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Adriano Furtado Holanda

ADRIANO FURTADO
HOLANDA
Pós-doutor em Psicologia
pela Universidade de Brasília
— UnB. Doutor em Psicolo
gia pela Pontificia Universi
dade Católica de Campinas na Carolina Bittcncourt
- PUC-Campinas. Mestre em
Psicologia Clínica pela Uni
FENOMENOLOGIA
versidade de Brasília UnB.

Especialista em Gestalt-tera
pia pelo Instituto de Gestalt
E HUMANISMO
-terapia de Brasília. Graduado
em Psicologia pelo Centro de oz da Rocha, 143

— Juvevê

— Fone: (4!) 4009-3900
252-1311 CEP: 80.030475 Curitiba— Paranã Brasil

Reflexões Necessárias
Ensino Unificado de Brasília. ai Torres, 1.220— Lojas IS e 16— Centro Comercial D’Ouro
Editor-chefe das revistas Phe rvila Nova de Gala/Porto Portugal

nomenological Studies Re -
o Pacheco
vista da Abordagem Gestáltica
e Interação em Psicologia
j Furtado.
(UFPR). Membro colaborador
a e humanismo: reflexões necessárias.!
do Círculo Latino-americano
Ï1olanda.! Curitiba: Juná, 2014.
de Fenomenologia e membro
da diretoria da Sociedade Bra
sileira de Psicologia Fenome gia. 2. Psicologia fenomenológica.
nológio. Professor universitário. Título.
CDD 150.192 (22.ed.)
CDU 165.62

iJuwapsicoIogia.com.br e www.edftoüaljunacom Curitiba


psicologia@juwa.com.br Juruá Editora
2014
Integrantes dos CONSELHOS EDITORiAIS da JUR 114 EDITORA
nas áreas de PSIcOLOGIA e SAÚDE
r
Adriano Furtado Holanda cias da Saúde. Esp. em Psiquiatria. Graduado em
Medicina. Prol. Universitário.
Or. e Me. em Psicologia. Graduado em Psicologia.
Prol. Universitário. Gilberto Gaertner
Álvaro Roberto Crespo Meri o Me. em Engenharia de Produção. Esp. em: For
mação em Psicologia Somática Biossíntese; For’
Or, em Sociologia pela Université de Paris VII —

mação em Integração Estrutural Método RoIl;


Denis Oiderot em 1996. Prol, e graduado em Me Formação em Bioenergia Raízes; e Psicologia Cor’
dicina. poral Orgone.

Ana Magnólia Mendes Irene Pereira Gaeta


Pós-Ora, pelo Conse,vatoire National des Aits et Ora, e M? em Psicologia Clínica. Graduada em
Métiers (CNAM), Paris. Ora, em Psicologia UnB

Psicologia. Prof.a Universitária.


e Universidade de Bath, Inglaterra. M? e gradua
da em Psicologia. Prof.a Universitária. Joanneliese de Lucas Freitas
Ora, em Psicologia. M? em Processos de Oesen
Ana Maria Jacó Vilela
volvimento Humano e Saúde. Graduada em Psi
Pós-Ora, em História e Historiografia da Psicolo cologia. Prol,° Universitária.
gia. Ora, e M. em Psicologia. Graduada em Psi
cologia. Prof.a Universitária. Josemar de Campos Maciel
Or, em Psicologia. Me. em Psicologia e em Teolo
Benno Becker Junior
gia Sistemática pela Pontificia Universidade Gre
Dr. em Psicologia pela Universidad de Barcelona, goriana de Roma. Graduado em Filosofia e em
U.B., Espanha. Me. em Pedagogia. Esp. em Mé Teologia. Prol. Universitário.
todos e Técnicas de Ensino. Graduado em Psico
Jorge Broide
logia e em Educação Física.
Or, em Psicologia Social. Me. em Psicologia Clíni
Carlos Diogenes Cortes Tourinho ca. Graduado em Psicologia. Prol. Universitário.
Or. e Me. em Filosofia. Esp. em Filosofia Contem’
Julio Cesar Acosta Navarro
poránea. Graduado em Psicologia e em Filosofia.
Prol. Universitário. Or, em Cardiologia. Ooutorado no Programa de In
tegração de América Latina, Esp. em Cardiotogia
Cristina Maria Carvalho Oelou Clinica pela Pós-graduação da Universidade Mayor
Ora., M.° e Esp. em Educação. Graduada e Uc. de San Marcos, Lima, Peru. Graduado em Medi
em Psicologia. cina Humana — Universidad Nacional Federico
Ojalma Lobo Jr. Villarreal, Lima, Peru. Médico. Prof. Universitário.
Psicólogo e Parapsicólogo. Coordena grupos psi Léda Gonçalves de Freitas
coterapêuticos. Ora. em Psicologia Social e do Trabalho, M. em
Emilia Estivalet Educaçáo. Graduada em Psicologia. Prol? Univer
sitária.
em Saúde Pública. Graduada em Psicologia.
Psicanalista. Prol? Universitária. Lis Andréa Pereira Soboll
Elza Maria do Socorro Dutra Ora, em Medicina Preventiva. M? em Administra
ção. Graduada em Psicologia. Professora.
Ora, em Psicologia Clínica. M.8 em Psicologia
Escolar. Graduada em Psicologia. Prol? Universi Luiz Antonio Penteado de Carvalho
tária. Me. e Graduado em Medicina. Esp. em Ortopedia
e Traumatologia. Prol. Universitário.
Fatima Lobo
em Psicologia pela UFMG. Graduada em Psi Maria Auxiliadora da Silva Campos Oessen
cologia. Prol? Universitária. Pós-Ora. pela Universidade de Lancaster, Inglater
ra, e pelo Instituto Max Planck para o Desenvol
Gabriel José Chittó Gauer
vimento Humano e Educação. Ora. em Psicologia
Pós-Or. pelo Oepartamento de Psicologia da Uni’ Eperimentai pela USP. Graduada em Psicologia.
versidade de Maryland. Or. em Medicina e Cién Prof,a Universitária.
6 Adriano Furtado Holanda

Maria de Fátima Minoifo Rosangela Outra de Moraes


Ora, em Psicologia pela UFSC. M. em Educação Ora, em Ciências: Desenvolvimento Socioambien’
pela UFPH. Esp. em Educação Especial pela tal (NAENUFPA), com Doutorado sandwich na
UFPH. Graduada em Psicologia pela UTP. Licen Faculdade de Psicologia da Universidade Autô
ciatura em Educação Artística pela FAP. Prof.a noma de Madrid. Espanha. Graduada em Psico
Universitária. logia. Professora.
Manha Viana Beizins Ruth Gelehrter da Costa Lopes
Ora, em Saúde Pública. M.’ em Gerontologia So Ora, em Saúde Pública. M.’ em Psicologia Social.
cial, Esp. em Gerontologia. Assistente Social. Graduada em Psicologia. ProtY Universitária. APRESENTAÇÃO
Minam Dobioux Rosa Sandra Maria Salas Fagundes
Ora, e M. em Psicologia (Psicologia Clínica). Gra Me. em Educação. Esp. em Saúde Comunitária.
duada em Psicologia. ProfY na Graduação e na Graduada em Psicologia. Tutom.Pmfessom em EAO
Pós-Graduação. Psicanalista. e psicoterapeuta.
O que é fenomenologia? Qual o significado de “humanismo”?
Roberto Heloani
Pós’Dr. em Comunicação. Dr. em Psicologia. Me.
Perguntas aparentemente simples, mas que escondem a complexidade ine
em Administração. LO. em Teoria das Organiza’ rente aos dois temas. Em cursos e contextos mais diversos, seja em gradua
ções pela Unicamp. Prof. Universitário. ções ou em discussões de especializações, essas perguntas são constantes.
E nem sempre as respostas satisfatórias (ou mesmo tranquilas).
Para a primeira pergunta temos um volume suficiente de publi
cações introdutórias, focando seus aspectos filosóficos, que nem sempre
são acessíveis a um público, seja pelo estilo de linguagem, seja pela difi
culdade de encarar conhecimentos filosóficos. Ademais, quando se pen
sam nas aplicações da Fenomenologia para outros campos e outras disci
plinas, ou seja, quando se pensa “pragmaticamente” a Fenomenologia,
para “fora” do terreno filosófico, as dificuldades se multiplicam. E em
várias áreas seja da Saúde (como Psicologia, Medicina e Enfermagem,

p. ex.), sejam nos campos das Ciências Sociais e Humanas percebe-se


claramente quão complexa é essa “passagem” do filosófico ao pragmáti


co; na Pesquisa Qualitativa, p. ex., naquilo que se denominam como me
todologias fenomenológicas, há uma miríade de perspectivas e interpreta
ções, algumas delas tão distintas, que acabam por passar a ideia de que se
está falando de “métodos” diferentes e não de “olhares” distintos para o
mesmo fenômeno ou ângulos específicos.
Quando se pensa a “Clínica” em suas múltiplas possibilidades

— a transposição de uma temática filosófica, muitas vezes, perde seu con


texto de fundamentação e se confunde com tecnologias limitadas e limi
tantes, confundindo ainda mais o campo. Com isto, faz-se necessário
mesmo um “repensar” esse “pensar” que é o fenomenológico.
Para a segunda pergunta, nem sempre se tem uma resposta tão à
mão como temos com introduções à fenomenologia. Provavelmente pelo
fato do tema ter se tomado um tanto “marginal”, por um lado, devido a
associações a perspectivas romantizadas ou por ter sido interpretada ao
longo do tempo como uma crítica banal ao desenvolvimento técnico e
científico; e, por outro lado, por ser de certa forma incorporada a qual-
8 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
2.
quer discurso que tome a condição humana, caracterizando-se como “ób iniciantes e, ainda assim, pudesse ser propositivo aos que já detêm conhe
via”; ou ainda por ter características que remetem a um determinado pe cimento sobre as duas temáticas. Neste sentido, espera-se sinceramente
ríodo histórico, condicionando assim sua apreciação a uma contexifializa

— que as proposições aqui colocadas não sejam tomadas como regras a


ção histórica específica e definida (como se pudéssemos nos destacar serem seguidas, mas como uma pro-vocação que se dissemine em novas
desta nossa história) e, assim, ter se perdido no tempo, longe no espaço. discussões e debates e, principalmente, em novas reflexões para a prática.
No caso do Humanismo, podemos mesmo falar de um “esque Ainda assim, o livro foi concebido para ser utilizado como início da colo
cimento”: um esquecimento da questão que se coloca ou se deveria

cação do problema (ou dos problemas), podendo ser usado em sala de
colocar sobre o sujeito humano, sobre a Humanidade em geral e, claro,
— aula, seja em cursos de graduação, sejam em cursos de especialização, de
sobre o que é sociedade, comunidade, relação ou história, O esquecimen várias áreas. Embora a Psicologia esteja aqui presente como “figura”, é
to da questão do humanismo reside exatamente em sua suposta obvieda muito mais uma metáfora e um exemplo, do que um caminho determina
de, em sua suposta “condição” inerente e palpável, como se estivesse do previamente; e os exemplos de uma clínica psicológica podem ser
sempre sendo posta, vivida, e que somente nos damos conta de sua au transpostos como reflexões e similaridades para outros campos da

sência quando somos arrebatados por situações catastróficas que nos im saúde ou do contato com o humano (mesmo que não tenhamos nos de
pelem a questionar de que “humano” se pode falar. Violência, negligên bmçado sobre outras possibilidades, como a Educação, p. ex.).
cia, irracionalidade, alheamento, “loucura”, sempre que se mostram “ex Este livro foi igualmente pensado num momento em que se ob
tremadas” ao sujeito comum, sempre que escapam das constantes “natu serva, ao menos na Psicologia, ao crescimento (ou consolidação) de um
ralizações” que o cotidiano nos impõe (essa cotidianidade do virtual, do “novo” campo mas não inédito e que se constitui em tomo da Feno

imediato, da saturação, da banalização), nos fazem re-pensar o pensar menologia. E para que este campo prospere, é preciso que tenhamos aces
ausente. Só aí se “esquece” temporariamente o esquecimento da ques

— so a ele. Este “novo” campo, que já teve autores e leitores ilustres ao
tão do humano. longo da história da construção do saber psicológico brasileiro, vem sen
Fenomenologia e Humanismo Reflexões Necessárias é uma

do ampliado a cada dia. Hoje, em todos os curriculos de graduação, já
proposta, um projeto, uma tentativa, uma aventura, um convite. A propos contamos com pelo menos uma ou duas disciplinas obrigatórias na
— —

ta é tão somente colocar isto: “reflexões” que consideramos “necessá formação do psicólogo. Isto deriva em responsabilidades na transmissão
rias”, sobre dois temas de relevância para ofazer cotidiano de muitos que de conhecimentos compatíveis com suas necessidades. Por outro lado, já
trabalham com o “humano” ou, simplesmente, que gostam de pensar esse temos claros “sintomas” desse crescimento, como a afirmação de um
“humano”. De maneira alguma se trata de um livro “definitivo”. E muito periódico orientado diretamente para essa perspectiva, na psicologia —

mais um texto propositivo que, espera-se, tenha como consequências como é o caso da Revista da Abordagem Gestáltica Fhenomenological —

mais aberturas do que finalizações. Por isto é urna proposta e uma tenta Studies, que desde 2006 publica nesta direção’ e outros sendo criados;

tiva de se colocar o problema em termos mais próximos daqueles que não como a realização de eventos e congressos com temática relacionada à
participam ativamente da linguagem muitas vezes hermética e “iniciáti
— Fenomenologia junto à Filosofia, Psicologia, Geografia, e tantos outros
ca” das filosofias puras. Por isto —já de antemão peço licença para


campos; como a criação, recente (em 2013), da Associação Brasileira de
tomar certos discursos filosóficos sem ser um filósofo. Inevitavelmente, a Psicologia Fenomenológica (ABRAPFE), que espera congregar pesqui
escolha pelo estilo de linguagem, pelas metáforas, pelos caminhos e pelas sadores, leitores e interessados nessas relações; como a mais recente
aproximações, trará questionamentos sobre sua validade. E é mesmo isto proposição de criação de um novo Grupo de Trabalho de Psicologia &
que se espera; afinal, escolhemos o caminho mais “simples” possível, na Fenomenologia proposto à Mpepp. Tudo isto mostra o quanto o campo
intenção de poder clarificar certos pontos e tomá-los mais acessíveis. cresce, numa das relações mais proficuas desde os primórdios do pensa
Nesta direção ainda, é uma aventura por trilhar caminhos que muitas mento fenomenológico.
vezes não estamos acostumados, mas que são atraentes e estimulantes; e, Enfim, espero que o leitor aceite o convite dessa caminhada, e
por fim, é um convite, a se criar novas possibilidades e novas descobertas. espero ainda que essa aventura possa despertar nesse leitor um prota

O livro foi pensado de modo que pudesse aliar certo rigor con
ceitual e de linguagem, e que ao mesmo tempo fosse acessível aos

Embora esteja disponível ontine apenas a partir de 2007.


10 Fenomenologia e Humanismo 11
Adriano Furtado Holanda

gonismo muitas vezes esquecido em prol dos “doutores” e “sábios” que —


repensado o que pensou ou repensou, pois todo pensamento aqui pensado
dizem pensam a realidade para (e por) nós.

foi antes de tudo vivido numa linda e plena relação. Além disso, nada
Por fim, preciso fazer alguns agradecimentos. Preciso agradecer aqui escrito permaneceria se não passasse por seu sempre sincero crivo e
a todos os que tiveram a aventura (ou desventura) de acompanhar meus sua aprovação. A sua dedicação, apoio, determinação e companheirismo,
afazeres de docente, nos mais diversos momentos e contextos. A todos toda minha gratidão.
vocês agradeço a provocação constante que me obrigou (e ainda obriga) a Dedico este livro a esta linda esposa, e a meus filhos Matheus e
pensar e repensar conceitos, a pensar e repensar modos de passá-los e Thiago, e agora também a Felipe, que chega em breve, a quem nunca
aplicá-los2. A tarefa do docente muitas vezes confundida com uma mera

esqueço, mesmo que distante; que estão sempre presentes, seja no desejo,
transmissão de conhecimentos engessados e “acabados” deve ser sem —
na saudade, ou na espera e que espero possam um dia se orgulhar de seu
pre a de provocar inquietações. Pois, como bem nos lembra Martin Bu pai dc algum modo.
ber, ao discorrer sobre a tarefa do educador, esta é sempre uma via de
mão dupla, pois nas palavras do filósofo: “Relação é reciprocidade (...).

Nossos alunos nos formam, nossas obras nos edificam”3.


Agradeço igualmente a todos que me questionaram (formal ou
informalmente) e que, assim, me retiraram da inércia na qual inúmeras
vezes nos colocamos fruto da “segurança” do lugar ocupado e da con

dição assumida e que nos toma aquilo que brincávamos, em relação a


nossos professores de mestrado ou doutorado, que se mantinham distan


ciados dos que iniciavam seus caminhos de formação, como “PhDeuses”,
cheios de certezas, cheios de clareza e quase sempre ocupados demais
para assuntos “mundanos”, como um simples encontro. Saibam que
mesmo questões “não ditas” permanecem, como objetos perenes de in
cômodo no espírito e são esses objetos perenes que nos impossibilitam de
permanecer “os mesmos”, e continuar crescendo.
Agradeço ainda aos colegas e companheiros de tantas discus
sões e empreitadas na construção de um sólido edificio para a Psicologia
Fenomenológica brasileira, cuja história está ainda para ser contada, e
está sendo continuada; agradeço o apoio, as colaborações, as parcerias,
mas, principalmente, as dissensões, as discussões e as contradições, sem
elas não chegaria até aqui. Agradeço, pois, as pro-vocações, e espero
poder retribuir-lhes. Nominalmente, agradeço ao Prof. Dr. Tommy Goto
pela delicadeza de poder prefaciar esse livro.
E agradeço imensamente (e deixei por último de propósito, para
dar mais destaque4) à minha esposa Larissa, como companheira constante
e presente, sem a qual esse espírito que cá escreve, não teria pensado e

Um particular agradecimento a todos do Comunidade Gestáltica, de Florianópolis,


cujas aulas foram verdadeiros laboratórios de muitas das reflexões aqui colocadas.
Buber, 1923/1979, p. 84.
Embora normalmente se diga que, se ficou por último, é porque teve menos “peso” (ou
foi esquecimento). Mesmo assim, vou correr o risco,,.
PREFÁCIO

Compor esse prefácio para mim foi algo realmente especial.


Devo de antemão agradecer proflmdamente ao convite dessa oportunida
de. Lembrei-me imediatamente da época em que estava no curso de gra
duação em Psicologia, especificamente cursando a disciplina de Psicolo
gia da Personalidade III que tratava das teorias humanistas e existen

ciais quando naquele momento debrucei-me em uma leitura instigante:


—,

a obra Diálogo e Psicoterapia Correlações entre Cari Rogers e Martin


Buber (1998), primeiro livro publicado pelo mestre Adriano Holanda.


É interessante explicitar esse acontecimento, porque foi com es
se livro, que me lancei decisivamente no empreendimento de avançar no
estudo das abordagens humanistas na Psicologia, por ver aí a possibilida
de e a passagem de ideias que vinha elaborando nos estudos filosóficos
da Fenomenologia de Edmund Husserl e Martin Heidegger. No entanto,
mesmo frente a tantos projetos que tinha na época universitária, não po
deria imaginar que um dia conheceria, ou mesmo trocaria ideias e proje
tos de maneira tão próxima e pessoal com Adriano Furtado Holanda. E,
ainda, o melhor de tudo, contar com uma amizade intelectual tão frutífera
com ele. Mas, afinal quem é Adriano Furtado Holanda?
Muitos que estudaram, estudam ou são iniciados à Fenomeno
logia, ao Humanismo, ao Existencialismo, à Gestalt-Terapia, à Logotera
pia, à Abordagem Centrada na Pessoa, à Psicologia Fenomenológica, à
Psicopatologia Fenomenológica e Existencial e aos diversos “modelos
fenomenológicos e existenciais de Psicologia”, sem dúvida nenhuma já se
depararam com os diversos livros, artigos ou mesmo comentários de
Adriano Holanda sobre todos esses assuntos. Dito tudo isso, já é possível
aqui perceber o quanto nosso autor é significativo na área e, diga-se de
passagem, um pensador e divulgador dessas abordagens aqui no Brasil.
Adriano Furtado Holanda é psicólogo brasileiro, cearense, pro
fessor universitário, pesquisador, autor de diversos livros e artigos, doutor
e mestre em Psicologia, especialista, editor chefe de conceituadas revistas
r

14 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 15

científicas, enfim, acumula em sua trajetória títulos e repertórios comuns concepção eficiente e de imenso valor humano no campo da filosofia, das
ao rol dos intelectuais brasileiros de nosso tempo. Sobretudo, tem se tor ciências psicológicas e sociais. No entanto, se de um lado o crescimento
nado um decisivo estudioso do pensamento psicológico, cujo empreen dos estudos tem um aspecto altamente positivo, de outro ainda apresenta
dimento intelectual está, entre muitas coisas, em trazer conhecimento e equívocos e con±hsões conceituais gerados na psicologia e em outras
informação de abordagens psicológicas ainda recentes e, muitas vezes, ciências.
pouco conhecidas no território brasileiro. Além disso, é possível verificar que o número de pesquisas fe
Pan além dos merecidos títulos acadêmicos, encontramo-nos nomenológicas humanistas tem aumentado, pela ideia de uma psicologia
essencialmente diante de seu valor singular: estilo reflexivo, critico, ino fenomenológica e humanista não se restringir apenas à concepção de
vador, perseverante, audacioso, polémico, empreendedor e, até mesmo Edmund Husserl, mas ás diversas filosofias, humanistas e existenciais;
irreverente. Esse jeito de ser tem nos proporcionado outra maneira de filosofias que possibilitaram o surgimento de uma psicologia caracteriza
compreender as teorias e métodos presentes nas psicologias dessa abor da, atualmente, como abordagem fenomenológica, humanista e existen
dagem. Sim, uma maneira diferente de compreender! Não daquela manei cial. Dentre elas pode-se citar a fenomenologia filosófica de M. Heideg
ra clássica, dura e enrijecida, ou até mesmo elitizada de alguns intelec ger, E. Lévinas e A. Schultz, como as mais significativas e utilizadas
tuais que, muitas vezes, ensinam as concepções fenomenológicas e exis nessas abordagens, como mostra nosso autor no texto.
tenciais na psicologia, a partir de termos irrelevantes, ou de conteúdos No Brasil, os psicólogos da área ainda têm aprofundado pouco
descontextualizados de nosso mundo cotidiano brasileiro. no estudo direto dos filósofos fenomenólogos, de seus textos e na cons
O nosso autor é muito diferente de tudo isso. Quem conhece tração das possíveis articulações com a Psicologia, mesmo havendo uma
Adriano Holanda percebe de imediato a simplicidade, disponibilidade e crescente produção bibliográfica de pesquisas com a nomenclatura de
entusiasmo ao ensinar e pensar. Ele tem nos apresentado outra maneira de psicologia fenomenológica, humanista e existencial, O que se tem ainda é
ser, ou mesmo, outro “jeito de ser” nessas psicologias, transparecendo a presença de filósofos em cursos que oferecem, aos psicólogos, interpre
uma intensa curiosidade intelectual, compromisso e disponibilidade ao tações e esclarecimentos das articulações já feitas em outros tempos, além
diálogo (lembrem-se de sua primeira obra!). Essas são justamente as ca do uso de muitos intérpretes para o desenvolvimento do fazer “psi”. Essa
racteristicas fundamentais das psicologias dessa abordagem e que fazem questão pode ser justificada pelas palavras que abrem o primeiro capitulo
dela uma “psicologia mais humana”. desse livro: “Fenomenologia não é uma filosofia ‘fácil’ de ser apreendida.
Bem, mas não para por aí. Além de todo o engajamento nas psi Seus textos são complexos, extensos, detalhados e sistemáticos; pressu
cologias fenomenológicas, humanistas e existenciais, ainda não estaria põem um raciocínio ‘métrico’ e, principalmente, um poder de concentra
completo e honesto esta apresentação se esquecêssemos do compromisso ção significativo”. Ainda:
que Adriano também tem para com a psicologia brasileira. Não só com a
formação acadêmica dos estudantes, com suas pesquisas sobre a história Não são textos ‘cativantes’, no sentido que alcançam um grande grupo
de espíritos; não são ‘românticos’, na direção que ‘tocam’ as pessoas
da psicologia, mas com a própria profissão de psicólogo, estando, para de um modo imediato como muitos textos existencialistas, por
isso, engajado junto ao conselho profissional, na defesa das questões

exemplo nem são textos de rápida divulgação (até mesmo por sua

relativas ao psicólogo no Brasil e ao seu fazer profissional ético. extensão).


A obra que aqui tenho o imenso prazer de apresentar é resultado
de tudo que foi descrito sinteticamente acima sobre o autor. Ainda, en O autor tem consciência dessa complexidade. Assim, no intuito
tendo também que é uma obra fruto do amadurecimento do pensamento, de superar os dilemas e de avançar no conhecimento e na prática da Fe
mais especificamente da relação da Fenomenologia com as teorias e as nomenologia e Psicologia, ele nos presenteia com mais esse livro. Um
práticas das psicologias humanistas. A ideia de uma psicologia fundada livro cujo objetivo não está apenas em interpretar ou rearticular as ideias,
na Fenomenologia tem crescido constantemente no meio académico, mas em apresentar os principais filósofos fenomenólogos, os legados, os
principalmente brasileiro, tanto nas indagações filosóficas quanto nas conceitos e a possibilidade de se fazer uma fenomenologia e psicologia,
práticas psicológicas, à medida que se mostrou promissora como uma tudo isso pautado no “desafio da simplicidade”, isso mesmo, com o desa
fio da simplicidade! Simplicidade esta que nada tem a ver com superficia
16 Adriano Furtado Holanda

lidade, mas sim com a simplicidade do principio; aquela simplicidade


presente na máxima fenomenológica: “voltar às coisas mesmas!”.
Outro ponto que merece destaque no livro é a articulação que o
Fenomenologia e Humanismo

uma verdadeira ciência da psique humana; e possível, quando constituída


a partir daquilo que é especificamente humano: o espírito. Como comenta
Husserl: “O espírito, e só o espírito é que existe em si mesmo e para si
mesmo, só o espírito é autônomo e pode ser tratado nesta autonomia”.
r
autor faz entre a Fenomenologia e Psicologia com o Humanismo filosófi
co. Alguns discípulos de Husseri, tais como Max Scheler e Edith Stein Assim, convido a todos os leitores interessados em Psicologia,
vinham debatendo com o mestre sobre a importante tarefa da filosofia em Fenomenolo gia e principalmente em pessoas humanas a lerem esta
fenomenológica de fundamentar uma Antropologia Filosófica Fenomeno tão importante e decisiva obra. Ainda, fico imensamente grato ao autor
lógica, frente a tantos dilemas contemporâneos. Nesses dilemas identifi pela sensibilidade ao captar o essencial: o espírito humano!
cavam como centro do problema a questão do ser humano ou da Pessoa
Humana. Disso obras foram escritas, como por exemplo: as “Ideias para Tommy Akira Goto
uma Fenomenologia Pura e uma filosofia fenomenológica”, tomo II Doutor em Psicologia Professor

(1916); “Conferências de Amsterdã Antropologia e Fenomenologia”



Adjunto da Universidade Federal de Uberlãndia
(1928) de Edmund Husserl; “A posição do homem no Cosmos” (1928) de
Max Scheler, “A estrutura da Pessoa Humana” (1932) de Edith Stein;
todas as obras motivadas em uma análise fenomenológica do ser humano.
Da mesma maneira que os filósofos citados, Holanda retoma
aqui a questão, analisando a posição do ser humano e sua constituição
antropológico-psicológica no mundo. Começa sua reflexão pela coisa
mesma: “Mas afinal, o que é o humanismo? De qual humanismo se fala,
ao se tomar o substantivo genérico? Do verbete de dicionário, que ora
remete a um movimento cultural da renascença, ora define-o com uma
generalização de contexto? Ou estaremos falando de um ‘espírito de épo
ca’, comum a certos momentos históricos? Ou ainda, estaremos atribuin
do-lhe um sentido de ‘escola’ de pensamento, quando nem mesmo conse
guimos localizá-la no tempo? E, depois desta inicial problematização,
explicita a necessidade de esclarecer conceitos como: homem, humano,
sujeito, subjetividade, conceitos tão presentes, fundamentais, porém, ao
mesmo tempo, tão confusos e variados nas psicologias contemporâneas”.
Comenta: “será ainda ‘necessário’ se falar de humanismo na atualidade
ou este qualificativo remete a um determinado contexto de crítica, supos
tamcnte superado pela evolução natural das ideias?”
E, desse jeito, vai aos poucos, ampliando a discussão ao ponto
de identificar a possibilidade de uma clínica psicológica humana, tendo
como ponto de partida as psicologias humanistas e suas relações com a
Fenomenologia. Aqui vai além de uma contextualização histórica, pois o
que está em jogo é a possibilidade de uma autêntica psicologia fenomeno
lógico-humanista, no sentido de encontrar uma fundamentação evidente e
apodítica da psique humana, da personalidade e dos processos psicológi
cos. Essa parte do livro é essencial aos psicólogos por evidenciar argu
mentos acerca da possibilidade de uma autêntica psicologia, ou seja, de
SUMÁRIO
O

e
)e9

PARTE 1— Compreender a Fenomenologia .21


Introdução 21
Uma Introdução Histórica (sempre necessária...) 23
1 Gênese e Evolução Histórica da Fenomenologia 30
2 Como Começar a Entender Fenomenologia9 41
3 Elementos para uma Fenomenologia 48
4 Corporeidade, Temporalidade, História e Vida 71
5 Fenomenologia, Psicologia e Psiquiatria 81
6 Atitude Fenomenológica e Prática Clínica 92
PARTE II Humanismo e Humanismos:

Pensar o Humano na Clínica 105


Introdução 105
1 Há uma “Questão” Humanista9 108
2 O Que é o Humanismo9 112
3 Protágoras de Abdera e a Máxima Humanista 118
4 O Renascimento e a Questão Humanista 128
4.1 O Humanismo Renascentista 134
4.2 A Construção da Subjetividade na Renascença 136
4.3 Natureza e Arte no Renascimento 138
4.4 As Utopias: Erasmo de Rotterdam e Thomas More 142
5 Humanismo, Humanismos e Psicologia 146
5.1 O Movimento Humanista em Psicologia 151
5.2 Breve Histórico da Psicologia “Humanista 158
5.3 Humanismo e Gcstalt-Terapia — um “Caso Particular” 172
20 Adriano Furtado Holanda

5.4 Notas Sobre a Psicologia Humanista no Brasil


177
6 À Guisa de Conclusão: a Crise das Ciências e o Humanismo
Fenomenológico de Husseri 180
Referências
189
AneXos
215
Indice Alfabético
229
PARTE 1

COMPREENDER A
FENOMENOLOGIA

Escrever é procurar entender,


é procurar reproduzir o irreproduzivel,
é sentir até o último fim o sentimento
que permaneceria apenas vago e sufocador.

Clarice Lispector

INTRODUÇÃO

O “desafio da simplicidade”. Este poderia ser um bom retrato


pata representar a dificuldade que é falar de Fenomenologia. Aliás, me
lhor seda não “falar sobre”, mas fazer fenomenologia. Dentro do espectro
do campo filosófico talvez isto não seja uma “questão”; afinal, a comple
xidade do pensamento filosófico está diretamente associada a outras
questões como rigor, lógica, coerência e com a inevitabilidade do uso de
uma linguagem muitas vezes hermética. Entretanto, quando se faz a
transposição dessa complexidade para outros campos do saber, as dificul
dades se multiplicam e, na maioria das vezes, temos como uma das con
sequências dessa inacessibilidade, a simplificação e o distanciamento

de boa parte de seus conceitos o que pode incorrer em falsas interpreta


ções1. Esta é uma das realidades mais frequentes para boa parte do campo
das ciências humanas e da saúde.

O próprio Husseri sofreu com seguidas interpretações errõneas de seu trabalho, che
gando a protestar e discutir várias vezes contra estas (vide Farber, 1940/20 12).
22 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo

Fenomenologia não é uma filosofia “fácil” de ser apreendida. acessar aspectos “práticos” da fenomenologia buscando sempre cuidar
Seus textos são complexos, extensos, detalhados e sistemáticos; pressu para não cair na armadilha da simplificação.
põem um raciocínio “métrico” e, principalmente, um poder de concentra Tarefa dificil, sem dúvida, mas necessária para buscar aproxima
ção significativo. Não são textos “cativantes”, no sentido que alcançam ções com a filosofia. Espera-se, com isto, recuperar o solo original que
um grande grupo de espíritos, não são “românticos”, na direção que “to fertilizou todas as disciplinas que se seguiram. Para efetivar tal tarefa, fa
cam” as pessoas de um modo imediato como muitos textos existencia

remos um passeio histórico pelas raízes do pensamento fenomenológico —

listas, por exemplo nem são textos de rápida divulgação (até mesmo por

com especial atenção para a figura de seu principal idealizador, Edmund
sua extensão). Husserl e de suas marcas na atualidade; depois, trabalharemos alguns

Curiosamente, a Fenomenologia é uma filosofia “simples”, pois conceitos fundamentais da Fenomenologia para, finalmente, buscar uma
fala de algo que podemos considerar como o cotidiano, o imediato, como aproximação com o conjunto das ciências humanas, sociais e da saúde,
aquilo que de certa forma está “à mão” e que é sempre atual. Por isso com ênfase para a Psicologia, por esta ser uma metáfora da expressão da
considero a fenomenologia um pensamento simples, mesmo que não seja subjetividade, e por conta dos vínculos íntimos estabelecidos entre seu
“fácil”. Daí vem o paradoxo: como falar de algo que é, ao mesmo tempo, idealizador e a então nascente ciência psicológica.
simples e complexo? Tentaremos realizar uma exposição “dialogada”, esperando que
o leitor possa nos acompanhar nesse desafio e, nesse acompanhamento,
Há basicamente duas boas formas de se aprender fenomenolo
gia2: uma “fácil” e uma “dificil”. Comecemos pela “difícil”: basta to quiçá tenha novas reflexões que possam ser acrescentadas a essa emprei
marmos os escritos de Husserl (nem sempre acessíveis em nosso idioma, tada. Desta maneira, cremos, poderemos estar construindo um caminho
o que nos obriga a um exercício linguístico e muitas vezes hermenêutico) de parceria. Principiemos pela história, pois esta aponta para nossas raí
e estudá-los. De preferência, numa perspectiva histórica, das primeiras zes e para boa parte de nossos contextos. Afinal, como apontado pela
obras em diante, de modo a se ter um vislumbre da evolução de seu pen célebre epígrafe de Lavoisier, o universo é o palco da transformação.
samento. E, obviamente, lançar mão dos bons comentadores (e há uma
grande diversidade, em várias línguas). E qual seda a forma “fácil”? UMA INTRODUÇÃO HISTÓRICA (SEMPRE NECESSÁRIA...)
Viajar. E porque viajar? Porque ao viajar nós nos deparamos
com a multiplicidade do mundo. Viajar, aqui, é a metáfora da descoberta A filosofia nao é um certo saber,
e do contato com a diversidade do mundo, e é com esta diversidade e ela é a vigilância que no nos deixa
multiplicidade que se dá o encontro com o que costumeiramente denomi esquecer a fonte de todo saber.
namos de subjetividade. Mas isto somente será possível se o viajante se Merleau-PonP’
permitir o deslocamento: quem viaja, e carrega consigo todas suas repre
sentações, tende a des-conhecer essa diversidade e não reconhece o outro. Sexto Empírico filósofo grego cético do século II d. C. nos

Em outras palavras: viajar seda urna boa metáfora, apenas quando esta seus Esboços Firronjcos3, traz uma excelente discussão sobre o sentido
viagem despertar a curiosidade do viajante. do filosofar. Ao discorrer sobre a diferença entre os grandes sistemas
Nossa intenção, aqui, é tentar apresentar uma compreensão mi filosóficos, formula a seguinte questão. Há três modos de pensamento; o
nimamente organizada e objetiva, para que possa beneficiar profissionais que declara ter encontrado a verdade, o que aponta para sua impossibili
que estão diretamente envolvidos com sua prática em questões sociais,
— dade e o que ainda permanece buscando.
de saúde ou mesmo educacionais e que tem dificuldades em se apro

Trata-se de se pensar como se pode dar o processo de investiga


priar da complexidade desse pensamento. A ideia aqui é tentar sair de um ção que podemos associar ao digno trabalho da pesquisa, por exemplo;

modelo meramente conceitual (não que isto não seja importante, pois de
fato o é, especialmente quando se trata de ter clareza e coerência), para
Mais conhecida como HipoUposis Pirronicas (Sexto Empírico, 1993). Sexto Empírico
(Sec. 11-li!), foi filósofo, médico e astrônomo, nascido em Mitilene, tendo vivido em
2
No que peço desculpas a Husserl e a todos seus continuadores, por mais esta “simplifi Mexandria e Atenas. Foi seguidor de Pino de Elida (e. 365-275 a.C.), firndador do ce
caçao ticismo (dai o titulo de seu texto).
24 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 25

ou, de modo mais simples, ao processo de buscar conhecer — como bem ções paradigmáticas”4 no âmbito da construção e constituição do conhe
nos resume Marcondes (1999): cimento e na história da filosofia, como foram as “revoluções” propor
cionadas por Sócrates, Descartes e Kant.
Diz ele que em toda investigação temos três resultados possíveis: Uma prova desta relevância pode ser facilmente observada a par
acreditamos ter encontrado a resposta, acreditamos ser impossível en
contrar a resposta, ou continuamos buscando. No primeiro caso, nos tir das múltiplas influências que a Fenomenologia exerceu e ainda exerce
tomamos dogmáticos e a investigação cessa; no segundo caso, somos em numerosos campos do conhecimento, como o das “Ciências do Ho
também dogmáticos, ainda que em um sentido negativo, e a investiga mem” dentre elas as Ciências Socia&, a Antropologia6 e a História7

ção igualmente cessa; só no terceiro caso, segundo Sexto, temos a au passando pela Psicologia e Psiquiatria8 e alcançando campos os mais di
têntica filosofia, aquela que continua a investigar, para a qual a busca versos, como o da Saúde9 incluindo a Medicina, a Nutrição e a Enferma

é mais importante que a resposta. (p. 9) gem’°. Outro exemplo da dimensão do “olha?’ fenomenológico pode se
perceber sem esquecermos obviamente o campo da Educação”
— na —

Pode parecer estranho principiar uma discussão sobre a Feno apropriação de suas reflexões para campos tão diversos como os da Arqui
menologia com a referência a um dos principais representantes do Ceti tetura ou da análise da Estética e da da Geografia13, das Ciências da
cismo, mas ela se dá por vários motivos. Primeiro, por apontar para um Jnfonação4 e do Isso sem contar as repercussões que o pensa
bom exemplo do que poderemos, mais adiante, definir como sendo a mento fenomenológico teve ou tem em pensadores “livres” como Michel
“atitude fenomenológica” uma atitude de busca, de questionamento, de

investigação constante e segundo, pelo fato de haver certa “continuida



“Paradigma” é uma palavra que de tão polissêmica acabou caindo em uso indis
— —

de” entre o pensamento cético e a Fenomenologia, tanto em termos con criminado. Referimo-nos aos conceitos desenvolvidos por flomas Kuhn, em sua obra
ceituais, quanto históricos. Afinal, “ceticismo” vem de skeptikós, “pensa clássica A Estrutura das Revoluções Cientificas, onde define paradigma como o con
tivo” e designa os que continuam a investigar, ou “os que se dedicam a junto de ideias que uma determinada comunidade científica partilha, sendo aceito uni
fonnemente mesmo que por tempo limitado (Kuhn, 2007[19621). Um “novo paradig
observar” ou ainda “os que estão abertos a qualquer forma de pensamen ma” não impõe apenas novas ideias, mas novos problemas, determinando quais desses
to, sem se aferrar a nenhum” (Cao & Diego, 1993), e se baseava em três são ou não legítimos para uma ciência.
etapas, a epoché (ou suspensão do juízo), a zétesis (ou a busca incessante Merleau-Ponty, 1967/1973; Schutz, 1979; Capalbo, 1996, dentre outros.
da certeza) e a ataraxia (a imperturbabilidade), o que colocava a espe 6
Giorgi, 1977; Merleau-Ponty, 1960/1989a.
culação filosófica voltada diretamente à vida prática e ao senso comum Dilffiey, 1883, 1894/2002; Amaral, 1987; Di Napoli, 2002; Lima, 2011; Lima e Ho
(Japiassu & Marcondes, 1990). landa, 2010, 2011.
Aqui as referências e as relações são abundantes. Sobre as relações, estaremos discor
Portanto ejá retomando a “sempre necessária” história o ce

rendo com mais profundidade mais adiante. A título de ilustração, seguem algumas re
ticismo pirrônico pode ser visto como uma das raízes do pensamento ferências: Jaspers, 1913/1987; Spiegelberg, 1972; Nobre de Meio, 1979; Naudin, 1997;
fenomenológico, e não apenas por ter sobrevivido em Descartes este — Moreira, 2004; Kanvowski, 2005; Holanda, 2011b.
sim, um dos mais importantes alicerces da Fenomenologia propriamente Freitas, 2002; Ortega, 2005; Nunes, 2007; Mahfoud, 2008; Nunes e Vasconcelos,
dita na sua radical “dúvida metódica” (a que retomaremos muito em

2010; Pejxoto e Holanda, 2011; Holanda, 201 la.
‘° Este é um campo que merece destaque, pela quantidade de trabalhos produzidos e
breve), mas fundamental pelo que definiríamos como a atitude “necessá
pelas inúmeras aproximações possíveis (vide Capalbo, 1990; Boemer, 1994, 2011a,
ria” ao pesquisador, e presente na orientação cética. Como assinala Sexto 201 lb; Scimeider & Vaile, 1996; Correa, 1997; Jesus, Peixoto & Cunha, 1998; Lopes
Empírico, esta orientação era também chamada de Zetética e Eféctica Neto e Pagliuca, 2002; Bressan & Scatena, 2002; Campoy, Merighi & Stefanelli, 2005;
(por sua atitude mental) e de Aporética: Zetética, de zetéo, “buscar”, “in Rivem & Henera, 2006; Azevedo & Lopes, 2010; Ribeiro, 2010).
vestigar”; Eféctica oriunda da raiz épécho, a mesma de hë epoché, “man “ Bicudo e Cappelletti, 1999; Bicudo, 2000, 2010; Martins e Bicudo, 1983, 2005; Coe
ter em suspenso”; e Aporética por investigar e duvidar de tudo (Cao & lho, 2009.
‘2
Diego, 1993). Dufrenne, 1953, 1967/1998; Merleau-Ponty, l960/l989b; Fróis, 2001; Escoubas,
2005; Furtado, 2005; Carsalade, 2007.
Mas voltemos ao nosso caminho preliminar. A Fenomenologia ‘
Santos e Souza, 2007; Pereira, Correia e Oliveira, 2010; Goto, 2013.
é um dos marcos da história da Filosofia e uma das mais importantes ‘
Guillén, 2004; Costa, 2009.
contribuições ao pensamento contemporâneo. A envergadura de suas Reale, 1956; Capaibo, 1993; Maman, 2003; Guimarães, 2005, 2010a, 2010b, 2011;
reflexões e de seu legado pode mesmo ser comparada às demais “revolu Alves, 2010.
E

26 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 27

Foucault’6, por exemplo; ou com os desenvolvimentos no campo da Hei’ uma ideologia, nem como uma simples “escola” de pensamento; igual
rnenêutica (bastando para tal ter em conta trabalhos de autores como H. O. mente não é nem uma “corrente”, nem uma “abordagem”. A fenomeno
Gadamer ou Heidegger)7, Mais recentemente, observamos uma estreita logia é um modo de acesso ao mundo. Desta maneira, ela pode ser melhor
aproximação da Fenomenologia com as Neurociências’8. O campo das apropriada pela psicologia, p. ex. em seus aspectos metodológicos,
— —

Matemáticas referência inicial do trabaifio de Husserl conhece igual


— — sem ser confundida com um modelo “ideológico” (e, portanto, como um
mente influências e desenvolvimentos os mais diversos’9. “explicativo” da realidade psíquica20).
Toda essa diversidade de campos de ação aponta para a expan Heidegger ao se referir ao lugar da fenomenologia em seu

são que o pensamento fenomenológico conheceu após os trabalhos de tempo, assinala:


Husserl. Como afirmam Gomes, Holanda e Gauer (2004a), após a psi
quiatria primeira grande área de influência da Fenomenologia, fora da a fenomenologia não é, naquilo que ela tem de mais próprio, uma
é a possibilidade do pensar que, de tempos em tempos,

corrente. Ela
Filosofia outros campos foram sendo alcançados, como a educação, a

se transforma e que, só por isso, permanece a saber, a possibilidadë


música, a teologia e o simbolismo (na década de 1920); a arquitetara, a do corresponder ao apelo daquilo que se há de pensar. Se a fenomeno
literatura e o teatro (na década de 1930); a antropologia, o cinema e a logia for experimentada e considerada assim, então ela pode desapare
política (na década de 1940), até praticamente dominar o cenário filosófi cer, enquanto título, em favor da coisa do pensar, cuja revelação per
co francês nas décadas de 1950-1960 o que pode ser facilmente atesta
— manece um mistério2’
do, inclusive, nas produções posteriores francesas em campos como his
tória, linguística, dentre outros. A rigor, nenhuma grande corrente de A importância da Fenomenologia pode ser destacada pela sua
pensamento ou sistema do século XX passou incólume à influência da proposição de uma critica à ciência de tal modo que permite a construção
Fenomenologia. de outros modos de apreensão da realidade onde se dá o resgate da subje
tividade e a sua recolocação num contexto histórico e mundano. Algumas
Por todo esse leque de influências e repercussões, é importante palavras sobre essa delicada expressão: “resgate da subjetividade”. Trata-
assinalar que a Fenomenologia não é e não pode ser pensada como
— —

-se antes de mais nada de uma i-e-colocação do sujeito na sua relação


— —

com o mundo; em sua acepção mais ampla. Sujeito advém do vocábulo


O caso de Foucault é emblemático no que tange às proffindas raízes que a fenomeno latino subjectum, que por sua vez, vem do grego hypokeímenon (de subs
logia criou no contexto do conhecimento moderno. Como afirma Abreu e Silva Neto
(2004a, 2004b), Foucault é “um filósofo profrmndamente marcado pelo movimento fe trato, subjacente, suposto, que serve de base). “Literalmente, o sujeito é o
nomenológico-existencial” (p. 78). NaIli (2009) aponta para a heterodoxia da fenome que subsiste numa posição de certa passividade e subordinação relativa-
nologia, o que a coloca numa posição distinta da de uma escola sectária, bastando para
tal reconhecer que em nenhum momento Husserl foi um mestre que excluísse as dis 20 Assim, a Fenomenologia não se confunde com as “teorias” psicológicas, não podendo,
cordâncias. Talvez tenha sido este gosto pelo singular e pelo diferente que tenha atrai pois, ser encarada como substitutiva destas. Em outras palavras, o que é da alçada das
do o jovem Foucault pan a Fenomenologia. Esse interesse de “juventude” pode ser teorias psicológicas não se contnpõe com a fenomenologia em si. Em que pese o fato
exemplificado por dois textos de Foucault, que são: o prefácio à tradução francesa do que, tradicionalmente, a Fenomenologia tenha sido apropriada como “alternativa” a
livro de Binswanger, Sonho e Existência, editado em 1954, que é uma discussão da determinados modelos psicológicos. Elaboraremos melhor esse tema mais adiante,
Daseinsanalyse em contraposição às teorias simbólicas de Freud e Husserl (NaIli, quando falarmos das “abordagens fenomenológicas” em psicologia. Igualmente não se
2009); e o quarto capítulo intitulado “A doença e a existência” de seu texto Doença
— —
pode confundir o projeto de uma psicologia fenomenológica (como proposto por Hus
Mental e Psicologia (Foucault, 1954, 1984). A “proto-arqueologia” de Foucault é, serl, nos cursos de 1925-1928), a etapa psicologista do pensamento husserliano, e as
pois, marcada pela influência da Fenomenologia e, mesmo que as rupturas tanto a

diversas perspectivas ditas “fenomenológicas” de psicologia. Há que se destacar, con
partir de sua tese de doutorado, quanto a partir de O Nascimento da Clínica tenham

tudo, que é recorrente esse erro no campo da Psicologia, em especial na sua formação,
sido significativas (ou mesmo, necessárias), os resquícios fenomenológicos no pensa pois devido à positivação dos cursos de formação, se criou certa “necessidade” de

mento.foucaultiano são presenças destacadas (NaIli, 2009). formatação dos currículos em tomo de eixos temáticos (sejam estes tácitos, como
‘ Um trabalho imprescindível neste campo é o clássico Verdade e Método, de Gadamer nica”, “educação” ou “social”; sejam teóricos), o que gerou vinculações excludentes
(1986/19 98). (representadas pelas “correntes” teóricas), o que findou por associar o pensamento fe
“ Este, sem dúvida, um dos campos mais ricos da atualidade e certamente um campo nomenológico a algumas perspectivas em detrimento de outras. Veremos que isto não
aberto para o faturo (Overgaard, 2004; Depraz, Varela & Vermersch, 2006; DeCastro é um fato em si.
2!
& Gomes, 2008; Castro & Gomes, 2011). M. Heidegger, 1w Sache des Denkens, Tubingen: Max Niemeyer, 1988, p. 90. Citado

Kluber e Burak, 2008; Bicudo, 2010; Bicudo e Borba, 2012. por Femandes (201 lb), p. 19.
E

28 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 29

mente a todas as possíveis determinações ulteriores” (Freitas, 1990c, p. Mesmo assim, Husserl reconhecia que Descartes não havia
1.337). Mas, concretamente, “ser sujeito” significa “estar numa determi aprofundado suficientemente sua investigação epistemológica. Seu com
nada relação com um objeto” (Freitas, 1990c, p. 1.337); ou, em outras promisso o conduzia a um projeto de realizar uma “viragem” na mesma
palavras, estar em situação. direção da do pensador francês e, para realizar este projeto, parte do pró
Quando, na história da filosofia, o pensamento passa a ocupar o prio Descartes para questioná-lo quando do estabelecimento de um subje
lugar central basicamente a partir da tradição inaugurada por Platão e

tivismo intrínseco introjetado, fechado em si mesmo, isolado do mundo

posteriormente desenvolvida por Descartes e seu cogito — deu-se uma — caracterizado por uma consciência definidora, mas que esquece dos
inversão semântica (de atributo para atividade), e sujeito deriva em subje objetos e das relações que esta consciência estabelece com o mundo.
tivo e em subjetividade. Assim, temos no vocábulo “sujeito”, uma acep Husserl (1929/1992) aponta, nas suas conferências de Paris, que o ego
ção receptiva e outra ativa. Por um lado, sujeito é o que “sofre” a ação (o cartesiano realiza “um filosofar seriamente solipsista”22.
que se sujeita a); e, por outro, é o que “se coloca”, que “exerce” uma ação
O projeto de Husserl é de tomar a filosofia o fundamento básico
(o que atua, que age). Então, ao falarmos de “resgate da subjetividade” de todo conhecimento, ou mais especificamente, fazer da filosofia uma
queremos significar esta dupla acepção, esta dialética sob a qual se esta
“ciência de rigor” título de uma de suas principais obras tomando por
belece boa parte da tradição filosófica ocidental, e que vai desembocar

—,

base as matemáticas. “[A] Fenomenologia se preocupa essenciatmente


em urna série de novas reflexões posteriores, com significativas repercus com o rigor epistemológico, promovendo a radicalização do projeto de
sões para outros campos do saber.
análise critica dos fundamentos e das condições de possibilidade do co
Preferiríamos mesmo, aqui, o termo “subjetivação” a “subjefi nhecimento” (Figueiredo, 1991, p. 172).
vidade”, com o claro intuito de nos referirmos a um processo, a um mo
Além disso, a influência da Fenomenologia, principalmente por
vimento; e para evitarmos o risco de confundirmos subjetividade com seu método, possibilitou o desenvolvimento de importantes movimentos
interioridade (ou individualidade, como na tradição psicológica das pri de pensamento, cujo legado ainda está para ser avaliado. Dentre estes
meiras escolas). Ademais, “subjetivação” dirige nossa atenção para a movimentos, podemos destacar as diversas Filosofias da Existência do
questão da ação, do “ato”, que encontra respaldo diretamente na proposta século XX como podemos observar em pensadores como Merleau

fenomenológica, desde Brentano. Mesmo assim, não nos furtaremos a -Ponty ou Seheler ou o Existencialismo, primordialmente centrado na

utilizar o clássico termo “subjetividade”, na expectativa de um resgate de figura de Jean-Paul Sartre e igualmente a Analitica Existencial de Mar
seu sentido. tin Heidegger e outras filosofias independentes, que foram influenciadas
Voltemos à questão da fenomenologia e sua posição histórica. diretamente pela fenomenologia, como as de Emmanuel Lévinas, Edith
Não se pode pensar a fenomenologia sem buscar seus vínculos com o Stein, Mikel Dufrenue, Michel Hemy, Alphonse de Waelhens, Paul Ri
cartcsianismo. O compromisso de Husserl com o pensamento de Descar couer, Jan Patócka, Jean-Luc Marion, Marc Richir e tantos outros.
tes toma a Fenomenologia uma corrente de pensamento imprescindível Este quadro pode ser reforçado pelo fato que a Fenomenologia
para a própria compreensão da cultura e da evolução do nosso século. transcendeu o próprio Husserl como afirma Embree (1997) visto que

Husserl, profundo admirador de Descartes, admitiu em diversas ocasiões seu desenvolvimento se deu em vertentes (ou ramos) diversos: 1. Uma
esses laços: fenomenologia realista, cuja ênfase estaria na busca de essências univer
sais de objetos igualmente diversos, que encontra apoio no primeiro gru
Com efeito, nenhum filósofo do passado teve uma influência tão deci po de Husserl, mas teria na figura de Max Scheler seu mais destacado
siva sobre o sentido da fenomenologia como o maior pensador da
França, René Descartes. E a ele que ela deve venerar como seu vcrda exemplo (com seus estudos sobre ética, p. ex.); 2. Uma fenomenologia
deiro patriarca. Foi de um modo muito directo, diga-se exprcssamente, constitutiva com ênfase no método, como temos em Aron Gurwitsch e
que o estudo das meditações cartesianas interveio na nova configura
ção da fenomenologia nascente e lhe deu a forma de sentido que agora 22
tem e que quase lhe permite chamar-se um novo cartesianismo, um “Solipsismo” advém de sohs-ipse, e designa uma consciência que se fecha sobre si
cartesianismo do século XX. (Husseri, 1929/1992, p. 9) mesma. Designa o ‘isolamento da consciência individual em si mesma, tanto em rela
ção ao mundo externo quanto em relação a outras consciências; considerado como
consequência do idealismo radical” (Japiassu & Marcondes, 1990, p. 228).
30 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 31

seus estudos sobre percepção; 3. Uma fenomenologia existencial, com Fenomenologia pode ainda ser entendida como uma filosofia, se
diferentes e às vezes dissonantes concepções, como temos em Merleau
— —
esta for entendida como um “pensar” a realidade; mas, como aponta Darti
-Ponty, Sartre, Heidegger e outros; e, 4. Uma fenomenologia hermenêuti gues (1992), Husserl gostava de considerar a fenomenologia como uma
ca, como nos trabalhos de H. G. Gadamer e Paul Ricoeur. filosofia que acompanha e subentende as ciências; não como um conjunto
Nosso objetivo, aqui neste espaço, será apresentar a Fenomeno organizado de construtos que estruturam uma “escola” filosófica, mas mui
logia, em algumas de suas bases históricas e conceimais, na tentativa de to mais próxima de uma concepção clássica de reflexão sobre a realidade.
compreender sua importância para o pensamento psicológico contempo Todavia, antes de se caracterizar como um modo específico de pensamen
râneo, tentando apreendê-la como uma nova perspectiva de fundamenta to, antes de se constituir numa forma sistemática de se acessar a realidade,
ção para a psicologia, e sua especial influência num recorte desta ciência, a Fenomenologia é um método, uma metodologia de pesquisa desta mesma
determinando caminhos para um conjunto significativo de modelos e realidade. E importante destacarmos essas diversas possibilidades de en
correntes psicológicas. Além disso, pretende-se delimitar aqueles concei tendimento do que é a Fenomenologia pan que possamos compreendê-la
tos ou noções que seriam centrais para a compreensão da fenomenologia, em toda sua complexidade, sem cair nas armadilhas da simplificação. Mas
em sua aplicação à psicologia. a Fenomenologia é, igualmente, uma ciência, como um “conhecimento
atento e aprofimdado de alguma coisa”, ou como “noção precisa”, conhe
cimento sistematizado a respeito de algo. Esta é uma das características do
1 GÊNESE E EVOLUÇÃO HISTÓRICA pensamento husserliano evitadas inadvertidamente por boa parte das inter
DA FENOMENOLOGIA pretações psicológicas, sejam estas modernas ou não.
Nunca eu tivera querido, dizer palavra tão louca:
Originalmente, diríamos que a Fenomenologia é um retorno, um
bateu-me o vento na boca, e depois no teu ouvido. “recomeço radical”, uma retomada do sentido exato do vocábulo grego
Levou somente a palavra, deixou ficar o sentido. phainómenon, como “aquilo que vem à luz”, que “se mostra”, que se
manifesta. Historicamente phainómenon era para os astrônomos gregos a
Cecilia Meireles referência aos eventos celestes. Phainómenon aparece no grego como
particípio (correspondendo ao nosso gerúndio) do verbo phainestai, e
O que se pode entender por Fenomenologia se refere a um mo
deve portanto ser lido como vindo à luz, mostrando-se, evidenciando-
delo de pensamento cujas raízes estão calcadas numa preocupação: preo
— —

-se (Fernandes, 201 lb). Assim, fenômeno é ação, é movimento; está


cupação com os rumos da ciência e com a fundamentação destas. Neste
“vindo-a-ser”, “sendo”, sucessivamente, num fluxo ou corrente heracli
sentido, a Fenomenologia nasce fundamentalmente como uma crítica,
teana (Morujão, 1984).
como um procedimento crítico (no sentido originário de “pôr em crise”),
relativo ao estatuto da própria ciência. Como crítica, a Fenomenologia se Considerando algumas definições de fenomenologia, o termo
constitui preliminar e fundamentalmente como uma epistemologia,
— —
pode remeter “à descrição do que aparece ou à ciência que tem como
por sua preocupação com a possibilidade e a fundamentação do conheci tarefa ou projeto esta descrição” (Abbagnano, 1992, p. 531), ou à “ciência
mento. Fenomenologia é, pois, uma epistemologia tanto enquanto esta ou teoria dos fenômenos, e com esta significação podemos dizer que a
pode ser entendida como “teoria do conhecimento” (como preocupação Fenomenologia é uma disciplina praticamente ilimitada” (Morujão, 1990,
sobre a própria possibilidade do conhecimento e do conhecer), quanto p. 487). Não podemos, todavia, confundir seu objeto com o meramente
como “crítica” do conhecimento estabelecido (em suas bases, estruturas e aparente. Mas o termo fenomenologia é antigo, tendo sido usado por
— —

conceitos). Juntando os dois elementos, a fenomenologia é: Lambert no seu Neues Organon, em 1764, para designar o que considera
va como o estudo das fontes do erro ou a “teoria da aparência ilusória e
(...) a realização de uma crítica geral de tudo quanto parece se impor a suas variedades” (Morujão, 1990, p. 487). Como fundamento de todo o
nós de maneira demasiado evidente, a saber, dos preconceitos; [e é] a saber empírico, o termo é recolhido por Kant, para designar “C•.) a parte
ideia de uma reforma de todos os saberes pela descoberta de seu fim da teoria do movimento que considera o movimento ou o repouso da
damento único no sujeito seguro de si mesmo. (Depraz, 2007, p. 11) matéria em relação com as modalidades em que aparecem ao sentido
externo” (Abbagnano, 1992, pp. 531-532), ou seja, relativamente à forma
Fenomenologia e Humanismo 33
32 Adriano Furtado Holanda

de governo do III Reich; suas obras somente foram publicadas integral


de representação (Momjão, 1990). Hegel também utiliza o termo como
título de uma de suas obras capitais, A Fenomenologia do Espírito, publi mente em 1950 na cidade de Haia, na Holanda. Durante este período de
cada em 1807. A palavra Phaënornenologie é usada por Hegel para de perseguição, os inéditos de Husserl foram salvos graças aos esforços de
signar a totalidade dos fenômenos da mente na consciência, na história e alunos e colegas próximos que conseguiram, clandestinamente, evitar a
no pensamento, ou a “ciência da experiência que faz a consciência” (Mo queima de seus manuscritos enviando-os para fora da Alemanha. Neste
rnjão, 1990, p. 489). Outros autores fizeram uso do termo, como por aspecto, especial destaque para o padre Hermann Leo Van Breda (1911-
exemplo, William Hamilton (1788-1856) que a entendeu como psicologia -1974), que após a morte de Husserl transferiu o espólio intelectual do

descritiva (ou a pura descrição das aparências psíquicas); ou Eduard von mestre para a cidade de Louvam, na Bélgica, onde em 1939, sob sua dire
Hartmaim (1842-1906) que a associou à “Fenomenologia da Consciência ção, foram fundados os Arquivas HusserP-3. A partir daí, e com o auxílio
Moral” (Morajão, 1990; Abbagnano, 1992). Todavia, a noção que per dc Eugen Fink e Ludwig Landgrebe, inicia-se a transcrição, ordenação e
manece mais viva é justamente a utilizada por Husseri a partir de suas publicação de seus textos24.
Investigações Lógicas. A gênese da Fenomenologia pode ser associada a dois grandes
Num contexto mais pragmático e mais próximo da uma reali
— pensadores: de um lado, Wilhelm Dilthey e, de outro, Franz Brentano.
dade clínica, por exemplo a fenomenologia será definida pelo filósofo e

