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Aluno: Nikolas Campos de Moura.

Professor: Pe. Fábio Siqueira.


Disciplina: Literatura profética.
Data de entrega: 24/04/2024.
Resumo do texto sobre os cânticos do servo sofredor.

Os cânticos do servo sofredor são uma coletânea de 4 textos do livro de Isaías, correspondendo às
perícopes de Is 42, 1-7; Is 49, 1-6; Is 50, 4-9; Is 52,13–53,12. São textos que apresentam um
personagem misterioso, designado como “servo”. Este termo aparece 19 vezes no texto hebraico do
livro de Isaías, em singular, e na maior parte dos casos se refere ao povo de Israel, designando ao
povo de Deus como o servo do Senhor. Mas nos quatro cânticos, não se menciona a Israel, portanto,
o “servo” é um personagem anônimo, misterioso. A Igreja costuma associar este personagem ao
próprio Jesus Cristo, e por isso, esses textos são lidos na liturgia da última semana da quaresma e na
sexta-feira da Paixão.

Diante do anonimato desse personagem dos cânticos, diferentes questionamentos podem ser
levantados. Refere-se novamente ao povo de Deus, isto é, Israel, ainda que não o nomeie
explicitamente? Ou se refere a outro personagem? Este outro personagem seria um grupo de fiéis, por
exemplo, um grupo de israelitas ou grupo de repatriados da Babilônia? Ou seria um personagem
individual? Neste caso, seria um personagem histórico, de relevo para Israel? Seria o autor do dêutero-
Isaías? Ou talvez um personagem simbólico?

A pesquisa sobre os cânticos começa em 1892, com a publicação do estudo de B. Duhm. Este
estudioso havia postulado a teoria de que os quatro cânticos foram compostos após a conclusão de
Isaías 40–55, por um autor do pós-exílio, na segunda metade do século V a.C., mas sob o influxo
literário do livro de Isaías, também da profecia de Jeremias e do livro de Jó. Um redator posterior
haveria introduzido tais textos no segundo Isaías, em algum espaço onde poderia situá-los, ou nas
margens, e isto explicaria por que os cânticos não seguem uma sequência lógica. O sujeito dos
cânticos seria um hebreu, mestre da Torá, que viveu no período pós-exílio, e que exerce sua missão
frente ao povo de Deus e aos pagãos. Sua missão se desenvolve no silêncio e no sofrimento que lhe
infligem os membros de seu povo, e morre na fidelidade à sua missão.

A hipótese de Duhm obteve grande êxito e manteve-se firme durante muitos anos. Porém, T.D.N.
Mettinger, um autor escandinavo, questionou a teoria de Duhm. Ele postulou várias hipóteses a partir
de duas questões fundamentais: se os cânticos pertenciam ao texto de Isaías II desde o início ou se
foram acrescentados depois; e a segunda questão: se o autor dos cânticos é o mesmo de Isaías II, ou
se é uma pessoa distinta, e, nesse caso, anterior, contemporânea ou posterior. Mettinger utiliza um
estudo sobre o vocabulário de Isaías II para demonstrar que seu autor é o mesmo dos cânticos, e
afirma ainda que os cânticos formam um mesmo gênero literário com o segundo Isaías, e que o
primeiro e o quarto cânticos têm um papel na estrutura geral do livro, e ainda que o personagem
anônimo é o povo de Israel, pois supor um personagem individual levantaria uma pluralidade de
hipóteses contrárias. O estudo de Mettinger, no entanto, não teve êxito nem seguidores.

Depois desse estudo, não houve atividades relevantes sobre a estudos dos cânticos do servo sofredor.
O estudo sobre esse assunto insere-se na pesquisa geral sobre a origem literária do livro de Isaías.

