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VICTOR HUGO CARREIRA

PRODUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE
SUPERCONDUTOR DE Y Ba2Cu3O7−δ

São Paulo
2023
VICTOR HUGO CARREIRA

PRODUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE
SUPERCONDUTOR DE Y Ba2Cu3O7−δ

Trabalho apresentado à Escola Politécnica


da Universidade de São Paulo para obtenção
do Tı́tulo de Engenheiro de Materiais.

São Paulo
2023
VICTOR HUGO CARREIRA

PRODUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE
SUPERCONDUTOR DE Y Ba2Cu3O7−δ

Trabalho apresentado à Escola Politécnica


da Universidade de São Paulo para obtenção
do Tı́tulo de Engenheiro de Materiais.

Orientador:
Prof. Dr. Renato de Figueiredo Jar-
dim

Co-orientador:
Dr.Fábio Santos Alves Abud

São Paulo
2023
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Prof. Dr. Renato de Figueiredo Jardim que no inı́cio do ano me aco-
lheu e me introduziu ao fascinante mundo dos supercondutores, sempre solı́cito quando
precisei de ajuda, seja para interpretar resultados ou para dar conselhos sobre futuro
rumo acadêmico. Também agradeço ao Dr. Fábio Santos Alves Abud, que durante os
experimentos teve a calma de me explicar cada detalhe de onde eu possivelmente estava
cometendo equı́vocos. Agradeço aos meus amigos da universidade, não teria conseguido
me formar sem vocês, compartilhamos boas memórias durante a graduação, desde o de-
sespero na véspera de provas até momentos de risos, sejam nos corredores ou nas festas.
Além disso tenho amigos que, mesmo longe, guardo no coração. Sem eles eu jamais teria
vindo para São Paulo e também seria cego para as ciências humanas. Por fim agradeço
aos meu pais que sempre me incentivaram a perseguir uma carreira acadêmica, me apoi-
ando moralmente e financeiramente para que eu pudesse me sustentar em São Paulo e me
preocupar somente com os estudos.
”A ideia

De onde ela vem?! De que matéria


bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta


Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a


constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tı́sica, tênue, mı́nima, raquı́tica ...

Quebra a força centrı́peta que a


amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da lı́ngua paralı́tica.”

-- Augusto dos Anjos


RESUMO

Supercondutores de alta temperatura como o Y Ba2 Cu3 O7−δ tem diversas aplicações
tecnológicas. Esse trabalho teve como objetivo analisar historicamente o desenvolvimento
dessa famı́lia de materiais, abordando as teorias microscópicas e fenomenológicas que
explicam fenômenos como o efeito Meissner e a resistividade elétrica zero para correntes
DC. Além disso foram produzidas 4 pastilhas supercondutoras, utilizando como reagentes
precursores óxidos de Y2 O3 , BaCO3 e CuO, sendo que durante a etapa de produção
foram feitas análises de difração de raios-X (DRX) para observar a formação da fase
Y Ba2 Cu3 O7−δ . Por fim foi feito um experimento para determinar a temperatura crı́tica
supercondutora da amostra através do método da resistividade elétrica de 4 pontas.

Palavras-Chave – Supercondutor YBCO, Y Ba2 Cu3 O7−δ , Produção, Caracterização,


Temperatura crı́tica.
ABSTRACT

High-temperature superconductors such as Y Ba2 Cu3 O7−δ have several technological


applications. This work aimed to historically analyze the development of this family of
materials, addressing the microscopic and phenomenological theories that explain phe-
nomena such as the Meissner effect and zero electrical resistivity for DC currents. In
addition, 4 superconducting pellets were produced, using oxides of Y2 O3 , BaCO3 and
CuO as precursor reagents, and during the production stage X-ray diffraction (XRD)
analyzes were carried out to observe the formation of the phase Y Ba2 Cu3 O7−δ . Finally,
an experiment was carried out to determine the critical superconducting temperature of
the sample using the 4-point electrical resistivity method.

Keywords – YBCO Superconductor, Y Ba2 Cu3 O7−δ , Production, Characterization, Cri-


tical Temperature.
LISTA DE FIGURAS

1 Resistividade elétrica da Platina. Adaptada da Ref. [1]. . . . . . . . . . . . 16

2 Resistividade elétrica do Mercúrio próximo de 4 K. Adaptada da Ref. [1]. . 16

3 Comportamento do material normal e supercondutor em um campo magnético


B. Extraı́da da pg. 3 Ref. [2]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

4 Modelo de Drude mostrando o espalhamento de elétrons quando submeti-


dos a um campo elétrico. Adaptada da Ref. [3]. . . . . . . . . . . . . . . . 18

5 Interação do pacote de ondas ξ com um sistema quântico. Adaptada da


Ref. [4]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

6 Estado intermediário do supercondutor tipo I. Note que o estado normal


(região penetrada pelas linhas de campo magnético) e o estado supercon-
dutor (S) possuem uma interface macroscópica. . . . . . . . . . . . . . . . 27

7 Gráficos mostrando a Magnetização (M ) do supercondutor como função


do campo magnético aplicado (H). (a) Supercondutor do Tipo I, a super-
condutividade é suprimida para campos magnéticos maiores que um campo
magnético crı́tico Hc . (b) Supercondutor do tipo II, até o campo magnético
crı́tico inferior Hc1 o fluxo magnético é totalmente repelido do material. A
partir desse ponto, parte do fluxo magnético penetra o material até que no
campo magnético crı́tico superior Hc2 ele passa totalmente para o estado
normal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

8 Difração de nêutrons em um cristal de nióbio, evidenciando os vórtices em


padrões geométricos hexagonais. Retirada da ref. [5]. . . . . . . . . . . . . 29

9 Comparação entre Temperatura crı́tica (Tc ), campo magnético crı́tico supe-


rior (Hc2 ) e densidade de corrente crı́tica (jc )) para supercondutores de alta
temperatura HTS e supercondutores de baixa temperatura LTS. Adaptada
de [6]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

10 Estrutura cristalina ortorrômbica do Y Ba2 Cu3 O7−δ . Na figura são eviden-


ciados os planos de condução do CuO2 e as cadeias de CuOx . adaptada da
Ref. [7]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
11 Variação da temperatura de transição Tc com a deficiência de oxigênio δ em
um supercondutor Y Ba2 Cu3 O7−δ . Em δ = 0 é a maior temperatura crı́tica
de transição (93 K) e o efeito supercondutor é suprimido para δ > 0, 6.
Adaptada da Ref [8]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

12 Aplicações diversas de supercondutores. Retirada da Ref. [9]. . . . . . . . . 35

13 Balança de precisão com campânula mostrando a aferição da massa dos


reagentes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

14 Almofariz de ágata evidenciando o aspecto dos reagentes após homogenização. 37

15 Prensa hidráulica utilizada para fabricação das pastilhas e manômetro mos-


trando 5 Ton. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

16 Pastilhas sendo trasportadas em cadinho de alumina para sinterização. . . 41

17 Efeito Meissner de levitação magnética de Imãs de Neodı́mio-Ferro-Boro


perante amostras de supercondutores banhadas em nitrogênio lı́quido. . . . 42

18 Esquema elétrico na aferição da resistência elétrica da Platina. . . . . . . . 43

19 Diagrama Tensão vs. Corrente para a curva de calibração do gelo. . . . . . 45

20 Circuito elétrico para determinar o comportamento da resistência em função


da temperatura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

21 Fase verde (211) formada na amostra 1 após o segundo tratamento térmico. 50

22 Gradiente de cor causado por um gradiente de temperatura. . . . . . . . . 51

23 Diagrama de fases ternário Y2 O3 - CuO - BaO em 950ºC. Retirada da


referência [10]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

24 Energia livre de Gibbs (∆G) das reações de interfaces entre os reagentes


usando Y2 O3 , BaCO3 e CuO. Adaptada da Ref. [11]. . . . . . . . . . . . . 54

25 DRX para a amostra 2 após o tratamento térmico 2 (930 °C). . . . . . . . 55

26 DRX para a amostra 2 após o tratamento térmico 3 (950 °C com fluxo de


O2 )-lado esverdeado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

27 DRX para a amostra 2 após o tratamento térmico 3 (950 °C com fluxo de


O2 )-lado preto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

28 DRX para a amostra 2 após o tratamento térmico 4 (950 °C com fluxo de


O2 ). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
29 DRX para a amostra 3 após o tratamento térmico 3 (950 °C com fluxo de
O2 ). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

30 Gráfico mostrando (de cima para baixo): a) variação da temperatura do


termômetro ao longo do tempo. b) Variação da resistividade ao longo do
tempo. c) Resistividade em função da temperatura. . . . . . . . . . . . . . 59

31 Gráfico mostrando (de cima para baixo): a) variação da temperatura do


termômetro ao longo do tempo. b) Variação da resistividade ao longo do
tempo. c) Resistividade em função da temperatura. . . . . . . . . . . . . . 60

32 Gráfico mostrando (de cima para baixo): a) variação da temperatura do


termômetro ao longo do tempo. b) Variação da resistividade ao longo do
tempo. c) Resistividade em função da temperatura. . . . . . . . . . . . . . 61
LISTA DE TABELAS

1 Massa de reagentes utilizados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

2 Tratamentos térmicos realizados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

3 Dimensões dos paralelepı́pedos de Y BCO usados na determinação da re-


sistividade elétrica em função da temperatura. . . . . . . . . . . . . . . . . 46
SUMÁRIO

1 Introdução 12

2 Objetivo 14

3 Revisão bibliográfica 15

3.1 História e base teórica da supercondutividade . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3.1.1 O experimento de Onnes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

3.1.2 A descoberta de Meissner e Ochsenfeld . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3.1.3 As equações de London . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3.1.4 A generalização de Pippard . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

3.1.5 A teoria de Bardeen-Cooper-Schrieffer (BCS) . . . . . . . . . . . . 22

3.1.6 A teoria de Ginzburg–Landau (GL) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3.2 Supercondutores do tipo I e II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3.3 Supercondutores de alta temperatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

3.4 YBCO(Y Ba2 Cu3 O7−δ ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

3.5 Aplicações da supercondutividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

4 Metodologia 36

4.1 Preparação das amostras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

4.2 Difração de raios-X (DRX) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

4.3 Verificação da transição resistiva para o estado supercondutor . . . . . . . 41

5 Resultados e Discussão 49

5.1 Preparação das amostras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

5.2 Difração de raios-X (DRX) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51


5.3 Verificação da transição resistiva para o estado supercondutor . . . . . . . 58

6 Conclusão 63

Referências 64

Anexo A – Código Python para aquisição de dados do termômetro 66

Anexo B – Código python para converter os dados de tensão 68


12

1 INTRODUÇÃO

A condutividade elétrica é uma grandeza fı́sica que quantifica a capacidade dos porta-
dores de carga (elétrons ou buracos) de transportarem corrente elétrica quando submetidos
a um potencial elétrico. Em materiais convencionais, o fluxo dos portadores de carga não
é energeticamente perfeito, ou seja, existe uma resistência elétrica associada ao processo
de condução. Esses valores de condutividade podem ser baixos ou altos, dependendo da
natureza do material. Por exemplo, os metais tipicamente possuem boa condutividade; o
cobre possui condutividade da ordem de 108 Ω−1 m−1 , enquanto alguns isolantes, como o
vidro, podem ter condutividade da ordem de 10−8 Ω−1 m−1 . Os supercondutores são uma
classe de materiais que não oferecem resistência elétrica à passagem de corrente elétrica,
sendo assim condutores que podem ser classificados como perfeitos.

Os supercondutores, em geral só apresentam essas propriedades extraordinárias quando


submetidos a baixas temperaturas. O fenômeno conhecido como supercondutividade tem
fascinado cientistas e engenheiros desde sua descoberta, em 1911, por Heike Kamerlingh
Onnes. Desde então, os supercondutores têm desempenhado um papel fundamental na
ciência dos materiais e na tecnologia, impulsionando avanços significativos em áreas como
energia, medicina, transporte e eletrônica.

A descoberta do efeito Meissner mostrou que essa classe de materiais era mais do
que condutores perfeitos, revelando a necessidade do desenvolvimento de teorias além
do eletromagnetismo clássico para explicar o fenômeno da supercondutividade. Nesse
sentido, as teorias desenvolvidas ao longo do século XX forneceram um arcabouço con-
ceitual que permite entender as propriedades excepcionais dos supercondutores. Entre
as principais teorias, destacam-se: a teoria dos irmãos London, a teoria BCS (Bardeen-
Cooper-Schrieffer) e a teoria de Ginzburg-Landau, que juntas fornecem explicações fun-
damentais sobre o comportamento dos portadores de carga, o mecanismo fundamental
para a ocorrência do fenômeno e a transição para o estado supercondutor.