Wilhelm Dilthey (1833-1911) foi o grande nome do Historicismo alemão,
psiquiatra Karl Jaspers (1883-1969) como uma “psicologia descritiva dos além de ter se engajado na chamada “teoria da concepção de mundo” ou
fenômenos da consciência” (Jaspers, 1913/1967, p. 71). E sob esta base Wellanschauung. Suas ideias influenciaram as “filosofias da vida” ou
Jaspers edifica toda uma reforma da Psiquiatria, constituindo um campo “filosofias do espírito”, ressoando em Heidegger, Max Weber e outros.
novo de investigação o da Psicopatologia ao qual se refere como

— Influencia ainda Scheler, Jaspers e a corrente fenomenológica. Dilthey
sendo a ciência em si, cuja aplicação prática seria a psiquiatria. Para Jas faz uma distinção entre “ciências naturais” e “ciências do espírito”25,
pers, a fenomenologia é um procedimento empírico e descritivo, extre dizendo que há uma diferença gnoseológica nas questões metodológicas:
mamente útil para se ter acesso àqueles fenômenos como o fenômeno
— de um lado, a observação externa dá os dados das ciências naturais; e de
psíquico de outrem que não podem ser percebidos diretamente, ao con

outro, a observação interna revela a experiência vivida ou a Erlebnis. A
trário dos fenômenos fisicos, por exemplo. palavra Erlebnis (do verbo leben, “viver”), foi traduzida por Ortega y
No âmbito desta nossa consideração, a figura de Husseri é cen Gasset (1913/2011), inicialmente para o espanhol, por “vivência” ou “ex
tral que, como apontamos anteriormente, é um marco no pensamento periência vivida”, para designar aquilo que Dilthey e posteriormente,

contemporâneo. O objetivo de Husserl era realizar uma “viragem” da Husseri desianam com o fato caraclerístico do humano, como aquilo

Filosofia, com o intuito de fundamentá-la em solo radical, dotando-a de


um método apropriado. Este projeto, Husserl procurou estabelecer a partir 23
A história dessa empreitada pode ser conhecida através do texto de Van Breda
da publicação do livro A Filosofia como Ciência de Rigor, de 1910-1911 — (1959/2007).
24
Tarefa ainda inconclusa nos dias atuais. Cabe destacar que Husseri deixou mais de
que é uma obra que se situa a meio caminho entre as Investigações Lógi 400.000 páginas estenografadas. As Husserliana abrangem quatro grandes coleções: a)
cas, de 1900/1901 e a crítica husserliana empreendida ao psicologismo
—,
Husserilana: Edmund Husserl Gesammelle Jverke, que são as obras completas de Hus
e a instituição da Fenomenologia em si das Ideias para unia Fenonieno ser’, encontram-se no volume XL, tendo sido publicado o derradeiro em 2009, com o
logia Pura e unia Filosofia Transcendental, de 1913. Com a intenção de titulo Unrersuchungen zur Urteilsfl,eorie. Texte aos deni Nachlass (1893-1918); b)
tomar a Filosofia uma “ciência de rigor”, Husserl (1910/1965) pretendia Husserliana Dokurnente é uma série composta basicamente de volumes históricos e bio
gráficos (incluindo a correspondência de Husserfl; e) Husserliana Materialien é urna
separar aquela filosofia rigorosa da filosofia “do ponto de vista”, ou seja, série composta basicamente de palestras de Husseri que não se encaixam na edição
pensá-la como uma “filosofia absoluta”, como a expressão de verdades principal, e; d) Husserliana Collected Wo;t é uma série com as traduções oficiais em
absolutas, e “não como expressão de anseios e de satisfação humanas” inglês da série Husserliana (atualmente está no volume XII). Para mais detalhes:
(Carvalho, 1965, p. XXVII). http://hiw.kuleuven.bell3iw/eng/husserl/.
25
Aqui, o que se compreende por “ciências do espírito” corresponde ao conjunto de
A história de Husserl é marcada por situações de considerável saberes que constituíram, no século seguinte ao de Dilthey, as chamadas ciências “hu
relevância. De origem judaica, foi proibido de publicar durante o período manas” e “sociais” (ai incluso a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia e outms).
34 Adriano Lunado Holanda Fenomenologia e Kumanismo 35

que é dado imediatamente ao espírito. No caso das ciências humanas, é Contudo, é a partir do trabalho de Franz Brentano (1838-1917),
necessário compreender a vida pela própria vida, sem auxílio da metafisi que a Fenomenologia se estrutura. Nascido em Marienberg, e tendo sido
ca26 ou de valores absolutos ou superiores. professor em Wurzburg, Berlim e Viena, em 1874 publica sua obra capi
Pois a vida, diz Dikhey, só pode ser compreendida em sua co tal: Psicologia do Ponto de Vista Empírico, fato este importante devido à
nexão “viva”, e esta conexão é dada de modo constante e originário, na posterior influência que terá sobre Nusserl particularmente nos seus

vivência (Dilthey, 1894/2002). Com isto, Dilthey faz uma distinção entre primeiros escritos, mas igualmente nas subsequentes investigações sobre
Erklãren (explicar) e Verstehen (compreender) ou AuJkl&en (entender). lógica e teoria do conhecimento influência esta “C..) reconhecida ex
—‘

Distingue um “sistema de leis ou ciências”, de um lado, de um “sistema plicitamente e de bom grado por Husseri” (Farber, 1940/2012, p. 238).
de existências significativas e permeadas de valores” (visões de mundo), Brentano “foi representante de uma psicologia descritiva a quat
do outro. Assim, haveria duas modalidades de ciência: as Natunvissens chamou de ‘psicologia dos atos’, que considera o essencial das manifes
chaften (ciências naturais) e as Geisteswissenschaften (ciências do espíri tações anímicas (atos) em sua relação com o objetivo ao qual estão enca
to). Em outras palavras, Dilthey antecipa e dá as bases para a crítica hus minhadas (intencionalidade)” (Bonin, 1991, p. 68). A história de Brenta
serliana à aplicação das metodologias naturalistas às ciências humanas. no e mesmo da construção de seu pensamento passa pelo fato de ter
— —

Dilthey também antecipa toda uma reflexão humanista, com respeito aos sido um sacerdote católico (ordenado em 1864, mesmo ano de seu douto
procedimentos que virão a ser conhecidos, posteriormente, como ciências ramento em Filosofia), que entrou em conflito com a Igreja por não acei
humanas, sociais e antropológicas. Diríamos mesmo que Dilthey dá os tar o dogma da infalibilidade papal, tendo por isto se retirado de sua cáte
fundamentos necessários para se considerar a Psicologia como uma “ciên dra em 1873 e se convertido ao protestantismo em 1879. Dentre seus
cia humana”. discípulos, destacam-se Christian Von Elwenfels27, Edmund Husserl e
Com Dilthey formaliza-se um pensamento que recoloca o sujei Oswald Kulpe2t, sendo que Freud tomou algumas lições com ele (mais
to humano num contexto essencialmente social e histórico: somos seres especificamente durante os anos 1874-1 876).
históricos e constituídos na e pela história. Assim, contrariamente a uma Cabe aqui abrirmos um “parêntese” sobre a relação entre Freud
psicologia elementarista (que estuda o homem como unidade psicofisica), e Brentano que parece ter sido bem mais próxima do que se imagina ou
propõe “uma psicologia compreensiva, descritiva e analítica, reconhecen mesmo que a história tenha registrado. Por exemplo, a “leitura” freudiana
do a unidade estrutural da individualidade e seu modo de ser no mundo” dos significados embutidos na sintomatologia apresentada pelo clássico
(Japiassu & Marcondes, 1990, p. 73). “Anna O” que deriva em seus estudos sobre a histeria nos remete a

Quem introduz esta abordagem compreensiva aos fenômenos um modelo de descrição fenomenológica, mas vamos aos fatos. Há uma
psíquicos é Karl Jaspers (que foi aluno de Dilthey), em oposição às abor série de semelhanças curiosas entre Husserl e Freud: ambos nasceram na
dagens impessoais, e buscando escapar aos causalismos neurológicos, Morávia Freud em 1856 e Husseri em 1859 —; estudaram em Viena, na

apontando para uma conexão “que nasce de dentro” (Dihhey, 1874/ mesma época, embora não existam informações de que tenham se encon
2002), que virá ser apropriada como o “sentido” ou significado” da expe trado. Freud se doutorou em 1881 e Husserl em 1882. Ambos publicaram
riência. O que Dihhey traz de mais fundamental é o reconhecimento que suas obras capitais no ano de 1900 (Freud com A Interpretação dos So
as ciências do espírito demandam um outro tipo de método para sua cons nhos e Husserl com suas Investigações Lógicas). Ainda sobre a correla
tituição, que não o método naturalista, pois este levou a ciência a um ção entre Freud e Husserl, assinala Bucher (1983):
dilema, que foi a “C) separação crescente da vida em relação ao saber”
(p. 24). Em outras palavras, separa natureza e vida, acarretando outra (...) curiosamente, ambos os pensadores iniciam as suas pesquisas com
separação gnoseológica, entre “pensar” e “sentir”. uma inovação metodológica pela qual se destacam de todas as escolas
26 27 Von Ehrenfels (1859-1932) foi importante personalidade da Psicologïa. Foi precursor
Expressão derivada do grego tã metaphysikà. Contam que Mdrânico de Rodes, no séc.1
a. C., ao classificar os textos de Aristóteles, deu nome a um conjunto de escritos pela ex da chamada Gestalt-Tlworie ou a Psicologia da Gestali, influenciando diretamente as
pressão rã merà tà physikâ, designando assim os tratados “além da fisica”, “depois da fi figuras de Kõhler, Kofflca e Wertheimer.
2g
sica”. Com o tempo, a expressão ganhou a forma atual, rnelà physikà, pan designar o Filósofo e psicólogo alemão, Oswald Kulpe (1862-1915) estudou com \Vundt. Lecio
campo de estudo que abrange o estudo do que transcende o fisico ou o natural. nou em \Vurzburg e Munich. Foi um dos mestres da introspecção experimental.
36 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 37

e autores precedentes, e que merece ser chamada de corte epistemoló temente do sujeito desta experiência). Com isto, se anunciam dois cami
gico, com todas as implicações que tem essa noção, de revolução, se nhos para a efetivação de uma ciência empírica: a ciência natural e a psi
não de “subversão” das ideias vigentes até aí (...) (p. 34) cologia (Araújo, 2005). Para Wundt, pois, a psicologia seria uma ciência
que estaria entre as Nalunvissenschaflen e as Geisteswissenschoften;
Mas as relações entre Brentano e Freud vão além do pitoresco.
assim, “como a psicologia não estuda um objeto diferente do objeto das
Merian (1945) descreve como que Freud realizou a tradução de um dos
ciências naturais, mas apenas a mesma experiência de um outro ponto de
volumes dos trabalhos de John Stuart Milli, para o alemão, editado por vista, seus métodos de investigação também não podem diferi?’ (Araújo,
Theodor Gomperz. Alguns anos mais tarde, Heinrich Gomperz prepa —

2005, p. 96). A psicologia vai, portanto, se utilizar dos dois principais


rando a biografia de seu pai, e se deparando com este fato buscou saber,

métodos naturalistas, o experimento e a observação29.


diretamente de Freud, como se deu esta parceria. Em carta endereçada a
Heinrich Gomperz, e datada de 09 de junho de 1932, Freud diz ter sido O que estava em jogo aqui era o “lugar” ocupado pela categoria
de “ciência” para a psicologia nascente: de um lado, um projeto naturalis
indicado diretamente por Brentano a Gomperz, e efetivamente ficou res
ta, que afirmava a possibilidade de um “objeto” formal; e, de outro, um
ponsável pelo 12° volume, das John Stuart Mill’s Gesanimelte Werke,
projeto diferenciado que afirmava a limitação desse primeiro método.
publicado em Leipzig, em 1880. Este fato foi igualmente reportado (em Neste debate entre ciência natural e “ciência do espírito” (que atualmente
bora com menos detalhes), por Peter Gay (1989). poderíamos delimitar como sendo “ciência humana”), Brentano introduz
Freud se toma estudante na Universidade de Viena, em 1873. uma noção capital para a formulação posterior da fenomenologia.
No ano seguinte, Brentano se toma professor na mesma universidade, ali
permanecendo até 1880. Pesquisando os arquivos da universidade, Merlan Na “Psicologia do ponto de Vista empírico Brentano formula a no
“,

(1949) descobriu que Freud seguiu, pelo menos, quatro semestres de cur ção de intencionalidade no contexto da distinção entre os fenómenos
sos de Brentano em Viena em seu terceiro, quarto, quinto e sexto se

ou atos físicos e mentais, presentes à consciência. A característica
mestres. Entre o inverno de 1874-1875, o verão de 1875 e o inverno de ftndamental e intrínseca dos atos psíquicos é a intencionalidade, pois
1875-1876, Freud segue os cursos de Brentano sobre “Leituras de Escri a inexistência (o termo aqui é o escolástico “messe”, ou seja, “existên
cia-dentro-de”) é ao mesmo tempo a característica mais importante e
tos Filosóficos”. Ainda no verão de 1875 (seu quarto semestre na univer mais própria dos fenômenos mentais. (Maciel, 2003, p. 36)
sidade), acompanha o curso de “Lógica”; e no verão de 1876 (correspon
dendo ao seu sexto semestre), acompanha o curso sobre a “Filosofia de Com isto, Brentano designa que a consciência humana se estru
Aristóteles” (especialidade de Brentano. tendo sido objeto de sua tese de tura dinamicamente em atos que remetem ao mundo, e não como um
— —

doutoramento). “Foram os únicos cursos não-médicos seguidos por Freud “objeto”. E, pois, característica do fenômeno humano se reportar conti
durante todo seu curso de estudos (oito semestres)” (Merlan, 1949, p. nuamente ao mundo.
451). Fecha parêntese. Nilton Campos na primeira grande referência brasileira à fe

Retomemos Brentano. O fundamental da psicologia brentaniana nomenologia na Psicologia (Holanda, 201 lc) coloca que Ribotjá anun

é que a experiência se baseia na percepção inferir»-, contrariamente ao cia o nome de Brentano como aquele que funda uma orientação que ex
que propunham os sistemas psicológicos primevos ao apontar pan a in clui a metafísica e a fisiologia do campo científico da psicologia e, por
trospecção (observação interior). Com isto, Brentano reage tanto à análi tanto, inaugura uma perspectiva autônoma para esta (Campos, 1945).
se dos conteúdos da consciência como desenvolvida pela psicologia

Apropriando-nos das mesmas palavras do filósofo, em seu prefácio, diz-
experimental de Wilhelm Wundt quanto à orientação naturalista toma
—,
-nos Brentano (1874/2008): “Eu me coloco, em psicologia, do ponto de
da de empréstimo à fisica e à fisiologia. vista empírico. Meu único mestre é a experiência” (p. 11). Foi Brentano
Para Wundt, a psicologia é a ciência empírica cujo objeto seria
a “experiência imediata”, e acreditava que toda experiência poderia ser 29
Wundt ainda desenvolve muito mais esse modelo, aplicando uma distinção entre auto-
analisada em seus conteúdos objetivos (que seria a experiência mediata) e observação e percepção interna, além de estudar, posteriormente, “objetos psíquicos”
subjetivos (experiência imediata). No segundo caso, a investigação recai que são produtos da história e dos costumes, que veio a ser conhecida como a sua Vol
sobre o próprio sujeito da experiência, ou seja, seu “mundo interno” (en kerpsychologie (pan um aporte mais detalhado do projeto wundtiano, remetemos o lei
tor ã leitura de O projeto de unia psicologia cientWca eni Wilhelnj Wundt) (Amújo,
quanto no primeiro caso, investigam-se os objetos pensados independen 2010).
Fenomenologia e Humanismo 39
38 Adriano Furtado Holanda

Mas a Fenomenologia é um modelo do século XX, e o marco


quem deu parte das bases filosóficas para Husseri. Vejamos a seguinte
do nascimento desse mode’o foi a publicação entre os anos 1900-1901
citação de Brentano, que aponta de onde que Husserl parte:

— das suas Investigações Lógicas, onde propõe uma “psicologia descritiva


Todo fenômeno mental inclui algo como objeto dentro de si mesmo, das vivências”, buscando duas recusas: a do “logicismo” e a do “psicolo
ainda que os objetos não estejam todos do mesmo modo. [Assim] Na gismo”. O primeiro declarava que as categorias lógicas seriam a priori
apresentação algo é apresentado; no julgamento, algo é afirmado ou em si; e para o segundo, essas categorias seriam produtos exclusivos de
negado; no amor, amado; no ódio, odiado; no desejo, desejado, e as um dado individuo singular (Depraz, 2007). Nesta obra mais particu —

sim por diante. (Brentano citado por Maciel, 2003, p. 36) larmente a partir da quinta investigação Husserl define o estatuto da

Com isto, Brentano estabelece uma categorização dos aios men vivência como o solo sobre o qual se alicerçará a fenomenologia.
tais, distinguindo-os em “representação” (onde o objeto está sempre pre Husseri lecionou em três universidades, em períodos distintos:
sente, como algo mentalmente percebido); ‘juízo” (no qual é afirmado ou em Halle, de 1887 a 1901; de 1901 a 1916, em Gõttingen e, de 1916 a
negado) e “sentimento” (algo é amado ou odiado). Em resumo, os atos 1928, em Freiburg. Estes períodos coincidem com um desenvolvimento
mentais se caracterizam por serem intencionais, ou seja, remetem aos de sua obra em “fases” distintas, onde determinados temas são trabalha
objetos. A intencionalidade não varia, apenas a forma como é assumida, dos com rigor e organização.
ou seja, a referência ao objeto é que varia, e é sobre estas bases que Hus Vale a pena ressaltar essa informação pan que se tenha claro
serl estrutura seu projeto de Fenomenologia (Maciel, 2003; Ramón, 2006; que a Fenomenologia é uma construção de toda uma vida e, ainda assim,
Depraz, 2007). inacabada (o que reflete perfeitamente seu próprio “espírito”). Vamos tão
Mas o grande responsável pela estruturação da Fenomenologia somente assinalar algumas referências de sua obra, de modo que se possa
foi Edmund Husserl, nascido na cidade de Prosstnitz, na Morávia, em ter um vislumbre da complexidade do pensamento fenomenológico, do
1859. Entre os anos de 1876 a 1878 (quando tinha entre 17 e 18 anos) fre rigor do trabalho husserliano e da necessidade de uma leitura igualmente
quenta a Universidade de Leipzig, durante três semestres. Ali, estuda astro criteriosa tanto de seus conceitos quanto de suas ideias. Queremos igual
nomia, matemáticas e fisica, além de seguir as aulas de filosofia de mente marcar aqui um caráter de fluidez e de movimento pelo qual pas
W.Wundt. Em 1878, inscreve-se na Universidade de Berlim, onde pema sou a construção da fenomenologia, o que inclusive será significativo
nece por seis semestres, onde conhece Cari Weierstrass, que será sua inspi para os desenvolvimentos posteriores.
ração para uma “flmdação radical das matemáticas, e ademais despertará A Fenomenologia se construiu em múltiplas publicações, com
nele o ethos do cientista (...), rigor e retidão” (Depraz, 2007, p. 18). particular destaque para o Jahrbuch fur Philosophie und phünonienologis
Em 1881, vai a Viena e ali, em 1882, obtém seu doutoramento che Forschung, ou o “Anuário de Filosofia e Pesquisa Fenomenológica”,
com a tese Sobre o Cálculo das Variações. No ano seguinte, em Berlim, flmdado em 1912 pelos fenomenólogos da escola de Munique (Farber,
toma-se assistente de seu ex-professor, Weierstrass. Em 1884, Husserl 1940/20 12) dentre eles Adolph Reinach, Mexander Pfânder, Moritz Gei
retoma a Viena e se filia ao pensamento de Brentano, sendo este o res

ger e Max Scheler e que teve como editor inicial o próprio Husserl. Eram
ponsável por sua “conversão” à filosofia (Depraz, 2007). Dois anos de

publicações anuais (entre 1913 e 1930), nas quais autores diversos publica
pois renuncia à sua ascendência judaica, converte-se ao Luteranismo, vam seus trabalhos. Dentre estes, constam alguns dos principais textos de
casando-se no ano seguinte com Malvine Steinschneider. Posteriormente
Husserl, como também de Max Scheler (textos de Etica) e de Heidegger (a
toma-se livre-docente pela Universidade de Halie. Começa aí sua vida
intelectual realmente produtiva. primeira publicação de Sem und Zeit está no volume de 1927).
Neste ínterim, seu interesse se volta para a reflexão filosófica A obra de Husserl se deu em numerosos livros, textos e, princi
das matemáticas, o que o leva a realizar sua habilitação sob a tutela de palmente, cursos e conferências31, onde desenvolve suas ideias. Sua criti
CarI Stumpf, em Halle. Surgem daí, duas de suas primeiras obras: Uber ca aos reducionismos ganha corpo na publicação de 1910-11, Á Filosofia
den Begrjff der Zalil (1887) e Fhilosophie der Arithmetik (1 891)°, esta como Ciência de Rigor mas, antes, no ano de 1907, durante seu curso
última dedicada a seu mestre, Brentano. sobre A Ideia da Fenomenologia, surge-lhe a primeira ideia explícita

31
Pan um espectro mais amplo de sua produção, i’ide Apëndices.
30
Sobre o Conceito de Número (1887) e Filosofia da Aritmética (1891).
40 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 41

sobre a redução. Uma obra considerada “ffindante” é o livro intitulado 2 COMO COMEÇAR A ENTENDER FENOMENOLOGIA?
Ideias pai-a urna Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomeno
lógica (de 1913) mais comumente conhecida como as Ideen
— onde —
Lá atrás, sugerimos ao leitor que viajar seria uma boa metáfora
propõe uma investigação da consciência e de seus objetos. No ano de para se compreender a Fenomenologia. Reiteramos a sugestão. Mas va
mos fazer outros convites agora. Convido o leitor a pensar em algumas
1914, irrompe a Primeira Grande Guerra onde Husserl perde um filho
questões: Como se percebe o mundo? Como se sabe que o mundo é mun

nofront, em 1916, e seu mais dileto discípulo e colaborador, Adolf Rei do? Como nós nos percebemos? Como se pensa mente e como? Questões
nach32, em 1917 e em seguida, seu antigo colaborador, Heidegger33,

como estas (absolutamente cotidianas) são exemplos de “portas de entra


ocupa a cadeira de livre-docente na Universidade de Freiburg. No ano de da” para se pensar a fenomenologia.
1929 publica Lógica Formal e Transcendental; em 1931, reunidas suas
Você já pensou em como um animal, por exemplo, percebe o
conferências sobre a filosofia cartesiana, é publicada na França, as Medi mundo? Provavelmente acharia essa hipótese meio absurda, e tanto mais
tações Cartesianas; e em 1936 é a vez de A Crise das Ciências Europeias absurda se se perguntar “como é ser um morcego?”. Pois esta é uma curio
e a Fenoinenologia TranscendentaL Após muitas dificuldades, Husserl sa pergunta proposta por Thomas Nigel (1974/20 13), num texto já clássi
vem a falecer em 1938. co, que nos remete ao problema anterior como se percebe o mundo
— —

Há que se destacar ainda outros escritos importantes, tais pomo ou, mais destacadamente, ao problema da consciência. Eis um dos pro
os cursos de 1904-1905 sobre a Fenomenologia da Consciência Intima blemas centrais da Fenomenologia. Tão ou mais absurdo seria se pensar,
do Tempo (Zur Phaenornenologie des inneren Zeitbcwusstseins), compi por exemplo, como um “marciano” ou qualquer extraterrestre perceberia
lado originalmente por sua assistente à época, Edith Stein, e que teve o mundo e o universo ou nos perceberia, se aqui chegasse. O leitor pode
ainda outras organizações, como a de 1928 por Heidegger vindo a ser
— — ria facilmente substituir “extraterrestre” por Hobbits, Ogros, Elfos ou
publicada somente em 1966, numa edição de Rudolf Boehm. Muitos Dragões (como preferir), pois questões como essas são triviais no senti —

textos husserlianos permaneceram e ainda permanecem inéditos. E em do que nos acompanham constantemente, mesmo que não as pensemos
muitos deles temas importantes são trabalhados ou esclarecidos como
— —,
objetivamente por estarem no ceme de nossas crenças, convicções,

a questão da intersubjetividade, a temporalidade, dentre outros. valores, e por nos permitir fantasiar, imaginar e devanear, ou desejar, por
Como não nos propomos a uma exposição histórica exaustiva —
exemplo.
em particular de sua vida e obra remetemos o leitor aos Anexos, onde

Mas vamos começar por algo mais “simples”. Espero que o lei
poderá ter uma clara ideia da dimensão dos escritos husserlianos. Vamos tor aprecie arte, particularmente a pintura e, mais particularmente ainda,
agora tentar organizar, minimamente, algumas noções centrais da Feno convido-o a contemplar algumas das obras de Claude Monet35. Sugiro
menologia. começar pelos exercícios de variação que Monet produziu em séries, a
partir de 1890, como as “Cathédrales de Rouen”, por exemplo36:
32
AdolfReinacli (1883-1917) foi estudante de Theodor Lipps em Munique, e do circulo
de fenomenólogos que se juntou a Husserl em Giittingen, tendo sido um de seus mais Peço licença aos leitores por colocar essa magrificas telas em preto e branco. Ao que
próximos colaboradores e assistentes. Foi graças a Reinacli que vários importantes perdem em cores (que podem e devem ser acessadas facilmente na intemet), man
— —

nomes da fenomenologia posterior assimilaram os escritos de Husseri (como Dietrich tém a diversidade das formas que preciso pan os exemplos a seguir.
Von Hildebrand, Edith Stein, Hedwig Conrad-Martius, dentre outros). Reza a lenda 36
As ilustrações estão aqui reunidas numa montagem de várias telas, pintadas em mo
que as aulas de flusserl, por demais complexas, eram posterionnente esclarecidas por mentos diversos. Essas pinturas estão reunidas em coleções diversas, e em vários mu
Reinach em particular. Sua morte, na guerra, foi uma grande perda para o próprio edi seus, dentre eles, Pushkin Museum (Moscow); Musée du L.ouvre (Paris), Musée D’Orsay
ficio da fenomenologia (Mora, 2001; Drummond, 2007). (Paris), National Museum of Wales (Cardifi), National Galleiy of Art (Washington),
Heidegger acompanha os trabalhos de Husserl desde que este chega a Freiburg, em Metropolitan Museum of Art (New York), Musée Marmottan (Paris), Narodni Muzej
1916, substituindo-o posteriormente na cátedra, em 1929, o que irá gerar bastante po (Belgrado), Musée des Beaux-Ans de la Céramique (Rouen), Museum Folkwang (Es
lêmica, devido ao vínculo político de Heidegger com o Nacional-Socialismo alemão. sen) ou Museum of Fine Afls (Boston), bem como em coleções privadas. Um site mui
O leitor poderá acessar mais dados biográficos e históricos sobre a Fenomenologia e a to interessante é o do Media Center ofArt Histoiy (da Columbia University, New
figura de Husseri em um conjunto de textos disponíveis em língua portuguesa. Indicamos York), que tem uma área intentiva com mais de 25 telas de Monet sobre a Catedral de
algumas boas introduções, como Depraz (2007) ou Goto (2008); ou em obras mais com Rouen e pode ser facilmente acessado pelo endereço: http://wnv.leam.columbia.eduI
pletas como o The Carnbfldge Conipanion to Husseri de Smith e Smith (1996).


monet/swf/
42 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 43

(Claude Monet Cathédrales de Rouen)


Nesses exercícios, Monet inaugura uma nova modalidade de


pintar, visto que buscava reproduzir os efeitos da luz, ao longo do dia,
sobre o prédio da Catedral de Rouen. Com isto, produziu uma série de
pinturas fantásticas, onde cada quadro apresentava um aspecto diferente
do mesmo prédio, de acordo com a difração da luz sobre a fachada. Em
outras palavras, Monet produziu quadros que mostravam o efeito da luz Agora, recordemos que Monet, ao final de sua vida, foi acome
sobre o “mesmo” fenômeno, produzindo “fenômenos” diferentes. tido de catarata (provavelmente por tanta exposição ao sol, já que tinha
Agora observem uma de suas mais famosas (e conhecidas) pintu preferência por pintar ao ar livre), mas que mesmo assim não cessou de
ras: Le Pont Japonais, que tinha em seu jardim, em sua casa de Givemy, pintar; ao contrário, passou a usar cores mais fortes e vivas, continuando
pintada igualmente de múltiplas maneiras entre 1893-1894 e 1899. a pintar o que lhe chegava, suas “impressões”. Observem, pois, a “mes
Pintura a seguir:37 ma” PontJaponais3t, em uma pintura de (provavelmente) 1918-1924.

g
Óleo sobre tela, 1899 (The Museum ofAn, Philadelphia). Óleo sobre tela. c. 1926 (Musãe Mamionan, Paris).
44 Adriano Furtado Holanda enoIosiaeHunismo4
5

caso o leitor use óculos (ou mesmo


cerre os olhos ao ler), as letras
borradas ou menos nítidas. ficam
É claro que não peo de modo algum que
za as coisas que vejo, por si a falta de tidez caracteri
mesmas ainda que a remoção de

i óculos tenha o poder mágico de


por diante. (Cerbone, 2012, p. 13)

O que o autor pretende significar


meus
mitigar a tinta real, o papel e assim

f trarmos na nossa experiência do com isto, é que ao nos cen


mundo, estamos dando o primeiro
para praticar fenornenoiogia passo
Ao nos centrarmos na nossa
notar algumas coisas: uma delas própria experiência, começamos a
é que a experiência visual que temos
uma experiência de “alguma coisa”: a é
página, as letras, etc.
“Esses objetos são uma pane nte
de que a experiência não seria integra de sua experiência no sentido
o que é caso não incluísse esses
(...)issoindica que esses são os objetos da objetos.
ência é de ou sobre eles. (Cerbone, experiência- que a experi
2012, p. IS)
Este é um claro exemplo da
dimensão “empírica” da Fenomeno
logia, e do que Brentano destaca
ao definir sua psicologia, e
fato da experiência ser indica ainda o
jcalle-9. Inter,.et’s bíft,t ai coIt€ttí, “intencional”. Ao mesmo tempo, esta
experiência

presente — do livro, das palavras,


das letras — não se dá de modo
(Claude Monet Le Pont Japonais)

seja, não é a totalidade do livro “total”, ou
ou da página em momento
objeto da experiência é dado em algum, pois o
O que pretendemos com esses exemplos de arte, pintura e Mo cia momentãnea inclua mais do
uma perspectiva, mesmo que a
experién
net (além, é claro, de revelar uma de nossas preferências estéticas)? Pre que é visto momentaneamente.
tende-se mostrar a fenomenologia como esse modo múltiplo — de per —

O que quero dizer aqui é que sua


ceber, sentir, viver e representar o mundo, O que a pintura de Monet e o mais para ser visto: que o livro experiência presente indica que há
movimento impressionista nos traz de recurso para a compreensão da pode ser
ele tem Outros lados pam serem vistos. visto de outros ângulos; que
Isso confere â sua experiência
Fenomenoogia é o fato que a própria experiência estética de aprecia —

atual mais quanto a “profijndj»


e “densidade” do que o faz a ex
ção, valoração, admiração ou contemplação de um quadro, por exemplo — periência de uma imagem plana. Toda
essa faia sobre perspectiva su
não se dá apenas no objeto nem apenas no sujeito, mas no entrelaçamento gestão, profundidade e densidade indica
que nossa experiência visual,
entre sujeito e objeto; ou, numa frase do próprio Monet: “O tema tem mesmo no caso mais simples de olhar
para este Livro, tem uma estrutu
ra rica e complexa, que pode ser
para mim uma importância secundária: quero representar o que vive entre delineada e descrita pormenorizada
mente (...), podemos começar a pensar
o objeto e eu próprio”39. cssencial com respeito a ter qualquer que essa estrutura indica algo
Façamos outro “exercicio” agora, acompanhando uma sugestão como livros. (Cerbone, 2012, experiência visual de objetos tais
p. 16)
de David Cerbone (2012). Enquanto lê essas páginas, cene os olhos ou
mude o ângulo de leitura; ou, se usar óculos (melhor ainda), tire-os e São questões como estas
— ricas e complexas, mas ao mesmo
volte a ler. O leitor míope costuma viver “entre dois mundos”, mas os tempo corriqueiras e mesmo
“triviais” — que configu.am o
que entende
reconhece como sendo o “mesmo”, correto? Voltando a esse exercício, mos por Fenomenologa mesmo
que não consigamos defini-la
te (ou, de modo “fácil”). claramen
Mesmo assim, vamos tentar.
Citado por Heinrich (2000).
46 Adriano Furtado Holanda
enologiaeHumanism
Como vimos até agora, o “problema” da fenomenologia é múl loca as essências na existência
tiplo, mas vincula-se ao quadripé citado anteriormente: epistemologia, der o homem e o mundo de e não concebe que se Possa compreen
outra forma que não seja a
filosofia, método e ciência. Nesta complexidade, o problema da Fenome “facticidade» E uma filosofia partir de sua
para as compreender as afirmações transcendental que coloca em
nologia pode ser entendido como um problema de fundamentação e de —

uma filosofia para a qual o da atitude natural, mas ésuspenso,


fundações da ciência. Husserl estabeleceu para si a tarefa de repensar mundo está sempre ai, anterior também
como uma presença inalienlivel à
e cujo esforço é de retomar reflexão

esses flmdamentos. Eugen Fink, um eminente conhecedor do pensamento tato ingênuo com o mundo
husserliano, aponta a fenomenologia como um “recomeço radical”, uma E a ambição de uma filosofia para dar-lhe, enfim, um estatuto esse con
filosófico
que seja uma “ciência exata”,
retomada da busca das raízes. Constitui-se numa tentativa de solucionar o também uma apreciação do mas é
problema da dicotomia sujeito/objeto, através da apreensão das relações a tentativa de uma descrição espaço, do tempo, do mundo “vividos” E
direta de nossa experiência tal
do homem com o mundo40. Neste sentido, “a fenomenologia é, a um (...). (Merleau..iaonty, 1945, p. 1) qual ela é
tempo, método e atitude: a atitude especificamente filosófica e o método
dgorosamente filosófico” (Morujão, 1984, p. 67). A fenomenologa se faz
existe como movimento reconhecer como estilo, como
modo;
A Fenomenologia surge como uma crítica, no sentido original nala Merleaupon, (1945):
anterior à consciência filosófica
Ou, como assi
do termo41, enquanto uma tentativa de pôr em crise o conhecimento vi dade da fenomenologia e seu
“E em nós-mesmos que
encontramos a uni
gente. Assim, surge como critica à psicologia objetivista e experimental partindo da própria definição verdadeiro sentido” (p. 1). Em resumo, e
que como as demais ciências buscava o conhecimento absoluto igno de
Fenomenologia pode Ser encarada Merleaupon, podemos dizer que a
—,

rando a subjetividade. Ao propor isto, a ciência constrói uma imagem de como uma filosofia que como: um estudo das essências,
homem que não condiz com a sua realidade. O homem não é uma coisa recoloca essas essências na mas
nando homem e mundo existência, posicio
entre as coisas, e como tal não pode assim ser considerado. O mundo é numa relação de facticidade,
sendo uma filosofia
um objeto intencional com referência a um sujeito pensante. transce,,dental que põe em

suspenso a tese da atitude natural


-reflarjya (o que aponta para o
A Fenomenologia se opõe também ao naturalismo, que assinala tentatip de retomar um fato que o mundo está sempre — e pré
lá); é uma
o comportamento como uma mera relação causa e feito; e ao idealismo de com a ambição de uma ciência
contato “direto” ou “ingénuo”
com o mundo,
Kant e Hegel, que propunha o homem como um conjunto conceptual cia tal qual ela é. exata, partindo da descrição
da experiên
organizado. No prefácio de seu livro Fenomenologia da Percepção, o
filósofo francês Maurice Merleau-Ponty um dos principais personagens
— A Fepomenoiogia é um
esforço, uma tentativa de
da Fenomenologia pós-husserliana — propõe a questão: da realidade. E uma abertura clarificação
à experiência, à vivência
busca dofenô,ne,;o daquilo do mundo. E a
O que é a fenomenologia? Pode parecer estranho que ainda se coloque que surge por si só, daquilo
se revela Fenomenologia que aparece, que
esta questão, meio-século após os primeiros trabalhos de Husserl. Ela é ir às coisas_n,es,,,as,
se apresentam aos meus descobri_las tais quais
está, entretanto, longe de ser resolvida. A fenomenologia é o estudo relação. Mas é um “ir em
sentidos, tais quais eu as percebo,
das essências, e todos os problemas, segundo ela, consistem em defi busca” aliado à minha própria numa contínua
nir as essências: a essência da percepção, a essência da consciência, jetiva concreta s um olhar experiência sub
e ver, não apenas uma
por exemplo. Mas a fenomenologia é também uma filosofia que reco algo. E participação colocação diante de
envolvimento. Deste modo, a
-se um modo de existir, de Fenomenologia toma-
se
mundo. Neste contexto, temos colocar no mundo, de fazer pane deste
40 Relações do homem com o Umwelt (mundo ambiente), Minvelt (mundo humano) e o o ser humano também
no, O mais complexo como um fenôme
Eigenwelt (mundo próprio). (talvez), mas o mais completo
À Fenomenologia resta, pois, um também.
4!
Sobre a questao da “critica” uma citação serve de esclarecimento: “O termo ‘critica’
de método, de evidenciação uma
(...) foi aqui encarado no sentido originário de uma interrogação sobre as condições forma de renovação dos
problemas filosóficos, mas o
possibilidade e os limites de algo (...). Nesse sentido, a critica se caracteriza, não pela
primordial na Fenomenologia é que temos como o
mera objeção pessoal ou pela apreciação que destaca as qualidades e os defeitos de o seu caráter de contínua
reflexão crítica,
uma obra ou de uma posição, mas por uma busca de fundamentos, isto é, por certo
modo de reflexão que, ultrapassando a experiência imediata, ruma para o ser, encon
bando aí a origem da primeira” (Fmyze-Pereira, 1984. p. 1, grifos nossos).
48 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 49

e e incognoscível ou seja, que não se pode conhecer nem um “em si”


de re-pensar o mundo e a realidade, pois afinal, o ser somente se compl —

(inacessível). A Fenomenologia lida com experiências, com vivências, e


ta no seu devi,; no seu crescer42. fenômeno aqui é sempre um correjato dessa experiência O fenômeno,
c
Para compreendermos a Fenomenologia nesta múltipla perspe aquilo que se revela, que aparece, não pode e não deve ser considerado
ologia e como ciência é
tiva como método, como filosofia, epistem

que são centrai s, reconh e independentemente das experiências concretas de cada indivíduo. Escla
preciso esclarecer certos conceitos e noções reça-se, com isto, que a fenomenologia não institui um mero subjetivismo
para a psicolo
cendo o hermetismo de alguns deles e, ainda, o fato que —

ou um princípio idealista pelo qual o “sujeito” ou a “consciência” se


gia e para os psicólogos nem todos os concei tos serão utilizados de — —

concei tos são da ordem da toma a única referência com respeito ao mundo, mas, ao contrário, com
modo “necessário”, ou seja, alguns desses isto estabelece uma te-ligação do sujeito aqui compreendido enquanto
stos ipsis litteris para outro
lógica e da filosofia, e não podem ser transpo

como fundam entaçã o de uma subjetivação — com seu contexto, ou seja, re-coloca o ser no mundo.
campo em outras palavras, servem mais Para Mas se o mundo não me é dado como um “absoluto” — ou seja,
técnica ou instrum ento.
atitude posterior, do que propriamente como em si mesmo e também não pode ser confundido com uma construção
, bus
tal, elaboraremos uma breve apresentação de seu arcabouço teórico

enolog ia da Psicolo gia. subjetiva, como se dá a percepção do mundo dos fenômenos? Por “per
cando uma leitura que aproxime a Fenom fis” ou por “perspectivas” (Abschattunge,,), diz Husseri, nas Ideen, Re
tomemos essa questão, a partir de um exemplo de Merleau-Ponty
3 ELEMENTOS PARA UMA FENOMENOLOGIA (1942/2006). Em A Estrutjg,’q do Conportan,en,o Merleau-Ponty usa a
Sem evidência,
percepção de um cubo de madeira para esclarecer isto.
não há ciência. Tomemos um cubo. O cubo que vemos ou que percebemos, não
é o cubo “inteiro”, pois o vemos necessariamente por um determinado
Edmund Husserl ângulo. Dois sujeitos que olham para esse cubo, vêem o “mesmo” cubo,
abor só que por “perspectivas” diferentes. O cubo percebido — não é, assim
Um dos aspectos centrais da Fenomenologia é a própria

serfe um “cubo em si”, mas um fenômeno como uma verdade intersubjetiva, E,


a
dagem do que seja o fenômeno. Em outras palavras, o que vem curiosamente, cada sujeito da percepção vê o cubo como se este fosse um
de transi
itômeno? Já definimos fenómeno, anteriormente, em seu caráter “todo”, ou seja, com profundidade dimensão, angulação, etc. — vamos
portan to, o
toriedade, como “aquilo que aparece” (para uma consciência); chamar a isto de “cubidade” do cubo — como se fosse “o mesmo cubo”,
nado à
fenômeno não está “em mim”, mas está “diante de mim” e relacio que se apresenta diferentemente pan cada observador, O cubo (assim
smente
minha consciência (neste sentido, também não pode ser simple nta como o mundo), não me é dado na sua totalidade, mas a totalidade do
aprese
identificado com um “objeto”). Desta forma, o fenômeno é a cubo (assim como o mundo) me é dada em seus distintos perfis.
ção de algo para uma consciência. Cada perfil do cubo me dá o cubo todo, “por inteiro”, em sua
Mas ofenômeno não me é dado “em si”: esta realidade “em si”, essência de cubo, que o faz um “cubo” e não outra coisa. Semelhante
relação com
ou “coisa em si”, é o númeno, diz Kant, que independe da exercício poderíamos fazer com as figuras geométricas, por exemplo,
to, pode ser apenas pensad a e não
um sujeito do conhecimento e, portan da como aquilo que as caracterizam como tais. O fenómeno me é dado, pois,
interes sa é objeto sensíve l, é objeto
conhecida. O fenômeno que nos sempre por “perspectivas” por “perfis” — Abschattunge,, no original
enolog ia, não é um dado absolu to
experiência. Fenómeno, para a fenom

em relação a uma subjetivie Aliás, dentre as diversas interpretações


errôneas relacionadas à Fenomenolog, duas — em especial são impor
assinala que, flindamen
Esta concepção fica mais clara com Heideggcr, quando este

42
das ou estátic as, sendo que o su tantes de serem esclarecidas. Uma delas é exatamente a perspectiva que
talmente, o sujeito e o mundo não são entidad es separa
inserçã o no mundo , o que leva à concepção recoloca a subjetividade em ação: o mundo é mundo de significados que,
jeito somente se deixa apreender por sua
que “G..) o individ uo (...) sempre se encont ra em transiç ão, em evoluç ão; é um ser exatamente por isto, encontra-se relacionado ao sujeito que lhe dá signi
mas modela dor do mundo através de inte ficação. E comum se entender com isto que o sujeito, então, se toma a
emergente nunca fixado, nunca estabelecido, trama his
sempre em devir, o seu desenv olvime nto é marcad o pela referência (única) que dita este significado, ou seja, o mundo passa a ser
nções constantes;
r sentido pessoal da
tórica da sua temporalidade, através da qual ele tem que elabora o “tal qual é percebido ou vivido por um sujeito”. Há dois erros nesta inter-
sua existência” (Buche r, 1989, p. 30).
Adriano Furtado Holanda Fenomen&o&a e Humanismo 51
50
o, distinguem-se Imaginemos o seguinte. Ao longo da nossa vida acumulamos
pretação: primeiro, ao se colocar desta forma a questã vo. A pro uma série de ideias, valores, conceitos, atitudes, que são
se ênfase ao pólo subjeti
dois póios (sujeito e mundo), dando- . Husseri sa experiência pessoal, da nossa experiência com os
produtos da nos
ia é exatam ente o oposto outros, que são-nos
posta husserliana da Fenomenolog dadas pela culturrj (ou pela sociedade ou pela religião, ou
(1913/1985) é claro ao afirmar que não se nega o mundo
, nem se separa o por nossa famí
ão de Merleau lia), e que “atravess” nossas relações presentes
homem do mundo: mas se re-coloca como afirma a definiç

sentido desse “atravessar” não pode ser identificado com
ou futuras. Aqui, o
. O mundo de
-Ponty o homem em intrínseca relação com esse mundo l do sujeito,

Se fosse compreendido apenas como determinístico, seda “detenninar”
significados a que nos referimos passa pela históri a cultura o lente a
imediato (ou seu dizer que nada mais poderíamos fazer ou realizar, urna vez equiva
passa pela sua vida privada, passa pelo seu contexto mos algo previamente dado. Ser “atravessado” por estas
que já tería
de futuro (seus de
“fluxo de vivências”), passa ainda pelo seu horizonte ca dizer que estas são determj,,a,,tes para o sujeito, masrelaçõe sign
s ifi
ativas) ; enfim, ao invés de se tomar uma
sejos, seus anseios, suas expect sejam determinísticas. “determinatue”, aqui, tem o sentido de
não que estas
a imensidão do
outra teoria determinista, a fenomenologia descortina do, de sentido; significa que acompanjiam e que direciona
enologia não
mundo ao redor desse sujeito da vivência. Portanto, a fenom sam ser considerados, por estabelecerem interações. necess ariamente preci
mas deve ser com
pode ser interpretada apenas pela ótica subjetivista,
na. isto quer dizer que ao nos relacionarmos com o mundo,
preendida como essencialmente intersubjetiva e munda já atri
amos de nos referir diz buímos, já colocamos no mundo, estas ideias, valores,
O segundo esclarecimento a que gostarí des que não estão lá, necessariamente, mas contidas em concei tos e atitu
s buscam interpretar a
respeito a uma expressão corrente entre aquele que es sejam como relação com esse mundo, O “olhar ingênuo” é
nossa experiência
ctivas vigent
fenomenologia como uma via alternativa às perspe semelh ante àquela

ouvirm os dizer (ou atitude de nos colocarmos diante de um bom filme —já
estas filosóficas, científicas ou ideológicas. E comum ”. Se ou seja, significa “torná-lo novo”, e ser possível se
visto “de novo”,

mia sujeito -objeto


lermos) que a fenomenologia “supera a dicoto lógico experiência Voltar às coisasn,es,,ias é permitir um
tomar uma “nova”
raremo s um erro
observarmos atentamente esta expressão, encont novidade, com esse “ainda não sabido ou conhecido”
encontro com essa
faz parte desta
atrelado a ela. Se se supera algo, então este algo não mais de alguma forma) é ver ou perceber o mundo tal qual ele (mesm o que já dado
Como aponta do anterior
realidade. E não é isto que se observa de fato. olhar para
nos aparece.
propõe um outro Fenomenologia pode ser então definida como esta busca por
mente, a perspectiva fenomenológica de fato Mas sua
e seu mundo ). “conhecer” Está-se falando de “experiência” E este é um dos
os mesmos fenômenos (aí inclusos o homem mundo , nem temas cen
perspectiva não é excludente, ou seja, não retira o homem do trais da fenomenologia husserliana Husseri questiona a
sendo, é apropriação e a
separa o mundo do homem, mas recoloca-os em relação . Assim limitação da ciência empírica dos fenômenos subjetivos. E
objeto) para que através do seu
preciso que se mantenham os pólos destacados (sujeito e contato com Brentano que Husseri desperta para as iências dessas
dicotomias no insufic
seja possível reuni-los. A Fenomenologia não “supera”
— ciências. Tomando o exemplo da Psicologia, Husseri
verdad e, de uma questiona a apro
sentido de eliminá-las mas as integra. Trata-s e, na priação que esta faz da metodologia das ciências da natureza,
—‘

um conjun to de sem o dis


outra visão. E esta, de certa forma, é que permit e todo cemimento de que seus objetos são distintos. Esta constatação e esta
e do mundo . ticajá estavam presentes na filosofia de Dilthey quando, em cd
hermenêuticas ou “interpretações” do

—homem 1894 em
de ir suas Ideias concernente5 a lima psicologia descritiva e
Na realidade, o esforço da Fenomenologia reside na tarefa

analítica afirma
este se apre sen que a vida psíquica é um dado imediato, e como tal, —

às coisas mesmas, ou seja, de apreender o mundo tal qual prescinde da explica

i
podem os apre en ÇO, necessitando de compreensão e descrição.
ta para nós enquanto fenômeno. Isto significa dizer que expres são do
der o mundo e as coisas através de um “olhar ingênuo”, na os para o
Com isto, Husserl redefine o campo de investigação da expe
próprio Husserl. O que significa isto? Significa que ao
olharm riência. Seu raciocínio parte da ideia de como estudar os
e não en dados da expe
tal, riência em sua totalidade. Coerente com a perspectiva
mundo, percebemo-lo naquilo que se apresenta enquanto cartesiana Husserl
nós, anterior à considerava que todo fenômeno estaria penetrado de logos de
quanto uma determinada representação que já existe em “sentido”
por nossos concei

mas que este logos somente se expõe no fenômeno. Este
nossa experiência, e que é ditada por nossa reflexão, fenôm eno não

lo. Significa é construído, mas está acessível a todos, assim como o


tos, pelas apreensões da sociedade ou da cultura, por exemp pensam ento racio
respeit o-de”. nal e o logos também, Com isto. Husserl reconhece a
olhar e ver. E não simplesmente olhar e achar algo “a necessidade de se
52 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
53
retomar às fontes originárias do pensamento para tomar a filosofia rigo empírica e genéticoca5 ou seja,
preocupada com a generativida das
rosa. Contudo, não se trata de retomar as opiniões de filósofos do passado atividades conscientes.
como ponto de partida para esta fundamentação, mas se trata de partir da
própria realidade. Dito em outros termos: o logos, o sentido, não está nas [A] Psicologia fenomenolÓg
distingiese da psicologia empírica na
medida em que a úhima é uma ciência
teses previamente formadas a respeito de determinado fenômeno, mas cação dos eventos Psíquicos como teórica preocupada com a expli
está no próprio fenômeno; o que justifica o retorno às coisas-mesmas cologia fenomenológica por outro ocorrências reais do mundo. A Psi
proposto por Husserl. tem como objeto a direção intencional lado, é uma ciência descritiva
que
A partir daí, Husseri elabora seu projeto de construir uma “filo psicologia fenomenológica se distingueda consciência para o mundo. A
tal na medida em que não efetua da fenomenoiogia franscenden
sofia como ciência rigorosa”. Podemos tentar entender isto através da sua completamen te a redução fenomenolõ
gica. Enquanto se coloca entre
proposta de uma psicologia científica, que seja empírica e eidética: “em experiência, continuase a aceitar parênteses a existência dos objetos da
pírica” por se voltar para a experiência, e que pode tomá-la “experimen flexos reais ou atuais no mundo. os acontecimentos psíquicos como re
tal” e “experiencial”; e “eidética”, por se ater âs essências, e que pode A fenomenologia transcenden,
seu turno, coloca todas as
questões da existência fora de jogo e por
tomá-la “ontológica”. ia a experiência como a
experiência possível, a fim de revelar o conside
Husserl, ao longo de toda a sua obra, faz inúmeras referências à essencial não apenas pan a experiência que é
experiência possível. (Drummond,
real e psicológica, mas a toda a
psicologia (Husseri, 1910/1965, 1913/1985), seja através de sua critica à 2007, p. 159)
apropriação metodológica, seja a partir do exame das fronteiras entre Como se percebe, a “psicologia
fenomenologia e psicologia. Em primeiro lugar, ele elabora criticas rela não é o mesmo que uma técnica fenomenológica” husserliana
tivas à psicologia empírica da época e em segundo lugar, elabora um ou que uma “corrente”
portanto como afirmamos psicológica e
anteriormente, não pode ser confundida

projeto de “psicologia fenomenológica” enquanto uma psicologia eidéti


uma “alternativa” pragmática (ou com


ca. A psicologia fenomenológica pode ser entendida como a possibilidade prática, instrumental) para a
clássica, mas é o projeto de uma psicologia
de se fundamentar fenomenologicamente os conceitos da psicologia ou aplicações que os psicólogos fazempsicologia eidética; enquanto que as
como a análise concreta dos significados psicológicos das experiências da fenomenologia à prática
qual for) e à pesquisa constituem (seja ela
subjetivas. “Neste segundo sentido, trata-se de uma ciência empírica de uma psicologia empírica. Esta
ção é importante na medida em coloca
investigação da vida psíquica que se utiliza da fenomenologia como mé que regula um campo, determinando
certos conceitos e noções que
todo” (Struchiner, 2003, p. 145). Trata-se de uma nova disciplina que fundamentais não se contrapõem em
distintos, como é o caso de uma campos
“pretende ser um fundamento metodológico sobre o qual se pode erguer aplicação prática (como no ato de
quisar ou num consultório, p.exj pes
uma psicologia cientificamente rigorosa” (Goto, 2008, p. 13). e o caso de uma construção
gica (quando se reflete sobre o epistem&6
Isto nos abre uma perspectiva fundamental de considerar a Fe processo de construção simbólica na
ciência, p. ex.). cons
nomenologia como solo de fundamentação e constituição de uma Psico Em 1910-1911, Husserl publica
logia, ou o uso da fenomenologia como método para compreender o fe como Ciência de Rigor, onde um texto intitulado
nômeno psíquico. A rigor, poderíamos dizer que uma Psicologia só é traça um panorama da psicologia Filosofia
na época. Trata-se de um texto dominante
possível se for fenomenológica. seminal, pois Husseri parte de um
tionamento com relação ao que ques
O projeto de uma psicologia fenomenológica para Husserl é, considera como o maior equívoco
— —

ciência experimental da época: da


o
a partir de uma critica do logicismo (Depraz, 2007), a de constituir uma mente influenciados ou delfipitadosobjetivismo e o naturalismo marcada
“psicologia descritiva das vivências”. Com isto, Husseri aponta em duas pelo pos itivismo.
Cabe aqui abrir um parêntese
direções: primeiro, não há uma lógica sem um sujeito que a concebe, mas a proposta do positivismo, para entendermos o significado e
ao mesmo tempo segundo ponto esta lógica não é um produto exclu de modo a compreendermos
— —
liana. Para tal, faz-se necessário a crítica husser
sivo deste sujeito (o que equivaleria a reduzir tudo ao sujeito). E para britânico O Empit•isn;o define retomarmos suas bases no empirismo
resolver esta questão que Husserl institui sua “psicologia fenomenológi que todo
indiretamente da experiência sensível conhecimento deriva direta ou —

ca”. Husserl ainda diferencia a psicologia fenomenológica da fenomeno (externa ou interna), ou seja, não

há fonte de conhecimento
logia propriamente dita e da psicologia clássica aqui considerada como que não seja a experiência e a

sensação. Sendo
54 Adriano Furtado Holanda
r
ma experiência sensória ante passando pelos estudos sociais de Adam Smith, David Ricardo e Thornas
assim, as ideias derivam, portanto, de algu Malthus (nomes importantes na construção das modernas teorias econô
s inatas, apenas ideias deriva
rior à sua constituição; ou seja, não há ideia micas), até alcançar a psicologia com o Positivismo evolucjonista
das dos dados da sensibilidade. (tam
bém conhecido por danvinismo social) de Herbert Spencer,
figura de John Locke que terá
A fundação do empirismo se dá a partir da grande importância para o pensamento americano
inar as capacidades, funções e
(1632-1704), que tinha por objetivos, exam gênese, natureza e valor do É neste cenário científico e filosófico que se encontn a crítica
a
limites do intelecto humano, estabelecendo ecimento é a experiência, de Husseri: “o verdadeiro método segue a natureza das
e, fonte de todo conh coisas a investi
conhecimento. Para Lock a gar, mas não segue os nossos preconceitos e modelos”
ais expoentes desta corrente de (Husseri,
sendo a mente uma tabula rasa. Os dem 1910/1965, p. 29). Com isto, Husseri anuncia que a apropriação
empirismo. George Berkeley
pensamento reforçam a tese central do demais ciências
que as
são sensações, não existindo, em especial aquelas que virão, mais tarde, a serem
(1685-1753) defende que todas as ideias

es). Em outras palavras, a exis conhecidas como “ciência do homem” — fazem do método naturalista, ou
portanto, ideias abstratas (que seriam ilusõ seja, das ciências fisicas, não leva em conta a especificidade do seu
coisa ser percebida (existe obje
tência de uma “coisa” consiste no fato desta percebido) ou, nas próprias to e do seu objetivo, ou seja, não se pode considerar que o
é psíquico (p.
apenas aquilo que é percebido e enquanto ex.) seja tomado da mesma maneira que o fisico.
é perc eber e ser percebido”. Já David Hume
palavras de Berkeley: “Ser
s da mente são percepções, No mesmo esteio da crítica de Dilthey, Husserl (1 910/1965,
(1711-1776) aponta que todos os conteúdo es), sejam estas derivadas 33) aponta: p.
essõ
sejam estas originárias (que seriam as impr as”).
impr essõ es, as “idei
(que seriam a memória das Os objetos são o que são, permanente5 na sua identidade: a Natureza é
tivismo, como um
Sobre estes alicerces foi construído o Posi eterna (...). O que o Ser psíquico ‘é’, a experiência não o pode ensinar
rio europeu nos mais diversos
movimento que dominou boa parte do cená no mesmo sentido que se aplica ao físico. Pois o psíquico não é apa
literário), enfatizando os de rência empírica• é vivência (...).
terrenos (filosófico, político, pedagógico e
esentado pela figura de Au
senvolvimentos técnicos e científicos. Repr O psíquico não pode ser tomado como “objeto” da mesma ma
faz a exaltação da ciência como
guste Comte (1798-1857), o positivismo neira que tomamos uma pedra, por exemplo. O que Husser]
s humanos e sociais:
o único caminho para a solução dos problema tar é o fato de que uma apreensão naturalista de fenômenos
procura rejei
como o psí
O positivismo reivindica o primado dapara ciência: o único conhecimento quico, “C..) confundem a descoberta das causas exteriores de um
adquirir conhecimento é o fenô
válido é o científico; o único método iste no encontro de leis causais
meno com a natureza própria deste fenômeno” (Dartigues, 1992,
p. 12).
das ciências naturais; este mélodo cons do deve ser aplicado também Ou, do ponto de vista de Merleau-Ponty confunde o objeto
percebido
e em seu controle sobr e os fatos ; tal méto com o sujeito dessa percepção, colocando este objeto-percej0
. (Reale & Antiscri, 2005, “dentro”
ao estudo da sociedade, isto é, à sociologia do sujeito.
p. 287) A Psicologia desta época está, portanto iniluencia pelo posi
elecer uma doutrina da
A posição comteana é, pois, de estab tivismo e se pauta por pesquisas experimentais, sob condições
controla
fenô men os humanos. Segundo das, com o intuito de medir as relações entre estímulos
ciência universal aplicável a todos os por tarefa construir uma objetivos (am
teria bientais) e respostas subjetivas E sob esta premissa que a
Comte (1826/1988), a filosofia positiva capa z de vencer a crise da Psicologia
,
“fisica social” ou uma sociologia científica científica do século )W( foi construída enquanto uma psicologia flsioló
social. Em resumo: ciência
civilização, a partir de uma reorganização , pesquisa pelas causas dos gica. Neste caminho, a Única psicologia científica seria a psicologia
expe
leis” rimental.
passa a ser definida como a “pesquisa de os à prova, cm busca de com
post
fatos (portanto, partindo de hipóteses, A primeira grande objeção de Husserl reside no fato
isão e controle. Este modelo que ne
provação) cujos objetivos devem ser prev nhuma ciência experimental poderia ser o fundamento de
disciplinas co
ectual da época, sendo base para a
influencia sobremaneira o cenário intel fundamento para o utilitaris
mo a Lógica, p. ex., que lida com princípios puros. O que
faltaria à psico
medicina experimental de Claude Bemard; s MuI e John Stuart Mili, logia experimental, diz Husseri, seria uma disciplina anterior,
originária
Jame
mo inglês — desde Jeremiah Bentham, não mais baseada em “fatos”, mas em “vivências” O
fenômeno psíquico
56 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanjs0
57
não é um fato a ser observado diretamente, mas se caracteriza por ser ceber, de caminhos a percorrer, de trabalhos
a cumprir, de obras a rea
lizar. A luz fala, sobretudo, de um
uma “experiência vivida” ou uma “vivência de uma consciência”. O pro mundo em que ele nasce e cresce,
ama e odeia, vive e morre, a todo
jeto de uma psicologia empírica deve ser, pois, de uma “ciência natural o fisico não poderia empreender
instante. Sem esse mundo originário,
da consciência” e, para tal, deve ser antecedida por uma análise direta da possível nem mesmo existir. E, ao
suas pesquisas, pois não lhe seria
consciência pura tarefa esta da Fenomenologia e com a qual não se atingir-lhe os olhos, a luz não so

mente fala, a luz é tudo isto. (Leão, 1988,
p. 19)
confunde: uma psicologia empírica deve ser precedida por uma psicolo
gia eidética. Dito de outra forma, e recuperando a redefinição de “expe Retomemos o percurso husserliano Seu
projeto de urna feno
riência”, temos que, como assinala Dartigues (1992), o experimentalista menologia como ciência rigorosa toma como
ponto de partida, não mais
(o psicólogo experimental, p. ex.) realiza “experimentação” da realidade, as opiniões dos filósofos, mas a
própria realidade (Dartigues, 1992). Tra
ou seja, ele tem uma “experiência sobre o fenômeno”, enquanto que o ta-se de uma “terceira via”, alternativa:
1) ao discurso especulativo da
fenomenólogo tem uma “experiência do fenômeno”, ao que poderíamos metafísica (lá formalizado e sedimentado)
e, 2)
denominar “experienciação”. Assim, para a primeira ter um sentido, deve positivas (que apontava para um dogmatismo ao raciocínio das ciências
via” seria, diz Husser), a “das cientificista) Essa “terceira
se fundar sobre a segunda, portanto, para Husserl, as ciências empíricas coisas-mesmas»
devem se fundamentar nas ciências eidéticas. Como se percebe, Husseri se coloca a
“ancoragens” (Depraz, 2007): a ancoragem meio-canhinho de duas
Portanto, é possível realizar uma psicologia empírica exala (ou empirista e a ancoragem ra
positiva), como o próprio Husserl assinala: “Se por ‘positivismo’ enten cionalista Dito de outra forma é como se
nhecemos as coisas, e chegássemos à pensássemos sobre como co
demos o esforço, absolutamente livre de pré-julgamentos, para fundar seguinte conclusão: há coisas que
todas as ciências sobre o que é ‘positivo’, ou seja, suscetível de ser toma conhecemos graças a nossa experiência
direta prática, empírica e,
do de maneira originária, somos nós os verdadeiros positivistas” (Husserl, assim, concordamos com o ernpiris,;,o —

