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CATÁLOGO DE ARTE INCOMUM
XVI BIENAL DE SÃO PAULO
16 de outubro a 20 de dezembro de 1981
Governo Federal
Ministério de Educação e Cultura - Funarte
Ministério das Relações Exteriores
Secretaria de Planejamento da Presidência da República
Diretoria Executiva
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As dimensões atingidas pela exposição podem ser aferidas por presenças
célebres como as de Adolf Wülfli, Aloi'se, Müller, Scottie Wilson, Le
Facteur Cheval e outros artistas, e pela inclusão de alguns poucos mas
significativos outsiders brasileiros, como Eli Heil, G.T.O. e Antônio Po-
teiro, além dos grupos de internados do Engenho de Dentro e do Juqueri.
Walter Zanini
Curador Geral da XVI Bienal
Agosto de 1981
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THE BIENNALE AND OUTSIDER ART
One sincerely hopes the Outsider Art exhibition, one of the manifestatíons
of the XVI Biennale, achieves the objectíves for which it was proposed:
to awaken extensively the attentíon of the public to a highly creative
productíon, on the fringe of the cultural art system, as well as incentiva te
its experimentation and presentation in the Brazilian panorama.
Although the limitation of time available to the organization impeded
a greater number of contacts abroad and in the country itseH, as well as
the settling of some complex assignments, one was able to gather
precious examples of deeply revealíng expressions of absolutely personal
cosmogonies for thís display.
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harmonies, stemming from vital forces of a mysterious quality of
agonistic perception.
Walter Zanini
General Curato r of the XVI Biennale
August/1981
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APRESENTAÇÃO
Os Outsiders não podem ser rotulados, pois cada um deles é um. Na reali-
dade, melhor seria chamá-los Insiders, se tivéssemos de dar-lhes um nome.
Sente-se que não se situam à margem da arte, mas em seu centro, exata-
mente à beira das fontes de criatividade cujas forças enigmáticas cavalgam
qual cavalheiros do Apocalipse, sem no entanto pretenderem dominar
essas forças. É a viagem que lhes interessa. Acena-lhes um destino supre-
mo e desconhecido, e em seu caminho expressam a magnitude de suas
visões variadas e avassaladoras.
Entre outras coisas, DubuHet estabeleceu que a Art Brut era feita por
indivíduos sem condicionamento cultural, sem assistência profissional e
sem conhecimento algum das tradições e da história da arte. Dizia ele:
"( ... ) trabalho executado por pessoas desprovidas de cultura artística,
para quem a mimese, ao contrário do que ocorre com os intelectuais, de-
sempenha função muito pequena ou nenhuma, de modo que seus criadores
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retiram tudo (temas, escolha de materiais, meios de transposição, ritmos,
formas de escrever, etc.) de suas próprias profundezas e não dos estereó-
tipos da arte clássica ou da arte do momento. Temos, pois, uma operação
artística 'quimicamente pura' ( ... ) trata-se, portanto, de arte que nasce
da invenção pura e que de modo algum baseia-se em processos mais pró-
ximos aos do camaleão e do papagaio, como costuma ocorrer com a arte
cultural" .
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padrão, eram obras de arte espantosamente originais e tecnicamente per-
feitas. Esses trabalhos surgiam espontaneamente, fora do processo de te-
rapia através da arte. A partir de então, essas pessoas passaram a ser
descobertas por outros psiquiatras, como o austríaco Leo Navratil, de
Klosterneuburg. Nota-se de imediato a diferença entre essa obra e a volu-
mosa "arte" terapêutica, que, vista em quantidade, começa a tornar-se
um tanto monótona em termos de tema e conteúdo. E também está presen-
te o desejo de agradar e satisfazer às expectativas do terapeuta. Não se
pode concluir de modo algum que, sendo doente mental, o indivíduo
também pode ser artista (e muito menos um artista de talento), assim
como não se conclui que, sendo saudável, uma pessoa pode ser artista.
Quando se crê que a Art Brut tem a ver com a arte dos loucos, não se
compreendeu o conceito básico dessa arte. Trata-se de uma manifestação
criativa espontânea de formidável intensidade, muitas vezes perturbadora
por expressar as profundezas ocultas da psique, o Outsider que há dentro
de todos nós, de uma forma que a arte profissional não faz. E é uma arte
essencialmente destituída de estereótipos culturais.
Entre os Outsiders, existem aqueles que apenas expressam uma visão ori-
ginal. Wi::ilfli, Scottie e outros grandes Outsiders não se incluem entre
eles, pois criaram vastas cosmogonias próprias, universos totais com que
o espectador, magnetizado pela força atordoante de seu instrumental téc-
nico e assombrado por ecos atávicos, torna-se inevitável e emocionalmente
envolvido.
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que são incentivadas a isso pelas exigências de uma sociedade de consulÍlO
cuja arte, projetos e diversões se reduziriam a nada se cada indivíduo
passasse a exercer seu próprio potencial criativo".
Victor Musgrave
Curador Internacional
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PREFACE
Bereft of historícal guidelines and cultural norms the spectator must rely
on his own perceptions and sensibilities. For some this may be a
disconcerting experience, for others the beginning of an exultant
pilgrimage into the unexpected. When so much contemporary art is bland
and supine in the well-crafted chains of its own making, the Outsiders
give a great and joyous shout: "We are artists, we are explorers, we go
where no man has trod before. Follow us íf you dare!"
Who, then, are the Outsiders, and what is it they have achieved?
Ceaselessly quarrying the imperial terrítories that stretch for ever before
their mind's eye, working often, like Wülfli virtualIy to their dying
moment, they make many official artists look like part-timers. One feels
that they can call forth at will what Robert Graves has called "the
poetic trance", a creative state of utter self-absorption in which the
exterior world 1S blanked out. Men from Porlock would have had a hard
time with them. Would not van Gogh, Bosch and alI the other great
cultural outsiders have admired them and respected them as brothers?
Outsider Art first began to be recognised and isolated by Jean Dubuffet
somewhat more than thirty years ago. He began to search for it and to
collect it and evolved a set of cri teria to differentiate it from other
forms of art. He called it Art Brut or U nadulterated Art.
Dubuffet laid down, among other things, that Art Brut was made by
individuaIs free from cultural conditioning, professional instruction and
any knowledge of the traditions and history of art. To quote:
" ... work executed by people free from artistic culture, for whom
mimesis, as opposed to what happens to intellectuals, plays líttle or no
part, so that their creators draw up everything (subjects, choice of
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materiaIs, means cf transposition, rhythms, way of writing, etc.) from
their own depths and not from the stereotypes of classical art or of
modish art. We have here a 'chemically pure' artistic operation ... this,
therefore, is art springing fram pure invention and in no way based, as
cultural art constantly is, on chameleon or parrot-like processes".
At about the time that Dubuftet had begun to isolate the phenomenon of
Art Brut I had become acquainted with the work of ScottieWilson,
who was always described as a 'naive' or 'modern primitive'. This
seemed to me quite wrong. The naive artist tends to be comforting and
often cosy; his maIadroit attempts to copy fram life and nature can Iend
his work considerabIe charm, but his desire to please and to be accepted
by his peers and the ofticial art world excludes him for ever from the
subversive universe of the Outsider. The naive artist does not change;
he ends as he began, while Scottie's vision expressed itself in phase
after phase which are completely diftereht. The frequent social
comments and implications are also lacking from the work of naives,
and when Scottie said that Blake would love his work he knew that he
was about. He was constructing a cosmos in which a battle is fought
between innocence and evil, beauty and ugliness, and in which goodness
ultimately survives. These epic struggles are typically to be found in the
work of many outsiders. His ideas of Blake were probably purely
intuitive. It is also interesting and relevant that two of the most original
and imaginative British artists, Scottie Wilson and Francis Bacon, were
both untaught. Each evolved his own vision and techniques, but Bacon
possessed a cultural background to which work continually alludes and
refers. In this connection the founders of Die Brucke in 1905, Kirchner,
Schmidt-Rotluft and Heckel, were self-taught artists. No wonder their
powerful, emotive images are only now beginning to achieve growing
acceptance. What Dubuftet calls "asphyxiating culture" seems to have
engendered a huge machine to perpetuate incestuous sterility.
The distinction must be made, too, between Outsider Art and tribal
art which it, on occasion, seems to resemble, although in indirect ways.
There is perhaps, a possibility that race memory could play a part here.
But it is only a possibility. Tribal art, however bizarre it may sometimes
appear to Western eyes, is actually a conserva tive art because it follows
traditional forms and techniques handed down from father to sono
To say this is not to deny its power.
The third important category from which Outsider Art must be sharply
separated includes the drawings, painting and other works produced by
mental patients via the intermediaryship of an art therapist. In the
Art Brut collection which Dubuftet built up and which is now housed in
its own museum in Lausanne little more than forty per cent consists of
the product of mental patients. Ear1y in this century psychiatric pioneers
such as Dr Hans Prinzhorn realised that occasionally patients in their
care were producing what by any standards were staggeringly original
and technically consummate works of art. Their works were
spontaneously generated and did not go thraugh the art therapy processo
Such people have since been discovered by later psychiatrists such as
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Dr Leo Navratil of Klosterneuburg in Austria. Their work is immediately
distinguishable from the vast amount of therapeutic 'art' which, seen in
quantity, begins to become somewhat monotonous in theme and content.
There is also present a desire to please and satisfy the expectations of
the therapist. It does not in any way follow that because an individual is
mentalIy disturbed he can also be an artist, let alone one of outstanding
talent, just as it does not follow that because a person is sane
he toa is an artist.
If it is thought that Art Brut is consonant with the art of the insane then
the basic concept of what is implied by it has not been grasped. It is a
spontaneous creative eruption of remarkable intensity, often disturbing
because it expresses the hidden depths of the psyche, the outsider that
is buried within all of us, in a way that professional art does not, and it
is essentially free from cultural stereotyping.
Among the Outsiders there are those who cannot be said to do more
than express an original vision. Wülfli, Scottie and all the realIy great
practitioners surpassed this. They created vast cosmogonies of their own,
total universes with which the spectador, mesmerised by the stunning
power of their technical devices and haunted by atavistic echoes, becomes
inevitably and movingly involved .
•
I have spoken earlier of beauty and ugliness but in point of fact the
works of Art Brut transcend such concepts, or rather do not even
consider them. Their effect is one of illumination, they come as a
revelation of concealed potential and a challf>ngc to the idea that only
the picturesque and the noble are suitable subjects for the artist. To quote
from Jill Dow's unpublished manuscript "Dubuffet and Art Brut",
"the concept of Art Brut was formed to oppose the hierarchical structure
of the art world, which, according to Dubuffet is maintained by an
abortive educational system, a conspiracy between artists, critics, dealer
and buyers, and a false sanctity in museums and galIeries. Art Brut
challenges the lack of image-making activity in the lives of the majority
of people today, who leave it to a handful of experts, and are encouraged
to do so by the demands of a producer-consumer society whose art,
design and entertainment would grind to a halt if each individual were
to exerci se his own creative potential."
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We have tried to present an exhibition which is no academic exereise, we
have attempted no historical perspectives because none exist and we have
resisted, though not, perhaps, totally, the urge to make cultural
comparisons, which would be a betrayal of the spirit of "chemically
pure" invention. Yet do not Outsiders speak in voices which move us to
the core? Can one gaze at a Ramirez without feeling the inscrutable
sense of mystery that all great works of art possess? The easy Jungian
and Freudian interpretations enter the mind and steal away. The works
remain inviolate. The rebellious jubilation of a Schroder-Sonnenstern,
the cauterising despair of Marshall, the delicacy and wit of Oswald
Tschirtner invoke total response without preconceptions.
Victor Musgrave
International Curator
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COSMOGONIAS OUTRAS
Sem querer chegar a afirmar que o Brasil é pioneiro nesse tipo de pes-
quisa, torna-se necessário lembrar, no entanto, a polêmica de Flávio de
Carvalho, uma vez que, pelo menos em duas frentes, ela antecipa a poste-
rior campanha de DubuHet em prol da arte não-cultural: quando afirma
"a importância psicológica e filosófica da arte do louco e das crianças",
quando se opõe às "paredes opressoras e asfixiantes da Escola de Belas
Artes que, corrigindo e polindo, procuram sempre impor aos alunos a
personalidade freqüentemente mofada e gasta dos professores" 2.
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reinventado pelo criador a partir de seus próprios impulsos subconscien-
tes; o que é espontâneo, imediato, íntimo, pessoal; o que faz vir à tona
os "1va ores se1vagens ,,5.. Essa expressa0
- nao
- deve ser, entretanto, conf un-
dida com a chamada "arte ingênua" que, apesar de ser fruto de pessoas
simples, mostra respeito pela "arte cultural", tenta imitá-la, deseja parti-
cipar de seu mundo 6.
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impulso dum sonho obsessivo, no qual se via moldando a madeira. A par-
tir desse momento, tomam corpo estranhos seres arquetípicos, acorrenta-
dos, entrelaçados, superpostos, que parecem nascer um do outro, encer-
rados em círculos, pirâmides, que os delimitam formal e existencialmente.