A interpretação contemporânea

Segundo os autores contemporâneos, podemos resumir suas hipóteses sobre a identidade do servo
sofredor em alguns grupos:

a) A interpretação individual positivista, que identifica o servo com um personagem histórico,


muito provavelmente um israelita; alguns arriscam dizer ser Moisés, algum rei de Judá, algum
profeta, Jó, ou mesmo um personagem político, como Ciro, Neemias etc.; poderia ser também
o próprio autor do dêutero-Isaías, ou, por fim, um “mestre de sabedoria”, equiparável ao autor
de Provérbios
b) A interpretação coletiva; nesse caso, o servo seria o povo de Israel, que sofre desde a
escravidão do Egito, e passa por vários sofrimentos ao longo da história, chegando até o
genocídio da Segunda Guerra Mundial; esta interpretação possui, por vezes, um forte caráter
nacionalista;
c) A interpretação coletiva restritiva, que identifica o servo não com todo o povo de Israel, mas
com uma minoria, ou seja, um grupo de israelitas fiéis do tempo do exílio;
d) A interpretação de uma “personalidade corporativa”, que não exclui nem um indivíduo
particular, nem o povo fiel, nem o conjunto do povo;
e) A interpretação messiânica, na qual alguns autores cristãos enxergam na figura do servo uma
antecipação profética da vida e missão de Jesus Cristo;
f) A interpretação puramente simbólica, que não vê a necessidade de identificar o servo com
alguma pessoa.

A interpretação hebraica

A interpretação antiga dos autores hebreus sobre a figura do servo sofredor é muito diversa. Isso
também se pode afirmar da interpretação antiga dos autores cristãos. A interpretação hebraica
medieval, associa, no geral, a primeiro cântico ao Messias, exceto Rashi, que o associa ao povo de
Israel. O segundo e o terceiro cântico são mais frequentemente associados ao profeta mesmo, e o
quarto, à Israel. Nos autores hebreus do século XX, predomina a identificação do servo sofredor com
o povo de Israel.

A imagem do servo sofredor

Uma comparação entre o “servo Israel” e o servo dos cânticos permite melhor compreender a imagem
deste. Com efeito, Israel é aquele que necessita da ajuda do Senhor: por sua causa Deus chama a ajuda
de Ciro, rei da Pérsia; Israel tem necessidade do perdão de suas culpas etc. Além disso, o “servo
Israel” aparece triunfante perante seus inimigos. Com a imagem deste “servo Israel”, o servo dos
cânticos guarda semelhança somente pelo fato de ser também escolhido e sustentado por Deus. No
quarto cântico, o servo apresenta uma rica relação com o povo de Deus.

Os cânticos do servo sofredor e o vocabulário cultual

A presença de termos que fazem parte do vocabulário litúrgico é constante nos cânticos do servo
sofredor. “Aceitar” é um vocabulário oficial do culto hebreu, e serve para indicar que um dom
oferecido no templo cumpre com os requisitos necessários. O servo sofredor é declarado como
“aceitável” em Is 42, 1. Há também a presença dos termos “ser agradável para”, “comprazer-se em”,
e da expressão “encontrar agrado/prazer em”, que fazem parte do vocabulário cultual, ainda que
possam ter outros significados.

Os termos “aceitar” e “ser agradável” aparecem em polêmicas cultuais. Com efeito, o Senhor não
encontra prazer em sacrifícios indignos oferecidos por alguns sacerdotes, mas encontra prazer no
servo sofredor. A expressão torna-se ainda mais dura em 53, 10: o Senhor encontra prazer em oprimi-
lo. Com esta expressão, parece que o Senhor quer associar ao servo sofredor todos aqueles que são
oprimidos e humilhados, de modo que o servo representa a todos estes os que sofrem, e o Senhor
aceita o sacrifício do servo como forma de pagar por “muitos”.

No quarto cântico o vocabulário cultual aparece ainda mais frequentemente, em palavras como
“complacência”, “agrado”, “ungir”, “aspergir”, “suportar a culpa”. Em 53, 4.8b, o servo é considerado
“golpeado por Deus”. “Golpear, castigar” são termos utilizados para designar o castigo divino, como
no livro do Êxodo, ou no livro do Levítico, que se refere à lepra como castigo divino, ao menos
implicitamente. O servo sofredor, por sua vez, é castigado por Deus como se fosse com uma lepra,
que deveria expiar por si mesmo, carrega ainda a lepra ou os pecados do seu povo.

Por fim, em Is 53, 8b, a expressão “foi cortado da terra dos viventes” alude ao vocabulário cultual do
livro do Levítico. Por isso, o servo sofredor é como aquele que carrega sobre si os pecados do povo,
e os leva para uma terra árida, para fazê-los desaparecer.

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