(de Locke, Berkeley e J-lume); mas


1913/1985, p. 69). há também coisas de que conhecemos
pelo simples fato de pensarmos
Tudo isto pode se apresentar como aparentemente confuso, mas sobre elas imaginamos, supomos e,

assim, concordamos igualmente


com o raciona/ir,,,0 (de Descartes)

isto se dá somente na aparência. Está-se falando de realidades absoluta


mente cotidianas e, portanto, de experiências que cada um de nós tem no Isto fica mais claro se pensarmos no
“número”. Como nos apro
dia a dia, mas que nem sempre se reconhece nelas. Um bom exemplo é a prianos do número? Comecemos pelo
número um, como o apreendemos?
experiência de “sentir fome”: esta se dá expedencialmente antes mesmo Ao pensarmos na unidade podemos
claramente reconhecer que ela está
que tenhamos a “noção” ou conceito constituído de “fome”, ou seja, pri presente na realidade empírica, ou seja,
“percebemos” a unidade no mun
meiro sentimos algo temos a experiência de algo e depois damos a do: vemos “uma” árvore, sentimos “uma”
maçã, pegamos “uma” pedra.

esta sensação o “nome” de fome. E claro que em muitas ocasiões confun Temos, portanto, assim a avperjê,jcia
empírica do número. Mas, e quando
dimos experiências, como o fato de “deseja?’ algo para comer (situação nos deparamos com a ausência, com o
“zero”, por exemplo? Será que po
típica na propaganda, p. ex.) com a própria sensação fisica de fome, O demos dizer que temos a “experiência”
do zero do mesmo modo que temos
que se tem em comum a todas essas experiências é que estas “se dão”, de a experiência do um, do dois ou do
trinta? Nossa tendência imediata é dizer
certa forma, imediatamente antes de serem “refletidas” ou “pensadas” que sim, que temos a mesma experiência;
mas,
como tal. Ou seja, primeiro temos a experiência, depois nominamo-la. E a “zero” ou o conjunto vazio? Na imagffiaçào onde e como percebemos o
(ou na fantasia, ou no pensa
isto que se quer significar com a expressão “experiência antepredicativa” mento), pois não há vazio no mundo
empírico. Observem que, ao pensar
ou “pré-reflexiva”. Outro exemplo: mos no “vazio”, precisamos “crias”
algo que “ocupa” o lugar do vazio. E
isto se dá na imaginação, na reflexão,
Quando de manhã cedo um fisico sai de casa para ir pesquisar no la no pensamento Mais um exemplo
para verificarnios a realidade dessa
boratório o efeito de Compton e sente brilhar nos olhos os raios de sol, experiência racional: onde localizamos
(ou Percebemos) afração na natureza?
a luz não lhe fala, em primeiro lugar, como fenômeno, de uma mecâ são exemplos de que não temos a
Ou os números irracionais? Esses
nica quântica ondulatória. Fala como um fenômeno de um mundo car experiência empírica de uma boa parte da
regado de sentido para o homem, como integrante de um cosmos, na realidade, mas que esta não deixa de ser
realidade por isto ao contrário, se
acepção grega da palavra, isto é, de um universo cheio de coisas a per revela como uma realidade pensada,
imaginada, ou fantasiada. Eis a anco
E
58 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 59

sa de (Mora, 2001), quando este introduz o termo ousia,


ragem racionalista. Vejamos como Husserl parte da mesma premis por “substância” ou por “essência”. “Enquanto
comumente traduzida
Descartes para chegar a esse outro ponto. subsiantivação do princí
pio presente de cipi (cívut = ser), oi5ryícx designa algo como
Descartes também havia colocado para si a tarefa de repensar a sendo’. Pode-se, pois, concluir que aqui se trata da
‘o que está
o”
filosofia em outras bases. Para tal principiou por organizar um “métod noção de essência”
(Mora, 2001, p. 896). Em outras palavras, etlinologicarnen
a certeza sobre a qual não se
de pensamento. O que Descartes buscava era
enquan to uma “dúvid a me
pudesse duvidar. Partiu, portanto, da dúvida essência significa, como a oúaia, ‘ser’, o que é, o que
imento. verdadeiramente
tódica”, com vistas a alcançar o fundamento inabalável do conhec é, acentijan0 o verbo. Pouco a pouco, no uso da
linguagem, passou a
Todos nós sabemos como termina essa históri a. Partind o da dúvida sobre car
signifi o que é, tendo-se o acento deslocado para o sujeito a
gias, das ideias, Descar tes atribui o ser. (Pires, 1990, p. 256) que se
o caráter de verdade das ciências, das ideolo
duvida r, sob pena de se destrui ra
chega ao ponto em que não pode mais Assim, “essência” passa a ser considerada aquilo que forma
que nos remete ao próprio ato de
si mesmo. Que ponto é este? Aquele ser, em oposição às suas modificações43 temporais o
, ergo su,,i. “Penso , logo sou”, ou
pensar. Chegamos ao famoso cogito seja, passa a ser aquilo que constitui o ser. Outra
ou superficiais, ou
pensan do, logo é o próprio ato
seja, se estou duvidando, é porque estou consideração se dá por
aposição ao conceito de “existência”: enquanto “essência”
ria”,
de pensar que me constitui. Husseri chama a isto de “intuição originá constitiji a natureza de um ser, se opõe ao fato desse ser se
é aquilo que
pois a partir dela se origina uma série de caminh os. “tornar” um
ser, o que se tomará central para o movimento
Husserl reconhece a genialidade de Descartes, mas reconhece 1956). Esta consideração metauisica de “essência”
existencialista (Lalande,

igualmente o seguinte: ao realizar sua tarefa metódica, Descartes ‘limpa refere ao “ser mesmo das coisas” bem como a
— como aquilo que se
chegar
do terreno da consciência, todos os conceitos e noções falsas, para cia”, se toma fundamento central da filosofia
—,
disthçào com “existên
resta
num ponto central. A este ponto chamamos de “resíduo” (aquilo que que “para cada ser distinguimos uma essência e
Escolástica4 na medida em
ato cade
ao final e sobre o qual não mais se pode reduzir). O resíduo do pode ou não comporta?’ (Japiassu & Marcondes, 1990,
uma existência que ela
s, Des
siano é exatamente o cogito ou a subjetividade. Em outras palavra pode perceber, não se trata de um conceito “fácil” de se
p. 87). Como se
Husser l, há
cartes institui o ego-cogito (o “eu que pensa”). Todavia, para apreender.
uma limitação nesta perspectiva. O ego-cogito eartesiano institu i o pri
Na filosofia contemporânea, a essência não define nem
mado da consciência, mas retira esta consciência do mundo . reza do homem. Porque o homem, ao vir a ser, não possui revela a nau
essência,
A questão de Husserl nesse momento é a seguinte: os fenóme apenas uma condição, uma situação: ‘a essência
do ser-aí (Dasein)
se
nos são dotados de um sentido — que ele chama de “essência” —, e onde consiste apenas em sua existência’ (Heidegger); é o
consci ência, já que são como vivên quem produz aquilo que ele é, por sua liberdade, ele éhomem mesmo
situam essas essências? Na própria projeto, isto é,
aquilo que ele é capaz de fazer de si mesmo; nele, a ‘existê
las a
cias de consciência que essas essências se dão. E como não reduzi- de a essência’ (Sartre) (Japiassu & Marcondes, 1990, p. 87)
ncia prece
a percep ção ou a sensaç ão, p. ex.)?
simples fenômenos psíquicos (como
são acessív eis á consci ência, mas não se
Responde Husserl: as essências
que compe tem à psicolo gia. Para resolve r
confundem com os fenômenos
ia precisa ir além da perspe ctiva cartesi ana, Aqui em Oposição a “acidente”, que na filosofia
esse problema, a fenomenolog pertence à nanjrez de algo, ou seja, não existe em si
aristotélica é tudo aquilo que não
ência
sob pena de confundir fenômenos da consciência com a consci coisa. Como a cor ou a forma, que somente existem
mesmo, mas apenas em alguma
ção de determ inado fenôm eno com o como pertencente5 a alguma coisa
mesma, ou seja, confundir a percep que, esta sim, subsiste em si mesma e é a
“substância” (Japiassu & Marcondes, 1990).
próprio fenômeno. Sabemos o quanto isto é falho e proble mático . ‘3
Escolástica é o nome genérico dado à “filosofia das escolas”,
que designa os ensina
Aliás, quando falamos de “essência” invariavelmente caímos na mentos de filosofia e teologia dados nas escolas eclesiásticas
da Idade Média, entre os
r fazer séculos DC e XVII. Na dïção da história da
armadilha das dicotomias, opondo-a à “existência”. Vamos precisa movimento do pensamento medieval sendo o primeiro
filosofia, refere-se ao segundo gmnde
latim, essenti a
outro “parêntese” aqui. A palavra “essência” vem do a Pastica, ou a filosofia dos
— —

“Padres da Igreja”, representados fundamentalmente


Em Platão, as For por Santo Agostinho e Centrava.
derivado de esse —, e remete a várias interpretações. -se na tentativa de conciliação dos dogmas do —

Cristianismo e a filosofia clássica grega.


mas — ou “realidades verdadeiras” — seriam “essências”, embora uma O maior representante desse momento do
pensamento medieva? foi Santo Tomás de
eles
análise da ideia de essência seja melhor desenvolvida em Aristót Aquino.
60 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
61
Como se vê, temos uma clara dificuldade ao falarmos de “es antropólogo, quando busca compreender
uma determinada manifestação
sência”, dada a polissemia do termo. Mas no que nos interessa o que é — eultural buscam “essências”.
essência para a fenomenologia? Ao falar de “essência”, Husseri se remete E para a fenomenologia essas
ao termo latino eidos, que vai derivar em “eidético”. E é sobre isto que se Ou seja, a “essência” de tal essências estão nas significações
alicerça seu “retomo ás coisas-mesmas” zu den Sachei selbst ou a fenômeno se dá em seu sentido, e estes
— —
sentido e significação não estão
nem no sujeito da consciência (o

Wesensschau (ou “intuição das essências”). Husseri fala de wesen, “es


equivalerja a um subjetivismo
radical), nem no objeto formal (que que
sência” e esta é imanente aos fenômenos e podem ser percebidas por valeria a um realismo radical), mas equi
transparência daí seu “retomo” ás coisas-mesmas. Para Husserl çào entre sujeito
nesse entrelaça,nen,o nesta correia

(consciência) e mundo (objetos). Por


(1913/1985, p. 19), “C.) primeiramente, a palavra ‘essência’ designou sências devem ser universais, pois isso que essas es
aquilo que, no ser mais íntimo de um indivíduo, se apresenta como o seu dito de uma forma muito simplificada,
essência seda aquilo que designa
algo
Quid (sem Was)”45. “Essência”, pois, para a Fenomenologia, é um puro poderia ser de outra forma, sob pena como tal, de tal modo que não
possível, ou seja, podem haver tantas essências quanto possamos ter sig de debcar de “ser” o que é para se
tomar “outra coisa”. E imaginemos
nificações (Dartigues, 1992), pois para a fenomenologia não há distinção que não pudéssemos alcançar essas
essências: viveríamos num “mundo”
entre aquilo que é e seu significado afinal, como assinala Merleau

teria significados distintos para de significantes, onde cada qual
-Ponty (1945), a fenomenologia “recoloca as essências na existência”. cada um; assim, não seda possível
vida em comunidade, p.ex., uma
pois para tal é preciso comunjcar,no_,,os
A “essência” para a fenomenologia está diretamente relacionada tomar comum algo. Se não houvesse
uma essência que desse um caráter
aos seus modos de significação. Mas estes modos de significação não de ser para as coisas, não seda
podem ser confundidos com modos “particulares”, tomando-se relativos e
provisórios isto equivaleda à consideração de que “cada um tem sua

verdade” o que impossibilitaria uma ciência. A esta possibilidade, Hus


serl opõe a concepção “eidética” da vivência: “uma vivência não é pró


chamar uma coisa de “pedra”.
E, ao mesmo tempo, esta
possível um entendimento simples

to se dá? Husseri usa o exemplo essência deve ser imutável. E como is


da DC Sinfonia de Beelhoven:
como
‘Ii
pda a um indivíduo apenas, mas deve poder se tomar universal e necessá Segundo Husserl, a DC Sinfonia de
Beethoven não é nem a concepção
da. Husserl não busca, portanto, descrever vivências factuais, mas essên que tinha dela a consciência de Beethoven,
nem sua execução por
cias de vivências, que permanecem singulares e concretas sem, entretan orquestra sinfi3nica, nem a
percepção produzida na consciência uma
dos
auditores, que podem ser sempre
to, serem particulares” (Depraz, 2007, p. 37). Ora, é sobre este solo que como o mesmo em todos os
distintas. Mas é o que permanece
podemos erigir uma “psicologia fenomenológica” na prática, ou seja, na para sempre. Neste sentido, a
casos, o que não muda nunca, o
que dura
busca daquilo que não é “particular”, mas “comum” mesmo a tantas sin essência, composta pela matéria
qualidade do ato, é o conteúdo do ato e pela
gularidades. Afinal, um psicólogo, por exemplo podemos mesmo es

quaisquer que sejam as modificações porque é o que está contido nele,
que sofra este ato. (Malet, 2007,
tender isto para um enfermeiro ou mesmo um médico deve buscar aqui— p. 129)
lo que seria a “essência” de uma experiência psicológica: a “essência” da
esquizofrenia, por exemplo, em cada experiência singular de tantos es Seda interessante nos perguntarnos
mos uma melodia, mesmo quando como e porque reconhece
quizofrênicos; a “essência” do conflito em tantas experiências singulares esta “muda” sua forma seja o tom,
a
velocidade ou mesmo o ritmo. No
de conflito, e assim por diante. E isto que fazemos quando fazemos pes

da por orquestras diferentes, em caso da DC Sinfonia, mesmo que toca


quisa de vivências. De certa forma, é algo similar que um sociólogo faz seu estilo, esta permanecerá a tons diferentes, mesmo que se “mude”
quando busca compreender uma determinada realidade social ou que um “é”: como a DC Sinfonia. Como
mesma e a reconheceremos naquilo que
ela
DC Sinfonia persistida mesmo se aponta Dartigues (1992), “a essência da
as
sem a desaparecer para sempre. Ela partituras orquestras e ouvintes vies

Termo oriundo do latim (quiddüas), como Comia abstrata do interrogativo quid. Oriun como um fato, mas como uma pura persistida, não como uma realidade,
do da Escolástica, significa “aquilo que urna coisa é”. A quididade responde à qucstão: forma, a DC Sinfonia, tocada por possibilidade” (p. 15). Dito de outra
o que é? e inclui o conjunto de predicados que significam a coisa, ou seja, nido o que uma Sinfónica por um violino, num
se predica a uma coisa, pertence à sua quididade. Com isto, a quididade equivale a “es acordeão ou em ritmo de forró,
no, ou a DC Sinfonia no acordeão permanece sendo a DC Sinfonia no violi
sência” ou “substância” (Japiassu & Marcondes, 1990; Pires, 1990; Abbagnano, 1992). ou a DC Sinfonia como forró.
62 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Hummijsmo
63
A primeira tarefa da Fenomenologia é, pois, a elucidação do más de Aquino, no primeiro tomo da
Summa
“puro reino das essências”, segundo os diversos domínios: natureza, espí casa tem seu ser tanto na mente do arquiteto, Teologica, coloca que a
que a casa material seja considerada mais quanto na matéria, mesmo
rito, consciência. E através da experiência sensível que se alcança a intui “verdadeira” do que a casa que
ção da essência, uma ideia que não é nova, já sendo encontrada em Pia- existe na mente (sendo a primeira, uma
casa em ato, e a segunda uma
tão, que chamava eidos à intuição condicionada à visão do sensível (Dar casa em potência)
tigues, 1992). E onde residem estas “essências”? A noção de “intencionali&de» todavia,
toma forma em fins do
século XIll e início do século XIV, quando
Muito simplesmente na consciência, já que é como vivências de cons se deixou de ver no ato cog
noscitivo uma similar-idade, uma cópia ou
ciência que elas se dão a nós. Mas então surge uma nova dificuldade: assim o conceito de “espécie” como
imagem da coisa, substituindo
se elas estão na consciência, nós vamos reduzi-las a simples fenôme intermedia do conhecimento
nos psíquicos, tributários por sua vez da psicologia e recairemos nesse (Abbagnano 1986). Durando de Saint
Pourçain afirma que o próprio
psicologismo que Husseri tão vigorosamente refttou. Cumpre, pois, objeto está presente ao entendimento Pe&o
que elas sejam acessíveis somente na consciência, mas que elas não se pécie fora o objeto do conhecimento então Auriol assinala que se a es
o conhecimento consistiria na
conflmdam jamais com os fenômenos de consciência que competem à imagem e não à realidade. Ainda, para
Guilherme de Ockham o ato eog
psicologia. E aqui que Husserl vai recorrer á noção fundamental de in noscitivo é uma intentio, no sentido que
tencionalidade da qual já se servia Brentano, que a tomara ele próprio se refere diretamente à coisa
significada (Abbagnano 1996). “A
à filosofia medieval. (Dartigues, 1992, pp. 17-18) intencjonalide como referência ao
objeto, ficou reduzida assim, pela escolástica
signo ao seu designado e, durante muito medieval, à referência do
A solução desse problema, Husseri encontra, pois, em Brentano, tempo, deixou de ser utilizada
mais especificamente no conceito de intencionalidade. A consciência como noção autônoma” (Abbagnano
1986, p. 694). Foi no século XDC
que Brentano retomou essa noção para
cartesiana o ego-cogito de Descartes é solipsista, ou seja, fecha-se

usá-la como característica dos


sobre si mesma. A noção de intencionalidade muda este panorama: a fenômenos psíquicos. Diz Brentano•
consciência só é consciência quando se dirige para alguma coisa. Cons O que caracteriza todo fenómeno
ciência é sempre movimento, é sempre “consciência-de-alguma-coisa”. Idade Média chamaram de presença
psíquico é o que os Escolncos da
intencional (ou mental) e o que
Voltemos rapidamente a Brentano que, como filósofo aristotéli poderíamos denominar utilizando expressões
co e estudioso da Escolástica Medieval, se depara com a noção de inten equívoco verba) relação a um conteúdo, direçãoque não excluem um

que se

para um objeto (sem


tio ou de “direção da consciência”. Abbagnano (1986) define a inten

entenda por isso uma realidade) ou
objetividade imanente. To
do fenômeno psíquico contém em si
cionalidade como a referência do ato humano a um objeto diferente de si. mas qualquer coisa a título de objeto,
cada um o contém de sua maneira. Na
Sanama e Kampinnen (1987) assinalam que intentio, de intendere, origi coisa que representada; no julgamento, representação, é qualquer
nalmente remetia a um verbo relacionado à arte do arco referindo-se, da ou rejeitada; no amor, qualquer coisa qualquer coisa que é admiti
dentre outras coisas, à atividade de dobrar o arco e direcioná-lo ao alvo, que é amada; no ódio, qual
quer coisa que é odiada; no desejo, qualquer
tendo portanto o sentido de direcionamento como etimologia. Seu uso
— assim por diante. Esta presença intencional coisa que é desejada, e
pertence exclusivamente

filosófico remonta a Aristóteles, como a forma sem matéria que existe na aos fenômenos psíquicos. Nenhum
fenômeno fisico apresenta algo
mente do ser pensante: na percepção, a mente recebe a forma do objeto semelhante Podemos, pois, definir os fenômenos
Psíquicos dizendo
que são fenômenos que contém
percebido sem a sua matéria ou seja, segundo Aristóteles, quando vejo intencionalmente um objeto neles.
(Brentano, citado por La11tériLaura, 1963, 58)
uma árvore no jardim, recebo a “forma” da árvore, mas não sua substân p.
cia de madeira. Há assim, similaridade de forma entre a árvore do jardim Percebamos que Brentano usa o termo
e sua imagem mental, mas não há similaridades em suas matérias. Decor não deve ser confundida com “intenção” “intencionalj&ide» que
(no sentido de tendência na di
re daí que a árvore existe de duas maneiras, na mente: intencionalmente, reção de um objetivo). Para Brentano
a intenciona1ide como caracte
como simples forma na mente; e realmente, como combinação de forma e rística fundamentai dos atos psíquicos
designa o conhecimento como “um
de matéria, no mundo exterior. concreto e total estar referido a alguma
coisa exterior” ou, cqmo um “re
Esta distinção de existências persiste na Escolástica medieval, portar-se incessantemente ao mundo” (Maciel,
2003, p. 31). E nesta dire
que veem a existência real e intencional como de diferentes valores. To ção que a Fenomenologia define a
consciência como ato e é a intenciona
Adriano Furlado Holanda Fenomenologia e Humanismo 65
64
Graças à intencionalidade, o mundo deixa de ser simples mundo
lidade que dá a estrutura fundamental da consciência, fazendo com que de “coisas” e passa a ser a morada dos “fenômenos”, como “essências”
esta cesse de ser uma interioridade fechada em si-mesma, para ser aberta que não têm existência fora do ato da consciência. A essência é sempre o
mais do
ao mundo visado. “A palavra intencionalidade não significa nada termo de uma visada de significação, ou seja, “essência” para a fenome
ser
que esta particularidade fundamental e geral que tem a consciência de nologia é o sentido do fenômeno.
a coisa, de portar, em sua qualid ade de cogito , seu
consciência de algum
cogitatiun nela mesma”, diz Husseri (1931/1980, p. 28). Isso significa que as essências não têm existência alguma fora do ato
Para nós, importa um pequeno detalhe, que nos parece impor de consciência que as visa e do modo sob o qual ela os apreende na in
tante pontuar e que talvez sirva para clarificar o conceito, que é o seguin tuição. Eis por que a fenomenologia, em vez de ser contemplação de
um universo estático de essências eternas, vai se tornar a análise do
eta
te: a expressão “consciência de alguma coisa” (sem o hífen) é compl dinamismo do espírito que dá aos objetos do mundo seu sentido. (Dar
iência- de-algu ma-coi sa”
mente diferente da mesma expressão “consc tigues, 1992, p. 18)
são
(com o hífen). O hífen liga e impossibilita a compreensão da expres
onalid ade: liga a consci ência ao
sem esta ligação. E isto que faz a intenci Para a fenomenologia, pois, não importa o objeto em si ou a
mundo, e o mundo à consciência. Remet a e consci ência a algum a coisa consciência em si. Nem o objeto, nem a consciência “existem” por si. A
. Ao
fora dela, e não permite que a consciência se feche sobre si mesma análise intencional nos “obriga” a conceber uma relação entre consciência
enquan to fenôm eno diante desta
mesmo tempo, coloca o mundo —

e objeto. Isto significa dizer que “consciência” e “objeto” não são entida
consciência. Assim, consciência e mundo se constituem mutuamente, des separadas, mas se definem respectivamente, no que Husserl chamou
ato.
para a fenomenologia. A consciência fenomenológica é, portanto, de “correlação” (percebam que estamos falando de conelaçao, corres
Para a fenomenologia a partir da intencionalidade da consciên
— pondência, e não de ideizt(ficaçjo) Fora dessa correlação não há, para a
cia o ego-cogito cartesiano se toma um ego-cogito-cogitatwn. Toda fenomenologia, nem consciência, nem objeto. Uma questão que se põe
consciência é arremessada em direção a algo, necessariamente. Não há

aqui pode ser: “quer dizer que a consciência não existe?”. Não se trata
s,
mais como pensar a consciência destacada das coisas. Em outras palavra disto. O que é a consciência enquanto função orgânica, p. ex., é da seara
a consciência é sempre “consciência-de”: não há mais como consid erar a da ciência natural e não da fenomenologia Dito de outra forma, a cons
consciência do vazio, por exemplo. Vejamos as consequências disto: qual ciência como função orgânica é “problema” da biologia ou das neuro
to.
quer ato como o “pensar”, p.ex. remete igualmente a algum correla

— ciências. Não nos interessa a consciência “em si”, mas a consciência en
nso-
Ou seja, não mais simplesmente tenho o “eu penso”; mas o “eu-pe quanto correlação com o mundo.
algo-pensado”. E isto vale para qualquer outro ato da consciência. Temos o A intencionalidade não finaliza no objeto, ela é dinâmica, não
e as
querer e o objeto-querido, o ver e o objeto-visto, o sentir e o sentido, pára no objeto (Christoff, 1966). Ela, pois, ao mesmo tempo, apresenta o
sim por diante. E isto igualmente é fácil de ser assimilado. mundo e presenqflca o sujeito diante deste mundo. E nesta dupla relação
Vejamos este exemplo: uma criança chega para sua mãe e diz: que se dá o solo da análise intencional. O campo de análise da Fenome
“Mãe, eu vi...”. Imediatamente surge para esta, mãe, uma pergunta corre nologia será então o da elucidação da essência dessa correlação entre
lativa à afirmação da criança: “Viu o que?”. E praticamente natural que consciência e objeto, já que é no campo da consciência que o mundo se
Assim,
façamos tal pergunta, pois a afirmação carece de complemento. estende. A análise intencional husserliana irá, portanto, recobrir toda a
não mais há o objeto destacado da consci ência. O objeto é sempre “obje esfera dinâmica do “espírito” (o nous), e compor-se_á da análise da nóese
to-para”, dado que o ato remete a um correla to, ou seja, não há mais sim (a atividade da consciência) e do ,,óenga (o objeto constituído por essa
ato dirigid o a um objeto. Em outras atividade).
plesmente um ato em si, mas um
palavras: se a consciência é consciência-de-alguma-coisa, então um obje Outro ponto importante a ser relembrado: a correlação sujeito-
to, é
to só tem sentido de objeto quando relativo a uma consciência, portan objeto só se dá naquilo que Husser! chama de “vivência” ou Erlebnis.
(para um sujeito da consci ência). Seda
um objeto-para-uma-consciência Para se estudar esta correlação, é preciso realizar uma operação de cons
-objeto
aqui que poderíamos falar da tal “superação” da dicotomia sujeito ciência, chamada de “conversão”. Trata-se de “suspender” a crença na
e que, curiosa mente, precisa dos dois
à qual nos referimos anteriormente realidade do mundo externo para se colocar como consciência transcen
pólos para se tomar uma equaçã o viável.
66 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
67
dental, ou seja, que transcende a mera realidade empirica e que se coloca ideias, valores, conceitos e julgamentos
(que estão em mim, antes mesmo
noutra posição. Esta é, segundo Husseri, a condição de “aparição” do de me encontrar com esse mundo).
A isto Husseri dá o nome de redução
mundo como fenômeno. E a esse desdobramento que se chama atitude fenomenológica e é o que permite colocar
em evidência o ser-no-nisipido
fenomenológica, que toma a consciência doadora de sentido e não mais a produto desta intencionalidade.
coloca como parte do mundo. Trata-se de uma atitude de
Podemos nos referir a isto da seguinte maneira: a atitude feno lecidas em prol de um contato direto abstração das ideias pré-estabe
com o observado e com o vivido.
menológica é uma disposição melhor entendida como uma dis-posição

Desta maneira, sem elementos
perturbadores, a apreensão do mundo sur
— do sujeito da consciência, como uma mudança de posição. Trata-se de ge mais clara e límpida. Segundo
Husserl, é preciso realizar a epochá
um deslocamento de uma posição para outra, de um desalojamento, ou fenomenológica, ou seja, pôr o mundo
entre
seja, da posição natural para a fenomenológica, que possibilita a “descober qualquer juízo da realidade. Não afirmar parênteses, suspender todo e
ta” do mundo. “Descobrir” é um verbo interessante neste momento, pois antes se deixar abandonar á compreensão ou mesmo negar algo46, mas
desta realidade, que assim esta
aqui não se trata de outra coisa que não seja realizar o des-encobrinzento do ríamos voltando ás coisas mesmas.
mundo, que estava “coberto” pelas vias das ideias, da cultura, das ideolo
gias, do ‘já-sabido”, na direção de uma outra experiência. Quando procedo assim, (...), eu não nego
este “mundo”, como se
A consciência deixa de ser “parte” do mundo para se tomar o
um sofista; eu não coloco sua existência em dúvida, como se fosse
um céptico; mas eu opero a epoche fosse
lugar do desdobramento do mundo no campo da intencionalidade. E o “fenomenológica” que me impede
de todo julgamento sobre a existência
espúcio-tempoJ Em con
mundo deixa de ser considerado como “coisa”, destacado da consciência. sequência, todas as ciências que se reportam
eu as ponho fora de circuito, não faço a este mundo natural

/
O mundo como “coisa”, como rês, é uma das consequências do pensa —

absolutamente nenhum

mento cartesiano. O “eu penso” de Descartes faz do “eu” do cogito, tam uso de sua validade; não faço minhas
nenhuma das suas
fossem mesmo de uma evidência perfeita; proposiçóes
bém uma substância (a “alma”) e, por conseguinte, uma rês. A intencio não acolho nenhuma, ne
nhuma me dá fundamentos (Husserl,
nalidade diferentemente da dúvida cartesiana reconecta o “eu penso”

nossos) 1985/1985 pp. 102-103, grifos


e seu objeto.
A consciência, aqui, deixa de ser receptiva para ser ativa. E o A redução fenomenológica evidencia
a colocação do ser-no-
objeto (como o mundo), deixa de ser uma coisa separada, para se tomar mundo, o Posicionamento do ser em
sujeito não é puro sujeito, nem o situação, em ffinção da qual este
sentido-para-mim. A fenomenologia, pois, não interessa nem o “objeto” mundo puro objeto. Ambos se coffela
(coisa, rès), nem a “consciência” (como atividade psicológica), mas inte cionam, permanecendo um em função
Paci, a tarefa da epochá é do outro. Nas palavras de Enzo
ressa essa conexão entre uma consciência ativa e um mundo de significa
dos. Isto é por demais importante para a psicologia, pois esta lida exata
mente com a problemática da dualidade psicofisica, ou seja, corpo e o desocultamento O mundo está
constitui problema, O problema sempre lá. A sua existência não
“mente”. Outra consequência de tal atitude é a impossibilidade de consi qual o significado, qual é o fim
que a epochá quer resolver é
outro:
derar a consciência como uma “coisa” dentro de um “sujeito”, como se do mundo, antes de tudo e originaria.
mente para mim e depois para

/
todos os sujeitos?
“localizada”. Metaforicamente, a consciência não habita o homem, mas o Antiseri, 1991, p. 564) (citado por Reale &
homem habita a consciência (ou, melhor dizendo, ele é consciência). Da
mesma forma, uma sensação não “está” no corpo, ela é o corpo e o corpo
é a sensação.
A análise fenomenológica nos coloca, pois, diante do mundo 46
Nusserl parte do ego solipsistu (um
eu-pensante, fechado em sua racionalidade, em
que precede a reflexão, nos coloca diante de uma realidade que não é consciência individual definidora, um
ego-cogito) de Descartes pan determinar
sua
aquela dada a priori por minhas ideias, conceitos, valores, etc. A atitude nova relação do ego enquanto um ogjr0j10, uma
ego-cogito-c que designa que, através da
consciência intencional, se estabelece
fenomenológica requer uma outra operação: para se ter o mundo como Desta feita, a relação sujeito-objeto
uma ligação intrínseca entre o sujeito
e o objeto.
fenômeno, devo me abster desses a priori que me acompanham, devo me se
mentos. Isto permile, pan a Psicologia, define em si própria, e não mais em seus ele
colocar diante do mundo numa atitude ingênua, devo “suspender” minhas va de um devjr heraçljtieo uma retomada do ser humano numa perspecti
68 Adriano Furtado Holanda
enologiaeHumanism

Redução é uma busca do significado, uma procura pelo subjacen (técnico) e, assim, ser operacionaljdos
por esta ou aquela teoria. Em
te, em detrimento do simples aparente. A consequência da epoché é a intui outras palavras por serem
ferramentas lógico-fi1osfi5 não
associadas a atos instrumentais, como podem ser
ção das essências (Wesensschau). Afinal, Fenomenologia não é apenas uma atitude clínica, por exemplo.
descrição do fenômeno, do aparente. Isto seda realizar um simples feno Como assinala Morujão (1984):
menismo. Mas antes, fazer fenomenologia é realmente se embrenhar por Os termos epoché e redução
dentro da realidade, para desvendar o que está por detrás desta realidade. aparecem, contudo, quase sempre indife
rentemente para designar o mesmo conceito
Esta noção igualmente merece uma ressalva. Husserl principia dois conceitos distintos, embora (...). Em rigor, porém, são
relacionados. Graças à prática da
suas elaborações sobre a “redução” em 1907, no texto A Ideia da Feno epoché é que se consegl.Je a redução.
inenologia; mas em 1913, nas Ideias 1 já elabora diversas reduções. A to muito feliz ao afirmar “Epoché Fragata (...) dá um esclarecimen
te ao termo a quo; ‘redução’, refere-se, portanto mais diretamen..
redução é uma ferramenta lógico-filosófica e a transposição da filosofia cer a ‘epoché’ é simultaneamente
ao termo ad quem. Como, porém,
exer
para outras ciências é relativamente complexa (Castro & Gomes, 2011). gados indiferentemente pelo próprio
‘reduzir’ os dois termos são empre
E importante, então, fazermos algumas distinções. E muito comum en Husserl”. (p. 76)
contrarmos a ideia de redução como sinônima de epoché, só que isto não Para MedeauPontj,, a gia fenomenológica é a
é inteiramente verdadeiro. das essências ou do sentido, e Psicolo pesquisa
que quando levada aos seus limites,
cologia eidérica se torna a psi
Já em 1913, o conceito da redução fenomenológica foi introduzido analíti coexistencial Uma psicologia
deve situar o sujeito enquanto presença eidética
como elemento central do método fcnomenológico. A rcdução é, em de se acessar o fenômeno tal qual no mundo . A reduçã o é a maneira
termos gerais, definida no texto como a exclusão do transcendente à ele é.
consciência em geral. Ou seja, a exclusão de uma existência a admitir
por uma vigência a qual não se tem como percebedor o acesso eviden A redução não é uma abstração
te. De acordo com Fouche (1984) o conceito carrega ai dois passos ló mas uma mudança de atitude relativamente ao mundo e ao sujeito,
fenômeno, ou como constituintes (...) que nos permite visualizájos como
gicos: um negativo, a époche, que é a suspensão de pressuposições de uma totalidade, no seio da qual
sobre um fenômeno intencionado; e um passo positivo, o exame des mundo e o sujeito revelam_se, o
reciprocamen te como significaçõ5
critivo do fenômeno em busca das essências constitutivas de sua apa (Forghieri, 1993, 15)
p.
rência. Deve-se ressaltar, entretanto, que a compreensão dessa defini
ção ampara-se no projeto metodológico de Husserl, onde se destacam, Em resumo: está-se falando de
não se refere ao trabalho do uma operação lógica; portanto,
os níveis processuais para a efetivação da redução. Afora o cará psicólogo dfretamente Dito de outra
ter processual, o conceito é ainda definido de forma heterogãnea ao não se deve sair por aí dizendo
que se faz “epoché” aqui ou ali,
forma,
longo da obra do filósofo. E, portanto, dificil argumentar cm defesa de não se aplica. Epoché é a suspensão
na crença da existência da
pois isto
uma forma estrita de redução. (Castro & Comes, 2011, p. 235) colocando esta crença e esta realidade realidade,
cuito” (como aponta Husserl, 1913/1985)— entre parê ntese ou “fora de cir

No texto de 1913, Husseri descreve uma sucessão de reduções mundo. Porque pratico a epoché Epoché é a suspensão da tese do
progressivas, o que nos leva então a falar de diversas “reduções”. A redu POSSO “reduzir” o mundo ao
transcendental47 e revelá-lo como correjato fenómeno
ção “primordial” equivale a uma mudança de atitude: da natural para a imediato da consciência
fenomenológica, que “G) se desdobrará em reduções secundádas (...), a ‘
Aqui mais um conceito complicado
saber: redução fenomenológica psicológica, redução eidética, e redução dental Possuem siíflcações
e que dem cuidado:
tucendente e scen
fenomenológica transcendental” (Castro & Gomes, 2011, p. 235). Temos especificas para a fenomenoiogia
ponde às coisas como existentes fora Trwlsce,,de,,te corres
uma “redução fenomenológica psicológica” onde se pretende suspender o
da consciência. e
como reduzidas (correlativas) à !ranscende;jfa/ refere se às coisas
consciência (Momjão 1984). Mas não
valor já dado pela consciência ao mundo, mas não se nega o sujeito empi mos autores e comentadores que
se referem ao
é raro encontran
tal» como aquilo que está fo
rico. Temos a “redução eidética” que é a redução às essências, constituin ra consciéncia — ou no mundo em clara “transcenden
sendo o “nscendente” ou seja,

associação ao que se dee ima como
tes de sua evidência, e a “redução transcendental” onde se suspende o em oposição a “imente”
sujeito), de modo que é imprescindível (relativo à consaiéncja do
próprio sujeito empírico (Castro & Gomes. 2011). Assim, é importante preciso que os termos “transcendente»
que se faça a leirwa do termo
ada E
e “frasscendenmj» sejam udos contexmaçiz
destacar que as reduções são atos permanentes, e não temporários; por texto no qual estão colocados,
pois suas compreensões podem
em relação ao con
tanto, não são e não podem ser reduzidos ao meramente instrumental exemplo, eslabelecerse uma
Oposição entre o “Iranscendental» e o
diferir E comum, por
‘empírico’, sendo o

4
70 Adriano Furtado Holanda Fcaomenoloa e Humanismo
71
Como se percebe, nada disto é “prático” para uma ação direta mujido e, ao mesmo tempo,

racionalista, ou como um “neocartesjanis


de um profissional, mas é, antes, uma condição para a compreensão desta mo” ou um “cartesiwijsmo do século
XX” (Husserl, 1929/1992). E mesmo
ação, pois esta ação se dá numa correlação com o mundo. Trata-se, por um cartesiapismo em ética, pois
diretamente relacionado ao mundo. E
tanto, muito mais de uma operação lógica, no terreno do conhecimento e ta dütção que a Fenomenoiogia nes
alia Realismo e Idealismo, sem que
da análise, e não de uma prática operacional. es
contraposiçõ sejam excludentes, graças as
à posição da consciência.
A consciência é consciência ativa cabe a ela dar sentido às coi Consciência, para a fenomenoiogia é um
fluir permanente um
sas, ou seja, é a consciência que atribui significados no mundo. Perceba- contínuo indefinido de durações. A
consciência é vivida numa temporali
se aqui que não estamos discutindo o caráter da existência das coisas dade imanente, e a vivência é
unificada num fluxo temporal, se dando
(como colocado anteriormente por Husserl), mas tão somente o sentido num presente que vem de um passado
no caso da fenomenologia, a em direção a um futuro, O tempo
que estas coisas assumem para o eu subjetivo pensante. Esta talvez seja a reniporalidade desempenha uma função

característica prática mais fundamental da fenomenologia husserliana. Ao crucial para a compreensão da —

consciência, por ser o elemento unificador


mesmo tempo em que a consciência é ativa, ela não ocorre no vazio por das estruturas vivenciais, e será tema
a ser examinado mais adiante.
tanto, é consciência intencional. Além disso, só é consciência quanto
voltada-para-um-objeto; e este somente tem sentido de objeto, quando é 4 CORPOREIDADE, TEMPORAJJIDAJ)E

I
objeto-para-uma-consciência.
STÓR. E VIDA
O projeto de Husseri para a filosofia consiste, pois, em:
(...) ffindar e fundamentar

pela análise intencional, as significa
—,
Noli foras ire, in te redi,
ções vividas das pessoas, bem como os conceitos constituídos. Para in interjorc homjne habitat ventas38
realizar este projeto, a razão especulativa deveria seguir dois cami
nhos, complementares: por urna análise regressiva, voltar-se para si Santo Agostinho
mesma para refazer a génese de suas intencionalidades, a partir de sua Evidente que a complexidade da
arqueologia pré-teórica e pré-objetiva; por uma redução constitutiva, apenas nas ideias referenciadas acima. Fenornenologia não se esgota
ascender ao mundo da consciência pura e das suas unidades transcen Há muito mais a ser analisado. Po
rém, como nossa intenção é tão
dentais. Porém, os dois caminhos o objetivo é o mesmo: apreender, teremos que fazer escolhas e
somente hxljcar caniipJos preliminare5,
possuir e expticar intelectualmente os sentidos que o mundo nos ofe eventuainente não destacar adequadame
rece. (Bucher, 1983, p. 34) este ou aquele conceito. Dado que
nossa direção é o solo desenvolvido
Psicologia, tentaremos desenvolver pela
mais algumas ideias da Fenomenologia
Ainda com relação à redução fenomenológica, podemos obser dirigidas a esta ciência, cientes da
limitação dessa proposta.
var que, além da dificuldade natural de mantermo-nos numa postura dis Por exemplo: uma noção central e
tanciada de nossos valores, há ainda a possibilidade de um outro erro, a der a Fenomenojogia é a de temporal fundamental pan se compreen
total abstenção de participação, ou seja, o distanciamento indiscriminado de forma contundente por diversos idade ainda mais por ser referenciada
da relação com o mundo e a realidade. Ou seja, redução não significa psiquiatras que se orientam pela feno
menologia, como Minjcowslrj e Binswanger
abstenção de relação ou anulação de valores ou ideias, mas tão somente tema requereria um estudo aprofundado Todavia, a complexidade do
suspensão temporária destes valores ou ideias no intuito de aproximar o específico sobre a questão.
Só para se ter uma ideia da
sujeito pensante da efetiva realidade do objeto, e não da concepção su e
Husserl marca o caráter temporal da complexidad desse tema, o próprio
posta deste. Esta é a real tarefa da fenomenologia. A redução se revela, Lições para tinia Fenomenologia da experiência. Diz Husserl em suas —

pois, como a abertura da consciência para a emergência do fenômeno. so proferjdo entre 1906 e 1907 Conscié,,cia Interna do Tempo, cur
Assim, podemos perceber que a Fenomenologia husserliana se que a temporalidade é “o mais dificil
dos problem fenomenológicos»

caracteriza por ser empirista naquilo que nos remete à experiência do (Flusseri 1928/1994), sendo a forma

mais “fundamental» de consciência.


Em outras palavras, a análise da
primeiro referente ao externo (às coisas do mundo) e o segundo à experiência em si, do “\
sujeito. Como se vê, temos que ter cuidado ao executar as leituras. saias, volta para dentro de ti; a
verdade mora no interior do homem”.
72 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
73
consciência do tempo deve preceder a análise de todas as formas de cons Por ora, importa-nos apenas conhecer
o “problema” pois sua
ciência. Seguramente foi graças a esta advertência que psiquiatras como análise demanda mais “tempo” e “espaço” —

atos da consciência tem lugar no tempo (sem trocadilhos) e que os


Minicowski deram tanto relevo à questão em seu trabalho clínico. Dentre interno da consciência, num fluxo

os diversos sentidos que a palavra “consciência” adquire para Husseri, o como unidade de ato, O que significa isto?
xões, experiências se dão neste Que nossas percepções, refle
primeiro deles exposto nas suas Investigações Lógicas, já em 1900/

fluxo, no qual passado, presente e futuro


1901 é o que a define como “o tecido dos vividos psíquicos na unidade estão de certo modo “presentijjca”


ou, nas palavras do próprio Hus
do fluxo dos vividos”. Como reitera Sokolowski (2007): “C•) é no domí serl, unificadas no “presente vivo” sem,
contudo, ficar aprisionadas de um
nio da temporalidade que a fenomenologia aborda o que seda chamado momento como um “agora”. “Não estamos
de primeiros princípios das coisas que ela examina” (p.14l). condenados a vaguear na ausência, Graças aprisionados na presença nem
à
Por ser de tamanha complexidade não analisaremos esse tema vidas são complexas tapeçarias de presença consciência do tempo, nossas
dade, identidade e diferença” (Brough & e ausência, unidade e diversi
aqui, em profundidade. De qualquer modo, é importante que remetamos o Blattner, 2012, p. 128).
leitor a dois textos cruciais para quem quiser entender melhor a questão A estrutura do “presente vivo”
da temporalidade e que compõem o campo de estudo necessário para o sente como extensão dinâmica, como um husserliano aponta para um pre
sões intrínsecas que Husseri dá o nome presente alargado a suas dimen

tema: o primeiro deles são as Confissões de Santo Agostinho, e o segundo de


imediata do porvir) e retenção (ou a recente protensão (ou a antecipação

é ajá citada Liçõ es pai-a uma Fenomenologia da C’onsciência Interna do


Tempo, do próprio Husserl. Uma boa introdução ao tema pode ser ainda passado) que permile incluir o que acaba lembrança do imediatamente

de acontecer e o que está a


encontrada em Sokolowski (2007). Vale, todavia, algumas notas pouco ponto de acontecer, O presente vivo, pois,
não
que inclui (ao lado da impressão originária), é um ponto, mas um fluir,
pretensiosas, mas necessárias, sobre o tema. as fases dinâmicas da rema
nescência do passado e do pressentimento
O tema da temporalidade ocupa espaço significativo na obra do futuro.
husserliana. A rigor, não se pode mesmo compreender a subjetividade O exemplo que Husserl usa é o da
de sons (Husserl, 1905/1994). Ao melodia e seu encadeamento
sem a apreensão da questão do tempo. Uma das questões mais complexas ouvirmos uma melodia, escuto uma
nota e esta se dissipa, mas retenho o som
diz respeito ao fato que, de tão importante, a temática ficou boa parte do que
tempo desconhecida do grande público, pois foi desenvolvida em aulas e momento da retenção do som que me é dado, acaba de se dissipar, e nesse
afunda e se retém. E esse encadeamento percebo um novo som, que
esboços desde os anos 1906-07 até sua publicação em 1928, sob direção

cria sua continuidade e seu conjunto.


que cria o fluxo da melodia e que
de Heidegger sendo o mais importante dos problemas fenomenológicos.

como fluxo e como unidade, o que


Isso constitui o próprio presente
A análise do tempo, para Husserl, se dá na forma como ela é vi permite identidade à experiência (So
kolowsjcj 2007). Á melodia é parciaimente
vida pelo sujeito da consciência. E, pois, a análise da consciência do tem da e parcia1mene flitura, presente, parcialmente passa
po que permite a compreensão do sujeito no mundo. Nas palavras do
próprio Husserl: “A análise da consciência do tempo é uma antiquíssima
É a partir dessa experiência temporal
tividade”49, e que anteriormente delimitamos que se estrutura a “subje
cruz da psicologia descritiva e da teoria do conhecimento” (Husserl, pelo conceito de subjetiva
1905/1994, p. 37).
Uma questão que se destaca daqui, e
Porque tal importância? Pelo fato de ser a consciência do tempo do “sujeito transcendental” Do que se
que sempre é de problemática compreensão
é a
(rata quando se fala do “sujeito ü-anscenden(al”?
uma forma excepcional e complexa de intencionalidade. E, ainda, pelo Trata-se, na linguagem fenomenológica,
do “eu puro” e “puro” aqui, quer
fato de que não poderíamos pensar em um “sujeito” fora do tempo. Afi aquilo que nãu pode ser ti-atado em —

lermos de dados empíricos. Assim, é o eu


significar
rio doador de sentidos (Tourinho, originá
nal, nós nos percebemos como seres que expedenciam objetos temporais, 2009). Como assinala Depmz (2007),
em princípios
do sécXX, Husseri reconhece a dispersão
constantemente mutáveis, de passado, presente e futuro (Brough & Descartes, a sua empreito ainda
de saberes e “G..) empreende, no rastro
de
Blattner, 2012). Essas três categorias passado, presente e futuro são mais radical de reifindar as ciências. Ele
— —

uma cientificidade que repousa inventa


paradoxo absoluto para Aristóteles pan
modos de aparecer; dinâmicos e contínuos (caso não fosse assim, não quem só há

ciência do geral sobre a subjetividade


dade absoluta situada em sua intuição de um sujeito singular e detentor de uma ver

teríamos a experiência do tempo, ou seja, se os objetos do mundo nos


da a fenomenologia sob a éuide do interna” (p13). Esta empreitada husserliajia fim-
aparecessem apenas como “presentes”, não seda objetos temporais). jeito/objeto dado que o que temos é
ego franscendp,,ra/ e redimensiona as
relações su
o fato que a redução fenomenológica
não aniquila
74 Adriano Furtado Holanda Fenomenolosia e Humanismo
75
r
ção. Adiantamos desde já que, para a Fenomenologia, toda subjetividade “sentido” específico; é aquele corpo
“destacado” (como aquele corpo
é intersubjetiva. Mas o que significa isto e como se estabelece? Nas Me a medicina objetifica quando
o toma por “fratura” ou “doença”, que
ditações Canesianas5° mais especificamente na quinta meditação


exemplo); enquanto o corpo
subjetivado Leib é o corpo que
por
Husseri propõe uma exposição sobre o “problema da experiência do ou dor da fratura (não em termos —

sofre a
tro”, objetando ao solipismo (Husseri, 193 1/1980). dor, por exemplo), ou mesmo objetivos, mas em termos de sentidos de
aquele corpo que se “subjetiviza”
A noção de intersubjetividade trata da relação de um sujeito com retoma uma “vida íntima”, como e que
aquele corpo que se “re-descobre”
outro sujeito, e de como se dá a própria constituição do eu. Na Fenomeno dança, por exemplo. Dito de outra na
logia. ela parte da noção que o mundo não é experienciado por um sujeito sido desclassificada pela tradição maneira, a corporeidade que havia —

racionalista passa a ser reabilitada


como um mundo privado, mas como um mundo partilhado por outros su pela fenomenologiasl —

jeitos de experiência (Dmmmond, 2007). Husserl parte do “subjetivismo Voltemos à questão da intersubjetjvd
transcendental” caflesiano para uma “intersubjetividade transcendental”. O apreensão do outro? O outro me Como se dá esta
percurso pan desembocar ali começa com a apreensão do eu próprio indi é dado também nesta dupla
como o objeto e como analogo,, a percepção,
vidual e do seu corpo-próprio (daí a importância desse tema). de meu corpo-próprio como meu corpo, O outro me é dado a
partir
Observe-se que a questão da subjetividade vem acompanhada presentificação desse outro como um
tro-eu” como um alter-ego.

“ou
do tema da “corporeidade”, ou seja, temos um claro entrelaçamento entre
temas diversos como “temporalidade”, “corporeidade” e “subjetividade”. O que me leva a ler, sobre este corpo
cepção, a presença de um outro sujeito, presente no meu campo de per
O corpo, diz Hussed (1931/1980), vem considerado numa dupla acepção: é a sua semelhança com o
de um lado do lado de sua “exterioridade” eLe é objeto, é “coisa”, e próprio como, ele mesmo objeto do meu

/


mundo,
lógica anterior a todo o juízo. (Kelkel & e isto por uma aliança ana
como tal é um ponto de referência para o sujeito, o que chama de seu Schérer, 1954/1982 p. 51)
“ponto zero”. De outro lado do lado de sua “interioridade” o corpo é

Esta apreensão do outro como um


um órgão livre, móvel, que se põe em contato com o mundo exterior e, ção do corpo, pois “[oj outro alter-ego se dá na intennedja_
portanto, permite a apreensão das vivencias. será constituído em mim através
do outro, graças à semelhança do corpo
apreendida em relação ao meu corpo
Pode-se dizer, então, que o corpo na fenomenologia é “du
— —
prio” (Fragata, 1959, p. 162). O pró
plo”, ou tem pelo menos duas acepções, que o próprio Husserl define a outro se faz, pois, a partir de primeiro contato com a existência de um
uma analogia ao meu corpo próprio,
partir de duas palavras distintas: Kürper e Leib. O corpo considerado —
este outro um ana/ogon do eu
puro. A semelhança da corporeida
sendo
apenas de um ponto de vista naturalistico ou fisico como realidade ma
— com a minJ-a própria é o que
estabelece o ponto de partida para a
alheia
terial é K&per; enquanto que o corpo personalizado considerado como— tuição deste outro. consti
corpo experienciado ou corpo-vivido é Leib. Husserl designa Leib ao

Outra questão importante


organismo “animado”, ao corpo envolvido em nossa consciência como rioridade do outro não se apreende Posicionada por Husserl é que a inte
de pronto. Mas somente após
sujeito expedencial (Dmmmond, 2007). Dito de outra forma, o corpo chama de intropatia, ou seja,
seria a o que
a partir da múnja semelhança partir de um sentir o outro em mim,
fisico objetivado Kõrper é aquele corpo material, desvinculado de um
— —

corporal, o que realizaria então o


entre o meu eu e o objeto que se trânsito
tersubjetivid transcendental? me depara. E qual o resultado dessa in
a relação entre ambos mas, ao contrário, força-nos a pensá-la como uma relação inten dade até então referida, que se E partindo desta dualidade, desta alteri
cional e, portanto, em intrinseca relação; coloca, de um lado, uma consciên
jeitos. E a minha consciência que abre a Possibilidade da pluralidade
cia intencional e, de outro, um objeto intencionado que, na sua versão reduzida, en
de su
quanto cogitaiunr, requer uma atribuição de sentido, de um sentido constituído por esta demais sujeitos os outros eus. estabelece a ligação entre o meu eu e os

mesma consciéncia, através da intencionalidade. Isto mostra, dentre outras coisas, que Desta intersubjetividade se
o tema da intencionalidade encontra-se, em Husserl, estreitamente associado ao pro dade, visto que o mundo, no fimda, pois, o domínio da objetivi
blema da constituição dos objetos (Tourinho, 2009). qual o meu eu está inserido,
é o mesmo
50
Trata-se de uma série de conferências pronunciadas por Husserl, em 1929, entre 23 e
24 de fevereiro, a convite do instituí dEtudes Gennaniqs’es e da Société Fruo çaise. A questão da cooreJdade
e da tercooreidade vai ser
mas somente publicadas em 1931. trabalhos de Merleua-ont meor desenvolvida com os
— 1

76 Adriano Furtado Holanda

mundo para lodos; mundo este que apreendo a partir de meu “ponto ze nologia que a toma um instrumento
ro”, meu ponto de referência, ou seja, meu corpo-próprio e, graças a esta sentido da natureza humana, e imprescindível para a apropriação
o instrumento do
intersubjetividade, o eu primordial se lona existente no mundo. um modelo de apreensão do per se de constituição de

vivido.

