudo me enlouquece. Cria uma nuvem de tesão ao meu redor, e ele é a única coisa
que consigo ver quando minha boceta pulsa mais uma vez, só que agora arrastando-o para o
clímax junto comigo.
Sinto o jato me encher com o gemido rouco que Lucas dá, sua voz bem mais baixa que a
minha enquanto quase grito ao ter meu corpo estilhaçado em milhares de pedacinhos com a
intensidade do orgasmo.
Não consigo pensar em limpar a bagunça que sinto escorrer por minhas pernas e a única
movimentação que nós dois fazemos, ainda com as respirações agitadas, é girar no sofá de modo
que ele acabe com as costas contra o estofado enquanto descanso com a cabeça em seu peito,
sentindo seus batimentos acelerados contra meu rosto.
Lucas me abraça e começa um carinho em minhas costas, subindo e descendo em um
ritmo preguiçoso e tão gostoso.
— Podemos conversar? — pergunto, assim que minha respiração volta a se acalmar.
— Claro, meu bem. Sempre. Quer falar sobre o quê?
— Quero saber mais detalhes. Quando você vem pra cá? Como vai ser o trabalho? Falou
com a Nicole?
— Nicky tá enrolada com uma viagem que vai fazer, então ainda não contei pra ela.
Como acabei completando a carga horária pra piloto comercial, posso ser contratado. Se eles me
aceitarem, faço o curso da aeronave e começo a atuar como co-piloto, até chegar a piloto —
explica, tranquilo. — E sobre vir pra cá, acho que em umas duas semanas. Preciso ajeitar a
mudança, devolução do apartamento e encerrar a parte do desligamento.
Ergo a cabeça para olhar ao redor do apartamento, refletindo.
— O que você vai trazer pra cá?
— Como assim?
— Seus móveis.
— Meu bem, olha pra mim — pede e toca meu queixo, erguendo meu rosto. — Eu não
vou morar no mesmo apartamento que você.
A afirmação me incomoda e ele nota isso, porque me dá um sorriso suave e beija minha
boca.
— Não faz essa carinha.
— Não gostou daqui? — questiono, confusa.
— Eu nem vi o resto do apê, linda, mas já vi que é a sua cara, então sei que vou amar. E
o problema é esse. Eu acho que você precisa ter mais tempo vivendo em um lugar que seja só a
sua cara. Ter seu espaço.
— Mas... Como as coisas vão funcionar com a gente?
Não quero soar infantil e entendo o que ele quer dizer, mas estou acostumada a interagir
com ele vivendo sob o mesmo teto. E amo nossa relação assim.
— Como se fôssemos um casal de namorados normais — diz, tranquilo. — Eu venho pra
sua casa, passo a noite aqui. Às vezes você vai pra minha e dorme por lá. Não tenho problema
nenhum em viver no mesmo lugar que você, só que nesse último mês, a única coisa que te
animava era organizar a casa como você queria. E eu quero continuar te vendo feliz com isso, a
diferença é que agora, quando você quiser colocar um quadro ou pintar uma parede, você vai ter
seu namorado por perto pra te ajudar.
Balanço a cabeça, sem conseguir acreditar em quão incrível uma pessoa consegue ser.
— Que foi? — pergunta, curioso.
— Eu amo você. Amo como se preocupa comigo. Como pensa em coisas que nem
mesmo eu pensei. Como é honesto, gentil, carinhoso e muito gostoso. E eu amo que a gente
esteja sob o mesmo céu sem os mil seiscentos e vinte quilômetros nos separando.
— Vem aqui — ele chama, voltando a puxar meu rosto para baixo. Lucas beija minha
testa e respira em meu cabelo. — Eu também te amo.
— Obrigada por ter jogado seu papinho pra mim, piloto.
— Obrigado por não ter sido imune a ele, controladora.
NAQUELA TARDE, não consegui deixar que Agatha saísse de perto de mim, então acabamos
pedindo pizza e comemos enquanto conversávamos.