Um profundo sentimento religioso perpassa a obra de G.T.O., cioso de
sua originalidade criadora, de sua autodidaxia: "( ... ) eu invento tudo,
eu sou criador. Nem no sonho eu não tive professor; quem me ensinou
fazer estas coisas foi eu mesmo, mas eu desco];,ri que podia fazer isso foi
no sonho" 10.
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Cores, formas, faturas em perpétua mutação constituem o universo sin-
gular de Eli Heil que, desde que descobriu fortuitamente a arte (1962),
não consegue refrear sua necessidade criadora, aquele "monstrinho doce"
que "constrói e não destrói", aquelas mãos que "trabalham sem parar",
aquela inspiração permanente: "( ... ) Sou como um olho de água nos
morros, que as pessoas não conseguem contê-lo, tapa um lado, ele aparece
noutro lugar; quer dizer, termina uma criação, vem outra, outra, outra
sem parar ( ... ) " 15 .
A construção constante dum mundo que, para artistas como Antônio Po-
teiro, Eli Heil, se manifesta sobretudo em estruturas bi e tridimensionais,
pode adquirir caracteres arquitetônicos como na Casa da Flor, obra de
Gabriel dos Santos, que a construiu entre 1912 e 1923, acrescentando-
lhe até hoje novos elementos, todos cuidadosamente datados. A partir
dum sonho que tivera quando criança, Gabriel dos Santos molda seu
universo fantasmático, servindo-se de materiais pobres - detritos cultu-
rais (cacos de louças, garrafas), elementos naturais trazidos pelo mar
(búzios, conchas), amalgamados em formas plásticas de rara eficácia esté-
tica, que mais uma vez vêm confirmar a existência de forças criadoras em
todo ser humano. Se não acreditarmos nesse lastro criativo, como pode-
remos explicar a obra desse humilde salineiro quase iletrado, que se
revelou um arquiteto espontâneo de rica inventividade, fugindo do banal
com suas combinações cromáticas, com aquela floração de louça que pon-
tilha a casa e o quintal, com as várias soluções construtivas bizarras e ao
mesmo tempo funcionais, que transformam um espaço convencional num
mundo de faz-de-conta?
Enquanto para Gabriel dos Santos a Casa da Flor é uma espécie de retiro,
no qual o artista pode ficar só com Deus, para Jakim Volanhuk, o Simi-
tério do Adão e Eva) ambiente dos mais inusitados e provavelmente sem
precedentes, parece revestir-se dos caracteres dum ato de expiação em
prol da humanidade. Concebido inicialmente como Museu de Jesus
(1939), o Simitério do Adão e Eva começa a ser construído em 1952,
após uma visão mística de seu autor, que acreditou ter encontrado o corpo
de Abel ao deparar com a "terra perfumada" no quintal de sua casa.
Guiado por uma leitura original do Gênese, Volanhuk coloca o Paraíso
terrestre no Brasil, num território compreendido entre a Amazônia e a
Praça da Sé (São Paulo), e dá início à construção de seus túmulos (Adão,
Eva, Cristo, Abel - o deste último tem a configuração dum barco tal
como o mundo), para os quais usa pedras ritualisticamente purificadas
antes da entrada no chão sagrado do "simitério" 16. Ao elemento da cria-
ção, contrapõe-se o verdadeiro movente da construção de Volanhuk: a
anunciação do Apocalipse, documentada através duma série de pinturas,
fruto de visões (Deus e Diabo) e da leitura da Bíblia (a descrição acurada
do dragão com sete cabeças e dez chifres; o arcanjo Miguel; Babilônia; a
guerra até a destruição final da terra pelo fogo). O "simitério" é um ato
de expiação, pois Volanhuk, em sua visão agônica, não chega a entrever
a nova Jerusalém, esperando com sua ação deter o fim inevitável da
humanidade.
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Inconsciente e o da Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri, isolados
do contexto anterior não para aplicar uma distinção entre sadio e doente,
mas para poder analisá-los em sua especificidade de métodos de trabalho.
Pintor por excelência, Emygdio constrói seus quadros com cores vibran-
tes, com contrastes cromáticos violentos, mas equilibrados por passagens
harmoniosas. Sua pincelada é densa, a matéria é espessa. A composição
desenrola-se quase toda no primeiro plano, sem grandes preocupações
com a profundidade, com a perspectiva. O desenho é conciso, de traços
incisivos, enquanto a forma é definida pelo cruzamento, pelo entrechoque
das pinceladas, que criam uma impressão de dinamismo e vitalidade.
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A vasta produção de Fernando tem como denominador comum a busca
do espaço cotidiano, conseguida através duma série de processos ordena-
dores: enquadramentos de números, letras e figuras; mandalas; estrutu-
ras celulares; naturezas mortas; interiores, etc. Às vezes, sua composição
poderá parecer caótica, mas se trata de uma falsa impressão, pois Fer-
nando estrutura suas obras com precisão, exatidão, embora não revele
qualquer constrição. O colorido é vibrante, intenso, ou ritmado pelo jogo
de claro-escuro, e se associa a uma pincelada densa, espessa, que faz da
matéria um dos protagonistas principais de seus quadros.
Para explicar essas visões particulares, essas formas que parecem desafiar
a história por representarem imagens desde sempre presentes no homem,
seria mais fácil recorrer à terminologia estilística corrente. Mas que sen-
tido teria falar em gótico, barroco, expressionismo, fauvismo, primiti-
vismo, art nouveau, e assim por diante, se o que devemos buscar nessas
expressões é o gesto primeiro, é a gênese da criação, que não hesita em
sujar suas mãos de barro e tinta, em trabalhar com os instrumentos mais
rudimentares, em inventar novas técnicas, porque o que importa é trans-
mitir ao mundo a própria mensagem, de qualquer maneira, em: qualquer
suporte?
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pretender, nos dias de hoje, uma pureza edênica, uma total imunidade à
CULTURA. O que importa ressaltar nesses artistas é como, apesar do
mercado, tenham conseguido manter uma visão própria, um frescor e uma
ânsia de criação que fazem passar para um segundo plano os holofotes da
publicidade.
Annateresa Fabris
Curadora da Exposição Nacional de Arte Incomum
j Flávio de Carvalho, "A única arte que presta é a arte anormal", Diário de São
Paulo, 24 set. 1936.
2 Flávio de Carvalho, "Recordações do Clube dos Artistas Modernos", RASM, São
Paulo, (1), 1939, SP.
3 Jean Dubuffet, Cultura asfixiante (Lisboa, 1971), p. 105.
4 Id.) 16.
5 Dubuffet, Prospectus et tous écrits suivants (Paris, 1967), I, p. 201, 202, 212, 210.
6 Id., 217
7 Entrevista à A. Goiânia, 29 jul. 1981.
8 Id.
9 Depoimento à A. Divinópolis, 1.0 ago. 1981.
10 Apud: Marcio Sampaio, "GTO - Primeiras estórias", Minas Gerais (Suplemento
Literário), VII (293),8 abro 1972, p. 3.
11 G.T.O. e a crítica, Centro de Artesanato Mineiro, Belo Horizonte, 1979.
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OUTSIDER COSMOGONIES
It is very true that Dubuffet radicalizes his attitude in the face of the
so-calIed "abnormal" art, denying such naming, depreciative in his
point of view, and affirming the absolute equality of the "sane" and the
"insane", since what interests him is a personal achievement,
conceived apart from any influence of traditional art, expressing a
universe of its own, presenting an opposition to alI images of the
outside world set forth by culture" 3. In other aspects, this same concern
is present in Flávio de Carvalho, either when he attracts attention
towards the powers of the unconcious, revealed by "abnormal" art, or
when he rejects the "ritualistic" correction which turns into routine
what was spontaneous, primaI.
What Flávio de Carvalho had said concerning the Escola de Belas Artes,
also appears in the writings of his French colIeague, who casts a sound
diatribe against the teacher-stereotype, "who is, by definition, one
who doesn't show keeness towards any creative effort, and must
indifferently express his praise to all that prevailed within the prolonged
developments of the past" 4.
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If the true creadon Ísn't "that which prevailed", what is art? It is that
which is not acquainted with the artistic culture, the mimesis, the
culturallie; that which is re-invented by its creator out of his own
subconscious impulses; that which is spontaneous, immediate, intimate,
personal; that which makes surface the "untamed values"s. This
expression mustn't, however, be mistaken for the so-called "naive art"
which, in spite of originating from simple people, shows respect
towards "cultural art", attempts at ímitating it, wishes to participate
ín its world 6.
Poteiro's singular world, stemmed from his dreams, but more frequently
from the deep layers of psyche which Jung calls collective
unconcious, discloses an imaginative and creative abundance that leads
him to íncessantly search ways through which to express his own
eagerness to shape new realities, to tell his own truth, not seldomly
criticaI and caricatural, tinted by a healthy erotism, soaking himself in
the prime natural powers, not disguised so as to shore up
social formalismo
27
he sketches the preliminary outline, respecting the peculiar nature of
the raw material, trying to adapt himself to its resistance and
malleability points.
Eli Heil's fondness towards her own work as a cosmos presents further
explanations whieh must be sought in her intense relig-iosity, in her
psyche, ready, as an antenna, to piek up the long-suffering voices of
humanity, in her conception of the artistie creation as another form of
giving birth, as an actual delivery. The existence of art is an undeniable
proof of God's existence, who designates certain persons to disclose for
themselves all the wonders of the world. This mission, though, is
demanding, since the artist turns himself in to bearer of other people's
sufferings, centered in the act of creation, painful as the birth of a
child. Due to this profound association with birth, Eli Heil cannot set
herself apart from her creatures. As she herself writes in the "artistie
testament": " . . . I am the magie wand that created them, that gave
them lHe; losing them would mean losing the wand and not being able
to create anymore. . . " 13 .
28
Defining herself "a lining spool undoing itself continually" 14, the artist
doesn't stick to the use of standardized techniques, remaining irreducible
to any stylistic classification, for she knows and follows one single
rulíng: the one of constant creation, that continually flows from her
unconcious, giving life to a magic and densely expressive universe, filled
with images of everyday life, with fantastic visions, with multiple
metamorphosis, which convey ourselves to other realities, now mythical,
then phantasmagorial, in which the actual element is used to be,
soon afterwards, denied as concrete.
29
ritualistically purified stones before entering the cemetery's holy
ground 16. To the creation element there opposes itself the real drive
behind Volanhuk's construction: the announcement of the Apocalypse,
registered through a series of paintings, inspired by visions (God and
Devil) and by the reading of the Bible (the accurate description of the
seven-headed ten-horned dragon; Archangel Michael; Babylon; the
war till the final destruction of the Earth by fire). The cemetery is an
expiation act, since Volanhuk, in his anguished vision, doesn't get to the
point of foreseeing the new Jerusalem, hoping by his move, to avoid
the inevitable collapsing of humanity.
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motives. He creates adense universe of symbols and arcane signHicates -
from the dionysian myth to fantastic cities, using downright colours,
distributing the figures on screen andj or on paper so as to create
parallelism, nearly rigorous space boundaries which, however, don't
destroy the first impression of absolute freedom of composition, making
the planes advance and retreat according to their secret geometry.
A talented painter, Emygdio constructs his pictures in vibrant colours,
with violent chromatic contrasts, but balanced by harmonious passages.
His brush stroke is dense, his matter is thick. His composition takes
place almost completely in the foreground, without worrying much
about profundity, about perspective. The drawing is concise, of incisive
tracing, meanwhile form is defined by the crossing, by the coIlision of
the brush strokes, which create an impression of dynamism and vitality.
31
would it make to speak about gothic, baroque, expressionism, fauvism,
primitivism, art nouveau and so forth, if what we should search for
in these expressions is the primaI gesture, the genesis of creation,
that doesn't hesitate in dirtying its hands with clay and ink, in utilizing
the most rudimentary instruments, in inventing new techniques, for
what matters is to transmit to the world the actual message, no malter
how, through the use of any material?
What is important about these artists is that they have, despite the
market, managed to sustain a vision of their own, an exuberance
and eagerness towards creation without concerning themselves with
the spotlights of publicity.
Annateresa Fabris
National Cura to r
1 Flávio de Carvalho, "A única arte que presta é a arte anormal", Diário de São
Paulo, set. 24, 1936.
2 Flávio de Carvalho, "Recordações do Clube dos Artistas Modernos", RASM, São
Paulo, (1), 1939, s.p.
3 Jean Dubuffet, Cultura asfixiante (Lisboa, 1971), p. 105.
4 Ditto, 16.
5 Dubuffet, Prospectus et tous écrits suivants (Paris, 1967), I, p. 201, 202, 212,
210
6 Ditto, 217.
7 Interview to A. Goiânia, jul. 29, 1981.
8 Ditto.
9 Statement to A. Divinópolis, aug. 1, 1981.
10 Apud: Márcio Sampaio, "G.T.O. - Primeiras estórias", Minas Gerais (Suple-
mento Literário), VII (293), apr. 8, 1972, p. 3.
11 G.T.O. ea crítica, Centro de Artesanato Mineiro, Belo Horizonte, 1979.
12 Statement to A. Florianópolis, jul. 20, 1981.
13 Eli Heil, "Meu Testamento Artístico", Florianópolis, jul. 19, 1980.
14 "Eli Heil, A Obsessão de Criar", Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, aug. 6, 1971.