A partir do duplo sentido atribuido á intersubjetividade por Na direção da constituição do


Husserl, estabelece-se o que conhecemos por humanidade. Como aponta tos, deparamonos com o mundo como um mundo de sujei
mundo histórico e com o
Toulemont (1962), num sentido restrito, trata-se de uma pluralidade de benswelt Como apontam Kelkel mundo-vida ou Le
e Schérer (1982), o derradeiro
sujeitos ligados pela pura intencionalidade e, num sentido largo, é a de vimento da fenomenologia desenvol
signação geral de toda multiplicidade de sujeitos em ligação, qualquer história como geradora de transcendental é uma nova interpretação da
sentido. Husseri, já em sua obra
que seja esta ligação. Efetivando-se esta ligação, ela não cessa de ser Geometrias2, destaca que a
compreensão da geomeijia ou de
A Origem da
intencional e constitui assim a objetividade, a vida cotidiana, a ciência, cultural signiflca um fato
etc., e a partir da modificação desta intencionalidade, a “comunidade da
consciência” se toma uma “comunidade social”. (...) já estar consciente da sua historicidade,
“implícita” (...). Cada explicitação ainda que de maneira
É isto que tona a Fenomenologia uma disciplina essencialmen pôr em evidência não são e cada passagem da elucidação
ao
te ética ou, dito de outro modo, que releva a dimensão essencialmente nada mais que um desvendamento
é, em si mesmo e histórico;
essencialmente um acto histórico

/
ética da fenomenologia franscendenlal, que faz com que o pensamento de por uma necessidade de e, enquanto tal,
Husserl alcance uma dimensão de superação do seu idealismo, e a dimen ria. (...) [Ai história não é,essência, traz em si o horizonte da
de principio nada mais sua histó
são do Lebenswelt, do “mundo da vida”. A Fenomenologia apresenta-se Vivo da solidariedade e senão o movimento
da
como necessariamente ética na medida em que a intersubjetividade se da sedimentação do sentidoimplicação mútua da formação do sentido e
Schérer, l982,pp. 111-1 12) originário5 (Husseri, citado por Kelkel &
revela como a confirmação do outro como um sujeito.
Abordar questões de ética significa abordar questões de sentido A elucidação das relações
entre fenomenologia e
e de valor. No sentido de uma fenomenologia transcendental, o Outro tem mente se dá nas obras tardias
de Husserl, mas ganha relevo história so
valor de Outro exatamente quando me é reconhecido como tal, quando Ciências Eznvpeias e a
Fenonienologia Trafrzscende,;ta/
na Crise das
destaca-se do mundo objetivo através da peculiaridade de ser um anulo Nesta última obra, Husser?
retoma a história da filosofia
obra de 1936.
gon, um “análogo” de mim, tomando-se, assim, um verdadeiro Outro apresentar a “crise” de suas
ciências, e sugerir o retomo
moderna para
para mim. E isto se dá no momento em que a minha subjetividade acessa vida”, como saída desta
crise. Ai apresenta sua ao “mundo da
o mundo para estabelecer com este mundo uma relação de sentido. Em história, a partir do desvendar nova interpretação da
da redução:
outras palavras, a apreensão do Outro tona-se fundamento ético, dado
que descobrimos o mundo em comum no qual vivemos com um Outro. O que a redução desvenda,
ciência reduzida somente à com efeito, não é a solidão de uma cons
A história do desenvolvimento das ideias fenomenológicas está sou’ mas, mais evidência do seu ‘eu penso’ e do
seu ‘eu
calcada nestas premissas. A evolução do pensamento husserliano, de um primitivamente mesmo que ‘Pronominalização a
plenitude concreta da subjetividade
modelo inicialmente voltado para um “idealismo transcendental”, cujo as intencionalidades constituinte; é a subjetivi
múltiplas que a ligam ao com
acento está colocado no sujeito consciente, fazendo com que a análise in bensii’e/t) e a via pela qual mundo da vida (Le
as estruturas a priori deste
tencional se desenvolva na direção de uma “exegese de si próprio” ou nu tas em relevo (KelkeJ &
Schérer, 1982, p. 54)
poderão ser pos
ma “egologia”; desembocando numa filosofia “existencialista”, onde se
O fato de haver uma
acentua não mais a relação sujeito-objeto, mas consciência-mundo, faz com dependência da intencionalidade
flexionanle não significa o do ato re
que a fenomenologia se traduza numa consideração do ser-no-mundo. consciência pura, como Husseri
fechamento
do mundo em mim mesmo.
a entende, é original mente A
Portanto, conclui-se pela ética como substrato fenomenológico. é o substrato fundamental temporal.
da questão histórica. Assim, Este
A partir da apreensão do Outro descortina-se a essência ética da realidade como mundo histórico: o mundo é vivido
intersubjetiva: a relação eu-outrem como fundamento da realidade social “G..) a história constitui o nosso ‘horizonte’ de
e vivencial, a partir da descoberta do mundo em comum e da fundamen 52
Frage naeh de,,, Urvpnu,g
der Geometrie
tação ética do homem. E é esta natureza essencialmente ética da Fenome cada em 1936. ais
Problem publi
78 Adriano Furtado Holanda Fenomenotogia e Humanismo
79
inteligibilidade e de cultura. Não está fora de nós, pertencemos-lhe pela para melhor nos permitir agir sobre
ele e nele. “Ser homem é ser num sen
própria historicidade da nossa vida” (Kelkel & Schérer, 1982, pp. 5 5-56). tido teleológico, é dever ser”
(Ke&el & Schérer, 1982, p. 59).
Na fenomenologia, a constatação é que o “mundo da vida” é es O apelo da Fenomenologia está
sencialmente histórico, e que a historicidade define o nosso ser no mun tivo, teleológico, dado que o calcado neste aspecto prospec
coloca,’-se do homem é um ColOcar_se
do. A história é tradição e transmissão, O que é histórico é um “sentido te de. O ideal de “ciência rigorosa” dia,,
sedimentado”. Para Husserl, é pela trans-historicidade que se compreen de Husserl se realiza apenas pelo
“despertar de cada sujeito” para a responsabjljd0
de o histórico. O sentido nasce historicamente, e pode ser reproduzido co-sujeitos, tomando a filosofia uma partilhada com seus
pela reflexão. A história deixa de ser então um conjunto de “facticidades” tomada de consciência da humani
dade por si mesma, Reconhecese
para se tomar um devir histórico autêntico no qual se elabora o sentido então, como substrato da redução,
própria humanidade, ou: a
humano. Como assinala Eugen Fink, “a vida constituinte da subjetividade
transcendental é ela mesma histórica” (citado por Kelkel & Schérer, como muito bem notou Tran Duc Thao,
o conteúdo real da subje
1982, p. 57). Abre-se, pois a perspectiva de adentrarmos o mundo da tividade transcendental é a humanidade
intersubjetividade através da redução. fenomenoiogia transcendental pretende real, único sujeito histórico, A
de tomar consciência de que apenas (...) fazer a humanida
A redução e não, como em Hegel, a totalização dos ‘momentos’ dos seus projetos falhados e édesujeito e de que semprc o foi através
suas conffisões. (Kelkel & Schérer,
é que permite à consciência captar a sua plenitude concreta e à história 1982. p. 61)
racionalizar-se. Compreender-se historicamente toma-se a última etapa
de uma compreensão de si. Se a origem da reflexão permanece, realmen A retomada da questão da história
trema importância por marcar na Fenomenologia é de ex
te, na consciência que tenho de mim mesma, abre-ma, porém, a uma sub aproximações significativas com a Psico
jetividade originária (Ur-Ich) que é também intersubjetividade... (Kelkel logia moderna, notadamente com
a
gotskj, p. ex., quando este afirma perspectiva históricoculmral de Vi
& Schérer, 1982, p. 58). que
sujeito constituído em suas múltiplas o sujeito do conhecimento é um
Para Husserl, história é eminentemente uma histó,-ia do saber. Além disso, é a via de acesso que relações (González Rey, 1999),
Porém, assinala que se pode compreender a si próprio sem se descobrir o tão do “mundo da vida” ou “mundo Husserl se utiliza para resgatar a ques
sentido da história. Assim, a história surge com um caráter duplo, de per vital”, o Lebenswefl,
manência e evolução. “A redução, enquanto acabamento de um movimento Na Crise, Husserl reflete
vidade, para concluir que a “crise” sobre a história e sobre a intersubjeti
histórico latente, permite pôr em evidência o que, desde a origem, estava das ciências europeias (e, portanto
humanidade) é uma crise do significado da
presente sob a forma do ideal de compreensão universal do homem: a hu vida da humanidade, ou seja, uma dessas ciências para a própria
manidade em sujeito mas não o sabia” (Kellcel & Schérer, 1982, p. 59)53, ciências, produto do distanciamento
crise derivada da perda do sentido das
Este é o “ideal” humanista presente na fenomenologia husserliana; a ideia põe atender, Com a objetivação destas da humanidade a que se pro
de que o fenômeno histórico mais importante é justamente esta humanida das ciências, subverte-se a noção
dade para um sentido que é atribuído de ver
de que busca continuamente a sua própria compreensão. “Humanidade” fenomenozogia, a verdade se define pela externamente. Ao contrário, para a
aqui entendida como vida única de indivíduos, como “comunidade” de de, que é a evidência: “A evidência experiência vivida desta verda
sujeitos que se reconhecem (Flusserl, 1935/1996). dade, isto é, o momento da consciência é o modo originário da inrencionali
Este aspecto “teleológico”, contudo, não se fecha num “saber fala se dá em carne e osso, em em que a própria coisa de que se
pessoa, à consciência, em que a intuição
absoluto”, O fim da história reside na unidade do ato no qual o homem preenchida” (Lyotard 1986, p. 40). é
afirma a sua responsabilidade: tal qual se postula no dogmatismo Não há, pois, uma verdade absoluta,
O homem que atinge a última compreensão de si descobre-se uma ultrapassagem dialética de si mas esta se define como devi,; como
mesma (Lyotard, 1986).
como um ser que consiste em ser chamado a uma vida colocada sob o sig O “mundo da vida” é um mundo
nômenos anonimamente subjetivos”. extremamente rico, dos “fe
no da apoditicidade (...). Prolongamento da filosofia da história em ética: a Segundo Mora (1994), nem a ciên
razão teorética é também prática e a redução não nos retira do mundo senão cia objetiva, nem a psicologia,
nem a filosofia tomaram conta deste
51 Grifos nossos.
80 Adriano Furtado Holanda

“mundo do subjetivo”, nem mesmo a filosofia kantiana o fez51. Dado que


a Fenomenologia é a “ciência dos fundamentos últimos”, não pode deixar
de lado este mundo. Também a ciência objetiva inclui uma ciência do
Lebenswell, que para Husserl, se refere às “experiências subjetivo-
Fenomenologia e Humanismo

Mora (1994) pergunffise sobre as relações


Lebennyeit e as demais descrições de
historiadores do espírito, psicólogos ou
heideggerfima do Dasebi: “Em todo caso, a
tar-no-mundo” pode considerar_se como
entre a descrição do
mundos, como a dos antropólogos,
novelistas, bem como a análise
análise heideggeriana do “es
81
r
-relativas” que devem ser averiguadas como podem ser utilizadas para as uma sistematização da Le
ciências objetivas. bensweft” (Mora, 1994, p. 2.087).
O mundo do Lebensivelt é um universo que possui uma “intuiti Este último comentário levanta a
questão da mútua relação en
vidade em principio”, semelhante ao que se tem chamado de “conheci tre Husserl e Heidegger O próprio
Mora (1994) afirma uma possivel
mento do homem”, ligado a certas investigações da antropologia filosófi influência de Heidegger sobre Husseri,
ao final de sua vida. Mohanty
ca e podendo ser relacionado à “crítica da vida cotidiana” de Henri (1996) concorda em alguma medida com
no que corresponderia a uma “quarta esta tese, quando assinala que,
Lefebvre55 (Mora, 1994). Husserl define o “mundo da vida” como o fase” do pensamento husserliano —
“fundamento de sentido esquecido na ciência da natureza”. Husseri asso logo após haver se retirado da cátedra,
em 1928 — Husserl teria sido (pa
cia este “conhecimento do homem” à antologia do Lebenswelt, que des radoxalmente, segundo o autor) influenciado
ção do seu conceito do Lebenswe/,. por Heidegger na elabora
creve e examina as “formas práticas” (pi-aktische Gebilde), ou seja, tudo Contudo, o próprio autor, bem como
que sejam fatos do mundo da vida (die Welt des Lebens), o que inclui Smith e Smjth (1996) e outros, reconhecem
vida”já possuía suas raízes nas obras iniciaisque o conceito de “mundo da

/—
tanto as ciências objetivas quanto os fatos culturais. da Fenomenologia como as
Ideias, por exemplo, Baseado nisto,
Que as ciências tenham esquecido que tenha surgido ou emergido de um rança, embora seja necessária uma podemos afirmar — com certa segu
Lebenswelt, mostra um dos aspectos, senão o aspecto fundamental da avaliação mais aprofundada da ques
tão — que, tanto as elaborações
“crise da ciência europeia”. O Lebe,rnvelt é, com efeito, como a soma fundamentais de Heidegger (desenvolvi.

——
das em seu Ser e Tempo) quanto as de
das “franjas” ou dos “horizontes” nos quais emergem e se constituem os “em potência” na fenomenoiogia Merleau.Ponty e Sartrejá estavam
dados “mundanos”. Mas justamente porque o Leben.nvelt não é prnpda husserliana, daí a necessidade de resga
tantos a complexidade de seu pensamento
mente um fato, senão um “horizonte de fatos”, não é comparável ao como forma de entendimento
“mundo natural” (o qual é um dos elementos do Lebenswelt). O Le da crise da mentalidade ocidental
benswelt não é dado de uma vez para sempre, mas se descnvolve —acaso Paul Riccuer (2010) nos recorda que
historicamente — e tem “formas” e “estilos” (Mora, 1994, p. 2.087). tigo publicado em 1952 afirma que Pierre Thévenaz — num ar
“os verdadeiros herdeiros de Hus
serl são OS existencialistas franceses”
O Lebenswelt não é o que aparece primeiro na experiência natu consequência (quase) natural da (p. 154). Com isto, afinnase uma
ml, deve ser “reconquistado” a partir desta experiência. Por isso que, para fenomenologia Esta, radicalizada, de
semboca numa “filosofia da existência”,
Husserl, o estudo do Lebenswelt é uma “fenomenologia mundana” como já apontamos desvela o dado que a intencionalidade
(welrliche), através de uma redução que precede todas as outras reduções mundo de objetos e de sujeitos, bem co
mo a realidade do outro.


fenomenológicas.
5 FENOMENOLOGM PSICOLOGM E
“Segundo Husserl, há em Kant um “suposto” não expressado, o de um “mundo circun PSJQUMTPJA
dante vital” (Lebensumwelt) (...) Este suposto determina os modos como se estabele
cem os problemas da critica da razão, O mundo circundante vital é o mundo vivido e O único sentido oculto

— -‘
não e todavia, não “tematizado” (Mora, 1994, p. 2.086).
— das coisas é elas não terem

Filósofo francés, nascido em 1901, trabaifiou no Centre National de Recherches Scien sentido oculto algum,
tfiques de Paris (CNRS); mergulhou no manismo como resposta à sua crise filosófica
pessoal, tendo inclusive se associado ao partido comunista francês. Sua “critica da vida Fernando Pessoa
cotidiana” é um esforço pela descoberta do “homem total”. Por “vida cotidiana” com Da mesma maneira que a
preende a “apropriação pelo homem, não tanto da natureza exterior como de sua pró como método, como ciência e Fenomenologia surge como filosofia,
pria natureza como zona de demarcação e de união entre o setor não dominado da como urna epistemologia, suas aplicações
vida e o setor dominado como região donde os bens se confrontam com as necessi Psicologia e à Psiquiatria podem ser à
compreendidas nas mesmas dire
dades mais ou menos transformadas em desejos” (Mora, 1994, p. 2.089).
[
52 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 83

ções. As relações da Fenomenologia com a Psicologia são antigas, dado Como “fonte de hipóteses”, a Fenomenologia surge
como uma
que Husserl como matemático, estava interessado na Lógica e em estu metodologia alternativa à ciência natural, principalmente

no que tange a
dos sobre o número sendo postedormente “herdeiro” da psicologia questões tais como intuições, sensações ou outros

processos que não são


descritiva de Brentano. Mas as relações entre Fenomenologia e Psicolo comumente incluídos na lista de questionamentos
científicos, mas que
gia são complexas e merecem esclarecimentos. Paul Ricouer (2010) são “fenomenológicos num sentido informal e
assistemático” (Keen,
aponta a impossibilidade de se compreender a psicologia sem uma anco 1979). Fundamentalmente, constrói-se como um
campo de investigações
ragem na fenomenologia, mas o que significa isto? Que compreender a constante (eis-nos recuperando Sexto Empírico,
citado no início). De
subjetividade a consciência psicológica requer uma ancoragem no ego modo mais específico, a Fenomenofogia cuja


preocupação básica é a
puro (Freitas & Holanda, 2010). Mas há que se distinguir fenomenologia arpehência surge como uma metodologia importante

dado que:
de psicologia fenomenológica. Embora ambas partam da consciência e As reduções fenomenológicas variações imaginárias
das relações do sujeito com o mundo, não se trata do mesmo objeto, mas têm sido sempre o capital de giro de cientistas, mase interpretações
também não se constituem duas subjetividades, mas duas maneiras de citaram de forma detalhada como procedimentos
estes não as expli
apreensão do sujeito, de modo que não se pode reduzir uma à outra. metodológicos. No
nível mais simples de contribuição, a fenomenologia
De uma forma genérica, a Fenomenologia foi apropriada pelas uma descrição clara e algum rigor metodológico a este pode fornecer
e tão estágio crocial,
Ciências Humanas em diversos contextos: o
negligenciad do processo científico. (Keen, 1979, p. 98)

Segundo Spiegelberg (1982), a fenomenologia foi apropriada pelas ciên Desta feita, a fenomenologia ratifica seu caminho na
direção de
cias humanas, genericamente, em tomo de sete passos metodológicos uma metodologia descritiva e compreensiva,
desembocando naturalmente
característicos. São eles: 1) investigação de um fenómeno particular, 2) num modelo hermenêutico privilegiado de análise
da realidade, por não
investigação de essências gerais, 3) apreensão de relações essenciais en abandonar o solo empírico desta realidade, como reitera
tre constituintes do fenômeno, 4) observação de modos e aparecimento Husserl. Assim é
que um dos campos em que se observa cada vez mais
do fenômeno, 5) observação da constituição do fenõmeno na consciên nomenologia é o terreno da pesquisa e,npb-ica em
a aplicação da fe
cia, 6) suspensão de crenças na existência do fenómeno, e 7) interpreta Psicologia. Husserl
ção do significado do fenômeno. De acordo com o autor, os três primei procurou criar um método que permitisse a investigação
ridade quanto da exterioridade e, assim, “como
tanto da interio
ros passos foram amplamente aceitos e aplicados por praticamente todos ciência do sentido íntimo,
que se alinhavam, na primeira metade do século XX, com o movimento a psicologia deve voltar-se para as experiências
concretas do homem
fenomenológico. (Casfro & Gomes, 2011, p. 237) percebidas numa dimensão espacial e temporal, onde
a
sentido só é possível pela afirmação de uma consciência construção do
Talvez um bom exemplo de como podemos entender a impor riguela, 1995, p. 98). encarnada” (Ma
tância da Fenomenologia para a Psicologia (ou suas possíveis aplicações)
Em lermos gerais, no terreno das pesquisas
esteja em Keen (1979). O autor dá excelentes indicativos de reflexão todologia fenomenológica vem sendo cada vez mais qualitativas, a me
sobre o “lugar” que uma psicologia fenomenológica pode ocupar. A ri crescimento é louvável por apresentar-se na
reconhecida. Este
gor, aponta exatamente pan uma direção reflexiva, ou seja, indica modos mento metodológico e na consequente oportunidade
“perspectiva de um refina
de se pensar a fenomenologia aplicada. Isto é de suma importância para de considerar mani
festações ou expressões humanas e sociais antes inacessíveis
que como ressaltamos anteriormente com relação â redução não se

sistemático” (Gomes, 1989). O objetivo central de pan estudo


reduza seu campo de atuação, nem mesmo sua perspectiva. Para o autor, uma pesquisa nesta
direção é de dar conta de dimensões dos vividos
uma Psicologia Fenomenológica pode ser encarada sob quatro aspectos: “não-mensuráveis” pela
metodologia quantitativa tradicional. Estamos falando
da investigação de
aspectos da subjetividade que a ciência empírica
1) Como uma fonte de hipóteses; tradicional muitas vezes
não dá conta ou mesmo negligencia. Como assinala
Amatuzzi (1994), as
2) Como um veículo para o humanismo; formas de investigação do humano são, essencialmente
humanos, como a cultura, a poesia, o teatro, etc. Para modos de “ser”
3) Como um novo paradigma e, se realizas uma
pesquisa neste sentido, faz-se mister a utilização de
um método de descri
ção e análise de processos que seja compatível com a tradição
4) Como uma resposta à crise. de uma
84 Adriano Furtado Holanda Fenomenoiogia e Humanismo
85

psicologia como ciência humana (Giorgi, 1977), no sentido de valorizar A expressão mais contundente da aplicação do
método fenome
aspectos da intersubjetividade humana. nológico à pesquisa empírica encontra-se no chamado
Na perspectiva de investigação desse humano, o método deve quesne”. A partir do primeiro trabalho publicado nesta “Grupo de Du
de Adrian Van Kaam (1920/2007), intitulado direção o artigo —

dar conta da sua originalidade, pois o que é próprio do humano não se “Phenomenal Analysis:
deixa captar pelos métodos da ciência tradicional (Amatuzzi, 1994). Co Exemplified by a Study of the Experience of ‘Really
tood”, publicado em 1959 (Van Kaam, 1959) Feeling Undcrs
mo “explica?’ a inspiração poética, o sonho como atividade simbólica, a uma série de outros pes

contemplação artística ou mesmo o surto psicótico? As investigações das quisadores depuraram o método na Universidade de
Duquesne, com des
ciências humanas são do tipo sujeito-sujeito, ou subjetividade- taque para a publicação do livro Fhenoizeno/ogj and
search, editado por Arnedeo Giorgi (1985). O Fsycho/ogjcaf Re
subjetividade, ou podem ser entendidas como relacionais de acordo com principal destaque desse
Buber (1923/1979). Fazer pesquisa em ciências humanas é caminhar em Grupo refere-se a uso do preceito da redução,
aplicado empiricamente
busca de significados. Contradamente à tradição clássica da ciência natu como a busca por “constituintes invariáveis ou
elementos essenciais na
ralista cujo objeto são os “fatos” as ciências humanas lidam também esflhjnra experiencial de um sujeito” (Castro & Gomes,

2011, p. 237).
com fenômenos. Enquanto os são abstraídos da realidade, os fenômenos Como um “veículo para o humanismo”, a Fenomenologia
são vividos. ca em seu centro de atenção, a consciência e os colo
processos conscientes. Ao
E neste sentido que se faz presente um projeto de “psicologia focalizar a experiência do indivíduo, a Psicologia atua
fenomenológica e
fenomenológica”, cujos alicerces se encontram na redescoberta e valori humanisticamente E relevante, contudo, o fato que o humanismo
como
zação da subjetividade consciente, suas manifestações e inter-relações, historicamente constituído enquanto movimento nos —

Estados Unidos
abarcando toda a complexidade do fenômeno humano: indivíduo, cultura, careça de uma metodologia suficientemente —

desenvolvidas9 de uma teo


sociedade, etc. Assim é que a “psicologia fenomenológica” se apresenta ria coerente e de uma estrita fundamentação de
dados60.
como uma abordagem que se propõe a ver esta realidade de forma mais finalidade do humanismo (compreensão) difere dos fins Além disso, a
complexa e o mais amplamente possível. Ao se propor a isto, a fenome visão e controle). A Fenomenologia pode ser um científicos (pre
excelente veículo de
nologia questiona o reducionismo presente nas metodologias naturalistas comunicação entre o Humanismo e a Ciência tradicional,
(tal qual apontado por Husserl), em especial quando aplicadas ao fenô revelar de forma organizada, metódica, o mundo ao possibilitar
meno psicológico, pelo seu caráter atomístico e restritivo. A psicologia privado do indivíduo.
Pode ser ainda considerada um caminho para a
fenomenológica, enquanto preocupação com a experiência consciente na medida em que recupera diversos sentidos de “humanização”
difere do método introspectivo pelo fato deste último estar interessado o homem como um ser em movimento, como sub] subjetividade e recoloca
nos elementos mentais, ou seja, tratar-se de um método reducionista, não etivação. Resgata ainda
a singularidade da relação desse homem com a
se atendo, pois, à relação entre o objeto do estimulo e o significado da cultura, a
economia, a literatura, recuperando assim todo um sentido sociedade, a
experiência (Gomes, 1985). em oposição à fragmentação do cientificismo de totalidade,
Como instrumental de pesquisa, a metodologia fenomenológica Numa época em que se
questiona o lugar e o papel do homem em relação à
se constitui num conjunto de procedimentos para a exploração da consciên natureza, ao desen
volvimento e às rejações diversas; em que se reflete sobre
cia imediata e da experiência (Gomes, 1997). Com base nestas premissas, das relações humanas ou sobre os valores da nova a fligacidade
vem-se observando que a metodologia de pesquisa fenomenológica tem nos referindo a tantos autores modernos, como sociedade e estamos —

se constituído num caminho importante para o estudo da experiência Zygmunt Bauman, Guies
consciente ou da “vivência”56, e um modelo ideal para se estudar questões ‘
Amatuzj 1992, 1994, 1 995, 1996, 1999, 200la, 20011,;
Chaves, Macedo e Mendonça,
relativas à dimensão subjetiva do existir humano, tais como a religiosida 1996; Forghien, 1993; Bmns e Holanda, 2003;
Bruns e Trindade, 2003; Alves, 2003;
de ou a experiência religiosa57, a clínica psicológica e o vivido58. Kristensen, Flores e Gomes, 2003.
Esta discussão está melhor desenvolvida no primeiro
60 capitulo deste livro.
Em que pese o fato de Casl Rogers ter construído
todo seu arcabouço teórico-técnico
56
Giorgi, 1985; Momjo, 1994; Gomes, 1998; Moreira, 2002; Rnans e Holanda, 2003; com base em pesquisas empíricas, talvez tenha
sido o representante mais “empiricista”
Amatuzzi, 2003; Holanda, 2003a, 20031,; Martins e Bicudo, 2005. do movimento humanista americano O que é
curioso de se assinalar é que, atualmente,
as pesquisas da chamada ‘psicologia positiva”
‘ Mames, 1998, 2002; Frvitas, 2002, 2004; Alvas, 2004; Holanda, 2004a, 2004b; Maciel, resgatam os pressupostos e conceitos do
2004, Morues e Ribeiro, 2004. movimento humanista, só que com uma roupagem de
pesquisa empírica.
86 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
87
Lipovetsky ou Jean Baudrillard, por exemplo —, a Fenomenologia se A Fenomenologia propõe um olhar
apresenta como excelente campo que ffindamenta tanto esta discussão os fenômenos da realidade, um olhar onde diferenciado para o mundo e
a
(Villanueva, 2010), quanto propostas de revisão desses aspectos, seja do to/objeto ganha novos contornos e se toma tradicional dicotonija sujei
uma correlação. Como urna
ponto de vista filosófico ou sociológico tomemos autores como os nova forma de mudança radical de
perspectiva, toma-se — além de um

grandes nomes da fenomenologia francesa do século passado, como Sar método compreensivo — um paradigma
io que permite o
tre, Merleau-Ponty, Deu-ida ou Lévinas; ou pensadores mais contemporâ advento de um grande número de novas revolucionár
perspectivas sociais, psicológi
neos como Habermas e Gadamer. cas, filosóficas, antropológicas e científicas.
Podemos ilustrar isto através
Se trata mesmo de discutir o selos da humanidade, ou a crise da da análise das suas ramificações no seio
do pensamento psicológico e
humanidade europeia (Husseri, 1935/1996) e suas relações com a filoso psiquiátrico.
fia; ou discutir a própria crise das ciências europeias (Husserl, Spiegelberg (1972, 1982) traça um panorama
1936/1989) e suas relações com a fenomenologia transcendental. Nesta do das influências que a Fenomenologia bastante elabora
direção, a proposta husserliana e a Fenomenologia procuram ainda res exerceu sobre as diversas escolas
de Psicologia, destacando ainda algumas
ponder à crise de valores erigida no pensarnenlo moderno herdeiro e especificidades em alguns mo

vimentos ou personagens A filosofia


devedor da metafisica dicotômica. Crise esta decorrente de tantos “peri fenomenológ ica sempre esteve
presente junto à psicologia nascente, desde os
gos” como aponta Husserl (1936/1989): primeiro núcleo de influência de Husserl, psicólogos de Gôrtingen —
contando com a participação de
Desde estas análises husserlianas e de seus succdáneos Heidegger, Ador nomes como Erich Jaensch, David Katz, Edgar
no, Marcuse Habermas, etc., sabemos do grande perigo que trazem a passando pela Escola de Wurzburg, onde se Rubin e Géza Révész —;
Karl Buhler e Narziss Ach; e alcançando destacam August Messer,
tecnicização e a razão instrumental: surgimento de ideologias ou cosmo- grande notoriedade com a cha
visões de caráter irracional e totalitárias, ruptura de vínculos entre ciên mada Escola de Berlim (mais conhecida como
a
cias e filosofia, abandono de um ideal de ciência unificada e universal, com Max Wertheimer, Kurt Kofflca, Wolfgang Psicologja da Gestair),
renúncia por outra parte da filosofia de seu caráter de cientificidade,

Karl Duncker, Kurt Lewin, Fritz Heider e Kühler, Aron Gurwitsch,


ameaça crescente do ceticismo, irracionalismo e misticismo. Neste senti Mapin Scheerer.
do “a crise da filosofia significa, pois, (...) a crise de todas as ciências Para se vislumbrar a dimensão desta influência
personalidades não tão conhecidas do grande em meio a tantas
modernas enquanto membros da universalidade filosófica, uma crise público,
primeiro latente, mas cada vez mais manifesta, da humanidade europeia algumas das contribuições destes: Karl Buhlcr basta citarmos
inclusive em relação ao sentido global de sua vida cultural, de sua ‘exis
(ao lado de sua esposa,
Charlotie Buhler) foi um dos mentores da
tência’ toda” [Husserl, 1936/1989, §5]. (Villanueva, 2010, pp. 76-77) ta”; Kurt Lewin, é o criador da “Teoria chamada “Psicologia Humanis
do
da Dinâmica de Grupo; ao lado de Fhtz Campo” e um dos precursores
Uma psicologia fenomenológica procura revelar o ser humano Heider,
para o desenvolvimento de uma teoria social; colaborou sensivelmente
para si próprio, fazendo-o observar-se e aos demais, refletir sobre si pró sável pela noção de “figusa e ifindo”,
Edgar Rubin foi o respon
prio e sobre suas observações. De modo mais explícito, uma psicologia desenvolvida
Gestalt, cujos membros dispensam apresentações. pela Psicologia da
fenomenológica procura “revelar à nossa compreensão explícita aquilo
que já compreendíamos implicitamente, () nossa compreensão diária, No terreno da psicopatologia a Fenomenologia
Jaspers, que era psiquiatra e filósofo, é decisiva. Karl
vivida, de nós mesmos, não é abordada por nossas teorias psicológicas” “ffinda” esta ciência sobre os frn
(Keen, 1979, p. 104). damentos descritivos do pensamento
husserliano. Para Jaspers
(1913/1987), a psiquiatria seda a profissão
Por fim, a Fenomenologia pode ser encarada com um “novo pa patologia seda a ciência propriamente
prática, enquanto que a psico
dita, sendo
radigma”:
fenômenos subjetivos da vida psíquica, deveria que, por lidar com os
descritivo, constimindose numa ciência se basear num método
[A Psicologïa Fenomenológica] em seus momentos mais ambiciosos, compreensiva No esteio de uma
aspira a estabelecer um novo paradigma para a psicologia. Este novo pa “Psicopatologia fenomenológica”óI outros grandes
radigma envolverá uma modificação quanto a quais fatos e teorias são nomes se destacam,
importantes: que perguntas formular, quais respostas considerar como 61
tais e, em gemi, quais os objetivos da ciência. (Kcen, 1979, p. 101) Pan uma análise mais detalhada e pormenorjmda
a Psiquiania e a Psicopatologia, remetemos das relações da fenomeno]ogja com
o leitor a outro texto sobre esse lema espe
Adriano Funado Holanda Fenomenologia e Humanismo 89
88
Straus, todos cia e suas mutações em estados psieopatológicos
como Ludwig Binswanger, V. E. Voa Gebsaifel e Erwin em vários países (Minkowskj e Bachelard na foram publicados
psicoló gica”. Na Holand a, toda uma França; Binswanger
representantes de uma “antropologia Strauss, von Gebsat-tej e outros na Alemanha Buyten
da fenom enolog ia, liderad os por H. C. dijk e Van den
escola se desenvolveu em tomo Berg na Holanda) (Bucher, 1989, p. 29)
der Horst, F. 1. J. Buyten dijk e J. H. Van
Rumke, Janse de Jonge, L.Van de
conhec ido dos leitore s brasile iros, através De todos esses nomes, talvez o de maior
den Berg, este último mais são e penetração
(Van den Berg, 1966). Igualm ente na no campo clínico seja o de Ludwig Binswanger expres
seu livro O Paciente Psiquiátrico e (1861-1966) que, através
e uma signifi cativa influên cia da Fenom do prisma heideggerjano e de uma releitura
Inglaterra a psiquiatria conhec da fenomenologia husserlia
que constit uiu a Antips iquiatr ia, com R. na, propõe uma análise existencial que
nologia, destacando-se o grupo denominou Daseitzanalyse Trata-
na. -se de uma nova maneira de encarar a clínica,
D. Laing e David Cooper, numa perspectiva mais sartrea a patologia e a realidade
a estreita relação que existencial do individuo, onde a doença importa
Não poderíamos deixar de mencionar menos do que o indivi
álise. Para tanto, bas duo em questão. Neste sentido, constituiu_se
existiu e ainda existe entre Fenomenologia e Psican e de esboço do mundo; uma tentativa de
num movimento existencial
desse texto que Freud
taria lembrarmos — como assinalamos no início compreender a maneira de ser do

prática clínica inicial cliente. Este movimento existencial em


assistiu aos cursos de Brentano em Viena, e sua er fruto de todo um processo de insatisfação
psiquiatria e Psicopatologia é
descrit ivo. De qualqu
caminha na mesma direção de um procedimento Reich, Ranic, Fronijn e Horney, que desemboca em
iniciado com os trabalhos de
nos seguid ores tardios
modo, a fenomenologia encontra-se mais presente ças na psicoterapia (May, 1967). Segundo Bueher significativas mudan
e desenvolve,
de Freud, como Daniel Lagache e Antoine Vergot (que (1983),
do fenôm eno religioso à
dentre outras coisas, uma perspectiva de leitura corre (...) apesar de sua abernia para com a psicanálise Bfnswanger penna
m). Há ainda uma
luz da fenomenologia na Universidade de Louva neceu fiel á fenomenologia transcendental de Husser l.
de Jacque s Lacan. Baas concepção do “Dasein” de Heidegger o conceito de(...) Graças à
lação entre fenomenologia e o pensamento conscjdncja
sobre Lacan, no sentido de
(1988) aponta para a influência de Heidegger trans
transcendental ligada a uma subjetividade pura,
postujada à luz da es
ia como ventas
uma compreensão heideggeriana de fenomenolog trutura daintenci onalidade e de “Weltenhvurf’, do “projeto de mun
o próprio
cendentalis, e que é devedora da perspectiva husserliana, mas
do” desta consciência — se tomava mais concreto, fornecendo assim
é “in Binswanger a base para uma fundamentação filosófica da a
Baas assinala que a referência que faz Lacan a Husser l nos Ecnits psiquia tria
e
permitindo a sua aplicação à análise dos modos de
significante”. espacia lidade de
a temporalidade e da “Selbstigung” da “auto-realização» da
No cenário norte-americano, a fenomenologia encontra espaço cia, no seu “projeto de mundo” genuinae .
consciên
próprio (p. 37)
n Allpor t,
partir de leituras específicas, mas já em William James e Gordo
encontramos um terreno propíc io a esta penetra ção. Binswanger delimita uma “fenomenologia
se preocupa com a totalidade do ser humano, antropológica» que
ia,
Talvez a principal ramificação, oriunda diretamente da filosof na sua normalidade e anor
lo e sucess or na Alema nha, malidade, enquanto um ser que se experiencia em relação
seja a disciplina desenvolvida por seu discipu (Spiegelberg, 1972, 1982; Gomes, 1986). Binswanger
com o mundo
antologia com
Martin Heidegger. Heidegger procurou estabelecer uma formação — era filósofo e médico e era amigo
tinha uma dupla
a por criar a Dasein analytik, ou
base no método husserliano, e termin —

quanto de Heidegger Chegou a ser indicado pelo


pessoal tanto de Freud
cia capital é o Ser e Tempo,
Analítica Existencial, cuja obra de referên presidência da Sociedade Suíça de Psicanálise no ano
próprio Freud para a
publicada em 1927. namente porém, vai se afastando da “ortodoxia
de 1910. Paulafl
em estu freudiana” (Spiegelberg
As ideias de Heidegger conheceram rapidamente aplicações metamor 1972) e caminhando na direção da perspectiva
filosófica de Husseri e de
dos psicopatológi cos e na psiquia tria, onde se tentou revelar Heidegger passando por diversas “etapas” que vão
inantes. de uma perspectiva
foses particulares desta estrutura ontológica e dos seus determ afetiva , per Pré-fenomenológica para uma aproximação com Husseri,
Trabalhos sobre espacia lidade, histodc idade, dispos ição depois um afas
outras dimens ões da existên tamento deste e uma aproximação de Heidegger
cepção do desenr olar tempor al, sonhos e para, finalmente, retomar
a Husserl. Binswanger teria se distanciado da
psicanálise freudiana por
considerar que lhe faltava tanto uma metodologia
que asse cienti
cificamente, intitulado “Gênese e Histórico da Psicopatologi
a Fenomenológica” (Ho ficamente a interpretação psicanalítica quanto uma justific
landa, 202 1h). perspectiva antropo_
90 Adriano Furtado Holanda

lógica mais compreensiva. Em resposta a estas deficiências, Binswanger


recorre à fenomenologia husserliana e à analítica heideggeriana; e estas
levariam-no a desenvolver sua “antropologia fenomenológica” (Spiegel
Fenomenologia e Humanismo

cliente, o posicionamento do terapeuta de um modo mais ativo na relação,


ou seja, o terapeuta como um existente que se coloca em relação com o
seu cliente, em contraposição a uma postura mais distanciada, mais analí
9!
r
berg, 1972). tica e menos vivencial, menos intersubjetiva, além de outros elementos.
Tradicionalmente a Abordagem Centrada na Pessoa, de CarI Rogers e a
Sua proposição em desenvolver uma nova compreensão do ho
Gestaiz-Terapia são consideradas como abordagens de cunho “fenomeno
mem, não mais com base em alguma teoria (mecanicista, biológica ou psi lógico”, mesmo que implicitamente como aponta Spiegelberg (1972)
cológica), mas pautada em termos de uma elucidação puramente fenome —

em relação ao pensamento de Rogers e de forma não claramente estru


nológica da estrutura total ou a articulação total da existência como ser-no- —

turada nesta direção. Estamos nos referindo ao fato que nenhuma dessas
mundo o In-der-Welt-sein. Isto nos remete a Merleau-Ponty, quando este

duas correntes de psicoterapia possui vínculos diretos com o movimento


assinala que “G..) todo Seliz und Zei! saiu de uma indicação de Husserl e
fenomenológico clássico, e que as apropriações da fenomenologia por
nada mais é do que uma explicitação do ‘Naturlichen Weltbegriffl ou do ambas, se dá muito mais de um modo informal
‘Lebenswelt’ que Husserl, no fim de sua vida, dava como tema principal da muito mais como
“aproximações”, do que como influências do que de um modo “rigoro

fenomenologia (..j” (Merleau-Ponty, 1945, p.l). E o mesmo Merleau so”, precedido de contatos e estudos formais.

-Ponty continua: “Longe de ser, como se acreditou, a fórmula de uma filo


sofia idealista, a redução fenomenológica é a fórmula de uma filosofia Vale a pena ressaltar que Rogers, ao longo de sua obra, faz
existencialista: o In-der-Welt-Sein de Heidegger somente aparece sobre o pouquissimas referências â fenomenologia, sendo explícito ao afirmar
fiando da redução fenomenológica” (Merleau-Ponty, 1945, p. DC). não ter tido contato direto nem com a obra nem com os conceitos de auto
res como Husserl, Heidegger, além de Kierkegaard e Buber, dentre ou
A preocupação de Binswanger era de fundamentar filosoficamen tros. No caso da Gestalt-Terapia, a questão é um pouco mais delicada,
te a ciência psiquiátrica, numa compreensão existencial-analítica das for dado que a gênese dessa perspectiva se dá em solo europeu, mas sua
mas de existência esquizofrênica, retirando as patologias do quadro estrito constituição identitária em solo americano e, portanto, devedor de certa
do juízo de valor biológico e transportando-as para um quadro mais amplo influência deste. Mesmo assim, não há referências diretas ao
da estrutura existencial, do ser-no-inundo humano. pensamento
fenomenológico na literatura clássica da Gestalt-Terapia. FHtz Perls —

Para Binswanger, a Daseinsanálise é uma empresa científica, um ‘mé que muitos indicam como o principal mentor da Gestalt-Terapia teve
todo de pesquisa’. Ela não tem por perspectiva uma partida psicoterá

contatos “acessórios” ou “indiretos” com o movimento fenomenológico


pica. Ela visa fundamentar o edificio da psiquiatria como ciência. Em (seu conhecimento limitado da Fenomenologia se dá muito a partir de
nenhum caso ela pode ser considerada como uma técnica especifica.

comentadores)62 Já Laura Perls que particularmente consideramos co


(Naudin, 1997, p. 23) —

mo a grande “pensadora” da Gestalt-Terapia teve contatos um pouco


Já a perspectiva existencial em psicologia que bebe igualmen



mais diretos com a fenomenologia pura, embora ainda assim limitados ao
icas foi desenvolvida em várias nuances, tanto campo psicológico (particularmene devido a sua experiência com
te de fontes fenomenológ —
a Es
continente americano. Nos Estados Unidos, pode cola de Berlim)63. Mesmo assim não podemos defmir as duas
na Europa quanto no perspecti
de Rollo May e Trving Yalom, como os mais destaca vas como estritamente “fenomenolgicas” ainda mais se as
mos citar os nomes compararmos
dos representantes desta leitura. Já na Europa, a proximidade do pensa
mento filosófico gerou uma multiplicidade de leituras e de correntes. 62
Dentre essas leituras indiretas, vate destacar os trabalhos de Goldstein e dos
Podemos começar citando os trabalhos de Medard Boss, Roland Khun e psicólogos
da Gestalt. Ademais, do círculo inicial que constituiu a Gestalt Terapia e solo america
Erwin Straus. Posteriormente vem a ser modificada e ramificada noutra no o chamado “Grupo dos Sete” o verdadeiro estudante de fenomenologia
era Isa
escola psicoterápica, através o psiquiatra vienense Viktor Frankl, que

dore Fmm (Wysong & Rosenfeld, 1988).


aponta para uma evolução da análise existencial até alcançar a chamada 63
A Gesmlt-Tenpia possui nizes filosóficas as mais variadas e, por vezes,
conflitantes
Logolerapia. Isto nos permite afirmar que não existe apenas uma, mas diversas
“Gestalt-Terapias”,
cada uma compreendida a partir de um enfoque especifico e de uma
A Fenomenologia atinge finalmente a corrente dita “humanista” temológica (Holanda, 2005). Uma interessante crítica aos fundamentos
construção epis
de psicoterapia, que preconiza a consideração da totalidade do ser do Gestali Terapia está em Prado ir. (2000).
humanistas da
92 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
93

com a Daseinsanalyse de Binswanger, muito mais formalmente atrelad


a fenômeno Psíquico de outrem, assim como se percebe um
sico, só se poderá tratar de representação empati fenômeno fi
ao movimento filosófico clássico. mos
a e compreensão a que
podere chegar, o
segund o caso, pelo meio de Jevanzamenlo
De qualquer modo, a caracterização destas duas abordagens no série de caracteres e simbolos sensiveente de urna
tíveis, por uma es
contexto de psicologias ditas “fenomenológicas” ou “fenomenológico pécie de exposição sugestiva. (Jaspers, percep
1913/1987, p. 71)
existenciais” se deve ao fato de que ambas consideram, de certo modo, que
e
a fonte de todo conhecimento autêntico está na experiência imediata de si Esta colocação de Jaspers serve-nos de
aplicação da Fenomenologia â siwaçã de prática introdução à questão da
de outrem. Ademais, apontam para uma atitude terapêu tica despro vida de clínica.
ideias apriorísticas e flmdamentam suas relações no momento do aqui-e- fenomenológica nos posiciona, enquanto clínicos, diante de Uma análise
específico que é uma pessoa, que yern até nós um fenômeno
agora, no presente, na presença do terapeuta enquanto existente aberto à esclarecimento
em busca de auxilio, de
relação, ou seja, o terapeuta, neste sentido é muito mais “pessoa” (como
assinala Rogers) do que propriamente um papel a ser desempenhado. Falar da aplicação da Fenomenologia à
prática clínica não Signi
fica transpor simplesmente certos conceitos
Embora a expressão “aqui-e-agora” já tenha conotações popula específ icos que são filosó
ficos e lógicos, circunscritos a este campo
res diversas, consideramos aqui alguns aspectos centrais a serem obser

Cabe este alerta para que não se faça uma —para o terreno da clínica.
vados. Uma relação calcada no “aqui-e-agora” envolve, antes de tudo, ções que o arcabouço fenomenológico pode
análise simplista das contribui
abertura, totalidade e presença. Abertura para a possibilidade do encontro nos
faz sentido falarmos de uma epochá na clínica proporcionar Assim, não
e presença efetiva do ser na relação enquanto totalidade. A partir disto, ou de dizer que a tarefa de
determinada técnica é dc atingir a
estabelece-se uma relação imediata, ou seja, uma relação onde não se ao se fazer uma transposição de conceitos E preciso cuidado
interpõem meios entre o terapeuta e o cliente. Estas qualidades já são para campos diversos.
apontadas por Martin Beber (1923/1979), quando este fala do diálogo Quando falamos de “prática clínica”, não estamos nos
limitando
enquanto realidade existencial. à posição clássica da psicoterapia, mas
estamos nos referindo a um con
junto de práticas que envolvem a tomada do
O que assinalamos até aqui, foi tão somente uma pequena parte fenômeno humano nos seus
processos de subjetivação, o que nos obriga a um
do desenvolvimento das ideias fenomenológicas e de suas aplicações ao as relações grupais, p. ex., mas igualmente olhar mais acurado para
campo da psicologia. A Fenomenologia surgiu como um dos principais para outros modelos de rela
ção psicológica, como é o caso do
movimentos da filosofia do século XX, como uma autêntica “revolução Aconselhamento Psicológico como
uma escuta ativa clínica
cartesiana”, como o retomo ao “pré-reflexivo”, como o resgate das essên

—, certos tipos de Acompanhamento Terapêutico,


dc tcrapias comunitárias, o CVV
cias da realidade que se havia esquecido anteriormente pelas filosofias (Centro de
Plantão Psicológico e até mesmo a situação de Valorização da Vida), o
pragmáticas e objctivistas, cuja preocupação residia apenas no progresso Psicodiagnóstico64
das ideias voltadas para o objeto, para o “ter” materialista e não para a Binswanger, por exemplo, é muito claro ao afirmar
que sua lei
essência e para a existência, para o “ser”. tura fenomenológica e sua proposição de uma
à clínica psicológica se refere a um novo análise existen cial aplicada
“método de investigação”, de
uma nova compreensão do homem. Ora, sem
6 ATITUDE FENOMENOLÓGICA E PRÁTICA CLÍNICA esta
aplicação técnica seria vazia. Quando propõe a compreensão qualquer
,
texto clínico, Binswanger (1965, 1967, 1971) análise do dasein no con
Então escrever é o modo de quem se propõe a uma “elucida
tem a palavra como isca: ção fenomenológica da estrutura total ou da
ação total da existência
a palavra pescando o que nào é palavra. como ser-no-mundo (ln-der-wel&se(n)», articul
numa perspectiva claramente
husserliana Neste sentido, não “cria” uma
ClaHce Lispeetor de vista de Binswanger, a psicoterapia psicoterapia nova. Do ponto
deve investigar a história do pa
À fenomenologia compete apresentar de maneira viva, analisar cm suas
relações de parentesco, delimitar, distinguir da forma mais precisa pos
Aus 1970; Rosenberg 1987;
tcrmos fixos os estado s psíquic os que os pacientes Amatj Echevea Brisola e GioveIli 1996;
sível e designar com noudis, 1997; Banz, 1997; Cautela
Junior, 1999; Cuiy, 1999; Mahfoud, 1999;
Spa.
realmente vivenciam. Visto que não se pode perceber diretamente um da, 1999; Morato, 1999; Carvalho 2002. Almei

1
92 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 93
—I

r
com a Daseinsanalyse de Binswanger, muito mais formalmente atrelada
ao movimento filosófico clássico.
fenómeno psíquico de outrem, assim como se percebe um fenômeno
sico, só se poderá tratar de representação, empatia e fi.
compreensão, a que
poderemos chegai, segundo o caso, pelo meio de levantamento
$
De qualquer modo, a caracterização destas duas abordagens no série de caracteres e simbolos sensivelmente perceptíveis, por de uma
uma es
contexto de psicologias ditas “fenomenológicas” ou “fenomenológico pécie de exj7osição sugestiva. (Jaspers, 1913/1987, 71)
p.
existenciais” se deve ao fato de que ambas consideram, de certo modo, que
Esta colocação de Jaspers serve-nos de introdução à questão
a fonte de todo conhecimento autêntico está na experiência imediata de si e da
aplicação da Fenomenozogia à situação de prática clínica.
de outrem. Ademais, apontam pan uma atitude tenpêutica desprovida de Uma análise
ideias apriorísticas e fl.mdamentam suas relações no momento do aqui-e- fenomenológica nos posiciona, enquanto clínicos, diante de um
fenômeno
específico que é uma pessoa, que wmjité nós em busca de
agora, no presente, na presença do terapeuta enquanto existente aberto à auxilio, de
esclarecimento.
relação, ou seja, o terapeuta, neste sentido é muito mais “pessoa” (como
assinala Rogers) do que propriamente um papel a ser desempenhado. Falar da aplicação da Fenomenologia à prática clínica não
signi
fica transpor simplesmente certos conceitos específicos
Embora a expressão “aqui-e-agora” já tenha conotações popula que são filosó
ficos e lógicos, circunscritos a este campo para o

res diversas, consideramos aqui alguns aspectos centrais a serem obser — terreno da clínica.
Cabe este alerta para que não se faça uma análise simplista
vados. Uma relação calcada no “aqui-e-agora” envolve, antes de tudo, das contribui
ções que o arcabouço fenomenológico pode nos proporcionar.
abertura, totalidade e presença. Abertura para a possibilidade do encontro Assim, não
faz sentido falarmos de uma epoché na clínica ou de dizer
e presença efetiva do ser na relação enquanto totalidade. A partir disto, que a tarefa de
determinada técnica é de atingir a intersubjetividade. E
estabelece-se uma relação imediata, ou seja, uma relação onde não se preciso cuidado
ao se fazer uma transposïção de conceitospara campos
interpõem meios entre o terapeuta e o cliente. Estas qualidades já são diversos.
apontadas por Martin Buber (1923/1979), quando este fala do diálogo Quando falamos de “prática clínica”, não estamos nos limitando
enquanto realidade existencial. à posição clássica da psicoterapia mas estamos nos
referindo a um con
O que assinalamos até aqui, foi tão somente uma pequena parte junto de práticas que envolvem a tomada do fenômeno
humano nos seus
processos de subjetivação o que nos obriga a um olhar mais
do desenvolvimento das ideias fenomenológicas e de suas aplicações ao acurado para
as relações grupais, p. ex., mas igualmente para
campo da psicologia. A Fenomenologia surgiu como um dos principais outros modelos de rela
ção psicológica, como é o caso do Aconselhamento
movimentos da filosofia do século XX, como uma autêntica “revolução Psicológico como
uma escuta ativa clínica certos tipos de Acompanhamento —

cartesiana”, como o retomo ao “pré-reflexivo”, como o resgate das essên —,

Terapêutico,
de terapias comunitárias, o CVV (Centro de
cias da realidade que se havia esquecido anteriormente pelas filosofias Valorização da Vida), o
Plantão Psicológico e até mesmo a situação de Psicodiagnóstico64
pragmáticas e objetivistas, cuja preocupação residia apenas no progresso
das ideias voltadas para o objeto, para o “ter” materialista e não para a Binswanger, por exemplo, é muito claro ao afirmar que sua lei
essência e pan a existência, para o “ser”. tura fenomenológica e sua proposição de uma análise
existencial aplicada
à clínica psicológica se refere a um novo “método de
investigação”, de
uma nova compreensão do homem. Ora, sem esta
6 ATITUDE FENOMENOLÓGICA E PRÂTICA CLÍNICA compreensão, qualquer
aplicação técnica seda vazia. Quando propõe a análise do
dasein no con
Então escrever ë o modo de quem texto clínico, Binswanger (1965, 1967, 1971) se propõe
a uma “elucida
tem a palavra como isca: ção fenomenológica da estrutura total ou da articulação total
da existência
a palavra pescando o que não é palavra. como ser-no-mundo (Jn-der-Welt_sei,,,í”, numa
perspectiva claramente
husserliana Neste sentido, não “cria” uma psicoterapia nova. Do
Clarice Lispector de vista de Binswanger, a psicoterapia deve investigar ponto
a história do pa
À fcnomenologia compete apresentar de maneira viva, analisar em suas
precisa pos
relações de parentesco, delimitar, distinguir da forma mais ‘ Augras, 1970; Rosenberg, 1987; Arnawzzj Echevenia,
Brisola e Giovelli 1996; Spa
sível e designar com termos fixos os estados psíquicos que os pacientes noudis, 1997; Bartz, 1997; Cautela Junior, 1999; Cuiy, 1999;
realmente vivenciam. Visto que não se pode perceber diretamente um da, 1999; Moraio, 1999; Carvalho, 2002. Mahfoud, 1999; Mmei
94 Adriano Furtado Holanda

ciente, mas na direção da compreensão de sua história de vida tMo_no


sentido de explicá-la. A psicoterapia atua no sentido de mostrar ao pa
ciente onde, quando e em que medida a realização da plenitude de sua
Fenomenologia e Humanismo

Segundo Bucher (1983), a Fenomenologia


são dos processos de interação psicoterapêutica auxilia na compreen
a
intersubjetividade e da colocação do ser-no-mundo.partir da análise da
A Fenomenologia
95 r
humanidade foi se tomando impossível, fazendo-o experimentar tudo isto aplicada à Psicologia, pode ser entendida como
uma postura, uma atitude
da forma mais radical possível. Para Binswanger, o terapeuta se asseme que nos abre todo um leque de possibilidades,
desde um modo de apreen
lha a um “guia de montanha”, sendo o analista uma pessoa que se coloca são do humano até formas de plenificação
da existência. Mas podemos
no mesmo plano de seus pacientes: plano da existência comum, de com partir do lado do psicoterapeuta nesta análise:
como Buberjá assinalara, é
panheiro existencial, onde a ligação entre ambos terapeuta e paciente da responsabilidade do terapeuta se deslocar
— —
em direção de seu paciente
não é um simples contato psíquico, mas um encontro. para compreendê-lo. Isto traz à baila uma reflexão
sobre as possibilidades
e dificuldades que temos em nos posicionarmos
Buber (1965, 1957/1988) igualmente nos alerta para certos pe livre, despojada, diante das coisas e do mundo.
de uma maneira “isenta”,
rigos de uma análise simplificada do fenômeno psicológico, à luz das que a Fenomenologia propõe como metodologia,
E neste ponto, tocamos o
diversas filosofias. Num famoso colóquio com CarI Rogers, Buber aponta coisas-mesmas”. Uma possível leitura que
como o “retomo às
para certas divergências que uma interpretação psicológica de sua filoso podemos ter do legado de
Husserl para nossa situação especifica de
fia poderia ter. Estas divergências são ainda mais esclarecedoras do que a no esforço em nos posicionarmos “sem psicoterapeutas está exatamente
própria aproximação entre seus pensamentos (Rogers & Buber, 1957/ misturas”, sem amálgamas, diante
das coisas, numa posição de observador que
2008). Para Buber, a função do terapeuta que se aproxima da do educa participa, mas não interfere.