Falei sobre o mês que passamos afastados e não tive o menor problema em contar como
fiquei miserável a cada vez que chegava em casa e não a via. Tivemos uma pequena discussão
quando comentei sobre o dia em que quase pousei sobre a aeronave e precisei ouvir, por longos
minutos, sobre como voar é perigoso, só para calar sua boca com um beijo que acabou nos
levando a mais uma rodada de sexo.
Ficamos deitados no chão da sala, a TV mostrando algum filme que foi ignorado porque
nada chegava perto de ser tão interessante quanto prestar atenção em minha garota.
Ela contou sobre a cidade, sobre como é trabalhar em um aeroporto com voos comerciais
ao invés de militares. Avisou que Bia e Ciça logo viriam para uma visita e que as passagens já
estavam compradas.
Quando já tínhamos mencionado todos os acontecimentos dos últimos trinta dias, ela
ergueu os olhos e perguntou:
— Vai ser muito brega se eu te der feliz um mês de namoro?
Sorri.
— Vai. Mas eu posso dizer primeiro, se você preferir — ofereci, passando os dedos pelos
cabelos cacheados. — Feliz um mês namorando o cara que vai estar com você pro resto da sua
vida.
— Meu Deus, Lucas. Como você consegue ser tão gostoso até quando tá sendo brega
assim? — provocou, e eu ri, ainda com um braço apoiado sob minha cabeça enquanto a abraçava
com o outro.
— Faz parte do meu charme, Bittencourt. Achei que já soubesse disso.
Ela abriu aquele sorriso bonito, rolou os olhos e beijou meu peito, murmurando contra a
pele:
— Feliz um mês, Alencar.
Ficamos em silêncio por longos minutos e eu nem mesmo precisei olhar para saber o
exato momento em que ela caiu no sono.
Qual é? Eu conhecia sua respiração até quando ela falava no rádio como controladora.
Claro que eu conheceria sua respiração quando estivesse dormindo comigo como minha mulher.
Carreguei-a até sua cama e me deitei ao seu lado, puxando-a para perto e conseguindo
minha primeira noite tranquila em um mês.
Passei quatro dias em Porto Alegre antes de voltar para Brasília.
Esperava ter mais trabalho para cuidar da mudança, mas mal aterrissei antes que Agatha
me ligasse e dissesse ter encontrado a solução para a quebra de contrato com o proprietário do
apartamento.
Cecília.
Ela e Fernanda estavam procurando um lugar maior, principalmente por estarem
começando a dar entrada com a papelada da adoção. Elas queriam espaço para criar as crianças e
foi assim que elas se mudaram para lá.
Terminei de cuidar de toda a parte militar, encerrando minha carreira, mas antes de sair
do hangar, parei ao lado do Zero um, tocando a fuselagem com uma mistura de carinho e
respeito.
— Faça bons voos, cara — murmurei, sem me importar em soar como um maluco ao
falar com um avião, afinal, sempre que estive nos céus, ele foi meu companheiro.
Me despedi dos meus colegas e tirei minha última foto como o líder do Esquadrão
Jaguar, antes de me virar e sair daquele quartel pela última vez.
Me sentia aliviado por finalmente conseguir priorizar o que era verdadeiramente
importante para mim, no caso, minha família, mas não vou negar que também tive um pouco de
medo ao seguir numa direção tão incerta.
Certa noite, saí para um barzinho com Willian, para me despedir dele e não pude deixar
de comemorar ao receber a notícia de que ele seria pai.
Depois que ouvi sobre sua relação com Agatha, parte do apreço por meu melhor amigo
diminuiu, mas foi só até eu entender o que minha namorada já havia entendido. Eles não
pertenciam à vida um do outro. Não adiantava tentar forçar uma aproximação porque,
simplesmente, não era para acontecer.
Não consegui me despedir de Bia porque ela acabou trabalhando na minha última noite
lá, mas consegui me despedir de minha melhor amiga.
Nicky estava agitada com a viagem, incomodada com o bloqueio que continuava
atrapalhando-a e magoada com as atitudes grosseiras de seu pai, mas ela não conseguia esconder
a animação que sentia sempre que pensava sobre meu relacionamento com Agatha, então, na
nossa despedida, ao invés de conversarmos sobre nossa amizade, eu a distraí contando todos os
detalhes do que eu vivia com minha garota, só para, no final, ouvir:
— Eu, com certeza, leria sobre o romance de vocês.