15 Apud: Adalice M. de Araújo, Mito e Magia na arte catarinense (Curitiba, 1977),
p. 15l.
16 Maria Prado's Statement to A. São Paulo, jun. 13, 1981.
17 Mário Pedrosa, Dimensões da arte (Rio de Janeiro, 1964), p. 105-15.
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LUGAR AO INCIVISMO
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ser a própria mola de toda criação e invenção - o inovador é, por essên-
cia, alguém que não se contenta com o que se contentam os outros, e
assume, portanto, uma postura de contestador.
Deixemos que os moralistas dêem sua opinião sobre o caráter meritório
ou repreensível do não-conformismo, que se preocupem com o que possa
servir ao bem público ou prejudicá-lo, pois isso, certamente, não é tarefa
nossa. Estaríamos, entretanto, inclinados a pensar que a presença de opo-
sitores aos valores recebidos é, em toda coletividade, muito salutar; mas
não é este o momento de desenvolver esse ponto de vista.
Quanto a nós, desejosos de produções que escapam às normas e abrem
novos caminhos para a arte, orientamos uma parte de nossas pesquisas
para determinados setores onde existem as melhores possibilidades de
se encontrarem indivíduos bastante recalcitrantes, em todos os campos,
às convenções sociais e bastante animados do humor de alienação neces-
sário. Isso nos levou a pesquisar as obras daqueles que, por muito tempo,
foram designados pelo termo alienados e que, tomados de um forte indi-
vidualismo e tendo levado mais longe que os outros suas conseqüências,
foram declarados inaptos à vida social e internados em asilos. Encontra-
mos alguns casos (raros, na verdade) de obras extraordinariamente in-
ventivas e, a observação faz-se necessária, mais lucidamente acabadas, das
mais metodicamente construídas e administradas que conhecemos.
Seja porque as pesquisas foram feitas por nós nesses setores mais fáceis
(os a-sociais aí se encontram em maior número do que em outros lugares
menos disfarçados), seja porque os lazeres ociosos que aí reinam, assim
como a solidão e a privação de qualquer tipo de festa, são fatores favorá-
veis à produção de arte, chegou-se, enfim, à conclusão de que uma boa
parte das obras recolhidas - mais ou menos a metade - é a daqueles
que a polícia e os psiquiatras denunciaram como anti-sociais e desprovi-
dos de cidadania.
Seria bem errôneo, entretanto, deduzir que as obras apresentadas - e,
não menos que as outras, aquelas cujos infelizes autores estão internados
em centros psiquiátricos - possam ser justificadas por um olhar que lhes
confira um caráter patológico. É exatamente contra isso que protestamos,
contra a deplorável idéia de não se levar em consideração nada daquilo que
pensam, dizem ou produzem esses indivíduos, uma vez declarados pelos
médicos diferentes do tipo tido como normal na cidade. É provável que a
questão da loucura deva ser inteiramente reconsiderada e desde o início,
e sem outro critério que não o social. Sem dúvida, a cidade, de seu próprio
ponto de vista, está constituída de modo a eliminar os perturbadores,
expulsar e desconsiderar todos os que pretendem questionar a convenção
social e se recusam a ajustar-se aos imperativos que constituem a cultura
da nação. Os funcionários do Estado estão encarregados de inculcar e
impor essa cultura a todos os membros da coletividade e de declarar doen-
tes e indignos os que se' opõem. Nosso ponto de vista, entretanto, não é
da mesma natureza, a partir do momento em que estamos justamente em
busca de produções de artes estranhas à arte cultural e fruto de modos de
pensar livres dos mimetismos nos quais se fecha - e se cega - a cultura.
Quanto ao resto, e de todo modo, a noção de uma arte patológica, que
se opõe a uma arte sã e lícita, parece-nos de todo sem fundamento; não
somente em virtude daquilo que uma definição de normalidade apresenta
34
de arbitrário e de ocioso, mas também porque as formas de afastar-se dela
são bem diferentes e só por absurdo poderiam constituir um todo: seria
como dividir a botânica em duas categorias, uma englobando a camélia,
e a outra, todos os outros vegetais. Há vários motivos para ser preso e
levado ao asilo, como, por exemplo, não pensar bastante ou pensar de-
mais, não ter imaginação ou desenvolvê-la a tal ponto que seja conside-
rada excessiva; e fazer de uma ou de outra categoria - do demasiado
ou do muito pouco - uma única categoria, não tem sentido algum.
O que se espera da arte não é, sem dúvida, que seja normal. Espera-se,
ao contrário - e isso dificilmente será refutado - , que seja o mais pos-
sível inédita e imprevista. Espera-se, também, que seja extremamente
imaginativa. Por isso, fazem rir as acusações feitas a algumas obras de
serem demasiado imprevistas ou imaginativas e sua conseqüente relega-
ção ao departamento de uma arte patológica. O melhor, o mais coerente,
. seria dizer, para terminar, que a criação de arte, não importa onde surja,
existe sempre em todos os casos patológicos. No final das contas, o ho-
mem normal, na acepção do funcionário do Estado, trabalha no escritório
ou na fábrica e, aos domingos, vai ao estádio ou assiste à TV; não lhe
passa pela cabeça fazer quadros. E muito menos, se ele se aventurar
nesse campo,' fazê-los de forma diferente à recomendada.
Nosso único desejo de encontrar obras representativas da ctlaçao cere-
bral, surgidas com toda espontaneidade e ingenuidade em sua pureza
bruta (com isso queremos dizer: imune às polarizações da cultura, aos
mimetismos da arte cultural), nos levou a conduzir nossas pesquisas -
ao menos uma parte delas - pelo lado daqueles que são, por excelência,
os campeões do não-ajustamento, os porta-estandartes do pensamento
pessoal e não-condicionado, os grandes adeptos do imaginário e os gran-
des refutadores de todo dado inculcado. Uma parte apenas, entretanto,
pois logo veremos que as obras apresentadas são, como dissemos, em igual
medida, também de autores cujo status social é irrepreensível e cujo bom
equilíbrio mental não poderia ser incriminado. Veremos também que não
h:=\ entre as produções destes e aquelas de supostos doentes nenhuma dife-
rença de equilíbrio que possa motivar uma abordagem de uns e de outros
com olhos diferentes.
Expressemos, para terminar, todo o nosso pensamento, mesmo que ele
possa parecer subversivo. Não somente nos recusamos a reverenciar ape-
nas arte cultural e a considerar menos admissíveis que as suas as obras
que aqui apresentamos, mas reputamos, ao contrário, que estas últimas,
fruto da solidão e de um puro e autêntico impulso criativo (onde não
interferem preocupações de competição, de aplauso e de promoção so-
cial), são, por esse motivo, mais preciosas que as produções dos profissio-
nais. Após uma certa familiaridade com essas florações altamente febris,
tão total e intensamente vividas por seus autores, não podemos subtrair-
nos à sensação de que a arte cultural, ao lado delas, parece, em seu con-
junto, fútil jogo de sociedade, falaciosa ostentação.
Jean Dubuffet
(Texto introdutório à exposição das coleções de Ar! Emt realizada no Musée des
Arts Décoratifs, em Paris, em 1967. Figura no Tomo I de Prospectus e! tous écrits
suivants) Ed. Gallimard, 1967.)
(Tradução de Mariarosaria Fabris)
35
A EXPERIÊNCIA DO ENGENHO DE DENTRO
A experiência mostra que a pintura poderá mesmo ser utilizada pelo pró-
prio doente em tentativas para reestruturar a ordem interna. Daí a fre-
qüência do aparecimento, na pintura de esquizofrênicos, de agrupamentos
simétricos mais ou menos rudimentares e de imagens do círculo, confi-
gurações das forças instintivas de defesa da psique, que se opõem à dis-
sociação e ao caos.
36
de raízes universais. Linguagem arcaica, mas não morta. A linguagem sim-
bólica desenvolve-se em várias claves e pautas, transforma-se e é trans-
formadora.
37
o cavalo é conhecido em psicologia como representante de impetuosos
impulsos animais existentes no homem. De fato, os impulsos instintivos
eram fortes em Octávio, e também fortes eram suas aspirações espirituais.
Mas o importante é que ele sabe por intuição que "o cavalo pode achar
o caminho quando o cavaleiro perde a cabeça" (comentário do autor).
Há momentos em que pretende sacrificar o animal, entretanto logo desco-
bre que será preferível alimentar e conversar com o cavalo. Numerosos
desenhos revelam as relações ambivalentes entre o homem e o animal.
Depois de avanços e recuos, Octávio põe asas no cavalo. O processo psí-
quico desenvolve seu dinamismo por intermédio da criação de imagens
simbólicas. "O símbolo é o mecanismo psicológico que transforma ener-
gia".2 Assim, a objetivação de imagens simbólicas no desenho e na pintura
poderá promover transposições de energia de um nível para outro nível
psíquico. O cavalo de Octávio passa à condição de bípede. Adquire asas,
simbolizando aspirações de superar forças da natureza. E empunha uma
lâmpada, símbolo da consciência que busca lançar luz sobre os movimen-
tos em curso na obscuridade do inconsciente. "Não é fácil colocar asas
no bicho", diz Octávio. Numerosos desenhos seus dão testemunho desse
labor.
38
nais de vários gêneros e de várias artes, constituem uma enorme família.
Há decerto grandes distâncias e diferenças entre eles, mas certo paren-
tesco, algo muito afim os aproxima. Se procurarmos esse denominador
comum, encontraremos que estão sempre presentes nesses indivíduos con-
tatos peculiares, em graus mais ou menos intensos, com a psique, incons-
cientes, incomuns para as pessoas bem adaptadas às normas sociais. Os
pintores ingênuos formam outra família. São movidos pela tendência a
empatizar com os objetos do mundo externo, neles encontrando prazer e
inspiração, enquanto os membros daquela outra família voltam-se para
representações interiores, por mais inquietantes que sejam.
No Brasíl, a meio caminho entre São Pedro d'Aldeia e Cabo Frio, Gabriel
dos Santos, trabalhador braçal, construiu a Casa da Flor, a partir de um
sonho que teve na infância. Lançou as bases concretas de sua casa onírica
aos 20 anos de idade e através da vida inteira trabalhou para erguê-la e
decorá-la fantasmagoricamente, usando para isso os objetos mais diversos.
Agora, aos 86 anos, ele diz: "Eu faço isso por pensamentos e sonhos.
Eu sonho pra fazer e faço" 4.
39
o sonho leva esse caboclo mineiro, analfabeto, a espaços internos profun-
dos, talvez até a divindades arcaicas ("santo desconhecido") e ao próprio
centro ordenador da psique (seI!), o qual, sendo uma totalidade, inclui
necessariamente aspectos luminosos e escuros 7.
Uma maravilhosa marginal é Eli Heil, de Santa Catarina. Eli diz: "Vomito
criações". Vivenda a imaginação efervescente como algo que pertence a
outrem, a um "monstrinho doce" habitante de seu cérebro: "A imagina-
ção dele é tão grande que faz sofrer, gritar, criar, tanto que cheguei à
conclusão que vomito criações".
Nise da Silveira
I Cl. Wiart - FoI art? Folle therapie?
Psychologie Medicale 1980, 12, 1.
2 C. G. Jung - C.W. 8, 45.
3 C. G. Jung - C.W. 4, 120.
4 A Casa da Flor, Secretaria de Educação e Cultura, Estado do Rio de Janeiro, 1978.
5 R. Cardinal - Outsider Art.
Praeger Publishers, New York, 1972.
6 Lélia Coelho Frota - Mitopoética de 9 Artistas Brasileiros, FUNARTE, 1978.
7 C. G. Jung - C.W. 9ii, 64.
8 Adalice M. Araújo - Mito e Magia na Arte Catarinense
Universidade Federal do Paraná, 1978.
4Q
A ESCOLA LIVRE DE ARTES PLÁSTICAS DO ]UQUERI
Apesar de, na mesma entrevista, Osório César denotar uma franca preo-
cupação com a preparação do paciente para a vida egressa, os últimos
termos da descrição do teste de aptidão são bem claros - o pioneiro da
pesquisa da expressão psicopatológica no Brasil acredita na existência
de um manancial criador, freqüentemente castrado ou embotado pela so-
ciedade, e que vem à tona no surto esquizofrênico, quando o artista está
liberto das amarras com o mundo exterior, reduzido agora à realidade
circunscrita do pavilhão.
Sem elos com a história, com o métier, sem nenhuma obrigação de respei-
to ou rebeldia ao patrimônio cultural existente, o doente mental passeia
41
livremente ao longo da trajetória da arte, dando vida a quatro tipos bási-
cos de expressão:
1- desenhos rudimentares, de caráter simbólico e estereotipado;
2 _.- arte simbólica e decorativa;
3- manifestações primitivistas, de rica simbologia freudiana;
4- representações acadêmicas.
42
todas com o objetivo de levar ao público uma expressão considerada mar-
ginal, de desmentir idéias preconcebidas e de afirmar a dignidade humana
do paciente.
Annateresa Fabris
1 "A arteterapia transforma loucos em exímios artistas plásticos", Correio Paulistano,
São Paulo, 11 set. 1957.