Situação complexa senão impossível de ser


dor seria de realizar as potencialidades do outro, o que passa por uma

realizada. Todavia, recor



demos um ensinamento de Cari Rogers,
consideração deste outro tal qual ele é, numa consideração de si como um quando se referia à “compreen
são empática” e à “autenticidade”, ambas
todo, simultaneamente como “potencialidade” e como “atualidade”. Buber, atitudes do terapeuta. Dizia que
o “esforço” na direção de realizá-las e
todavia, aponta para os limites que o princípio dialógico pode ter numa — uma consequente percepção disto
da parte do cliente/paciente —já seria “terapêutico”.
situação específica de psicoterapia, onde os papeis já estão previamente A situação de psicoterapia é uma situação de
definidos e bem destacados: campo fenomenológico nosso campo vivencial, campo, onde nosso

na expressão de Kun Lcwin se relaciona ou nosso “espaço vital”,


Um homem vem a você para ser ajudado. A diferença essencial entre —
e intenge com outros campos
seu papel e o dele é visível. Ele vem para ser ajudado por você (...). E fenomenológicos, partilhando experiências e
sentimentos mútuos, mesmo
não é somente isto. Você o vê, realmente. Não quero dizer que você reconhecendo a impossibilidade de uma troca de
posição. Se não podemos
não possa se enganar, mas você o vê, exatamente como ele é. (Buber, trocar de posição com o outro, então não
podemos afirmar nada a este ou
1957/l988,p. 161) tro, dado que isto seria apenas a minha
projeção sobre este outro. Assim,
podemos apenas acompanhar o processo do outro.
O que Buber assinala é que não é função do cliente confirmar o Neste sentido, uma pos
tura fenomenológica é uma postura compreensiva,
terapeuta, enquanto que, do lado do terapeuta, compete a este confirmar onde a noção de “inter
venção” ganha outros contornos: uma postura
seu cliente, e acrescenta: de uma postura explicativa, como já assinalara compreensiva — ao contrário
Dilthey acompanha o
a relação específica de ‘cura’ terminaria no momento em que o processo do outro, e não interfere sobre este —

processo.
paciente lembrasse e conseguisse praticar, de sua parte, o envolvimen Esta postura, esta posição tomada pelo terapeuta,
to, experienciando assim o evento do lado médico. O curar como o por uma escuta ativa, por uma observação se caracteriza
atenta, numa espera pela emer
educar não é possivel, senão àquele que vive no face-a-face, sem con gência do fenômeno do outro. Ao contrário
da
tudo deixar-se absorver. (Buber, 1923/1979, p. 152) naturalista ou explicativa, caracterizada por uma perspectiva tradicional,
atribui sentidos de fora para dentro. Pan atitude apriorística, que
Este alerta apenas introduz uma leitura que a Fenomenologia e realizar esta tarefa e permitir a
emergência do outro enquanto fenômeno é
as Filosofias da Existência podem legar às práticas psicoterapêuticas. preciso que o terapeuta se
encontre com o cliente nele, com ele e através
Então, como podemos entender a fenomenologia aplicada à psicoterapia; dele (Ribeiro, 1985). Para
tal, faz-se necessário realizar uma operação
ou, como poderíamos definir uma postura fenomenológica num contexto de consciência, que encontra
o similar lógico da “redução” na fenomenologia,
clínico? e cujo significado es-
96 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
97
r
sencial para o contexto clínico podemos designar pelo termo abertura, ou ser a valorização do encontro, do
presente, do momento onde este ocorre,
seja, significa que o terapeuta está aberto para perceber seupacientena do aqui-e-agora.
quilo que este se apresenta como mais essencial, naquilo que ele é, des Nesta perspectiva, a subjetividade do
cobrindo-lhe a totalidade. E abertura nos remete a responsabilidade, que em partes, mas em seu todo ou, dito de cliente/paciente não se dá
outra forma, o sintoma como
significa dizer que se está disponível, pronto a responder à demanda do manifestação presem jfica o sujeito, presenta_o —

existencial e em todas suas relações existenciais em toda sua expressão


outro (respons-habilidade).
Uma atitude que chamaríamos de “fenomenológica” difere de Um dos sentidos primordiais de uma
uma atitude “fenomenista”. Uma atitude “fenomenista” confunde o que na clínica consiste, pois, na “atitude fenomenoløgica”
consideração do outro como um sujeito —
se percebe com o próprio ato de perceber e, assim, o mundo se toma uma ativo e concreto contrarjamente à
concepção naturalista que transforma
representação. Já a proposição husserliana da Fenomenologja na mesma


este sujeito num “objeto”, como um
“doente” a ser “tratado”, e não como
esteira da dúvida cartesiana — é de um questionamento continuoeininter uma pessoa, como assinala Buber, que
está no mesmo nível existencial
rupto. Fazer fenomenismo é ficar no campo das simples descrições das do terapeuta, como aponta Binswanger.
Fazer fenomenologia na clínica é
aparências. No campo da psicoterapia, encarar a emoção do cliente como valorizar e privilegiar o encontro, o
“estar-junto” no presente, o que de
uma mera expressão sintomática (seja positiva, seja negativamente) é termina a diferença cracial entre a relação
médica
colocar-se no plano do simples fenomenismo; igualmente fenomenista caracterizada pelo uso de agentes intermediários (que é unidirecional e
seda a postura de inserir tal emoção ou vivido do cliente, dentro do arca cos, que são “aplicados” a um “paciente” fisicos ou bioquími

que se submete ao tratamento) e


bouço teórico de determinada abordagem, o que implicada em considerá a relação psicoterápica (que se
caracteriza pela relação direta, cujo meio é
-la como a manifestação viva da tese a priori de tal ou qual abordagem o próprio “ambiente humano”, na
condição do diálogo, dia-logos, huma
ou, em outras palavras, seda simplesmente um “enquadre”, onde se afir no) (Bucher, 1989).
ma não a compreensão de um sentido, mas a comprovação de uma tese A Psicoterapia deve ser entendida
sobre o sujeito e seu mundo. Assim, qualquer apropriação meta-teórica base é a relação de significados que o como um processo, onde a
retira o sujeito de sua condição fenomenológica. Ao contrário, uma atitude cliente traz. Neste processo, o aten
dimento psieoterápico é uma possibilidade
fenomenológica seda a inserção de determinada manifestação do clien de “ajuda” ao paciente na
compreensão de seu processo de significar
te na totalidade de sua existência. Tomemos um exemplo: E os significados precisam ser
buscados na palavra. Numa perspectiva
é mero signo, mas é sentido, é fenomenológica, a palavra nunca
Estou pensando, especificamente, em certos trabalhos de corpo ou significado é ato, é aprópria manifestação
com o corpo, onde o gestaltista pode reduzir-se a um simples fenome do ser-próprio do outro. Psicoterapia
se toma então um processo de “pes
nista, isto é, lidar com o que acontece, com as aparências dc uma car a palavra”, como na poesia de
Clarice Lispector: “Então escrever é o
emoção, por exemplo, sem colocar este fenômeno dentro de um ser modo de quem tem a palavra como isca:
a palavra pescando o que não é
maior, sem perceber o sentido existencial daquela emoção com o res palavra”. O terapeuta é como o escritor,
que tem a palavra como isca. As
tante da totalidade do cliente. Trata-se de uma ação sobre a aparência palavras podem ser vazias, e estes vazios
da aparência. Assim como a fenomenologia, a ação psicoterapêutica rapia é um processo de re-descobrir podem dominar o ser. Psicote
não pode ser uma simples descrição do que se vê, mas uma interroga sentidos, de re-significar coisas ou
situações; é um processo de transformação
ção do todo que aparece (...). (Ribeiro, 1985, p. 45) vazios para o discurso transformador onde se transita de discursos
Em suma, se prestarmos atenção ao cliente, este se nos revela, Na perspectiva fenomenológica
privilegia-se a “qualidade” do
não apenas em partes, mas na sua totalidade. As partes são objeto das contato e, no caso da psicoterapia, a
qualidade da escuta é dirigida para o
ciências. O terapeuta que assume uma postura fenomenológica se toma significado e não para o significante. Na
visualização de tal atitude se isto é expectativa de proporcionar a
um verdadeiro facilitador da emergência do ser de seu clienteLum facili —
possível, através da rigidez dos es
tador do fenómeno-cliente, pois sabe que ninguém melhor da que ele- quemas teríamos algo semelhante ao

de se pensar a dialética da clínica: que segue, enquanto possibilidade


mesmo para interpretar a sua própria realidade. Esta é uma posição de
fendida explicitamente por CarI Rogers, por exemplo, e por boa parte da
vertente existencial e humanista da Psicologia. A Fenomenologia passa a

1
98 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
99
palavra falar (Amatuni, 2001b).
Neste irocesso o paciente viveese..
vive o iilcompreensçyej Como
FALA expressa Clarice Lispector: “Escrever é
procurar entender, é procurar reproduzir
o
último fim o sentimento que permaneceria irreproduzfvel é sentir até o
/\ FENÔMENO
apenas vago e sufocado?’.
Fazer a palavra falar: esta é a tarefa da
psicoterapia. Sair de um
discurso vazio ou de um sentimento que
um discurso que seja um dito, que seja sufoca, que não se expressa, para
‘4, for dito ou atualizado na plenitude
um ato realizador. “Enquanto não
de um dizer ou de uma prescntifica
DITO EXPRESSO ção, um sentimento permanece vago
e sufocador. A partir do momento
em que ele é dito, algo se transforma
(..j” (Amatuzzi 2001b, p. 63).
Uma psicoterapia fenomenoiógjca
1 COMPREENDER
palavra e sentido, dito e vivido caminha na direção de reunir
(MerleauPonty) mas não através de uma
‘4, imposição de sentido (de fora para dentro,
tro para fora, como uma transformaçã como atribuição), mas de den
o que se dá no fenômeno
NÃO HÁ COINCIDÊNCIA HÁ COINCIDÊNCIA ser do outro, através dele mesmo, próprio do
ENTRE DITO E EXPRESSO ENTRE DITO E EXPRESSO esta escuta o principal instrumento permeado.pela escutcrdo terapeuta. E
do terapeuta quarna fenornenoiogj
camente Escuta de sentido, e não da forma.
“Nunca eu tivera querido, dizer palavra Como diz Cecilia Meireles:
Tentamos explicitar o seguinte, a partir dessa esquematização. tão louca: bateu-me o vento na
boca, e depois no teu ouvido. Levou
O “objeto” mesmo da psicoterapia dado que a imensa maioria dos pro somente a palavra, deixou ficar o

sentido”.
cedimentos técnicos nesse campo é de cunho verbal é a “fala”, aquilo —

Rogers, em Um Jeito de Ser, Coloca


que é “dito” pelo cliente, é aquilo que ele traz privilegiadamente ao terre sentimento básico que gostaria de o seguinte: “O primeiro
no da clínica65. Esta “fala” pode ser considerada em duas perspectivas. partilhar com vocês é a minha alegria
quando consigo realmente ouvir alguém”
Num primeiro aporte, podemos considerá-la como “signo”. realmente, escutar verdadeiramente (Rogers, 1983, p. 4). Ouvir
Nesta perspectiva o que se fala o que é “dito” não corresponde ao que Esta é a tarefa do psicoterapeuta
Ouvir não a palavra dita mas o

é expresso, ou seja, aquilo que se mostra “esconde” algo, não representa




que diz a palavra. Obfr paliivra e
escutar o sentido. A palavra falada
um sentido em si mesmo. Se assim for, este signo precisa ser “decifrado”, nem sempre se encontra com o sentido
vivido. Nas psicoterapias de orientação
e esta decifração se dá pela interpretação, que irá “revelar” o sentido palavra é percebida em si e através de fenomenológica e existencial, a
“oculto” e não-acessível diretamente. Mas podemos ter uma segunda si.
consideração, onde esta fala é tomada como um “fenômeno” em si e, “O que faz o psicoterapeum? Ele nos
ganizamos nosso mundo, e como nossos ajuda a perceber como or
como tal, o “dito” encontra correspondência com seus modos de expres problemas se prendem á forma
são. Em outras palavras, o sentido não mais está oculto, mas igualmente como fazemos isso” (Amatni 2001b,
p. 69). Paul Ricoeur fala de um
presente na diversidade de modos de expressão, bastando para tal que distanciamento que a linguagem opera em
de “distanciamento da significação” relação ao real, ao que chama
seja acessado pela “compreensão”. Esta compreensão pode ser feita por Ouvir é entrar em contato com o que
qualquer modo de acesso ao sujeito do cliente, dado que enquanto fe —
a pessoa diz:
nômeno este sujeito se manifesta e se apresenta, se presentifica, em

todos seus modos de expressão, pois cada um deles é a totalidade presen a fenomenologia do ouvir se expande
logo. O que acontece então quando o ouvir em fenomenologia do diá
te do próprio sujeito. chegou a esse nível de pra
flindidade? O passo seguinte pode ser expresso
Uma psicoterapia “fenomenológica” é aquela que busca o en terpelação do outro, sinto a necessidade assim: penuitindo a in
da resposta. Seu discurso já
tendimento, a compreensão da palavra, ou seja, é o processo que faza não está nele. Está agora em mim.
(Amanizzi, 2001b, p. 71)
Poderiamos substituir o exemplo, aqui, pelo corpo, nas tempias corpomis, por exemplo.
Adriano Furtado Holanda Fenomenotogia e Humanismo 101
100

Uma psicoterapia “fenomenológica” é isto, uma relação inter ao ser descoberto). Este é o mesmo caminho que Buber (1923/1979)
subjetiva. E uma boa metáfora para entendermos a fenomenologia na aponta pan a relação dialógica: o homem se realiza na linguagem, quan
do se toma palavra. Pálávra, para Buber, é ato.)
clínica é a questão do silêncio e da palavra: palavra e expressão7iWncto
e expressão. Quantas e quantas vezes nossos clientes ficam em silêncio A Fenomenologia propõe que o significado, o sentido, aquilo
absoluto e nos dizem, ao mesmo tempo, uma infinidade de coisas. Saimos que habita a palavranãoéopensamento, é anterior a este. A isto Husserl
do terreno do “significado” (daquilo que é significado por alguém ou já denomina de “èxperiência pré-reffexiva”; a isto Merleau-Ponty chama de
dado) para o terreno do sentido, do vivido, que nos é comum e que cãli, “intenção primordial”. E sobre este solo filosófico que a maioria das prá
na própria fala. ticas psicoterápicas ditas humanistas, fenomenológico-existenciais ou

simplesmente existenciais se apóia quando constituem suas praris num


A plena expressividade ou não da fala, ou seja, sua autenticidade, po

desvelar de sentidos, numa busca de significados anteriores às falas, num


de ser descrita a partir de sua relação com o pré-verbal que a mobiliza. conjunto de métodos e técnicas com vistas a permitir ao cliente retomar à
Esse algo que a precede e a mobiliza, posto que não-verbal, pode ser sua experiência vivida. E nisto que se constitui a possibilidade de com
denominado, numa aproximação primeira de silèncio. A fala é a mpw
ra de um determinado silêncio. (Amatuzzi, 2001a, p. 24) preendermos o “retomo às coisas-mesmas” da Fenomenologia.
Quando Carl Rogers define sua proposta psicoterapêutica como
O psicoterapeuta deve estar atento ao significado que a fala tem, sendo um processo, cujo centro é a troca de experiências vivenciais entre
naquilo que a conecta diretamente ao ser próprio do sujeitoL A Fenome terapeuta e cliente, caminha na direção de uma Fenomenologia. Impres
nologia diz de um sentido e um significado que antecedem ao signo da cindível uma postura específica da parte do terapeuta, como sendo a
própria fala, ou seja, diz de algo que remete o sujeito a um pré-reflexivo, dedicação do terapeuta em ir na direção do clienteLno ritmo do cliente e
a um pré-cognitivo. E a fala que contribui para modificar o sentido co com a maneira única de ser do cliente” (Bozarth, 1979, p.1). A “Aborda
mum das palavras, mas os sentidos comuns que constituem a fala, afirma gem Centrada na Pessoa” de Rogers supõe um compromisso da totalidade
Merleau-Ponty (1945). “Quando a fala é original ela faz evoluir a própria do terapeuta com a totalidade do cliente. Max Pagês (1986) aponta que
língua” (Amatuzzi, 2001a, p. 25). t()
Rogers é implicitamente fenomenólogo a nosso ver na medida em
Para Merleau-Ponty, é o siléncio primordial que se encontra

que para ele a fonte de todo conhecimento autêntico reside numa expe
por detrás do “barulho das palavras” que é a “alma da palavra pronun
— dência que partindo da experiência cotidiana, destaca-se daquela que
ciada”, ou seja, é o que se concretiza e o que se constitui como sentido no contém pré-concepções e quadros intelectuais defonnantes” (pp. 5-6).
mundo do discurso. Em outras palavras, é na fala que se realiztum senti Mas Spiegelberg (1972) assinala a influência, sobre Rogers, de dois de
do anterior. Mas, “a ruptura do silêncio que dá origem àtala não épro seus colaboradores, Donald Snygg (que mantinha contatos com Kõhler e
priamente a eliminação do silêncio, mas uma realização dele” (Amatuzzi, Koffka) e Arthur Combs, afirmando contudo que o caso de Rogers

200 la, p. 25). Esta é uma regra importante no contexto da psicoterapia: o seda de “C..) um espontâneo paralelo posterior confirmado pelo desco
silêncio primordial carrega o sentido das falas, mas é pela fala que este bdmento de acordos corroborativos” (p. 150)66.
sentido se realiza. Buscar o sentido anterior à fala não implica em negá Quando a Gestalt-Terapia fala dejawareness, por exemplo, e a
-la, mas em acolhê-la. Como a regra dialética nos ensina, a resposta está define como a experiência de estar em contato com a própria existência
contida na própria pergunta. E pela fala que acessamos o silêncio primor ou, como assinala Ribeiro (1993), como a experiência de estar consciente
dial. Ao terapeuta cabe caminhar junto com seu cliente, na fala dele, atra da própria consciência, está-se assinalando este “retorno” a uma expe
vés dele. riência que a Fenomenologia descreve como sendo pré-predicativa. To
Merleau-Ponty (1945) ainda dá exemplos de falas originárias: a davia, esta awareness não pode ser uru “objetivo” a ser perseguido pela
do apaixonado (que descobre sua paixão), a do escritor (ou filósofo, que terapia, pois se tomaria um “objeto”. Mas o caminho proposto pela Ges
despertam a experiência primordial), a do poeta. Nestes, é o silêncio pré- talt-terapia que alguns de seus interlocutores principais definem como

-verbal que mobiliza e conduz a fala; esta, já estava contida neste silên sendo o “contato” (Peris, Hefferline & Goodman, 1951/1997; Poister &
cio: o apaixonado identifica seu sentimento, que se revela (que se des
vela), e que pré-existia (e que toma um formato novo, um novo estatuto, Halting e Nill (1995) confirmam esta direção.
102 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
103
Polster, 1973/2001) — pode ser o caminho que permite a apresentaÇâo humano, seja pela introdução de novas técnicas
ou instrumentais. No caso
dessa linguagem a que nos referimos. da Daseinsanálise, a leitura heideggeriana intro
duz um novo modus ope
randi em relação à análise dos sonhos,
A finalidade da psicoterapia é levar o cliente à sua consumação, isto é, por exemplo. Para a Daseinanóli
se, o sonho é um modo que o sonhador tem
a desdobrar-se até a plenitude no agir, no pensar, no expressar-se pela de estar-no-mundo, compa
linguagem. Isto significa que o homem todo inteiro é o sujeito do pro rando-se o mundo onírico ao mundo da
vigília. Assim sendo, o sonhar
cesso psicoterapêutico (...). O discurso unitário é a pessoa do cliente e contém a história de vida do sonhador —
passada, presente e Mura e
a do profissional, o vinculo é a relação. Neste sentido, a relação é uma seus elementos aludem a esta história, e —

faz com que a análise do sonho


Gestalt. (Ribeiro, 1985, p. 30) estabeleça relações entre o sonhador e seu
mundo vivido (Santos, 2004).
Segundo Boss e Condrau (1997),
Quando a Daseinsaflálise fala de abertura; está falando da di
mensão existencial do ser humanp. “Se há algo que é essencialmente de a abordagem daseinanalitica da constituição fund
amental
natureza humana é a abertura. E para isso que Martin Heidegger nos humano é igualmente importante na prática terapêutica. do ser-
notavelmente a aplicação da terapêutica de uma Permite
chama a atenção em sua ontologia fundamental. O homem é essencial- nova com pree nsão
dos sonhos assim como uma concepção com
mente ser-aberto diante do que vem a seu encontro no seu mundo” quilo que se chamou até
pletamente diferente da
(CyttytlowicZ, 1997, p. 64). E compara a figura do terapeuta com a do agora nas escolas freudianas e junguian
‘transferência’ entre o paciente e o terap as de
jardineiro, que cultiva uma planta: euta. Menos palpáveis mas
não menos essenciais na prática terapêutica são
se interpuseram no clima da análise. (p. 33) as modificações que
(...) á tarefa primordial do terapeuta zelar pelo desabrochar da riqueza
humana, isto é, estar constantemente atento para o desvelamentQ dp Com a Logoterapia de Viktor Franld, influ
poder-ser próprio de ca4a paciente. Não é o terapeuta quem deve indi nologia e da Analítica Existencial toma cont a ência da Fenome
car o que é próprio de cada paciente isto é até um contra-senso em ornos de fundamentos bási
cos, mesmo que as referências de Franld

) relação ao sentido mesmo do próprio. O terapeuta deve atuar como um


das. Franld — em conferência de 1961 —
à fenomenologia sejam limita
dJ Ç jardineiro que cultiva uma planta. O jardineiro não produz a planta
como se produz um automóvel, não cria a terra, nem a semente, nem um dos “fundamentos filosóficos” da Logo
nomeia a fenomenologia como
terapia, referindo-se a uma
planeja os passas que devem ser seguidos pela planta para atingir a análise dos “dados imediatos da experiência”
maturidade, florir e frutificar. Ele somente cria elhorescon4içe5 a partir de um suporte fe
nomenológico, descrito em seu texto intitu
lado Fsychotherapy and Exis
(...). O terapeuta deve auxiliar o paciente a desvelar as próprias possi tencia/isni (FranE, 1967; Spiegelberg, 1972
). Definida como a “psicote
bïlidades. (CytrynOWicz, 1997, pp. 69-70) rapia do sentido da vida”, a Logolerapia
que durante muito tempo foi
chamada de “análise existencial” procura com

Igualmente, a Fenomenologia e a Analítica Existencial de Hei —,


preender o homem como
degger re-constituem o olhar que a psicoterapia e a psiquiatria podem ter um ser que busca sentido para sua vida
, e que o sofrimento e a falta de
sobre o fenómeno da patologia, ou sobre o “ser-doente”. Como assinalam sentido configuram o que Franld (1991)
define como o “vazio existen
Boss e Con&au (1997, p. 29),
cial”. Uma referência pode nos ajudar a
compreender como que a pers
pectiva existencial introduz um novo senti
do de apreensão do fenômeno
(...) qualquer modo do ser-doente só pode ser compreendido a partir psicológico, segundo Franld:
do modo do ser-sadio e da constituição fundamental do homem nor
mal, não perturbado, pois todo modo de ser-doente representa um as Nem todo conflito é necessariamente neur
ótico; ce dose de conflito
pecto privativo de determinado modo de ser-são. é normal e sadia. De forma similar, o sofrimento
nórneno patológico; em vez de sintoma de neur não é sempre um fe
Estas perspectivas filosóficas introduzem temas que norteiam a ser perfeitamente uma realização humana, espe ose, o sofrimento pode
mento emana de frustração existencial cialmente se o sofri
análise existencial, tais como a corporeidade, a espacialidade, a abertura e (...). A frust ração existencial
a liberdade. São temas que se articulam no sentido de ajudar à compreen em si mesma não é patológica nem patogêni
mesmo o desespero da pessoa sobre se a sua vida ca. A preocupação ou
são do ser-do-homem. Igualmente permitem novas perspectivas no cam vale a pena ser vivi
da é uma angústia existencial, mas de forma algu
po da psicoterapia, seja pela ótica da própria compreensão do fenómeno tal. (Frankl, 1991, p. 94) ma uma doença men
104 Adriano Furtado Holanda

Todos esses exemplos não fazem destas abordagens formas


“puras” de fenomenologia, nem constituem uma “escola” fenom
enológi
ca de psicoterapia, mas deixam claras as possibilidades que o método tem
ç
de se constituir numa prática. A rigor, nos dá como norte, a ideia de que
uma prática sem firndamentação é uma prática vazia; mas uma clínica
embasada se toma um momento de transformação.
Uma prática clínica objetiva deve vir precedida de uma reflexão PARTE II
crítica sobre si mesmo. Num dos poucos legados escritos de Laura Feris,
encontramos uma passagem que reflete tanto sua clareza de ideias quanto
sua lucidez epistemológica contrariamente a Fritz, que nem sempre

apresentava uma posição epistemológica lúcida quando relembra uma


passagem do Fausto de Goethe, e se remete a Mefistófeles dizendo que


“o Diabo é o mestre dos atalhos, e (...) suas ferramentas são a simplifica HUMANISMO E HUMANISMOS:
ção, a manipulação e a deformação” (Perls, 1994, p. 140). Com isto cha PENSAR O HUMANO NA CLÍNICA
mava a atenção para o risco de se confundir a prática clínica comjirn
conjunto de técnicas. Nesta direção, a fenomenologia pode-ser--um-exce
lente instrumento dè fundamentação para a clínica, mas não pode ser
confundida com “instrumentais” clínicos. Momo sum;
Seria mais fácil se delimitar um campo de “pesquisa fenomeno humani nihil a me
lógica”. Esta facilitação se dá pela dificuldade que o terapeuta no cam

alienum pote.
po clínico tem de se desvincular do conjunto de a pdori presentes em sj

prática, em especial no que se refere às diversas “meta-teorias” aqueles


pressupostos conceituais que constituem o continente teórico de detenti


Terêncio
iJI
nada abordagem, que servem de solo para suas proposições técnicas e que INTRODUÇÃO
findam por se tomar o único “crivo” interpretativo da realidade à qual,
invariavelmente, os terapeutas recorrem para justificar suas práticas. Ser “humanista”, geralmente, aparece ora como um qualificati
vo, ora como definidor, e ora como crítica de uma série de modelos de
Por “pesquisa” queremos significar a atitude de buscar conhe pensamentoS e a psicologia não escapa dessa tradição. A questão que
cer. E afinal, como já apontara Sócrates, a atitude fundamental para se subjaz a esta afirmação é a de estabelecer um entendimento do que se
procurar conhecer é reconhecer que nada se sabe ou, como numa clássica pretende classificar como “humanismo”. Ademais, o qualificativo para
epígrafe de Vincent Van Gogh: “E preciso aprender a ler, como é preciso —

doxalmente exclui, pois coloca abordagens em contraposição a outras:


aprender a ver e aprender a viver”.

costuma-se opor às abordagens “humanistas” (tradicionalmente compre


endidas como aquelas nascidas em solo americano), as abordagens “exis
tenciais” (classicamente consideradas como as europeias); ou ainda a
abordagens “materialistas”, ou outras “analíticas”, etc. Mas o que temos
em comum a todas elas é exatamente o que constitui a premissa para a
1
construção de uma ciência “humana”. -

Mas afinal, o que é o humanismo? De qual humanismo se fala,


ao se tomar o substantivo genérico? Do verbete de dicionário, que ora
remete a um movimento cultura) da renascença, ora define-o com uma
generalização de contexto? Ou estaremos falando de um “espírito de épo
106 Adriano Furtado Holanda

comum a certos momentos históricos? Ou ainda, estaremos atribuin


Fenomenologia e Humanismo

dade de se colocar a Psicologia no contexto das


manas” e, assim, questionar-lhe seu status.
chamadas “Ciências Hu
107
r
do-lhe um sentido de “escola” de pensamento, quando nem mesmo con
seguimos localizá-la no tempo? Ou mesmo será ainda “necessário” se Sem dúvida que esta proposição mais se
falar de humanismo na atualidade ou este qualificativo remete a um de projeto do que como uma realidade concreta neste apresenta como um
espaço. Uma apropria
terminado contexto de crítica, supostamente superado pela evolução natu ção mais coerente e ampla da questão do
Humanismo pressupõe um estu
ral das ideias? do aproffindado de elementos diversos, tais como
a cultura
As afirmações de um caráter “humanista” relativas às aborda renascentistas; as artes (notadamente a pintura, a escultura e a sociedade
e a literatura da época (bem como seus e a arquitetura)
gens psicológicas em tempos diversos e em contextos diversos trazem

antecedentes no final da Idade


tanto uma compreensão histórica enquanto tentativas de questionar os Média); a progressão de ideias relativas às Humanlias

elaboração primordial, até sua recuperação no gregas desde sua


modelos vigentes de época, esses modelos se inserem num movimento de

século XVI a apropria


ideias que se alicerça numa percepção critica da apropriação positivista ção de uma ideia de “subjetividade”, na transição —,

da
da natureza humana quanto numa compreensão filosófica por pro Moderna (em especial, no período compreendido Idade Média à Idade
—, —

XV); dentre outras tarefas. entre os séculos XII-


pugnar, em referência à sua crítica, um modo de apreensão diverso do
tradicional, em referência ao sujeito humano e às suas interrelações. Diante disto, o que ora apresentamos é um
construção muito maior que ainda está para ser esboço de uma
Todavia, se nos apegarmos a uma definição por demais geral do

realizada mas que se


que compreendemos por humanismo, incorreremos no risco de sucumbir pretende meritória, por se propor a ser um simples —

ponto de partida.
à armadilha da simplificação. Relembrando a máxima de Terêncio: Homo Faremos um percurso que principia num questionamento
sirni; humani inhil a me alienum pulo “Homem sou, e nada de humano finaliza por alguns destaques. Consideramos ser e que
necessário,

me é alheio” a generalização nos coloca diante da indefinição. Indo do, apresentar a ideia de que não há propriamente antes de tu-
uma “corrente” huma
—,

nesta direção, como estabelecer fronteiras? No campo da Psicologia, por nista ou uma “escola” humanista que se possa
destacar da história do
exemplo, como negar o direito de ser considerado “humanista” a pensa- pensamento seja na Filosofia ou em qualquer das

ciéncias humanas e
dores tão díspares como Freud, Watson, Skinner, Lacan, Jung, Maslow, sociais. Seria mais apropriado encararmos o
humanismo como um “mo
James e outros? vimento” continuo, que invariavelmente brota
em duas direções: por um
O campo da definição se sustenta, pois, pela necessidade de lado, como crítica a apropriações diversas
que de certa forma, “des
subjetivizam” a realidade, ou que desapropriam o

construção de um contexto específico de ideias não necessariamente sujeito


própria perspectiva e privilegiam valores específicos humano de sua

dissonantes, mas relevantes, no cenário da multiplicidade do pensamento. —

em detrimento de
A proposta deste texto é de situar alguns elementos preLiminares uma visão de “globalidade”t melhor seria

dizermos em detrimento de
para construirmos um quadro compreensivo do humanismo em suas múl uma visão de interação ou de complexidade
e por outro
tiplas facetas, e procurar realizar “pontes” entre estes elementos e as projeto de valorização (ou de re-valorização)—;do humano. lado, como um
chamadas “psicologias humanistas” (ou mesmo as ditas psicologias Caminhando nesta direção, principiaremos com uma
genérica sobre a “ideia” de um Humanismo, que discussão
“existenciais”, “fenomenológicas”; ou ainda refletir sobre a possibilidade seguramente
Grécia Clássica, e conhece seu ápice nas diversas nasce na
dessa discussão, sua falibilidade ou inutilidade), seja como possíveis con manifestações
culturais e filosóficas do Renascimento europeu. artístico-
tribuições à sua prática, seja enquanto constatações de sua filiação ou Nosso plano, pois, é
aproximação. Neste sentido, destacamos a importância de uma “Leitura”
da questão humanista por detrás dos sentidos românticos (ou romantiza Apontamos aqui este e outros conceitos — como
“totalidade”, ou “holistico” sempre
dos) dos manuais, para além das definições formais dos livros de história, entre aspas, de modo a considerá-los em sua —

complexidade, apontando para uma visão


de modo que nos seja permitida uma aproximação mais fiel dessa ques critica que os coloca diante da fatalidade da sua
tão, sob um prisma mais amplo, e que sirva também para a superação como conceitos metafóricos que não podem ser impossibilidade, ou seja, tomamo-los
— —
apropriados como fatos ou dados em
si, mas tão somente como representações de
de preconceitos e arcaicismos interpretativos, motivados mais por ques estados ideais. A nosso ver, islo serve para
retirar-lhes a tentação da ronjantjzá-los colocando-os
tões ideológicas do que por compromissos com o próprio conhecimento. no lugar do “absoluto”. Tal ro
mantização foi responsável por consideráveis
atrasos no desenvolvimento de grande
De certa forma, inclusive, esta discussão serve para embasar a possibili pane das teorias e modelos psicológicos do
século passado.
108 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 109

apreciar a delimitação da ideia de humanismo; destacar uma primeira Em termos gerais, pois, significa reconhecer que “ser humano”
não é urna condição adquirida ou herdada, mas uma
aproximação com o campo da Sofistica elaborando alguns conceitos a

conquista. Nesta
partir da figura singular de Protágoras de Abdera, um dos primeiros a direção, uma série de pensamentos e pensadores refletiu sobre o
do “existir” e da “existência” Neste contexto geral, podemos sentido
afirmar o primado da subjetividade na história do pensamento e, final —

pensar todo
mente, aportar em algumas considerações a respeito do movimento re o movimento “humanista”3 em Psicologia, por exemplo

como um
nascentista, que sirvam de apoio a uma visão difereneiada do fenômeno movimento de protesto contra a inapropriação do sujeito vivente ao

seu
humano. próprio contexto de vida. Noz particular, representa uma
quebra, uma
ruptura com os modelos vigentes de época4. Esta quebra ou
Pretendemos, assim, estar iniciando um debate já tão diffindido ruptura está
intimamente ligada a mudanças concretas que ocorriam na
em outras áreas, tais como a história e a antropologia2 e, quiçá, apontar ciência e no contexto social de sua época. cultura, na
para a polissemia do conceito de “humanismo”.
Mas isto, por si só, não responde à totalidade das questões
postas. Há um fio condutor que liga todos os elementos pro
suprac itados. O
1 HÁ UMA “QUESTÃO” HUMANISTA? que a Psicologia Humanista, o Humanismo e o
Renascimento têm em
comum é o fato de serem todos movimentos de
O sentido que faz sentido, —

vanguarda, que se
é o sentido que é sentido. desenvolvem em momentos distintos e que guardam entre si
conexões
silenciosas mas poderosas, onde destacam o homem de uma ctiva
perspe
Vamos partir novamente da questão ffindamental: o que é o limitadora para uma concepção de homem como totalidade, como
expres
Humanismo? O que pode caracterizar um “humanista”? Qual o significa são da superação, como desafio à continuidade.
do de se estudar o Humanismo? Como relacionar o Humanismo com a Por esta razão é importante revermos um pouco da história
Psicologia enquanto disciplina e ciência e com a chamada Psicologia

constituição do sujeito da ocidentalidade através de momentos da
ca

Humanista ou Existencial, ou Fenomenológica em particular? E por


tivos de sua exploração e do seu desenvolvimento no signifi


mundo, para po

que sempre buscamos num período histórico tão antigo quanto a Renas dermos compreender o impacto e as possibilidades que um
modelo
cença, elementos para esta discussão? Enfim, qual o sentido de se estabe manista” propõe. Nomes como Heráclito de Efeso, Protágoras de “hu
lecer esse nível de correlações se é que estas existem?

ou Sócrates, na filosofia, passam a ser acompanJados por Abdera


Erasm o de
Respostas a estas questões podem ser relativamente simples, Rotterdam, Thomas Morus, Leonardo da Vinci e tantos outros, para
com
mas camuflam uma complexidade que subjaz à sua análise superficial. pormos um quadro cada vez mais amplo, até chegarmos à
atualidade5.
Pensar o Humanismo não é apenas apreciar um “movimento de época”. Por isto é que a nossa proposta é refazermos um
caminho: o caminho da
Pensar o Humanismo é refletir sobre questões cruciais para o desenvol
vimento da humanidade:
Não estalemos fazendo neste primeim momento
uma distinção entre os diversos
a) Em primeiro lugar, é pensar a luta do homem que reflete so

movimentos surgidos na Psicologia de meados do século XX.


Assim, incluiremos no
bre si mesmo; é refletir sobre o embate do ser humano que que ora denominamos de “movimento humanista” em
Psicologia, tanto as Psicologias
Fenomenológicas e Existenciais europeias, quanto a comumente
pensa a natureza e a realidade incluindo-se em relação a estas; Humanista” americana. Esta perspectiva se justifica pelo fato
conhecida “Psicologia
b) Num segundo contexto, é pensar a própria construção ou aqui, com uma “ideia” de humanismo e não com definições
de eslanflos lidando,
especificas deste.
constituição da subjetividade, a própria constituição deste Destaco neste momento o fato de que não há período hisiõrico
imune a reflexões “hu
sujeito no mundo que habita, e; manistas”, como não há período histórico distanciado
desta mesma questão. Críticas
aos modos de se agir ou de se movimentar no mundo,
c) Em terceiro lugar, é pensar o lugar do sujeito que pensa, e o enquanto baseados em pressupo
sições “limitadoras” são corriqueiras ao longo da história
lugar que este pensamento com todas suas derivações (cul

do, procuramos não destacar este ou aquele momento
do pensamento Neste senti
especifico como único, pan não
tira, ciência, sociedade) ocupa em relação a si próprio.

o senso de totalidade. -

Inclusive na Psicologia, com figuras tão significativ


perdeimos como Frita Perls, Carl Rogers,
Philip
2 Refiro-me, aqui, a estudos já consagrados, de autores tais como Georges Duby, Abrabam Maslow, Viktor Frankj, J. L. Moreno, C. O. Jung,
Ludwig Binswanger, E.
Ariês, Tzvelan Todorov e Jacques Le Goff. Minkowski, dentre tantos outros.
pe

4
F
110 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 111

História. Afinal, como já bem assinalara Wilhelm Dilthey (1833-191 1), mem?” e, a partir dela, traçar wn panorama histórico do
questão, desde a época clássica até os nossos dias. percurso desta
somos seres históricos e sobre ela estamos continuamente nos movimen
tando: é a história que dá sentido ao humano. A problemática contida na questão central da
Antropologia Fi
A discussão sobre o humanismo ou sobre o homem é tarefa atual losófica é que o questionameno contido na pergunta “o
que é o homem?”
da Antropologia Filosófica. Lima Vaz (1991) assinala que a pergunta toma o sujeito em objeto, ou seja, objetifica, “natural iza”
este sujeito. E
ffindamental “o que é o homem?”, é comum desde os primórdios do pen como assinala Jean Bmn (1982): “A inversão do Quem
sou eu? para O
samento ocidental, permanecendo como o centro de várias expressões da que sou eu? começou a partir do momento em que se
cessou de refletir
cultura, seja no mito, na literatura, na ciência ou na filosofia. Essa supre sobre a queda do homem para observar a queda dos corpos”
ma singularidade do ser humano de se interrogar nasce com a própria alusão aos primórdios do estabelecimento da dominância (p. 41), numa
do pensamento
cultura grega, inicialmente incipiente, para tomar corpo e se tomar domi científico na modernidade. Neste sentido, a pergunta
mais apropriada
nante com a Sofistica, no século V a.C. e encontrar a sua “expressão clás seria “quem é o homem?” por relevar em si o próprio
sujeito: “A interro
sica” com as quatro questões apontadas por Kant (Lima Vaz, 1991, p. 9): gação Quem é o homem? implica no reconhecimento
de um sujeito (..j,
que parte de si pan alcançar um ponto de interrogação
debruçando-se
— o que posso saber? (teoria do conhecimento); sobre uma verdade ao interior da qual ele tem o
sentimento de se encon
o que devo fazer? (teoria do agir ético); trar, sem poder coincidir plenamente com ela”

(Brun, 1982, p. 41).


— o que me é permitido esperar? (filosofia da religião); Ao procedermos a esta inversão, não se conclui apenas
sobre o
o que é o homem? (antropologia filosófica)6. ato do questionamento, mas se atualiza um sentido. A

interrogação não
mais se constitui no vazio do objeto, mas se plenifica num
sujeito (o que
No século XVIII, encontramos um terreno propício ao desen inclui sua relação com o mundo). Esta inversão é
necessária se pensarmos
volvimento das “Ciências do Homem” ou das Geisteswissenschaflen as — na progressão técnica e científica que alijou de seu
iocus de ação o senti
“Ciências do Espírito” como aponta Dilthey. Apesar disto, a própria

do da totalidade da existência humana
Antropologia Filosófica vê-se diante de um conflito, de uma crise, advin É sobre este caminho que se constrói, por exemplo, a crítica fe
da dos “novos saberes”, desenvolvendo duas vertentes: uma histórica, nomenológica7 ao naturalismo, e à apropriação que as
ciências em es
num esforço de entrelaçamento das diversas imagens de homem (entre o pecial, as ciências ditas “humanas” fazem deste método. —

E, pois, nesta
homem clássico, o cristão e o moderno); e outra metodológica, demons

inversão e no pensar esta inversão ou, nas palavras de


Husserl, é pensar
trada pela fragmentação da Antropologia Filosófica em múltiplas ciên

a “crise” da humanidade e da ciência2 que se constitui


o Humanismo e
cias. Para superar esta crise, surgiram algumas tendências, como o natu

que buscamos sua definição.


ralismo, contemporaneamente representado por Claude Lévi-Strauss e
Jacques Monod; e o cidturalismo, de Wilhelm Dilthey, que inspirou a dis
finção entre as “ciências do espírito” (Geisteswissenschafien) e as “ciências
da natureza” (Natunvissenschaften).
As tarefas flmdamentais da Antropologia Filosófica, a partir Esta critica abrwige todo o projeto husserliano, desde
suas primeiras obras como A
desta crise são: a elaboração de uma ideia de homem, a justificação criti Fitasojia corno Ciência de Rigo,; de 1910/1911 —

como na sua produção tardia (em es


pecial na Crise das Ciências Europeias e a


ca desta ideia e a sua sistematização filosófica. Cabe-nos refletir acerca Fenornenologia Transcendental quando
formula seu conceito de Lebensweft de 1936).
desta questão, procurando estabelecer o lugar do anthropos, do humano, 8
o tema da Cnse é finidamental na fenomenologia husserliana, embora somente
nesta reflexão. Para isto, faz-se necessário delimitarmos o campo global destaque nos seus últimos escritos, parlicuiarmente nos tenha
textos de 1935 e 1936: A Crise
da questão humanista, a partir da pergunta fundamental: “o que é o ho da ffu;na,,idade Europeia e a Filosofia (Husseri,
1935/1996) e A Crise das Ciências
&cropeias e a Fenornenologia Transcende,,gal (Hussert,
1936/1989; 1936/2012) To
davia, Husseri já vinha trabalhando nesse tema desde
os anos de 1922-23,0 que pode
6 Pan Martin Buber, à primeira questão responde a metafisica; à segunda, a moral; à ser observado por suas ubhcações para a revista KaL—o
do Japão, entre 1923-24, sobre
terceira, a religião; e à quarta, a antropologia (Buber, 1982). o lema da “Renovação” (Husserl, 2005, 2006).

1
112 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 113
1
2 OQUEÉOHUMANTSMO? Abbagnano (1992) atribui dois sentidos ao Humanismo: 1) como o mo
vimento literário e filosófico, com origem na Itália renascentista, na se
O fenômeno histórico mais gunda metade do século XIV e, 2) como qualquer movimento filosófico
importante é a humanidade que que considera como fundamento a natureza humana, seus limites ou seus
pugna por sua compreens5o.
interesses; ou seja, toda filosofia que tome o homem como “a medida de
Edmund Husserl todas as coisas”.
Nesta direção, o movimento literário-filosófico renascentista
Para André Lalande (1956), o humanismo pode ser entendido possui um significado histórico fundamental, que é o reconhecimento do
sob quatro prismas: valor do homem em sua plenitude (Abbagnano, 1992). Dentre os princi
pais representantes deste movimento temos, na Itália, Francesco Petrarca
1. Como um movimento de espírito, representado pelos huma (1304-1374), Coluccio Salutati (1331-1406), Leonardo Bmni (1374-
nistas do Renascimento, tais como Erasmo de Rotterdam, 1444), Lorenzo Valia (1407-1457), Giannozzo Manetti (1396-1459),
Francesco Petrarca, Lorenzo Valia e Ulrich de Hutten. Neste
León Bautista Alberti (1404-1472) e Mario Nizolio (1498-1576); na
sentido, foi um movimento que se caracterizou pelo esforço
França, Charles Boville (1470-1553), Michel de Montaigne (1533-1592),
de relevar a dignidade do espírito humano, através de um re
Pierre Charron (1541-1603), Francisco Sánchez (1562-1632) e Justus
torno à antiguidade clássica (às “humanidades” ou Humani
Ias poesia, retórica, história, ética e política—, e ao ideal de

Lipsius (1547-1606); na Espanha, Juan Luis Vives (1492-1540); e na
beleza grego), além de ser reativo ao dogmatismo escolásti Alemanha, RudolfAgricola (1442_1485)bo.
co e à filosofia medieval; Ainda numa interpretação literário-cultural para o humanismo,
2. Doutrina de F. C. S. Schiller9, de Oxford, exposta em obras este seria um movimento de retomo efetivo ás fontes da cultura clássica
como Humanisin, philosophical essays, de 1903, ou Studies (grega e latina), prosseguindo o ideal da Paideia” grega ou da Hunzanitas
in Humanism, de 1907: “O humanismo é simplesmente o fa latina, assimilado à cultura medieval.
to de se ter conta que o problema filosófico diz respeito aos Nesse sentido, as suas motivações iniciais são de natureza estética e
seres humanos no esforço de compreender um mundo de ex prática coincidindo com um mais normal acesso dos “seculares” à
periências humanas com os recursos do espírito humano”

cultura, propiciado pela difusão da imprensa e têm como referência


(citado por Lalande, 1956, p. 422); —

ffindamental, sob o ponto de vista especulativo, os modelos das filoso


3. Doutrina através da qual o homem, do ponto de vista moral, fias platônica e neoplatônica tidos como os mais consentâneos com

deve se ater exclusivamente ao que é da ordem do humano; o ideal da dignidade do Homem (microcosmos) e da Renascitas cristã.
assim, designa uma concepção geral da vida (seja esta políti (Pacheco, I990,p. 1.214)
ca, ética ou econômica), que se funda na crença na saúde do Num contexto geral, o humanismo apresenta como assuntos
homem por suas próprias forças. Neste sentido, opõe-se ao fundamentais:
Cristianismo que crê somente na força de Deus; e,
4. Doutrina que acentua a oposição, no homem, entre os limites a) O reconhecimento da totalidade do homem (corpo e alma,
do que é humano e do que é animal. destinado a viver no mundo e a dominá-lo);
Lalande ainda coloca que Bmnschvicg considera como inicia ‘O
Todavia Abbagnano (1992) não cita personalidades reconhecidas historicamente
dor do humanismo, a figura de Sócrates. Além disto, assinala para a inuti como
representantes do humanismo renascentista, como Erasmo de Rotterdam, Budé, Ulrich
lidade de se insistir sobre a questão da ambigüidade do termo. Já Nicola de Hutten, flomas Moms e Pico deila Mirandola.
“A educação por meio de disciplinas liherais, relativas a atividades exclusivas ao
Fcrdinand Cunning Scott Schiller (1864-1937), foi professor em Oxford e na Universi homem e que o distinguiam dos animais” (Pessanha, 1988, p. VIII). A Puideia
grega
dade de 1..as Angeles. Desenvolveu um “pragmatismo humanista”, acentuando o fato corresponde a Hurnaniras latina, e se refere à educação do homem, à formação
do ho
de que todo conhecimento tem um aspecto emocional e que a ciência deve obedecer a mem enquanlo pessoa humana singular. Toma-se, assim, sinônimo de “cultura”
um critério de utilidade (Reale & Antiseri, 1991). (Abbagnano, 1992).
114 Adriano Furtado Holanda Fenornenologia e Humanismo
115
b) A negação da superioridade da vida contemplativa sobre a mológica, mas virtualmente devido à
da natureza temos uma visão “admiração” decorrente das coisas
vida ativa; —
geocêntrica de mundo. Na Idade Média,
c) A exaltação da dignidade e da liberdade do homem; com a dominação do poder eclesiástico
e
de Deus supranatural, a visão de mundo com a perspectiva de uma ideia
d) O reconhecimento do sentido de historicidade do homem; cêntrica; enquanto que a Idade Modernapode ser considerada como teo
e) O apoio ao valor humano das letras clássicas, nas Hurnanitas cêntrica de mundo’3. Evidente que há inaugurou uma visão antropo
como a base para a educação do homem e na formação da controvérsias nesta tentativa de
sistematização, dado que como toda
consciência do homem; e, —

igualmenie cristaliza o desenvoJrjmento perspectiva sistematizadora esta —

do pensamento, não contem


1) O reconhecimento que o homem é um ser natural (Abbagna plando, assim, a fluidez de sua construção,
no, 1992). produção intelectual e científica inovadorasbastando para isto ver quanta
(Duby, 1990; Le Goff, 2003, 2008). ocorreram na Idade Média
Nesta perspectiva, Pessanha (1988) afirma que o humanismo se titulo de ilustração de movimentos de Portanto, esta ideia vale apenas a
constituiu fundamental para o surgimento e a construção da cultura mo época distintos, já que, como vere
mos logo a seguir, a perspectiva
derna. Em outras palavras, constituiu-se naquele solo flandamentador do antropológica na construção do pensa
mento foi inaugurada pelos sofistas,
que entendemos por “modernidade”. Estas perspectivas são corroboradas contemporâneos de Sócrates,
Na Idade Média, o homem “confessa
por J. Ferrater Mora (2001): os primeiros usos do termo “humanismo” tar-se, encontra na fé cristã, o engrandecimentoo seu nada” e ao conten
remetem ao estudo das línguas e dos autores clássicos. “Humanista” em seu culto à humanidade elimina-se No Renascimento, em
aquele que se dedicava às artes liberais, com mais ênfase para aquelas de Deus, coloca-se o homem, O a referéncia única a Deus. No lugar
que levariam em conta o “geral humano”: história, poesia, retórica, gra Humanismo então, “caracterizase pelo
máximo interesse dedicado ao problema
mática e filosofia moral. origem, destino, e posição no mundo. do homem, da sua natureza,
Etcheverry (1957/1975) fala de um “surto do hwnanisrno”, ba (..)
desenvolvimento do homem” (Etcheveriy, Humanismo quer dizer pleno
1957/1975, p. 8).
seado em questões tais como: O que é o homem?; qual o segredo de sua Embora possamos delimitar a realidade
intimidade?; em que consiste a estrutura da matéria formadora do univer são tecnocênt,-ica de mundo, ainda atual baseada numa vi
assim podemos discutir a relevância
so?; o que pensar do mundo espiritual? Foram estas as questões que prin desta tecnologia como dirigida para
o “bem-estar” do homem. A atuali
cipiaram a reflexão entre os pensadores antigos, e que deram origem à dade descreve uma retomada deste
“surto humanista”, seja a partir das
Filosofia. Essas e outras questões servem para delimitar as noções de teorias da fisica moderna, representados
por
homem e, conseqüentemente, as noções de mundo adjacentes a elas. Uma estabelecem definitivamente que não há um Heisenberg e Einstein que
“noção de homem” é um conteúdo definidor básico que constitui a ima verso; seja através da literatura observador estranho ao uni
contemporânea que também toma partido
gem de ser humano que uma determinada sociedade ou cultura mantém do homem, ou que toma o problema
do
em seu cotidiano. Correlativo a uma “noção de mundo” a Weltans suas pesquisas, conforme observamos homem como o objeto comum de

em Kafka, Gide, Maurjac, Malmux


chauung’2 esta “noção de homem” revela os modos de ver o mundo e ou em Dostoievskj Tolstói, Shakespeare

para citar alguns), O mundo é a nossa e Machado de Assis (apenas


os modos de se considerar o homem. imagem e a nossa obra. Nos dizeres
Podemos elaborar essas diversas Weltanschauung ao longo da de Jouguelet: “Nesta dupla ampliação
sos irmãos, Não se trata já de reconhecernonos a nós e aos nos
história. Observando a evolução do pensamento ocidental, percebemos suportája com indiferença. Se a aceitamos,
que, na Antiguidade Clássica particularmente devido à exploração cos sentimos o orgulho de Prometeu; se a

de feiticeiro” recusamos, a angústia do aprendiz


12 Weltanscbauung corresponde a uma “visão de mundo” (wek, em alemão, refere-se a 3
“mundo”). Em Teoria das Concepções de Mundo, publicado em 1911, DilIhey “... poder-se-ia dizer que a Antiijidade
adotou uma visão geocêntrica das
(1911/1992) procure elaborar uma teoria sobre as imagens de mundo, tomando como idade Média concebeu um ideal leoctrjco coisas, a
cepção antropocéntrica Os primeiros e a Epoca Moderna optou por uma
fUndo para o pensar e o agir do homem a “vida”. As concepções de mundo (ou con
— —

fliásofos eram fisicos, prescmtavam


mundividéncia, ou imagens de mundo) emergem como produto da história. Com essas te a namreza Pano cristão do curiosamen.
século xiii o mundo é um reflexo
ideias, Diltbey ffinda-se numa Lebensphilosophie (Filosofia da Vida) e num Histori nal do invisível” (Etcheven de Deus; o visível si
‘ 1957/1975 p. 7).
cismo. Citado porEtcheverry, 1975[1957],
p. lO.
116 Adriano Furtado Holanda
Fenomenologia e Humanismo
117
A evolução da técnica e da ciência, o progresso das comunica evoluem, na qual participamos
e da qual vivemos, símbolo
ções e a crescente tecnologização despertam nova consciência na comu nidade do universo e do espírito; da comu
todas as realidades nos seus impulso universal onde comungam
nidade humana. Consciência que inicialmente se apresenta como um princípios e nos seus fins. Haveríamos
evocar também o super-homem de
sentimento de se estar perdido diante do mundo. Esta perda do seu pró dém acima da “horda dos nietzscheano que se eleva com des
prio sentido de “humanidade”, já era assinalada por Ulaise Pascal (1623- go da aventura e da guerra, escravos” para além do bem e
1662): “O homem (...) não sabe o lugar que lhe compete. Está visivel duro para consigo próprio e do mal: ami
os outros; superior aos valores
de terrível para
mente perdido e caído da sua verdadeira posição sem que alcance encon “modelar o bloco do acaso” e verdade e de justiça; nascido para
trá-la. Procura-a por toda a parte com inquietude e insucesso no meio das 1957/1975, p. 17) dominar a história. (Etcheveny,
trevas impenetráveis” (Pascal, 1972/1669, p.l 88).
O humanismo é toda
Por fim, o humanismo é uma “tendência dinâmica” que, nos di toda fonna de visão do homem possibilidade de definição do homem, é
zeres de Jacques Maritain (1882-1973), tende a tomar homem “mais
E verdadeiro, porém que a partir da qual este se coloca
o

qualquer tentativa de definição no mundo.


verdadeiramente humano e a manifestar a sua grandeza original fazendo- toma, em si própria, uma do homem se
o participar em tudo o que pode enriquecê-lo na natureza e na história”5. contradição E exatamente esta
qual Lalande (1945) se refere contradição á
Na delimitação da natureza humana, Etcheverry aponta para questão, todavia, é relevar ou como inútil de ser levantada. Levantar esta
desvelar o eterno paradoxo do ser
grandes divergências, ao que chama de “conflito atual dos humanismos” o homem em busca de si
mesmo. Uma busca incessante humano:
na sua definição do homem: que o espírito humano é livre. e infinita, dado
O homem é Pensamento, responde o racionalismo. Um Espírito que se Encerrar o homem nos limites
basta a si próprio, uma Consciência livre em perpétuo progresso. tomá-lo infeliz, pois a principaldo humano, diz Aristóteles é traí-lo e
Bnnschvicg, por exemplo, herdeiro de Kant, que faz reverter o ho que a uma vida puramente parte de si, o espírito, aspim
mem à sua atividade interior, subtrai-o a toda e qualquer influência es mites do espaço e do tempo humana. Temos uma alma superiormais do
aos li
tranha, a qualquer relação transcendente. Nenhum obstáculo se pode nidade, segundo as palavras deque dá à existência um conteúdo
ria opor ao impulso da inteligência, nenhuma realidade existente im Dante. (Etcheverpj 1957/1 975, de eter
p. 18)
por-se-lhe do exterior ou do interior. Tudo é imanente no homem: a Num sentido muito mais
amplo, o Humanismo
verdade, a justiça, o dever, o próprio Deus. O homem, segundo a anti própriajnosop associada
ã construção do pensamento corresponderia
ga máxima, é a medida de todas as coisas. Guarda no intimo a regra to das transformações de um ocidental produ
soberana do seu pensamento. (Etcheverry, 195711975, p. 14) ca. Neste sentido, Pacheco saber mítico-religioso na instituição teológi
(1990) ressalta o “projeto
Raymond LuIl e Nicolau de ecumênico” de
No existencialismo ateu, o homem é a sua liberdade. No huma prol de uma gnose Cusa, que consistia no diálogo
filosóficocristã cultural em
nismo marxista, é o produto natural da evolução social, sendo que os
fatores econômicos dominam a história da humanidade, bem como o seu Em sentido não rigoroso, seria
destino. Sob um prisma positivista, o homem está mergulhado na evolu “humanismos” tantos quantas possível enunciar um sem-número de
a antropologias descritivas ou as posições que subordinam o homem

ção cósmica. Numa perspectiva sociológica, baseada nos discípulos de


Durkheim, o homem somente existe em função da sociedade, que não livre a outros fins, como o subaltemizam a sua realização pessoal e
Estado, a sociedade ou o progresso
científico como técnico, entendido
somente o enriquece, como também o modela. Já na psicanálise, o ho reza. (Pacheco 1990, p. 1.215) como exclusivo domínio da tanto
Natu
mem é um ser que se ignora, enquanto que num pensamento panteista, o
homem está “assimilado a Deus”: Para P. O. Kristeller,
nas retórico.Jitejjrias (gramática,humanjst eram os estudiosos das discipli
Poder-se-ia descrever o homem do panteismo totalmente assimilado a Não os considerava como retórica, história, poesia e
verdadefros refounadores filosofia moral)
Deus e assim definido: Jacto criador do pensamento, tomando pouco a de fato, filósofos. Considerava dado que não fomm
pouco consciência da sua unidade, continuidade e fecundidade infini pedagógico que valorizava
o humanismo como “um
programa cultural e
tas; força propulson pela qual todas as coisas duram, se movem e e desenvolvia um setor
do dos estudos” (Reale & importante, mas limita
Mriseri 1991, p18), e acrescenta
dos humanistas renascentistas ainda o fato
Citado por Ftcheverry, 1975[l957l, p. L3. não pretenderem substituír
a enciclopédia do

A
118 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
119
saber medieval. Já Eugênio Garin, fala de uma “valência filosófica” do hu principais representantes dos sofistas’6,
da oratória da Grécia antiga, ou que eram os mestres da retórica e
manismo, cuja característica básica seria o sentido de história: os “mestres da cultura”, que
poder da palavra (Mondolfo, 1971). exaltavam o
É precisamente a atitude adotada diante da cultura do passado e diante Pouco restou da sua obra, mas
constitui_se numa fonte significatjv Platão
do próprio passado que define claramente a essência do humanismo. E de infonnaçõesl7.
a peculiaridade dessa atitude não se deve fixar em um singular movi A Sofistica (que não se constituía
tes correntes, algumas numa escola, mas em diferen
mento de admiração e afeto, nem em um conhecimento mais amplo, contrapostas) se preocupava com
mas em urna consciência histórica bem definida. (citado por Reale & e concretas da vida cotidiana, questões práticas
Antiseri, 199l,p.21) bem como se caracterj por
vismo moral e por um antropocenj50 um relati
O humanismo foi inicialmente uma exaltação da liberdade poií A palavra “sofista”,
tica vivida no momento (lembremos que o humanismo sofistico, repre sophos, e sophja, O vocábulo segundo Guthrie (1995), articula-se com
as habilidades práticas
sofistés que englobava o saber
sentado por Protágoras, também se refere à vida política). Com base nes

designava “o perito” ou o homem



teórico e
tas perspectivas antagônicas, pode-se dizer que o humanismo representou que, após o magistério de prático, mas
Protágoras e de Górgias, passou
um novo sentido de homem e de seus problemas: “E verdade que, odgi aquele que ensina em troca de a designar
honorários’8 ou, como assinala
Xenofonte,

/
nalmente, o termo “humanista” indica o oficio do literato, mas essa pro “chamam_se sofistas os que põem a
fissão vai bem além do simples ensino universitário, entrando na vida dos alunos” (Gomes, 1973, p.268). sabedoria á venda a troco de dinheiro
cotidiana, fazendo-se verdadeiramente uma ‘nova filosofia” (Reale &
Antiseri, 1991, p. 23). De início, a palavra “sofista” não
raiz “sof’ (de “sofia”, sabedoria) tinha nada de depreciativo; mas, a
O Humanismo constitui-se fundamentalmente numa ética.
— —

sofista” significava “Possuir


servia para designar um perito e “ser
numa formulação inclusiva, que pode ser resumida pela fórmula de Lévi conheciment os profundos num
particular” (hoje, em termos técnicos, domínio
nas (sob a égide do pensamento fenomenológico e buberiano) que diz que how”). (De Crescen,zo, 1988, 173) diz-se-ia “Possuir o know
eu existo enquanto sujeito, em virtude de um Outro, ao qual eu me repor p.
to, e em relação ao qual sou responsável: “Assim, cada um é, enquanto O sofista era um professor
responsável pelo Outro”. destacado dos destinos da cidade’9) itinerante, estrangeiro (e, portanto,
retórica20, ou de falar bem em que ensinava basicamente a arte
Num sentido estrito, porém, podemos trabalhar então com a público, o que se constituía da
ideia de um humanismo oriundo da herança clássica grega, em especial a fundamental
partir da Sofistica, tendo como representante fundamental a figura de
Protágoras; e ainda, com a ideia de um humanismo renascentista, produto 16
“Primeiro dos ‘solistas’, Protágoras
professa um relativismo sem
de uma série de transformações sócio-político-económicas e artístico- Eugêne Dupréel chamava não
— sem algum anacronismo de ceticismo o que
culturais, e delimitador de uma mudança paradigmática na forma de se ‘
ciológico” (Huisman 2000, p. 250). —
‘convencionalismo so
ver o mundo, forma esta que ainda hoje permanece. Analisaremos um Nos Diálogos, Platão dedica
significativo espaço aos sofistas,
Protágoras trata do conceito e Um
pouco mais detalhadamente cada uma delas a seguir. natureza da virtude; outro, intitulado deles, chamado
verdadeiro filósofo em relação aos Górg
ca”) Há ainda o diálogo solistas (também conhecido como ias discute o
intitulado Sofista, onde se discute “sobre a retóri
ser. Há ainda Hip ias maio,, a imagem, o falso e o não-
3 PROTÁGORAS DE ABDERA E A diálogo de caráter estético.
Isto é, em pane, responsável
MÁXIMA HUMÁMSTA por uma
particular de Sócrates Para este, um série de cHticas que os Solistas reeebemm, em
mento, o sofista se privava da dos problemas centrais era que,
O homem é a medida liberdade, e que a sabedoria deveria ao aceitar paga
tuitamente (GutMe 1995). ser partilhada gra
de todas as coisas. Quando falamos dos “destinos da
nas, Os grandes solistas não cidade”, estamos nos referindo
Protágoras pertenciam a Atenas, eram estrangefros basicamente a Ate
eram cidadãos; embom muitos
tenham feito missões diplomáticas: e, portanto, não

/
Abden, Pródico de Ceos, Gárgias Protágoras em de
Protágoras de Abdera (séc. V a.C.), apelidado de “o Raciocí 20
“Ane de ulili a lingnagem em
de Leôncio, Hipias de Elis.
nio” (De Crescenzo, 1988), foi ao lado de Górgias e Hípias um dos


um
convencer uma audiéncia da verdade discurso puasivo, pelo meio do qual visa-se
de algo. Técnica
baseada não na
120 Adriano Furtado Holanda Fenomenotogia e Humanismo
121
nas discussões públicas nas pólis. A importância dos sofistas de fato os — cedimento de convencimento Górgias de
Leontini (487-380 a.C.) — um
primeiros “pedagogos” da história se deve à consolidação da democra dos grandes oradores da Grécia

dizia que “o bom orador é capaz de


cia, conseqüente às guerras persas, que culminaram na batalha naval de convencer qualquer pessoa de qualquer
coisa”. Mas o que ocorria era que
Salamina e na vitória definitiva em Plateia (479 a.C.). Com isto, a educa eles compartilhavam a ideia antropocênti.jca
dos atenienses, onde o mun
ção tomou-se valor ffindamental, dado que se tomava necessário formar do humano seria uma criação do próprio
homem. Assim, não haveria um
cidadãos aptos para a vida pública e, portanto, versados na argumentação principio universal que a tudo regesse, mas
regras convencionais; ou seja,
e no discurso. Na realidade, os sofistas deram continuidade à vocação valor e verdade seriam relativos. Esta ideia
ia contra a filosofia, assim, os
educacional dos poetas gregos (Guthrie, 1995). sofistas: “C..) contemporâneos de Sócrates,
Platão e Aristóteles foram
A Sofistica enquanto movimento nasce então da necessida combatjdos por esses filósofos, que condenavam
o relativismo dos sofis
— —

de de Cultura, derivada da Democracia, que cria um sentido histórico tas e sua defesa da ideia de que a verdade
é resultado da persuasào e do
para o ensino sofistico e delimita o predomínio de urna questão antropo consenso entre os homens” (Japiassu &
Marcondes, 1990, p. 227).
lógica: Esta visão corrente — em grande parte,
de que os solistas eram superficiais, e derivada de Platão era —

O predomínio do problema antropológico surge em conseqüáncia do se constituíam em enganadores


crescente desenvolvimento democrático das cidades gregas depois das propositados. Porém, a partir da década de
1930, surge um grande movi
guerras persas. Com a intervenção de novas e mais amplas classes no mento de restauração da sofistica, que
passou a considerá-los os pioneiros
governo do Estado, e com a crescente importância das assembleias e do pensamento liberal e democrático da
dos tribunais, as discussões jurídicas e morais tomam uma difusão e Grécia (Guthrie, 1995)22,
Os Solistas eram caracterizados pelo
desenvolvimento que devem ter em conta os novos mestres da cultura, profissionalismo e pelo
que as novas necessidades históricas fazem surgir, para exercer uma seu espírito “pedagógico”. Costumavam
dar suas instruções em grupos
tarefa necessária à sociedade: isto é, a preparação de uma classe ou pequenos ou seminário5, ou em grandes
audiências (conferências públi
elite de homens politicos e dirigentes. (...) A Cultura aparece, assim, cas) ou “exibições” (Gutlwie, 1995). Era
comum usarem casas de patro
como um valor prático... (Mondolfo, 1971, p. 135) nos, como foi o caso de Cálias, que
recebeu Protágoras em Atenas. Outra
característica marcante entre eles era a
Contam que a prova necessária de que o aluno havia aprendido, competitividade Protágoras, por
exemplo, dizia que qualquer discussão era
seria tentar provar ao mestre sofista que este não o havia ensinado corre um vencedor e um vencido, “em contraste
uma “batalha verbal”, onde há
tamente. Caso conseguisse, não seria necessário pagá-lo. Há uma história tes da ‘busca comum’, um ajudando o
com o ideal expresso de Sócra
— comumente atribuída a Protágoras e a seu discípulo Evatlo que ilustra —

gar mais fácil à verdade” (Guthrie, 1995,


outro para que ambos possam che
ao mesmo tempo este dado, bem como a arte retórica. Conta-se que o p. 45).
discípulo, ao final das lições, teria dito ao mestre que somente ïa pagá-lo Esta disputa nada mais é do que a
reiteração e o reconhecimento
quando tivesse certeza de que havia sido bem instmído. O mestre questio da natureza imperiosa de um sujeito
sobre o outro. Numa época e num
nou então sobre quando isto ocorreria. “Quando ganhar a minha primeira contexto social marcados por estratificações
e por valores que segregam,
causa”, disse o aluno. O mestre então replicou: “Deves então ne pagar os sofistas simplesmente se apropriam

/
desta realidade e marcam-na taxa
agora, pois caso não ofaças, irei cobrar de ti no tribunaL Ali, defender- tivamente, associando o pecúnio, o ganho
-te-ás. Caso percas a causa, pagar-me-ás, pois assim será determinado. financeiro, àqueles que se des
tacam da multidão. Neste sentido, os
solistas podem ser considerados a
Caso ganhes, pagar-me-ás, pois terás ganhado a tua primeira causa”21. marca de um ápice napólis.
Os sofistas ficaram com uma imagem de descompromisso com A disputa e a clássica cisão entre
a “verdade”, principalmente por sua associação à retórica como um pro vencedores e derrotados re
produzem o próprio status dos valores gregos:
o sucesso é coroado e o
fracasso é desprezado. Num contexto onde
lógica, nem no conhecimento, mas na habilidade em empregar a linguagem e impres
a imagem do herói se destaca.
a figura do sofista aparece claramente
sionar favoravelmenle os ouvintes”. (Japiassu & Marcondes, 1990, p. 214) como a possibilidade de ascensão —

21
Esta curiosa história, em múltiplas versões, pode ser encontrada em De Cresccnzo
n Em relação a
(1988), Guthrie (1995), Mondolfo (1971), e outros. Surge pela primeira vez em Dióge este movimento de releitum dos
nes Laertios (1988). Karl Popper, que a eles se dirigiu como sendo sofis5, podemos desmcar a figura de
“a grande geração” (Guthrie, 995).
122 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
123
através da elaboração racional e de superação, através da educação23 e Dizem que Demócrito, ao vê-lo trabalhando,
sua habilidade em lidar com feixes de madeira ficou impressionado com

do treinamento. Os sofistas, assim, delimitam um importante campo de e considerou hábil para


desenvolvimento para o progresso da razão no mundo moderno: servem o raciocínio filosófico23. Sugeriu então que
se matriculasse na sua escola,
de autênticos promotores do valor racional, e surgem como pródigos pro ao que o mesmo o fez, tomando-se um hábil
orador (Gomes, 1973; De
pagandistas da educação, do raciocínio lógico, da argumentação, da retó Crescenzo, 1988; Diógenes Laértios, 1988).
rica e do discurso elaborado. Esteve duas vezes em Atenas, e na segunda,
voroço (como descrito por Platão). Depois de causou grande al
Além disso, há um papel social e político a ser destacado. Os adulto, ocupava-se de con
sofistas são pan-helênicos, propugnam mesmo a transcendência das fron ferências, ensinando mediante salário combinado.
çou a percorrer a Grécia. Uma de suas obras, Aos trinta anos come
teiras, como quando Górgias defendia a união grega contra os bárbaros e “Sobre os Deuses” a qual
criticava as guerras internas (Guthrie, 1995). teria Udo em casa de Eurípides, e da qual —

teria extraido a asserção que


dizia que “não há nenhuma possibilidade de se
Havia um interesse comum entre os sofistas, “pela antropologia, ou não. Muitos são os obstáculos que nos impedem saber se os deuses existem
a evolução do homem como produto da natureza e o desenvolvimento da a obscuridade do assunto e a brevidade da de saber e, entre eles,
sociedade e civilização humanas” (Guthrie, 1995, p. 47). Seus interesses vida humana” (Diógenes Laêr
tios, 1988, p. 265) foi queimada em praça
voltavam-se primordialmente para as questões práticas, deixando de lado sua fuga de Atenas, na qual veio a perder sua pública e responsável por
—‘

especulações cosmológicas e fisicas em geral. vida.