A teoria de Ginzburg-Landau estimulou a curiosidade da comunidade cientı́fica para


um novo tipo de supercondutor, assim, dependendo do comportamento nos campos magnéticos,
13

os supercondutores passaram a ser classificados em supercondutores dos tipos I e II. Os


supercondutores do tipo I expulsam totalmente um campo magnético exterior (efeito Meis-
sner) e possuem de uma transição abrupta do estado normal para o estado supercondutor.
Por outro lado, os supercondutores do tipo II exibem um comportamento mais complexo,
eles excluem totalmente a penetração do campo magnético até um campo crı́tico inferior
Hc1 , mas a partir desse campo, ao invés de passar totalmente para o estado normal, certas
regiões especı́ficas são penetradas por um campo magnético, formando os vórtices. Sendo
assim o supercondutor do tipo II só experimenta totalmente o estado normal a partir de
um campo crı́tico superior Hc2 .

Em 1986, ocorreu um marco na história dos supercondutores com a descoberta dos


supercondutores óxidos de alta temperatura crı́tica. Antes desse avanço, acredita-se que
a supercondutividade só era possı́vel em temperaturas extremamente baixas, próximas
ao zero absoluto. No entanto, os supercondutores de alta temperatura crı́tica, como o
YBCO (óxido de ı́trio, bário e cobre), apresentam supercondutividade a temperaturas
acima do ponto de ebulição do nitrogênio lı́quido (77 K). Essa descoberta revolucionou
essa área de investigação cientı́fica, tornando os supercondutores mais acessı́veis para
aplicações tecnológicas e impulsionando pesquisas adicionais para compreender a natureza
do fenômeno nesses materiais.

No presente trabalho, o objetivo foi a produção e caracterização dos supercondutores


de YBCO. Foram exploradas na prática as etapas envolvidas na sı́ntese desse material e
suas propriedades fı́sicas e quı́micas relevantes. Além disso, foram discutidas as técnicas
de caracterização utilizadas para avaliar o desempenho dos supercondutores YBCO, bem
como os desafios relacionados a suas propriedades mecânicas. Durante os experimentos
de laboratório foi observado que a fragilidade do material constitui fator limitante para
aplicações tecnológicas.

Além disso, no decorrer deste trabalho, também foi objetivo aprofundar o conheci-
mento teórico sobre os supercondutores. O mecanismo responsável pela supercondutivi-
dade em ”alta temperatura”ainda não é consenso entre os cientistas. Entender melhor
esses mecanismos pode auxiliar na busca de novos materiais que tenham temperaturas
de operação ainda mais altas, além de propriedades mecânicas melhores. Aprimorar es-
ses aspectos é fundamental para aproveitar as vantagens dos supercondutores em novas
aplicações como a geração de energia, levitação magnética, medicina e transporte.
14

2 OBJETIVO

O objetivo deste trabalho foi compreender o fenômeno da supercondutividade, abor-


dando aspectos teóricos e experimentais ao longo da história. Adicionalmente, o projeto,
sob o aspecto experimental, tem o objetivo de sintetizar um material supercondutor de
Y Ba2 Cu3 O7−δ e caracterizá-lo através de um efeito macroscópico. Para a caracterização
foi necessário controlar os instrumentos e fazer a aquisição dos dados em um experimento
da medida da resistividade elétrica como função da temperatura com a utilização de
nitrogênio lı́quido.
15

3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1 História e base teórica da supercondutividade

3.1.1 O experimento de Onnes

A história dos supercondutores tem inı́cio com Heike Kamerlingh Onnes, com o obje-
tivo de dar continuidade a tese de Van der Waals sobre a continuidade da fase lı́quida e
gasosa publicada em 1873. Assim Onnes desejava estudar a temperatura crı́tica de gases,
ou seja, o ponto a partir do qual os gases podiam ser liquefeitos, mas isso exigia tempera-
turas muito baixas e equipamentos bastante caros. Com seu grande poder de persuasão
Onnes convenceu as autoridades a investirem uma grande quantidade de recursos finan-
ceiros no departamento de fı́sica e, assim, teve sucesso em produzir alguns litros por hora
de oxigênio lı́quido em 1894, atingindo uma temperatura de −183 °C [1].

Para controlar o processo de liquefação de gases era necessário medir as temperaturas


e para isso eram usados termômetros gasosos, baseados na lei de Gay Lussac e uma
série de correções para gases não ideias. O problema desse tipo de termômetro é que
para atingir o equilı́brio térmico é necessário um tempo considerável, assim, em geral,
também se usava um termômetro secundário (mais rápido), feito de platina ou ouro,
materiais cuja a resistência elétrica aumenta de maneira quase que linear com o aumento
de temperatura [1]. A fim de medir a temperatura com eficiência, Onnes necessitava saber
o que aconteceria com a resistência elétrica desses materiais em temperaturas próximas
do zero absoluto.

Duas teorias concorrentes tentavam responder a essa pergunta: uma do consagrado


William Thomsom (Lord Kelvin) e outra do cientista alemão Paul Drude. Kelvin propu-
sera em 1901 que os elétrons (portadores de carga) próximos do zero absoluto não teriam
mobilidade, assim a resistência elétrica deveria crescer apreciavelmente com a diminuição
da temperatura. Por outro lado, Paul Drude, havia proposto em 1900 um modelo de gás
de elétrons livres em um metal, prevendo que a resistência assumiria valores próximos de
16

zero em baixas temperaturas [1]. Dadas as divergências teóricas, havia uma motivação
adicional para tentar medir as resistências elétricas de metais em temperaturas próximas
do zero absoluto.

Após conseguir liquefazer hélio em 1908 e atingir 1, 1 K, foi confirmada a teoria de


Drude, a resistência elétrica da platina decrescia para um valor constante próximo de 0
K, conforme mostra a Figura 1. A questão que emergia era: Por qual razão um valor
constante e não zero? Especulava-se que isso ocorria por conta de impurezas quı́micas
presentes no material, então era necessário um metal mais puro.

Figura 1: Resistividade elétrica da Platina. Adaptada da Ref. [1].

Figura 2: Resistividade elétrica do Mercúrio próximo de 4 K. Adaptada da Ref. [1].


17

A melhor escolha para se tentar obter uma resistência elétrica zero era trabalhar com
mercúrio (Hg), isso porque através de processos repetidos de destilação era possı́vel obter
um metal extremamente puro. Assim em 8 de Abril de 1911 foi observada a supercondu-
tividade pela primeira vez [1]. A Figura 2 mostra que a resistividade elétrica do mercúrio
atinge o valor zero próximo de 4 K. A temperatura na qual a resistividade elétrica de
um material assume valor zero ficou conhecida como temperatura crı́tica supercondutora
(Tc ).

3.1.2 A descoberta de Meissner e Ochsenfeld

Por 22 anos posteriores a descoberta da supercondutividade acreditava-se que a ca-


racterı́stica mais significante dos supercondutores era apresentar resistência elétrica zero
quando o material era caracterizado por medidas DC. Dessa maneira esses materiais po-
diam ser discutidos em termos do eletromagnetismo clássico, ou seja, até esse momento a
visão corrente era que o fluxo magnético produzido por uma corrente que circulava dentro
do supercondutor deveria permanecer aprisionado dentro dele. Assim as teorias da época
previam que o fluxo magnético dentro do supercondutor deveria permanecer constante,
independente de mudanças feitas em um fluxo magnético externo [12].

Feitas essas considerações Meissner e Ochsenfeld propuseram um experimento em que


um campo magnético era aplicado a um material no estado normal e que depois este seria
resfriado para o estado supercondutor. Ao contrário do esperado pelo eletromagnetismo
clássico, o fluxo magnético externo não ficava aprisionado dentro do material. O experi-
mento, esquematizado na Figura 3, mostrou que o material expulsa do seu interior o fluxo
magnético externo quando no estado supercondutor.

Sendo assim, foi descoberto que supercondutores eram mais do que condutores per-
feitos. O novo fenômeno observado, o diamagnetismo perfeito, que não era previsto até
então, mostrava que era necessária uma nova abordagem para compreender as proprieda-
des gerais desses materiais.

3.1.3 As equações de London

A partir das descobertas de Meissner e Ochsenfeld surge a necessidade de explicar


teoricamente o diamagnetismo perfeito. Isso foi o que os irmãos F. e H. London se pro-
puseram a fazer quando publicaram seu artigo em 1935. A abordagem da demonstração
que será dada aqui é análoga a do livro do do Prof. Michael Tinkham [2].
18

Figura 3: Comportamento do material normal e supercondutor em um campo magnético


B. Extraı́da da pg. 3 Ref. [2].

Para derivar as equações de London, primeiro será feita uma análise do modelo de
Paul Drude. O modelo proposto em uma série de artigos publicados em 1900 propunha
a condução nos metais como um gás de elétrons executando um movimento de difusão.
Negligenciado as interações eletrônicas, o modelo considerava que ocorreria um espalha-
mento de elétrons por conta de colisões com ı́ons e defeitos [13], conforme ilustrado na
Figura 4

Figura 4: Modelo de Drude mostrando o espalhamento de elétrons quando submetidos a


um campo elétrico. Adaptada da Ref. [3].

O espalhamento seria responsável por desacelerar os condutores de corrente (elétrons


ou buracos) quando o campo elétrico fosse retirado. Assim existiria um tempo médio de
relaxamento τ que governaria a transição para o sistema em equilı́brio, no qual o momento
médio seria p = 0. Dessa forma é justificada a Equação 3.1, onde a variação do momento
19

p depende do momento inicial e do tempo médio entre os eventos de espalhamento τ .

dp p
=− (3.1)
dt τ

Não é difı́cil notar que a Equação 3.1 é análoga à Segunda lei de Newton, que trata
da variação temporal do momento p. Ao incluir o efeito do campo elétrico E em que os
elétrons de carga elementar e são submetidos, a equação de movimento pode ser escrita
na forma da Equação 3.2, onde foi usado que p = mv, sendo v a velocidade média do
elétron e m a massa do elétron.

dv mv
m = eE − (3.2)
dt τ
dv τ eE
Em um estado de equilı́brio dt
= 0, logo v = m
. Se a densidade de condutores
de corrente elétrica (condutores de corrente elétrica por unidade de volume) é n, então a
densidade de corrente elétrica J é dada pela Equação 3.3

J = nev (3.3)

Até o momento a teoria não faz distinção entre condutores metálicos e supercondu-
tores. A partir desse ponto foi usado o modelo de dois fluidos, que faz distinção entre a
densidade de elétrons supercondutores ns e a densidade de elétrons normais nn . Nesse
modelo foi considerado que ns possui um tempo médio de espalhamento tendendo ao in-
dvs eE
finito, assim pela Equação 3.2 dt
= m
. Logo a densidade de corrente supercondutora
será Js = ns evs e derivando os dois lados com respeito ao tempo obtém-em a Primeira
equação de London, a Equação 3.4, onde a densidade de corrente supercondutora Js
foi chamada apenas de J para simplificação da notação.

ns e2 c2
   
dJ 1
= E= E= E (3.4)
dt m Λ 4πλ2
m 4πΛ
Na primeira equação de London, foi usado que Λ = ns e2
e λ2 = c2
. O significado
do parâmetro λ será explorado mais adiante no texto. Para a obtenção da segunda
Equação de London será necessário relembrar duas equações de Maxwell: a Equação 3.5
e a Equação 3.6.

4πJ
∇×h= (3.5)
c
20

1 ∂h
∇×E =− (3.6)
c ∂t

Ao fazer o rotacional da Primeira Equação de London, têm-se que ∂t
∇×J = Λ1 ∇ × E,
substituindo nesta a Equação 3.6, obtém-se a Equação 3.7.

 
∂ 1
∇×J+ h =0 (3.7)
∂t Λc

A partir disso, London fez a consideração de independência do tempo para escrever a


Segunda Equação de London, representada na Equação 3.8.

1
∇×J =− h (3.8)
Λc

É observado que o resultado da Primeira Equação de London só é válido para cam-
dJ
pos E que variam no tempo, caso contrário dt
resultaria em uma aceleração constante e,
portanto, uma velocidade infinita para a densidade de corrente J. A Segunda Equação
de London admite um campo magnético independente do tempo que, em conjunto com a
primeira lei, evidencia um claro desacordo com a teoria clássica, estabelecida pelo eletro-
magnetismo.

A partir das Equações de London é possı́vel explicar matematicamente porque o fluxo


magnético é expulso do interior de um material no estado supercondutor. Partindo da

Equação 3.5 e tomando o operador rotacional, resulta em ∇ × ∇ × h = c
∇ × J. Subs-
tituindo o ∇ × J pela Segunda equação de London obtém-se a Equação 3.9, que prevê a
expulsão do fluxo magnético próximo a superfı́cie de um supercondutor.

1
∇2 h = h (3.9)
λ2

Note que a Equação 3.9 prevê que campos eletromagnéticos externos são cancelados
exponencialmente no interior da amostra e penetrariam uma profundidade λ no interior da
amostra, como ilustra a Figura 3. Logo o parâmetro λ ficou conhecido como comprimento
de penetração de London. Empiricamente λ pode ser escrito através da Equação 3.10,
onde T é a temperatura do supercondutor e Tc é sua temperatura crı́tica.