2 Osório César, "A arte dos loucos", A Gazeta, São Paulo, 5 set. 1951.
3 Osório César, "A expressão artística no alienado", Separata do Boletim de Psicolo-
gia, São Paulo (21/24), 125-37.
4 Ibid., 13l.
S Robert Volmat, L'art Psycopathologique (Paris, 1956), p. 12-3.
43
A INSPIRAÇÃO ARTÍSTICA ENTRE OS NORMAIS
E OS ALIENADOS
Shelley, por exemplo, dizia que a "poesia atuava de uma maneira divina
e desconhecida, mais além e por cima da consciência".
Assim, a inspiração poética, como aliás toda inspiração artística, tem sido
até agora atribuída a uma espécie de visão interior. Essa visão é como se
fosse um sonho acordado. Ela vem do recolhimento, da abstração do mun-
do exterior e se projeta no consciente como um mundo imaginário sem
que seja solicitado pelo artista.
Qualquer indivíduo pode passar, no seu recolhimento, por esse estado de
rêverie sem que possa tirar proveito para a criação artística. Mas o poeta,
o artista se prevalecem desse estado e dele arrancam a inspiração para
produzir, às vezes, obras eternas de arte.
O processo da criação artística pela inspiração tem pois analogia com os
sonhos e com certos atos psicológicos do subconsciente ligados ao êxtase
místico, às visões e às alucinações hipnagógicas.
44
Também nas moléstias mentais, como na psicose maníaco-depressiva (fase
de agitação maníaca), na paralisia geral (fase de excitação) e nas síndromes
esquizofrênicas paranóides, encontramos por vezes uma forma particular
e bastante curiosa de criação artística. Esse processo de criação artística
vem quase todo ele do inconscien te.
Como nos sonhos, também nas obras de arte encontram-se os dois elemen-
tos primordiais que servem de base para a orientação psicanalítica do seu
estudo: o conteúdo manifesto e o conteúdo latente.
45
Tumba de vivos onde a vida ainda se encerra,
Por só mostrar não ser o homem apenas terra;
Este poema foi escrito em 1932 num dos Pavilhões do Hospital do Ju-
queri por um doente esquizofrênico. E notável a emoção que ele apresen-
,ta. Percebemos logo o sentimento que lhe vai na alma, ao descrever o
manicômio. O seu pessimismo, a sua desilusão é tão grande que ele vê o
hospital como um "pavoroso, dantesco, albergue da Ilusão", ou então
como "um mausoléu para aqueles que só esperam pelo céu".
Osório César
46
A ARTE DOS LOUCOS
47
A ARTE É UM ANTIDESTIN0 1
Josette Balsa
1 André MALRAUX, Les voix du silence, Ed. Gallímard, Paris, 1951, p. 637.
Carta de Jean Dubuffet à Fundação Bienal de São Paulo, 06/07/1981.
3 Michel RAGON, CNAC - Magazine, Paris, julho-agosto 1981, p. 14, Paris-Paris,
1937-1957, quando a pintura realista se volatiza.
4 André MALRAUX, L'Intemporel, Ed. Gallímard, Paris, 1976, p. 338.
5 Michel THÉVOZ, L'Art Brut, Ed. Skira, Geneve, 1975, p. 211.
6 O nome MYRNINEREST, que aparece nos desenhos de Madge Gill, talvez signifi-
que mine innerest self, segundo Roger Cardinal, Outsider Art, Londres, 1972.
7 Expressão criada por André Malraux, lembrando a "vontade de poder" de Nietzche,
L'Intemporel, p. 329.
48
WOLFLI, ALOISE, MÜLLER
As convenções nos levam a crer, cada vez mais, que por definição, artista
é aquele que recebeu educação artística acadêmica. Esse não é o caso de
Wülfli (1864-1930), Alolse (1886-1964) e Müller (1865-1930), que
foram diagnosticados como esquizofrênicos e passaram muitos anos in-
ternados em hospitais psiquiátricos suíços, onde começaram a desenhar.
A complexidade, a força de imaginação e a intensidade de sua arte são
extraordinárias. Wülfli, o de maior talento entre os três, é artista, escritor
e compositor de uma tal perfeição que, a princípio, o observador não tem
a menor consciência de que ele não teve instrução alguma e de que era
bem simples o ambiente em que vivia. Nenhum dos três tinha conheci-
mentos de história da arte ou de padrões estéticos aceitáveis, além de
desconhecerem a técnica artística.
49
seus colegas, por dar o nome e exibir fotografias do paciente. A pri-
meira exposição de art brut - uma mostra coletiva - foi organizada em
1947, em Paris.
, Muitas obras da Collection de l' Art Brut foram produzidas por doentes
mentais, em muitos casos diagnosticados como esquizofrênicos. Wülfli,
Alolse e Müller receberam tratamento para esquizofrenia, e sua arte revela
algumas características encontradas na arte de outros artistas esquizofrê-
nicos. O psiquiatra Leo Navratil, autor de Schizophrenie und Kunst (A
Esquizofrenia e a Arte), relaciona quatro elementos comuns entre esqui-
zofrênicos criativos: tendência a impor formas humanas sobre objetos
inanimados; estilização; deformação, especialmente da figura humana; e
o freqüente uso de símbolos. A estilização 1 é motivada pela necessidade
de formular e consolidar uma taquigrafia visual, de condensar vários ele-
mentos em uma só imagem. Depois de estabelecido um estilo narrativo,
ele raramente se altera. Em alguns casos, essa característica coexiste com
numerosas formas ornamentais e decorativas que se repetem - uma com-
pulsão de preencher os espaços com sombras feitas de linhas entrecruza-
das, por exemplo. O uso da cor varia segundo os materiais disponíveis e o
estado mental do indivíduo. O Dr. Alfred Badee afirma que o paciente está
mais bem adaptado quanto mais violentas forem suas cores. Isso é confir-
mado pela comparação entre as primeiras e as últimas obras de Wülfli e
Alolse e, em parte, pelo trabalho de Müller, cujo tom é mais suavizado.
Mas a cor geralmente tem efeito decorativo, não objetivo formal.
50
A exposição nos convence a encarar sem preconceitos o potencial artístico
do outsidel e a questionar a natureza da criatividade, a educação artística
convencional e os motivos das tendências profissionais e comerciais da
moda nas artes visuais. Os artistas outsiders (termo usado por Roger Car-
dinal para os alienados), por exemplo, raramente buscam o reconhecimen-
to público e sua obra quase nunca é realizada com o autor pensando em
eventuais compradores. Não há motivos evidentes para que Wolfli, Alolse
e Müller começassem a desenhar já quase na velhice, e continuassem a de-
senhar até a morte. Presume-se que não se teriam dedicado à arte se não
tivessem sido internados em hospitais psiquiátricos; mas não se consegue
explicar o despertar de sua criatividade. Não há dúvida de que o ato de
desenhar desempenhava um papel terapêutico, podendo-se deduzir que
para essas três pessoas a arte representou uma forma de autoterapia, exi-
gida pela natureza de suas respectivas doenças mentais e possibilitada pelo
desaparecimento das exigências e coerções impostas pela vida normal. O
ambiente ge um hospital psiquiátrico pode ser triste e desagradável, mas
permitiu que eles dedicassem todo o tempo que quisessem à sua arte.
Bridget Brown
1 O tratamento estilizado dos olhos é comum aos três artistas: Wülfli dá a suas
figuras olhos que muitas vezes parecem máscaras; os personagens de Alolse têm
olhos ovais de cor invariável, geralmente azul, sem pupilas ou íris. Os olhos dos
personagens de Müller às vezes são desenhados a um só tempo de perfil e de
frente. .
2 Dr. Alfred Bader (psiquiatra), in Insania Pingens - Petits Maztres de la Folie,
1961.
3 Roger Cardinal, Outsider Art, Londres, 1972.
51
Artistas Incomuns
apresentados na
Exposição de Arte Incomum
da -
XVI BIENAL DE SAO PAULO
52
Adelina
Obras apresentadas:
5. SEM TÍTULO, 1960
1. SEM TÍTULO, 1951 Óleo sobre papel, 45,5 x 31,8 cm
Lápis de cera sobre cartolina, 37,5 x 56 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente
Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente
6. SEM TÍTULO, 1973
2. SEM TÍTULO, 1953 Óleo sobre papel, 35,5 x 24 cm
Óleo sobre tela, 46 x 38 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente
Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente
53
Albino
54
Alo'ise
Alolse nasceu em Lausanne, Suíça, em 1886. Era uma criança 2. IFIGÊNIA EM ÁULIS (N.o 146)
inteligente, apaixonadamente envolvida nos estudos secundários, O EFEITO DO QUADRO
em especial nas aulas de música. Não se casou, e trabalhou como 46 x 23,5 cm
professora primária em vários internatos, mudando-se para a Coleção Mme Spoerri
Alemanha em 1911, onde trabalhou como governanta. Seu último
emprego foi no Palácio de Potsdam, cuidando das filhas do 3. O PAPA CHURCHILL CONSTRUTOR (N.o 164)
capelão do Imperador Guilherme lI. Esse contato com o clero e 20,5 x 27,5 cm
a realeza fica evidente nos desenhos que realizou em seus últi- Coleção Mme Spoerri
mos anos.
4. FESTA DE EMPERLAR EM LONDRES (N.o 184)
FACE DUPLA
Obras apresentadas: 42 x 59,5 cm
Coleção Mme Spoerri
1. FESTA DAS COLHEITAS (N.o 149)
MANY KISSIS UNDER THE MISSELSTONE
20,5 x 56 cm
Coleção Mme Spoerri
Em 1913, a iminência da guerra forçou a volta de Alolse casal, um personagem ou uma parte do personagem, fosse
à Suíça, onde seu comportamento começou a apresentar dis- homem ou mulher, um objeto ou parte do objeto . Era uma
túrbios e atos ocasionais de violência. Descuidou da aparên- qualquer das heroínas - Cleópatra, Maria Stuart, Maria
cia, dizendo atender a um chamado religioso, pôs-se a es- Antonieta num balanço de jardim - , ou todas ao mesmo
crever ardentes cartas de amor ao imperador alemão, que tempo.
vira certa vez num desfile em Potsdam, e a falar de um con-
trato de casamento com um pároco que conhecera. Defendia Essa nova fluidez de seu ser, essa liberdade característica de
o pacifismo de forma tão desordenada que, em 1918, foi quem nada mais tem a perder parll; o mundo real, concedeu-
internada no Asilo de Céry, em Lausanne. Da agitação, ela lhe um papel central e onisciente no mundo imaterial de sua
saltou diretamente para a apatia, dizendo ser uma pessoa fantasia. Foi pelo desenho que ela conseguiu a realização
sem integridade, rejeitada por todos à sua volta. A medicina dessa cosmogonia pessoal. A partir de 1919, começou a exe-
concluiu que se tratava de um caso de esquizofrenia, e Alol- cutar desenhos minúsculos a tinta ou lápis, como ilustrações
se foi transferida para o Asilo de La Rosiere. de um texto escrito em letras miúdas: "Apanho papel nas
latas de lixo e faço meus rabiscos no banheiro". Aos poucos,
Ela começara a desenhar e a escrever logo após a internação o formato aumentou. Em geral, usava papéis que achava por
no hospital, mas foi só a partir de 1941 (com 55 anos de acaso, papel de embrulho amassado, às vezes rasgado e cui-
idade) que passou a dedicar-se com afinco aos desenhos. Até dadosamente costurado como colcha de retalhos.
sua morte em 1964, no hospital, Alolse dedicou-se, com
perseverança e muita energia, ao desenho e à tarefa de pas- Seu maior desenho, hoje numa coleção particular, que ela
sar roupas hospitalares, trabalho que lhe havia sido confiado. chamou (.{ cloisonné de théa tre" (tela de teatro), é arrumado
e costurado de forma meticulosa, e tem 14 metros . São cenas
o desenvolvimento da vida de Alolse como esquizofrênica e e quadros que representam as viagens de sua vida amorosa
sua descoberta de direções novas e enriquecedoras têm início delirante, culminando, depois de muito sofrimento, no amor
a partir de sua internação no hospital e morte para o mundo espiritual de Eros e Psique.
da normalidade.
A cena muitas vezes é de uma teatralidade estática, mas car-
Inicialmente, viveu expenencias que se manifestam nos es- regada de ilações representadas por pequenas figuras hiero-
critos do período. Decorridos dois anos, esses textos forma- glíficas semi-ocultas num medalhão, numa jóia ou num tecido
. vam uma cosmogonia pessoal coerente e bem elaborada. da vestimenta de um dos pro·tagonistas . Os sentimentos e os
Trancada num hospital psiquiátrico, isolada pela doença, ela impulsos são despertados por figuras insubstanciais de ta-
nitidamente sofreu uma espécie de morte psicológica, en- manho intermediário, por exemplo, querubins, cavalos etc.
trando em delírios e desespero: "Je déplore ma situation Deve-se ter em mente que Alolse adorava teatro e ópera, e
d'épave de la conflagration universelle, je ne peux décrire que na juventude desejava ser cantora. No hospital, muitas
ma misére matérielle et morale" (Deploro meu desamparo vezes era ouvida cantando ao estilo de ópera. Todas as suas
no incêndio geral deste mundo. Não posso descrever meu pinturas podem ser consideradas como imenso teatro infinito ,
sofrimento moral e material). Mas superou seu desalentO e, como a dramatização da identidade que ela escolheu e de-
após alguns meses no hospital, apareceram em seus escritos senvolveu.
os princípios de uma nova vida de dimensões cósmicas.
