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Identidade cultural da Amazônia

A oeste do oceano Atlântico, a leste dos Andes, ao sul do escudo guianense e ao norte do planalto central brasileiro
está a maior floresta tropical do mundo, conhecida pelo nome de Hiléia Amazônica. Como um útero prolífico esta
região guarda mais biomassa que qualquer outro habitat da terra. É de longe o mais rico meio ambiente terrestre.

O nome Amazonas foi dado inicialmente ao poderoso rio que corta a planície, o maior e mais caudaloso do planeta,
senhor de uma fantástica bacia hidrográfica que de certa forma dita o destino de todo o subcontinente. Porém,
tantas são as peculiaridades, diferenças e semelhanças entre as diversas conformações regionais, que o vale
banhado pelo rio-mar recebeu o nome de Amazônia, território multinacional e pluricultural formado por bilhões
de anos de mutações geológicas que abriga milhares de espécimes vegetais, animais e muitos povos.

Localizada ao norte da América do Sul, a Amazônia compreende toda a bacia amazônica, formada pelos seguintes
países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Peru, Suriname, Equador, República da Guiana e a possessão francesa
denominada Guiana Francesa. Segundo Amarílis Tupiassú (2005).

Depois de finda a primeira colonização, a Amazônia continuou seu trajeto de região açulada pela antiqüíssima
ganância, agora sob novas impostações retóricas, outro domínio, exímio em manipular não mais “La pólvora y
arcabuces e ballestas” de Orellana de Carvajal, Acunã e outros, e sim armas sorrateiras, silenciosas, mas muito
mais letais potencializadas por agentes civilizatórios que nem precisam de corporificação para gerar e multiplicar
as novas facetas da antiga dizimação, agora por via da morte devagar sob o desalento da miséria imposta sobre
uma população errante, sem peso, sem prumo, sem voz. Tantas foram e continuam sendo as intervenções, que
não diminuem as estatísticas sobre a miséria, de sempre na Amazônia real.
Segundo Amarilis Tupiassú (2005), depois da reviravolta do batismo para salvaguardar a posse, em 13 de junho
de 1621 a política colonial portuguesa dividiu-a em dois pedaços gigantescos, o estado do Brasil, quase que da
metade para baixo do mapa e da metade para cima, o estado do Maranhão e Grão-Pará com sede em São Luís
submetido a ordens diretas de Portugal. O último estado abrangia, subindo noroeste, nordeste e norte o território
ocupado hoje pelos estados do Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá e parte do Mato
Grosso e de Tocantins. Em 1751, inverte-se a centralização do mando quando se institui o estado do Grão-Pará e
Maranhão com sede em Belém e no ano de 1772, determina-se a criação do estado do Grão-Pará e Rio Negro antes
da criação do futuro estado do Amazonas.
As cartas de hoje assinalam a Amazônia brasileira de conformação geopolítica ao Norte formada pelos estados
do Pará, Amapá, Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, e Tocantins. Este último desmembrado do estado de Goiás
resultando de decisão política, pois por lógica geográfica estaria mais à vontade na região central ou no nordeste
do Brasil. Paralelamente a esta existe a Amazônia Legal abarcando os sete estados amazônicos e também o norte
de Mato Grosso e o noroeste do Maranhão.

Há ainda a Pan-Amazônia de que fazem parte as nove unidades da Amazônia Legal e também Suriname, Guiana,
Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia, além da Guiana Francesa encravada ao território geográfico da
Amazônia. Esta última mesmo não fazendo parte da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônico),
nem sendo ao rigor das leis e não geográfico um território das amazônias são cada vez mais frequentes os
intercâmbios entre o estado do Pará e a Guiana Francesa, uma mostra de que as vontades políticas muitas vezes
não coincidem com as razões geográficas quando se trata de Amazônia. A floresta densa de terra firme cobria
mais de cinco milhões de quilômetros quadrados da Amazônia, no entanto, cerca de 20% deste manto vegetal
foram destruídos depois de 1960.