 4 !− 12
T
λ = λL (0) 1 − (3.10)
Tc
21

Figura 5: Interação do pacote de ondas ξ com um sistema quântico. Adaptada da Ref.


[4].

Era esperado que o comprimento de penetração máximo, λL (0) ocorresse quando


 2  12
mc
todos os elétrons fossem supercondutores, ou seja, λL (0) = 4πne2 , porém resultados
práticos mostram que o comprimento de penetração é sempre maior que o comprimento
de London λL (0) e, portanto, ainda era necessário um aperfeiçoamento da teoria.

3.1.4 A generalização de Pippard

No desenvolvimento da teoria dos irmãos London, foi levado em conta uma eletro-
dinâmica local, ou seja, a densidade de corrente supercondutora (J(r)) em um ponto r
dependia somente do campo E que atuava em r. Pippard propôs em 1953 uma genera-
lização não local, ou seja, a densidade de correntes em r, J(r), poderia depender de um
campo elétrico E atuando em r’, E(r’) desde que esse campo estivesse dentro de um raio
l [2].

Através dessa ideia, Pippard faz uso de um parâmetro chamado de comprimento de


coerência, ξ0 , que representava o menor pacote de ondas que os portadores de cargas
supercondutoras poderiam formar, sendo que ξ0 tem um papel análogo ao livre caminho
médio l na teoria eletrodinâmica não-local da teoria clássica de metais[2, 14].

A Figura 5 fornece uma interpretação visual para o parâmetro ξ0 , sendo uma espécie
de comprimento com o qual os elétrons supercondutores podem interagir com o campo
elétrico E, análoga a discussão inicial sobre não localidade. A teoria desenvolvida por
Pippard assume que os elétrons responsáveis pela supercondutividade são aqueles que
apresentam energia kb Tc dentro da faixa de próxima do nı́vel de Fermi de um material. O
kb Tc
momento desses elétrons será da ordem de ∆p = vf
, onde vf é a velocidade dos elétrons
ℏvf
no nı́vel de Fermi. Usando o princı́pio da incerteza obtém-se ∆x >= ℏ
∆p
≈ k b Tc
, sendo
22

que a incerteza na posição ∆x é proporcional a esse comprimento ξ0 [14]. Logo, Pippard


definiu comprimento de coerência para um material puro ξ0 de acordo a Equação 3.11,
sendo kb a constante de Boltzman e a = 0, 15 uma constante numérica.

 
ℏvf
ξ0 = a (3.11)
kb Tc

A discussão acima é feita para materiais puros, considerando casos reais deve-se incluir
também o espalhamento dos elétrons. Portanto o comprimento de coerência ξ também
dependerá do livre caminho médio l. Pippard relacionou esses parâmetros através da
Equação 3.12. É importante notar que quando o caminho livre médio tende a infinito,
assim como os irmãos London assumiram, é recuperado o comprimento de coerência para
o material puro ξ0 [2, 14].

1 1 1
= + (3.12)
ξ ξ0 l

3.1.5 A teoria de Bardeen-Cooper-Schrieffer (BCS)

A teoria BCS foi proposta em 1957 sendo a primeira teoria microscópica de sucesso
para explicar o efeito da supercondutividade. O sucesso da teoria é consequência de sua
explicação satisfatória para um grande número de fenômenos observados na época [14].
Derivar a teoria BCS e explora-lá em sua totalidade está além do escopo desse trabalho,
logo serão abordados aqui suas bases e consequências.

A fim de contemplar a teoria, é necessário primeiro entender conceitos como o mar


de Fermi e o nı́vel de Fermi. O mar de Fermi corresponde à férmions (partı́culas que
obedecem ao princı́pio de exclusão de Pauli) preenchendo os menores estados de energia
em um sistema quântico. Tendo isso em mente, o nı́vel de Fermi (Ef ) é o nı́vel energético
mais alto do mar de Fermi.

Leon Cooper mostrou, em 1956, que o mar de elétrons de Fermi era instável contra
a formação de pelo menos um par de elétrons ligados, ou seja, demonstrou que existem
estados ligados com energia negativa em relação ao nı́vel de Fermi. Os pares eletrônicos
que se ligavam para formar o estado sueprcondutor ficaram conhecidos como pares de
Cooper. Para explicar matematicamente essa atração entre elétrons Cooper assumiu que
existe um potencial de atração U na faixa de energia ℏωD (faixa de energia de Debye)
nas vizinhanças da energia de Fermi e zero fora dessa região [14]. Vale ressaltar que
a essência dos pares de Cooper requer somente a existência da interação atrativa com
23

energias próximas à energia de Fermi, independentemente do ente ou excitação mediadora


[14]

Na teoria BCS a origem do potencial atrativo U foi tido como uma atração mediada
por fônons: elétrons viajam em pares interagindo uns com os outros através das vibrações
da rede cristalina, dessa maneira um elétron com spin ↑ e momento k pode se ligar com
um elétron com spin ↓ e momento −k. Qualquer elétron deixado sozinho colidiria com os
átomos da rede cristalina e sofreria um espalhamento; a energia dissipada nesse espalha-
mento constitui a resistência elétrica. Em um metal normal, é exatamente isso que ocorre.
No entanto, quando emparelhados, é necessário que ambos os elétrons sofram exatamente
os mesmos eventos de dispersão, caso contrário o par se quebra. A probabilidade eventos
de espalhamento idênticos ocorrer de maneira simultânea é insignificante e há um custo
de energia associado à quebra de um par, denominada de ∆. Portanto, se a energia de
emparelhamento for suficientemente forte, os elétrons retêm sua energia emparelhada mo-
vimento e, ao encontrar um átomo da rede, não se dispersam. Sob essas circunstâncias,
a energia não é dissipada e não há resistência elétrica [5].

Dentre as previsões importantes da teoria BCS uma delas é a Equação 3.13, que
relaciona a energia para rompimento do par de Cooper ∆ (também chamado de gap de
energia), com a frequência de Debye ωD , o potencial atrativo do par U e a densidade
eletrônica por spin no nı́vel de Fermi N (Ef )[14]. Esta equação é importante pois fornece
uma estimativa da energia necessária para o rompimento do par de Cooper em uma
temperatura T << Tc . Para um acoplamento fraco e formado por uma onda-s é possı́vel
escrever a Equação 3.14 [15].

1
− U N (E
∆(0) ≈ 2ℏωD e f) (3.13)

∆(0) ≈ 1, 74kb Tc (3.14)

Também é possı́vel fazer escrever como o Gap de energia varia em função da tempe-
ratura, como denotada pela Equação 3.15 [14].

 1
∆(T ) T 2
= 1, 74 1 − (3.15)
∆(0) Tc

Por fim, utilizando os métodos de segunda quantização, a teoria BCS fornce um meio
de escrever a função de onda dos pares de Cooper. A formação dos pares de Cooper
24

é favorecida por conta do gap de energia ∆, mas conforme mais e mais pares vão se
formando a vantagem energética para a formação de um novo par tende a ser cada vez
menor [2]. A Equação 3.16 trata desse problema, onde |vk |2 é a probabilidade do estado
(+k ↑, −k ↓) estar ocupado e |uk |2 é a probabilidade deste estado estar desocupado, logo
|uk |2 +|vk |2 = 1. Na Equação 3.16, c†k↑ é um operador de criação de partı́culas de momento
k e spin ↑, enquanto o operador c†−k↓ é um operador de criação de momento k e spin ↓.

Y
|ψBCS ⟩ = (uk + vk c†k↑ c†−k↓ ) |0⟩ (3.16)
k

Como o par formado tem spins opostos, ele será considerado um bóson e poderá se
condensar de forma macroscópica. O tamanho do par de Cooper para os superconduto-
res convencionais é maior do que as distâncias interplanares da rede cristalina, fato que
permite uma sobreposição grande das funções de onda dos pares [14].

3.1.6 A teoria de Ginzburg–Landau (GL)

A teoria BCS é uma teoria microscópica e consegue explicar muito bem os casos em
que o gap de energia (∆) é constante no espaço. Para lidar com situações em que o
gap de energia é inomogêneo, como no estado intermediário de supercondutores do tipo
I e estados mistos dos supercondutores tipos II, o uso da teoria microscópica se torna
bastante difı́cil e é substituı́da pelo uso da teoria macroscópica de Ginzburg–Landau [2].

A teoria de Ginzburg-Landau é uma teoria fenomenológica de transção de fase e foi


desenvolvida em 1950, portanto antes da teoria BCS. Apesar de conseguir tratar dos casos
onde a densidade de elétrons supercondutores ns não era constante no espaço, ela não foi
muito apreciada no ocidente no inı́cio. Isso foi alterado quando, em 1959, Gor’kov propôs
que ela era um caso limite da teoria microscópica (BCS).

Baseado no critério geral de uma teoria de transição de fase, a teoria de GL é conce-


bida através da definição de um parâmetro de ordem que assume valor zero na fase não
ordenada e um valor diferente de zero na fase ordenada. A fase ordenada é o estado su-
percondutor e a fase não ordenada o estado normal. Com o objetivo de considerar efeitos
de origem quântica, a teoria propõe um parâmetro de ordem complexo ψ(r) = |ψ(r)|eiϕ(r) .
O parâmetro de ordem relaciona-se com a densidade local dos superelétrons através da
igualdade: n∗s = ns /2 = |ψ(r)|2 . Contrariando a teoria dos irmãos London, ns não
necessita ser uma função homogênea no espaço [14].

Ginzburg e Landau interpretaram o parâmetro de ordem ψ como sendo uma classe de


25

”função de onda” para uma partı́cula de massa m∗ e carga e∗ , apesar de rigorosamente ψ


não satisfazer a equação de Schrodinger [14].

A teoria GL assume que próximo à transição de fase ψ torna-se pequena e com va-
riações suaves no espaço. Isso permite que a energia livre de Helmholtz possa ser ex-
pandida em uma série de potências de |ψ|2 de e do potencial vetor A [2, 14]. Assim é
possı́vel escrever a energia livre de Helmholtz do supercondutor (fs ) a partir da energia
h
livre do estado normal, fn = fn0 + 8π
, em função de parâmetros fenomenológicos α e β
(dependentes da temperatura), como está representado na Equação 3.17.

2
e∗
 
2 β(T ) 1 ℏ h
fs = fn0 + α(T )|ψ(r)| + |ψ(r)|4 + ∇ − A ψ(r) + (3.17)
2 2m∗ i c 8π

Ao analisar a Equação 3.17 na ausência de gradientes e campos potenciais A, ela se


reduz a Equação 3.18. Existem restrições de valores para que as constantes α e β tenham
significado fı́sico [14], sendo que α deve ser negativo e β deve ser positivo Para encontrar
a energia mı́nima a Equação 3.18 será derivada em relação à |ψ(r)|2 e igualada a zero,
obtendo |ψ|2 = − αβ . Substituindo o valor de |ψ|2 na Equação 3.18, obtém-se a Equação
3.19.

β(T )
fs − fn = α(T )|ψ(r)|2 + |ψ(r)|4 (3.18)
2

α2
fn − fs = (3.19)

Ao analisar a Equação 3.19 nota-se que a energia livre do estado supercondutor é


menor do que a energia livre do estado normal para T < Tc , por conta da restrição de
valor de β. Além disso, na ausência de campos magnéticos externos as energias livres
Hc2 (T ) 2
de Helmholtz e Gibbs são iguais, logo 8π
= − α2β . Como na temperatura crı́tica Tc o
campo crı́tico Hc é zero, assim α(Tc ) = 0 [14].

No contexto da teoria de GL existem duas escalas de comprimentos fundamentais:


(i) o comprimento de coerência ξ(T ) ; e (ii) o comprimento de penetração de Lonodn
λL (T ). O comprimento de coerência é obtido derivando a Equação 3.17 com respeito a ψ,
igualando a zero e fazendo a consideração de ausência de campos externos aplicados ao
sistema [14]. Assim o comprimento de coerência pode ser dado pela Equação 3.20, sendo
que o ξ(T ) pode ser interpretado como sendo a distância que ψ pode variar através do
26

material sem sofrer apreciável aumento de energia, ou seja, indica a extensão de coerência
do parâmetro de ordem.

ℏ2 ξ 2 (0)
ξ 2 (T ) = ≈ (3.20)
2m∗ |α| 1 − TTc

A dedução do parâmetro λL (T ) a partir das suposições de GL será omitida mas pode


ser consultada nas referências [2, 14]. É válido notar que o lado mais a direita da Equação
3.21 a mesma dependência de temperatura da Equação 3.20, logo é possı́vel definir um
parâmetro κ, definido pela Equação 3.22, que é independe da temperatura e é especı́fico
de cada material, o chamado parâmetro de Ginzburg-Landau [14].

m ∗ c2 β λ2L (0)
λ2L (T ) = ∗2 ≈ (3.21)
e |α| 1 − TTc

λL (T )
κ= (3.22)
ξ(T )

O comprimento de coerência se tornou um parâmetro que divide os tipos de su-


percondutores. Um comprimento de coerência ξ grande, muito maior que a distância
interatômica, ocasiona maior interação entre os elétrons supercondutores. Logo κ, será
pequeno e a região de separação (interfaces) entre o estado normal e o estado supercon-
dutor apresentará energia de superfı́cie positiva, gerando uma separação de fases bastante
clara entre o estado supercondutor e o estado normal, assim como mostra a Figura 6 [14].