A partir do conceito católico da Santíssima Trindade (a uni-
dade na pluralidade) estabeleceu a inventiva idéia de uma Jacqueline Porret-Forel
trindade alternativa consubstanciaI. Sua personalidade, am-
pliada pela esquizofrenia, pôde assim adquirir uma nova uni- (De Another World: Wolfli) Alotse) Müller) Glasgow, 1978.)
dade e uma certa morte. Podia prescindir da antiga Alolse,
não a aceitando mais. Era simultânea ou alternativamente a
Criação inteira, tudo o que pintasse ou dramatizasse - um (Tradução de Aldo Bocchini Neto)
55
SPHINX, MARIE STUART
SCHWARZ
56
Nasceu em Santa Cristina da Pose (Portugal), em 1925. Obras apresentadas:
Filho de ceramista, desde criança teve contato com a "arte do
barro". Foi ferreiro, garçom, cozinheiro, cisterneiro, de 1. O PRESÉPIO NA 1974
"meia-colher" e "guarda-noite" até conseguir dedicar-se exclusi- Óleo sobre duratex, 70 x 91 em
vamente à cerâmica e, mais recentemente, à pintura.
Vive em Goiânia. 2. SÃO FRANCISCO DE 1975
Óleo sobre aglomerado, 91 x 91 em
3. O TATU E O 1976
L1tOQ1~atla, 40 x 55,5 em
1978
1981
x 106 x 73,8 em
x em
As idéias vêm à noite e, às vezes, na hora em que estou fa- A visão do é que eu não aCl~edlto
zendo a peça. Às vezes, começo a fazer uma peça e acabo em história. Eu sempre a história. Você
fazendo outra. A idéia do quadro Adão e Eva no Brasil ficou um livro e, no fim, não dá uma explicação exata:
muitos anos em mim. Agora tenho um quadro na cabeça meio do caminho. A história Cristo começa aos 33 anos
6 anos, mas não tenho tempo para fazer: Deus fazendo a e os outros anos o que ele foi? Então a história nunca é exa-
pomba, o homem branco; o capeta fazendo o urubu, o ho- ta que nem esta palhaçada que a mulher foi feita da costela
mem preto e no fim o homem destrói tudo. Tenho outro do homem. Não tem cabimento. Eles falam
quadro: Hitler nascido em Uberlândia Minas Gerais. Uber-
J
que veio Moisés. Mas que época que veio
lândia é uma cidadinha que tudo que é melhor no mundo que veio Moisés? É uma confusão que eles
existe lá. É um povo orgulhoso, muito cheio de si e racista. conta algum detalhe, mas o íntimo, a coisa profunda U-U.1;o;'-''-"11
Morei lá 6 anos. É uma terra que tem clube dos brancos e sabe. Nem a própria Bíblia está na profundeza da coisa.
dos negros, praça dos brancos e dos negros. Quero pôr Hi-
tler como filho de uma lavadeira mulata. Quero frustrar teve tanta de:sco1bert que acho que essas
todo mundo: porque diz que Hitler nasceu na Áustria, mas
no meu quadro vai nascer em A crítica está no
Hitler e analisando Uberlândia porque não existe o racismo:
nós somos tudo do mesmo sangue.
Quando ponho o diabo criando o homem negro,
racismo: quero dizer que o diabo teve o mesmo
Deus. Tudo o que Deus fez, o diabo fez, o
mas ao contrário. É um problema Eu, por \-A'_1.LlIU1V fica
gosto mais de fazer a bunda do que a frente porque a
tem mais volume.
Fiquei conhecendo dois pintores em Siron e Cleber. Co- povo puro, sem malí-
mecei a freqüentar o ateliê deles: nessa sem contato com esse nosso. Eu sou ...,1-,'-",,+-"'"
como pintava quadros. uma escultura mas j á morei em São tenho uma vivência
u'-.L.1.allU.l.<t,
,8
6. A TRANSFORMAÇÃO DO HOMEM, 1980
Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecato
59
Não foram encontrados dados.
Obras
x46cm
lV.UUét.lua Lamlna,da, São Paulo
Roberto Cecato
Aurora
Nasceu em 1902.
Obras apresentadas:
1. MAGIA
cm
61
I gnacio Carles-T olrá
1. BICHINHO, 1964
3. BICHINHO, 1967
1. HOMENAGEM A "NOBODY" , 1975
4. BICHINHO, 1967
2. EM DIREÇÃO DE TORTILLA FLAT) 1976
5. BICHINHO, 1967
3. MINHA LOIRA ERA UMA MORENA, 1976
6. PÁSSARO DE BICO GRANDE, 1970
4. ASSIM É, 1981
7.MY ENGLISH TEACHER, 1974
5. ELA TINHA RAZÃO, 1981
8. MY ENGLISH TEACHER, 1974
6. POIS SIM!, 1981
9. MY ENGLISH TEACHER, 1974
7. CHEGA DE SOFRIMENTO INúTIL, 1981
10. MY ENGLISH TEACHER, 1974
8. A TERRíVEL DOENÇA, 1981
11. MY ENGLISH TEACHER, 1974
9. DE TODAS AS CORES, 1981
12. DRÁCULA ACARICIANDO UM BICHO, Série "AS
CALÇADAS", 1975 10. NADA ENGRAÇADO, 1981
62
63
Nasceu no Rio de Janeiro, em 1910. 6. SEM 1974
Faleceu no Rio de Janeiro, em 1977. óleo sobre 67 x 77 cm
Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente
3. SEM 1949 cm
Óleo sobre 60 x 73 cm JLHl.aÕ'_H" do Inconsciente
do Museu de .LU'."'F,'_U.> do Inconsciente
4. VÊNUS DAS
cm
óleo sobre .U.ua>Ó'_H" do Inconsciente
do
Poesias
65
Emygdio
Obras apresentadas:
4. SEM TíTULO, 1967
1. CARNAVAL, 1948 Óleo sobre papel, 33,2 x 48 cm
Óleo sobre tela, 100 x 96 cm Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente
Coleção do Museu de Imagens do Inconsciente
66
Facteur Cheval (Ferdinand Cheval)
Clovis e Claude Prévost Chega-se ao topo por uma escada em caracol. Eu trabalhei
mais 7 anos para acabá-lo, trabalhando noite e dia.
Entre aspas: citações do Facteur Joseph Ferdinand Cheval
Carregando minhas pedras nas costas, às vezes por 15 quilô-
(Tradução de Mariarosaria Fabris) metros, na maioria das vezes à noite.
67
Fachada noroeste do Palácio Ideal
Mariarosaria Fabris)
Parid
71
Fernando
Antes havia a pedra lapidada: no meio dela está a estrela, Em cima da estrela se desenham círculos e em cima dos cír-
mas quem lapida a pedra tira todas as estrelas. culos, borboletas ou margaridas.
72
Madge Gil!
Os trabalhos de Madge Gill não têm título. São identificáveis 6. 17738, 1954
pelos números que há no verso de todos eles. Dois são longas Tinta colorida sobre tábua, 63,5 x 50,8 em
peças de morim pendentes, presas a uma fina peça de madeira. Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gállery (Eric Estorick)
Não precisam de moldura, pois simplesmente ficam dependu-
rados. 7. 17720, 1951
Tinta preta sobre tábua, 63,5 x 50,8 em
Coleção Sevenarts Ltd, Grosvenor Gallery (Eric Estorick)
Obras apresentadas:
73
G.T.O. (Geraldo Telles de Oliveira)
74
5. RODA DA VIDA, 1970 (pormenor)
75
] ohann Hauser
3. LEÃO OU 1969
sobre 30 x 40 em
1971
e 30 x 40 em
6. 1966
O autor, em 1980 vermelha,
Foto: Heinz Bütler
76
1. MULHER, 1969
77
Eli Heil
Testamento Artístico de obras de artes, que pretendo retribuir, cada mês pagarei
com obras de artes (não o acervo) a quantidade do aluguel,
Muitos sofrimentos existem lá fora, às vezes me sinto pe- doando obras. Em seguida comprando a casa para instalar o
quenina, mas também não tenho culpa, que a minha sensi- meu museu insolúvel, então darei os dez painéis para serem
bilidade é tão grande, que todos os órgãos do meu corpo se coolcados nos órgãos públicos. Ficarei com dois para o acer-
transformam, num simples fio de tecido de aranha, que ao vo, mas farei o resto que complete os dez painéis, assim que
tocá-lo se desmancha com facilidade. eu tenha lugar para fazê-los. Quando eu morrer o Museu fi-
Como sofri para fazer este mundo! como guardei com cari- cará naquele lugar insolúvel para sempre ou em outro lugar)
nho para não haver separação entre eu e ele! só vendia por mas que seja insolúvel num lugar só.
necessidade. Fui tentada muitas vezes para vender. Qual na- Deus escolheu este fiapo de pessoa no morro de Santa Ca-
da, no fundo estava escrito, reservado para o amor; aquele tarina, foi, porque ele quer, que eu fique aqui e cumprir o
amor que não se deixa levar, por meras palavras como: você meu desejo.
não vende porque é egoísta, você poderia ser a mulher mais De geração em geração não precisam lembrar de mim e sim
rica se quisesse, eu compro tudo, eu troco minha mansão de minhas obras de arte e amá-las intensamente como eu
por isso tudo. Acontecesse isso tudo, queiram entender ou amei e amo.
não; era a morte, porque eu sou a varinha mágica que os
criou, deu vida; perdê-los era a mesma coisa que perder a (Trechos do Testamento Artístico) redigido a 19 de julho
varinha e não criar mais. de 1980.)
Tenho loucura pelas coisas sublimes da vida, mas também
sou tão certa, que a loucura corre atrás do certo e não pega Avião
nunca. Por isso, tudo que vou escrever deve ser de acordo
e cumprido à risca com o meu desejo. Eu queria ser um avião,
Peço que me salve junto com as obras de artes alugando uma Ou uma visão secreta,
casa para mim. Para apanhar no ar,
Senhores o preço não tem importância, diante da imensidão O fantasma, que me cerca.
78
5. PÁSSARO VOMITANDO, 1976
79
o fantasma é um anjo; Respondam? para, que eu possa me conformar mais.
Brilha como brilha um avião; Acho mesmo, que estou lamentando pelos outros,
Os dois vivem no ar, Porque este mundo, está todo enfeitado,
E eu? sustentando um mundo no chão. De laços vermelhos, amarelos e amarronzados
Sangue, pus, corações amargurados,
O avião me ajudaria a carregar! E eu tenho, tanto fôlego para soprar,
O fantasma, lindo das criações; Sangue para dar, Pus para limpar e coração para amar.
Que, são as entranhas das nuvens
Recompondo nas minhas orações
Mancha vivente
Avião! Avião! ...
Leva e traz aquela esperança! Eu sou mancha vivente
Quero, colocar o meu mundo na balança Viva na mente
Para saber, que preço alcança O corpo não sente
Mas sei que sou gente.
O preço do amor?
O preço da loucura? Solta no ar
Ou preço da alma pura?! Alma para amar
Que, no mundo de hoje, censura. Olhos para chorar
Boca para gritar
Gente! Gente! Gente!
o grito por socorro Só tenho colorido na mente
Mancha na minha frente
Espalha o teu grito, até a sombra do passado; Eu sou mancha vivente.
Deixa, renascer, renascer, Ora sou gente,
Só assim, poderás sobreviver. Ora sou toda uma vida
O teu grito será tão profundo, Uma depressão de repente
Que até no fim do mundo, Viro mancha colorida
És capaz de vencer. Posso estar numa parede limpa
Tudo renasce sofre; Posso estar até numa parede suja
Por isso estás sofrendo; Esquecendo o mau trato da vida
A forma do teu útero, Para que da vida não fuja.
É a mesma forma do teu coração. Que bom ser mancha vivente
Pelo menos por enquanto
Criar eu quero; minha mente
A cria me dá vida; esquece por um minuto o que sente.
Eu se não crio, O desabrigo de tudo que está em minha frente.
Viro mancha deprimida.
(Boi de mamão) Florianópolis, (2), jul. 1980)
80
Isaac
81
Jaime
Jaime Fernandes nasceu em 1900, na freguesia do Barco, Covi- 21. SEM TÍTULO, s.d.
lhã, em Portugal. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em
Era trabalhador rural. Aos 38 anos, foi internado no Hospital
Miguel Bombarda. 22. SEM TÍTULO, s.d.
Aí faleceu, em 27.03.1968, após 31 anos de internamento. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em
Jaime começou a desenhar já depois dos 60 anos. Grande parte
da sua obra perdeu-se. 23. SEM TÍTULO, s.d.
Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em
82
45. SEM TíTULO, s.d. 49. SEM TíTULO, s.d.
Lápis sobre papel, 19 x 42 em Mercuriocromo sobre papel, 15 x 10,5 em
46, SEM TíTULO, s.d.