— Faça com que leiam, Nicky. Os direitos autorais já são seus — relembrei, brincando.
— E o posto de madrinha também — acrescentou antes de me abraçar. — Tô feliz por
vocês, Lucas. Acho que todo mundo merecia viver, pelo menos, um décimo do que vocês vivem.
Se cuida e cuida dela. Eu amo aquela garota.
— Deixa comigo — prometi e beijei seu cabelo. — Sei que vai estar viajando com a
modelo superfamosa, mas não esquece que tem um mero mortal como amigo, tudo bem? Me
liga.
— Vou ligar — respondeu. — Vai embora que você tem que voar amanhã cedo.
Eu tinha que voar, mas daquela vez, estaria seguindo de volta para a mulher que eu
amava.
Sorri.
— Se cuida, Nicky. E tranca a porta.
— Tranca a porta — disse ao mesmo tempo que eu, zombando. — Tá bom, maninho.
Agora, tchau.
Ela me enxotou para fora, mas só segui na direção do elevador ao ouvir a chave sendo
girada.
Apesar de ter passado pouco menos de quinze dias longe, quando reencontrei Agatha, foi
como se estivéssemos há anos sem nos ver. Qualquer segundo longe dela me machucava e eu
sabia que ela sentia o mesmo.
Apesar de termos concordado que viveríamos em casas separadas, não tive pressa para
encontrar outro lugar, afinal, passar todas as noites ao lado dela nunca seria motivo para
reclamação, mas em pouco mais de três semanas, estava com a chave de um apartamento que
ficava localizado no mesmo bairro que o dela.
No fundo, até fiquei preocupado em como seria a nova dinâmica, mas logo percebi que
seria como ter duas casas. Era como se pertencêssemos ao local onde o outro estava. E por mais
que Agatha tenha estranhado essa ideia, no começo, não demorou para que entendesse o que
queria que ela tivesse.
Ela saiu da casa da mãe para entrar no período da formação militar, depois acabou
dividindo o apartamento com o ex e logo após foi morar comigo. Ela nunca teve um espaço só
dela, para organizar como quisesse e eu sabia que isso era importante.
Éramos um casal, mas também éramos dois indivíduos.
E morar separado se mostrava bem vantajoso, principalmente quando eu abria a porta e
me deparava com ela se jogando sobre mim, sem esconder a saudade que crescia sempre que não
estávamos juntos.
Com relação ao meu trabalho...
Deu tudo certo.
Enquanto fazia o processo para começar a trabalhar na JetFly, descobri que Felipe não
era só mais um piloto da empresa. Ele era um dos mais antigos e com sua indicação não tive o
menor problema em conseguir um contrato, e depois de concluir o curso referente ao AirBus,
voltei a voar e só quando me sentei dentro da cabine de comando me dei conta do quanto eu
sentia falta disso.
No começo, cumpria as atividades mais básicas, como programar comandos ou assumir o
manche durante o voo de cruzeiro[14], mas conforme os meses passavam, fui ganhando
experiência o suficiente para ser o responsável pelas fases mais complicadas, como pouso e
decolagem.
Ainda continuo viajando bastante, mas diferente de antes, que eu nunca sabia quanto
tempo minhas folgas durariam e nem quando seria minha próxima missão, agora eu sei e consigo
aproveitar meu tempo livre sem medo de ser acionado para algum voo de última hora.
Na semana passada, por exemplo, viajei com Agatha para comemorarmos um ano de
namoro e consegui me concentrar apenas na minha garota, sem me preocupar com a
possibilidade de receber uma ligação inesperada.
Passamos o final de semana em um chalé isolado e fiz questão de aproveitar a ausência
de vizinhos para testar quão alto ela aguentava gritar enquanto eu a comia. No dia seguinte, após
a viagem, sorri quando ouvi sua voz rouca autorizando minha decolagem, porque esse é mais um
dos pontos positivos de tudo o que está acontecendo com a gente.