Visando contribuir com essa discussão sobre a formação da Amazônia brasileira, apresentamos abaixo o mapa
da divisão política dessa região geográfica, objetivando fornecer elementos necessários à compreensão e
localização da região onde se desenvolve essa pesquisa.
AMAZÔNIA BRASILEIRA

http//pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Amazonia_legal.gilf

Segundo Márcio Souza (2001), desde o início as especulações sobre a origem do homem na Amazônia foi cercada
de muitas fantasias e teorias imaginosas. Na tentativa de explicar a presença humana no Novo Mundo, as marcas
deixadas pelos homens na Amazônia suscitaram inúmeras hipóteses. Segundo ele, a teoria mais aceita é a de que
o homem aqui chegou oriundo da Ásia e como a geologia mostra que o continente americano já se encontrava em
sua forma atual quando o Homo sapiens apareceu, pode-se aceitar a hipótese de que os grupos nômades
atravessaram o estreito de Behring, há 24.000 anos ocupando e colonizando as Américas.
De acordo com esse pesquisador algumas dessas levas de migrantes asiáticos ou seus descendentes acabaram
chegando ao vale do rio Amazonas e é provável que tenham cruzado a floresta por volta de 15.000 anos atrás
dando início à colonização da Amazônia, entre outras hipóteses levantadas a propósito dessa ocupação, as mais
curiosas falam das audaciosas viagens de certos navegantes do Oriente próximo como fenícios, hebreus e árabes
sem esquecer o suposto comércio que os habitantes da desaparecida Atlântida teriam mantido com a região.

Além das explicações baseadas no espírito aventureiro dos antigos marinheiros havia as especulações filosóficas
religiosas baseadas na Bíblia, as quais diziam que o homem amazônico era descendente de Noé e tinha recebido
o Novo Mundo como herança. Sobre essa origem, em 1607, o fidalgo espanhol Gregorio Garcia escreveu alentado
estudo mostrando as afinidades morais, intelectuais e linguísticas entre os judeus e os índios. Garcia citado por
Souza (2001) diz que os índios eram descendentes das dez tribos perdidas quando os assírios atacaram Israel em
721 a.C.. Outros discutem a ideia de que a Amazônia tenha sido colonizada por chineses que aqui chegaram por
volta de 499 a.C. e por isso o aspecto físico oriental apresentado pelos índios.
Diante das especulações apresentadas podemos dizer que na verdade, ainda que a população amazônica
evidencie a sua herança genética asiática, ela resultou numa constelação bastante diferenciada de tipos físicos,
produto de uma diversificada contribuição biológica e cultural gerando um conjunto de comunidades humanas,
distinta e nítida em sua identidade, como afirmou o antropólogo Claude Lévi-Strauss:

Este grande e isolado segmento da humanidade consistiu de uma infinidade de sociedades, maiores ou menores,
que tiveram pouco contato entre si. E, para completar as diferenças causadas pela separação, há outras,
igualmente importantes, causadas pela proximidade: o desejo de se distinguirem, de se colocarem à parte, de
serem – cada uma – elas mesmas.
Até bem pouco tempo a região amazônica era considerada uma área de poucos recursos, o que limitava as
possibilidades de grupos humanos desenvolverem aqui uma sociedade avançada. Recentemente, as evidências
arqueológicas ou documentais sobre as antigas sociedades complexas da Amazônia ou eram simplesmente
negadas ou atribuídas à presença passageira de grupos andinos e centro americanos e aceitava-se como prova
de adaptação ao trópico úmido o estilo de vida dos atuais povos indígenas que vivem em pequenas aldeias e se
organizam a partir de uma economia de subsistência sob o impacto da colonização européia.

De acordo com Souza (2001), nos últimos vinte anos uma série de estudos começou a sacudir aquelas posições
tidas como estabelecidas e a constatar que a Amazônia era na pré-história um rico e diversificado cenário de
sociedades humanas, um passado formado por sociedades de grande complexidade econômica e sofisticação
cultural, pois escassos sinais de ocupação humana na Amazônia foram encontrados em algumas cavernas e
abrigos naturais na época em que ocorre o desenvolvimento e a expansão da civilização humana, tais sinais
deixados pelas antigas sociedades sedentárias donos de uma elaborada tecnologia da pedra.