Lápis sobre papel, 25 x 32 em 50. SEM TíTULO, s.d.
47. SEM TíTULO, s.d. Esferográfica sobre papel, 25 x 32 em
Esferográfica sobre papel, 32 x 19 em
Os desenhos de Jaime
Todos temos os nossos terrores, todos temos os nossos fan- forma, pelo seu ritmo, pela organização da cor, a eXlgencia
tasmas. Se fôssemos capazes de lhes dar forma, de lhes dar de como se situar e relacionar naquele espaço imaginário.
um corpo quando nos encontramos sitiados pela angústia,
talvez eles se figurassem com aquelas presas poderosas agar- Uma terapêutica sensível proporciona-lhe, avançado já na
radas à terra, aqueles bicos encurvados lá no alto sobre nós, trágica noite, os instrumentos: o lápis de cor, a esferográfi-
aqueles olhos frios e fixos saindo do fundo da noite, como ca, o papel. O mesmo que se oferece a uma criança para que
acontece ver-se nalguns desenhos de Jaime. Nós, os do lado ela, em alegria e jogo, imagine o que conhece. A obra de
de cá da razão, possuímos disciplinas e somos ensinados a Jaime, o que vai ficar de Jaime, inicia-se assim na revelação
usá-las como armas para esconjurar os fantasmas moldados do primeiro risco idêntico àquele com que se maravilha uma
na alucinação e nos medos. Jaime não tinha. Foi despojado criança ao traçá-lo pela sua mão. Só que nada saberemos,
delas e, como um guerreiro sozinho no campo de morte, de- quanto a Jaime, se a alegria verdadeiramente o tocou. En-
sarmado e nu, travou com eles o seu desesperado combate trevemos, porém, a gravidade aceite por ele no jogo que lhe
de trevas. foi proposto. O acaso terapêutico vai tornar-se um veículo
de criação, o despertador de concreto, uma interposição en-
.:p3:ra mim, e para entender os desenhos de Jaime, é preciso tre o submergir abúlico da vontade e o reapareéimento do
compreender primeiro que muito do que lhe pertence nos ser. Porém, o despertar desse concreto será, cada vez mais,
pertence. Ele habita esse outro lado negro do espelho, esse a penetração do mundo obscuro das imagens tutelares do seu
outro lado que nunca olhamos, que queremos ignorar ser desvairio, a evidência cada vez maior de uma mitologia ob-
também uma face refletora e iluminada por outra luz que, sessiva. E também cada vez mais o desenho se fará como
cruamente, projeta a nossa imagem solitária e instável. É desenho, se inventa, se aprofunda, se constrói por si mesmo.
assim que Jaime é um nosso irmão e lembro-me que já al-
guém, antes de mim, o chamou por esse nome. Sem o ser por Não há nisto nenhuma contradição. O desenho de Jaime não
falsas culpas que tenhamos, por reverência moral, por temer é uma referência mecânica, não é teste de um estado mental,
o drama ou o outro lado do espelho. apenas. É sobretudo uma posse de realidade, uma explosão
estruturada e, angustiosa e furtiva embora, é a realidade em
É assim porque é puro. É .assim, porque o seu combate com Jaime. Desenhando, Jaime possui; ao criar formas, identifi-
o demoníaco é uma inconsciente busca da verdade, um tra- ca. A relação (ou choque) entre o submundo concentracio-
balho tremendo de humanizar as forças que o arrastam para nário e o mundo exterior, aberto, mas só existindo na des-
o não-existir, que o amarram, hora a hora, por fora do tempo continuidade da memória, é o cerne, parece-me, da obra de
à sua própria ausência. Jaime desenha o rosto, a figura dos Jaime, o que o faz corporizar aparições tanto quanto dese-
monstros tutelares que envolvem, vigiam e dominam em to- nhar, transfigurando-os, seres que numa ternura hibernada
dos os instantes a sua vida centrípeta. Fazê-lo terá sido o afagam, assim recuperados, os destroços que acostam da ou-
mergulho por dentro do terror ou o esforço para conhecer- tra vida que nele constitui o passado em permanente desfile
lhe a cara num ato irreprimível, doloroso e exaustivo em desfocado, confuso e inagarrável.
que o temer e o conhecer têm a mesma equivalência? A vida
interior de Jaime, invisível na sombra que o adormece, iso- O que terá sido a tensão deste homem frente ao assalto dos
lado do mundo dos homens na asfixia hospitalar tem, em si, seus fantasmas e o esforço de ericontrar em si próprio forças
um secreto intransponível. Nenhum código de serviço dispõe para se apossar deles pela imagem, o esforço de trazê-los pa-
de poder sobre este secreto para ir mais longe do que aflo- ra o espaço imaginário por ele próprio criado, de inscrevê-los
rá-lo. Há nele mistério e há nele também dignidade. Uma e no seu próprio espaço concreto, afinal? Alguma coisa de
outra coisa dão-lhe aquele distanciamento próprio ao que magnífico, alguma coisa de grande. Diria que os seus dese-
existe como que só por si, por si mesmo sustentado, vivendo nhos, que o delírio espreita, submetem, mais do que são
outro horizonte do ser, suspenso, ambíguo e indefinível. submetidos. A trama laboriosa, paciente, do prodigioso ar-
tífice do lápis, prende os demônios na própria teia onde eles
Talvez por tudo isso, nos desenhos de Jaime, à dispersão se tecem. No jogo de os prender, de os significar dentro de
labiríntica e errante dos sentidos na sua simbólica imediata um espaço elaborado, muito do seu terrífico deixa de o ser.
da libido, se oponha uma concentração conduzida, ordenada, Jogo de vida ou de morte no silêncio trágico, absoluto e
verdadeiramente uma construção. Um espaço imaginário sim, irreversível. Por isso estes desenhos nos comovem tão pro-
mas em que cada elemento, além do premente pretexto sim- fundamente. Nada neles é aleatório ou ocupação inconse-
bólico do seu aparecimento, tem, sobretudo, pela decisão da qüente. Cada figura é uma identificação, uma formulação
83
luminosa, uma estrela destacada no caos que amordaça a sua aves queridas do seu passado rústico, os homens poderosos
mente. que dominam o seu cercado mundo terreno, o corpo centáu-
rico onde se geram e os cavaleiros. No silêncio,
Jaime tem a percepção, parece-me, do obstáculo, qualquer 1"""<'''''''1'' num lento de lm~nrlmlQe
coisa de imponderável, mas presente, que se opõe à conclu- .LU'>,--,,,,,,_,,,,,, a enorme sabedoria unidade de to-
são do desejo. Talvez uma oculta noção de liberdade irrea- modo ele é o e por esse modo
lizável. Há desenhos seus em que isso se pressente ainda
que, aparentemente, o que parecem dizer a aproximação
à linguagem do real comum. Num deles, que figura uma ca- Do mais secreto seu secreto, a escrita de Jaime é a veri-
bra, esta flete a cabeça preparando a marrada, mas um traço ficação do Discurso automático que
vertical forte como que paralisa o movimento; noutro, o vÍsualizando a oralidade num discurso
mesmo traço forte pode ler-se também como o limite do es- de forma e extremamente ordenado
paço físico das evoluções dos peixes que enchem completa- destino semântico se
mente a folha de papel. São dois desenhos extraordinários pel~slstefJlCla tonal e car)1'1c:ho
pelo que têm como intensidade de observação e de invenção
gráfica e como esta para além da recuada obser-
vação mnemônica do a um latente conteúdo simbólico.
Foto: José Augusto Varella/José Roberto Cecatu Foto: José Augusto VarellaIJosé Roberto Cecatu
85
Heinrich Anton Müller
"Nascido em Boltigen, perto de Berna, Heinrich Anton Müller 3. BELO OSSO E SEU FILHO, 1917-1924
viveu no Cantão de Vaud, onde trabalhava como podador de vi- Nanquim, lápis de cor e lápis sobre cartão, 80 x 72 cm
nhas. Pouco se sabe de sua família e infância, mas acredita-se
que aprendeu sozinho a ler e escrever. Por volta de 1903, inven- 4. COMPOSIÇÃO COM GALHADA DE VEADO, 1917-1 924
tou um aparelho extremamente engenhoso para podar vinhas, Giz, lápis de cor e lápis sobre cartão, 81 x 55,5 cm
mas infelizmente roubaram-lhe a idéia e a exploraram comercial-
mente. A frustração resultante provavelmente contribuiu para o 5. SENHORITA MARIANA. PAPAI PAPA-DEFUNTO,
colapso de sua personalidade, do qual foi tratado desde 1906 1917-1924
até a morte, no hospital psiquiátrico de Münsingen, no Cantão Guache e giz sobre lápis em cartão recosturado, 78 x 59 cm
de Berna. Segundo os psiquiatras de Münsingen, Müller tinha
delírios de grandeza e complexo de perseguição, assinando-se 6. CABEÇA DE HOMEM, 1917-1924
"Deus" ou "1'Éternel" e referindo-se à esposa como "la vierge Guache, giz e lápis, 79 ,5 x 44,5 cm
Divine". No hospital, seu comportamento tornou-se mais contro-
lado. A partir de 1912, dedicou-se a desenhos e invenções, espe- 7. UM BARRY, 1917-1924
cialmente às relativas ao moto-contínuo. Construía aparelhos Lápis e giz sobre cartão com borda costurada, 83 x 44 ,5 cm
enormes, cuja única função visível era multiplicar e expandir o
movimento, produzindo energia sem utilização alguma. E cavou 8. NOSSO PADEIRO, 1917-1924
um buraco no jardim, dentro do qual costumava ficar sentado Giz e lápis sobre cartão, 78 ,5 x 43 ,5 cm
por mui tas horas." 1
9. HERMINE, 1917-1924
Obras apresentadas: Guache, giz e lápis, 79 ,5 x 44 ,5 cm
1. FIGURA COM CABRA E RÃ, 1917-1924 10. MEU PORCO SE CHAMA RAFI , 1917-1924
Giz preto e giz branco sobre lápis em cartão, 80 x 55 ,5 cm Giz, pena e nanquim sobre lápis em cartão, 81,5 x 133 cm
"Müller desenhou esporadicamente entre 1917 e 1927. A nos desenhos e nos impressionantes (e laboriosos) manuscri-
princípio, trabalhou com papel de embrulho, que às vezes tos de Heinrich Anton, nem um só traço escapou à atenção
costurava para obter uma folha maior. De um modo geral, ou foi feito ao acaso. Tudo indica que ele se esforçou, com
só usava lápis grosso de carpinteiro, preto ou azul, e dava muita lucidez, por produzir objetos excepcionalmente estra-
os realces com pastel branco. Em alguns casos, molhava seus nhos. Buscou o estranho acima de tudo. Era uma obsessão;
desenhos, dando-lhes um aspecto de afresco. era sua maior alegria. Talvez a característica fundamental da
"alienação" seja esse desejo de realizar o perversamente in-
Seu método de representar as figuras é desconcertante. Ele comum, juntamente com a intoxicação gerada pelo avanço
associa elementos altamente realísticos a certas abstrações contínuo em direção ao definitivo. E se for o caso de se falar
audazes, mudando continuamente a escala e alterando ines- em doença, com relação a Müller, deve-se dizer que seu mal
peradamente o ponto de vista . é a um só tempo sintoma e medicamento. Por nada ele ma-
nifestava tanto amor quanto por sua loucura . Era sua razão
Parece que ele deseja retratar o personagem de uma efígie de viver, e nada o deleitava mais do que projetá-la em folhas
ou de um amuleto, tal como é entendido e usado em práticas vivas de papel, que depois pregava na parede e contemplava.
mágicas, deformar suas figuras, brincar com semelhanças, Nada o satisfazia mais do que compor (com grande habili-
aproximar-se do modelo e de repente afastar-se dele, como dade e extremo carinho) as imagens que lhe confirmassem a
que para testar o poder da imagem. Ele usa maliciosamente direção a seguir e garantissem seu avanço . Diante de um ho-
nossos reflexos de leitura para nos conduzir inconscientes a mem que vive com tanta satisfação, acaso poderíamos falar
aberrações . Há uma certa ambigüidade que questiona os prin- em doença que precisa ser curada? Que remédio lhe propor-
cípios da representação, a começar da suposta realidade do cionaria uma realização tão perfeita quanto ao que ele des- ~
objeto." 2 cobriu sozinho, cultivando com amor sua própria estranheza
- um remédio que, ao invés de se transformar em obstá-
Alguns desenhos de Müller têm textos no verso, e um exem- culo, transporta todo o seu ser para a mesma dimensão?" 3
plo notável é République La Libre: "( . .. . ). Extraordinário
nesse texto - fato que sem dúvida origina sua excepcional Michel Thévoz
força racional - é que ele não flui simplesmente da pena
de um homem que não dominava seus pensamentos : é redi- 1 L'Art Brut, Fascículo 1 (publicado pela Compagnie de l'Art
gido de forma intencional, com muito controle e apuro. Isto Brut, Paris, 1964)
se revela com a descoberta de um pedaço de papel de em- 2 Michel Thévoz, Art Brut, Editions Skira
brulho rasgado, com um fragmento de texto corrigido, onde 3 Jean Dubuffet, L'Art Brut, Fascículo 1 (publicado pela Com-
várias palavras foram riscadas e substituídas por outras, tu- pagnie de l'Art Brut, Paris, 1964)
do com a caligrafia de Heinrich Anton. Nota-se claramente
que as correções visavam a substituição das palavras origi-
nais por outras mais inesperadas e desconcertantes . Trata-se TEXTOS DE HEINRICH ANTON MÜLLER
de um exemplo extraordinário de como era consciente a ela-
boração desses textos curtos, e de como o autor tinha plena Com exceção de République La Libre, transcrito por Jean
consciência de sua singularidade. Parece-nos evidente que , Dubuffet , os textos de Müller eram desconhecidos até re-
86
centemente. Um levantamento rápido - e certamente in- « Ah V iens ma Belle . .. »
completo - revelou a existência de outros textos no verso
de seus desenhos da Coleção Prinzhorn de Heidelberg, e da Ah vem minha bela para meus braços e beija-me, e iremos
Clínica Psiquiátrica da Universidade de Berna. e vem minha beleza andaluza, vem e me deixa desposar-te
e sejas a minha bela a bela adormecida
e vem minha bela vem para meus braços e beija-me
Os textos de Müller dividem-se em dois grupos: por um la- Ah sej as a bela. . . que eu busco com um sorriso fingido
do, textos completos de redação cuidadosa, como Républíque e vem para meus braços vem e beija-me
La Libre; por outro lado, fragmentos, visivelmente rascu- Ah minha bela sejas o encanto e a beleza que eu amo
nhos e projetos, como Ah viens ma belle . .. Ah vem para meus braços minha bela vem e beija-me.