Continuamos trabalhando juntos.
Ela no chão e eu no ar. Ainda ouço seu tom mandão se tornando impaciente sempre que a
provoco. Ainda reconheço sua respiração sempre que começa a transmitir no rádio. Ainda sorrio
como um idiota quando ela me dá bom voo.
Amo voar e amo ainda mais quando é Agatha quem está controlando. É como se eu
sentisse que, mesmo a milhares de pés de altura, eu estivesse em casa só por ter sua voz comigo.
— E aí, Lucas? — Felipe chama assim que o aeroporto de Porto Alegre entra em nosso
campo de visão. — Quer pousar?
— Com certeza — respondo e assumo o manche. — Torre, boa tarde. É o Jet1502
aproximando pra pouso — digo, pressionando o botão para que minha voz ecoe para os
controladores responsáveis.
Verifico os equipamentos enquanto falo, mas antes mesmo de ouvir a resposta, sorrio por
reconhecer sua respiração.
— Jet1502, autorizado o pouso — Agatha responde, mantendo a fraseologia correta.
Ela sempre tentou seguir as regras, mas eu sempre fui uma má influência, por isso, nem
mesmo tenho tempo de pensar antes que ela ignore o regulamento e acrescente:
— Bem-vindo de volta.
PERMANEÇO COM A CABEÇA APOIADA no peito de Lucas, brincando com a correntinha
que envolve seu pescoço enquanto ele gira uma das mechas do meu cabelo entre os dedos.
— No que você tá pensando? — pergunta, quebrando o silêncio.
— Quem disse que tô pensando em alguma coisa?
— O um ano e cinco meses de namoro estão dizendo — debocha. — Tá preocupada com
alguma coisa?
— Um pouco.
— Eu resolvo.
— Nem sabe o que é — comento e me ergo sobre o cotovelo para encará-lo.
— Não tem problema. Se tá incomodando minha mulher, faço sumir sem o menor
esforço.
— Não é bem um incômodo... — começo, passando os dedos por seu maxilar quadrado.
— É mais um... Pensamento.
Lucas semicerra os olhos para mim.
— Talvez eu deva ficar preocupado — reflete, e eu rolo os olhos para seu tom
zombeteiro. — Que pensamento é esse, Bittencourt?
— Que mesmo que a distância entre nós seja pouca e que a gente continue sob o mesmo
céu, acho que está na hora de voltarmos a estar sob o mesmo teto também — murmuro. —
Gostei de ter meu espaço, mas...
— Você quer ter o nosso espaço — completa por mim e eu assinto. — Tá me chamando
pra morar com você?
— É.
Primeiro, ele sorri com aquela suavidade que usa apenas comigo, mas então seus olhos
brilham e eu sei que vem alguma gracinha.
— Só pra eu entender, a pessoa que dizia não me querer nem no próprio quarto, agora tá
me chamando pra morar na casa dela? É isso mesmo, Bittencourt?
Bufo.
— Não aja como se você não estivesse esperando esse convite há meses, Alencar.
Ele ri e eu dou um gritinho quando nos gira na cama, pairando sobre mim.
— Como foi que ficou tão espertinha?
— Um ano e cinco meses namorando um cara arrogante, convencido e debochado fez
isso por mim — divago.
— Tudo parte do charme que te conquistou, meu bem. Não se esqueça — diz e beija meu
queixo. — Mas, já que é você quem está me pedindo isso e como eu nunca menti sobre ser
imune a você, eu aceito. Também acho que viver sob o mesmo céu não é mais o suficiente,
controladora.
Sorrio.
— Bem-vindo de volta, então, piloto.
— EI. — LUCAS APERTA meus dedos, atraindo minha atenção, e eu o olho, tentando não
parecer muito afetada pela forma como o uniforme preto o deixa bonito.
Porra, eu o vejo assim há quase dois anos! Como ainda não me acostumei?
— Tudo bem? — questiona, e eu assinto, caminhando ao seu lado pelo corredor do
aeroporto de Confins.