Abrikosov, no ano de 1957, propôs um modelo que também considerava energia de


interfaces negativa entre o estado normal e o estado supercondutor, isso seria possı́vel
caso ξ fosse menor que λ. Dessa maneira existiria um estado intermediário onde as fases
normais e supercondutoras formariam um equilı́brio estável a nı́vel microscópico. A partir
desse novo modelo Abrikosov distinguiu os supercondutores em duas classes: tipo I para
κ pequeno e tipo II para κ grande [14].

3.2 Supercondutores do tipo I e II

Supercondutores do tipo I são os supercondutores que excluem totalmente o fluxo


magnético em seu interior, até um determinado campo magnético crı́tico Hc . Em con-
trapartida os supercondutores do tipo II excluem totalmente o fluxo magnético até um
campo crı́tico inferior Hc1 , a partir desse ponto parte do fluxo magnético penetra no ma-
27

Figura 6: Estado intermediário do supercondutor tipo I. Note que o estado normal (região
penetrada pelas linhas de campo magnético) e o estado supercondutor (S) possuem uma
interface macroscópica.

terial e ele permanece em um estado misto, até um campo crı́tico superior Hc2 a partir do
qual experimenta o estado normal [2]. Essa diferença de comportamentos é ilustrada em
na Figura 7. Em geral, a presença do estado misto possibilita a utilização dos supercon-
dutores tipo II em campos magnéticos superiores aos campos crı́ticos de supercondutores
tipo I.

Os supercondutores tipo II foram descobertos experimentalmente em 1935 por J.N.


Rjabinin e Lev Shubnikov, mas a explicação teórica para o fenômeno só foi fornecida em
1957 por Abrikosov. No supercondutor tipo II a energia de superfı́cie negativa faz com
que os estados normais e supercondutores fiquem misturados e a divisão de domı́nios é
restringida apenas pelo comprimento de coerência ξ. Abrikosov também mostrou que o
ponto de divisão entre os tipos de supercondutores era κ = √1 [2].
2

A penetração do campo magnético não acontece de qualquer maneira nos supercon-


dutores do tipo II, mas sim de maneira quantizada. Quando é ultrapassado o campo Hc1
pequenas regiões circulares de estado normal se formam, as quais são circundadas do lado
de fora por correntes supercondutoras, que é conhecido como vórtice. Os vórtices começam
a ser influenciados pela presença uns dos outros quando a distancia de separação entre
eles é cerca da distância de penetração λ, nesse ponto eles se organizam em um padrão
28

Figura 7: Gráficos mostrando a Magnetização (M ) do supercondutor como função do


campo magnético aplicado (H). (a) Supercondutor do Tipo I, a supercondutividade é
suprimida para campos magnéticos maiores que um campo magnético crı́tico Hc . (b)
Supercondutor do tipo II, até o campo magnético crı́tico inferior Hc1 o fluxo magnético é
totalmente repelido do material. A partir desse ponto, parte do fluxo magnético penetra
o material até que no campo magnético crı́tico superior Hc2 ele passa totalmente para o
estado normal.

geométrico conhecido como rede de Abrikosov. A Figura 8 feita com difração de nêutrons
mostra como esses vórtices se arranjam em um padrão com geometria hexagonal (região
branca) [5].

A Equação 3.23 de fluxo quantizado é deduzida na referência [16] e é uma consequência


direta das leis de London e da quantização da luz. Esse fenômeno da quantização do fluxo
magnético foi essencial para a criação dos equipamentos chamados de Superconducting
Quantum Interference Devices (SQUID), que apresenta alta sensibilidade, sendo consi-
derado o dispositivo mais sensı́vel na face da terra e vem sendo utilizado em diversas
aplicações tecnológicas até os dias de hoje [14].

hc
Φ0 = ≈ 2, 07 ∗ 10−15 W b (3.23)
2e

Os vórtices também são responsáveis pelo fenômeno conhecido como ancoramento do


fluxo (”flux pinning”), permitindo que os supercondutores tipo II fiquem mecanicamente
estáveis em campos magnéticos acima do Hc1 . Em suma a descoberta dos supercondutores
tipo II abriram de fato o caminho para aplicações da supercondutividade, já que eles
conseguiam transportar maiores densidades de correntes e operar em maiores campos
magnéticos, além de possibilitar a construção dos SQUIDs.
29

Figura 8: Difração de nêutrons em um cristal de nióbio, evidenciando os vórtices em


padrões geométricos hexagonais. Retirada da ref. [5].

3.3 Supercondutores de alta temperatura

Antes da descoberta dos supercondutores de alta temperatura era preconizado que a


temperatura de transição dos supercondutores nunca ultrapassaria as proximidades de 28
K. Isso decorre do trabalho de McMillan que unindo as expressões 3.13 e 3.14 obteve a
Equação 3.24 para a temperatura crı́tica de supercondutores, a Equação 3.24 é descrita
em função da frequência de Debye ωD , da densidade de estados próximos ao nı́vel de
Fermi N (Ef ) e do potencial atrativo entre os portadores de carga supercondutores U [5].

1
− U N (E
Tc = 1, 14ℏωD e f) (3.24)

Indo além, McMillan sugeriu que a constante de acoplamento λtr = U N (Ef ) dependia
da frequência dos fônons ωD . Fazendo uma série de outras considerações, como extrapolar
os limites das fórmulas que eram válidas para λtr ≤ 1 e desconsiderar a anisotropia de
∆, ele obteve uma fórmula que estabelecia o maior valor de Tc = 28K para a classe de
materiais denominada de A15, cujo o membro mais conhecido é o N b3 Sn [5]. O ponto
é que McMillan entendeu quão limitada era sua teoria, dadas as premissas feitas e as
30

extrapolações, mas a comunidade cientı́fica parece ter esquecido disso, então acabou-se
tomando como verdade absoluta que a temperatura crı́tica mais alta possı́vel seria próximo
dos 28 K.

Em 1986 Bednorz e Muller, dois pesquisadores alemães da IBM, descobriram o pri-


meiro supercondutor com temperatura crı́tica acima de 30 K, em um material feito de
La2 CuO4 dopado com bário. Vários outros óxidos de cobre foram pesquisados por diver-
sos grupos de cientistas até a descoberta do Y Ba2 Cu3 O7 com uma temperatura crı́tica
próxima de 92 K. A surpresa da comunidade cientı́fica foi tamanha que Bednorz e Muller
foram agraciados com o prêmio Nobel já em 1987, um tempo recorde entre descoberta e
recebimento do prêmio [5].

A Figura 9 compara as propriedades dos supercondutores de alta temperatura, HTS


(High Temperature Superconductors), com as propriedades dos supercondutores de baixa
temperatura, LTS (Low Temperature Superconductors). É possı́vel perceber que as pro-
priedades como campo magnético crı́tico superior Hc2 é bem maior no caso dos HTS. A
Figura 9 também mostra que a densidade de corrente crı́tica J também é maior no caso
dos HTS, mas isso não é estritamente verdade. A densidade de corrente crı́tica J só é
maior em determinados planos cristalinos e por conta disso a densidade de corrente crı́tica
é baixa em policristais. Além disso, como o nome sugere, a temperatura crı́tica Tc é maior
nos supercondutores HTS.

Apesar do estudo dos supercondutores LTS ser de grande interesse cientı́fico, sua
aplicação era limitada por ter que se trabalhar com hélio lı́quido, que é caro. Em con-
trapartida, os supercondutores HTS foram aplicados fora do laboratório, pois tinham
temperatura crı́tica acima do ponto de liquefação do nitrogênio, que é um gás refrigerante
abundante e muito mais barato, além de possuı́rem melhores propriedades em tempera-
turas baixas.

3.4 YBCO(Y Ba2Cu3O7−δ )

Com a descoberta dos supercondutores de alta temperatura por Bednorz e Muller,


vários trabalhos se seguiram com objetivo de obter temperaturas de transição Tc cada vez
maiores. Resfriar supercondutores com He lı́quido é dispendioso, o que limita muito sua
aplicação, resfriar com nitrogênio lı́quido é da ordem de 500 vezes mais barato. Assim, o
objetivo, ainda nos dias de hoje, é encontrar materiais supercondutores que apresentem
baixa anisotropia e temperaturas crı́ticas acima de 77 K, temperatura do nitrogênio lı́quido
31

Figura 9: Comparação entre Temperatura crı́tica (Tc ), campo magnético crı́tico superior
(Hc2 ) e densidade de corrente crı́tica (jc )) para supercondutores de alta temperatura HTS
e supercondutores de baixa temperatura LTS. Adaptada de [6].

[17].

Em Março de 1987, Paul Ching Wu Chu e colegas, baseados no trabalho de Muller,


estudavam compostos de Ba-La-Cu-O sob pressão e encontraram que a temperatura de
transição supercondutora aumentava com o aumento da pressão. É sabido que o aumento
da pressão nos sólidos altera os parâmetros da rede cristalina, assim eles tentaram replicar
o efeito quimicamente, substituindo o La por um elemento de valência +3 com raio iônico
menor, ou seja, o Y . O experimento foi um sucesso, sintetizando o material Y Ba2 Cu3 O7−δ ,
também chamado de Y BCO ou 123 por conta de sua composição quı́mica.

Esse novo material é um supercondutor à pressão ambiente e temperatura crı́tica


próxima de 93 K, um recorde até então. Imediatamente, foi especulado aplicações tec-
nológicas de todo tipo para esse novo material, desde trens de levitação magnética, até
linhas de transmissão com resistência zero. Muitas dessas ideias foram frustradas pois a
densidade de corrente J depende da temperatura de operação e é muito baixa devido a
anisotropia do material e do seu caráter cerâmico. Esse tipo de supercondutor cerâmico
é frágil e com contornos de grãos isolantes, diferentemente dos supercondutores metálicos
que eram dúcteis e com contornos de grãos metálicos, limitando ainda mais sua utilização
industrial [17].
32

Figura 10: Estrutura cristalina ortorrômbica do Y Ba2 Cu3 O7−δ . Na figura são evidencia-
dos os planos de condução do CuO2 e as cadeias de CuOx . adaptada da Ref. [7].

A estrutura do YBCO é similar a estrutura da Perovskita, possuindo uma estrutura


ortorrômbica com parâmetros de rede a = 3, 89 Å, b = 3, 82 Å e c = 11, 68 Å. A Figura 10
mostra a estrutura cristalina, sendo perceptı́vel duas camadas, uma camada condutora e
uma camada de reservatório de carga. A camada de condução consiste de planos de CuO2
separados por átomos de Y . A camada de reservatório de carga consiste em átomos de Ba
e O e cadeias de CuOx (onde x pode variar de 0 a 1) alinhados na direção b. Experimentos
medindo a condutividade em monocristais de YBCO indicam que a supercondutividade
ocorre ao longo dos planos de CuO2 [17].

Quimicamente falando, existe a necessidade de representar a quantidade de oxigênio


como 7 − x pois isso está diretamente ligado à temperatura de transição Tc do material.
Em um estudo R.J. Cava foi capaz de produzir e medir amostras de YBCO deficientes em
oxigênio. O método para a desoxigenação consiste em aquecer as amostras de YBCO até
440 °C em vácuo. O oxigênio extraı́do do material cerâmico reage com um pedaço de Zr
(absorvedor de gases). Através da medida da diferença de massa no Zr é possı́vel estimar
a quantidade de oxigênio que foi perdido pelo YBCO [8]. Com isso, foi possı́vel inferir
que a temperatura de transição é diretamente proporcional a concentração de vacâncias
33

Figura 11: Variação da temperatura de transição Tc com a deficiência de oxigênio δ em


um supercondutor Y Ba2 Cu3 O7−δ . Em δ = 0 é a maior temperatura crı́tica de transição
(93 K) e o efeito supercondutor é suprimido para δ > 0, 6. Adaptada da Ref [8].

de oxigênio, sendo que a transição para o estado supercondutor desaparece para δ > 0.6.
A Figura 11 mostra como essa variação ocorre.

Como explicação para o fenômeno, R.J. Cava mostra que no ponto em que a supercon-
dutividade desaparece também existe uma mudança da estrutura cristalina do material,
passando ortogonal para tetraédrica. A mudança na estrutura cristalina é consequência
da alteração no comprimento de ligação entre o cobre o oxigênio, confirmando que a oxi-
genação leva à transferência de portadores de carga (buracos) entre as cadeias de CuO2
e planos de CuO e, assim, aumentado a condutividade no plano através da adição de
portadores de carga (buracos).