Esses textos foram reproduzidos neste catálogo como exem- E sej as minha beleza e minha grandeza com um sorriso
[fingido
plos. A versão original, em francês, contém vários erros de
o encanto de tua beleza e espalha sobre mim nossa vida de
ortografia. A pontuação de Müller foi mantida.
[sofrimento e esperança.
Vem minha bela para meus braços' e beija-me
Vem minha bela para meus braços e beija-me.
République La Libre
Ah vem minha bela em teu sorriso e tua beleza o certo
A república Livre, Parcialmente Despedaçada ou o Passo em [sonho secreto
Falso do Sonâmbulo Adormecido. É um choque absoluto de tua afeição e harmonia será reunido num emblema de
incompreensível e sem relação com nós mesmos, é um se- [ triunfo.
gredo, raça contemplativa às vezes eles têm várias idéias A beleza me disse que eras de Zorigny e que tinhas um
barrocas lêem a sorte também parecem magos são altos e [ sorriso
magros como os ingleses altos e magros têm idéias imagino- como o de uma Fada. Que alguém poderia tornar-se ...
sas. Nem todos são loucos mas dificilmente precisariam ser
de qualquer forma é um erro. Ti-ti-ti-tru-Iá-Iá. A beleza era estranha e quando veio a noite
ela lançou uma sombra misteriosa sobre a relva.
Oh!! Oh!!! Oh Que erro, entre em minha alegria, (Fragmentos extraídos do verso de Figura com cabra e rã.)
Oh!!! Oh Bela República Livre Parcialmente Despedaçada (De Another W orld: W olfli) Alo'ise) Müller) Glasgow, 1978.)
Oh!!! Oh Bela República Livre O Passo em Falso do So-
nâmbulo Adormecido sejam meus amores. (Tradução de Aldo Bocchini Neto)
87
Octávio Ignácio
88
Nasceu em Chipre, em numa família 12
dos quais era o penúltimo. para Londres em onde tra·· x 20,5 em
balhou e aprendeu os ofícios de alfaiate e cozinheiro . .LJ<.'.L<C<J. .Ll'--
32 x 24 cm
de do Inconsciente
-'-llla",\~ll'" do Inconsciente
meu tempo.
Varella e Ro-
A Casa da Flor
É só. mesmo por Deus que pode uma pessoa sem nada) sem
estudo, fazer uma coisa dessas na roça. se encontra
to, romper a curvatura do morro. Seu
A escada de pedra é com pensamento. nesses termos sabe decerto o quanto custou seu
e de nos transporta a seu estilo incomum
Eu sonho pra fazer uma flor caco de ",".u.al.a, eu vou construtor sem recursos. Como uma de
zendo. como um quebra-cabeças, como um mosaico reciclado
suas mãos pacientes, a casa "todazinha armadinha" foi
Eu só. Carregava madeira, carregava carregava feita cacos de coisas ele mesmo apa-
carregava areia. nhou no recebeu de presente. de pratos, azu-
cobocós ou cerâmicas o homem
Eu faço isso por pensamentos e sonhos. Eu sonho pra com
e faço.
o uma casinha de
anões. três
o sol bem firme no céu puro, recebem
luz, seja por duas portas de
eventuais entre as grandes telhas escuras.
curtido pelo o telhado na
de barro, é feito movimentos e ondas como o
corpo um bicho. Desce tão em vários pontos,
a cabeça de um homem normal o
penumbra que no di-
zer de seu - os olhos se e
esmerou em infinitos detalhes ou ainda às
91
Gabriel dos Santos na sala da Casa da Flor, 1981
Foto: José Roberto Cecato
Nicho externo
Foto: José Augusto Varella
92
Parede do quarto de Gabriel Nome da Casa da Flor inscrito na fachada
Foto : José Augusto Varella Foto: José Roberto Cecato
. que executou com "tintazinhas" antes de dar por concluídas de preferência às próprias mãos calejadas. O caráter gestual
as "paredezinhas" da casa. desabrido percorre assim toda a obra desse pedreiro-escultor.
Em seus volumes modelados com verdadeiros afagos é pos-
"Eu sonho para fazer uma flor de caco de garrafa, eu vou sível notar então as pulsações de uma vida; a casa tem um
fazendo. Se tiver o material, no outro dia eu vou fazer. E corpo - parece ter um corpo lambido pelo sol das salinas,
se eu tiver ele assim, se eu sonhar que está uma coisa bo- parece contorcer-se e vibrar e sorrir com extremo langor de-
nita, que está um ramo de flor, tendo o material no outro pois de absorver a energia do velho que a tirou simplesmente
dia eu vou fazer tal e qual eu conforme sonhei". do seu amor pela massa. À força da riqueza, que erigiu as
cidades, contrapõe-se na dialética de Gabriel a força bruta
A história da casa também começa com um sonho que Ga- do nada. E ao caráter gestual/sensual, como é freqüente,
briel ainda se lembra de ter tido em criança - mas por contrapõe-se a imersão no espaço infindo da alma que o leva
enquanto apenas desejando fazê-la - e chega a um primeiro a conceder ao incógnito a própria emanação de seus dons:
estágio concreto em 1912, quando, com 20 anos, ele lançou "É só mesmo por Deus que pode uma pessoa sem nada, sem
suas bases. "Eu só. Carregava madeira, carregava pedra, car- estudo , fazer uma coisa dessas na roça" .
regava barro, carregava areia". Desde 1899, data lembrada
com destaque numa das muitas inscrições que estão gravadas
na massa, o terreno já pertencia a seus pais, cuja velha casa Trechos de A CASA DA FLOR
ainda se ergue ao lado da que Gabriel construiu. A obra so-
freu porém uma interrupção de alguns anos, quando a luta
pela sobrevivência o engolfou, e só em 1923 o obstinado Texto final: Leonardo Fróes
artesão a deu por pronta. O enriquecimento paciente da de- Pesquisa: Mariliah de Castro Oliveira
coração pelos sonhos se arrasta depois disso pelos anos afora Fotos: Lena Trindade, Amélia Zaluar e Regina Fróes
e até as décadas recentes há o registro escrupuloso das datas Produção e Arte Final: Waldemar Soares
a indicar a execução de alguns pormenores . Direção de Arte : Eurico Abreu
93
Escadaria de acesso à casa
Foto: José Roberto Cecato
94
Nicho externo na parede lateral
Foto: José Roberto Cecato
95
Hans Scharer
Tudo, nas "madonas" de Scharer, contribui a designá-las co- mesmo tema, ou temas aproximados, são tão-somente o re-
mo objeto de culto; certamente, o tema mítico do ídolo verso narrativo, burlesco, eventualmente pornográfico; pro-
maléfico, da feminilidade aspiradora e devorante, mas, igual- fano, poder-se7ia dizer.
mente, o primitivismo das figuras, cuja carga simbólica con-
centra-se em determinados pontos, tais como os olhos, a E, ademais, há o local em que percebemos essas imagens, e
boca, o sexo. A imagem é frontal, simétrica e retira uma mormente a maneira de percebê-las. Com efeito, não sabe-
parcela de seu poder de sua substância material e colorida. ríamos descarregar facilmente nosso modo estético de apreen-
Longínqua, porém, subtrai aos olhares, como uma máscara der a obra de arte, nem esquecer que substituímos sua an-
ou até mesmo um relicário, sua verdadeira natureza, pois tiga utilidade ritual por seu valor representativo, expressivo,
sua presença importa muito mais do que o fato de ser olha- e, a seguir, econômico . Scharer brinca com esse desvio, com
da. Aliás, o modo do pintor trabalhar suas "madonas" de- essa distorção entre a finalidade fingida de suas madonas e
pende, ele próprio, do ritual: extremamente lento, repetiti- seus efeitos previsíveis ou reais, e o faz conscientemente,
vo, entrega-se como dissimulação, superposições sucessivas parece, para não dizer por ironia ou até mesmo zombaria.
com o objetivo de captar o poder da imagem, ao mesmo tem- Decididamente, essas madonas não têm poder; têm, por ou-
po em que o conjura. Scharer, dizem, chegou ao ponto de tro lado, o mérito de devolver-nos a imagem certamente
enterrar ou imergir algumas de suas "madonas", tão insu- suntuosa, mas inquietante e clara, do culto secularizado, per-
portáveis estas tinham se tornado para ele. vertido, alienante, de que são, no nosso entender, o objeto .
Nessas circunstâncias, o ídolo malfeitor é a própria imagem!
Diante de tais imagens, a nostalgia dos ídolos deveria des-
pertar em nós. Nada deveria impedir-nos de ter medo, de Scharer, de ascendência huguenote, é de uma certa forma
ceder a seus malefícios, ou de experimentar suas virtudes iconoclasta. Aliás, suas imagens mais fortes encontram-se
purificadoras. Estimulantes para o inconsciente, seria dese- inscritas por ele num caderno de uso pessoal, ao lado de
jável que servissem de exorcismo ou de exutório aos nossos seus poemas.
fantasmas. Todavia, infalivelmente, descarrega-se o explosi-
vo, o sortilégio rompe-se sempre, a cerimônia é perturbada . Edmond Charriere
É que Scharer, como se pode verificar, não pinta apenas ma-
donas; suas aquarelas e desenhos, apesar de veicularem o (Tradução de Martina G. B. Ognibene)
96
3. O CAVALEIRO, 1978
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Sebastião
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Robert T atin
Tatin Robert é um artista francês que se enamorou da natu- As peças que Tatin Robert vai agora expor na Athena, rua
reza, das coisas e dos costumes do Brasil. É um ceramista Barão de Itapetininga, nesta semana, são estilizadas com te-
de grande talento e sensiblidade. Vive e trabalha em São mas de nossa natureza e folclóricos.
Paulo. No ano passado, expôs nesta cidade várias peças de
sua cerâmica, tendo sido muito bem recebido pelo público. A nossa vegetação e os nossos folguedos populares estão
dando motivos para a arte de Tatin Robert. Ele é um poeta
A arte de Tatin Robert vai além da simples técnica da cerâ- do barro sensível e romântico . Suas peças são de formas es-
mica: ela pertence também à escultura. quisitas com desenhos e cores harmoniosas que muito nos
emocionam .
o artista cria em suas peças formas e linhas que são mais
do domínio da escultura do que propriamente da cerâmica. Osório César
Há também uma matéria bonita de cor pastosa que o artis-
ta-artesão emprega em seus trabalhos. Folha de S. Paulo ) 14 de março de 1951
99
Oswald
7. O JUÍZO 1972
Pena e nanquim sobre papel, 21 x 15 em
~. DESEJO SER CARREGJ\DO NUMA LITEIRA, 1972 ). MULHER SENTADA COM CRIANÇA NO COLO. 1972
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Jakim V olanhuk
1
Interior do Simitério do Adão e Eva
Foto: José Augusto Vatellal.Tosé Roberto Ceeato
1
August
Nasceu em Klosterneuburp (Viena), em 1936. 3. AV(') E SUA MÃE ]OSEFA ROSINA STARK WALLA, s.d.
Estudou numa escola comum até os nove anos e a seguir numa Lápis sobre papel, 30 x 40 cm
escola especial, devido a uma perturbação psicótica. Vive com a
mãe, mas necessita de cuidados psiquiátricos contínuos. Seu tra-
balho artístico e sua múltipla produtividade foram reconhecidos, 4. CÃO E RINOCERONTE, 1972
primeiramente, por seu terapeuta, o Dl'. Leo Navratil, que expôs Lápis sobre papel, 22 x 30 cm
e divulgou suas obras.