Viemos para a festa de aniversário dos gêmeos e passamos o final de semana aqui, mas
diferente do voo de vinda, Lucas vai voltar pilotando, então não o terei ao meu lado no trajeto até
Porto Alegre.
— Só não me deixe cair — peço, assim que chegamos ao portão de embarque, e ganho
um daqueles sorrisos que são exclusivamente meus.
Ele solta a mala e segura meu rosto, antes de dar um selinho em meus lábios e um beijo
em minha testa, sem se importar com os outros passageiros que nos assistem.
— Nunca te deixaria cair, meu bem — garante. — Eu amo você.
— Também amo você. Agora vai lá conferir que esse avião tá seguro mesmo — peço,
empurrando-o na direção da porta.
Lucas balança a cabeça, rindo, mas obedece.
Ele anda com tanta confiança que nem parece que está prestes a colocar uma máquina
que pesa centenas de toneladas para desafiar as leis da física enquanto cruza alguns Estados.
Pela posição do meu assento, acabo sendo uma das primeiras a embarcar. Afivelo o cinto
assim que me sento e inicio a contagem das respirações que sempre me ajudam quando acabo
precisando voar.
— Senhoras e senhores, boa tarde. — Sua voz ecoa pelo sistema de som da aeronave e é
como ter uma dose de calmante correndo por minhas veias. — Aqui quem fala é o Comandante
Lucas Alencar e juntamente com toda a tripulação, damos às boas-vindas ao voo 5668 da
JetFly. O tempo estimado de voo é de duas horas e sete minutos. O tempo em Porto Alegre está
bom, com poucas nuvens e agradáveis vinte e três graus. Quando estivermos mais próximos ao
pouso, retorno com informações atualizadas. Pela atenção, obrigado.
Sinto as turbinas serem acionadas e presto atenção nas explicações das comissárias,
apertando o tecido do vestido que uso assim que o avião começa a se mover.
Mentalmente, repito que é Lucas quem está pilotando e ninguém é tão bom como ele.
Além disso, ele nunca me deixaria cair.
Respiro fundo mais algumas vezes e fecho os olhos quando começamos a decolar. Sinto
o trem de pouso saindo da pista e meu coração bate mais rápido à medida que nos afastamos
cada vez mais do chão.
— Agatha? — uma voz feminina diz e eu me sobressalto ao dar de cara com a comissária
me olhando. — O Comandante pediu pra que fosse até a cabine.
Balanço a cabeça.
— Nem ferrando que eu vou ficar em pé — declaro.
— Ele disse que pode te chamar pelo alto-falante, se a senhorita preferir — informa,
dando um olhar de desculpas enquanto assiste meu queixo despencar.
Aquele cretino estava me ameaçando?
— Fala pro Lucas que eu não vou. Pode ter turbulência e...
— Ele também falou que não estão em zonas de instabilidade meteorológica — me
interrompe. — Ele disse que a senhorita ia acabar falando isso. E pediu pra que eu reforçasse que
é importante.
Se Lucas não fosse o Lucas, ignoraria esse pedido. Mas como sei que ele nunca me faria
ficar em pé em um avião que está voando se não fosse algo realmente sério, eu cedo.
Respiro fundo e solto meu cinto, antes de ficar em pé e deixar que a comissária me guie
até a cabine, onde dá leves batidinhas na porta que se abre.
Imediatamente, olho para Lucas, que sorri para mim por trás dos óculos aviador.
— O que foi? — pergunto, trêmula, mas ao invés de me responder, ele acena para o vidro
em sua frente e eu deixo meu olhar seguir na direção que indica, encontrando a mistura de tons
de laranja que cobrem o céu enquanto o sol se põe.
Meu medo dá lugar ao fascínio e a calma que sinto por estar ao seu lado me faz relaxar.
— Vem aqui — pede e estende a mão por cima do seu ombro, agarrando meus dedos e
me puxando mais para perto.
Engulo em seco e dou um rápido aceno para o co-piloto, que sorri, mas permanece atento
ao que está sendo falado nos headsets, enquanto Lucas nem mesmo usa os fones no lugar certo.