Outros pontos em comum entre eles eram a retórica como a Protágoras propunha um humanismo baseado num

mo25 e num certo relativismo, representado subjetivis
arte que todos os soflstas ensinavam e o ceticismo como uma posição
— — por sua máxima “o homem é
a medida de todas as coisas, das coisas que
epistemológica que todos partilhavam, e no qual, o conhecimento só po são enquanto são e das coi
sas que não são enquanto não são” ou o
dia ser relativo ao sujeito que percebe. principio do homo mensura26.
Os historiadores divergem sobre a interpretação
Constituía parte da instrução retórica ensinar o aluno a argumcntar teria ele falado do Homem em geral ou de um de sua máxima:
com igual êxito sobre ambos os lados da questão. Como Protágoras homem em particular, de
um homem qualquer? Para De Crescenzo
disse, “sobre cada tópico há dois argumentos conÉrários entre si”. Ele (1988), nos dizeres de Protágo
ras se presentifica um relativismo, que penetra
visava a treinar seus alunos para elogiar e censurar as mesmas coisas, tanto no campo do conhe
e em particular escorar o areumento mais fraco para que aparecesse cimento quanto no campo da ética. Por
“medida”, Protágoras pretende
mais forte. (Guthrie, 1995, p. 52) entender uma “norma de juízo” e com este
principio,
existência de um critério absoluto de discriminação, pretendia negar a
A Retórica não lidava apenas com a forma e o estilo, mas tum rio o próprio homem. Este é o fundamento sendo o único crité
bém com o conteúdo do que era dito. Associando-se ao ceticismo, em dito do relativismo protagórico. As
coisas são tais quais elas aparecem para o
que pode haver crença, mas não conhecimento, daí a necessidade de se sujeito. Protágoras introduz
aqui a ideia de uma verdade individual, a
treinar a persuasão. Esta perspectiva “cética” pode ser ilustrada no pensa minha ou a sua verdade.
mento de Górgias de Leontini, que aprofundou o relativismo protagórico a Diógenes Laêrtjos (1988, p. 264) relata que:
ponto de defender um relativismo absoluto, afirmando a inexistência das primeiro a dizer que em relação a qualquer assunto “Protágoras foi o
contraditórja5 e argumentava dessa maneira, há duas afirmações
coisas. Dizia: “Nada existe”, e “mesmo que alguma coisa existisse, não tendo sido o primeiro a fazê
seria possível conhecê-la”, e ainda, “mesmo que fosse possível conhecê-la, -lo”. Teria sido também o primeiro a introduzir
o
não seria possível exprimir algo sobre ela [comunicar a ninguém]”. socrático, além de ter sido o primeiro a descobrir método de discussão
o método de aprovar e
Podemos perceber mais claramente estas questões, a partir da refutar um mesmo tema proposto. Em uma de
suas obras principais, As
representação de Protágoras de Abdera. Tendo nascido numa família
pobre, Protágoras passou a ganhar a vida transportando mercadorias. 24
Sua forma de empilhar as achas se assentava
25 em regras geométricas (Alves, 1985).
Dumni (1988) reconhece em Protúgoras “o
maior dos sofistas” e o iniciador do subje
23 Embora houvesse o reconhecimento das predisposições, como encontramos em Protá tivismo na fllosoria.
26
gons, quando afirma que “o ensino precisa tanto da natureza quanto da prática” (Gu Mondolfo, [968; Comes, 1973; De Crescenzo,
1988; Diógenes Laértios, 1988; Japias
thfle, 1995). sue Marcondes 1990; Reale e Antiseri, 1991.
124 Adriano Furtado Holanda

Antilogias27, Protágoras demonstra que: “G.•) em tomo


dois raciocínios que se contrapõem, isto é, que em tomo
de cada coisa há
de cada coisa é
Fenomenojoa e Humanismo

Dado que uma mesma laranja pode parecer doce a um homem

ga?’ E doce e é amarga porque são duas as pessoas que a


são e
amarga a um doente, o sofista pergunta: ‘esta laranja é doce ou amar
125 r
possív el aprese ntar razões que provaram,
possível dizer e contradizer, ou seja, que é Nenhuma das duas opiniões é mais verdadeira do que a outra; quando
se anulam reciprocamente” (Reale & Antise ri, 1991, p. 77). muito, poderemos dizer que o adjetivo ‘doce’ é preferível ao adjetivo
advoga ‘amarga’, na medida em que a condição de ‘homem são’ é mais fre
Segundo Guthrie (1995), Protágoras foi o mais célebre qüente do que a de ‘homem doente’. Em resumo: o valor das
em se alicerçar um
do da relatividade dos valores. Há um sentido duplo varia de pessoa para pessoa e, para o mesmo indivíduo, de
coisas
descaracteriza momento
relativismo: pode ser uma forma de caracterização ou de para momento. (De Crescenzo, 1978, p. 180)
valores pode ser um ponto de par
ção. Uma consideração relativista dos
a, de sentido s, ou pode cami O problema ético advindo disto surge da questão: existe um
tida para uma abordagem fáctica, objetiv

ições: “Todas as fontes dire bem ou um mal objetivo, ou somos nós que o
nhando pelo ceticismo resultar em indefin

ou seja,
determinamos? Na época, a
questão estava clara: havia o bem de um lado, e o mal do
dito de Protág oras,
tas estão de acordo com o sentido geral do mundo lembrarmos o zoroastrismo, onde o bem e o mal
outro (basta
e que, por isso, o
que o que parece a cada um é a única realidade m
dividia o mundo entre
si). Segundo De Crescen.zo (1988), o mérito dos solistas foi
real difere para cada um” (Guthrie, 1995, pp. 161-16 2). a criação de
era o urna zona intermediária, o “cinza”, ao determinarem a dúvida
Percebe-se que o primordial no pensamento de Protágoras tivo para a busca constante do “outro lado da moeda”.
como mo
e absolu ta, bem como não existem Neste aspecto,
seu relativismo. Não existe uma verdad Protágoras teria sido o “pai” do ceticismo e o avô intelectual de
bens ou valores morais absolutos. O que existe é o que
é mais “convenien Popper,
que reconh ece o “relativo mais Quanto à objeção do “comodismo sofistico”, de decisão subje
te” ou oportuno. Para ele, sábio é aquele tiva sobre se é bom roubar, por exemplo, Protágoras diria que
útil” e que sabe convencer os demais disto. O relativ ismo de Protágoras se fôsse
mos capazes de convencer a nossa consciência da identificação de
matar
se revela, porém, limitado. ou roubar com o Bem, não haveria problema. “E aqui abre-se
a discussão
rador cm sobre o modo como a moral comum pode condicionar o
Com efeito, pareceria assim que, enquanto é medida e mensu o em relação à Protágoras. E certo que juizes somos nós próprios, mas também
relativismo de
relação à verdade e à falsida de, o homem toma-s e medid é certo
de venha a aprese ntar que o nosso julgamento d influenciado pela moral dos
utilidade, ou seja, que, de alguma forma, a utilida bem e o mal outros” (De Cres
como objetiva. Em suma: parece ria que, para Protág oras, o cen2o, 1988, p. 180)15,
tivame nte, o útil e o danoso ; e o “melho r” e o “pior” se
seriam, respec 1991, Com os Solistas surge o problema da cultura (paideja):
riam o “mais útil” e o “mais danoso”. (Reale & Antise ri, p. 77)
A origem e o desenvolvimento da cultura são pensados
ssa a me segundo dois
A questão não é, contudo, tão simples assim, e ultrapa modelos: o modelo da decadéncia, regido pelo mito de uma idade
que o sujeito , dian de
ra “conveniência”. O relativismo protagórico significa de”
ouro primitiva que se tomará um tópico clássico na
literatura antiga; e
juiz da realida
te de suas experiências sensíveis, é “pedra de toque e uo o
o modelo do progresso, que pressupõe um primitivo
estado de barbá
cada indivíd
(Mondolfo, 1971), que depende do estado subjetivo de rie, ultrapassado pela fundação das cidades (mito do herói

e fundador) e
momen to. Trata-s pela invenção das técnicas (mito do primeiro inventor),
que varia, de sujeito para sujeito e de momento para (Lima Vaz, 1991, p. 32)
pró/os eureíàs.
quando se diz
de uma forma filosófica do que, costuma-se estabelecer
eração da “verda
que “cada caso é uni caso” ou ainda, vale para a consid realidade Este pensamento revela que o homem e suas capacidades
erarmo s a pas
de” de cada um, sendo, pois, importante para consid sam a ser objeto principal da Filosofia. Lima Vaz
(1991) resume as ideias
subjetiva de cada indivíduo. diretrizes da Sofistica através dos seguintes pontos:

28
adas com seu nome são Platão, ao criticar a fórmula relativista de Protágoras, usa-se com
27 Segundo Mondolfo (1971), muitas das obras que foram catalog cita Sobre as Aio/e assim, uma contradição interna Para Platão (Huisman 2000), se
ela mesma, expondo
diferen tes para um mesmo texto. Dentre suas obras, a máxima protagórica
apenas títulos al, contudo, foi a obra for verdadeira então não há nada que não seja pelo homem,
asáticas, Do Estado, Da Virtude, Sobre as Artes, etc. A princip sendo assim tudo anifl
mais comple cial, Nesta ótica, não haveria valores em si, mas convenções
Sobre os Deuses , que teria sido a “causa” de sua expulsão. Para uma lista das de escolhas, ou seja, não haveria universalidade
humanas e sociais, advin
.
ta de suas obras, reportamo-nos a Diôgenes Laêrtios (1988)
126 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
127
a) Um conceito de natureza humana (anthropinéphysis); cessájia de apreensão da realidade do
outro, a partir de sua
b) O conceito de narração histórica (investigação, seriação e experiência vivida;
julgamento dos fatos); 3. Uma vez que uma das proposições
“busca do significado” pessoal, dessas psicologias é a
c) A oposição entre a convenção (nomós) e a natureza; retomamos ao ponto inicial,
d) Um individualismo relativista; qual seja, a realidade subjetiva
do individuo°; que, por fim, experiencial e vivencial

e) A concepção de um desenvolvimento progressivo da cultura;


4. Desemb() na questão do diálogo
O A análise do homem como ser de necessidade e de carência, e; entre sujeitos, ou seja, no ca
ráter essenciaImte ético dessa abordagem
g) Homem como um ser dotado de Logos (zóon logikón). tuição do sujeito numa dimensão que indica a consti
que o diálogo o debate representa intersubjetiva; além do fato
O humanismo oriundo do pensamento de Protágoras se resume —

a via de acesso à comple
xidade dos significados envolvidos na
numa primeira consideração relativista da subjetividade, ou seja, traz de realidade humana,
volta o referencial para o indivíduo. Isto nos aponta para analogias ou —

No que, pois, constitui o


aproximações que podem ser associadas com alguns dos pressupostos

que a própria modernidade vai revelar: “humanismo” protagórico? Naquilo
correntes tanto nos modelos humanistas quanto existenciais de psicologia: des do homem tomadas de empréstimoo valor do humano, das qualida
O “valor”, em muitos desses modelos, recai sobre o sujeito,

sentido de “progresso” do homem, aos próprios ideais gregos no


O que os Sofistas superlativizam,

com suas particularidades e especificidades, com sua subjetividade e com mesmo que contrariamente à opinião
suas vivências, com sua história e suas relações. Tratar-se de relevar o râneos, é um valor agregado ao geral de alguns de seus contempo
espírito da “identidade”, ou em outros termos, a “sinEularidade”, a espe de treinamento e de educação31. desenvolvimento de qualidades, passível
cificidade do sujeito. Em alguns contextos isto pode ainda ser associado No século V a.C., surgem algumas
ou identificado com categorias como “individualidade” e “subjetivismo”; humano, que vão na direção da ideia teorias sobre o progresso
mítica da degeneração de uma per
1. Este sujeito é sujeito de si próprio, é quem determina sua feição primitiva. Em outras palavras, o
ser humano teria passado de um
própria existência (o que vai ser retomado posteriormente estado de barbárje à civilização, e o
que teria proporcionado isto teria
por algumas filosofias de cunho existencialista), que se cons sido, dentre outras, a domesticação
animal,
titui e se “constrói” em intima e constante relação como técnicas, o desenvolvimento de construções a aquisição de habilidades
o controle alimentar, etc.
mundo, numa devir, num “fluir”, num processo que o proje
ta nesse mundo. O sujeito é, pois, pro-jectum, um “projeto” sou a ser mais desenvolvida
empincamente graças as pesquisas de Cari
da década de 1950 (Sampaio, Camino Rogers, a partir
inacabado e inacabável; Não podemos, contudo, cair na
& Roazzj, 2009; De Simone, 2010).
armadilha
2. Ao se associar ao pensamento fenomenológico e à sua con exemplo as que definem o sujeito como das dicotomias e das oposições, como por
“individuo” e, portanto, tomam-no alheio
— —

cepção de subjetividade que é, antes de tudo, intersubjetiva


— “social”. Ou entre “interioridade” e
“exterioridade” na concepção do humano,
ao
— resgata a ênfase nos aspectos relacionais desta constituição iremos nos deparar na própria constituição
do saber
como
psicológico. Partindo da premissa
e, assim, introduz a noção de empatia29 como condição ne fenomenológica “subjetividade” é interacionj
relação entre sujeito e mundo é portanto, intersubjetividade. Assim, a
mutuamente constitutiva Observemos que
tradição filosófica “humanista” carega muito da
essa dicocomia como marca
que induz até mesmo alguns caracteristica o
modelos ou interpretações psicológicas,
29
Aqui nos remetemos à primeira das figuras da intersubjetividade no pensamento de questionamen0 a partir de seus passíveis de
referenciais epistemológicos. Esta nota se
Husseri, a Einfiihhuig, como a experiência “empática” de apreensão do outro como alter- tante, pois até mesmo a literatura (bem faz impor
-ego. Na literatura em especial na vertente psicológica o termo foi aplicado por sos modelos de Psicologia (como na como uma série de interpretes dessa) em diver
soa, por exemplo), por vezes, induz Gestali-Tempia, na Abordagem Centrada na Pes
— —

Wundt pan designar a experiência imediata, que em seguida foi traduzida por Titchener a esse erro, apontando concepções
por “empathy”. A rigor, a Einfiih!ung em Husserl ganha contornos mais complexos, e constituição do “sujeito” da tempi& díspares pan a

que demandam mais exploração. Remetemos o leitor à leitura dos oiiginais de Hussefi Sobre esta questão, observe_se que
a necessidade pecuniárja e o valor
(1905-1935/2001; 1931/1980). Opencionalmenle, o conceito encontrou solo dc fertiliza determjjiada ação prática não era desconjiecido agregado a uma
dos gregos, como podemos observar no
ção nas teorias de personalidade do século XX, desde a psicanálise (com Fitud e Reik) comentário de Filóstrato; “todos nós
até sua sistematização na psicologia social e do desenvolvimento, mas seguramente pas sério o queégr,ft0” (De Crescenzo levamos a s&io o que se paga e não levamos a
1988, p. 177).

À
128 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
129
Estes relatos sobriamente racionalistas da evolução humana estão em estrutura feudal foi sendo paulatinamente
forte contraste com concepções religiosas mais antigas de degeneração ras representadas por remos e substituída por grandes estrutu
de uma idade de perfeição, a ‘raça de ouro’ de Hesiodo ou a ‘idade do estados; as ciências e as artes
grande esplendor. As ideias enfatizaram conheceram
amor’ de Empédocles, quando a bondade do homem combinava-se o “nascimento” do sujeito, em a liberdade individual (e mesmo
com a infantil abundância da natureza. (Guthrie, 1995, pp. 63-64) primeira pessoa), permitindo ao homem
pensar por si só, espírito este que
permitiu, a partir dessas indagações, a
Protágoras mesmo foi um grande defensor da ideia de “progres cisão da Igreja, com a Reforma. Além
o homem moderno aos grandes disso, foi este espírito que impeliu
so”. Observa-se que, para Protágoras e Critias, o estado de natureza em descobrimentos.
inconfortável e selvagem (Guthde, 1995), desenvolvendo uma ideia de Este panorama não se modificou
‘idade de Ouro”32. Os solistas, como mestres da Cultura e seus dois mé cesso de mudanças que o quadro desarticulado de todo um pro
social feudal vinha sofrendo. A migra
todos; a erudição e o exercício ativo de habilidades intelectuais, e através ção rural para os grandes centros
urbanos levou ao florescimento das
da exaltação do poder da palavra, foram os primeiros a desenvolver uma cidades. Crises sucessivas ocorreram
no
perspectiva de “subjetividade” na ocidentalidade. epidemias, a incompatibilidade econômica século XIV, como as grandes
feudal para o capitalismo, e culminou da transição de uma economia
Numa primeira aproximação, portanto, o humanismo surge co
com a grande fome do início do
mo produto de uma renovação de um espírito clássico, de uma reesfltu século, agravada pela Guerra dos Cem
Anos (1337-1453). Crise também
ração das próprias perspectivas de uma sociedade em evolução. A van na esfera religiosa, com o grande
Cisma do Ocidente (1378-1417), que
guarda sofistica, associamos agora a vanguarda renascentista. elegeu dois papas. Grandes revoltas
sociais ocorreram em Flandres, Flo
rença e Liêge.
4 O RENASCIMENTO E A QUESTÃO HUMANISTA Tudo isto foi gerando a
de criação de um estado unitário, necessidade, cada vez mais premente,
de estados nacionais, unidos pela co
Nós (...) buscamos no homem uma nota munhão de origem e de línguas. Durante
que lhe seja peculiar, com a qual se possa XVI, foram surgindo os estados o século XV e o início do século
explicar a dignidade que lhe é própria modernos Foi-se dando um “renasci
mento” da vida europeia. Por Renascin,e,,,o
e a imagem da divina substância que não pois, o período de retomada da vida ou “renascença”, entende-se,
é comum a nenhuma outra criatura.
ga intensidade, ocorrida inicialmente econômica social e cultural, em lar
na Itália, e posterformente no resto
Pico deus Mirandola da Europa, em meados do século XV
comumente conhecido como a “longa (Hollanda, 1975), após o que ficou
noite medieval”.
Para o homem medieval, boa parte do que ocorria no mundo es Aqui cabe um parêntese: esta
tava ligado diretamente às questões religiosas. A Idade Média representa val” é mais conhecida pelo jargão expressão — “a longa noite medie
ria, assim numa avaliação mais tradicionalista um mundo fechado,

de “Idade das Trevas” que associa a


— —
Idade Média ao obscurantismo e ao
rigidamente estruturado e segmentado. A partir do século XIV, as ideias esse longo período pouco produziu empreconceito Deriva daí a ideia que
começam a mudar este panorama, através de uma série de revoluções que ao qual diversos medjevalistas termos de conhecimento e criação,
culminam com o que chamamos de Idade Moderna. discordam sendo, portanto, uma ideia
si) falsa e preconceituosa Não (em
queremos replicar essas ideias, mas tão
A evolução foi sendo processada nos mais diversos campos: na somente contextualizar o período
renascentista a partir de sua própria
política, na economia, na sociedade, na arte, na literatura, na filosofia. A consideração Uma longa série de estudos
clusive resgata sua riqueza e repensa sobre a Idade Média, que in
esse período já foram produzidos a
partir de conhecidos autores como
32
Sobre a questão que se alicerça na delimitação de um campo mítico de consideração do Jacques Le Goff, Phillipe Ariés, Geor
humano em sua plenitude, remetemos o leitor a um texto particularmente especial, de
ges Duby, dentre outros. Bastam
alguns exemplos para que possamos
autoria de Tzvetan Todorov (1989), intitulado Naus ei ias Azares. La Reflarion Fran vislumbrar a verdadeira riqueza do
çaise sur ia Diversité Hunrnine (Paris: Seuil). Um pequeno ensaio a respeito da neces Gimpel, por exemplo, situa na Idadeperíodo medieval e seu legado. Jean
sidade de se avaliar a questão dialética da consideração humana, apropriando-se da trial” da história incluindo Média a primeira “revolução indus
psicopatologia, e na qual resgatamos considerações a respeito dessa perspectiva mítica —
renovação de fontes de energia, progresso
de apropriação do humana, encontra-se em Holanda (2001).
tecnológico, bem como problemas sociais,
proletarização e luta de classes

4
130 Adriano Furtado Holanda FenomenoIgj e Humanismo
131
—; já Jacques Le Goff destaca a produção intelectual do mesmo período, por ter gerado a moderna concepção
de ciência, iniciada no século XV e
com relevo para a produção filosófica e a constituição das universidades; se prolongando até fins do século
XVI. Esta revolução científica ocorrida
e como não destacar os textos clássicos de Philippe Ariês e Georges Du entre os anos 1500 e 1600 “não afetou
apenas todos os campos da ciência
by, dentre tantos outros33. como mudou as técnicas de investigação
cientista estabelecia para si mesmo e científica, os objetivos que o
Retomando o renascimento, O grande florescimento econômico o papel que a ciência poderia de
desta época se deu, em princípio, em cidades como Florença, Ferrara, sempenhar na filosofia e até na própria
sociedade” (Ronan, 1987, p.7).
Veneza e Milão. As razões pelas quais estas grandes mudanças tenham se A Renascença do século XV foi
a “redescoberta” do mundo,

/
iniciado na Itália afinal as cidades italianas nesta época eram um con através da arplo;-ação geográfico, por

meu (datado do século II) que a exemplo. Desde o mapa de Ptolo


glomerado de cidades-estado sem unidade são tão obscuras quanto di

geografia estava deteriorada. Os mapas


versas. Ronan (1987) justifica através do que chama de “gênio natural do deixaram de ser elaborações científicas
para se tomarem “cosmografias
povo”, associado ao florescimento do comércio e o desenvolvimento religiosas”. As grandes expedições
mudaram este panorama. Iniciadas
econômico, bem como pela independência política existente na região. pelos portugueses que, em 1418 ocuparam
o arquipélago das llhas Canárias, os Açores, a ilha da Madeira e
De fato, algumas condições foram necessárias para este florescimento. A resultaram ainda em ocupações na costa
Itália controlava, na época, boa parte do comércio no Mediterrâneo; além africana. Em 1500, os portugueses
atingiam as Índias. De todas as explo
disso, a prosperidade das cidades italianas permitiu a contratação de sá rações, seguramente mais famosa ainda
é a de Cristóvão Colombo, que
bios, filósofos, cientistas e artistas, ou mesmo o patrocinio destes. Próxi descobre as Américas em 1492.
ma de Constantinopla, a Itália toma-se o refúgio perfeito para emigrados
do antigo Império Otomano e, com eles, vêm a reboque a rica e tradicio A descobej’ das rotas marítimas e novas
o totalmente inesperado “Novo Mundo” áreas do mundo, em especial
nal cultura oriental. profundas repercussões no panorama no Ocidente, teve as mais
Esta nova ordem econômica e social foi acompanhada de uma contemporâneo
o fato de que os povos antigos, apesar Ela sublinhava
nova visão de mundo, uma radical mudança na forma do homem se ver a não haviam chegado a conhecer do brilho de sua civilização,
tudo o que se deveria conhecer sobre
si-próprio e ao mundo, baseada na retomada dos textos clássicos, das o mundo; isso significava que o
homem tinha apenas que observar pa
“humanidades”, ou seja, da formação do homem, passando-se a admirar ra que fosse possível fazer
descobedas totalmente novas em outros
campos. (Ronan, 1987, p. 9)
os ideais gregos de beleza e independência. O homem moderno não mais
era submisso á vontade de Deus, mas se tomava o “senhor e possuidor da As invenções foram se multiplicando
natureza”. Toda esta mudança pode ser representada pela busca de equilí derante nesta revolução. Dentre estas, e ocupando papel prepon
brio, perfeição, beleza e harmonia. A arte passa a ser a mais alta expres o papel e a imprensa em especial
a invenção do tipo móvel, por Johaimes —

são do homem. Mudanças significativas ocorrem no modo de se ver o Europa, coincidiu com a técnica de Gutenberg (em 1454) que, na
mundo, como a refutação, por Nicolau Copémico (1473-1543) da teoria de metal (o que permitiu o impressão de ilustrações em chapas
geocêntrica e a sua elaboração do sistema heliocêntrico. desenvolvimento da xilogravura) foram im
prescindíveis para a difusão do conhecimento. —

Na arte, além da mudança no status dos artistas que passaram


A ciência médica conhece avanços


de meros artesãos para honrados membros da sociedade houve um

principal responsável o anatomista André significativos, tendo como


grande interesse pela perspectiva e pelo uso de motivos clássicos. Esta foi dominada por Galeno, Vesalius, em 1539, Vesalius. Numa ciência ainda
a época de grandes pintores como Donatello (1386-1466), Fra Angelico anatómicas de Galeno não correspondiam demonstrou que as descrições
(1399-1455), Bofricelli (1445-1510), Da Vinci (1452-1519), Michelange blica A Organização do Coipo Humano, ao ser humano. Em 1543, pu
lo (1475-1564), Rafael (1483-1520) e El Greco (1541-1614). ilustrações de etnografia comparada obra que contém as primeiras
Este período pode ser considerado a partir de uma autêntica (Ronan, 1987). Vesalius foi ainda o
primeiro a assinalar a semelhança
do coração com um músculo,
“Revolução Científica”, por ter mudado a forma de encarar a natureza e como demonstrou que os nervos não bem
eram ocos, como acreditava Galeno.
Outras figuras de relevância
neste terreno
‘ Ariês (1973/1981); Gimpel (1975/2001), Le Goft(1985/2003), Ariõs e Duby (1990), ponsável por originais descobertas sobre foram Gabriele Faliopio, res
o aparelho reprodutor feminino
De Libera (1991), dentre outros.
132 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
133
r
(basta assinalar as trompas de Falópio), e Bartolomineo Eustacchio, Um bom exemplo das transformações
experimentadas nesta
grande estudioso do aparelho auditivo (cite-se a irompa de Eustáquio). época pode ser encontrada nas regras do
xadrez. Antes do Renascimento,
Outras áreas também conheceram significativas mudanças, como a quí a rainha só se movimentava uma casa
por vez. Após as mudanças obser
mica, a fisica, a matemática e a astronomia. Isto demonstra a importância vadas na cultura e na sociedade a minha
ganhou mais mobilidade e mo
do Renascimento no desenvolvimento da humanidade ocidental. vimentase conforme as regras atuais.
O conhecimento na Idade Média —já está posto, é dado, e re

Associado a todos estes avanços, outros
presenta pouca ou nenhuma mobilidade, ou seja, a percepção é de que decisivos para o advento do Renascimento acontecimentos foram
e a definitiva ruptura com a
pouco ou nada muda. O Renascimento pode ser entendido pelas palavras mcdievalidade, como o inverno particularmente
rigoroso do início do
francesas renaitre (renascer) e naissance (nascimento). Após séculos de século XIV que arrasou grande parte

da colheita a Guerra dos Cem


servidão, o ideal de poder e de potencialidade humanos renasce. Algumas Anos (1337-1453) entre França e Inglaterra, —,

o Cisma do Ocidente (1378-


evoluções foram significativas para que isto ocorresse: -1417) que abala o poder do Papa,

criando um duplo pontificado (um


em Roma e outro em Avignon) e,
a) A invenção da imprensa toma o conhecimento acessível à principalmente a Peste Negra35, que

assolou a Europa durante o século XIV e


população letrada; dizimou quase que a metade da
população da época. O significativo da
epidemia foi que ela não escolheu
b) O lápis e o papel barato deixam a escrita ao alcance do cida vítimas: morreram tanto nobres quanto
dão comum; camponeses, tanto bispos quanto
pagãos, tanto cavaleiros quanto servos e
prostitutas.
c) A invenção do astrolábio, da bússola e o desenvolvimento Todos estes eventos representaram um
das Caravelas, fazem com que se o mundo conheça uma ex luarte incontestável do pensamento grande abalo na fé, ba
medieval. Além disso, o número de
pansão do tráfego marítimo e do comércio34, além de ampliar pessoas das famílias foi reduzido drasticamente,
o intercâmbio de informações. Com isto, cai o conhecimento lias abastadas uma maior concentração o que gerou nas famí —

tradicional e, como conseqüência, tem-se que o homem tam


de renda na mão de poucos.


Tanto o abalo na fé quanto o maior
acúmulo de riqueza gerou novas ne
bém cria conhecimento; cessidades, como o investimento em
pesquisas independentes (produtos
d) No século XV são desenvolvidos os canhões de longo alcan da curiosidade e da necessidade).
ce, o que força a “queda” da inexpugnabilidade do feudalis
mo representado pelos seus grandes castelos, abrindo-se, as-
sim, as portas para o estado moderno;
e) O relógio mecânico permite que se vivencie o tempo como
um bem controlável. Uma das razões para a Peste Negra ter
lido as repercussões devastado que
fato de que, com o florescimento das teve foi o
grandes cidades fruto do êxodo mml
Grande parte destas transformações culturais, técnicas e intelec dos hábitos locais foram para lá transportados —
— alguns
tuais foram motivadas pelo capitalismo em expansão, através do desejo ticos para facilitar o acesso ao abastecimento dentre eles a criação de animais domés
de alimentos, o que ocasionou um am
biente propicio para a proliferação de
de consumo e da busca do capital (Gelb, 2000). Convém lembrarmos que festavam os esgotos das grandes cidades).
doenças (em especial, a partir dos ratos que
in
o que hoje denominamos de “consumismo” já estava presente no Renas peste bubônica ou Morte Negra como
Como assinala Asimov (1993, p. 181):
em chamada, marchava inexoravelmente
“A
cimento. Inclusive, boa parte da reputação dos pintores, nesta época, es ocidente, atingindo a Crimeia em 1343 e,
nesse mesmo período, mercadores
pan o
tava diretamente relacionada à sua capacidade e habilidade em despertar foram infectados, Os genoveses levaram genoveses
seu navio de volta pan a Itália com os tripu
lantes monos ou á morte e, dessa
o interesse comercial (basta, para isto, lembrarmos do mecenato). Ocidental, A praga matava rapidamente
forma, a peste começou a espalhar_se
pela Europa
(às vezes vinte e quatro horas depois
taurados os pnmeiros sintomas) Como de ins
as pessoas não sabiam nada sobre as causas
doença e eram completamente ignorantes da
até sobre os preceitos mais simples de
O florescimento do comércio representou a incompatibilidade do modelo de economia ne, o único recurso em fugir e
espalhar mais ainda a praga. O desastre
higie
feudal essencialmente fechada e auto-suficiente e a “nova” economia aberta e in



maginável Matou um terço da população tomou.seini
mundial, segundo algumas estimativas, E de
ternacional do capitalismo nascente. se espantar portanto, que dois terços

tenham conseguido sobreviver”,
134 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 135
O combate ao ascetismo e à vida monástica é empreendido
4.1 O Humanismo Renascentista por Gianozzo Manetti, Coluccio Salutati (1331-1406) e Poggio também

O homem é uma espécie de Deus.


ciolini (1380-1459) A afirmação da naturalidade do homem levaBmc ain
da os humanistas a proclamar a superioridade da vida ativa
sobre a
Pico delia Mirandola contemplativa e da filosofia moral sobre a fisica e a metafisica (Pes
sanha, 1 988, p. VIII)
Apesar de termos uma vasta literatura critica sobre o humanis Esta ideia é defendida também por Bartolomeo de
mo e o Renascimento, não se chegou a nenhum denominador comum no (1421-1481), Leonardo Bruni (1370-1444) e Matteo Palmier
Sacebi
que tange a definições e características consensuais. Não há consenso -1475). Este humanismo abriu ainda caminho para o
(1406-
entre os estudiosos acerca das características do chamado “período hu quiavel.
pensamento de Ma
manista” do Renascimento. Esta questão ganha contornos de complexi
dade dado que as mudanças ocorridas nesta época não são apenas de ca O termo “humanismo” é recente, tendo sido usado talvez
pela
ráter filosófico, mas envolvem todas as outras dimensões: social, política, primeira vez por F.I.Niethamer “para indicas a área
cultural coberta pe
moral, literária, artística, científica e religiosa. los estudos clássicos e pelo espírito que lhe é próprio,
em contraposição
Pessanha (1988) ressalta como características fundamentais do com a área cultural coberta pelas disciplinas científicas”
(Reale & Antiseri,
1991, p. 17). Em meados do século XV, o termo
humanismo renascentista, a ideia de que o mundo natural é o “reino do “humanista”, contudo, foi
homem”, o que conduz à afirmação do valor espiritual do homem e à utilizado em relação aos termos “jurista”, “legista”, “canonista”
e “artista”,
exaltação do corpo. A afirmação desta naturalidade do homem se reflete e referiam-se aos professores de retórica, gramática,
poesia, história e filo
na proclamação da superioridade da vida ativa sobre a vita contemplativa sofia moral. No século anterior, já se falavam nos &udia
hianatiltatis ou
medieval. Além disso, os humanistas re-descobrem o senso da historici nos studia humaniora, referências expressas a Cícero.
dade, “fazendo no plano da temporalidade uma mudança correspondente Marco Túlio Cícero (10643 a.C.) foi um orador romano, res
à descoberta, ao nível do espaço, da perspectiva óptica pela pintura renas ponsável pela difusão da filosofia grega no mundo latino.
Para ele, as
centista” (p. VIII). humanüas representavam aquilo que os helênicos indicavam por
O livro “Oração sobre a Dignidade do Homem”, de Pico della
Mirandola (1463-1494), reflete um dos temas centrais do humanismo
a educação e a formação do homem. Para Cicero, o
paideia,
termo humano supõe: 1/
renascentista: a liberdade do homem, ou a ideia de um ser capaz de criar 1. Aquilo que define o homem como homem,
seu próprio projeto de vida. Em relação aos problemas religiosos, os hu 2. Aquilo que vincula o homem a outro homem e aos
homens
manistas deram preferência à função civil da religião (com questões rela em geral,
tivas à felicidade terrena) e à tolerância religiosa (convicção numa unida 3. Aquilo que forma o homem como homem.
de fundamental subjacente às diversas religiões): “Isso implicava ainda a
intrínseca identidade entre filosofia e religião. Perguntava Leonardo Brn Com isto, já a partir do século XIV, mas culminando no
século
ni: ‘São Paulo ensinou algo mais do que foi pensado por Platão?” (Pessa XV, os estudos dessas disciplinas ganharam um
grande valor, chegando à
nha, 1988, p.DC). consideração da Antiguidade clássica (latina e grega) como um
digma e um p01110 de referência” para a cultura em geral. “para
Outras figuras representativas do humanismo renascentista fo Cabe lembrar
que as primeiras cátedras de língua e literatura grega
ram Gianono Maneffi (1396-1459), Marsilio Ficino (1433-1499) e Char te no século XV, mesma época em que há uma
surgiram exatamen
les Bouillé (1475-1553). Além destes, encontramos algumas notas de grande difusão do grego.
Este foi um período de grandes mudanças, no qual ocorreram,
ceticismo no humanismo de Michel de Montaigne (1533-1592), Pierre por exem
plo, a Queda de Constantinopla em 1453, o que levou a
Charron (1541-1603) e de Francisco Sánchez (1552-1581). Já o huma um incremento
do ensino da língua grega, a partir da fixação dos doutores
nismo de Lorenzo Valia (1407-1457) retoma o epicurismo antigo onde o bizantinos na

1
Itália.
bem é o prazer e a virtude, o cálculo dos prazeres. Estas ideias represen
tam reações diversas à imobilidade de pensamento da Idade Média, rea
ções que surgem como combates aos ideais de contemplação e ascetismo:

i
136 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 137

4.2 A Construção da Subjetividade na Renascença No Renascimento, o homem é basicamente indivíduo, As


des humanas renascentistas não mais são dadas pela virtu
Não vemos a alma (...)
contemplação divina.
O homem virtuoso da Renascença é aquele que se defme
mas vemos o corpo, que é imagem por si próprio e
a partir das suas realizações pessoais. Esta valorização do
e sombra da alma, de modo que (..j indivíduo no
Renascimento se faz pela “fama”, cuja máxima expressão é
pensamos que num belo corpo há uma alma bela. encontrada
nas artes; na escultura e na arquitetura, permanecem as
marcas para exal
Marsilio Ficino tar as personalidades, na literatura prevalece a biografia (ou
a autobiogra.
fia); e na pintura, surge o retrato39, bem como a assinatura
A passagem da Idade Média para o Renascimento não marca artística nas
obras40, O “retrato” é a representação de seres ordinário5, e
não de simbo
apenas o nascimento da Modernidade, marca ainda o momento no qual se los, e começaram a se disseminar a partir de fins do século
afirma o que se costuma designar na atualidade por subjetividade, en XIV e início
do século XV, parjicularmente no norte da Europa mais
quanto individualidade e singularidade (identidade). Na esteira do subje parficularmen
te, no ducado da Bourgogne — através de altistas oriundos

tivismo protagórico, é a Renascença com seus esforços e avanços que



daí a sua designação por “arte flamenga”, Esta nova


dos Flandres,
instaura definitivamente este processo que vai se mostrar irreversível, e perspectiva artística
representou uma ruptura decisiva na história da modernidade,
que culmina com a delimitação da subjetivação na Filosofia, marcada- “descoberta” do indivíduo ou, nos dizeres de Todorov (2001), um
marcando a
mente no cartesianismo. ro “elogio” do indivíduo18, primei
O acento na subjetivação pode ser representado pela máxima de
Leonardo Da Vinci, quando este afirma que “o homem é o modelo do num- As virtudes renascentistas são claramente expressas pelo
aquele que ‘forja o próprio mundo” A obra artística, no artista:
do”. Esta subjetivação afirmada pela individualiza çào, ou seja, pela reLe

Renascimento,
vância dada ao “indivíduo”, ao sujeito indiviso, ao “átomo” do mundo tende à eternidade, simbolizada pelos materiais mais
duradouros que
humano instaura pela primeira vez, de forma determinante, o primado da

passam a ser utilizados (óleo e mármore, p. ex.). Ao contrário do
artesão,
interioridade)6, que será continuamente assinalada na Modernidade37. o artista é o conhecedor de tudo,
Esta interioridade também pode ser percebida através da intros Na Filosofia, encontramos a reabilitação de Platão, como
temos
pecção, o que cria um “mundo interno”, uma “privacidade”, na qual os em Petrarca, para quem foi Platão quem se elevou mais
alto. Mas foi
pensamentos, as fantasias e os projetos individuais encontram espaço de Nicolau de Cusa (1401-1464) o primeiro representante do
platonismo: o
manifestação. A expressão mais clara disto, encontramos em William homem deve reconhecer os limites de sua capacidade de
conhecimento,
Shakespeare (1564-1616), em especial no seu “Handel”: o monólogo de numa alusão à “douta ignorância” socrática Marsilio Ficii3o
e Pico della
Hamlet expressa a interioridade, um “eu” individual fechado, que mostra Mirandola, ao escreverem sobre a dignidade do homem também
a consciência de si38. Platão — entendido como o filósofo que mostra a relevam
capacidade do homem
elevar-se ao mundo inteligível e, assim, alcançar a Deus. Para
Ficino, “o
36 Charles Taylor (1997), em seu livro “As Fontes do SeIf’, assinala que foi Santo Agos homem é uma espécie de Deus”,
tinho o precursor desta ideia de interioridade, quando este afirma a alma interna, e a
busca por Deus a partir de nós-mesmos. ‘
Um excepcional estudo sobre a constituição da ideia de “sujeito”

E o primado desta “interioridade”, de um sujeito privado e individual conhrariamente

ou de “individuo” na
Renascença, mais particularmente através dos retratos, pode ser
ao “eu” medieval, diluído em meio às determinações divinas que surge como “pré

rov (2001). encontrado em Todo


-condição” básica pan o estabelecimento flitum de uma disciplina independente como
a Psicologia, segundo a tese defendida por Luiz Claudio Figueiredo em “Psicologia. 1 ‘40
Provavelmente, o primeiro a fazê-lo Lenha sido o pintor flamengo Jan
-1441). Poderíamos destacar, particularmente, um de van Eyck (1390-
Urna Nova introdução” (Figueiredo & Santi, 1999). Remetemos a esse e outros textos seus mais famosos quadros, “O
Casal Arno!flnr’, de 1434, como mostra da colocação da
relacionados (Figueiredo, 1994; Santi, 1998). subjetividade do pintor na sua
ohm. Nessa interessante pintura, pode-se facilmente
38 Há vários exemplos da constituição desta interioridade (que mostram, inclusive, certa observar (através de um espelho
colocado logo atrás do casal) o reflexo do próprio pintor na tela.
continuidade entre a Idade Média e o Renascimento), desde os Exercicios Espirituais 48
Vãfios outros artistas irão desenvolver essa mesma
de Santo Inácio de Loyola (1491-1556), passando pela construção de espaços de “inti perspectiva do retrato, como Rogier
midade” como descrevem Ariés & Duby (1990)— até o desenvolvimento dos espaços
van der Weyden, Albrecht Dilrer, dentre outros. Mas a
— expressão mais conhecida acaba
de romantismo, na literatura e nas artes (Rougemnnt, 1972).
sendo a famosa “Mona Lisa”, de Leonai-do da Vinci.

4
r
138 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humwiismo
139
Toda a tendência desta época caminha na direção da exaltação “A vida é uma sombra errante, um pobre ator
uma hora ou duas e depois não é mais que gesticula em cena por
da glória e da potência humanas. Como afirma Pico della Mirandola, “o ouvido”.
homem é livre para se apoderar do inundo”. Esta exaltação leva à redes Uma visada sobre o cenário artístico do
Renascimento lança lu
coberta de tradições místicas, como caminhos de contato do homem com zes sobre a questão do humanismo. Segundo
Sproccati (1994), as obras
as forças da natureza, como no caso da magia, da Cabala judaica e do artísticas representam “textos culturais” repletos
sistemas de signos e de símbolos, onde de significados; são
Hermetismo egípcio. Ficino, por exemplo, traduziu o “Corpus Hermeti podemos entrever as relações
eu?’, de Plotino; e considerava que os textos místicos de Hermes Trisme entre a arte e o contexto político e social no
a relação entre arte e ideologia. Nesta qual estão inseridos, ou seja,
gisto continham a “prisca theologia” (teologia primitiva), cujas bases não perspectiva, estudar a arte de um
divergiam da doutrina cristã. determinado período ou contexto é estudar o
que insere a obra. próprio período histórico em
Todo o esforço renascentista girava em tomo da valorização do
humano, da exaltação desta suprema obra divina, mas afirmava a sua A história do Humanismo perpassa a revolução
renascentista, que pode ser denominada de gerada pela arte
independência, a sua singularidade e, principalmente, o seu destaque do modernidade artística, cujas
bases estão no século XIV, com a renovação
mundo da natureza. Foi esta afirmação de um “eu” individual fechado e done (1267-1337), pintor e arquiteto florentino,
proposta por Giotto di Bon
separado do mundo exterior (aqui incluidos objetos e outras pessoas) que e por Giovanni Pisano.
derivou nos processos de colonização produto do contato com a multi Em fins da Tdade Média, a linguagem por

princípios da imitação e da racionalidade visual imagens, baseada nos


plicidade e da abertura do mundo a novos conhecimentos e civilizações: a estabelecem as bases da
dominação do europeu exercida sobre os outros povos é produto desta cultura artística moderna, que será desenvolvida
na Renascença, com as
consideração individualizada que destaca o homem renascentista dos experjéncias sobre a perspectiva. Este desenvolvimento
Giotto, que rompe com a tradição medieval, se inicia com
demais, distanciando-o da realidade natural42. recriando com sua obra, a
relação entre o indivíduo e o universo. Sua
Esta valorização do humano se expressa ffindamentalmente pela forte páthos emotivo e por formas narrativaspintura é marcada por um
valorização do corpo, do indivíduo, na arte. Um olhar mais destacado épicas (Sproccati, 1994).
Giotto leva a efeito uma “reforma lingUística”,
sobre o movimento artístico do Renascimento nos ajudará a compor me ção do espaço fenomênico e pela ideia de caracterizada pela restitui
lhor este quadro. reprodução realista. Isto tem
antecedentes em Santo Tomás de Aquino que
reabriu a arte ao estudo da
natureza, reabilitando a imitação. Convém lembrar
da Idade Média, não se podia fazer que, durante boa parte
4.3 Natureza e Arte no Renascimento representações de imagens através da
imitação, por ser proibido43. A partir destas
mudanças, foi possível uma
Pinta-se com o cérebro, nova ieitura da Bíblia, sob um ponto de vista
não com as mãos. narrativo e descritivo.
O Primeiro Renascimento (Sproccati, 1994) se
do século XV, quando surgem as condições dá em princípios
Michelangelo históricas promotoras do
Renascimento Italiano:
O Renascimento não foi apenas a consideração das “luzes” de
uma nova era. As “trevas” e as “sombras” também têm o seu lugar no a) Na política, temos o desenvolvimento de
pequenas cortes
Renascimento, seja através da técnica do sfuniato, de Leonardo Da Vinci, poderosas (como os Médici em Florença; os
Montefeltro, em
na qual a claridade na pintura vai-se escurecendo, seja através da literatu Urbino; os Visconti e Sforza, em Milão; os
Malatesta, em
ra, com a melancolia em Shakespeare, num Macberh, quando exclama: Rimini e os Angerinos e Aragoneses, em Nápoles).
pequenas cortes que virão a favorecer o mecenato; São estas
42 Sobre esta questão, destaque especial pan o excelente trabalho de Tzvetan Todorov
(1983), ‘A Conquista da Arnérica” A tese defendida neste livro á que tanto os euro
peus, quanta os nativos foram incapazes de entrar em contato um com o outro, dado
que cada um tomava a si-próprio como referentes: enquanto os astecas consideravam Segundo Todorov (2001), São Boaventura foi
um dos que reabilitaram esta perspecti
Cortez um deus cujo retomo estava predito, os espanhóis desumanizavam os nativos. va, ao afirmar que a beleza criada remete
á beleza divina.
140 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
141
b) No campo dos estudos filosóficos, dá-se a união do espírito dieval. No quadro de Masaccio,
observa.se a expressão verdadeira das
religioso e da curiosidade profana, com a reabilitação da cul emoções (com as figuras curvadas e
de cabeça baixa), bem como temos
tara e da mitologia greco-latina e a redescoberta das disci uma pintara tridimensional
(contrariamente à bidimensionalidade da
plinas “esotéricas” (astrologia e aLquimia). Média). A realidade vai deixando, Idade
de fundo” decorativo, pan compor paulafinamente de ser um mero “pano
como
Neste período, há um câmbio significativo na figura do erudito, e compreender. A realidade toma-se mais um elemento vivo a analisar
a “morada do sujeito” (Sproccafl,
que deixa de ser o clérigo, e passa a ser o filólogo erudito, o conhecedor 1994). Passa-se a ter um reflexo
recíproco entre realidade e o homem.
dos segredos do saber universal, ou seja, dos pensadores gregos. Foi Pe A figura de Leonardo da Vinci é
trarca quem iniciou a abordagem filológica da literatura clássica, sendo (1452-1519) foi talvez o maior artista lacunar neste período. Da Vinci
ponto de referência para os Humanistas da Renascença. nios da humanjdade4e Não bastasse isto, que já existiu e um dos maiores gé
Este “primeiro Renascimento” é representado por artistas tais sentantes da nova ordem renascentista foi ainda um dos principais repre
como Lorenzo Ghiberti, Guanino Veronese, Lorenzo Valia, Leon Batista foi homem do Renascimento “Antes de mais nada, Leonardo não
apenas por ser pensador “universal”
Alberti, Andrea Mantegna, Giovanni Pico deila Mirandola, Angelo Poli não especialista, mas também
porque, por exemplo, pode-se observar é,
isto
ziano e Marsiglio Ficino. A arte modifica-se, para realçar o papel central alguns traços de neoplatonismo, como nele
do homem como sujeito do conhecimento o que pode ser claramente entre o homem e o universo” (Reale quando ele delineja o paralelismo
& Arniseri, 1991, p. 142).

observado nas pinturas de Giotto45 o que vem corroborado por avanços


Em seu pensamento encontramos


técnicos tais como o uso de investigações matemáticas na Arquitetura tre o microcos,,zos e o macrocosmos referências ao paralelismo en
(em especial com Bmnelleschi, com o cálculo a partir da utilização racio que lhe serve para legitimar a ordem
mecanicista do mundo, derivada de Deus,
nal das proporções geométricas em função do ponto de observação ideal) ca e necessária. Para ele, é c mas sendo uma ordem mecâni
ou os estudos de fisica óptica, que trabalha a centralidade do observador, pensamento matemático que interpreta
ordem mecânica das coisas. E o cientista esta
do olhar que contempla. por natureza.
Como artista, o desenvolvimento da
Como outra figura de destaque, podemos citar ainda Masaccio rea47 em seus quadros, representa técnica da perspectiTa aé
(1401-1428), que também coloca o homem como sujeito uma noção até uma nova forma de ver o mundo. Este

foi um dos principais traços do
então inédita, ainda em fins da Idade Média e como artífice de seu pró

de. Leonardo usou o que aprendeu renascimento. uma nova visada da realida
prio destino, além de parâmetro unitário para interpretar a multiplicidade o máximo de realismo ás suas pinturas.com a natureza e com a ciência pan
dar
dos fenômenos. Como legado de Masaccio, temos a técnica do cla de sua obra A Anunciação de 1472. Um exemplo disto pode ser tomado
ro/escuro; o sentido das proporções anatómicas e o sentido de espaço são similares às dos pássaros que haviaNela percebemos que as asas do anjo
(harmonia figura/meio). Um exemplo deste “subjetivismo” de Masaccio observado (Sproccati, 1994).
Outro signiftcativo avanço promovido
pode ser observado na tela A Expulsão do Paraíso, grande marca do Re do sfutnato. Trata-se de uma técnica por Da Vinci, foi a técnica
nascimento (Gelb, 2000), que representa um retomo à humanidade do onde o pintor imprime um modo es
flimaçado de tal maneira que não se
homem, ou à apresentação do “sujeito” concreto, em contraste com a foi Leonardo um dos primeiros a percebe a marca do pincel. Além disso,
“representação” abstrata de um simbolismo associado a uma figura. retratar a mãe de Jesus sorrindo e
cando com seu filho, como na Madonna brin
O homem da Renascença é isto, um homem que re-conhece o mos concluir pelo resgate das emoções, Renais, de 1478. Com isto, pode
próprio homem, a partir do próprio homem, e não a partir de uma “ideia”, da emotividade, o que imprime um
Significado pessoa) à pintw-a para
de uma imagem idealizada ou de um matiz, oriunda da espiritualidade me cultural e ainda delimita o papel do
— além de um simples sentido inato ou

observador junto à obra de arte.


Nas pinturas de Da Vinci, os
Como já afirmado anteriormente. Lembremos a tradução de Ficino do “Coipus Henne misturam com o fundo, o que faz com sombreados dos personagens se
ficas” e a ideia daprisca phi!osophiu. que as partes iluminadas dêem a
Uma pintura particularmente destacada neste aspecto é o seu quadro “O Retiro de São
Joaquim entre os Pastores” (1304-1306). Nesta tela, além da representação da peno Além de ter frequentado a
oficina de Venocebjo em 1470,
nalidade de São Joaquim. observa-se a centralização das figuras humanas, que ocupam anatomia, botânica, geologia, ainda estudou matemática,
mecãnjca e arquitewra
lugar de destaque na pintura. A partir de Giotto, pode-se dizer que não é mais a “naw Técnica que consiste no
empalidecimento das cores e no
reza” o centro, mas o sujeito. azul, com distância retrocedente esfriamento dos tons para o

À
142 Adriano Furtado Holanda
Fenomenologia e Humanismo
143
impressão de serem tridimensionais. tomando a pintura mais natural48. A Europa49, como embaixador, seja
da
relação de sombras escuras e cores luminosas dão a impressão de que os Observa a queda e a manutenção conturbada vida política de Florença.
dos governos, e reflete sobre a
personagens iam de encontro ao observador, parecendo sair do quadro, ou zação política. Ao procurar
estabelecer um governo imaginário, organi
criando a ilusão de movimentos antes inimagináveis (como podemos para a necessidade de um príncipe aponta
facilmente observar com a Mona Lisa, de 1505-1506, cujos olhos pare ideia do maquiavelis,,io como “aprender a ser mau”, o que originou
sinônimo de ações inescrupulosas a
cem acompanhar o observador aonde quer que ele vá). O oposto deste trágico “realismo
Um segundo grande salto qualitativo do Renascimento encon “utopias”, ou as descrições de político” de Maquiavel são as
tra-se associado a Piero della Francesca (1415-20/1492). Suas regras de seus autores. Nestas obras sociedades opostas à real, esta conhecida
relativas à arte da perspectiva fazem-no um precursor da fotografia fiatu dentre as quais a maior representante
Utopia50 de Sir Thomas Monas

(1478-1535) descrevemse éa
ra: visão monocular, imobilidade do espectador e estatismo do objeto imaginárias, ideais (na sua obra, —
sociedades
Monas
observado (o que supõem uma nova retomada do subjetivismo); além da propriedades privadas nem injustiças), descreve uma ilha na qual não há
centralidade do ponto focal no campo visual. -1639), ao escrever A Cidade Tommaso de Campanella (1568-
O segundo renascimento compõe-se basicamente das contribui do Sol51, inspira-se em Platão,
uma cidade onde o governante e descreve
é
ções de gênios tais como o já citado Leonardo da Vinci, Rafael Sanzio há nem propriedades privadas, um sacerdote metafisico, e na qual não
(1483-1520) e Michelangelo Buonarroti (1475-1564). Neste período, a nem crimes. Estes autores
assim, ligados ãs transformações mostram_se,
teoria humanista da arte atinge sua maturidade, e complementa: “O clas riqueza, advinda da propriedade sociais oriundas da conceniração de
sicismo de Rafael é o produto final e talvez o mais rico e complexo da
— —
obras conteriam ideias precursorasprivada. Segundo alguns críticos, essas
tendência ‘retrospectiva’ que o humanismo italiano cultivou durante todo do moderno “comunismo”, ou
“comunitarismo» de um
o século XV” (Sproccati, 1994, p.59).
Thomas More (1478-1535) ou
Muito ainda teríamos a discutir a respeito da arte renascentista arcebispo de Canterbury Em Monas, em latim, foi
1490, ingressa na Universidade pajem do

produto necessariamente delimitador do espaço deste movimento em para estudar Direito, e em 1504, de
meio à construção da modernidade mas ainda restam outros pontos a se toma membro do ParlamentoOxford,
tarefa Política que exerce até
o final de sua vida. Sua principal inglês,

serem assinalados. Além da pintura, também na literatura encontramos Utopia, se constitui numa
representações dignas de nota desta transição de pensamento. Talvez o revalorização do epicurismo dentro obra, a
ção reinterpreti de PlatAo da tradi
e

melhor exemplo sejam as “utopias” descritas pelos renascentistas —

tas resgatem também alguns Aristóteles, que faz com que os humanis.
exemplo de uma reflexão profunda empreendida por pensadores engaja cultura medieval ao qual filósofos esquecidos ou condenados
dos com o processo de mudança particularmente próprio de sua época. defende pela

tes de uma ilha imaginária que indfretamentes2 a partir dos habitan


acreditam na busca dos prazeres:
4.4 As Utopias: Erasmo de Rofterdam e Thomas More A Utopia constitui expressão do
cial, politica e religiosa dos desejo de reforma de toda a
europeus do século Xvi, época vida so
de pro
É a Loucura que forma as cidades;
graças a ela é que subsistem os governos, a religião, A guerm é uma constante
os conselhos, os tribunais; e é mesmo lícito asseverar que na Itália. Chames Viii, da
Roma Param e Firen2e) Seu Fça invade a Itália (Milão,
a vida humana não passa, afinal, de uma sucessor Louis XII, perde
Aragão, da Espanha, Na Inglaterra, Nápoles pan Fernando de
espécie de divertimento da Loucura; temos a guerras das duas rosas
entre as casas de York e (entre 1455 e 1485),
Lancaster Na Alemarijia nos
eclodem a cada parte guenas Países Baixos e na França,
O Elogio da Loucura, Erasmo de Rotterdam ° religiosas. A Inquisição ainda não
A palavra “utopia” designa conhece a decadência.
um lugar imaginário, algo
proposta por Thumas Monas e irrealizável É uma fantasia,
Nicolau Maquiavel (1469-1527) é um espectador atento e pdvi grego óu (“não”) e tópos
publicada em 1516, que formou
o vocábulo a partir do
legado de todo o movimento de sua época, seja das constantes guerras na SI (“lugar”), ou seja, “lugar nenhum”
Publicada em 1602. (Cunha, 1991).
52
Como ressalva Pessanha
(1988), Monas acrescenta alguns
Inevitavelmente, temos aqui uma correlação com a noção de “totalidade” como propos
— utopianos, de tal maneira, que conceitos às opiniões dos
desfigura a ideia epicurista não
ta pela Psicologia da Gestalt ou, se preferirmos, com a ideia de relação figura-findo.

lie sua posição como
essencialmente epicurista. permitindo que se ava

1
144 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo
145
cia Erasmo era um humanista no mais completo
finda renovação. Foi esse o aspecto da Utopia que maior influên sentido,
exerceu sobre os contemporâne os, toman do-a matriz de outras tentati integralmente nas possibilidades de a razão humana que acreditava
Sol de distinguir clara
vas para retratar uma sociedade ideal, como A Cidade do mente entre o bem e o mal, e colocava no
Iivre-arbíb-jo de cada um a
Nova Atlãnt ida, de Franci s fonte de todo autêntico pensamento religioso
Tommaso Campanella (1568-1639) e a e da opção moral. Lutero
Bacon (1561-1626). (Pessa nha, 1988, p. 157) esposava o agostinismo mais extremado,
segundo o qual o homem é
um miserável ser, condenado ao pecado
e à degradação da qual só
A Utopia é uma república diferente, sendo a descrição de uma pode ser salvo pela graça divina; o homem
não pode por si só atingir a
-
sociedade comunista ideal, onde não há propriedade privada (os utopia beatitude eterna mediante aquilo que faça; é
a Deus pela fé e esperar preciso antes entregar..se
nos mudam de casa periodicamen te), há distrib uição de gênero s apenas pacientemente pela misericórdia divina.
elei Erasmo procura a reforma pelo esclarecimento
necessários e à mão de todos, e um complexo sistema político de —

ma, antes de tudo, o poder da fé. (Pessanjia racional, Lutero afir


e de tal forma que não seja permit ido o 1988, p. XV)
ção de magistrados até o príncip —

encerra da numa propos ição de mudan ça.


abuso de autoridade. E a crítica Em 1517, escreve um livro intitulado o
Outro pensador original do humanismo renascentista é Erasmo descreve seu ideal de uma Europa unida. Curioso Questã da Paz, onde
a aponta rmos para o fato
de Roiferdam (1467-1536), um frade agostiniano que em 1495, chega de que hoje, mais de trezentos anos depois,
seu ideal se realiza, com a
dava com a visão
Paris para ser doutor em Teologia. Erasmo não concor “comunidade europeia”, representada pela moeda
comum. Falece em
medieval de mundo: para ele, o mundo material não era necessariamente 1536, exclamando como últimas palavras,
Lieve Goa’, que em holandês,
residência do pecado, nem reino da contaminação. Em 1499, vai para significa Bom Deus.
Londres, para o Saint Mwy’s College de Oxford, onde trava contato com Esses dois pensadores talvez tenham sido os
uma universidade mais aberta do que Paris. Ali conhece Thomas More e, representantes de um período de extrema importância mais significativos
juntos, decidem restaurar a teologia a partir de novas edições de textos manidade, com suas reflexões agudas e seu espírito da história da hu
aberto, foram exem
biblicos. Propuseram então uma nova exegese e uma nova hermenêutica plos do ideal renascentista, de um homem
univer sal, versado nas artes e
dos textos sagrados. nas letras, e em constante contato com a
realidade.
Erasmo viaja ainda para a Itália, onde estagia. Em 1509, Henri As “utopias”, invariavelmente remetemnos à
s, República de PIa-
que VIII ocupa a coroa inglesa. Erasmo deixa a Itália e vai para Londre tão. Nesta, Platão descreve urna
sociedade perfeita, na qual “os filósofos
hospedando-se na casa de Thoma s More. Sua saúde frágil, contud o, o são reis e os reis eprínc, deste inundo têm
necess ite de repou o espb-ito e o poder da filo
abate. Crises de cálculo renal fazem com que Erasm o sofia”. A utopia de Platão não é um ‘lugar-nen/ju, ,,” mas um lugar que
so. Para “passar o tempo”, usa de seu lazer predileto: escrever. E foi as “pode ser feito”. Os modelos de utopia da
literatura Renascentista vêm a
sim que escreveu a sua obra-prima, ao cabo de uma semana, O Elogio da reboque dos grandes descobrimentos e da grande
evolução do eonhecimen
,
Loucura (dedicado a seu amigo More), onde a Loucura sobe ao púlpito to humano, encontrandose com os
relatos de viagem, como o Mzt,zd,
ao lado da Lisonja e do Amor- Próprio . No vus de Américo Vespúcio, ou as Cartas
de Pero Vaz de CamjpJja53
filóso Neste sentido, as ‘topias” represent os
O resultado foi a critica impicdosa dos juristas minuciosos, dos
fos escolásticos, dos nobres arrogantes, dos bispos luxuriosos,
dos ne Possibilidades de uma realidade, a partir do próprio modos de se pensas as
gociantes sórdidos e estúpidos, dos militares que julgavam ser sufi Representa o valor máximo de um homem que sujeito do pensamento.
que realidade pode construir um “mundo novo”. sujeito de sua própria
ciente atirar uma moeda numa bandeja para adquirir a indulgência

nascer am. (Pessa nha, 1988,


Assim ., essas utopias refle


os deixaria puros e Limpos como quando tem a mudança da hnago que o homem
renascentista se auto-atribui, cami
p. XIII) nhando na direção de uma nova apreensão da
as mudanças e transições que a própria realidade e participe de todas
O produto de suas reflexões foi uma sátira aguda que rapida sociedade vinha sofrendo.
mente conheceu o sucesso e influenciou a Reforma, se tomando um “ver
assi
dadeiro panfleto revolucionário”. Com relação à Reforma, convém Quem discute com te
bastan propriedade esta correlação é Tzvetan
Todorov (s/d), em
nalar que Erasmo entrou em contato com Lutero , mas suas ideias se reve especial no seu clássico Nazis et te Autres. La
Reflarjo,, Frai;çajse sur la Dj,’ersjj
Huniagne (‘Wós e os Outros”) Discutimos também este tema, em artigo sobre
laram distantes. tão da Psicopatologia e sua relação como a ques
exotismo e a diversidade (Holanda, 2001).