Desse modo é importante observarmos que esses antigos homens da Amazônia não eram exatamente primitivos
em termos de tecnologia, pois se pensarmos nos indígenas atuais percebemos uma semelhança, ainda que
pequena, entre os primitivos e atuais pelo modo de sobrevivência, uma vez que, supostamente são seus
descendentes. É importante sabermos também que os primeiros habitantes da Amazônia formaram uma
comunidade de alta sofisticação estabelecendo uma vasta e variada rede de sociedades de subsistência
sustentadas por economias especializadas em pesca de larga escala e caça intensiva, além da agricultura
cultivando plantas e também criando animais, o que sugere a presença de um intenso sistema de comércio e de
comunicação entre os povos.6
Nessa perspectiva podemos dizer que os milênios antecedentes à chegada dos europeus, os povos da Amazônia
desenvolveram o padrão cultural denominado Cultura da Selva Tropical e os últimos avanços da arqueologia na
Amazônia veem corroborar a tese de que a Cultura da Selva Tropical foi capaz não apenas de formar sociedades
perfeitamente integradas às condições ambientais como também de estabelecer sociedades complexas e
politicamente surpreendentes. Tais sociedades por estarem localizadas as margens do rio Amazonas e alguns
afluentes maiores foram as primeiras a sofrerem os efeitos do contato com os europeus sendo derrotadas pelos
arcabuzes, escravização, cristianismo e pelas doenças.7
Gondim (1994) em sua discussão sobre a Amazônia nos diz que entre a chegada dos primeiros europeus e o fim
do sistema colonial 250 anos se passaram. Foram tempos de conflitos e de muito sangue derramado em que um
mundo acabou em horror e um outro começou a ser construído em meio ao assombro. Segundo ela, a Amazônia
foi inventada nesse tempo porque antes era terra de verão constante, a terra em que se ia jovem e se voltava
velho, a terra do sem-fim, com suas sociedades tribais povoando densamente a várzea e espalhando-se pela terra
firme. Em seu livro A Invenção da Amazônia, Neide Gondim (1994) afirma que:

Contrariamente ao que se possa supor, a Amazônia não foi descoberta, sequer foi construída; na realidade, a
invenção da Amazônia se dá a partir da construção da Índia, fabricada pela historiografia greco-romana, pelo
relato dos peregrinos, missionários, viajantes e comerciantes.

Nesse bojo inclui-se, ainda, a mitologia indiana, que, a par de uma natureza variada, delicia e apavora os homens
medievais. A tal conjunto de maravilhas anexam-se as monstruosidades animais e corporais, incluídas tão-
somente enquanto oposição ao homem considerado como adamita normal e habitante de um mundo delimitado
por fronteiras orientadas por tradições religiosas. De acordo com essa autora em 250 anos os europeus se
mostraram extremamente repetitivos, foram vários os modelos de colonização e todos chegaram à busca de
riquezas e se deram conta da falta de mão-de-obra, isso os fez assaltar as populações indígenas e apresar escravos
o que não resolveu o problema, pois a carência de mão-de-obra persistiu. Essa fase da colonização começou com
as populações indígenas pagando um preço elevado e a Amazônia que conhecemos hoje é fruto dessa cega
perseverança em que os colonizadores pensaram em construir uma unidade produtiva, mas só lograram
demarcar uma fronteira econômica.
Souza (2001) diz que nesse período de descoberta foram várias as expedições para o Novo Mundo, entre elas a
expedição de Francisco de Orellana que provavelmente teria uma ligação com a família Pizarro e teria deixado a
Espanha em busca de riquezas. Em 1540, Orellana conseguiu vencer os índios da costa equatoriana e fundou a
cidade de Santiago de Guaiaquil. No mesmo ano Gonzalo Pizarro chegou a Quito na qualidade de governador da
província e começou a organizar uma ambiciosa expedição para conquistar e tomar posse dos desconhecidos
territórios orientais. Pizarro tinha dois objetivos, o de encontrar as terras do interior do continente e romper com
o negócio lucrativo do monopólio português e o de encontrar o fabuloso reino do El Dorado, um lugar cheio de
tesouros segundo as lendas, o que mais incentivou a imaginação dos conquistadores.9
Percebemos nesse contexto que o período colonial deixou traços profundos na Amazônia como em outras regiões
marcadas pela conquista e pressupõe que seu processo histórico está estritamente ligado a chegada dos europeus
no continente americano, o que não a difere das outras histórias continentais, e os avanços do século XX não
foram capazes de destruir os laços da região com a terrível e fascinante experiência colonial.