— Quando te pedi em namoro, meu plano era fazer isso acima das nuvens, mas me
desconcentrei e acabei fazendo isso no chão. Hoje não quero cometer esse erro — começa e solta
seu cinto.
Não sei se meu coração se acelera por suas palavras ou pelo fato de que o piloto do voo
está saindo de seu lugar, mas o sangue corre mais depressa por mim.
Lucas fica em pé e para em minha frente, o nervosismo, a felicidade e o amor claros em
seus olhos cinzas.
— Você é meu lar. Você é o meu destino. Posso estar onde estiver, sempre vou fazer de
tudo pra chegar até você. Te disse que cruzaria céus, mas Agatha, pra te encontrar, eu cruzaria
galáxias. Eu amo você. Te amei quando éramos colegas de apartamento, amigos e namorados. Te
amei em todas as versões que conheci e sei que amarei todas as que conhecer. Amei a militar e a
controladora. Amei os sorrisos e as lágrimas. Amei as despedidas e amei ainda mais os
reencontros. Porque tudo que te envolve faz com que eu sinta isso. Amor. Puro, natural, sincero.
É o tipo de amor que apenas ouvimos falar, mas que eu tenho a possibilidade de sentir. E eu
quero continuar sentindo isso pra sempre, meu bem.
Não me movo.
Nem mesmo sei se estou respirando enquanto meu olhar permanece fixo no seu.
— Quero dormir e acordar do seu lado. Quero te ver descabelada, de pijama e com o
rosto verde. Quero ouvir sua voz me desejando “bom voo” e quero responder “até a volta”, tendo
a certeza de que vou voltar pra você. Quero ganhar seus sorrisos fáceis, assim como quero cuidar
do seu choro mais difícil. Quero ser a casa que você merece.
— Mas você já é tudo isso, Lucas. Você é o meu lar — sussurro, a voz saindo com
dificuldade pela emoção travada em minha garganta.
— Mas quero ser tudo isso podendo te chamar de esposa, Agatha. Por isso pedi pra que
viesse até aqui. Mas dessa vez, não quero te mostrar o pôr do sol — diz e enfia a mão no bolso
interno do uniforme. — Te trouxe até aqui porque quero que o pôr do sol seja testemunha do
momento em que você me disser sim — completa, abrindo a caixinha pequena que mostra um
anel solitário dourado.
— Como sabe que vou dizer sim, seu convencido?
— Não precisa fingir que não está ansiosa pra me chamar de marido, Bittencourt. —
Sorri, mas quando tira a joia de dentro da caixinha, noto como também está trêmulo. — Quer
casar comigo?
Assinto, assistindo seu rosto ficar embaçado enquanto lágrimas se formam.
— Sim — consigo sussurrar e sinto o frio do anel contra meu dedo anelar enquanto
Lucas o desliza por ele. — Sim! — repito e me jogo em seus braços de maneira um pouco mais
suave do que costumo fazer porque não posso fazer um piloto cair em cima do volante do avião
enquanto estamos voando, mas ainda assim, me lanço sobre ele.
Ele beija meu rosto, minha boca, meu nariz e me aperta, permitindo que eu sinta seu
coração bater tão rápido quanto o meu. Agitados, porém em sincronia.
E aqui, milhares de pés acima do chão, nos movendo a uma velocidade bizarra, eu me
sinto em casa. Porque ele é meu lar.
Não tem a ver com Brasília, com Porto Alegre e nem com nenhum outro lugar. Tem a
ver com a sensação de segurança, o carinho, a proteção. Tem a ver com o cuidado, o zelo.
Lar é onde nosso coração descansa. Onde não nos preocupamos. Onde não tememos.
Lar não é um lugar. É uma pessoa.
Por um tempo, estar sob o mesmo céu pareceu o bastante, mas hoje não me contento com
nada menos do que estar dentro dos seus braços.
— Lucas — chamo e ergo o queixo para olhá-lo.
— Oi, meu bem.
— Eu realmente estava ansiosa pra te chamar de marido.
— Eu sei. Você não consegue ser imune a mim, até porque... Ei, meu bem, eu sou piloto.