1
1
146 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 147

5: IIUMAMSMO, HUMAMSMOS E PSICOLOGIA responde por ele. E é nessa direção que se instala a angústia,
pois homem
escolhe sozinho, mesmo que a responsabilidade não seja puram o
O paradoxo é a paixão do pensamento;
ente indivi
dual (ao escolhermos, esta escolha também envolve um
o pensador sem paradoxo é como um “para” os outros;
escolhemos também o que consideramos melhor para os outros
amante sem paixão, um sujeito mcd jocre. ). Portanto,
nesta sua defesa, Sanre reafirma que cada escolha vale para
a própria hu
N. A. von Zuben manidade, e que o homem não pode recuar diante de sua escolh
a pois não
escolher ainda é uma escolha dai o homem ser “condenado


a ser livre”.
Do ponto de vista da filosofia existencialista, o ser humano não No mesmo ano, o filósofo francês Jean Beaufret (1907-1 982),
é um produto da fala, mas é a própria palavra. Conforme Heidegger e principia um diálogo com Heidegger, no qual lhe fala
dos desenvolvimen
Buber descrevem, não é a linguagem que se encontra no homem, mas o tos do existencialismo na França e de algumas de suas ideias
(que, inclusi
homem que se encontra na linguagem: “C..) no pensamento, o Ser se ve desenvolvera num conjunto de quatro artigos intitulados
“A propos de
toma linguagem. A linguagem é a casa do Ser. Em sua habitação mora o l’existentialisme”)54. Em novembro de 1946, redige uma
carta endereçada
homem. Os pensadores e poetas lhe servem de vigias. Sua vigília é com a Heidegger, na qual pergunta como dar um novo sentido
sumar a manifestação do Ser, porquanto, por seu dizer a tomam lingua à paiavra “huma
nismo”. Em resposta, Heidegger em 1949, em Uber deu
Hunwnismus55
gem e a conservam na linguagem” (Heidegger, 1949/1967). Já para Buber

critica todo tipo de humanismo que, desde a Roma antiga


pressupõe

no esteio da tradição hassidica o homem funda sua existência nas atitu



uma essência do homem. Para Heidegger, a existência
ou a ex-sistência

des que tem diante do mundo, e o homem age pela palavra, que é ato. E

não pode ser a realização de uma essência, mas o fato de


“se manter na

pelas “palavras-princípio” que se dá ação do homem no mundo. Palavra e clareira do Ser”. Heidegger lembra que o Darem é esse domín
linguagem, são atos: “Não é a linguagem que se encontra no homem, mas o io de aber
tura do Ser, que toma o homem capaz de compreensão
homem que se encontra na linguagem e fala do seio da linguagem assim do Ser; o Dasein
-
seria o “pastor do Ser”, aquilo que permite o acesso ao Ser.
também acontece com toda palavra e com todo espírito. O espírito não está A questão sartreana de que “o existencialismo é um hum
no Eu, mas entre o Eu e o Tu” (Buber, 1923/1979). mo”, é questionada por Heidegger que replica, por consid anis
Quando se pensa em “humanismo”, no contexto filosófico con erar que uma
filosofia que faz do homem a medida do ser, subordina
temporâneo, invariavelmente vem à tona dois grandes textos, de dois dos o ser ao homem,
quando o homem deveria ser subordinado ao ser.
Por outro lado, esta
mais importantes pensadores do século passado: O Existencialismo é uni posição especificamente “existencialista”, como tomada
Humanismo, de Satte; e Sobre o Humanismo, de Heidegger. Por sua im

critica a posição de um humanismo enquanto uma teoria por Saite —

portáncia, seria necessário um estudo aprofundado de ambos o que foge



que toma o ho
da intenção dessas poucas reflexões de modo que iremos traçar breves

Essas relações compõem um momento delicado na vida


comentários sobre as ideias ali contidas. 1945, Heidegger comparece a uma comissão de desnaz
de Heidegger. Em julho de
ificação, para responder a acu
No dia 29 de outubro de 1945, Sartre pronuncia uma conferência, sações de ter colocado a Universidade de Freiburg (da qual
foi reitor) a serviço do Na
em Paris, num evento do Club Maintenani. Dessa conferência, um texto cional-Socialismo e de ter utilizado seu ensino filosófico
nação. Deste processo, resulta que Heidegger fica impedi
como instrumento de doutri
estenografado deu a base para um escrito no qual Sartre procura “defender do
Huisman (2000), com esse texto que teve grandes repercude lecionar. Como assinala
o existencialismo contra um certo número de críticas que tem recebido” ssões
gger”G..) rompia com o silêncio de escrilor que se seguiu a suas na França Heide

breves relações com o


(Sartre, 1946, p. 21), particularmente as criticas de marxistas e de católicos, nazismo e seu afastamento da Universidade” (p. 282)
quanto ao seu pessimismo e “falta de solidariedade humana” (que era como Heidegger com o nazismo merecem igualmente novosAs relações (e implicações) de
estudos, mas já há literatura
consolidada sobre a questão, sob variados ângulos,
muitos viam sua defesa da individualidade). Em sua réplica, Sartre defende que não vamos abordar neste espa
ço. Remetemos o leitor a parte desses escritos (Farias,
que somente o existencialismo possibilita o reconhecimento do valor do 1988; Bourdieu, 1989; Biemel
& Saner, 1990; Delacampagne, 1997; Faye, 2005; Evans, 2010).
indivíduo, pois dá escolha ao homem. Ainda em sua defesa, aponta o exis “
Nas traduções brasileiras, ficou conhecida como a Carta
sobre o Humanismo. Há. pelo
tencialismo ateu como o mais coerente, pois ao recusar Deus, só se reco menos, duas traduções desse texto em ponugués. A primei
ra delas, de Emanuel Car
nhece a realidade da subjeüvidade não há mais “natureza” humana, assim, neiro Leão, conta ainda com uma pequena introdução
do tradutor, e data de 1967 (Hei
degger, 194911967); a segunda, apenas com o texto da Carta,
só o homem é responsável pelos seus atos, nada mais nem ninguém mais 1949/1991).
data de 1991 (Heidegger,
148 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 149
da intersubjefividade como é posta a questão do sujeito na
mem como fim e como valor superior (o que seria um absurdo, dado que —

gia que coloca a humanidade do homem. “Ninguém pode


fenomenolo.
o homem não pode valorar a si-mesmo. Sob este prisma parafraseando —

em si: a humanidade do homem, a subjetividade, é uma


permanecer
Aristóteles somente o cão ou o cavalo poderiam emitir juízos de valor
— responsabilidade
pelos outros, uma vulnerabilidade extrema” (p. 124). Esta subjetividade,
sobre o homem). Para Sartre, o existencialismo não toma o homem como para Lévinas, é uma “não-indiferença a outrem na responsabilidade
fim, pois este está sempre por se fazer. Não há, portanto, uma “humani nita”. Esta é a ética da qual falávamos, uma ética da
infi
dade” á qual se renda culto56. O homem está constantemente fora de si responsabilidade;
primordial para que possamos descobrir nossa liberdade para nós
mesmo, projetando-se e perdendo-se fora de si, ou seja, fazendo-se exis mes
mos. Em Lévinas, essa responsabilidade tem três significados• como
tente. Sob esta ótica, o existencialismo é um humanismo na medida exata rela
ção ao outro, como reação a partir de nós mesmos á outra pessoa
em que vê o homem como superação, como presente num universo trans e sua
exigência, e como uma reação para o outro. Esta ética da responsabilid..
cendente. E humanismo porque é lembrado ao homem ser ele o único
de significa que vivemos num mundo de relações, o qual não
legislador de si próprio, e que é no abandono que ele decidirá de si. Em podemos
ignorar; que nos colocamos na esfera do inter-humano, numa
outras palavras, o humanismo existencialista define que cabe ao homem vida de
diálogo, numa “comunidade” de sujeito&9.
procurar um fim fora de si, como libertação.
A rigor, podemos perceber que tanto Sartre quanto Heidegger Nesta direção, quando se pensa nos fundamentos de urna psico
questionam o caráter essencialista e metafisico das diversas considera logia “humanista”, afirma-se alguns pontos essenciais:
ções do homem, que o colocariam como subsidiário que algum tipo de 1. O homem é palavra;
“definição”, como se o que caracterizasse o homem fosse algo previa-
mente “dado”, já estabelecido, seja conceitual ou formalmente. Ora, 2. Essa assertiva implica numa radical mudança de ponto de
qualquer caractedologia desse tipo qualquer formalização que delimi

vista, e
tasse o que “seria” o homem ou o que formalizasse sua “essência” seria —

3. O que mais caracteriza a psicologia é que o “sentido do 1w—


a
o contrário do que ambos discutem, e colocaria o ser do homem alheio manismo é essa ;zzidança de perspectiva”, a saber, uma mu
si mesmo57. dança “na relação com o objeto” (Arnanjzzi, l989a).
O que nos importa filosoficamente é que este “humanismo”

O movimento humanista mais recente recupera as “questões de


que ora discutimos, resgata uma ética. Enmianuel Lévinas, em sentido” ou a consideração do sentido subjacente ao ser humano, fazendo
L ‘Hzsmanis,ne de lAurre Homme58, propõe a restauração de uma ética do com que o mesmo seja visto como uma “totalidade em movimento”.
homem, que o coloca como sujeito e que marca sua existência apenas

enquanto responsável pelo Outro. Não foi o humanismo que fracassou, Sob esse enfoque, o ser humano nos aparece não como resultante
diz Lévinas, mas as interpretações recentes desse humanismo que, redu uma série de coisas, mas como, ftzndamentalmente, o
de
iniciante de uma
zido a esquemas simplistas esqueceu seus valores ftmdamentais. série de coisas, e os desafios daquilo que ele deve criar não são res
Esta ética, aqui não é simples reencontro consigo, pois “o reen pondíveis com explicações daquele tipo. O homem só aparece
naquilo
contro consigo não se verifica. A interioridade não seda rigorosamente
que ele tem de mais próprio, na questão do sentido, não
na questão da
causa explicativa. A razão explicativa se refere ao homem como
interior. Eu é um outro” (Lévinas, 1972J1993, p. 112). E, pois, uma ética tado, como repertório, ou como recebido, e, portanto, em
resul
definitivo,
sobre ao homem como passado. Não se refere ao homem atual, ao
56 A rigor, um “culto” da humanidade conduz a uma concepção de humano fechada desafiado, ao homem tendo de responder e posicionar-se, ao
homem
si mesma (como encontramos em Comte, p.ex.) e, levada ao seu extremo, ao fascismo. homem
presente (face a um futuro). Este homem atual, presente, desafiado,
termos
Há que se questionar o quanto de “caractebológica” é a psicologia moderna (em terpelado, em movimento, é o que se encontra face ãs questões de
in
caracteriolog ia queremos significar qualquer modelo de sujeito que seja defi sen
gerais). Por
a tais característica s previamente dadas
nidora do homem, ou seja, que resuma o homem
quanto
e, de cefla forma, imutáveis. Isso vale tanto pan uma perspectiva fisiologicista n Esta posição aproxima
anterio
social; ou mesmo pan os modelos “psicológicos” que se definem por conceitos Lévinas de Manin Buber. Todavia, embora partilhem muitas
res à manifestação do homem. Bem como vale pan outras modalidades interpretativas do posições; embora ambos panam do judaísmo e, embora, Lévinas
reconheça em Buber
sujeito, tais como a astrologia, diversas formas dc leitura religiosa, etc. um pioneiro em grande parte de ideias, há significativas
diferenças entre seus modos
de pensar (Orange, 2010).
“Humanismo do Outro Homem” (Lévinas, 197211993).

1
Fenomenologia e Humanismo 151
150 Adriano Furtado Holanda

homem com Mas deveríamos pensar a Psicologia Humanista de uma maneira


tido: estas são as questões presentes, que surpreendem o bastante ampla, não como uma teoria específica ou mesmo como uma
existente. (Am amzz i, 1989a, p. 89)
escola, mas como um “lugar comum onde se encontram (ainda que com
do, dado que o homem pensamentos diferentes) todos aqueles psicólogos insatisfeitos com a
A palavra é a própria questão de senti
tão do sentido se encontra no visão de homem implícita nas psicologias oficiais disponíveis” (Amatuz
atual se encontra na palavra. Mas a ques
riencial, na vivência do pró zi, l989a, p. 93). A ideia de uma Psicologia Humanista se insere, pois,
discurso do vivencial, do presente, do expe
na “fala secundária”, ou no numa tradição filosófica que resgata o signjficado e questiona a ciência
prio sentido, e não na “fala inauténtica” ou
r desta “visada” diferenciada, na sua base mais flmdamental sua pretensão de neutralidade Enquanto
“falar sobre”, na fala sobre a fala. E a parti —

ícito da fala vivencial que reside a própria ciéncia caminha em direção a uma revisão deste sentido, a Fe
da fala secundária para o significado expl
o sentido de uma psicologia humanista. nomenologia de Husserl vem para iniciar, no campo filosófico, este ques
O humanismo ainda pode ser analisado
, como aponta Erich tionamento. No bojo deste questionamen0 surgem ainda posições exis
hum anist a”. Para Fromm, esta tenciais que reinserem o ser humano num sentido de vivência, e de rela
Fromm, enquanto uma “tradição da ética
repre senta ntes de todas as épocas (o ção, como Buber e tantos outros.
“tradição” pode ser encontrada em
dos “humanismos e anti-
que é perfeitamente compatível com a ideia Quando se pensa numa psicologia “humanista” deve:se pensar
anista para Fromm é a afirma numa posição pautada por uma “sensibilidade hermenéutica” E esta que
humanismos” de Nogare). A ética hum

nsabilidade por sua pró


ção da vida através do bem, e a tomada de respo nos permite sentir a própria situação e o mundo experiencial; que nos dá
cidades do homem. Para
pria existência, sendo o mal a mutilação das capa um sentido de complexidade “G..) que resiste a todas formas de reducio
mas se “o homem está
Fromm, não importa tanto se “Deus está morto”, (Fromm, 1966/1981b). nismo e de racionalidade técnica”; que nos traz uma sensibilidade a “todos
morto” e o que pode ser feito para mantê-lo vivo pendência, e desenvol os idiomas da experiência pessoal”; que nos coloca diante do ffindameng
inde
O homem estaria perdendo sua capacidade de sentido histórico do sujeito cuja ênfase no passado, no presente ou no
sua capacidade criativa, levan

vendo em seu luga r força s que bloq ueiam futuro possa ser a mesma e que nos permite a compreensão efetiva, pau
do-o a uma “desumanização”? Esse é um dos temas centrais em seu es —

tada no diálogo e na relação, que “cura” e que “cuida” (Orange, 2010).


crito O Coração do Homem, escrito em 1964 (Fromm, 1964/1981a). O
(Fro mm, 1976/1980). É neste contexto de questionamen05 filosóficos que abrange
que caracterizaria o homem: Ter ou Ser?

nos principais pensamentos diversos, tais como a Fenomenologia e mais especifica


Na mesma linha desta colocação, encontramos lhantes, co mente, as Filosofias da Existência que surge, na Psicologia, um “movi
s seme
promotores da psicologia humanista, conceitos e ideia

“tend ência à auto atualiza mento humanista”. A seguir, traçaremos alguns comentários a respeito
mo a “tendência atualizante” de Rogers ou a kl. Sob o prism a de deste movimento.
ção” de Maslow; ou a busca de sentido, de Fran
as pode m vir a ser hum anis
Fromm, destaca-se o fato que diferentes teori uma atitu de em co
tas, dado que o que as une não são suas ideia s, mas
orân eo,
5.1 o Movimento Humanista em Psicologia
. Em seu senti do cont emp
mum, diante do homem e da realidade
“crise” do homem e de
uma psicologia humanista seria uma resposta à O homem é uru ser inacabado
de crise moral; como
sua humanidade, numa época de crise de valores, e alento a anseios não e inacabável.
os
uma alternativa a questionamentos não respondid logia. KarI Jaspers
satisfeitos; ou seja, a expe ctati va de uma “nov a” psico
ubstancia
Essa expectativa de uma “nova” psicologia se cons amento, Quando se conta a história da psicologia moderna, costuma-se

uma nova corre nte de pens dividi-la ou em períodos históricos ou em “sistemas”. A partir de meados
em solo americano em projetos de
que já retomaremos sua

representada por um “movimento humanista” —


do século passado, com o desenvolvimento das “teorias de personalida
o May como Exislence
história e por obras organizadas em tomo de RolI de Toward a Psycho

de” e dos modelos clínicos de psicoterapia, criou-se a tradição de se falar
(de 1958) ou Existential Psychology, de 1960; além 1962) ou Existential em “correntes” ou “linhas” de psicologia. E, em geral, a psicologia fica
em
logy ofBeing, de Abraham Maslow (publicado subdividida e invariavelnente ideologizada ou mesmo colocada em
licado em 1971).

Humanistic Fsycholo gy de Thom as Gree ning (pub

4
152 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 153

posições opostas e contraditórias em três momentos (ou “correntes”, ou



Embora seja tema apaixonante e central, a questão de urna epis
“linhas”) que se escondem por detrás de “compreensões epistemológicas” temologia da Psicologia vem sendo continuadamente deixada de lado em
diversas, ou seja, representariam modos distintos de apreender o fenôme prol de uma formação cada vez mais técnica e instrumental: trata-se
mais
no psicológico: uma perspectiva analítica (representada pela psicanálise), de se buscar um “fazer” do que se “pensar o fazer” da psicologia.
Mesmo
outra perspectiva associada ao cientificismo (e representada pelos mode assim, há toda uma literatura consolidada sobre esse apaixonante
tema
los behavioristas) e uma terceira perspectiva, bem mais diffisa, normal que convidamos o leitor a conhecer62.
mente denominada de “humanista” ou “existencial” (e várias derivações), Naquilo que nos interessa, vamos apontar aqui a história dessa
e que envolve toda uma miríade de “olhares” que, teodcamente, não seriam “terceira” perspectiva, O que se designa como “psicologia humanista”, ou
compatíveis com os dois modelos anteriores60. movimento humanista em Psicologia está geralmente associado aos pro
Essa “terceira perspectiva” se constitui em nossos cursos de

fissionais e à cultura americanas, mas possui suas raízes na ciência e filo
sofia europeias.
formação de uma maneira curiosa: todos os temas ou modelos de pen

sar do fenômeno psicológico, que não se encaixam nos dois primeiros Há mesmo certa controvérsia ao se considerar se os movimen
“olhares”, se tomam (invariavelmente) “humanistas”. Há mesmo algumas tos humanista americano e existencial europeu guardam mais similarida
variações dessa denominação, normalmente associados a um certo “rigor” des ou diferenças, o que gera considerável confrsão quando necessitamos
epistêmico, que justificaria a mudança de nomenclatura de “humanista” defini-los e, ainda, não dá o devido mérito a nenhuma das duas constru
ções. Assim, é importante fazermos algumas distinções preliminares.
para “humanista-existencial” ou mesmo “fenomenológico-existencial”61. Uma clara distinção entre a chamada Psicologia Humanista e a Psicologia
Isto, em tese, daria mais liberdade para se poder desenvolver temas ou Existencial parece-nos um tanto demasiado, mas há que se destacar al
olhares tão distintos como o Psicodrama, a Gestalt-Terapia, a Logoterapia guns aspectos importantes;
ou mesmos as abordagens corporais, neste “lugar” do humanístico. Em
outras palavras, costuma-se pensar como “humanista”, tudo aquilo que 1. Em que pese o fato de haver desenvolvimentos independen
não for psicanálise ou comportamental. tes, embora paralelos, somente a Psicologia Hunianista é con
Não vamos adentrar a questão epistemológica subjacente a essa siderada como a “terceira força”63, em clara oposição à Psica
concepção, mas tão somente vamos assinalar que, do nosso ponto de vista, nálise e ao Behaviorismo, sendo esta sua principal caracterís
há um grave erro nesta consideração: a ideia de que cada uma dessas tica a de ser um movimento reativo. Além disso, esta consi

perspectivas parte de um “objeto” diferente de Psicologia, ou de uma deração se dá pelo fato desta ter se desenvolvido em solo
compreensão distinta do que seria o fenômeno psicológico. Isto equivaleria americano, enquanto que a Psicologia Existencial evoluiu na
a dizer que faríamos “psicologia?’ diferentes. Discutir esse tema, embora
seja imprescindível, não seria possível sem uma grande elaboração sobre o
que é e como se pode dar uma epistemologia da Psicologia; nem seria pos
62
Europa, à margem desta reação (dado que o movimento com

Literatura que envolve tanto temas filosóficos quanto discussões de


logia (Lagache, 1949/1988; Eysenck, 1957, 1967, 1968; Keller,
“dentro” da Psico
/
sível sem enfrentar um dos grandes problemas da Psicologia como ciência, 1968; Heidbreder, 1975; Giorgi, 1977; Japiassu, 1982, 1992;
1965/1974; Politzer,
Bachelard, 1984; Penna,
qual seja, a da possibilidade ou não de unificação de seu objeto. Todavia, 1985, 1997, 2000; Mariguela, £995; Figueiredo, 1991, 1994;
Gonzalez key, 1997,
vamos apontar como “objeto” desta psicologia, o sujeito, que pensa, se 1999, 2003; Neubem, 2004; Xavier, 2012).
comporta, devaneia, imagina, sente e sofre, que vive consigo e em socieda
63
o que não deixa de ser curioso, dado que os desenvolvimentos das psicologias existen
ciais europeias são anteriores temporalmente aos das psicologias
de, que é objeto e agente de cultura, de história, e que se coloca no tempo e — —

canas, Seguramente, uma das razões para esta consideração é o fato dos
humanistas ameri
no espaço, num mundo de contínuas e inevitáveis relações. peus estarem intimamente ligados à Filosofia e á Psiquiatria, enquanto modelos euro
que os modelos
americanos surgem como reações às duas “grandes forças” da Psicologia
da época. Para
constatar isto, basta lançamuos um olhas pan as contribuições de
60 Isto pode ser claramente observado nos curriculo de formação em psicologia no nosso personalidades tais co
mo Karl Jaspers, Ludwig Binswanger e Viktor Franjd, por exemplo.
pais. Hoje, já se procura incluir “novas epistemologias” nos cursos, como um modelo Mas há ainda um
outro detalhe digno de nota: nas construções europeias, não se observa
uma “quebra” tão
cognitivista ou um modelo “sócio-histórico” ou “histórico-cultural”. rigorosa quanto se pretende nas psicologias da “terceira força”, em
relação às demais es
‘ No Brasil, temos ainda a possibilidade da denominação “humanista-fenomenológica” colas; hãmmo uma compatibilização entre elas, como observamos em
Brnswanger, por
proposta por Moreira (2009, 2013). exemplo, que chegou a ser presidente de uma sociedade de psicanálise.
154 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 155

portamentalista é basicamente americano), ficando muito mais Psicodrama de J. L.Moreno (1889-1974), que emigra em
ligada à Psiquiatria do que à Psicologia em si; 1925 para New York (e dois anos depois faz o primeiro psi
2. Há elementos genéticos similares entre ambas. Em primeiro codrama fora da Europa), traz consigo raízes existencialistas
lugar, convém assinalar que os pensadores que mais direta e fortes marcas em temas como “comunidade” e “socialida
mente influenciaram a Psicologia Humanista foram justa de”, e que dialoga frequentemente com filósofos como Mar
mente os dissidentes freudianos (de origem europeia): Alfred tin Buber65;
Adler e 0110 Rank, dentre outros. Em segundo lugar, ambas 5. E temos ainda perspectivas que se mantiveram europeias, co
as abordagens associam-se ao pensamento Fenomenológico mo a Logoterapia, de Viktor Franld (1905-1997), mas que
e ao movimento Exislencial (também de origem europeia), trabalham diretamente com temas existenciais como vonta
que passam por uma re-interpretação ao pousar em solo

de de sentido, sentido de vida, vazio existencial e que che


americano. Neste ponto, reconhecemos que a análise prag

gou a denominar-se “análise existencial”. Franid, em vários de


mática da Fenomenologia e do Existencialismo como
— seus escritos e em suas conferências, chamou pan si relações
aquelas apropriadas pelo movimento americanoM configu —
tanto com a fenomenologia marcando particular deferência

ram significativas diferenças entre as abordagens; pelas discussões sobre ética por Max Scheler quanto com os

3. O primordial, contudo, a nosso ver, é que a polêmica que se existencialismo5 (em pelo menos dois títulos traz explicita
criou ao redor desses dois movimentos, calca-se muito mais mente esta relação66) e com o humanismo (que discute expli
em uma questão semântica e hermenêutica, do que em reais citamente em Psicoterapia y Humanismo67); além de manter
liames de diferenciação conceitual ou filosófica. Uma consi proximidade com autores como Gabriel Marcel, Erwin Straus,
deração importante a ser feita é reconhecer a evolução da Von Gebsattel e Ludwig Binswanger6t.
Psicologia Humanista, seu desenvolvimento epistêmico e 6. E ainda, com relação aos autores que trabalharam (ou ainda
apagar a ideia arcaica de que esta se fundamenta, ainda,
— —
trabalham) com temática explicitamente existencialista, co
em conceitos da década de 30 (como invariavelmente as aná mo temos contemporaneamente com Jrving Yalom (1980),
lises são feitas). Apenas a título de ilustração: expoentes da por exemplo, o que dizer de suas proximidades? Temos que
Psicologia Humanista têm trabalhado exaustivamente na di levar em consideração o papel destacado desempenhado por
reção a um reconhecimento de suas bases existenciais. Por RoIlo May (1909-1994), psicoterapeuta pioneiro do pensa
exemplo, Eugene Gendlin desenvolve uma metodologia cla mento existencial nos Estados Unidos, e que manteve estrei
ramente existencial, junto a Carl Rogers. O próprio Rogers tas relações com os psicólogos humanistas, associando-o
reconhece a posteriori, é verdade, e despreocupado com

com frequência ao movimento ou designando-o como “exis
suas conseqüências a similaridade de suas propostas com

tencial-humanista”. Como defini-lo, contudo, se as marcas
os pensamentos de filósofos tais como Kierkegaard e Buber. de seu pensamento estão associadas a pensadores como ICi
A Gestalt-Terapia (que se inicia com um germe europeu e erkegaard e Nietzsche, por um lado; com Paul Tillich (de
cresce americana) vem trabalhando sucessivamente com as quem era amigo pessoal) e com todo um conjunto de psiquia
ideias de Buber, Marcel, Heidegger, Merleau-Ponty e Sartre, tms europeus de orientação fenomenológica, como Binswan
além destas todas se fundamentarem ora implícita, ora ex

ger, Minicowski, Straus, Von Gebsattel e outros (tendo sido
plicitamente no método fenomenológico de Husseri.

4. Por outro lado, há abordagens clínicas que nascem e se de Fonseca Filho, 1980; Almeida, 199]; Nudel, 1994; Blaer e Biamer,
1996; Caldemni,
senvolvem na Europa, e que contribuem significativamente 2010.
com o movimento humanista norte-americano. E o caso do Psychothempy and Exislencialism (Fmnld, 1967) e Psicoanálisis
y Existencialismo
(frankl, 1946/1952).
67
Fmnkl, L97811984.
Sobre esta questão em particular, remetemos o leitor ao trabalho de Spiegelberg Spiegelberg, 1972; Fnnkl, 1967, 1984, 1991; Halling e Nill 1995;
Maciel, 2004;
(1972). Moreira e Holanda, 2010.

4
156 Adriano Furtado Holanda

mesmo um protagonista na difusão de suas ideias)? Isto sem


levar ainda em conta a miríade de temas existenciais, muitos
deles partilhados e trabalhados em conjunto com os “huma
Fenomenologia e Humanismo

ta e o existencial, basicamente por ser originalmente escrito


Paul Foulquié (1977) no livro A Psicologia Contemporânea,
odginalmente em francês, em 1951, dá margem a uma psicolo
em 1933.
publicado
gia feno
157
1
nistas”, e desenvolvidos em tantas obras?69 inenológica, dividindo-a em três aspectos: origens (Brentano
fenomenologia existencialista (Heidegger e Jaspers) e psicologiaHusserfl;
e
fenome
Em resumo, parece que separar tacitamente uma “Psicologia
— — nológiea contemporânea (Sarfre, Minkowski, Marcel, Merlea
u-Ponty,
Humanista” de uma “Psicologia Existencial” é tarefa inglória; e ainda Scheler, Hartmann). Não cita o movimento americano nem outros
expo
constituir novas denominações (seja “existencial-humanist&’ ou “huma entes da psicologia europeia, como Binswanger ou Boss.
Já Schultz
nistaexistenciat ou mesmo ou “fenomeno (1969) elabora um trabalho mais atual, contudo incompleto e
comprome
lógico-existencial”, como é mais comum em nossos curricu los) não re tido com a tradição americana. Não cita nem RoIlo May, nem
assim, esta supost a necess idade de separação embora cite Maslow e Bugental no epílogo (e o movimento Rogers;
solve o problema. Mesmo human
(pressu )posiçõ es ou premis sas, tais como: como “futuro”). Não faz nenhuma referência ao movimento existen ista
parece derivar de algumas cialis
ta europeu. Um dado curioso é que o autor sequer cita a
figura de Otto
a) O fato que o humanismo seda um sistema filosófico fecha Rank. São apenas pequenos exemplos, mas que dizem muito
sobre o “lu
do, composto de ideias ordenadas, conceitos próprios, gêne gar” que essas ideias ocupam na construção da psicologia
modena, e
se e desenvolvimento particulares, além de possuir um “ge explicam boa parte das confusões presentes no imaginário geral.
rador” ou “mentor” intelectual e uma tropa de seguidores A Psicologia Humanista é muito mais um “movimento social”
como destaca Corsini (1984), ou um conceito que busca contras ,
que dali desenvolveram essa “filosofia”. Todavia, isto não tar com a
acontece. O humanismo é uma ideia, não uma corrente inde noção de psicologia “científica”. Emerge como um movimento
como uma perspectiva em contraposição ao behaviorismo americ e continua
pendente de pensamento. E uma relação de espírito, não uma ano que
doutrina. Em cada época do desenvolvimento do conheci negava a validade da experiência humana, seus valores, intençõ
es e signi
ficados.
mento e da humanidade, encontramos figuras “humanistas”,
cuja função, invariavelmente, é a de assinalar, apontar, pon Se fôssemos fazer um quadro onde fossem estabelecidas as
ses filosóficas e genéticas das psicologias humanista ba
tuar questões esquecidas pela sociedade em evolução, colo —


e existencial,
car esta sociedade em “crise”, posicionando-a com sua facti teríamos algo como se segue:
cidade. Foi assim com Sócrates na Antiguidade ou com
Nietzsche apenas para citar alguns; Psicologia
. . Fundamentos
.

Filosoficos Bases Origem


b) A característica de ser “humanista” (relativo ao humano, ao
l,o,,,o, humanus) seda distinto de ser “existencial” (relativo a Fe no me no lo gia
existência, a existere), e que, assim, seda possível destacar o Humanista Implícitos Existencialismo Europa >m» EUA
humano de suas relações com o mundo; ou, Pragmatismo
c) Que a Psicologia pode ser fragmentada e fragmentária, ou .
Fenomenologia
ainda, que possa não ser caracterizada como uma “ciência
.

Existencial .
Explicitos
.

. . .
Europa
Existencialismo
humana”.
Analisando algumas importantes obras de referência histórica Mesmo assim, teríamos problemas em delimitar tão clara e for
na Psicolo gia, encontramos um quadro interessante. Heidbreder (1975), çosamente essas fronteiras, tanto entre os modelos americanos
e
livro Psicologias do Século XX, não inclui o movimento humanis (que se entrecruzam), quanto entre suas diversas denominaçõe europeus
em seu s. Apenas a
título de exemplificação, basta observarmos os “temas” trabalh
ados por
todos esses autores, que se confundem entre si, não sendo
pois ne
nhuma primazia. Estamos no terreno das interpretações, e estas,
— —

May, 195011970, 1953/1972, 19601L988, 1967/1977, 1975/1992, 1988; May, Angel & são abso
Ellenberge; 1958/1967; Ponte & Sousa, 2011.

À
1
158 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 159

lutamente livres. Preferiremos, então, destacar mais suas similaridades do história mostra claramente um solo de edificação
norte-americano capi
que propriamente suas divergências, guardando respeito pela diversidade taneado por grandes nomes da psicologia à época, que
do pensamento. Isto não implica, todavia, em dizer que se trata de um recebe contribuições de correntes europeias de fenomenolog posteriormente
ia e existen
“mesmo”, dado que as distinções decorrem muitas vezes de visões espe cialismo, influenciando a apropriação dos “aspectos trágicos
cíficas de homem, de mundo, de técnica, de objeto, enfim e que deli

condição humana”. inerentes à


mitam autonomias e identidades. A proposta dessa psicologia humanista seria resgatar e
Assim, mesmo as convergências entre a Abordagem Centrada “valor e a digiidade dos seres humanos”, desenvolvendo afirmar o
na Pessoa (de Rogers) e a Gestalt-Terapía (por exemplo), não excluem a suas ideias na
direção contrária às ideologias, ãs crenças e práticas que
necessidade de se destacar as delimitações de cada uma delas, e de guar tomariam o ho
mem um mero acompanhante dos interesses políticos e
dar as devidas marcas identitárias. Isso não implica dizer que são a mes mo legítimos representantes deste “movimento”, estão
econômicos. Co
ma coisa. Podemos igualmente recorrer a identificações e similaddades cos gregos e os renascentistas. A Psicologia Humanista
citados os clássi
entre modelos considerados americanos e europeus. Aliás, afirmar uma seria, então, uma
“igualdade” entre modelos clínicos diversos como é usual, muitas ve “manifestação contemporânea” do compromisso com esta valorização

humano; seria uma “resposta” à negação do espírito do


zes, em relação à Gestalt-Terapia e à Abordagem Centrada na Pessoa, humano motivada
apenas para citar dois exemplos é tão inadequado quanto ignorar os

pelas ciências sociais e comportamentais
seus paralelos, inviabilizando assim, um diálogo entre formas de pensar a Ao afirmar estas motivações, a AHP se coloca como
contrapo
realidade subjetiva. sição aos modelos dominantes considerados reducionistas

e detenninis
Evidente que uma distinção adequada entre os modelos e as tas propondo-se a fornecer “um novo conjunto de

valores na direção da
abordagens diversas se é que isto seria possível requereria um estudo compreensão da natureza humana e da condição humana”,
espectro de ações de pesquisa do comportamento humano ampliando o

mais aprofundado, tomando por base uma discussão epistemológica e (em especial
filosófica, mas este não é no momento o objeto de nosso estudo. E,

questionando os formatos exclusivamente quantitativos de
pesquisa, e

embora reconheçamos a necessidade de tal estudo, inclusive como forma estimulando novas formas de pesquisa qualitativa) e oferecendo
de marcar as contribuições de cada um desses modelos de pensamento e gama maior de métodos e técnicas de ação psicoterápica70. uma
de resgatar o legado de pensadores tão significativos para a história da Foi a partir dos trabalhos de Ivan Pavlov, que se deu
psicologia e da psiquiatria, por ora iremos nos ater a essa marcaçãd das academicismo psicológico americano, através da figura de
início ao
identidades para que possamos circunscrever o locus no qual está assen a sua “ciência do comportamento” (à qual Maslow
John Watson e
tada a chamada Psicologia Humanista, traçando um breve histórico de sua força” da psicologia). Calcado numa ênfase objetivista,
chamou de “primeira
construção. reforçada pelo
sucesso das metodologias naturalistas, pelas investigações
dos empidstas
britânicos e dos lógicos positivistas, este modelo buscou
aplicar os méto
5.2 BREVE ifiSTÓRICO DA PSICOLOGIA “HUMANISTA” dos e valores das ciências físicas ao estudo do ser
humano, o que gerou
uma série de críticas como a exclusão da subjetividade
A verdadeira natureza do homem, de sua considera
ção do ser humano, além de não abordar a complexidade
seu verdadeiro bem, e a da personalida
verdadeira virtude, e a verdadeira de e de seu desenvolvimento. Já a “segunda força”
emergiu da psicanálise
religião, são coisas ás quais O freudiana e das chamadas “psicoiogias profundas” de
Alfred Adler, Erik
conlwcimento é inseparável; Erikson, Carl Jung, Melanie ICem, Otto Rank e outros.
A ênfase deste
modelo estava na dinâmica do inconsciente e na crença
Pensées, Biaise Pascal de que o compor
tamento humano seda determinado prioritariamente
pelo que ocorre na
Podemos principiar por um olhar panorâmico sobre a Associa- mente inconsciente.
tio,: of Hunzanistic Psychology (AHP), onde encontraremos dados que
podem ser considerados “oficiais” acerca da Psicologia Humanista. Sua
70
nvw.ahpweb com
160 Adriano Furtado Holanda

A “terceira força” ou “Psicologia Humanista” teria como prin


Fenomenologia e Humanismo

pela experiência religiosa que descreve como uma



das formas de se
161
r
cipais precursores de seu movimento, algumas das personalidades já ante alcançar níveis elevados de humanização naquilo
que denominou de
riormente citadas, em especial as figuras de Alfred Adler, Edch Fromm, “peak-experje,,ces” ou “experiências culminantes” (Maslow,
seu grande projeto, de construir uma psicologia 1964) até
Karen Homey, Otio Rank e Carl-Gustav Jung7t.

“humanista” desenvol
Comumente afirma-se que Cari Rogers, Roilo May e Abraham vido em Toward a Psychology of Being, de 196272 —

como uma “revolu


ção no mais verdadeiro e antigo sentido da palavra,

Maslow foram seus maiores promotores, sendo que se atribui a este últi isto é, novos
mo a criação deste movimento, como veremos logo a seguir. Posterior- caminhos de perceber e de pensas, novas imagens do (...),
homem e da socie
mente, outros nomes de relevo passaram a compor um quadro amplo de dade, novas concepç&s éticas e axiológicas, novos
rumos por onde enve
profissionais e a divulgar o movimento, desde Hany Stack Suflivan, Gor redar” (Maslow, 1962/1974, p. 11).
don Allport, Herman Feifel, Gardner Murphy, a Mthony Sutich e outros. Num de seus muitos esforços, Maslow desenvolve
uma aproxi
mação de diversos grupos e profissionais que
O movimento humanista começou com a chegada aos Estados Unidos comingavam ideias e ideais,
e que posteriormente formariam a Psicologia
de emigrados da Europa por causa da Segunda Guerra Mundial, que Humanista: trata-se do que
chamou de “Rede Eupsiquiana”73; uma lista de
levaram às Universidades o pensamento de filósofas e psiquiatras, em nomes, organizações
entidades, grupos e revistas que estavam “interessados
geral alemães, conhecedores dos pensamentos de Husserl e Kierke víduo para uma condição mais plenamente humana,
em ajudar o indi
gaard, dando assim origem ao que se denominou a ‘terceira força’. E a a sociedade a evoluir
partir desta época, devemos considerar Gordon Allport como um pio no sentido da sinergia e da saúde, e todas as
sociedades e todos os povos
neiro nesta nova perspectiva. Assinalo, com respeito a esse autor, co tomarem-se um mundo e uma espécie” (Maslow, 1962/1974,
p. 275).
mo um dos primeiros, e à sua vez, mais profundo conhecedor do pen No desenvolvimento desse seu projeto, Maslow
samento existencial autêntico, que logo em seus seguidores se foi, p0- Introdução à Psicologia do Ser a Kurt Goldstein dedica seu livro
dedamas dizer, americanizando-se, centrando-se em demasia no indi (1878-1965), figura
emblemática na gênese do pensamento humanista em
vidualismo, em uma visão mais positivista, que intenta explicar e pre motivos: em primeiro lugar, por transitas na chamada
Psicologia, por dois
dizer a conduta humana. Poderíamos dizer que os psicólogos atuais mais conhecida como Psicologia da Gestalt o
Escola de Berlim —

praticam a psicologia humanista um tanto desligados de suas raízes fi que marca uma referên
cia em seus estudos e em seu legado. Foi a

losóficas, de seu largo passado que começa ao menos com Sécrates. partir dessa relação que Gol
(Oro, 1993, pp. 119-120) dstein surgiu como pensador fundamental para
Merleau-Ponty, por
A história da Psicologia Humanista está intimamente relaciona 72
Jntroduçâo à Psicologia do Ser, na edição brasileira, publicada
em 1974.
73
da à figura de Abraham Maslow (1908-1970), considerado ao lado de A “Rede Eupsiquianu” é uma extensa lista composta
pelas seguintes instituições ou
CarI Rogers, o criador deste movimento. Maslow é muito mais conhecido revistas as mais variadas: Esalen Institute; American
Association of Humanistic Psy
chology; NTL Institute for Applied Nebavioral
do grande público por sua teoria de motivação (e sua pirâmide de neces Institute; Psychosyntjiesis Research Foundation;
Science; Westem Behavioral Sciences
sidades básicas), do que propriamente por seus demais esforços. Educa syntlicsis; ICaims; Amedcan Humanisiic Association;
htemational Foundation for Psycho
American Ethical Unian; Thorn
dor e psicólogo renomado internacionalmente, formou-se na Universida as Jefferson Research Center Foundation for
Integrative Education; Intemational So
de de Wisconsin, passando a se dedicar a “liberar” a psicologia de sua ciety for General Semantics; Unitarian_Universalist
Association; United World Feden
rigidez (aqui entendida como uma demasiada ênfase em métodos e técni lisis; Fellowship of Religious Humanists;
Manas; Explontions; Intemational Corpon
tion Council; Philosophical Research Society;
cas, em detrimenlos de seus aspectos “humanos”, com claro intuito de for Explontion oU Human Potential; Theory Vienvoints lnstiwLe; National Center
criar uma “psicologia humana”). Neste esforço de expansão de pensa y Management Group; Comunity Services
Fnc. (que inclui desde agricultores antipesficidas
a “refomudores sexuais” como Lowen e
mento, trabalha com temas os mais diversos, desde motivação (que de outros reichianos); Synanon; Uaytop Lodge;
Seventh Step (semeffiante ao Synanon);
senvolve em Motivation and Fersonalily, publicado em 1954), passando Women’s Talent Corps e College of Human
Resources; Institute of flerupeutic Psy
chology; Consumers Union of ffie United States;
The Center L.etter; Leicestershire
Schools; Topanga Human Development Center; School
ofLiving; Grenvilie Clark Ins
‘ Polster e Polster (1973/2001), no seu apêndice A, apontam para as influências recebi titute for World Law; United World Academy and
Fellowship; World histitute Coun
das pela Gestalt-Terapia, de autores tais como Jung, Rank, Adier, Reich e Moreno. Já cil; tnstitute for Bioenergetic Analysis;
Moreno Institute; Society for the Sftidy of
Penhos (1997), amplia esta lista, incluindo nomes como os de Ehc Heme, CarI Rogers, Normal Psycholo; Shalal Institute; Oasis-Midvest
Center for Human Potential; In
Alben Ellis e Richard Lowen. stitule of Man (Maslow, 1962/1974).
162 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 163

exemplo, em seu A Estrutura do Comportamento, obra publicada em detalhes. Foi apoiado nesta experiência, que Goldstein edificou
do organismo e sua epistemologia da biologia, que sua teoria
1942, principalmente por trazer da Teoria da Forma, argumentos e recur influencia posterior-
sos para trabalhar com a patologia de modo mais “holístico”, numa pers mente vários outros nomes de relevo da tradição
biológico-psiquiátrica
pectiva mais integrativa entre organismo e meio; e, em segundo lugar, por europeia, como Viktor von Weizsaeker e Erwin Straus,
descritas em sua
obra magna, Der AuJbau des Organisnj,gs, publicado em 193476.
sua influência sobre a Gestalt-Tenpia, especialmente pelo fato de Fritz
Perls ter sido assistente de Goldstein em Franldurt, o que vincula a Gestalt Finalmente, cabe destacar certo “pensamento fenomenológico
-Terapia, necessariamente, ao seu aprendizado com Goldstein. Goldstein existencial” em Goldstein, que o levará a descobris afinidades e
é ainda conhecido dos filósofos, particularmente dos fenomenólogos. serl, Heidegger e Binswanger. Mas é a partir de com Hus
Merleau-Ponty que sua
desde as referências feitas a ele por Merleau-Ponty (em suas duas grandes obra se toma explícita, num debate que se expressa
numa “clínica dos
obras) e por ser primo de Emst Cassirer (Feron, 2005). fatos singulares” e num horizonte “não-biológico”
(Fédida, 1983). De
Goldstein traz à tona a relação dialética entre o vivente e seu todos esses destaques da obra de Goldstein, Maslow
ainda
meio externo, questionando as apropriações naturalistas do funcionamen complexidade de sua teoria organísniica, paiticularmente seu se atém à
to nervoso, e reinterpretando a função do sintoma: “O sintoma não é uma pressão “auto-atualização” para descrever os processos de uso da ex
expressão concomitante da doença cujo interesse seria residual: ele é o mento e capacidades de um indivíduo, e que Maslow toma desenvolvi
para explicar sua tese sobre necessidades básicas e como central
ponto de partida para se compreender concretamente um comportamento motivação.
e, a partir daí, se estabelecer uma conduta terapêutica em relação ao or Retomemos nossa historicização, Após a constituição da “rede
ganismo como um todo” (Fédida, 1983, p. v). eupsiquiana” cuja lista nasceu em 1954, a partir de uma

solicitação de
Desde que foi confrontado com a urgência dos cuidados aos Maslow, numa carta em que se lia, aproximadamente o
seguinte: “pes
soldados com lesões cerebrais, na Primeira Guerra Mundial, Goldstein se soas interessadas no estudo científico da criatividade, amor,
valores ele
opôs à concepção usual da época, de irreversibilidade dos deficits práxi vados, autonomia, crescimento, auto-atualização, etc,”
cos, gnósicos, mnésicos ou fásicos. Igualmente se opunha ao asilamento considerado o
primeiro passo concreto para a constituição da psicologia

dessas pessoas com lesões corticais e medulares, levando-o a conceber humanista, uma
lista mimeografada de literatura relacionada particularmente
uma instituição criada em Frankffirt-em-Main que se tomaria seu de artigos
que as revistas convencionais se recusavam a publicar17

— —

famoso Jnstitutfiir die E,forschung der Folgeerscheinungen von Hirnver lar entre os respondentes. No verão de 1957, numa troca passou — a circu
letzungen74, em colaboração com Adhémar Gelb75, e funcionada até a de correspon
dências entre Maslow e Sutich, ambos chegaram à conclusão
chegada de Hitler ao poder. Neste instituto misto de hospital, centro de

gem havia alcançado seus objetivos e que era chegada a que a lista
pesquisas e de formação em neurologia as pessoas eram acolhidas du hora de lançar

uma revista, Maslow tomou para si a tarefa de construir a
rante meses ou anos, e seus comportamento observados nos minimos primeira defini
ção da “terceira força”, e Sutich escreveu seus objetivos.
Assim nasceu
em 1961 o Journal of Hunianistie Psychology (11W), —

tendo Sutich co
mo editor principal.

Instituto para o Estudo das Sequelas de Lesão Cerebral (numa tradução livre).

Adhémar Gelb (1887-1 936). Psicólogo russo (nascido em Moscou) da escola gestaltis Atualmente, o 11W é uma publicação trimestral, definindo-se
la, foi o primeiro a trabalhar na Alemanha como clínico no Hospital de Lesionados Ce como um fórum interdisciplinar de contribuições e
rebrais de Frankfort, a partir de 1915, com Goldstein. Estudou em Berlim e se douto como editor principal, }Grk Sclmeider, vinculado aocontrovérsias, e tem
rou em 1910, com Carl Stumpf, desenvolvendo um trabalho intitulado “Aspectos Teó Saybrook Institute;
mas em seus ínicios, contou em sua comissão editorial,
ricos das Qualidades da Forma” (Bonin, 1991). Lecionou em Fmnkfiirt e, em 1924, com
nomes como Andras Mgyal, Erieh Fromm, Kurt Goldstein, conhecidos

tomou-se professor e diretor do Instituto de Psicologia, compartilhando o cargo com RolIo May,
Max Wenheimer. Entre 1931 e 1933, leciona em HalIe, deixando o emprego por ser Clark Moustakas e Lewis Mumford.
judeu. A partir de seus trabalhos no Hospital de Lesionados, Gelb e Goldstein introdu
ziram a diferença entre pensamento abstrato e pensamento concreto, que seria usado
por uma pessoa sã, de acordo com as circunstâncias, o mesmo não ocorrendo com aI 76
guris lesionados, enfermos ou mesmo com crianças. Pode-se distinguir as duas modali A Estrutura do Organismo, ainda sem tradução
pan o português. Neste trabalho,
dades de pensamento da seguinte forma: apresenta-se um círculo a uma pessoa, e esta lançamos mão da edição francesa, traduzida em 1951,
com prefácio de Pierre Fédida
o percebe como uma roda ou um prato (pensamento concreto) ou como uma 6gum ge (Goidstein, 1934/1983).
ométrica (pensamento abstrato). Anstoos, Serlin & Greening, 2000.
164 Adriano Furtado Holanda
Fenomenologia e Humanismo
Entre a constituição da rede eupsiquiana e a criação do JEP, um lóS
importante evento deu mais forças ao movimento. Em setembro de 1959, cipiam em 1966, na Sonorna
versity of West Georgia79. Situe University e, em 1969, na 5/ate Uni
Rolio May realizou um Simpósio sobre Psicologia Existencial, durante a No ano de 1971, a A1-IP
centro, então intitulado ibe cria um importante
Convenção Anual da Associação Americana de Psicologia, em Cincinna mente é conhecido como Hunzanjsgjc Psvchology Institute, que atual
ti, que reuniu personalidades como Carl Rogers, Abraham Maslow
e de pesquisas e formação Saybrook Gradigate School, importante centro
Hermann Feifel, e que organizou, postedormente, em um livro, publicado (Anstoos, Serlin & Greening,
tiva exisleneial_fenomenológic a 2000). A perspec
originalmente em 196072. gramas de psicologia e filosof ainda vem a ser representada em pro
O primeiro número do Journal ofHumanistic Psychology surge ia, seja em solo canadense
University de Toronto, ou como no York
na primavera de 1961. Em 1963, acontece na Philadelphia, o encontro em solo estadunidense, na University ofAlberta, em

como Edmon ton ou


York), a Rutgers Universiry na New School af Social Research (New

inaugural da Association ofHznnanisric Psychology, com apoio destaca


do (New Jersey), a West
de James Bugental e Gordon Mlport. Dentre os participantes, comparece Center for Humanjstic
ram importantes psicólogos, como Gordon Allport, James F. T. Bugental, Studies (Detroit), a Northw Georgia Colíege, o
Universftv of Chicago (Halling este,-,, University ou a
Charloile Bühler, Abraham Maslow, RolIo May, Gardner Murphy, Henry & Nili, 1995).
Enquanto isto, os
Murray e CarI Rogers, bem como “humanistas” de outras disciplinas, dos anos 60 continuam principais nomes do movimento ao longo
como Jacques Barzun, René Dubos e Floyd Matson. Nascia assim um

série de publicações dando visibilidade de modos —

repercutem sobremaneira as diversos. Uma


novo movimento, interessado numa perspectiva mais global do homem movimento humanista Foram principais ideias do
e os casos de livros como
em estudar qualidades consideradas como únicas do ser humano, como o chologj’ of Reing (1962) rou’a,-d a Ai’
fenômeno do amor, da auto-consciência, auto-determinação, liberdade (1964), de Maslow; ou ainda e Religio ns, Values and Peak
Experiences
individual, poder, crueldade, moralidade, arte, filosofia, religião, literatu The Person iii Psychology Partem and Growth ii, Fersonafirv (1965) e
ra e ciência. da bebeu dos efeitos que (1968), de Gordon Allpon. O movimento ain
juntamente com Counseling Clienr-Centered Therapy (1951),
No mesmo ano, Bugental publica um artigo considerado “ffin and Psvchothei-apy de um livro que —

de Rogers ao primeiro
dante” (Anstoos, Serlin & Greening, 2000), intitulado “Humanistic patamar de fama; mas nada 1942 alçou o nome

o que o tornaria conhecido ainda


Psychology: A New Breakthrough”, na conhecida Arnerican Psycholo
além dos diversos livros através de O,: Becoming comparável com
gist. Em seguida, amplifica esse texto com outro, agora publicado que Roilo May já havia a Persa,; (1961);
na anterior. publicado na década
JHP, em 1964, com o título “The Third Force in Psychology”. Em se
tembro de 1964, em Los Angeles, tem lugar o segundo encontro da Asso Como se vê, os anos 60 foram
ciation ofHurnanistic Psychoiogy, agora contando com cerca de 200 par da em 1964, é criado centrais para o movimento.
em Ain
cialmente concebido como Big Sur, Califomia o Esalen h;sütute, mi

ticipantes. um

Esse crescimento em número de pessoas interessadas no novo psicólogos (como RoDo May, local para seminários, acolheu não apenas
outros estudiosos e pensad Maslow, Rogers e
movimento passa a ser acompanhado pela criação de programas de for ores, como o historiadorPeris), mas também
mação especifica em psicologia humanista. Os primeiros graduate pra teólogo Paul Tillich, o Amold Toynbee, o
biólog
grams específicos começam ainda em 1964 (John F. Kennedy University fo Alan Watts, Na mesma o e antropólogo Gregory Bateson e o filóso
e Union Institute) e, em seguida, o Caflfornia Institute ofintegral Studies, ser mais conhecidas e a época, algumas tendências europeias passam a
caso de Ronald Laing e seus influenciar os pensadores
em 1968 (Anstoos, Serlin & Greening, 2000). Já em 1959, a Duquesne humanistas, como foi o
University passara a oferecer um programa de Master ofAris em psicolo Serlin & Greening, 2000). parceiros da Antipsiquiatria inglesa (Anstoos,
gia fenomenológico-existencial, e um doutorado foi agregado ao mesmo Em 1968, Maslow é eleito
programa em 1962 (Halling & Nili, 1995). Os primeiros programas de cal Assocjario,, (A1’A) presidente da American Psycho
Rogers já logi_
1947 o que ajuda à constituição havia presidido a mesma APA, em

pós-graduação (Masters) especifleamente em psicologia humanista prin —,

em 1971, de uma nova


divisão de

Publicado no Brasil pela editora Globo, com o titulo Psicologia Etisten
cial (May, ‘
Na ëpoca, ambas as
1960/1988). instituições eram ainda
2000). Coliege (Anstoos, Serlin
& Greening,

4
166 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 167

Society for Humanistic malidade ao movimento humanista. Um desses diálogos foi realizado em
psicologia humanista, a atual Division 32 —

abril de 1957, entre Rogers e Martfii Buber, e muito


Psychology. recentemente tndu
zido para o português (Rogers & Buber, 2008). Em março de
O movimento humanista foi sendo enriquecido com contribui o diálogo entre Rogers e Paul Tillich importante filósofo e
1965, temos
ções de um pensamento “fenomenológico-existencial”, que confere um —
teólog
testante. Esta foi, inclusive a última aparição pública do teólogo, que
o pro
“aplicativo-existencial” ao movimento (Gonzalez, 1988). Um ilustrativo a falecer em outubro do mesmo ano. Com B. F. Skimwr, viria
do significado do movimento humanista e do que representou, podemos logos: o primeiro em 1956, em tomo do tema sobre o controle
foram três diá
é
encontrar nas palavras de Matson (1978): “A Psicologia Humanista não portamento humano; o segundo em 1960, foi organizado pela Amerjean
do com
apenas o estudo do ‘ser humano’; é um compromisso com o devir huma
Acadenzy ofAr(s and Sciences e o terceiro, em 1962 foi
no” (p. 69). Isto demonstra o que realmente “unia” a diversidade desses mais extenso,
durando dois dias teve uma audiência de mais de quinhentas

autores.

girou em tomo do tema da educação. pessoas, e


Seguiram-se uma série de eventos e, principalmente, de publi Rogers ainda debateu com Michae[ Polanyi, importante filósofo
eações importantes para a consolidação do movimento. Em 1969, o livro da ciência, em julho de 1966, como parte de um evento
organizado por
Readings fiz Humanisilc Psychology, editado por Anthony Sutich e Miles Rogers e William Coulson, intitulado “Man and Science ofMan”.
Poste
Vich, reuniu textos dos mais iminentes personagens da Psicologia Huma Hormente, os organizadores editam um livro com o mesmo
nome em
nista da época. A maioria dos artigos havia sido publicada originalmente 1968 (Rogers & Coulson, 1973). Outro nome de peso, com
quem Rogers
no Journal ofHunzanistic Psychology, e foram reunidos num conjun de
to teve a oportunidade de discutir foi Gregoiy Bateson
Estão presen tes neste volum e, Carl Rogers , (1904-1980), em
vinte e quatro artigos . maio de 1975. A maior parte desses diálogos está disponível
Sutich , Charlo tte Buhler , Viktor Frankl , em publica
Abraham Maslow, Antho ny ções diversas, sendo que boa parte foi reunida no livro do Gari
intitula
Walter Weisskopf, Joann Chenault, Martin Lindauer, Ralph Hailman, Roge,-s; Dialogues (Kirschenbaum & Henderson, 1989).
Roilo May, Ernest Rossi, Alan Waus, Durganand Sinha, Henry Deixamos por fim o comentário sobre uma obra particulannente
Winthrop, Henry Geiger, Horace English, James Bugental, Robert Tan importante, Trata-se da publicação editada por Rollo May, Emst
Angel e
nenhaum, Janie Rhyne, Miles Vich, Ronald Hattis, Sidney Jourard, Frank Henri Ellenberger, em 1958, e intitulada Extytence A New
Diniension ii,
Barron e Clark Moustakas. Fsychiatty and Psychology Este livro foi um longo trabalho
idealizado
Já em 1971, Thomas Greening edita o livro Existential Hunza por Emst Angel, que teve como meta a tradução de alguns dos
mais im
nistic Psychologv, dedicado a Abraham Maslow (que havia falecid no
o portantes textos de grandes nomes da psiquiatria fenomenológica
ano anterior) e que apresentava uma perspe ctiva ligeira mente diferen te, peia. O “peso” da obra pode ser resumido pelo elenco de autores euro
nismo existen cial”. No mesmo ano, Wil traduzi
designada pela expressão “huma dos: Eugène Minicowskj Erwin Straus, V. E. von
Gebsatieji, Ludwig
lard Fdck publica um conjunto de entrevistas reunidas, com Maslow, Binswanger e Roland Khun.
,
Rogers e Murphy (Humanistie Psychology. Inten’invs with Maslow A opção pelo comentário tardio dado que fugimos um
Murphy and Rogers). Ainda nos anos 1970, temos publica ções como —
pouco
da apresentação cronológica tem como objetivo defender a
Phenomenological, Existential, and Hurnanistic Psychologies, de Misiak ideia de que,

considerar o movimento hwnanista em psicologia como


e Sexton (1973); Hurnanisric Psychology, de Shaffer (1978); e Existential destacado do movimento fenomenológico e existencial europeu
absolutamente
-Phenon;enological Alternatives for Psychology, organizado por ValIe e constituir num grande erro. Ademais, justifica ainda nossa premissa se
pode
King (1978)°. que a “psicologia humanista” não pode ser encarada como uma de
Ainda no terreno dos eventos, há que se destacar uma série de mas como um “movimento”, mais coerente em tomo de unidad e,
,
diálogos e conferências promovidas em tomo da figura de CarI Rogers que propriamente de “teorias”. Evidente que esta posição
“princípios”, do
campo s
com diversas personalidades e pensadores de destaque, em vários está alicerçada
particularmente nas contribuições e esforços de Rollo May, que transita
e for
do saber, e que foram de extrema importância para dar visibilidade mais dinamicamente entre os dois “espaços”, e que pode
ser do
como um agregador, Mesmo que reconheçamos as distinções encara
e os pilares epistemológicos que separam os dois concei tuais
de vaue &
°
E ainda o livro Existential-Phenomenological Perspectives in Psychology, contextos de pensamen_
Halling (1989).