Apesar da teoria BCS prever que o potencial atrativo entre os portadores de cargas
(elétrons ou buracos) é responsável pelo efeito da supercondutividade, a matemática de
Cooper deixa em aberto a origem do potencial atrativo. Nos supercondutores de baixa
temperatura esse potencial atrativo é interpretado como uma interação elétron-fônon,
mas para explicar a supercondutividade nos supercondutores de alta temperatura ainda
existem dúvidas se o mecanismo de acoplamento é mediado dentro do próprio sistema
eletrônico, via acoplamento forte de fônons, ou através de outras excitações elementares
dos sólidos [18].
34

3.5 Aplicações da supercondutividade

As aplicações para supercondutores são enormes, sendo que algumas tecnologias já
estão implementadas, enquanto outras são reservadas ao futuro, sejam por questões
econômicas ou limitações técnicas. Dentre as áreas de aplicação é possı́vel citar áreas
cientı́ficas, áreas médicas, áreas de transporte e áreas industriais.

Atualmente os maiores sucessos que utilizam supercondutores são os equipamentos


de ressonância magnética e os SQUIDs (sigla em inglês para Superconducting Quantum
Interference Device). Os equipamentos de ressonância magnética fazem uso de supercon-
dutores para gerar intensos campos magnéticos intensos, essenciais para alinhar os spin
dos prótons que irão gerar as imagens dos tecidos. Já os SQUIDs são dispositivos que
fazem uso da quantização do fluxo magnético em uma junção supercondutora e do efeito
Josephson, sendo usados para fazer medidas precisas de intensidade de campos magnéticos
e eletrônica de baixı́ssimo sinal de voltagem.

Existem várias futuras possı́veis aplicações para supercondutores, a Figura 12 mostra


aplicações dividindo-as em aplicações de alto campo magnético e baixo campo magnético.
Essa figura mostra algumas aplicações na área de pesquisa cientı́fica, medicina, transporte,
indústria e energia. Uma possibilidade não abordada na figura e explorada por diversas
companhias é o uso de supercondutores para a criação de bits quânticos.
35

Figura 12: Aplicações diversas de supercondutores. Retirada da Ref. [9].


36

4 METODOLOGIA

4.1 Preparação das amostras

Para a produção dos supercondutores de Y Ba2 Cu3 O7−δ partiu-se de uma mistura
estequiométrica contendo óxido de ı́trio (Y2 O3 ), carbonato de bário (BaC O3 ) e óxido
de cobre (CuO), todas na forma de pós. Para os cálculos estequiométricos foi feita uma
planilha Excel, preenchida com as massas atômicas de cada substância que seria utilizada.
Esses cálculos foram feitos para que os supercondutores de cada amostra tivessem 10 g,
mas devido a um erro de digitação a massa da amostra 1 foi superestimada. A Tabela 1
mostra a massa estequiométrica (para produção de 10 g fase supercondutora) e a massa
real de reagentes utilizados para preparar as amostras 1, 2 e 3.

Reagente Massa este- Massa amostra Massa amostra Massa amostra


quiométrica 1 (g) 2 (g) 3 (g)
(g)
Y2 O3 1,6948 2,7205 1,6983 1,6965
BaCO3 5,9243 9,5100 5,9281 5,9275
CuO 3,5821 5,7502 3,5892 3,5568

Tabela 1: Massa de reagentes utilizados.

Para medir as massas dos reagentes precisamente foi usada uma balança de precisão
previamente calibrada. Primeiro foi feita a tara utilizando uma folha de alumı́nio como
suporte. Após aferida a massa de determinado reagente, ele era depositado em um almofa-
riz de ágata para futura homogenização. Para assegurar que toda a massa era depositada
no almofariz foi feita uma raspagem com espátula no suporte de alumı́nio. A figura 13
mostra a balança de precisão e deixa claro que o erro da balança está na quarta casa de-
cimal, inclusive a campânula de vidro tem como objetivo evitar a influência de correntes
de ar do ambiente.

Os óxidos em pó foram misturados em um almofariz de ágata até que se obtivesse


uma mistura homogênea de cor acinzentada, processo que levou cerca de 30 minutos.
O carbonato de bário é um bom indicador da homogeneidade da mistura, pois quando a
37

Figura 13: Balança de precisão com campânula mostrando a aferição da massa dos rea-
gentes.

mistura é pressionada contra o almofariz se esta não estiver homogênea serão vistos pontos
brancos, indicando que o carbonato bário não foi homogenizado A Figura 14 evidencia o
aspecto acinzentado da mistura dos reagentes. Após a homogenização as misturas foram
colocadas em um cadinho de alumina e levadas ao forno para serem calcinadas.

Figura 14: Almofariz de ágata evidenciando o aspecto dos reagentes após homogenização.

A produção da fase desejada, Y Ba2 Cu3 O7−δ , envolve duas etapas de reação: a de-
composição primária do carbonato de bário e a combinação com o Ítrio sendo a primeira
delas a decomposição do carbonato, que pode ocorrer tanto pela rota quı́mica da Equação
4.1 quanto pela rota da Equação 4.2. Durante o processo de sı́ntese partı́culas adjacen-
tes reagem conforme indica a Equação 4.3. Oxigênio é necessário para a formação da
fase supercondutora, conforme mostra a reação da Equação 4.3. Baixas concentrações
de oxigênio atmosférico na reação faz com que a estrutura cristalina tenha deficiência de
38

oxigênio e isso é deletério para as propriedades do material, por isso é necessário um fluxo
de oxigênio [19].

BaCO3 (s) →
− CO2 (g) + BaO(s) (4.1)

BaCO3 (s) + CuO(s) →


− CO2 (g) + BaCuO2 (s) (4.2)

4 BaCuO2 (s) + Y2 O3 (s) + 2 CuO(g) + O →


− 2 Y Ba2 Cu3 O7 (s) (4.3)

Na etapa de calcinação, a amostra 1, após a primeira homogenização, foi levada ao


forno por 96 horas à 900 °C com uma taxa de aquecimento e resfriamento de 3°C/min.
Posteriormente o pó foi homogenizado novamente no almofariz e foi feito um segundo
tratamento térmico por 36 horas à 900 °C com uma taxa de aquecimento e resfriamento
de 5°C/min. Após nova homogenização, um terceiro tratamento térmico foi feito por 48
horas à 900 °C a uma taxa de aquecimento e resfriamento de 3°C/min, sendo que nenhum
desses utilizou fluxo de oxigênio.

Já para a amostra 2, o primeiro tratamento térmico foi feito em uma temperatura de
900 °C por 48 horas com uma taxa de aquecimento e resfriamento de 3°C/min. O segundo
tratamento térmico desta amostra foi feito em uma temperatura de 930°C por 120 horas
com a taxa de aquecimento e resfriamento de 3°C/min. Até então nenhum tratamento
havia sido feito sob fluxo de oxigênio. O terceiro tratamento térmico consistiu em aquecer
as amostras 2 e 3 até uma temperatura de 950 °C por 30 horas com fluxo de oxigênio
em pressão atmosférica. Posteriormente as amostras 2 e 3 foram tratadas por 48 horas
à 950 °C também sob fluxo de O2 . A tabela 2 mostra os tratamentos térmicos, no qual
todos foram feitos com taxas de aquecimento de 3°C/min, com exceção do tratamento 2
da amostra 1, como indicado.

Entre a amostra 2 e 3, houve a suspeita de que o forno não estava atingindo a tempe-
ratura programada. Sendo assim, com um auxı́lio de um termopar tipo K foi feita uma
verificação do perfil de temperatura do forno resistivo. Esperou-se que o forno atingisse a
temperatura programada e com a ajuda de uma tabela que associava potenciais elétricos
com temperaturas do termopar verificou-se que o forno estava corretamente calibrado.
Sempre entre duas etapas de tratamentos térmicos eram retiradas pequenas quantidades
de material para posterior análise via difração de raios-X.
39

Tratamentos Amostra 1 Amostra 2 Amostra 2 e 3


térmicos juntas
Tratamento 1 96 horas à 900 °C 48 horas à 900 °C -
Tratamento 2 36 horas à 900 °C 120 horas à 930 °C -
(5°C/min)
Tratamento 3 48 horas à 900 °C - 30 horas à 950 °C
com fluxo de O2
Tratamento 4 - - 48 horas à 950 °C
com fluxo de O2

Tabela 2: Tratamentos térmicos realizados.

Após esses tratamentos as amostras 2 e 3 foram compactadas em uma prensa hidráulica.


Os pós das amostras foram colocadas em um molde de área circular de 14,6 mm de
diâmetro e foi feita uma primeira tentativa de formar as pastilhas até que o manômetro
marcasse 10 Ton. Contudo após atingir a pressão indicada, a pastilha ficou presa no molde
e não foi possı́vel retira-lá sem que ela quebrasse no processo. Por conta desta observação
as pastilhas foram prensadas até que o manômetro marcasse 5 Ton. Esse processo foi
feito em etapas, atingia-se uma pressão intermediaria e em sequência era feito um alı́vio
de pressão, evitando que a amostra ficasse presa às paredes da matriz de aço inoxidável.
As pressões intermediárias utilizadas foram 0,5 Ton, 1 Ton, 1,5 Ton, 2 ton, 3 Ton e por
fim 5 Ton. A Figura15 mostra as pastilhas sendo feitas o o manômetro acusando 5 Ton.

Por fim as pastilhas à verde foram transportadas para um cadinho de alumina e


transportadas para o forno, onde foram sinterizadas por 40 horas em uma temperatura
de 950 °C com fluxo de oxigênio à pressão ambiente e taxa de aquecimento e resfriamento
de 3°C/min. A figura 16 mostra as pastilhas ainda não sinterizadas.

4.2 Difração de raios-X (DRX)

Entre dois tratamentos térmicos foram retiradas amostras para serem feitas análises
de DRX. As lâminas para a deposição das amostras foram preparadas com um jatea-
mento de areia e graxa de vácuo, sendo que na deposição das amostras tomou-se cuidado
para apenas pulverizar o pó em cima da graxa de vácuo, evitando texturizar os pós das
amostras. O equipamento utilizado usa radiação de Cu com radiação de comprimento de
onda Kα = 1, 5418 Å, sendo que o Kα utilizado na verdade é uma média de Kα1 e Kα2 .
Segundo os dados do equipamento a radiação Kβ = 1, 3922 Å e intensidade relativa é zero.
Foi feita uma varredura de 2θ = 20 até 2θ = 80 com passo angular de 0,05°, tempo de
exposição de 2 segundos e foi utilizada uma rotação de 30 rpm durante a operação.
40

Figura 15: Prensa hidráulica utilizada para fabricação das pastilhas e manômetro mos-
trando 5 Ton.
41

Figura 16: Pastilhas sendo trasportadas em cadinho de alumina para sinterização.

Para a análise dos dados foi utilizado o software QualX com a base de dados POW_COD.
Nesse software, logo após carregar os dados e a base de dados, foi aplicado um filtro para
subtrair o background, sendo utilizada a opção ”filter” com 5 interações e tamanho da
janela 50. Além disso na opção ”Search” foi aplicada a restrição Just e selecionados os
elementos Y , Ba, Cu, O e C. Cada amostra teve suas reflexões mais intensas selecionadas
manualmente, pois a seleção automática foi insuficiente, especialmente para amostras
polifásicas.

Assim que todos as reflexões da amostra eram associados a uma fase anotava-se os
ı́ndices de Miller das principais reflexões da fase. Para a representação gráfica das fases
encontradas foi feito um programa em python para mostrar as imagens, pois o resultado
visual que o software QualX fornece é visualmente poluı́do.

4.3 Verificação da transição resistiva para o estado


supercondutor

Após a confecção das pastilhas ainda não havia sido feita a análise de DRX para
saber se a fase formada estava correta, assim foi feita uma inspeção visual. As 4 pastilhas
foram colocadas em um porta amostras que foi preenchido com nitrogênio lı́quido e em
sequência foi feita uma tentativa de levitar pedaços de Imãs de Neodı́mio-Ferro-Boro,
ou seja, uma observação direta do efeito Meissner. A Figura 17 mostra as 4 pastilhas
levitando um pequeno Imã de Neodı́mio-Ferro-Boro, conferindo aos materiais a presença
da fase supercondutora desejada.

Com a confirmação visual do efeito da supercondutividade o próximo passo foi de-


terminar a temperatura crı́tica supercondutora dos materiais sinterizados. Para medir
42

Figura 17: Efeito Meissner de levitação magnética de Imãs de Neodı́mio-Ferro-Boro pe-


rante amostras de supercondutores banhadas em nitrogênio lı́quido.

as temperaturas crı́ticas associou-se a resistência de um resistor de platina com a tem-


peratura. A justificativa do uso da platina é que ela possui uma resistência que varia
linearmente com a temperatura em uma ampla faixa de temperatura, de 300 até 77 K,
sendo a última da temperatura do nitrogênio liquido. Para medir a resistência da platina
com precisão foi usado o método de 4 pontas, assim como ilustra o diagrama da Figura 18.
Esse método difere da simples leitura de resistência em um multı́metro pois a resistência
do fio não é contabilizada.