Rio, balanço a cabeça e o puxo para perto, murmurando contra sua boca:
— É sim. É o meu piloto.
Em todos os livros que já li, sempre que cheguei aos agradecimentos, encontrei palavras
bonitas, mas eu preciso soltar um palavrão bem aqui, então com licença.
Puta que pariu, hein, Lucas?!
Eu nunca imaginei que um personagem tão sincero como esse fosse me dar tanto trabalho
para concluir um livro, mas esse cara quase me enlouqueceu durante a escrita de SOMC.
Foram várias tentativas e eu cheguei a cogitar desistir da história. Deixar de lado e tentar
outra coisa. Mas por algum motivo, eu continuei. Foi como se algo dentro de mim me dissesse
que valeria a pena.
E no final, valeu.
Então, Lucas e Agatha? Obrigada por terem feito com que eu recomeçasse esse livro seis
vezes. Obrigada por terem feito com que eu apagasse cento e sessenta e cinco páginas. Obrigada
por me mostrarem quem eram vocês e me permitirem contar essa história.
E por falar em livro... Vocês conheceram uma autora, certo?
Aguardem o livro dela, porque Nicky merece ser a protagonista de um romance tão
incrível quanto BittenCar.
Bom, eu já agradeci às vozes da minha cabeça, então agora é hora de agradecer às vozes
que falaram na minha cabeça e, a começar, minha equipe de betagem que precisou se adaptar a
seis enredos diferentes. Meninas, obrigada por me apoiarem e por não enlouquecerem no meio
da minha loucura. Obrigada pela amizade e acolhimento, paciência e cuidado. Foi incrível ter
pessoas ao meu lado se apaixonando por esses dois e eu nunca vou esquecer o quanto vocês
foram maravilhosas.
Minha assessoria, eu nem tenho o que dizer. Vocês se apegaram ao Lucas antes mesmo
que ele tivesse uma história e me motivaram até que ele fosse real, sem contar em toda a ajuda
que prestaram no lançamento e desenvolvimento. Como sempre, vocês foram do caralho.
Para toda a equipe que cuidou da parte estética e ortográfica desse livro, desde capa e
diagramação, até ilustrações e revisão, vocês são os melhores. Vocês são minha primeira escolha
e enquanto eu puder trabalhar com vocês, eu vou. O comprometimento, paciência, carinho e
atenção que tiveram comigo e com meus personagens foi espetacular.
Minhas leitoras... No fundo eu sei que o maior motivo para eu não ter desistido desse
livro foram vocês. Sempre é por vocês. Então, obrigada. E eu espero que tenham gostado.
Mais uma vez, não se esqueça de avaliar e nem de virem me contar o que acharam!
Obrigada por ter lido e até a próxima!
Com carinho,
Dri Satys.
[1]
Nome como o militar é chamado nas Forças Armadas.
[2]
Termo utilizado no militarismo para se referir aos militares que estão abaixo na cadeia hierárquica. Os “mais”
subordinados.
[3]
Maneira como chamam o canal usado para comunicação entre pilotos e controladores.
[4]
Frase utilizada na aviação. O controlador está informando a hora em que o pouso aconteceu.
[5]
Forma como a aeronave que Lucas pilota é chamada.
[6]
Protagonista do livro Meu Pior Pra Você, casada com Leonardo Fonseca.
[7]
Protagonistas do livro Meu Melhor Pra Você.
[8]
Ocasião em que o pouso pode não acontecer da forma prevista, por exemplo, quando há um problema com as
turbinas.
[9]
Parte superior da farda camuflada.
[10]
Há uma regra que diz que toda instrução dada por um controlador deve ser repetida pelo piloto, pois ajuda a
detectar qualquer falha no entendimento da mensagem.
[11]
Massageador facial utilizado para skincare.
[12]
Primeiro voo que um piloto realiza sem a presença de um instrutor.
[13]
Abortar o procedimento de pouso. Ao invés de continuar descendo para o solo, o controlador quer que Lucas volte
a subir.
[14]
Fase do voo em que não costuma ter subidas e descidas, geralmente acontece em altitudes mais altas.

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