L
68 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 169

to, isto não justifica sequer parte de algumas considerações que negligen em uma “captação parcial” dos pensadores europeus da fenomenologia e
ciam o valor e o “lugar” do pensamento humanista americano. Além dis do existencialismo:
so, igualmente não se justifica qualquer avaliação depreciativa do movi
Os humanistas em geral são norte-americanos e, portanto, tomam par
mento, dado que as rekções entre o pensamento europeu e o americano celas, sem integrar todo o passado cultural europeu. Assim sucede por
não são oposições, mas podem ser compreendidos no bojo de reflexões exemplo, com Husserl, de quem só se tomam aspectos parciais de, sua
que questionam temas importantes como a técnica, o mundo e as relações fenomenologia, sendo seu aporte toda uma renovação ffindamental no
existenciais. campo filosófico. Igualmente se sucede com a fenomenologia de
Rolio May é considerado o mais influente porta-voz de uma Brentano dos referentes intencionais. Outro tanto poderíamos dizer de
perspectiva existencial-fenomenológica nos Estados Unidos, segundo Dilthey, com sua proposta de uma psicologia descritiva e analítica,
encaminhada não a explicar, mas a compreender a pessoa. (Oro, 1993,
Spiegelberg (1972). Sua participação no movimento se deve a sua forma p. 118)
ção e seus contatos. Após acompanhar alguns seminários de Adler, na
Europa, retoma a New York, ao Union Theological Seminaiy o mesmo —
As propostas das psicologias humanista (americana) e existen
que Rogers frequentou anteriormente onde encontra Paul Tillich, que

cial (europeia) foram reações aos reducionismos vigentes; ambas valoram
passa a ser seu mentor, e como quem passa a refletir sobre o humano, em as dimensões “superiores” da personalidade — como razão, liberda
de,
termos de essência (de natureza) e de existência (enquanto liberdade). autonomia, criatividade, responsabilidade, dentre outras
—; são também,
Depois de graduar-se e trabalhar como ministro por dois anos, Rolo May em sua base, fenomenológicas, mesmo que não se atenham às pesquisas
volta a estudar psicologia clínica na Columbia Universiiy, em Chicago. fenomenológicas em suas bases mais radicais.
Sua tese de doutorado explicita suas relações existenciais com a psicolo Ainda merecem destaque outras três personalidades. James Bu
gia, e foi publicada em 1950, sob o título The Ivíeaning ofAnxiely (Hal gental, que define sua atuação como existencial-humanista — foi fundad
ling & Nill, 1995). or
e primeiro presidente da AFIP (1963-1964) — publicou importantes obras,
Durante as décadas seguintes, Maslow, Rogers e May tornaram- como 77w Search ofAuthenticity (de 1965), The Search for Existential
-se os “mentores” intelectuais deste movimento, dando-lhe respeitabilidade Jdentiry (de 1976) e The Art of the Fsychotherapist (em 1987). Eugen
e
e fundamentação. Maslow legou à psicologia sua teoria da hierarquia Gendlin, que foi colaborador de Rogers, é um importante pesquisador
motivacional; Rogers desenvolveu a “psicoterapia centrada na pessoa” sobre a efetividade da psicoterapia, e conhecedor de filosofia fenom
enoló
(ambos abraçaram a ideia da auto-atualização como principio norteador gica, tendo publicado Experiencing and the Creation ofMeaning (de
1962)
de seus trabalhos); e Rollo May representou as correntes europeias da e Focusing (em 1981). Mais recentemente, o nome de hving Yalom passou
fenomenologia e do existencialismo, dando uma conotação filosófica à a ser dos mais conhecidos, graças em parte, a um livro que se tomou
psicologia humanista. A Psicologia Humanista expandiu suas fronteiras clás
sico na literatura psicológica, como Pie Theoty and Practice
of Group
durante os anos 1970-1980, e seu impacto pode ser avaliado sob três Psychotherapy (publicado em 1975) e ao seu Existential Psychotherapy
prismas: a) por oferecer uma nova concepção de valores ao entendimento ,
de 1980 (Halling & NilI, 1995).
da natureza humana; b) por expandir os horizontes metodológicos no Do movimento humanista brotou igualmente a “Psicologia
estudo do comportamento humano e; c) por oferecer uma nova gama de Transpessoal” que passou a ser denominada como a “quarta força”
métodos psicoterápicos.


quando Maslow se junta a Mthony Sutich, derivando um termo de Julian
Como se percebe, os movimentos e ideias foram se mesclando Huxley (“transhumanista”) em “transpessoal”, para designar uma
nova
ao longo do tempo, partilhando princípios e diferenciando-se por temáti perspectiva que se ocuparia dos aspectos transcendentes do human
o, de
cas (ou por interpretações de temáticas. Para Oro (1993), alguns aspectos experiências místicas e dos estados alterados de consciência. Neste
mo
“transpessoais” (aqui utilizados de forma genérica, e não se atendo espe mento, associa-se o outros profissionais (igualmente de áreas diversas)
cificamente ao que conhecemos hoje por “psicologia transpessoal”) e como Stanislav Grof, Julian Huxley, FritjofCapra e Ken Wilber. Pelo
alternativos que surgiram na Psicologia, faziam parte da Psicologia Hu seu
espectro amplo de temas e interesses, a psicologia transpessoal ficou
as-
manista. Destaca ainda influências e relações com as filosofias orientais e

1
r

170 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 171

sociada às “práticas alternativas”, sendo objeto de diversas críticas ao praticavam pesquisa empírica. Rogers, particularmente, constrói todo seu
longo do tempo81. arcabouço técnico e teórico com base em sua experiência clínica por —

A “terceira força”, com seus diversos “porta-vozes”, nem sem um lado e em pesquisas empíricas por outro. Ao descrever uma “rela

pre guardaram suficiente rigor quanto ao uso dos conceitos ou mesmo da ção de ajuda”, lança mão do conjunto de pesquisas já desenvolvidos so
linguagem; “Ç..) alguns desses termos, como por exemplo, “existencial”, bre atitudes, por exemplo; ao falar de psicoterapia, introduz recursos de
“fenomenológico”, “humanista” não são empregados de maneira coerente observação do processo para melhor descrevê-lo; e ao apresentar sua
nem com o uso histórico, nem com o uso filosófico recente” (Robinson, proposta de “terapia centrada no cliente”, não se exime de apresentar um
1982, p.18O). De fato, podemos designar a Fenomenologia como o veícu contexto de investigação como em seu clássico livro Tornar-se Pessoa

lo atual pan a recuperação do Humanismo na modernidade. A este res que “C..) começa com as mais antigas tentativas de investigação, por
—,

peito, Keen (1979) chama a atenção para a premissa de que este pensa volta de 1940, e conclui com uma descrição de uma série de projetos
mento procura ver e perceber as pessoas em termos de compreensão e incompletos que absorvem ainda o melhor do nosso esforço, em 1961.
através de uma linguagem apropriada (descartando conceituações toma Procurei deste modo apresentar pelo menos uma pequena amostra do
das de empréstimo das ciências naturais). Outro destaque reside sobre a resultado de anos de esforço de investigação” (Rogers, 1961/1977, p.
ênfase dada à consciência como centro de uma conceituação do humano. 221). E o que não dizer a respeito de um dos menos conhecidos trabalhos
Permanece, contudo, como característica do movimento, a critica à rigi de Rogers, desenvolvido durante anos e descrito em The Therapeutic
dez metodológica imposta pelos meios acadêmicos e científicos na —
Relationshzp and lis Impaci. A Study ofPsychotherapy with Schizophre
verdade, uma crítica ao modo de se compreender como “fazer” ciência e nics, publicado em 1967, onde se apresenta um longo design de pesquisa
qual seu significado. Essa crítica ganhou tanta relevância, que acabou com esquizofrênicos, e que acaba influenciando novas aplicações aos
sendo conftndida com certo “alheamento” para pesquisa, afastando mui esforços de compreensão e contato com esquizofrênicos e psicóticos?
tos profissionais da prática investigativa. Durante muito tempo, parte da (Prouty, 1994).
psicologia humanista se considerou anti-tecnicista e, por detrás de uma E o segundo aspecto é que, mais recentemente especificamen —

premissa (correta e coerente) de que o aftnilamento de pesquisas sobre te a partir de 1998 conhecemos o desenvolvimento de uma “nova”

áreas e modelos determinados restringia a apropriação do humano, pas perspectiva, conhecida como “Psicologia Positiva”. Seu idealizador, Mar
sou-se a evitar o acesso ao conteúdo ou mesmo a práticas de pesquisa, tin Seligman, ao assumir a presidência da APA, questiona a necessidade
associando (incorretamente) ciência e deshumanização ou objetificação. de se fazer uma ciência com vistas a melhorar a qualidade de vida e pre
Este fato não deixa de ser curioso, por dois aspectos: em primei venir patologias, e que assim, as pesquisas deveriam focar as potenciali
ro lugar, pelo fato que, tanto Maslow quanto Rogers (como mentores do dades humanas, estudando condições e processos que contribuam para a
movimento humanista), participaram ativamente da vida acadêmica e prosperidade de indivíduos e sociedade. A partir daí, fala-se de “flores
cimento” de indivíduos e comunidades, de desenvolvimento pleno, de
Algumas dessas críticas envolve uma carência epistemológica ou mesmo metodológi
amor e otimismo, de aspectos positivos e saudáveis da personalidade,
ca. “Num intento de crescimento do eu, e sobre a base de outras existências anteriores dentre outros temas, que são exatamente os mesmos da Psicologia Huma
(tomando em cena medida a teoria platónica da transmigração das almas), dentro desta nista, à diferença que a Psicologia Positiva procura dar mais ênfase aos
corrente transpessoal se pode incluir a Terapia de Vidas Passadas, que tem seu auge na dados de pesquisa empírica visto que aos humanistas faltaria mais rigor
atualidade (...). E oportuno destacar que estes enfoques que vêem a pessoa como um metodológico para dar consistência aos seus resultados e, segundo Selig
todo integrado com seu ambiente, com a terra e com o transcendente, não têm muito a
ver com o ser-no-mundo heideggeriano nem com a transcendência postulada por K.
man e Csikszentmihalyi (2000), estas seriam as razões para o enfraque
Jaspers e atualizada por Viktor E. FranH na Logotempia. Tampouco seria compatível cimento da Psicologia Humanista82. Em outras palavras, trata-se de “uma
com as notas sobre personalidade dadas anteriormente acerca da liberdade e responsa nova abordagem para velhas questões” (Paludo & Koller, 2007).
bilidade dos atos humanos” (Oro, 1993, pp. 120-121). Outro problema com respeito a
esta questão é que: “referente âs psicotempias alternativas, o panorama que oferecem
82
com respeito à personalidade é algo conffiso, mesmo que, em muitos casos, em teoria, Aproximações entre a Psicologia Humanista e a Psicologia Positiva são analisadas por
utilizam os mesmos nomes que a Psicologia Existencial pan designar distintos concei Resnick, Warmoth e Serlin (2001) e por Hemandez (2003). Pan mais detalhes sobre

i
tos” (Oro, 1993, p. 121). Psicologia Positiva, ver Seligman (2002), Snyder e Lopez (2002) e Compton (2005).
172 Adriano Furtado Holanda

No processo de construção do movimento humanista em solo


Fenomenologia e Humanismo

com as outras de mesma linhagem, a concepção do homem como ser-no-


173
r
mundo, como ser-em-relação numa dialética na qual cria o mundo e é
americano, a presença e a participação da Gestalt-Terapia principal —

criado nesta relação” (Loffredo, 1994, p. 76). Como assinala Penhos


mente através de seus promotores iniciais, Fritz e Laura Perls, e Paul
(1997, p. 29), a Gestalt-Terapia se enquadra na corrente humanista, por
Goodman foi de significativa importãncia, além de representar a vincu

valorizar tal qual Maslow a “psicologia do ser versus uma psicologia


lação desta abordagem às ideias “humanistas”. Isto toma a Gestalt

do te?’. Na Gestalt-Terapia, o enfoque do processo psicoterapêutico


Terapia um “caso particular” que merece análise. se
centra no momento presente e na participação ativa do terapeuta em
rela
ção ao cliente, com o intuito de “facilitar”53 ao outro, seu processo de
5.3 Humanismo e Gestalt-Terapia — um “Caso Particular” “dar-se conta” de si mesmo. “O inovador desta corrente é que se ocupa
tanto do sintoma como da existência total do individuo. E um conceito
As ciências medem coisas sem perceber
a natureza do que elas medem;
holistico que inclui também o ambiente com o qual interatua, afetando-o
levando avante atos cognitivos, e sendo afetado por ele mesmo” (Penhos, 1997, p. 29).
elas são incapazes de compreender esses fatos. Diante deste quadro, poderíamos resumir algumas ideias que
nos permitem dizer que a Gestalt-Terapia é uma abordagem
Leszek Kolakowsld “humanista”:
1) A Gestalt-terapia é um método que se constitui numa tenta
A proposição de colocarmos a Gestalt-Terapia como um “caso tiva de fazer o homem compreenderse e se fazer compreen
particular” se dá pela “ambigüidade” da constituição desta abordagem. dido, experimentando seus próprios limites e possibilida
Afinal, podemos claramente delimitar as “raízes” desse movimento na des. E a construção e des-construção contínuas de um para
Europa Fdtz e Laura são alemães, formados a partir de um Zeitgeist

doxo, visto que o homem transcende a própria teoria sobre


específico, bebem da cultura e filosofia europeias, além de estarem inti o homem;
mamente ligados ao movimento científico da época mas a constituição

formal dessa abordagem se dá em solo americano, e a partir de influên 2) Enquanto uma perspectiva critica propõe um reconhecimen
cias e redefinições que surgem dessa nova cultura (inegável, por exem to da alteridade e, portanto, uma valorização dos aspectos
pio, a influência exercida por Paul Goodman sobre a formação da moder relacionais da condição humana: o ser humano “é” em rela
na Gestalt-terapia). ção com outros seres humanos e com o mundo ao seu redor;
Sendo assim, a Gestalt-Terapia, ao se iniciar, também se posi 3) A Gestalt-terapia possui uma ideia de valorização do ho
cionou ao lado do movimento humanista da psicologia americana. De mem, com ênfase para seus aspectos “positivos” (embora
início, temos que a ftndamentação “fenomenológico-existencial” dá res não se esqueça dos aspectos “negativos”), saudáveis e
paldo, à Gestalt-Tenpia, para sua ação terapêutica: transcendentes da existência humana;
Nessa filosofia está a base das concepções de homem, das relações Uma psicoterapia preocupada com a valorização do humano, procura
humanas e, delas oriunda, da concepção da relação terapeuta-cliente diretamente lidar com o que de positivo tem a pessoa, procura lidar
que fundamentam a GT, bem como do método de trabalho que a ca com seu potencial de vida (saúde, beleza, força, etc.), procura fazer
racteriza e do modelo teórico ao qual este se articula. A atitude feno com que o cliente tome, de fato, posse de si mesmo e do mundo.
Tal
menológico-existencial dá sentido a todos os “fragmentos” de influên postura não significa que não se tente compreender o sentido das limi
cias a partir das quais emergiu a GT. (Loffiedo, 1994, p. 74) tações, das fronteiras, da morte, no contexto da psicoterapia, pois, psi
coterapia tem que ser expressão e compreensão da própria vida. (Ri 1/

Perls insere a Gestalt-Terapia entre as terapias de orientação beiro, 1985, pp. 29-30)
existencial (como a Logoterapia e a Daseinsanálise), mas a destaca das
demais pela sustentação interna fornecida pela abordagem gestáltica. “A ‘
A ideia de “facilitação” de um processo de desenvolvimento e/ou
de aprendizagem
GT é uma modalidade de psicoterapia existencial, enquanto uma forma advém das elaborações de CarI Rogers. Além desta, outra
importante contribuição do
característica de reflexão sobre a existência humana. Tem em comum, pensamento de Rogers pan a Gesta]t-terapia, está na Teoria Paradoxal da
Mudança,

1
elaborada por Amold Beisser.
Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 175
174
tradicional divisão destas fontes em eixos, por vezes, diserepantes, o que
4) A Gestalt-terapia como a maioria dos modelos clínicos hu

escamoteia imprecisões epistemológicas que precisam ser clarificadas84.


manistas centra sua preocupação na experiência consciente,

ou seja, na experiência vivida pelo sujeito, o que se constitui Algumas destas questões já foram levantadas por Bento Prado
numa valorização do momento presente, do aqui-e-agora exis Jr., num artigo pouco conhecido, e intitulado “O Neopsicologismo Huma
nista”, publicado em 1980. Nesse texto, Prado Jr chama-nos, inicialmente
tencial, isto é, centraliza-se na pessoa que vivencia;
-

a atenção, para um fato óbvio —já devidamente assinalado anteriormente


5) Enfatiza as chamadas “características especificamente hu por Laura, quando do “batismo” da nova abordagem que é a distância
manas”, tais como a capacidade de escolha, a criatividade, a —

existente entre a proposição da Gestalt-terapia e a Psicologia da Gestalt


auto-avaliação e a auto-realização, em contraponto às con original. Como assinala o filósofo (Prado Jr, 1980), a Gestalt-Terapia
cepções mecanicistas e reducionistas (Burow & Scherpp, apresenta “temas”, mas não a “C.) linguagem teórica de aspiração cientí
1985); fica da Psicologia da Forma” (p. 86).
6) A Gestalt-terapia é humanista exatamente por ser holistica, Além disso, a nova abordagem faz uma oposição entre uma lin
por propor uma consideração do homem enquanto uma tota guagem cotidiana e uma linguagem científica, partindo da suposição que
lidade: o sujeito não “é” a particularidade de um sintoma, uma linguagem coloquial cotidiana fosse mais próxima da experiên

por exemplo, mas pode “tomar-se” esse sintoma. O sujeito cia. E, para justificar tal tomada de posição, Peris aqui estamos nos
seria uma totalidade interatuante com o mundo e com os

referindo ao Gestalt-therapy, de Perls, Heiferline e Goodman sugere


demais sujeitos, com isto, a Gestalt-terapia apropria-se de

que este tipo de linguagem servida para escapar aos dogmatismos e fana
uma preocupação com a manutenção do valor e da dignidade tismos, o que o motiva a rebatizar os conceitos, utilizando-se da lingua
do homem, dentro da antiga tradição renascentista; gem comum (como é o caso do “superego” que se toma “upper-dog”).
Outra razão da escolha da linguagem seria de ordem técnico-terapêutica:
7) Redimensiona a relação entre saúde e doença, destacando a
dialética desta relação e reinserindo o sujeito na totalidade O uso da linguagem, na situação terapêutica da Gestalt, é essencial-
de seu contexto; mente pcrsonalizantc, ele deve devolver ao paciente o pleno uso da
8) Tem como conceitos básicos de sua proposição o contato, o primeira pessoa do singular. Técnica de tomada de consciência de —

apercepção a terapia conduz o paciente a assumir pessoalmente o


diálogo e a awareness, reiterando os aspectos holísticos e re —,

discurso que o atravessa, se me permitem a expressão. (p. 88)


lacionais de sua teoria.
Trata-se de “traduzir” para a primeira pessoa do singular, e de
É neste contexto que a Gestalt-terapia se enquadra dentro de resgatar a temática da autenticidade, por detrás dessa estratégia terapêuti
úma tradição de vanguarda como o foram tanto a Sofistica quanto o

ca, devolvendo o sujeito ao aqui e agora. Neste sentido, procura-se abolir


Humanismo renascentista acompanhando os diversos movimentos do

um discurso considerado “teórico” ou “impessoal” o que nos remete aos


pensamento humano que, invariavelmente, vêm retomar o sentido do

mesmos problemas que a psicologia humanista desenvolveu em tomo da


humano. Neste sentido, a Gestalt-terapia se toma uma lição de vida, co investigação empírica o que não deixa de ser um determinismo previa-
mo podemos constatar nos dizeres de Joseph Zinker: “Deve-se primeiro
—,

mente dado. Em outras palavras, mesmo reticente às teorias ou à “Teo


aprender a viajar antes de se pretender ser um guia, é necessário primeiro ria”, a Gestat-Terapia não deixa de esboçar a sua própria teoria (Prado Jr,
ser humano, antes de se querer ensinar aos outros o que é humanismo”. 1980). “Mas como entender a coexistência pacífica entre referências tão
Todavia, a Gestalt-TeraPia guarda consigo algumas imprecisões dispares e frequentemente contraditórias? à primeira vista, a GT apa
— teóricas, técnicas e epistêmicas que podem se constituir numa armadi
— rece como uma paradoxal catolicidade de heresias” (p. 89).
lha, visto posicioná-la invariavelmente, diante de certos “romantismos”
(aqui entendidos enquanto ações irrefletidas, mas continuadamente repli 8 Desde as fontes de influências sofridas pela figura singular de Fdtz Perls, passando
cadas) e certos determinismos (igualmente irrefletidos, mas na maioria pelas relações mais filosoficamente sólidas de Laura, e ainda pela diversidade do cha
das vezes irreconhecíveis). E uma das (fortes) razões para que isto acon mado “Grupo dos Sete”. Já assinalamos alguma coisa nesta direção em trabalho ante
teça, decorre do fato dessa abordagem beber de múltiplas fontes ou da rior (Holanda, 2005).
176 Adriano Furtado Holanda Fenomenotogia e Humanismo 177
r
Para o filósofo, essa “catolicidade” seria menos paradoxal sim vimento humanista, em determinado momento é que —
a ênfase no “cres
plesmente por revelar a teleologia mais profunda escamoteada pela pro cimento”, no “alargamento” da consciência, na ideia de
“totalidade” e na
posta, que seda a busca de uma ruptura com a perspectiva freudiana: perspectiva de uma existência “plena e harmoniosa”,
coloca a terapia no
lugar de uma “arte de viver” e o terapeuta na condição
(...) segundo Marcuse, todos os revisionismos repetem o mesmo sis de um guni, cons
tituindo assim, mais um obstáculo ao desenvolvimento
tema de restrições a Freud: essencialmente, a teoria clássica tende a de uma perspecti
ignorar a presença e a eficácia do intercâmbio com o meio na etiologia va científica e solidamente flmdamentada. Com
base nesta esquiva de
das neuroses e na configuração da personalidade. Vítima de um pre posição diante de um saber, em prol de uma perspectiva
de “sabedoria”,
conceito biológico, Freud superestimaria o passado filogenético e on Prado Jr (1980) assinala que a linguagem da
Gestalt-terapia remonta a
togenético do individuo, fixando de maneira injustificadamente preco seu modo a um estilo de linguagem mística; —

ce o seu destino, radicando-o desnecessariamente na esfera primãria


“Que é, com efeito, essa


adesão ao presente puro, livre de toda retrospecção
da sexualidade. (pp. 89-90) neurótica e de toda
inquietação com o futuro senão uma versão psicologista
do absoluto, da
Reagindo a isto, os revisionistas colocam a evidência da ordem experiência da eternidade?” (p. 91).
presente na configuração da personalidade, transpondo o que seria da Tudo isto coloca a Gestalt-Terapia na condição de
um “neopsi
ordem do biológico e do inconsciente, para a ordem do cultural e do cologismo”, que é um “neo-romantismo”:
consciente. Porém, ao recusar uma perspectiva “genética” e superlativi

“C•.) o que a linguagem da GT
ambiciona não é suprimir um certo tipo de linguagem
‘inautêntica’, mas a
zar a referência do “momento”, através do here and now acaba-se por

própria linguagem. A linguagem só pode assumir
algum valor na razão
excluir o sujeito de seu comprometimento biológico. Ao se criticar a ên inversa de sua universalidade: no máximo, ela é
positiva quando exprime
fase dada no bios, projeta-se o sujeito numa psychd. De um “fisiologis uma subjetividade incomparável” (p. 92). Ao
mo”, para um “psicologismo”. personalizar a linguagem,
numa interpretação enviesada da fenomenologia, a GT
se toma uma clí
Se como se projeta da nova perspectiva é somente “C..) no nica do inefável. E ainda, aliada à sua concepção
otimista do social
— —

presente que terapeuta e paciente cruzam e o passado e o futuro são vistos muitas das vezes negada, em prol de um subjetivismo

como fantasmas que devem ser exorcizados para o advento da consciên coloca a GT na
mesma condição utópica de Walden II, ao recriar

uma “nova sociedade”


cia adequada” (Prado Ir, 1980, p. 90), então se anula o próprio princípio rnisticamente inspirada nos seus pressupostos.
dialético da temporalidade, negligenciando uma interpretação histórica do O que essas criticas trazem, ao invés do derrube
tempo (como temos, tanto nas Confissões de Santo Agostinho, quanto na do edificio
construído, é a necessidade da reflexão acerca das
análise husserliana da vivência do tempo). fontes e bases prelimi
narmente propostas sem, contudo, negligenciar o
Uma outra questão enfatizada pela Gestalt-Terapia em clara contexto no qual a pro

posta está inserido social, histórica e objetivamente.


oposição ao modelo freudiano é a colocação da terapia como um pro

a perspectiva de se escapar da armadilha dos Com isto, traça-se


cesso de aprimoramento da “consciência de si”. “Se a psicanálise clássica dogmatismos que, de tanto
assustar os incautos, coloca-os diante de uma
reproduz, como sugere Foucault, a estrutura arcaica da ‘direção de cons reação igualmente dogmáti
ca e excludente. Se o sujeito da consciência
ciência’, a nova terapia faz lembrar o estilo do ‘exercício espiritual’, nu é sujeito colocado-nomundo,
não podemos deixar de considerá-lo em suas
ma espécie de ascese invertida de reconversão ao corpo e ao sensível” (p. múltiplas perspectivas ou
manifestações.
90). Com isto, numa perspectiva muito próxima do Romantismo clássico,
anula os desenvolvimentos das mentalidades, foca-se sobre os sentidos,
aproxima-se de um sensualismo ingênuo e, fundamentalmente, segmenta 5.4 Notas Sobre a Psicologia Humanista no Brasil
o sujeito de corpo e mente em corpo sobre o reflexivo. Reifica-se,
— —

aqui, a negligência ao “pensa?’, ao “refletir”, como ação incapaz de pro Atualmente já contamos com literntun consolidada
fis e desenvolvimentos do movimento humanista que traça per
dazir conhecimento verdadeiro ou mudança significativa. no Brasil. Igualmente
temos suficientes referências ao movimento
O que pouco se percebe e que não se trata necessariamente de

existencial e mesmo sobre
primazia desta abordagem em particular, mas de todo o conjunto do mo particularidades das práticas clínicas de orientação
fenomenoiógica no

4L
Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 179
178
nos anos 70, graças ao apoio de Madre Cristina Sodré (1916-1997)
nosso país85, de modo que não iremos replicar estas informações, mas ape

responsável pela criação do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo e


nas apontar algumas “notas” particulares que nos parecem importantes. ao pioneirismo de Therese Amelie Teliegen (1927-1988) considerada a

Uma das primeiras notas nos coloca diante de um falo interes responsável por trazer as ideias gestaltistas ao Brasil e de Paulo Eliezer

icas e
sante, que é a proximidade entre as ideias humanistas, fenomenológ

dios. Outro Ferri de Barros (1946-2006) responsável, dentre outras coisas, pela
existenciais com a Psicologia brasileira, desde seus primór —

idealização e realização de uma das mais importantes coleções de livros


dado de relevância é que muitos e importantes nomes desses movimentos, do país, que coordenou por dez anos, a chamada “Novas Buscas em Psi
aqui
vieram ao Brasil, em algum momento ou em várias ocasiões e

coterapia”.
não apenas deixaram marcas indeléveis, como foram igualm ente marca
Na década de 70 ainda floresceu em nosso país a Daseinsanáli
dos por esta visita e por nossa cultura, sensibilidade, ideias, experiências, se, com a fundação em 1973 da Associação Brasileira de Análise e
na,
etc. Nomes de relevo da filosofia fenomenológica e existencial moder
— —

am em nosso país. Terapia Existencial Dasejnsanah,se (ou ABATED), idealizada por


como Sartre (em 1960) ou Camus (em 1949) estiver —

Solon Spanoudis (1922-1981) e alguns colaboradores, e que viria a se


Além disso, tivemos grandes leitores, interlocutores ou mesmo promoto
Brito (1 862l91 7)86. tomar em 1985 a atual Associação Brasileira de Daseinsauualyse
res dessas filosofias em solo brasileiro, desde Farias

responsável pela vinda de Medard Boss para o Brasil, em 1974. Viktor


Mas foi a Psicologia que mais marcou e foi marcada pela visita Franld cuja Logoterapia já era referência nos anos 80 também visitou
de personalidades do movimento humanista e existencial. Rogers teve um

nosso pais em três ocasiões; em 1984, presidiu o 1 Encontro Latino-


laço importante com nosso país, que visitou por três ocasiões sendo a —

Americano Htnnanjstico Existencial em Porto Alegre; em 1986, esteve


s de
primeira em 1977, no famoso evento de Arcozelo, graças aos esforço no Rio de Janeiro; e em 1987, esteve em Brasília, para o 1 Congresso
posted ormen te, em 1978 e 1985 deixan do in
Eduardo Bandeira87, e —,

Brasileiro de Humanismo e Logorerapia e igualmente fomentou a cria


fluências por toda parte, ajudan do a constit uir geraçõ es de terapeu tas e —

seus mais próxim os ção de vários grupos de formação.


trazendo para cá todo seu staff a ponto de um de
no A pesquisa empírica brasileira também possui raizes e fortes la
colaboradores John Keith Wood (1934-2004) ter fixado residência

ços no pensamento fenomenológico e existencial, desde o pioneirismo de


interior de São Paulo, e de ter rido ao seu lado uma brasile ira como cola
Waclaw Radeckj (1887-1953) responsável por um dos primeiros labo
boradora, Maria Constança VilIas-Boas Bowen (1933-1993). No esteio —

ratórios de Psicologia Experimental do país, criado em 1923, pertencente


da
das leituras e da influência “rogeriana” no Brasil, nomes importantes â Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro, e que teve grande contri
“nossa” psicologia precisa m ser lembra dos, alguns já falecid os, como
buição á sedimentação da Psicologia científica no país88 e de Niitton
Mariana Alvim (1909-2001) seguramente a primeira a trazer as contri

Campos (1898-1963) responsável pela primeira publicação explicita


buições de Rogers, no já longe ano de 1945 Lúcio Flávio Campos


—,

adora Moura (1931- 1986), Oswaldo de Barros mente dedicada à fenomenologia no país, sua tese O Método Feno’neno
(1923-1988), Maria Auxili lógico em Psicologia, de J945t9_ até as contribuições de Antonio Gomes
Santos (1918-1998) e Raque l Lea Rosenb erg (1931- 1987), e outros tantos
vivo seu espírito , de diversa s formas . Penna(19172000) e Soei Martins (1920-1993).
que ainda mantém
Sobre este solo fermentado pelo “rogerianismo” e pelo chamado
No campo da psiquiatria e da psicopatologia, o pensamento fe
nomenológico e existencial representou significativo impacto no contexto
“movimento do potencial humano”, outras práticas clínicas de cunho brasileiro, principiando com as contribuições de Elso Arruda (19 16-1995)
a
humanista e existencial prosperaram no Brasil. A Gestalt-Terapia começ com sua tese de 1947, intitulada Ensaio de Psicologia e Psicopatologia
a ser aqui praticada ainda na década de 60, mas começ a a ganhar corpo —

Husserlianas, e todo um conjunto de publicações onde resgata temas


Gauer, 2004a, existenciais e humanistas9° e passando por toda uma geração que traba
Remeto o leitor a algtins exemplos dessa literatura: Gumes, Holanda e

85
e Faria, 2005; Gobbi, Missel, Justo e Holanda,
2004b; Holanda, 2005, 201 lc; Holanda
2005; Suassuna e Holanda, 2009; Moreira, 2009, 2013; Bandeira, 2012. 88
o no Sobre Radecki, figura importante na consliniição da psicologia brasileira, remetemos o
86 Sobre Farias Brito e seu papel como precursor ou promotor do existencialism leitor aos estudos de Centofantj (1982, 2006, 201 la, 201 lb).
Brasil, há excelentes estudos publicados (Franca, 1929; Kiein, 2004; Guimarães, 1984,
9° Campos, 1945; Cabra), 1964; Penna, 1992, 1997, 200l; Holanda, 201 le.
2000; Paim, 1986, 1990). 9°
2012). Arruda, 1947, 1975, 1978, 1985, 1995.
Esta a outras tantas histórias estão contadas em Cari Rogers no Brasil (Bandeira,
180 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 181

iha com a psicopatologia fenomenológica de como Jaspers, Minkowski e Wolfgang em 1916, no cerco a Verdun e seu mais próximo assistente,

Binswanger, dentre eles nomes conhecidos da psiquiatria nacional como AdolfReinach, em 1917.
Isaias Paim (1909-2004) e Augusto Luiz Nobre de Meio (1909-1984). A ideia de uma “crise” não era nova, já em 1918, o filósofo e
Estas poucas notas servem apenas para assinalar, por um lado, o historiador alemão Oswald Spengler (1880-1936) publicara algo nesta
solo fértil sobre o qual o humanismo, a fenomenologia e o existencialis direção no seu clássico A Decadência do Ocidente, um sucesso na inte
mo se apoiaram; e, por outro, para marcar uma história muitas vezes es lectualidade, com forte tonalidade pessimista, prevendo a desintegração
quecida que invariavelmente nos leva a querer “recriar a roda”, por

da civilização europeia e expressando uma inquietação geral em tomo
puro desconhecimento que mostra ainda que essa fertilização toma o

dos acontecimentos de época92. Igualmente o polêmico Heidegger, em
Brasil um dos países em que mais se produz reflexões de cunho episte 1936, com seu texto A Europa e a Filosofia Alemã, em pleno domínio do
mológico, filosófico e metodológico em tomo dessas práticas. Nacional-Socialismo aponta igualmente nesta direção (Mvcs, 2006). Mas
ao que nos interessa, basicamente referimos à discussão empreendida por
Husserl em um conjunto de artigos publicados entre 1923-24, na revista
6 À GUISA DE CONCLUSÃO: A CRISE DAS CIÊNCIAS E japonesa Kaizo que peculiarmente significa “renovação” e a confe

O HUMÀMSMO FENOMENOLÓGICO DE UUSSERL


rência de Viena, proferida em 1935, sob o título “A Crise da Humanidade


Europeia e a Filosofia”. Dessas discussões, e da reelaboração dessa últi
O fenômeno histórico mais importante
é a humanidade que pugna por sua compreensão.
ma conferência, Husseri ainda deixaria seu “verdadeiro testamento filosó
fico” (Alves, 2006), e sua derradeira obra em vida, A Crise das Ciências
Edmunil Husseri Europeias e a Fenornenologia Transce,,de,,tal publicada em 1936.

Para onde caminha a humanidade? Não, não se trata aqui do tí A cultura filosófica é a cultura da Razão. Nesse sentido, a Filosofia
talo de um filme9t, mas de uma pergunta que, invariavelmente, acompa não é europeia. Pelo contrário, é a Europa que é filosófica. E a gran
nha a temática do humanismo. A rigor, trata-se de uma preocupação com deza da Europa filosófica, seu estatuto de “arconte” da Humanidade,
nio se confunde com qualquer projeto de domínio protagonizado por
o sentido ou os sentidos da humanidade e do humano. Podemos convocar um povo, mas com o modo como ela, na finitude das suas formas de
Husserl a esse debate humanista. E quando o criador da Fenomenologia cultura, é o fenômeno da ideia infinita de uma cultura racional que
pode ser considerado um “humanista”? Quando pensa questiona, refle

pode, sem limites, tomar-se a cultura de uma Humanidade universal.


te, provoca sobre a cultura, sobre a história, sobre a ética, sobre o senti
— (Alves, 2006, p. 11)
do do Ocidente e da humanidade.
Esta reflexão toma corpo, ffindamentalmente, nas décadas de
1920-30, em meio a tantas “crises” que a Europa e o mundo estavam
vivendo. E são temas que ocupam o pensamento husserliano de tal modo,
92
Nesse texto Der Untergang das Abendiandes também traduzido como O Declinio

do Ocidente, Spengler expõe uma “morfologia da história universal”, onde a história se


que importantes produções são legadas em tomo dessa reflexão. Em tomo
mostra como tendo uma vida e uma estrutura orgftnica. O livro pretende ser uma “filo
dessas reflexões, duas ideias permanecem: a ideia de Crise e a ideia de sofia da história”, buscando mesmo “predeterminar a história”, Para Spengler, é a His
Renovação. A “Europa está em crise” e “algo novo deve suceder” não são tória que faz os povos, e todo povo lera uma existência concreta (solo, sangue ou raça)
apenas exemplos de um diagnóstico sobre os destinos da cultura europeia, e espiritual (língua, pensamento, cultura), tendo uma consciência de um Lodo com um
são o próprio mote da fenomenologia desde seu início: um pensar e re sentimento de pertinência. O texto original foi escrito antes da Primeira Guerra, mas
pensar o sentido do humano. O contexto no qual esses textos foram pro apareceu posteriormenre, em dois volumes. No Brasil, apareceu em duas edições, am
bas condensadas, sendo a segunda, de 1982, publicada pela Universidade de Brasília
duzidos não dariam melhores justificativas para tais reflexões, particu (Spengler, 1918/1982).
larmente para Husserl: entre 1914 e 1919, a Europa se viu mergulhada Nota do tradutor, Laurent Joumier, para a edição francesa de Husserl (2005).
numa guerra de grandes sofrimentos, na qual Husserl perde seu filho Arconte deriva do grego arkhón, “chefe”, e era usado para o magistrado principal na
maioria das cidades grettas, notadamenie em Atenas. Correspondia ao “dirigente’, rela
Não conftindir com o clássico “Assim Caminha a Humanidade”, de 1935, com James tivo a “comandar, ser o chefe”; no grego, &povrcç / árkhontes, de àpoi / árkhó (La
Dean, Elizabeth Taylor e Rock Hudson. rousse dvi XY(e Siécle).
182 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 183
sem considerá-lo como presença, e o mundo é presença
O tema, pois, é o da “Crise” desta humanidade que precisa de na íntima relação
com o homem. Para Husseri, a crise das ciências se dá
uma “Renovação”. Mas crise, aqui, não representa o fracasso da razão de interpretação, representado pelas ciências naturais
pelo estreitamento
mas o retomo a um sentido original dessa cultura europeia, que teria ciências do espírito pois “evidentemente, esqueceu-se
em relação às

abandonado seu rumo, perdendo-se no esquecimento e no estreitamento —

ciência da natureza (como toda ciência em geral)


por completo que
de uma interpretação. Igualmente, renovação não é inovação ou “rein designa uma atividade
humana (menschlicIJeLeisfl,,ige,,) (Husserl, 1935/1996, 62)96.
venção, mas regresso e repristinação” (Alves, 206, p. 12). E por fim, e p.
mais importante, humanidade não é apenas uma tentativa de generaliza A proposta de Husserl, nesta conferência, era
ideia Nstórico_filosóflca ou o sentido teleológico da desenvolver a
ção ou mesmo a manifestação de uma predominância e de uma prepo

peia, para marcar sua crítica e seu posição, A questão


humanidade euro
tência mas é o sentido de uma universalidade, que coloca a “Humani

relação entre as ciências naturais e as ciências do espíritftndam


entai é a
dade” como a vida única de individuos, como “vida pessoal”, como um mente, poderíamos designar como as ciências “humanas”
o que, atual

dentro de um horizonte co
“Ç..) viver em comunidade, como eu e nós, últimas terem sua origem na vida comum e na empiria, as
e o fato das

munitário”, uma “comunidade” de individuos que se reconhecem (Hus aproveitento dos conhecimentos das ciências puramente
e outras no
serl, 1935/1996, p. 59). Este é o sentido ético da fenomenologia tardia seri, quando fala de “vida” comum, não se refere à teórica s. Hus
husserliana, que o toma aqui, para nossa discussão um “humanista”.

sentido fisiológico, mas a uma vida com fins, vida de


vida enquanto um
Vamos traçar alguns comentários em tomo das discussões de vida criadora de cultura, como unidade histórica. Nesta
formas espirituais,
Husseri no texto de 1935, da “Crise da Humanidade Europeia e a Filoso direção, começa a
discutir a situação metodológica das ciências do espírito.
fia”95. No que consiste, aqui para nós o “humanismo” husserliano?
— —

Consiste numa posição crítica com respeito ao lugar que a razão ocupa, o A ordem do espírito humano está baseada na phvsis humana;
lugar das ciências que produzem esta razão e igualmente a filosofia que

vida psíquica ind ividual humana está findada na corporeidadetoda a
a pensa e o lugar que o mundo passa a ocupar. E porque o estamos de

conseguinte, também toda a comunidade, nos corpos dos homens por in
signando como “humanista” diante disto? Simplesmente pelo fato que, dividuais que são membros desta comwidade (p. 60)
pensar a razão ou a história, ou a cultura, ou a filosofia significa pen

Aqui, vida psíquica é vida do espírito, vida da alma, e


sar o humano. Afinal, não há história nem cultura, nem filosofia, sem o muito bem corresponder ao que comumente referimos por poderia
homem que as pensam e que se remete a elas. Em outras palavras, “pen de”. Ora, se a vida do espírito a vida do homem, o “subje tivida
sar”, questionar, o humano é o que nos “toma” humanos e, nos faz, por —

na corporeidade, na posição que o homem ocupa no


humano se finda —

conseguinte, “humanistas”. mundo (pois tal


modo de “ser”, de se manifestar, no mundo, como “corpo-vivido”, é o
O tema de Husserl nos textos da revista Kaizo, de 1923-24, é a corporeidade). logo, não se pode abstrair o sujeito desse mundo
como
ética. E o tema de Husserl na conferência de 1935, é a crise da humani Husseri vai ainda mais adiante:
natural .E
dade, a crise da filosofia e a crise das ciências. O que esses textos tem em
comum? A posição do homem diante do mundo. Não se fala do mundo Cada exemplo atesta: é impossível fazer abstração de
do elemento corporal, se se quiser cercar teoricamente,maneira
de
coerente
loga como na natureza um mundo concreto fechado, um maneira aná

Há várias fontes possíveis para o mesmo texto. Em português, temos duas Induções,
traz
do espírito. Por exemplo, um historiador não pode tratar damundo puro
sendo a primeira brasileira, publicada em 1996, a cargo do ProL Urbano Zilles e história da
Grécia antiga sem considerar sua geografia fisica, sua arquitetura,
apenas a conferência de 1935 juntamente com uma introdução do tradutor (sob o título considerar, outrossim, o aspecto material dos edificios, etc. e sem
foi
original, Á Crise da Humanidade Europeia e a Filosofia); e a segunda, portuguesa, 6!)
(p.

arti
publicada em 2006, a cargo do Prof. Pedro Mves, e além do texto de 1935, traz os Com isto, fracassa o intento de se identificar as ciências do
in
gos da revista Kaizo (daí o título ser Europa: Crise e Renovação), bem como uma rito às ciências objetivas da natureza, pelo fato que, espí
tex
trodução do tradutor, contextualizando as obras. As edições francesas dividiram os natureza aqui não
o
— —

tos, sendo que a conferência de 1935 foi publicada como anexo ao texto de 1936, sob
gie Transcendan tale, cor
título La Crise der Sciences Eznopéennes e! Ia Phénon:énolo 96
A partir daqui estaremos usando a versão brasileira
respondendo ao volume VI da Husserliana (ver Apêndice 1); e os textos sobre “reno traduzida por
seri, 1935/1996) e, para dar maior fluidez ao texto, estaremos Urbano Zil (es (Nus.

4
mais
vação”, em volume separado Sur Ie Renouveau. Cinq Articles numa edição

apenas assinalando as
recente (Husserl, 1989, 1996, 2005). páginas da tradução em cada citação.
184 Adriano Furtado Holanda

tem o sentido científico-natural, mas o sentido dos antigos gregos, enten


dida como inundo circundante da realidade natural. “De maneira mais
completa, o mundo circundante histórico dos gregos não é o mundo obje
Fenomenologia e Humanismo

de insaciável que Sócrates definiu como necessária ao filósofo


origem da filosofia, como “puro interesse pelo conhecimento”97.
—, como a

Apodera-se, pois, do homem a paixão por um conhecimento que


185
F
tivo, em nosso sentido atual, mas sua representação do mundo, com todas
as realidades para eles vigentes deste mundo, p. ex., os deuses, os demô transcende toda práxis natural da vida com seus esforços e suas preo
cupações diárias e transforma o filósofo em espectador desinteressado,
nios, etc.” (p. 62). Mundo circundante é Urnwelt, é circum-mundo; e é em um contemplador do mundo. Nesta atitude, o homem
absurdo considerar o mundo circundante como alheio ao homem pois —

primeiro a diversidade das nações, a própria e as outras, contempla


cada qual
não há mesmo mundo sem o homem ou seja, é absurdo querer funda
—,
com seu mundo circundante próprio, envolvendo suas tradições, seus
mentar uma ciência do espírito numa ciência da natureza, fazendo-a uma deuses, seus demônios, suas potências míticas, considerando cada na
ciência exata. ção este mundo simplesmente evidente e reaL. (p. 69)
Continua Husserl apontando que os cientistas do espírito tem se E neste contraste, surge a diferença entre a representação e
descuidado, tanto com a colocação do problema, quanto de seus procedi a
verdade do mundo, e mesmo a pergunta pela verdade,
mentos; e que o problema da Europa ou a situação espiritual da Europa universalmente

válida, e não mais delimitada pelo previamente dado pelas


é um problema de uma ciência pura do espírito. A ideia de Europa, tradições ou

regras, por ideologias constituindo assim a tarefa da teoria,


aqui, é entendida como unidade de vida, como unidade de estrutura espi

que signifi
ca “observa?’, “olhar”98. E desse modo que nasce uma nova
ritual, e engloba domínios e solos para além da geografia do continente humanidade,
em espíritos individuais, como Tales, como seres de criação
europeu. Diz respeito tanto a suas influências e manifestações, quanto a de novas
formas culturais. E os que estão fora desse círculo, os não
sociedades que beberam de suas fontes. Do mesmo modo que bebemos filósofos —

de influências múltiplas, que nos fazemos próximos a outras sociedades e


1...) voltam-se atentos a este trabalho. Por sua vez, se o compreendem,
convertem-se também eles em filósofos; se estão muito absorvidos
culturas o que na modernidade ganha o nome de “globalização” — nesse por

sua profissão, tornam-se aprendizes” (p. 70). Propaga-se,


contexto, Europa diz respeito a uma coletividade de espíritos, a um prin assim, como
forma de investigação e como ação educativa, constituindo-se numa
cípio de unidade. E esta Europa, diz Husserl, tem data e local de nasci ati
tude caracterizada pela “universalidade da postura crítica”,
mento: é a Grécia antiga, nos séculos Vil-VI a.C., quando se inaugura questionando
todo o universo previamente dado.
uma “nova atitude” de individuos diante desse mundo circundante, a que
os gregos chamaram de “filosofia”. “Corretamente traduzido, conforme o Filosofia como fato histórico é distinto de filosofia como “ideia
sentido original, este termo é um outro nome para ciência universal, a de uma tarefa infinita” (p. 75). Aqui, Husserl aponta para
dois grandes
ciência da totalidade do mundo, da unidade total de todo o existente” (p. perigos da racionalidade: a adesão a um ou outro sistema filosófico (muitas
66). Não nos esqueçamos que tudo aquilo que hoje consideramos como vezes incompatíveis entre si) e a especialização. São dois
exemplos de
“especialidades”, na antiguidade fazia parte de um todo indiferenciado; o
médico ou o terapeuta era filósofo, e vice-versa.
unilaterajidade da racionalidade. “Nenhuma linha de conhecimento, ne
nhuma verdade particular pode ser absolutizada e isolada” — nisto
tuem as ideologias que, por definição e por se autorizarem verdades
se consti )l I
Nessa irrupção da filosofia, Husserl reconhece o “fenômeno tas, constituem-se na exclusão e num esforço constante
absolu
original”, o Urphünomenon, que caracteriza a Europa no sentido espiri —,
de reflexão que
inclui um voltar-se sobre si mesmo, se constitui o autêntico filosofar.
mal. “As palavras filosofia, ciência, designam uma classe especifica de
criações culturais (Kulturgebilde)” (p. 66). E, pois, concebendo, tendo
ideias, que o homem se toma um homem novo e, mesmo vivendo na fini
tude, se dirige ao “polo do infinito”. Ciência é, assim, a ideia de uma
infinitude de tarefas. E essa nova humanidade de “metas infinitas” apare

“Vasa Platão e Aristóteles, no há filosofas sem admirar-se,
se, pasmar, OaipáLctv. Aquele que não se admira com nada não
assombrar.se, maravilhar-
pode sequer perguntar
I
sem pergunta, não há resposta ( (Mora, 2001, p. 51).
ce com os filósofos, que nesse período, em contato com nações e culturas 98
O verbo Ocoipão (algo como “thcoréo”) significa “olhar”, e
vizinhas, produziu uma grande mudança de atitude, representada pelo em o que fazia o espectador
nos jogos e festivais, ou seja, tinha uma atitude “teórica”, não
interventiva. “A Ocoipín é a
thaumázein a atitude admirativa, o “espanto”, a admiração, a curiosida
— ação de olhar, ver, observar. (...) Quando o olhar, ver ou obscvmr
eram entendidos ‘men
talmente’. (...) theo ria, equivalia a contemplação” (Mora, 2001,
p. 2.85!).

/
186 Adriano Furtado Holanda Fenomenologia e Humanismo 187

A crise europeia é uma crise da racionalidade, e Husserl ainda Nesse momento, Husserl demonstra como a época moderna,
mesmo orgulhosa de seus feitos, se toma marcada pela insatisfação e
denuncia a ingenuidade do racionalismo, característico da Idade Mo
experimenta uma “situação de penúria”, como uma “penúria do método”:
derna, que é o objetivismo, “que se configura nos diferentes tipos de
naturalismo, na naturalização do espírito. Filosofias antigas eram e se Trata-se de problemas procedentes da ingenuidade, em virtude da qual
guem sendo ingenuamente objetivistas” (p. 76). E porque este objeti a ciência objetivista toma o que ela chama o mundo objetivo como
vismo é ingênuo e prejudicial ao pensar? Porque ele exclui, retira, sendo o universo de todo o existente, sem considerar que a subjetivi
alheia, distancia o homem do mundo. O pensar o mundo pressupõe o dade criadora da ciência não pode ter seu lugar legítimo em nenhuma
mundo mesmo diante de si e o próprio sujeito que o pensa. O mundo no ciência objetiva. Aquele que é formado nas ciências naturais julga
evidente que todos os fatores puramente subjetivos devem ser excluí
qual o homem vive é o mundo circundante, estendido no espaço e no dos e que o método científico-natura] determina, em termos objetivos,
tempo, que o inclui; e “C..) precisamente porque tudo é dado no espaço o que tem sua configuração nos modos subjetivos da representação.
e no tempo, tem, pelo menos em sua base, a forma existencial da corpo Por isso busca o objetivamente verdadeiro também no plano psíquico.
reidade” (p. 77). (p. 80).

O curso do desenvolvimento histórico é determinado, com precisão, Isto faz com que se considere a psicologia igualmente uma ciên
por esta atitude para com o mundo circundante (...). Muito rápido dá- cia natural e, portanto, psico-fisica. E, como assinala Husserl, o pesquisa-
-se o primeiro passo para uma descoberta importantíssima: é a da su dor natural assim interpreta e não percebe que o próprio fUndamento de
peração da finitude da natureza já pensada como um em si objetivo, seu trabalho mental de seu esforço subjetivo, de seu empenho de inves
uma finitude subsistente, apesar do caráter aberto e indefinido da natu —

tigação, de pensar ou observar é o mundo circundante vital, o Leben


reza. Descobre-se a infininade, primeiro em forma de idealização da —

grandeza, da massa, dos números, das figuras, das retas, dos pólos, das suniwelt, seu mundo próprio de vida. “A revolução de Einstein concerne
superficies, etc. A natureza, o espaço, o tempo tomam-se ideabnente às fórmulas que tratam da physis idealizada e ingenuamente objetivada
prolongáveis e idealmente divisíveis ao infinito. Da agrimensura nasce (..j”, mas não fala do sentido que isto carrega para a vida e para o mundo
a geometria, da arte dos números a aritmética, da mecânica cotidiana a circundante, ou para o próprio viver do cientista; “C..) assim Einstein não
mecânica matemãtica, etc. (p. 78) reforma o espaço e o tempo, nos quais se desenjola nossa vida real e con
creta” (p. 80).
Esta descoberta da infinitude tem um efeito “embriagador”, que
se prolonga numa atitude objetivista, na qual “C•) todo o espiritual apare O que Husserl nos aponta é tão somente que a “ciência matemá
tica da natureza” é uma “criação” (Leistung) ou um “triunfo do espírito
ce como superposto à corporeidade fisica”. Esta é a marca de um pensar
científico-natural, que delimita o materialismo e o determinismo; mas, humano”, O que a temática cientifica do mundo faz é o esquecimento do
próprio sujeito da ciência, retirando o cientista da posição de tema de
“desde Sócrates, a reflexão toma por tema o homem em sua humanidade
reflexão. E vejam quão atual permanece este questionamento:
específica, o homem como pessoa, o homem na vida espiritual comunitá
ria” (p. 78). Mas o homem permanece inserido no mundo objetivo. Com a Os psicólogos sequer percebem que, em suas colocações, como ho
Idade Moderna, o conhecimento matemático da natureza e os progressos mens criadores de ciência, não tem acesso a si mesmos e a seu mundo
constantes passam a ser estendidos às ciências do espírito; e o espírito circuadante. Não percebem que, de antemão, se pressupõem a si
passa a ser uma realidade natural, mais um objeto no mundo e, como tal, mesmos necessariamente como seres humanos vivendo em comunida
de de seu mundo circundante e de sua época histórica, e que querem
fundado na corporeidade. Surge daí o dualismo psicofisico, na qual a alcançar a verdade em si, válida para todos. Por causa de seu objeti
mesma causalidade agora dividida abrange o mundo: “a explicação

vismo, a psicologia não consegue incluir em seu tema de reflexão a


racional tem o mesmo sentido em toda a parte, entendendo-se que toda alma, ou seja, o eu, que age e sofre, em seu sentido mais próprio e
explicação do espírito, se deve ser única e ter um alcance filosófico uni mais essencial. (p. 81)
versal, há de conduzir para o plano físico” (p. 79). A investigação do
espírito do psíquico toma o caminho da exterioridade, “o caminho da

Eis pois a premente necessidade de “renovação”, de reforma,
das ciências do espírito, na direção da compreensão do espírito —já anun

física e da química”. O ser do espírito se toma fragmentário.


ciada em Dilthey e de se colocar em cheque a ingenuidade do objeti

188 Adriano Furtado Holanda
r
vismo. Vejam que tal ingenuidade se esconde por detrás de uma multipli
cidade de ideias, conceitos e valores, aparentemente “livres” de precon
ceitos, mas profundamente marcados pela mesma ingenuidade que cons
trói as diversas ideologias, sejam estas “sistemas” psicológicos, “objetos”
incontestes ou premissas de valor, camuflados de ações objetivas, muito
bem intencionadas, de ideias naturalizadas e universalizadas do que é, por
exemplo, “saudável” ou não. A denúncia husserliana é a da “absurdidade REFERÊNCIAS
da concepção dualista do mundo”.
O espírito, e só o espírito é que existe em si niesmo e para si mesmo, Aanstoos, C., Serlin, 1., & Greening, T. (2000).
só o espírito é autónomo e pode ser tratado nesta autonomia (...). Histoiy of Division 32
Quanto à natureza, considerada na vcrdade que lhe conferem as ciên (Humanistjc Psychology) ofthe American Psychological
D. Dewsbuty (Ed.). Un(fication through Division: Association. tu
cias naturais, ela só tem uma autonomia aparente (...). Pois a verdadei Histories ofthe divi
ra natureza, no sentido das ciências da natureza é obra do espírito que sions of lhe American Fsychologicai Assocjatjon
(Vol. V). Washington,
a explora e pressupõe, por isso, a ciência do espírito. (pp. 82-83) DC: American Psychological Association.
Abbagnano, N. (1992). Diccionarjo de la Filosofia.
E ainda acrescenta: “Por isso é errôneo, de parte das ciências do Mexico: Fondo de
Cultura Económica
espírito, lutarem com as ciências da natureza por uma igualdade de direi
tos” (p. 83). E preciso deixar de focar o exterior, de voltar-se “para fora”, Abreu e Silva Neto, N. (2004a). História da Perspectiva
Existencial 1 A Nova Concepção de Ciência, Fenomenológico
e permanecer consigo mesmo, para se construir tal ciência “humana”. —
Fenomenologia_Exis
Mas não sejamos igualmente ingênuos, tal qual os cientistas naturais, e tencial Alemã, Positivismo Lógico. In M. Massimi
(Org.). História da
não caiamos na armadilha da substituição de objetos, “negando” o exter Psicologia no Brasil do Século .flpp. 57-73). São
Paulo: EPU.
no ou o objetivo como fizeram muitos pesquisadores humanistas e — Abreu e Silva Neto, N. (2004b). História da

Perspectiva Fenomenológi
criando uma “ciência” sensualista ou subjetivista. Esse retomo a si, a que co-Existencial El — A Filosofia Fenomenológica
Francesa e o Huma
se refere Husserl, bem entendido, é a mesma postulação iniciada com nismo Existencial Norte-Americano: 1930-1970
h M. Massimi
Brentano, de uma “ciência das vivências intencionais”, e desenvolvida (Org.). História da Psicologia no Brasil do Século
£a(pp. 75-86). São
com a fenomenologia transcendental, para a constituição de uma nova Paulo: EPU.
cientificidade, “na qual tem seu lugar todas as questões do ser, as ques Almeida, F. M. (]999). Aconseffiamento Psicológico
numa Visão Feno
tões da norma, assim como as questões do que se designa como existên Cuidar de ser. In H. T. P. Morato (Org.).
cia” (p. 84). Aconselhainejigo Psicológico C’entrado na Pessoa.
Novos desafios
Essa nova cientificidade estará calcada no Lebensivelt — no (pp.45-60). São Paulo: Casa do Psicólogo.
mundo-vida mundo de conexões, de entrelaçamentos, de experiências
—‘ Almeida, M. A. (2010). O Sujeito Fenomenológico
O “humanismo” fenomenológico é a consideração na Arquitetura do
mutuamente vividas. 1-120 expo. Arquirextos (São Pauto), 11(125),
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