Em 1667, de acordo com Souza (2001) uma parte do território da Guiana, o Suriname, é invadido e conquistado
pelos holandeses após diversas tentativas de colonização por parte dos ingleses e franceses e por isso já havia ali
uma sociedade de quatro mil habitantes, inclusive de escravos. O modelo colonial holandês se deteve na
produtividade empresarial agrícola como a produção de café, cacau, cana-de-açúcar e algodão, culturas prediletas
que duraram quase dois séculos. Esse modelo de colônia-empresa no Suriname era de escala bem modesta se
comparado com modelos agrícolas de outros territórios, mas a alta produtividade de seus produtos tropicais
permitiu que os comerciantes holandeses oferecessem preços que tiravam o sono de seus concorrentes em
qualquer lugar do mundo.

Ainda segundo esse autor, o modelo francês tentou a conquista do território da Guiana, uma parte da Amazônia
em 1623, tendo como objetivo o estabelecimento de colonos europeus e a conversão dos selvagens. Para
enfrentar a hostilidade dos nativos essa expedição com poucos homens limita-se a recolher o pau-brasil, fundam
a cidade de São Luís de onde foram expulsos em 1615 pelas tropas portuguesas. Essa expedição composta por
oitocentos colonos desembarca na Guiana e como os nobres senhores eram homens da Idade Média perdidos na
mudança do Renascimento não era de se estranhar que tentassem repetir na selva tropical o velho modelo de
sistema feudal já em ruínas na Europa.
O autor também explicita que até mesmo antes de desembarcarem na Amazônia esses homens que viviam na
ilusão de seus títulos e no delírio orgulhoso de seus poderes feudais, travaram grandes disputas entre eles nas
quais aconteceram muitas mortes e em meio a essas disputas mortais os oitocentos homens se viram tratados
quase como escravos e foram obrigados a praticar a pilhagem contra os índios. Em pouco tempo essa situação
ficou insustentável e os índios começaram a se desesperar com os constantes ataques e maus-tratos praticados
pelos franceses e decidiram atacá-los, massacrando-os. Com essa expedição malograda os franceses desistem de
ocupar o vale do Amazonas e o território compreendido entre o Oiapoque e o Araguari. No entanto, a França será
a única potência européia a manter um enclave colonial na Amazônia: a Guiana Francesa.
Para Souza (2001) o período da colonização espanhola na Amazônia foi conturbado e heróico, mas muito breve.
O estado absolutista tratou de estabelecer limites e a conter o ímpeto dos ousados e ambiciosos conquistadores.
Barrados pelas muralhas andinas que dificultavam a penetração no vale amazônico, os espanhóis praticamente
abandonaram a região após sucessivos malogros ocorridos ainda no século XVI. As dificuldades de sobrevivência
na selva tropical e a forte resistência dos nativos impediram que se estabelecessem imediatamente. Essa
colonização era baseada na fundação de cidades e toda a lógica colonial se centrava na disseminação destas, de
onde irradiaria a administração e os negócios, pois os colonos espanhóis desejavam uma vida de classe abastada
e urbana. Como essas cidades não podiam nascer sem uma base econômica, a colonização da Amazônia se tornou
pouco atrativa, pois buscavam basicamente metais preciosos e desejavam enriquecer rapidamente.12
Sendo assim, somente aqueles dedicados à conquista espiritual persistiram na região. Mas deve-se esclarecer que
em nenhum momento os missionários foram recebidos pacificamente, pois nesse período muitos padres foram
mortos ou dizimados por enfermidades, milhares de índios sucumbiram a varíola, e no final do século VXIII dos
aproximadamente dez mil índios que viviam ali no momento do contato com os europeus apenas quatro mil
tinham sobrevivido.