Para a leitura da tensão foi utilizado um multı́metro de bancada Keithley 2000 e


como fonte de corrente foi utilizado um Keithley Model 220 Current Source, ambos equi-
pamentos programáveis. Com o objetivo de aumentar ainda mais a precisão da medida
de resistência elétrica e descartar desvios da idealidade, foi feito um diagrama Corrente
vs. Tensão para o cálculo do resistência da platina. Para efetuar a mudança automática
do sentido de corrente, os equipamentos foram conectados a um notebook através de
uma conexão USB/GPIB. Para a aquisição dos dados foi feito um programa em python.
O primeiro passo foi utilizar uma biblioteca chamada pyvisa para fazer o controle dos
equipamentos. O código abaixo mostra que é necessário vincular cada equipamento a
uma porta da placa GPIB: o multı́metro foi vinculado à porta 16 e a fonte de corrente à
porta 19. A função ResourceManager().open_resource(’GPIB0::16::INSTR’) coloca
43

Figura 18: Esquema elétrico na aferição da resistência elétrica da Platina.

os equipamentos no modo listening para que seja possı́vel enviar e ler comandos. Além
disso como a fonte de corrente é de uma versão mais antiga é necessário para o mesmo
efeito coloca-lá no modo REN.

import pyvisa
import time

#Configurando os equipamentos

multimetro_1 = pyvisa.ResourceManager().open_resource(’GPIB0::16::INSTR’)

fonte_corrente = pyvisa.ResourceManager().open_resource(’GPIB0::19::INSTR’)
fonte_corrente.write("REN")

Também foram configurados alguns parâmetros necessários para o experimento, como


o tempo t em segundos para alternar a corrente entre positiva e negativa e o valor da
corrente elétrica i.

#Parametros dos equipamentos


corrente = float(10**-3)
44

t = 2 #Tempo até a corrente se alternar


i = 1 #Indentificador de correntes positivas ou negativas

Os dados adquiridos nos equipamentos eletrônicos durante o experimento foram salvos


em um arquivo .txt com um formato de dados especı́fico, primeiro era armazenado o
tempo do experimento, depois a corrente utilizada e por fim a tensão medida.

#Iniciando os documentos onde ser~


ao salvos os dados
dados = open("Dados term^
ometro ponto nitrog^
enio 3.txt", "a")
dados.write("Dados teste com o term^
ometro ponto água\n")
dados.write("Formato dos dados:\n")
dados.write("Tempo(s) Corrente(A) Tens~
ao medida(V) \n")

A fim de iniciar o experimento foi feito um loop While True que executa o programa
indefinidamente até que o usuário force a parada. O loop foi dividido em uma parte
para a leitura da corrente positiva e outra para a leitura da corrente negativa, que são
os condicionantes if. A varável comando passa a corrente a ser aplicada pela fonte de
corrente, sendo que o parâmetro E-3 indica que a intensidade de corrente será da ordem de
10−3 A. O comando time.sleep() é o tempo até o programa alterar o sinal da corrente.
o comando do multı́metro query(’:SENSe:DATA:FRESh?’) serve para o programa ler o
valor que é mostrado no painel do multı́metro nesse momento. Por fim o programa registra
o valor da corrente positiva, salva no arquivo .txt e depois multiplica o valor de i por
menos 1, para fazer o processo para o valor de corrente negativa.

#Aquisiç~
ao dos dados até que se deseje parar o programa
while True:
if i > 0:
comando = "B1I" + str(i) + "E-3V10F1X" #Comando para a fonte de corrente
fonte_corrente.write(comando)
time.sleep(t)
leitura_DC_positivo = float(multimetro_1.query(’:SENSe:DATA:FRESh?’))
t_atual = str(time.time() - tempo_inicio)
l = str(leitura_DC_positivo)
dados.write(t_atual + " +" + str(corrente) + " " + l + "\n")
i *= -1 #A próxima corrente será negativa
45

else:
comando = "B1I" + str(i) + "E-3V10F1X"
fonte_corrente.write(comando)
time.sleep(t)
leitura_DC_negativo = float(multimetro_1.query(’:SENSe:DATA:FRESh?’))
i *= -1
t_atual = str(time.time() - tempo_inicio)
l = str(leitura_DC_negativo)
dados.write(t_atual + " -" + str(corrente) + " " + l + "\n")
lista_de_tempos.append(float(time.time() - tempo_inicio))

O código na ı́ntegra está discriminado no Anexo A. A partir dele foi feita a aquisição
de dados e, com isso, foi possı́vel construir os gráficos IV (corrente vs. tensão) e assim
determinar a resistência elétrica da platina para dois pontos de temperatura conhecidos:
o ponto da temperatura de fusão do gelo (273 K) e o ponto de liquefação do nitrogênio
(77 K). A Figura 19 mostra a curva de calibração I × V da platina na temperatura do
gelo fundente, sendo que cada ponto de tensão mostrado no gráfico é uma média das
tensões medidas ao longo do tempo. Existe uma incerteza associada a essa medida, que
foi utilizada para o cálculo da incerteza na resistência do resistor de platina.

Figura 19: Diagrama Tensão vs. Corrente para a curva de calibração do gelo.

Os resultados dessa curva de calibração foram usados para criar uma função que
associava a resistência medida com a temperatura experimentada pela amostra durante
46

as medições feitas. Para o ponto de gelo fundente (273 K) o resistor de platina acusou
1006, 42 Ω e para o ponto de liquefação do nitrogênio (77 K) acusou 193, 93 Ω. Assim a
função que transforma a a leitura de uma resistência da platina (Rpt ) em uma temperatura
em K é dada pela Equação 4.6.

273 − 77
a= (4.4)
1006, 42 − 193, 93

b = 273 − a ∗ 1006, 42 (4.5)

T emperatura em K = a ∗ Rpt + b (4.6)

Para medir a resistência elétrica dos materiais supercondutores, as pastilhas da amos-


tra 3 foram cortadas em paralelepı́pedos regulares, cujas dimensões estão descritas na
Tabela 3. Essas dimensões foram utilizadas para o cálculo da resistividade, ρ, que é
uma função exclusiva do material e não depende das dimensões da amostra. Usando que
ρ∗l
R= A
foi feita a correção para a resistividade, sendo esta apresentada na última coluna
da Tabela 3.

Parale- Compri- Largura Espessura Resistividade


lepı́pedo mento (mm) (mm) (mm) (Ω * mm)
1 14,6 4,2 0,8 R ∗ 0, 230
2 11,0 1,8 0,6 R ∗ 0, 098
3 14,6 3,1 2,6 R ∗ 0, 552

Tabela 3: Dimensões dos paralelepı́pedos de Y BCO usados na determinação da resistivi-


dade elétrica em função da temperatura.

Nessa parte do experimento também foi utilizada uma configuração de quatro pontas
(conhecida como método de Kelvin). A Figura 20 mostra o esquema elétrico utilizado
nessa etapa. Vale ressaltar que a aquisição de dados nessa parte foi feita por um programa
em python muito similar ao programa do Apêndice A, com a diferença que foram utilizados
dois multı́metros Keithley 2000: um para medir a variação de tensão no supercondutor e
o outro para medir a variação de tensão no termômetro de platina. Em ambos os casos a
corrente de excitação aplicada tanto na amostra supercondutora como no termômetro de
platina foi de valor constante e magnitude 1 mA.

Obtidos os dados de tensão do termômetro e do supercondutor, foi necessário conver-


ter os dados de tensão e corrente para resistência elétrica. Para tal foi feito um programa
47

Figura 20: Circuito elétrico para determinar o comportamento da resistência em função


da temperatura.

em python, que calculava a resistência elétrica através da inclinação da reta no gráfico


V + −V −
de tensão vs. corrente elétrica, R = i+ −i−
. Dessa maneira foram calculadas as re-
sistências elétricas do supercondutor e do termômetro. A resistência do termômetro de
platina foi convertida em dados de temperatura através da função resis_para_temp que
faz uso da Equação 4.6. A resistência elétrica do supercondutor foi convertida para da-
dos de resistividade elétrica, utilizando o fator de correção mostrado na Tabela 3. Por
exemplo para transformar em dados de resistividade os dados de resistência do para-
lelepı́pedo 3 basta multiplicar os dados de resistência por 0,552 como evidenciado em
resistividade_ybco.append(0.552 * r_ybco). O código abaixo, que pode ser visto
na ı́ntegra no Apêndice B, ilustra o processo.

#A resist^
encia do term^
ometro será:
r_ter = (v_pos[0] - v_neg[0]) / (correntes[0] - correntes[1])
resistencia_termometro.append(r_ter)

# A resist^
encia R do YBCO será:
r_ybco = (v_pos[1] - v_neg[1]) / (correntes[0] - correntes[1])

# A resistividade será R vezes os fatores geométricos


resistividade_ybco.append(0.52 * r_ybco)

# Transformar as leituras das resist^


encias em leituras de temperaturas
48

temper = resis_para_temp(np.array(resistencia_termometro))

Para fazer o contato elétrico dos paralelepı́pedos supercondutores com fios de cobre foi
utilizada uma tinta prata. O circuito elétrico foi acoplado a uma haste metálica e esta era
parcialmente mergulhada em nitrogênio lı́quido. Com os dois primeiros paralelepı́pedos foi
feito com controle manual da temperatura, a haste era levantada e abaixada para variar
a temperatura. No entanto a terceira amostra foi totalmente mergulhada em nitrogênio
lı́quido e foi feita uma curva somente no processo de aquecimento.

Para determinar a temperatura de transição foi primeiro observado o inı́cio e o fim da


transição supercondutora, pontos de variações abruptas da resistividade elétrica. A partir
desses pontos, tomou-se a temperatura de transição como o ponto médio entre esses dois
pontos [20].

Com objetivo de estimar a constante de acoplamento elétron-fônon de McMillan λtr ,


que confere um comportamento linear à resistividade elétrica tanto da platina como do
material supercondutor, foi utilizada a Equação 4.7, retirada da referência [21, 22]. Na
Equação 4.7 α é a inclinação da reta da região onde a resistividade elétrica ρ(T ) va-
ria linearmente com a temperatura. Para a determinação de α foi feita uma regressão
linear com dados a partir de 100 K. Essa regressão foi feita utilizando a biblioteca
scipy.stats.linregress. A temperatura de 100 K foi escolhida por ter a certeza de
estar na região linear, tanto que na regressão foi obtido o valor de r2 = 99%.

2
ℏωD ρ(T ) − ρ(0)
λtr = 2
≈ 0, 246(ℏωD )2 α (4.7)
8π kB T

Segundo a referência [22], a unidade de ℏωD deve ser eV e a unidade de α deve ser
em µΩ ∗ cm ∗ K −1 para que a constante 0,246 fique dimensionalmente correta. Além disso
e segundo a referência [22], o valor esperado de ℏωD para o YBCO é de 3.6 eV .
49

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 Preparação das amostras

A preparação de amostras se baseou no método descrito em [19], com a diferença que


não houve um aquecimento prévio do óxido de cobre, pois foi feita a consideração que o
Cu já estava no estado de oxidação +2 e, portanto, com estequiometria CuO. Durante
a sı́ntese da amostra 1 foi observada uma fase conhecida como fase verde (Y2 BaCuO5 ,
também chamada de 211), conforme mostrada na Figura 21. Durante os dois primeiros
tratamentos térmicos da amostra 1 assumiu-se que o tempo de calcinação não foi suficiente,
mas após o terceiro tratamento térmico, no qual não foi observada uma visı́vel mudança
na coloração da amostra, cogitou-se que a estequiometria estava incorreta e foi preparada
uma nova amostra.

Ao analisar a tabela Excel feita para os cálculos estequiométricos, foi observado que
houve um equı́voco de digitação na massa molar do Y Ba2 Cu3 O7 . Contudo, ao analisar a
Tabela 1 e avaliar as proporções entre as massas utilizadas na amostra 1 e a quantidade
estequiométrica correta calculada para 10 g de produto, foi observado que as proporções
são iguais. Dessa forma e nesse estágio do experimento já foi possı́vel notar que a este-
quiometria não era a causa da observação visual da chamada fase verde.

Após corrigir a massa na amostra 2, foi feito um novo o tratamento térmico para
esta amostra à 900 °C, que também resultou na visualização da fase verde. Como erros
estequiométricos haviam sido descartados o próximo passo na tentativa de se obter a fase
correta era alterar a temperatura do tratamento térmico, que foi aumentada para 930 °C.
Após um tratamento térmico ao ar de 120 horas à 930 °C, a amostra 2 ainda apresentava
um aspecto esverdeado, indicando que a fase desejada ainda não havia sido totalmente
formada, logo o aspecto ainda era parecido com o da Figura 21.