Vive na Áustria.
5. PAI NOSSO, s.d.
Caneta esferográfica, lápis de cor e aquarela sobre cartão,
Obras apresel1ladas. 30 x 30 cm
104
3. !\\ ' () I: Sl 'i\ \1.\ L .lOS!:\ i\ Sl i\I \ ~ \\ .\LLA, s.d.
105
Nasceu em Glasgow, Escócia, em 1980. 3. LAGOA COM PENSAMENTOS EM FLOH
Fugiu da escola aos nove anos, trabalhou numa banca do mer- Tinta e pastel, 38 x 28 em
cado e foi para o exército aos 16 anos. Tinha mais de 40 anos
quando, num ferro-velho que dirigia em Toronto, come- 4. O ESPELHO DO
çou a desenhar. Suas primeiras imagens eram intensas e retratam Tinta e 38 x 28 em
de forma estilizada a luta entre forças criativas e destrutivas.
Tinha uma visão poética e, mais do que isso, criou sua própria 5. A MANDALA DA FLOR
cosmogonia, em que as forças do bem finalmente - em sua obra Tinta e 39,5 x 39 cm
posterior triunfam sobre o mal. Era inteiramente original e,
embora seus trabalhos fossem em mui tas galerias fa- 6. CALMO COM CISNES
mosas, resistiu obstinadamente comercial. Há obras Tinta e pastel, 28,5 x 33 em
suas nas permanentes da do Musée D' Art
Modeme de e no Museum of Modem de Nova Y ork. O SOL E A ÁRVORE
F aleeeu em em Londres.
1
Adolf W olfli
13. VIRGEM MARIA E MENINO 1920 34. SUDESTE DO AMAZONAS SALÃO DO Á.uU.Á.l.'-4''--'"
107
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10. O DEUS PAI -- GIGANTE 1919
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110
Adolf Wülfli nasceu em 1864, no distrito de Emmenthal, Adolf Wülfli tornou-se famoso por seus desenhos . Com ex-
cantão de Berna. Era o último de sete filhos. A família mu- ceção de alguns trechos, sua extensa obra narrativa continua
dou-se para Berna, cujas características físicas provocaram desconhecida. É composta de 44 livros ilustrados (20.000
forte impressão sobre Wülfli. A forma de peixe do traçado páginas com mais de 1.400 desenhos e mais de 1.500 cola-
da cidade aparece em muitos de seus desenhos. gens) contendo textos épicos, poemas escritos em dialeto,
poemas sonoros e composições musicais.
Por volta de 1870, o pai de Wülfli, pedreiro, abandonou o
lar e a mãe teve de trabalhar como lavadeira para sustentar Nos primeiros anos da psicose, Wülfli era violento, agitado e
os filhos. Em 1872, quando a mãe adoeceu, a família foi sofria graves alucinações. Com freqüência tinha de ser iso-
mandada de volta para Schangnau, no distrito de Emmenthal, lado dos outros pacientes. Desenhar e escrever o acalmavam
onde o poder público lhes deu uma moradia. Wülfli ficou bastante, mas até morrer sofreu alucinações e sempre disse
separado da mãe, que faleceu pouco tempo depois. que ouvia vozes. Puseram-no num quarto pequeno, parecido
com uma cela - cujo teto empapelou com um enorme de-
A partir de então, Wülfli trabalhou como empregado para senho - , onde podia trabalhar sem ser interrompido (for-
vários agricultores que lhe davam abrigo, e nesse período neciam-lhe papel e lápis), e onde não perturbava os outros
sofreu graves privações. Sua inclinação anormal por garoti- pacientes ao tocar suas composições em cornetas de papel
nhas levou-o à prisão, numa condenação por tentativa de enrolado. Além de funcionar como mecanismo regulador
estupro de duas meninas: uma de 14 e outra de 5 anos . contra as forças caóticas e destrutivas da auto-alienação es-
quizofrênica, sua atividade artística possuía também a fun-
Em 1890, foi para a penitenciária de St. Johannsen e, depois ção não-artística de permitir-lhe reter sua identidade. C. G .
de solto, em 1892, trabalhou como assalariado em Berna e Jung dá a isso o nome de mandala - uma "zona de preser-
lugares próximos. vação" contra os estados mentais. Aparecem muitas compo- .
sições de mandala na obra de Wülfli e em todas as ilustra-
Em 1895, Wülfli foi preso novamente, por outra tentativa ções de seqüência cíclica: ordem - agitação e confusão -
de estupro, agora contra uma menina de 3 anos, e internado caos - alívio.
no hospital psiquiátrico de Waldau, em Berna, onde sua
doença foi diagnosticada como esquizofrenia. Wülfli perma- • A importância da obra de Wülfli foi reconhecida pela pri-
neceu nesse hospital até 1930, quando morreu de câncer. meira vez por Walter Morgenthaler, médico de Wülfli du-
rante oito anos. Já em 1921, um ano antes da publicação do
livro de Prinzhorn, Bildnerei der Geisteskranken (Trabalho
"Naturalista, poeta, escritor, desenhista, compositor, cam-
Criativo dos Doentes Mentais), Morgenthaler publicou uma
ponês, ordenhador de vacas, pau-para-toda-obra, jardineiro,
extensa monografia sobre a vida e a obra de Wülfli, com o
estucador, pedreiro, ferroviário, diarista, amolado r de facas,
corajoso título de Ein Geisteskranker aIs Kunstler (Um
pescador, barqueiro, caçador, prestador de serviços temporá-
Doente Mental como Artista), com nome e fotografias do
rios, coveiro e soldado do 3.° Grupo de Combate da 3.a Com-
paciente. Até hoje esse trabalho sobre Wülfli exerce influên-
panhia do Batalhão de Emmenthal. Salve!" 1
cia sobre muitos artistas. Depois de ler o livro, em 1921, o
poeta Rainer Maria Rilke escreveu a Andreas Salomé:
"Santo Adolfo lI, Mestre de Álgebra, Comandante~em-chefe
"( ... ) O caso de Wülfli ajudará a compreender definitiva-
dos militares e Diretor Geral de Música, Diretor do Teatro
mente a natureza da criatividade, e contribuirá para a acei-
Gigante, Capitão do Gigante Vapor Todo-Poderoso e Dou-
tação inortodoxa, porém cada vez maior, de que muitos
tor de Artes e Ciências, Diretor da Companhia de Produção sintomas de doença mental devem ser incentivados, pois re-
de Livros de Álgebra e Geografia e General dos Fuzileiros.
presentam o meio pelo qual a Natureza busca recuperar os
Inventor de 160 invenções originais e extremamente valio-
seres que se alienaram". Na década de 1930, o grupo de
sas, patenteadas para todo o sempre pelo Tzar russo, e ale-
surrealistas que se reunia em torno de André Breton dedi-
luia! glorioso vencedor de muitas batalhas violentas contra
cou mui ta atenção ao trabalho de W ülfli. Em 1945, Jean
os Gigantes." 2
DubuHet visitou a Coleção Waldau, e sua familiaridade com
a obra de Wülfli foi o impulso decisivo para a fundação da
Foi só depois do começo da doença mental que Adolf Wülfli Compagnie de l'Art Brut (1948), que contém grande núme-
- camponês inculto, exemplo perfeito de esquizofrenia cria- ro de obras deWülfli . Todos os bens artísticos de Wülfli
tiva - produziu sua obra, que cativa e fascina pela alta qua- - a Coleção W aldau, a Coleção Morgenthaler e todos os
lidade da criação pictórica, poética e musical, e pelo enorme seus escritos - estão hoje no Bern Kunstmuseum . A Fun-
alcance dos trabalhos. A transposição de elementos biográfi- dação Adolf Wülfli assumiu a responsabilidade de investigar
cos para o campo do mito imponente (Wülfli como diabo; cientificamente e publicar a obra gráfica e poética de Wülfli.
como divindade e figura crucificada; baladas e caricaturas
de fundo sexual agressivo; viagens alucinatórias pelo cos- Elka Spoerri
mo; tudo entremeado de canções folclóricas) é uma caracte-
rística da obra de Wülfli, em que o compreensível coexiste
irreconciliavelmente com o incompreensível, o banal com o
profundo. O que seduz ou repugna o observador é exata- I Adolf Wülfli: trecho de Do Berço ao Túmulo, 1908-1912.
mente essa justaposição de eventos espantosos com a narra- 2 Adolf Wülfli: trecho de Marcha Fúnebre, 1929-1930.
ção autobiográfica de uma vida trágica, acompanhada de um
humor sutil, pueril e incontrolável. (Tradução de Aldo Bocchini Neto)
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Anna Zernánková
4. PÁSSARO I
ObrtlS apresentadas. Técnica mista, 29,8 x 21 cm
1. SAUDACÃO T 5. PÁSSARO II
Técnica 1;1ista, 45 x 33 cm Técnica mista, 28,8 x 14,9 cm
112
6. PÁSSARO IH
Foto: José Augusto VarellalJosé Roberto Cecato
1. SAUDAÇÃO I
Foto: José Augusto VarellalJosé Roberto Cecato
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SUMÁRIO
Membros Eleitos
Diretoria Executiva
Armando Costa de Abreu Sodré
Luiz Diederichsen Villares Presidente
Maria do Carmo Abreu Sodré
Giannandrea Matarazzo 1.0 Vice-Presidente
Edgard Baptista Pereira
Albert Bildner Antonio Sylvio da C. Bueno 2.° Vice-Presidente
F ernão Carlos Botelho Bracher Robert Hefley Blocker
Oswaldo Arthur Bratke Pedro Paulo Poppovic
Wilson Dias Castejon David Zeiger t
Diná Lopes Coelho
Plínio Croce Conselho de Arte e Cultura
Rubens José Mattos Cunha Lima Walter Zanini Presidente
Aloysio de Andrade Faria Ulpiano Bezerra de Menezes
Marcio Martins Ferreira Paulo Sérgio Duarte
Dilson Funaro Esther Emílio Carlos
Lucas Nogueira Garcez Donato Ferrari
Cesar Giorgi Luiz Diederichsen Villares
Oswaldo Correa Gonçalves Casemiro Xavier de Mendonça
José Gorayeb
Otto Heller
Oscar P. Landmann Secretaria (;eral
Francisco Papaterra Limonge Neto José Francisco Quirino dos Santos
Ernest Gunter Lipkau
Roberto Maluf
Giannandrea Matarazzo Assistente da Presidência
Hélene Matarazzo para Relações Internacionais
José Mindlin J osette Balsa
Romeu Mindlin
José Geraldo Nogueira Moutinho
Coordenador do Setor de Arquivo e Publicações Equipe
Ivo Mesquita Antonio Milton Araújo
Jorge Francisco de Araújo
Arquivos Históricos Wanda Svevo
Ernestina Cintra Heronides Alves Bezerra
Antonia Massari Rizzardi F ernando Rodrigues Brandão
Marina de Brito Corrêa
Secretaria Edwino Ferrazin
Raphael Marques Hidalgo
Márcia Franco Bradfield José Maria Soares de Lima
Azael Leme de Camargo Luciano Gazola Mazini
Nina Hokka Eliando E. D. S. Santa Maria Mércia
Cleide Marinho de Oliveira ~milia Moreira
Marise de A. Nobrega Martins Tânia Nori Morelo
~laria Inês Garcia Sampaio
Lourival Dias de Oliveira
Vera Lúcia de Castro Ferreira e Silva Dalva Ribeiro Pascoal
Luiz Augusto dos Santos
Consultor Legal Gilberto de Macedo Silva
Oswaldo Fávero João Ferreira da Silva
J oel de Macedo Silva
Auditor José Leite da Silva
Alberto Bontein da Rosa Junior Maria Madalena Lima da Silva
Maria Sílvia Prata Pinto Morais (Assistente) Oswaldo Joaquim da Silva
Severino Barbosa da Silva
Manoel Alves de Souza
Contabilidade Armando Ricardo de Viveiros ·
Augusto Roberto Fudaba Luis Antonio Xavier
Armando Henrique Whitaker
Montagem
Guimar Morelo Conselho Fiscal
Waldemar Pereira da Fonseca
Alfândega Darcio de Moraes
Tercio Levy Toloi Walter Paulo Siegl
José Luis Archer de Camargo (Suplente)
Catálogo de Arte Incomum
Editora
Maria Otilia Bocchini
Diretor de Arte
Julio Plaza
Documentação e Catalogação
Ivo Costa Mesquita
Pesquisa
D. T. Chiarelli
Tradução
Mariarosaria Fabris (Coordenação para italiano, franês,
espanhol e alemão)
Aldo Bocchini Neto
Laurence Patrick Hughes
Maria Regina Ronca
Mário José de Araújo
Nartina G. B. Ognibene
Preparação de texto e revisão
Carlos Eduardo F. Carvalho
Mitsue Morissawa
Nilza Iraci Silva
Secretária Editorial
Neuza Marinho de Oliveira
Datilografia
Cleide Marinho de Oliveira
Ida Maria de Luiz
Fotografia
José Augusto Varella
José Roberto Cecato
Cartas
Cláudio Moschella
Composição
Linorat Ltda.
IMPRESSÃO p~"" INDÚSTRIA GRÁFICA lTDA.