Se pensarmos no processo de colonização como disputa de um território muito cobiçado podemos dizer, talvez,
que essa epidemia pode ter sido trazida propositalmente pela necessidade da fácil conquista do território, pois
de acordo com Souza (2001) para consolidar naquelas áreas assentamentos permanentes e militares exigiu-se o
esforço conjunto dos grupos institucionais e segmentos da sociedade civil, mas o enclave militar de mineração
não ajudou a expansão de seu domínio ao grande vale ficando aos missionários, especialmente jesuítas e
franciscanos, a tarefa de avançar pelas selvas e rios imensos e o projeto colonial dos castelhanos iniciado no
século XVI será de novo interrompido durante longos anos nessa área devido ao processo de crise progressiva
em que entra o Estado colonial espanhol, uma crise que durou meio século e que os manteve nos contrafortes
andinos.
Nesse processo o modelo de colonização português foi o mais assertivo, pois adotou um sistema que tentava
reduzir a Amazônia num mero prolongamento produtivo do Reino, construíram fortificações, povoaram vilas e
cidades e procuraram forçar a adesão dos elementos nativos à ordem social da colônia. Os portugueses cuidavam
para que sua experiência fosse profunda, certeira e irreversível e por isso fizeram o grande trabalho de
aculturação da Amazônia pela colonização portuguesa que ainda hoje é um fenômeno expressivo e duradouro.
O processo de aculturação seria a assimilação da cultura dos europeus no qual os índios se moldariam às
necessidades da economia européia e o resultado desse esforço foi a destribalização dos grupos mais expostos,
habitantes das margens do rio Amazonas e de seus afluentes próximos. Seria o início do processo de caboquização
dos índios, quando foram retirados das mais diferentes culturas, modos de produção e reunidos nas vilas e aldeias
espalhadas de maneira estratégica até surgirem como trabalhadores livres numa economia extrativa colonial.
Discutindo essa questão, Márcio Souza afirma que:

Sendo o rio Negro uma das áreas mais densamente povoadas na época da colonização amazônica, a população
indígena tornar-se-ia logo uma das maiores fontes de mão-de-obra para o colonizador. O braço indígena era
largamente utilizado na exploração de produtos naturais – as drogas do sertão -, o que prejudicaria, naturalmente,
suas atividades agrícolas de sustentação. Assim, a mão-de-obra caboca, que vai aparecer quase que
simultaneamente com a independência, foi fruto dessa aculturação tão insistentemente forçada pelos
portugueses durante duzentos anos.
Considerando essa afirmativa é possível entendermos como os indígenas tornaram-se uma das maiores fontes
de mão-de-obra e como o processo de aculturação prejudicou naturalmente suas milenares atividades agrícolas
de sustentação. Assim sendo, os portugueses cuidaram de aplicar seu projeto colonial que era fazer viver o Novo
Mundo sua própria linguagem em prol dos interesses da economia portuguesa.

De acordo com Souza (2001) entre 1700 e 1755, os portugueses encontraram grandes obstáculos na realização
desse projeto, resolveram desistir de forçar a transformação dos índios em mão-de-obra para as plantações e
estrategicamente deram prioridade à construção de uma rede de aldeamentos, quase todos voltados para a
agricultura de sustentação utilizando a experiência milenar dos próprios índios como forma de amenização dessa
resistência. Com essa estratégia dariam ênfase à conversão espiritual dos índios e os transformavam em “índios
portugueses”, mas isso não quis dizer que a organização do trabalho seria esquecida. Nesse momento os
missionários tomam o espaço do conquistador.

Outro aspecto importante do processo histórico da colonização amazônica segundo Márcio Souza foi o da
lusitanização no qual todos os nomes indígenas de núcleos populacionais foram substituídos por nomes
portugueses e na grande experiência do rio Negro foi ensaiada a primeira estrutura industrial com artífices,
serraria e estaleiro, ensaio este, ocorrido na administração de Lobo D’Almada (1779). Foi um momento decisivo
dessa experiência e sendo um governo da fase colonial avançada pôde regulamentar a mão-de-obra indígena já
preparada pelos missionários e pela miscigenação. Lobo D’Almada tinha à mão os primeiros caboclos
amazônicos, invólucro biológico que a miscigenação inventou para enfrentar a região considerada insalubre ao
homem de raça branca.