Temendo-se ter cometido algum equı́voco na preparação da amostra 2, uma nova


amostra foi preparada e denominada de amostra 3. Para que os reagentes utilizados não
fossem perdidos, as amostras 2 e 3 foram acondicionadas em novos cadinhos para um
50

Figura 21: Fase verde (211) formada na amostra 1 após o segundo tratamento térmico.

novo tratamento térmico. No interior da região dita quente do forno, foi observado que as
extremidades do cadinho experimentavam uma temperatura menor do que a desejada e o
termopar, que controlava a temperatura do forno, ficava no centro. Assim, para controle
de temperatura era preferı́vel que as amostras sempre estivessem centralizadas em relação
ao termopar de controle do forno. Durante o tratamento térmico com as duas amostras
ao mesmo tempo, os cadinhos foram posicionados centralizados, mas isso não impediu
que houvesse um gradiente térmico. Dessa maneira, ao final do tratamento térmico 3 da
amostra 3 (vide Tabela 2), foi observado um gradiente de cores na amostra 2, conforme
mostra a Figura 22.

Para entender um pouco melhor as reações envolvidas, foram retiradas duas amostras
da Figura 22, uma amostra foi retirada da extremidade verde e outra da extremidade de
coloração mais escura, próxima da cor preta. Por fim, no último tratamento térmico das
amostras 2 e 3, que também foram feitos juntas, a inspeção visual revelou uma homoge-
neidade de cores, fornecendo segurança da obtenção da fase desejada e assim as amostras
foram prensadas e sinterizadas.
51

Figura 22: Gradiente de cor causado por um gradiente de temperatura.

5.2 Difração de raios-X (DRX)

Alguns resultados das análises de raios-X serão apresentados e discutidos abaixo,


sendo que a amostra 1 não foi analisada pois até então considerava-se que ela estava com
a estequiometria incorreta. Na verdade, ela só possuı́a uma massa total maior que as
outras duas preparadas. As figuras de difração de raios-X experimentais são construı́das
de maneira que a reflexão mais intensa sempre assuma intensidade 1000, ou seja, as
reflexões são normalizadas em relação à reflexão de Bragg mais intensa observada nos
diagramas de raios-X.

A observação do diagrama de fases ternário Y2 O3 - CuO - BaO em 950 °C é fun-


damental na identificação das fases cristalográficas presentes nos materiais investigados.
A referência [10] também traz diagramas de fases para temperaturas de 900 °C, porém
o diagrama é bastante similar a esse apresentado na Figura 23, com a diferença que o
diagrama em 900°C não contempla uma região de solução sólida Pss .

A Figura 25 apresenta o resultado da análise de DRX após o tratamento térmico 2 da


amostra 2. De acordo com Figura 25, nota-se que grande parte do BaCO3 e do CuO ainda
não haviam reagido, pois são responsáveis pelas reflexões de maiores intensidades. Ainda
sobre os reagentes, é possı́vel observar resquı́cios de Y2 O3 através da reflexão de maior
intensidade deste reagente. Outras reflexões com altas intensidades do Y2 O3 se perdem na
análise do sinal, mas auxiliam na explicação envolvendo a intensidade de outras reflexões.
Caso o sistema tivesse atingido o equilı́brio termodinâmico seria esperado que a maior
52

Figura 23: Diagrama de fases ternário Y2 O3 - CuO - BaO em 950ºC. Retirada da re-
ferência [10].
53

parte do material formado seria aquele correspondente à fase 123 (escrita como 2:1:3 na
Figura 23).

De acordo com a referência [19] era esperado a formação da fase intermediária BaCuO2 .
Entretanto o software QualX não retornava esse resultado. Na tentativa de observar as
reflexões de BaCuO2 , que não constavam na sugestão do software, pesquisou-se no site da
Crystallography Open Database qual eram os entry-number da fase BaCuO2 , sendo
encontrados os números 1525985 e 2002177. De posse dessa informação, esta fase foi
adicionada como sugestão no software para que fosse feita uma comparação gráfica com
os dados experimentais. Sendo assim essa fase foi adicionada na Figura 25. Além disso, o
software também apontou a presença da fase verde (211), que ajuda a explicar a coloração
vista nos primeiros tratamentos térmicos da amostra 2.

Durante a construção das imagens de DRX apresentadas nas Figuras 25 à 29 quando


ocorria uma sobreposição de reflexões durante a construção das figuras de DRX experi-
mentais, apenas aquelas mais intensas eram assinaladas no gráfico. Vale ressaltar que não
foi possı́vel atribuir uma fase à algumas reflexões, como é o caso da reflexão em 2θ = 31, 3
apresentada na Figura 25.

Na tentativa de compreender melhor a termodinâmica do sistema envolvendo os rea-


gentes Y2 O3 , BaCO3 e CuO foi consultada a referência [11]. Esta referência apresenta gra-
ficamente cálculos termodinâmicos para a formação de fases intermediárias na formação
do YBCO, através de um gráfico de Temperatura e energia livre de Gibbs, apresentado
na Figura 24. É possı́vel observar que a reação de formação do composto Ba2 Cu3 O6 (que
é decomposto em BaCuO2 e CuO), possui a menor energia livre de Gibbs, sendo assim, a
fase intermediária termodinamicamente mais estável. Dessa forma era esperado que fosse
observado nos DRX traços da fase BaCuO2 .

Como dito, a amostra da Figura 22 possui dois lados, um esverdeado e outro mais
escuro. Foram feitas análises de DRX desses lados separadamente. A análise do lado
preto e do lado esverdeado mostra uma diferença nı́tida na composição dos dois lados.
O DRX do lado esverdeado, mostrado na Figura 26, evidencia uma estrutura bastante
polifásica com intensidade de reflexões bastante similares para todas as fases. O DRX do
lado mais escuro, mostrado na Figura 27, tem uma dominância completa de intensidade
de reflexões da fase de interesse, a fase 123, com uma baixa intensidade de reflexões dos
reagentes, mostrando que a reação foi quase total.

Para finalizar as análises da amostra 2 foi feito um DRX mostrando a formação


completa da fase 123. Comparando a Figura 28 com as anteriores é notável que as
54

Figura 24: Energia livre de Gibbs (∆G) das reações de interfaces entre os reagentes usando
Y2 O3 , BaCO3 e CuO. Adaptada da Ref. [11].

reflexões pertencentes aos reagentes iniciais não são observadas. Observa-se também que
as reflexões mais intensas, cujos os ı́ndices de Miller são (013) e (103), se dividiram em
duas adjacentes, conferindo ao material boa cristalinidade.

Uma análise similar foi feita com a amostra 3 e foi observado que logo após o tra-
tamento térmico 3 (o primeiro tratamento dessa amostra segundo a Tabela 2) todas as
reflexões pertencentes a fase supercondutora estavam presentes no diagrama de raios-X,
mas com a observação de traços de CuO. Esse resı́duo de óxido de cobre não foi observado
após o tratamento térmico subsequente. A Figura 29 mostra o DRX com o óxido de cobre
residual.
55

Figura 25: DRX para a amostra 2 após o tratamento térmico 2 (930 °C).

Figura 26: DRX para a amostra 2 após o tratamento térmico 3 (950 °C com fluxo de
O2 )-lado esverdeado.
56

Figura 27: DRX para a amostra 2 após o tratamento térmico 3 (950 °C com fluxo de
O2 )-lado preto.

Figura 28: DRX para a amostra 2 após o tratamento térmico 4 (950 °C com fluxo de O2 ).
57

Figura 29: DRX para a amostra 3 após o tratamento térmico 3 (950 °C com fluxo de O2 ).
58

5.3 Verificação da transição resistiva para o estado


supercondutor

Nessa etapa do experimento um obstáculo a ser superado foi fazer os contatos elétricos
dos fios de Cu com a amostra, sendo este o principal motivo de serem feitos 3 para-
lelepı́pedos. Os paralelepı́pedos foram cortados de maneira a maximizar a resistência
elétrica R, como R = ρL/A. Eles foram cortados para obter a menor área de seção trans-
versal possı́vel. Resistências muito baixas diminuı́am a precisão da leitura do voltı́metro.
Por outro lado, quando as amostras eram muito finas, os paralelepı́pedos 1 e 2 encontravam-
se abaulados e trincados após alguns ciclos térmicos, inutilizando-os. A provável causa
disso foram os gradientes de temperatura, que induziram tensões nesses materiais cerâmicos
porosos e, pela ausência de ductilidade, acabaram propagando trincas e sendo quase que
pulverizados. Para evitar esse problema o paralelepı́pedo 3 foi cortado com uma espessura
maior, conforme mostra a Tabela 3.

A Figura 30 mostra como a resistividade do paralelepı́pedo 1 variou em função da tem-


peratura. É válido notar que no intervalo de tempo de aproximadamente 300 segundos
ocorreram 3 transições do estado normal/supercondutor, conforme mostrado nos gráficos
superiores da Figura 30. Ao observar o gráfico inferior da Figura 30, imaginou-se que
poderia ser um fenômeno de histerese térmica, porém a transição para o estado super-
condutor nos supercondutores tipo II é uma transição de segunda ordem, não existindo
histerese térmica em transições desse tipo. O fenômeno das diferentes temperaturas de
transição na Figura 30 provavelmente foi causado pela rápida variação de temperatura.
Nessas circunstâncias, a temperatura que o termômetro registra, não correspondente à
temperatura da amostra, pois um gradiente térmico se estabelece entre a amostra e o
suporte de amostra, onde o termômetro de platina está alojado.

Como foi dito, após alguns testes com o paralelepı́pedo 1, este foi danificado e um
novo paralelepı́pedo foi confeccionado. A Figura 31 mostra o experimento feito para o pa-
ralelepı́pedo 2. É observável que a resistividade elétrica não experimentou um decréscimo
para valores próximos de zero com o decréscimo de temperatura. Esse resultado ex-
perimental pode ser explicado levando-se em consideração que existe uma contração do
material quando resfriado. Tal contração é diferente em magnitude daquela dos conta-
tos elétricos e quando esses não estão mecanicamente estáveis uma ruptura da superfı́cie
amostra/contato é observada. Apesar disso, foi registrada uma variação brusca na re-
sistência elétrica do material em 90, 2K, valor de temperatura esperado da da transição
supercondutora do YBCO (veja Figura 30).
59

Figura 30: Gráfico mostrando (de cima para baixo): a) variação da temperatura do
termômetro ao longo do tempo. b) Variação da resistividade ao longo do tempo. c)
Resistividade em função da temperatura.
60

Figura 31: Gráfico mostrando (de cima para baixo): a) variação da temperatura do
termômetro ao longo do tempo. b) Variação da resistividade ao longo do tempo. c)
Resistividade em função da temperatura.
61

Figura 32: Gráfico mostrando (de cima para baixo): a) variação da temperatura do
termômetro ao longo do tempo. b) Variação da resistividade ao longo do tempo. c)
Resistividade em função da temperatura.

A Figura 32 mostra o resultado do paralelepı́pedo 3. Vale ressaltar que o intervalo


de tempo da tomada de dados foi de 20.000 segundos, pelo menos o dobro do tempo
gasto nos experimentos anteriores. Nesse último experimento foram tomadas precauções
para que a temperatura variasse mais lentamente, evitando grandes gradientes térmicos.
Com os devidos cuidados, pode-se considerar que o processo é quase adiabático e assim
a distribuição de temperaturas em cada instante de tempo foi considerada uniforme.
Utilizando o método do ponto médio da transição (aproximadamente 50% da variação
da resistência elétrica na transição) a temperatura crı́tica supercondutora medida foi
Tc = 92, 8C, valor esse muito próximo dos valores reportados na literatura [5, 17, 18].

Uma possı́vel explicação para a diferença da Tc medida no paralelepı́pedo 3 em relação


aos 1 e 2, é que ambos tiveram como gênese pastilhas diferentes da amostra 2, sendo
possı́vel uma pequena diferença na quantidade de oxigênio na estrutura cristalina dessas
diferentes porções do material. Apesar disso a Figura 11 fornece suporte de que o teor de
oxigênio 7−δ de todas as amostras investigadas é muito similar em todas elas e certamente
62

com (δ < 0, 2).

A fim de obter a constante de acoplamento λtr para o YBCO com o uso da Equação
4.7 foi necessário estimar α. Dado que a amostra correspondente ao paralelepı́pedo 3 foi
a que mostrou os melhores resultados nas curvas de resistividade elétrica versus tempe-
ratura, eles foram usados para estimar a inclinação α da região de temperatura onde a
resistividade apresenta comportamento linear.

A análise de regressão, representada em laranja na Figura 32, resulta em α = 6 µΩKcm ,


µΩ cm
valor compatı́vel com o obtido para o paralelepı́pedo 1 α = 9 K
, porém esses valores
µΩ cm
são uma ordem de grandeza maior que o encontrado na literatura α = 0, 87 K
[22]. A
diferença nos valores de α da literatura e do experimento aqui reportado pode ser causado
pela porosidade da amostra e eventuais desvios na determinação das medições feitas nas
dimensões do material investigado.