Ainda segundo esse autor, para estimular o programa com essa mão-de-obra os administradores enfrentaram o
paternalismo fechado dos missionários estabelecendo um modelo social que em relação ao extrativismo da
borracha parece hoje curiosamente moderno e liberal. E o colono-chefe-militar vai se transformando num
administrador sedentário obediente aos interesses fiscais da Coroa.16
Dessa forma, percebemos que em toda a Amazônia o espaço que se abre entre o colonizador e o colonizado é
enorme, pois o último se encontra num mundo contraditório geralmente é um homem desfibrado e incoerente e
sobre essa massa servil o patrimonialismo irá crescer e prosperar por uma geração inteira até sofrer a
necessidade cada vez maior de o mercantilismo racionalizar seus meios de produção.

O colono advindo da miscigenação, isto é, os povos amazônicos envolvidos nessa transformação enleado pelo
poder da Coroa nunca se sentirá capacitado no Amazonas a se emancipar como proprietário, como burguês, pois
com a Revolução Industrial batendo a sua porta em busca de matéria-prima o colono voltar-se-à para a defesa de
seus minúsculos interesses pecuniários legando a imagem do líder político regional típico, sem contextura
ideológica firme, despido de espírito público, buscando a acomodação aos novos status mesmo à custa da perda
e da degenerescência, sem marcar sua luta e jamais defendendo posições.

Para Márcio Souza (2001) o equilíbrio do mercantilismo na Amazônia dura o quanto pode, até que uma crise
administrativa econômica se instala e faz recrudescer a velha diferença entre caboclos e brancos e leva a
província à decadência, tudo isso desencorajava a produtividade e fomentava a inquietação. Daí a imitação das
formas políticas das nações coloniais européias mescladas ao liberalismo democrático norte-americano como
precisou o naturalista suíço Hans Bluntschili, na sua conferência em Frankfurt, “A Amazônia como organismo
harmônico”, em 1918:

É um país maravilhoso e harmônico que se aprende a compreender pela inteligência e pelos sentidos. Com esta
Amazônia (a dos índios e dos caboclos) combinam bem os rios grandes sem margens, as florestas silenciosas e
não cruzadas por estradas, combinam bem o índio sério, mas fiel, com sua ubá e o seu arpão. Esta região possui
raça e vida própria.

A outra Amazônia, com seus palacetes modernos nas grandes cidades, com suas mercadorias vistosas, mas sem
valor e de um mau gosto, e as suas formas de governo importadas da Europa e que não evoluíram nas suas
significações, correspondentes às condições regionais, mas que se baseiam em efeitos de pura vanglória, ficou
estranha ao meu íntimo. Traços de uma adaptação às condições naturais podem se reconhecer, mas infelizmente
são apenas início de um equilíbrio. Esta Amazônia quer ser uma filial da cultura da Europa, mas parece mais uma
caricatura. É a Amazônia da cultura da cachaça e da folha de zinco, e a influência dela não pode conduzir nos
trilhos escolhidos, à benção. 17
Nessa perspectiva é possível dizermos que o que restou dos traços naturais da superestrutura da região
amazônica foram as vértebras culturais da colonização portuguesa fincadas profundamente na região aliviando
a Amazônia de sua identidade pluricultural e afastando sabiamente a única força suficientemente poderosa dos
nativos impondo o seu modelo de integração colonial. E tendo expropriado do índio certas técnicas
indispensáveis para a vida na Amazônia ofereceram como herança a vergonha castradora que procura manter a
região submetida a uma sociedade de caricatura.18
Bertha K. Becker 2007 diz que entre 1616 e 1777 enfeitou-se a apropriação lenta e gradativa do território
estendendo a posse portuguesa para além da linha de Tordesilhas tendo como base econômica a exportação das
“drogas do sertão”. O delineamento do que é hoje a Amazônia segundo essa pensadora, se fez somente entre 1850
e 1899 sob a preocupação imperial com a internacionalização da navegação do grande rio e o “boom” da borracha.
Finalmente nesse período completa-se a formação territorial com a definição dos limites da região entre 1899 e
1930, em que se destacou o papel da diplomacia nas relações internacionais e do Exército no controle interno do
território. Os surtos voltados para produtos extrativos de exportação, as estratégias de controle do território e os
modelos de ocupação marcaram toda a formação territorial da Amazônia estando presentes até os dias atuais.
Na última década do século XIX o coronel da borracha, ou seringalista, era o grande personagem da monocultura
brasileira, o “ciclo da borracha”. Ele era o patrão, o dono e senhor absoluto de seus domínios, do outro lado, está
o sofrido seringueiro maltratado pelo egoísmo dos coronéis que enriqueceram com a extração do látex. Em
discussão Souza diz:

O seringueiro, retirante nordestino que fugia da seca e da miséria, era uma espécie de assalariado de um sistema
absurdo. Era aparentemente livre, mas a estrutura concentrada do seringal o levava a se tornar um escravo
econômico e moral do patrão. Endividado não podia mais escapar, se tentava a fuga, isso podia significar a morte
ou castigos corporais rigorosos. Definhava no isolamento, degradava-se como ser humano, era mais um vegetal
do extrativismo do que um homem.
Segundo Souza (2001) em meados do século XIX, depois do pesadelo vivido, os habitantes da Amazônia recebem
o indicativo de um novo tempo, tempo de estabilidade política e progresso econômico, era como respirar
sossegado. Os dois indicadores desse novo tempo foram a criação da Companhia de Navegação e Comércio do
Amazonas sob a iniciativa do Barão de Mauá e o decreto imperial de 1867 que abriu o rio Amazonas ao comércio
de todas as nações.
Para esse autor, o cosmopolitismo do “ciclo da borracha”, face e sinal de uma triste alienação parece algo forçado,
produto de um salto brusco. A Amazônia na historiografia esquemática que se escreve sobre ela parece ter
experimentado um vigor inesperado que a retirou do silencioso passado colonial com suas vilas de poucas casas,
para um ritmo trepidante e voraz. Uma nova psicologia obrigava as elites a não mais se satisfazerem com a vida
pacata e provinciana, pois o comércio da borracha proporcionara inquietudes inéditas e esse rico leite vegetal
embalado pela ideologia dos poderosos mostra-se inesgotável.
Depois desse ciclo a face da Amazônia brasileira se transformou completamente. A economia do látex quebrou o
isolamento e buscou integrar a região ao mercado internacional e um dos principais fatores desta transformação
foi a mudança do perfil populacional provocada pelas inúmeras levas de imigrantes que chegaram atraídos pelas
riquezas do látex e pela necessidade de mão-de-obra. Foi quando também em 1870 a borracha começou a dar
sinal de valorização e a Amazônia que era quase um deserto demográfico foi povoada por nordestinos,
principalmente do Estado do Ceará, que trouxeram consigo a tenacidade e a capacidade de sobrevivência,
mesclaram-se com as populações tradicionais e enriqueceram a cultura regional.

Além da constante e ininterrupta imigração portuguesa, há que salientar a presença de outros grupos étnicos que
também contribuíram para a formação da Amazônia moderna como o dos italianos oriundos em sua grande
maioria de cidades e vilas do sul da Itália, especialmente das cidades empobrecidas. Estes se destacaram na
Amazônia nos campos da educação, arquitetura, música, comércio e indústria juntamente com os espanhóis dos
primeiros movimentos operários organizados.
De acordo com Souza (2001) os projetos econômicos de 1964 e a abertura de faixas de terra para a colonização,
levas de trabalhadores sem terra entraram na Amazônia brasileira trazendo seus costumes e tradições. Todos
esses contingentes humanos tangidos pela miséria e armados do desejo de sobreviver vieram reconstruir suas
vidas atribuladas, alguns lograram sucesso numa prova de que a Amazônia é um território de esperanças. Isso
nos faz perceber o desenvolvimento de uma cultura dos velhos tempos lusitanos com um novo conjunto de
influências importadas como item de consumo, criando estranhas justaposições.
Afinal, um ponto comum na história cultural das Américas é a diversidade de relações que pode ser encontrada
sob o significado geral que se denomina experiência colonial, da qual a Amazônia não foge à regra e seus outros
culturalmente dominados. Para termos uma compreensão qualitativa dessas formas culturais podemos nos
servir dos relatos etnográficos, textos científicos, discursos políticos, romances, poesias, arquitetura e da
organização urbana.

Desse modo, vemos que muito mais do que gestos desesperados dos conquistadores ou a tenacidade dos colonos,
foi através das formas culturais que o imaginário do Ocidente se convenceu da existência de um território
chamado Amazônia legitimando-se a uma possessão geográfica com imagens surpreendentes de submissão e
essência européia redentora.