Utilizando a Equação 4.7 foi obtido λtr = 0, 246 ∗ (3, 6)2 ∗ 6 = 19. Esse valor encontra-
se uma ordem de grandeza acima daqueles encontrados na literatura, que variam entre 2
e 5 [18, 22]. Uma variação tão pequena em α como essa constitui um bom resultado ex-
perimental, dado que o processo envolveu amostras com alta porosidade e caracterizações
que não foram conduzidos em atmosferas controladas.
63

6 CONCLUSÃO

A análise das teorias envolvidas na explicação do fenômeno da supercondutividade


mostra o sucesso da teoria BCS em explicar microscopicamente o mecanismos da formação
dos pares eletrônicos de Cooper, que são mediados pela interação fraca via fônons. A teoria
de Ginzburg-Landau aborda o mesmo assunto, mas de maneira fenomenológica e assim
oferece uma descrição bastante avançada para os supercondutores tipo II. Essas teorias
explicam satisfatoriamente o fenômeno de resistividade elétrica zero em corrente DC e
da expulsão do fluxo magnético no interior do material supercondutor (efeito Meissner),
mas parecem não ser suficientes para explicar o mecanismo fundamental do fenômeno nos
supercondutores de alta temperatura. O mecanismo para a formação dos pares de Cooper
nos HTS ainda é uma questão em aberto na área, sendo possı́vel os pares são formados
via acoplamento forte de fônons ou outras excitações elementares dos sólidos.

Quanto à produção das pastilhas supercondutoras, verificou-se que a temperatura de


tratamento térmico de 900 °C foi insuficiente para a formação da fase 123. Quando a
temperatura foi abaixo de 950 °C, visualmente houve predomı́nio da fase verde. A análise
de DRX mostrou a ocorrência da fase verde durante os primeiros tratamentos térmicos.

O experimento de determinação da temperatura de transição do YBCO evidenciou


os problemas relacionados as propriedades mecânicas envolvidos dos materiais cerâmicos,
problemas estes que quase inviabilizam a aplicação tecnológica desses materiais em diver-
sos equipamentos e dispositivos. O primeiro problema foi a necessidade da tinta prata
para realizar os contatos elétricos dos fios de cobre com a amostra cerâmica, algo que se-
ria dispensável caso o supercondutor fosse de natureza metálica. O segundo problema foi
que, após alguns ciclos de aquecimento e resfriamento com nitrogênio lı́quido, os parale-
lepı́pedos 1 e 2 trincaram ou se desprenderam da tinta prata, inutilizando essas amostras,
para eventuais futuros experimentos de transporte eletrônico. Apesar das dificuldades, a
temperatura de transição esperada ocorrer nas vizinhanças de 92 K, foi observada em 92, 8
K nos materiais produzidos. Isso indica que as amostras de Y Ba2 Cu3 O7−δ aqui relatadas
devem ter valor de δ muito próximas de zero, evidenciando o sucesso do experimento.
64

REFERÊNCIAS

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by kamerlingh onnes in 1911. Physica C: Superconductivity, v. 479, p. 30–35,
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⟨https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0921453412000962⟩.

2 TINKHAM, M. Introduction to Superconductivity. Dover Publications, 2004.


(Dover Books on Physics Series). ISBN 9780486134727. Disponı́vel em: ⟨https:
//books.google.com.br/books?id=VpUk3NfwDIkC⟩.

3 THE Drude or Semi-Classical Model of Charge Transport. ⟨https://eng.libretexts.


org/Bookshelves/Electrical Engineering/Electronics/Introduction to Nanoelectronics %
28Baldo%29/04%3A Two Terminal Quantum Wire Devices/4.10%3A The Drude or
Semi-Classical Model of Charge Transport⟩. Accessado: 31-10-2023.

4 BARAGIOLA, B. Q. et al. N-photon wave packets interacting with an arbitrary


quantum system. Physical Review A, v. 86, p. 013811, 2012. Disponı́vel em:
⟨https://api.semanticscholar.org/CorpusID:40675759⟩.

5 SHEAHEN, T. P. Introduction to High-Temperature Superconductivity. [S.l.]: Kluwer


Academic Publishers, 2002.

6 BUSSMANN-HOLDER, A.; KELLER, H. High-temperature superconductors:


underlying physics and applications. Zeitschrift für Naturforschung B, Walter de
Gruyter GmbH, v. 75, n. 1–2, p. 3–14, out. 2019. ISSN 0932-0776. Disponı́vel em:
⟨http://dx.doi.org/10.1515/znb-2019-0103⟩.

7 YTTRIUM Barium Copper Oxide - YBCO. Disponı́vel em: ⟨https://www.ch.ic.ac.


uk/rzepa/mim/century/html/ybco.htm⟩.

8 CAVA, R. et al. Structural anomalies, oxygen ordering and superconductivity in


oxygen deficient ba2ycu3ox. Physica C: Superconductivity, v. 165, n. 5, p. 419–433, 1990.
ISSN 0921-4534. Disponı́vel em: ⟨https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/
092145349090376P⟩.

9 YAO, C.; MA, Y. Superconducting materials: Challenges and opportunities for


large-scale applications. Iscience, Elsevier, v. 24, n. 6, 2021.

10 WONG-NG, W. et al. Phase equilibria and crystallography of ceramic oxides.


Journal of Research of the National Institute of Standards and Technology, v. 106,
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11 MIURA, A. et al. Observing and modeling the sequential pairwise reactions that
drive solid-state ceramic synthesis. Advanced Materials, v. 33, n. 24, p. 2100312, 2021.
Disponı́vel em: ⟨https://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/2009/2009.10896.pdf⟩.
65

12 FORREST, A. M. Meissner and ochsenfeld revisited. European Journal of Physics,


v. 4, n. 2, p. 117, apr 1983. Disponı́vel em: ⟨https://dx.doi.org/10.1088/0143-0807/4/2/
011⟩.

13 DRESSEL, M.; SCHEFFLER, M. Verifying the drude response*. Annalen der


Physik, v. 518, n. 7-8, p. 535–544, 2006. Disponı́vel em: ⟨https://onlinelibrary.wiley.com/
doi/abs/10.1002/andp.200651807-810⟩.

14 ZUCCON, J. V. Supercondutividade em ligas de T a1−x Zrx . 2016.

15 BCS Theory for Conventional Superconductors. 2023. Acessado em 01-11-2023.


Disponı́vel em: ⟨https://cmms.triumf.ca/theses/Sonier/MSc/node12.html⟩.

16 KITTEL, C. Introduction to Solid State Physics. [S.l.]: Wiley, 2004.

17 PORTER, M. Superconductivity/ybco. IEEE Potentials, v. 15, n. 2, p. 30–35, 1996.

18 JARDIM, R. de F. Efeitos da substituição do Cu por M n no composto Y Ba2 Cu2 O7−δ .


Tese (Doutorado) — Instituto de fı́sica ”Gleb Watagin”, 1989.

19 HOWE, B. A. Crystal Structure and Superconductivity of Y Ba2 Cu3 O7−x . 2014.

20 LIU, Y. et al. Upper critical field of high-quality single crystals of kfe2 as2 . Phys.
Rev. B, American Physical Society, v. 87, p. 134513, Apr 2013. Disponı́vel em:
⟨https://link.aps.org/doi/10.1103/PhysRevB.87.134513⟩.

21 ESCOTE, M. T. et al. Upper critical field of the magnetic superconductor


rugd1.4 ce0.6 sr2 cu2 o10−δ . Phys. Rev. B, American Physical Society, v. 66, p. 144503, Oct
2002. Disponı́vel em: ⟨https://link.aps.org/doi/10.1103/PhysRevB.66.144503⟩.

22 GURVITCH, M.; FIORY, A. T. Resistivity of la1.825 sr0.175 cuo4 and yba2 cu3 o7 to
1100 k: Absence of saturation and its implications. Phys. Rev. Lett., American Physical
Society, v. 59, p. 1337–1340, Sep 1987. Disponı́vel em: ⟨https://link.aps.org/doi/10.
1103/PhysRevLett.59.1337⟩.
66

ANEXO A – CÓDIGO PYTHON PARA


AQUISIÇÃO DE DADOS DO
TERMÔMETRO

import pyvisa
import time

#Configurando os equipamentos
multimetro_1 = pyvisa.ResourceManager().open_resource(’GPIB0::16::INSTR’)
#Associa o instrumento a uma variável
fonte_corrente = pyvisa.ResourceManager().open_resource(’GPIB0::19::INSTR’)
fonte_corrente.write("REN") #Entra no modo de listening do equipamento

#Parametros dos equipamentos


corrente = float(10**-3)
t = 2 #Tempo até a corrente se alternar
i = 1 #Indentificador de correntes positivas ou negativas

#Iniciando os documentos onde ser~


ao salvos os dados
dados = open("Dados term^
ometro ponto nitrog^
enio 3.txt", "a")
dados.write("Dados teste com o term^
ometro ponto água\n")
dados.write("Formato dos dados:\n")
dados.write("Tempo(s) Corrente(A) Tens~
ao medida(V) \n")

#Listas para armazenar os valores


lista_de_tempos = []
lista_DC_1 = []
67

tempo_inicio = time.time()

#Aquisiç~
ao dos dados até que se deseje parar o programa
while True:
if i > 0:
comando = "B1I" + str(i) + "E-3V10F1X" #Comando para a fonte de corrente
fonte_corrente.write(comando)
time.sleep(t)
leitura_DC_positivo = float(multimetro_1.query(’:SENSe:DATA:FRESh?’))
t_atual = str(time.time() - tempo_inicio)
l = str(leitura_DC_positivo)
dados.write(t_atual + " +" + str(corrente) + " " + l + "\n")
i *= -1 #A próxima corrente será negativa

else:
comando = "B1I" + str(i) + "E-3V10F1X"
fonte_corrente.write(comando)
time.sleep(t)
leitura_DC_negativo = float(multimetro_1.query(’:SENSe:DATA:FRESh?’))
i *= -1
t_atual = str(time.time() - tempo_inicio)
l = str(leitura_DC_negativo)
dados.write(t_atual + " -" + str(corrente) + " " + l + "\n")
lista_de_tempos.append(float(time.time() - tempo_inicio))
68

ANEXO B – CÓDIGO PYTHON PARA


CONVERTER OS DADOS
DE TENSÃO

import numpy as np
import matplotlib.pyplot as plt

#Carregar o arquivo
arq_1 = open("Experimento resistividade supercondutor 2.txt", "r")

#Pular o cabeçalho de 3 linhas e


# a primeira linha de dados ()
for i in range(4):
arq_1.readline()

#ler os arquivos
linhas_1 = arq_1.readlines()

def resis_para_temp(r, r_gelo = 1006.42, r_nitrogenio = 196.930):


"""Pega a resist^
encia medida no termometro e transforma
em uma temperatura [K] através de
uma interpolaç~
ao linear"""

a = (273-77)/(r_gelo - r_nitrogenio) #inclinaç~


ao da reta
b = 273 - a * r_gelo #intercepto da reta
temperatura = a * r + b

return temperatura
69

resistencia_termometro = []
resistividade_ybco = []
fig, axs = plt.subplots(3)

tempos = []
v_pos = np.array([0., 0.]) #Tens~
ao positiva medida no [termometro, ybco]
v_neg = np.array([0., 0.]) #Tens~
ao negativa medida no [termometro, ybco]
correntes = [0., 0.] #Corrente [positiva, negativa]

for i in range(len(linhas_1)):

t, corren, ter, ybco = linhas_1[i].split()


t = float(t)
corren = float(corren)
ter = float(ter)
ybco = float(ybco)
tempos.append(t)

if corren > 0:
v_pos = [ter, ybco]
correntes[0] = corren
else:
v_neg = [ter, ybco]
correntes[1] = corren

#A resist^
encia do term^
ometro será
r_ter = (v_pos[0] - v_neg[0]) / (correntes[0] - correntes[1])
resistencia_termometro.append(r_ter)
# A resist^
encia R do YBCO será:
r_ybco = (v_pos[1] - v_neg[1]) / (correntes[0] - correntes[1])

# A resistividade será R vezes os fatores geométricos


resistividade_ybco.append(0.552 * r_ybco)
70

# Transformar as leituras das resist^


encias em leituras de temperaturas
temper = resis_para_temp(np.array(resistencia_termometro))

# gráfico 1
axs[0].plot(tempos, temper)
axs[0].set_xlabel("Tempos [s]")
axs[0].set_ylabel("Temperatura [K]")

# gráfico 2
axs[1].plot(tempos, resistividade_ybco)
axs[1].set_xlabel("Tempos [s]")
axs[1].set_ylabel("Resistividade [" + r’$\Omega$’ + " * m]")

# gráfico 3
axs[2].plot(temper, resistividade_ybco, "o")
axs[2].set_xlabel("Temperatura [K]")
axs[2].set_ylabel("Resistividade [" + r’$\Omega$’ + " * m]")

fig.tight_layout()
plt.show()

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