Considerando a historiografia da Amazônia vemos o deslumbramento que ela pode nos causar, seja de forma
positiva ou negativa, como podemos ver no discurso de Euclides da Cunha posto no trecho abaixo:

Ao revés da admiração ou do entusiasmo, o que sobressalteia geralmente, diante do Amazonas, no desembocar


do Dédalo florido do Tajapuru, aberto em cheio para o grande rio, é antes um desapontamento. A massa de águas
é, certo, sem par, capaz daquele terror que se refere Wallace; mas como todos nós desde mui cedo gizamos um
Amazonas ideal, mercê das páginas singularmente líricas dos não sei quantos viajantes que desde Humboldt até
hoje contemplaram a Hylae prodigiosa, com um espanto quase religioso – sucede um caso vulgar de psicologia:
ao defrontarmos o Amazonas real, vemo-lo inferior à imagem subjetiva há longo tempo prefigurada. Além disto,
sob o conceito estritamente artístico, isto é, como um trecho da terra desabrochando em imagens capazes de se
fundirem harmoniosamente na síntese de uma impressão empolgante, é de todo em todo inferior a um sem-
número de outros lugares do nosso país.
Nesse discurso, podemos dizer que a impressão do autor sobre a Amazônia é de uma selva propícia apenas para
os nativos, uma terra selvagem que sempre teve o dom de impressionar a civilização distante, e estar por sua vez,
a considerar os povos amazônicos incultos, sem força e sem liderança.

Em contrapartida a esse ponto de vista temos o discurso de Ana Pizarro que vê a Amazônia como uma construção
discursiva, pois é construída a partir de uma diversidade complexa tanto sob o olhar interior como do exterior e
toda sua história se constrói em diferentes momentos, por isso a existência de diferentes discursos sobre ela, uma
vez que antes da chegada dos europeus já existiam os povos daqui e com a chegada dos mesmos o discurso se
modificou e criou-se esse imaginário exuberante, uma imagem paradoxal de inferno e paraíso. Outro ponto de
vista é construído por Milton Hatoum que lança sobre a Amazônia um olhar na perspectiva da heterogeneidade
e diz que por menor que seja um território, existirá nele uma pluralidade de culturas, uma vez que os próprios
índios já não falavam a mesma língua e com a imigração a Amazônia brasileira tornou-se uma terra sem fronteiras
fixas, terra esta em que culturas se interpenetram construindo uma identidade oscilante.
Considerando esse ponto de vista compreendemos que os discursos sobre a Amazônia brasileira se construíram
a partir de diferentes olhares, e é válido dizer ainda que a releitura de sua historiografia nos proporciona um
olhar a partir do qual podemos ser capazes de aceitar e entender a alteridade e nos construirmos a partir dela.

Atividade Avaliativa
Itinerários Amazônicos

Nome: Turma
Nome:

1) Localizada ao norte da América do Sul, a Amazônia compreende toda a bacia amazônica, formada por
quais seguintes países?

2) Segundo Márcio Souza (2001), desde o início as especulações sobre a origem do homem na Amazônia foi
cercada de muitas fantasias e teorias imaginosas. Na tentativa de explicar a presença humana no Novo
Mundo, as marcas deixadas pelos homens na Amazônia suscitaram inúmeras hipóteses. Segundo ele, qual
a teoria mais aceita?

3) Segundo Souza (2001) em meados do século XIX, depois do pesadelo vivido, os habitantes da Amazônia
recebem o indicativo de um novo tempo, tempo de estabilidade política e progresso econômico, era como
respirar sossegado. Os dois indicadores desse novo tempo foram?

4) Quais os estados brasileiros formam a Amazônia?

5) De acordo com Souza (2001) os projetos econômicos de 1964 e a abertura de faixas de terra para a
colonização resultaram em que?

6) O que foi o processo de aculturação?

7) O que foi o processo lusitanização?

8) Para Souza (2001) o período da colonização espanhola na Amazônia foi caracterizado como?

9) O que aconteceu com os indígenas, com a chegada dos imigrantes europeus? Na sua opinião isso foi
benéfico para a população indígena?

10) Vieram povos de vários lugares para a Amazônia, comente quais influencias vieram para o Brasil.

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